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EM PORTUGAL
Manuel Gama1
Cláudia Dominguez2
Rui Vieira Cruz3
Joana Almada4
Introdução
Metodologia de investigação
O estudo integrou uma metodologia de abordagem qualitativa conjugada com
uma abordagem quantitativa. O percurso de investigação decorreu a partir da análise de
três objetos de estudo: i) programas, manifestos e compromissos eleitorais dos partidos
com assento parlamentar; ii) debates televisivos entre os líderes partidários com assento
parlamentar; iii) notícias no contexto cultural veiculadas em plataformas digitais pelos
media.
A recolha de dados realizou-se entre 20 de dezembro de 2021 e 28 de janeiro de
20225 – intervalo temporal compreendido entre a pré-campanha e o fim do período
oficial de campanha eleitoral.
No debate que reuniu todos os líderes partidários com assento parlamentar com a
duração de duas horas, a cultura esteve mais uma vez praticamente ausente, não
obstante o moderador ao mudar de tema dizer que os candidatos poderiam escolher
entre vários temas e cultura foi uma das sugestões, mesmo assim e com o facto do
debate se ter realizado no Cineteatro Capitólio fez o elenco candidato lembrar-se de
abordar a temática. Neste debate, Catarina Martins, coordenadora do BE, refere a
palavra cultura no seguimento do tema benefícios fiscais e fuga de impostos: “que
retiram ao país milhões de euros e que serviriam para aliviar quem vive do trabalho e
financiar melhores serviços públicos incluindo a educação a cultura, a ciência...".
Também neste debate, Inês Sousa Real (PAN) referiu, mais uma vez, o fim da
tauromaquia: “Não podemos torturar um animal na arena e procurar elevar isso a
espetáculo”.
b) Dimensão Audiovisual e Multimédia
A privatização da TAP esteve em discussão entre os candidatos Rui Rio (PSD) e
João Cotrim Figueiredo (IL). Os protagonistas apresentaram opiniões diferentes sobre o
assunto. Rui Rio ponderou:
a RTP, pelo menos nos dois últimos anos deu lucro (…) eu acho que é
útil um canal público de televisão, um de rádio e a Lusa, eu acho que
são úteis, são canais mais sóbrios, são canais que têm obrigação de ser
isentos (…). Neste momento nos dois últimos exercícios já teve lucro
apesar de ter capitais próprios negativos, mas já foi tendo lucro, se
continuar nesse caminho, não há necessidade de privatizar.
(informação verbal)7
Por outro lado, João Cotrim de Figueiredo rebateu ao salientar “diz que dá lucro
porque recebe 220 milhões de euros (se não estou em erro) de indemnizações
compensatórias, pagas pelas pessoas na sua fatura da eletricidade, para todos, vejam ou
não vejam”.
c) Dimensão Artes do Espetáculo
6
Informação fornecida por João Cotrim Figueiredo (IL) durante debate realizado na RTP3, em 05 de
janeiro de 2022.
7
Informação fornecida por Rui Rio (PSD) durante debate realizado na SIC, em 10 de janeiro de 2022.
O líder do partido CHEGA, André Ventura, confrontou a candidata Catarina
Martins (BE) ao referir inúmeras vezes a classe artística: i) “Eu não sou tão bom ator
como a Catarina Martins é”; ii) “a diferença, Catarina Martins, é que quando Catarina
Martins era atriz - e bem - e eu era inspetor tributário…”; iii) “de facto, percebe-se
porque Catarina Martins era atriz…porque é uma excelente atriz, tenho que lhe dizer
isso. Por acaso nunca vi nada seu, mas tenho que lhe dizer isso: é uma excelente atriz”;
iv) “a Catarina Martins veio aqui dizer assim: ah, eles na verdade não fazem nada. Está
a mentir. E sabe que está a mentir, mas como é uma ótima atriz, passa”.
O candidato Rui Rio (PSD) fez referência ao teatro em debate com António
Costa (PS). A palavra teatro surge no contexto em que o líder do PS acusa Rui Rio de
querer aumentar o custo da saúde. Em resposta, o líder do PSD reagiu: “Não vale a pena
fazer teatro”.
