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HABITAR A CASA – PAI MISERICORDIOSO

A sociedade moderna ou pós-moderna nos impulsiona a viver fora de casa. Inúmeras são as
propostas de realização pessoal, felicidade, prazer, sucesso. Os bens de consumo anunciados
trazem esta marca, inclusive os livros que mais vendem são os que prometem a conquista destes
anseios. O que percebemos é que são ofertas que na prática não funcionam, pois, o foco está fora
do ser humano. Não está centrado na essência. Anuncia como se a felicidade viesse de uma outra
instância que pouco ou nada tem haver com a realidade. É o resultado da imaginação que cria um
IDEAL que falsifica as necessidades e desejos e consequentemente a realidade humana. Com isto
fica difícil ou impossível habitar a casa.
A atividade missionária de Jesus esteve centrada na questão de habitar a casa. Convidou a
todos para entrarem. Verificamos no seu encontro com as crianças, prostitutas, cegos, aleijados,
mulheres, leprosos – enfim todos os excluídos. O encontro com Jesus desperta a confiança, o
potencial e consequentemente chama para assumirem a própria responsabilidade.
Penso que na parábola da volta do Filho Pródigo se concretiza o verdadeiro encontro na
casa e modifica a todos. No seguimento de Jesus à luz do nosso Carisma somos chamados/as a
refletir em qual dos três personagens centrais nos encontramos na concretização de nossa missão.
Somos o filho que sai, o filho mais velho ou o pai misericordioso? Ressignificar a Educação é
assumir estas diferentes dimensões em cada um/a de nós e HABITAR A CASA.
Ler o texto: Lc 15, 11-32
1. A experiência do filho mais moço
Só quando me atrevo a aprofundar o significado de deixar a casa é que passo a entender
realmente a volta. Reconhecer e aceitar as longas viagens por terras estrangeiras é que possibilita a
compreensão do amor divino e a misericórdia capaz de transformar morte em vida. Deixar a casa é
muito mais do que um acontecimento histórico limitado no tempo e lugar. É negar a realidade
espiritual de que pertenço a Deus com todo o meu ser, que Deus me ampara num eterno abraço.
Deixar a casa é como se eu ainda não possuísse um lar e precisasse procurar muito distante até
encontrá-lo.
A casa é o centro do meu ser, onde posso ouvir a voz que diz: “Você é o meu Filho Amado,
sobre você ponho todo o meu carinho”. Voz que liberta das atividades sem sentido, rotineiras,
enfadonhas, angustiantes propostas pelo mundo sombrio. Ser Filho Amado é perceber que “ainda
que eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei”.
Como Bem-amado, posso curar os enfermos, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos,
expulsar demônios, proclamar o ano de Graça. Ser Amado é ser capaz de sofrer perseguições sem
desejo de vingança e, receber comprimentos sem precisar utilizá-los como prova de minha
bondade. É ser livre para viver e dar a vida. Como tu me enviaste ao mundo, também eu os envio
ao mundo. O mundo é o verdadeiro lar, a verdadeira morada, o local de permanência. Habitam esta
morada as pessoas que se deixam tocar e sentem as mãos bendizentes de Deus, como fogo que
aquece o interior.
Raiva, ressentimento, ciúme, desejo de vingança, ganância, antagonismo e rivalidades são
sinais de que saí de casa. O poder quando não está a serviço é uma prova da decadência da casa.
Todos os bens recebidos do Pai quando utilizados para a promoção pessoal, opressão, arrogância,
exclusão, faz com que me perca num “país distante”. Reconhecer estes limites faz emergir o
clamor de libertação e começa o retorno para casa.
Para o retorno não há necessidade de preparar nenhum discurso justificador. A caridade
consigo mesmo e com o outro dispensa o discurso. É só chegar... O caminho para casa é longo e
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difícil. Receber o perdão de Deus é um dos maiores desafios espirituais. A obsessão na elaboração
de inúmeros discursos inviabiliza o encontro e, conseqüentemente a entrada na casa. O medo de
assumir a responsabilidade de filho trava a volta. Chegar em casa é compreender que não terei
somente direito ao céu, mas a terra será minha herança, sendo filho livre e não empregado. O
jovem que o pai abraça é toda a humanidade dilacerada voltando para Deus.
Refletir:
1. Como sinto o filho mais moço na minha história pessoal, profissional, comunitária, eclesial,
institucional e social?
2. Refletir sobre o jeito de Jesus viver o verdadeiro Filho Pródigo: “O Verbo se fez carne e
habitou entre nós”.
3. O que posso mudar na minha vida para HABITAR A CASA?

2. A experiência do filho mais velho


Segundo a parábola a conversão mais difícil é daquele que permanece em casa. Ambos queriam
o abraço do pai que perdoa como também ambos precisavam voltar para casa. Isto por que os dois
estão perdidos. O filho mais velho também se afastou, cumpriu seu dever, trabalhou duro, deu
conta das obrigações, mas se tornou mais e mais infeliz e cativo.
A postura do filho mais velho de agradar o pai o afastou de casa. “Nunca transgredi um só de
teus mandamentos...”. É uma queixa em que a obediência e dever tornaram-se um peso e o trabalho
uma escravidão. Expressa a falta de liberdade na casa do pai e aí a inveja se manifesta. Claro que é
difícil identificar e aceitar o desacerto do filho mais velho. Sempre fez tudo certo, obediente,
cumpridor de tarefas, as pessoas o admiravam e consideravam o filho modelo, aparentemente sem
defeitos. Mas, quando o pai acolhe o filho mais jovem explode todo o egoísmo, a raiva, o
ressentimento, a maldade, o orgulho. São sentimentos que estão muito presente na vida dos
“santos” e “santas” que preocupam-se muito em evitar o “pecado”. Este fanatismo afasta da casa.
O filho mais velho pela sua rigidez torna-se um “peso”, não sorri, não brinca, não tem
espontaneidade. Por isto, é incapaz de “entrar na festa, na dança”. Foi o pai que saiu. A parábola
não diz se o filho mais velho entrou. Habitar a casa é difícil para os que pensam nunca ter saído.
A parábola não se divide entre bom e mau. Só o pai é bom. Ele ama os dois. O amor de Deus
não depende se eu sou o filho jovem ou o mais velho. O único desejo de Deus é o de fazer voltar
para casa. “Tudo o que tenho é teu”. O pai responde aos dois com suas particularidades. A volta do
filho mais jovem o faz convocar para a comemoração cheia de alegria. A volta do filho mais velho
o faz estender o convite para a total participação nessa alegria.
É preciso abandonar toda rivalidade e competição que leva a tratar o outro não como irmão,
“esse seu filho...”, toma distância. Para o filho mais velho tanto o irmão mais jovem como o pai são
estranhos. Não há confiança, aí fica difícil habitar a casa. Confiança e gratidão são indispensáveis
para a conversão – a partir de então, será possível habitar a casa.

Refletir:
1. Será que o filho mais velho que está em mim pode voltar para casa? Como posso voltar
quando estou perdido em ressentimento, ciúme, prisioneiro da obediência e do dever que
escraviza?
2. Reflita sobre o jeito de Jesus viver o filho mais velho: “O Filho Amado sobre quem paira a
complacência de Deus”.
3. O cotidiano está cheio de filhos instáveis e indignados. Estando cercado por iguais parece
haver solidariedade. Como me livrar do filho mais velho que está em mim, na comunidade
e nos espaços profissionais sem arrancar as virtudes?

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3. O Pai
No pai o pecado e perdão se fundem. O humano e o divino são um só. Um pai que reconhece o
filho com os olhos do coração. O amor do pai abrange todo o sofrimento humano, encerra toda a
humanidade. O toque de suas mãos, irradiando uma luz divina, deseja somente curar, restaurar a
vida. Seu único desejo é abençoar. “Você é o Filho amado, sobre você coloco minha benção”. O
filho é tocado por uma mão masculina e outra feminina. Vai além das mãos é o seio de Deus que
acolhe para renascer. É o coração que não se divide em mais ou menos. Acolhe todos para a luz da
alegria.
Deus que é pai e mãe não compara nunca. Ama e não atrasou a festa pensando que o filho mais
velho se sentisse rejeitado. Isto fica claro também na parábola dos trabalhadores da vinha. Dá uma
irritação pensar que os “folgados” serão também recompensados. A maneira de Deus é a de amar
igualmente aqueles que chegaram tarde e, talvez, trabalharam “pouco”. É a dádiva, a misericórdia e
a profunda gratidão dada a todos.
O desafio é deixar-se amar por Deus. É Deus que “saí e vai ao encontro”. É o amor eterno de
um Deus que é pai e mãe, não dá aos filhos a oportunidade de se desculparem. Ele se antecipa às
súplicas, elas são irrelevantes diante do regozijo da volta. Deus devolve a posição de herdeiro. Dá
vestimenta e o ano de graça de Deus é inaugurado, inicia-se a festa da abundância, o Reino está
acontecendo. Alegria que ilumina todas as ações de não-vida.
O chamado para a casa do Pai não é o final. Habitar a casa é perdoar, consolar, curar, oferecer a
festa, isto é, vir a ser também pai. “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”. Para
concretizar isto o Pai tem que deixar de ser estranho para nós. O medo do castigo de Deus paralisa
a vida emocional e mental, independente da idade ou estilo de vida. Este medo é a tragédia
humana. É uma “peste” que arrasa milhares de vida. A meta é chegar a ter a compaixão do Pai. A
superação do estado de filhos infantilizados pela instituição, sociedade ou pela visão deturpada de
Deus é um caminho longo e exigente.
Somos “co-herdeiros em Cristo...”. Assumir isto não é um romantismo sentimental, é oferecer a
mesma compaixão que recebi do Pai... Jesus, o Bem-amado do Pai, deixa a casa do Pai para
carregar os pecados dos filhos errantes de Deus e trazê-los de volta. Mas, ao sair, permanece junto
ao Pai e através da completa obediência oferece cura a seus irmãos ressentidos. Dar os passos em
direção do amor é difícil – mas é o caminho.
Ser pai é ousar assumir a responsabilidade de uma pessoa espiritualmente adulta. Não há
sucesso, não há popularidade nem fácil satisfação. É um vazio de verdadeira liberdade – até para
assumir a morte. Poder dizer como o velho Simeão: “Agora Senhor, conforme a tua promessa,
podes deixar o teu servo partir em paz”. Habitar a casa agora é o caminho para um dia habitarmos
eternamente em Deus.

Refletir:
1. Quais posturas da Educação, Família, Igreja e Sociedade, mesmo que sutis, fazem com que se
mantenha os filhos dependentes?
2. O que na Igreja, Sociedade, Família e na vida pessoal é preciso fazer para chegar a ser adulto
responsável?
3. Como HABITAR a CASA e prestar efetivamente um serviço a todos que estão “fora da casa”
ou por demais “dentro dela”?
Síntese elabora pelo prof. Antonio Boeing a partir
o livro O Pai Misericordioso de Álvaro Barreiro.

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