d) A temática tauromaquia
A tauromaquia, por outro lado, foi explorada por diferentes líderes partidários
como Francisco Rodrigues dos Santos (CDS), Inês Sousa Real (PAN) e João Cotrim
Figueiredo (IL). O líder partidário do CDS e a representante do PAN trouxeram aos
debates as práticas das atividades tauromáquicas em Portugal. A porta-voz salientou ao
líder do CDS que
(…) só no caso da tauromaquia estamos a falar de mais de 16 milhões
de euros ao ano. Só no Campo Pequeno beneficiam de uma isenção de
12 milhões de euros da Praça de Touros do Campo Pequeno. E
quando olhamos para outros setores da nossa economia, em particular
no setor cultural, há aqui uma grande injustiça social de estarmos a
canalizar verbas para uma atividade absolutamente anacrónica, cruel
para com os animais que já não deveria de ter lugar na nossa
sociedade em pleno séc. XXI. (informação verbal)8
Francisco Rodrigues dos Santos (CDS) diante de Inês Sousa Real (PAN)
confrontou a líder partidária de, por um lado, defender a liberdade de imprensa e, por
outro, querer proibir as estações de TV privadas de transmitir touradas em sinal aberto:
“sabe que Inês Sousa Real no programa que defende, diz exatamente isto: as estações
privadas devem ser proibidas de transmitir touradas em sinal aberto, onde é que está o
seu respeito pela liberdade de imprensa?"
8 Informação fornecida por Inês Sousa Real (PAN) durante debate realizado na RTP3, em 04 de janeiro de 2022.
O assunto tauromaquia dominou o debate entre CDS e PAN. O líder Francisco
Rodrigues dos Santos referiu a tauromaquia como "uma arte performativa com raízes
culturais profundas”. Em outro momento do debate, Inês Sousa Real respondeu à
Francisco Rodrigues dos Santos sobre os postos de trabalho na tauromaquia: “Não
houve perdas de trabalho com a pandemia no setor da tauromaquia" e continua a dizer
os únicos postos que se extinguem com o fim da tauromaquia são de
meia dúzia de pessoas que estão ligadas ao lobby da tauromaquia e
que beneficiam destes milhões de euros, os portugueses gostariam
com certeza de saber para onde foram os 90 milhões de euros para o
Campo Pequeno para que lá fossem realizadas touradas e que
desapareceram no processo de insolvência. Ele insiste que o CDS, “se
for governo vai baixar novamente o IVA da tauromaquia para 6%.
(informação verbal)9
9 Informação fornecida por Inês Sousa Real (PAN) durante debate realizado na RTP3, em 04 de janeiro de 2022.
10Informação fornecida por Inês Sousa Real (PAN) durante debate realizado na SIC Notícias, em 14 de janeiro de
2022.
Se estudar a lei perceberá que a tauromaquia está enquadrada como
uma arte performativa com raízes culturais profundas na sociedade
portuguesa e todos os espetáculos culturais na lei têm exatamente o
mesmo IVA que é 6%. A tourada era o único que está excecionada por
perseguição ideológica. (informação verbal)11
11Informação fornecida por Francisco Rodrigues dos Santos (CDS) durante debate realizado na CNN Portugal, em 10
de janeiro de 2022.
50%
40%
30%
20%
10%
0%
20 a 26 dezembro 27 dezembro a 2 3 a 9 janeiro 10 a 16 janeiro 17 a 23 janeiro 24 a 28 janeiro
janeiro
Lusa 24,5%
Público 13,2%
Sábado 8,5%
Visão 10,4%
Considerações finais
Ao contrário do que aconteceu nos debates televisivos em que a discussão de
propostas de políticas culturais ocupou um espaço muito residual, nos programas,
manifestos e/ou compromissos dos partidos representados na Assembleia da República,
na sua generalidade, a cultura esteve presente em secções dedicadas ao tema.
Das 106 peças jornalísticas agregadas e distribuídas pelas sete fontes noticiosas
analisadas, que abarcaram a temática da cultura e a sua relação com a campanha
eleitoral das eleições legislativas 2022, registou-se um crescente interesse da imprensa
(ainda que residual) da temática da cultura ao longo da duração da campanha. A
tauromaquia assumiu principal destaque, catalisada pelos discursos e cobertura noticiosa
do PAN e do CDS. Destaca-se o interesse mediático suscitado pelos confrontos na
cidade de Beja, a 20 de janeiro, em torno da tauromaquia.
Nos debates televisivos, a Cultura foi reduzida à tauromaquia, excluindo
propostas concretas de políticas públicas culturais contidas nos programas eleitorais
partidários, reduzindo ao segundo plano esta importante área estratégica de governo.
Ficou evidente que as políticas culturais, nos meios de análise utilizados, não
estiveram nas prioridades do debate político, embora que da direita à esquerda muitas
foram as páginas escritas sobre a cultura nos programas eleitorais.
A vigilância no cumprimento da Constituição e das (poucas) promessas de
campanha deve ser uma constante na ordem do dia para que as propostas e debates de
políticas culturais não fiquem relegados para segundo plano em favor de temáticas mais
mediáticas ou populistas que, apesar de totalmente legítimas, não podem ou devem
abafar os desafios que todo setor cultural tem pela frente nos próximos anos.
REFERÊNCIAS