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Belo-Horizonte, MG
2021
*Este Ensaio é fruto de comentários e reflexões que produzi durante a disciplina de
Psicologia Política. Dito isto, esclareço aqui que optei por condensar a parte de
comentários e o ensaio num só trabalho, assim como permitido pelo professor em aula
do dia 18/03/21.
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A origem da expressão “mimimi” é incerta, mas seu uso se alastrou nas redes
sociais dos últimos anos, principalmente em “debates” feitos de modo online sobre
diversos assuntos, normalmente envolvendo pautas políticas, ambientais e assuntos
relacionados a minorias.
Alguns artigos já trabalharam o uso da expressão com diversos enfoques. Feres,
Rebello, Ribeiro e Monnerat (2020) analisam memes caracterizados como “mimimi”
que tratam de questões relacionadas às mulheres, na busca de compreender como é
fabricado um estereótipo. Tendo como motor um conjunto de memes em torno da
máxima “bela, recatada e do lar” elas tratam do meme como um recurso comunicativo
se valendo da análise do discurso e da teoria das representações sociais para
fundamentar o trabalho. Vieira et al. (2018), em trabalho apresentado no congresso na
Universidade do Vale do Paraíba fazem uma análise exploratória e narrativa a respeito
da construção social do “mimimi”. Se valendo de referências diversas da psicologia
Social a artigo lança mão principalmente das categorias de preconceito e estereótipo.
Pinto (2019) trabalhando do ponto de vista linguístico busca evidenciar o papel da
metalinguagem no funcionamento da linguagem como ação social enquadrando o
“mimimi” como parte desse processo que deslegitima um ato de fala desde antes de sua
realização.
Contudo, acredito que se utilizando o pensamento de Jacques Rancière e seu
princípio da igualdade como um verificador, possa haver uma certa virada na
compreensão do uso do mimimi por setores hegemônicos, principalmente, quando estes
a utilizam em debates relacionados as disputas minoritárias, que também são o enfoque
dos artigos citados acima. Para atender este objetivo do ensaio, primeiro se faz
necessária uma apresentação do pensamento do autor, seguida da análise do uso da
expressão de acordo com seu pensamento.
Com os usos contemporâneos do termo, argumento de forma breve e esboçada
como o alastramento do “mimimi”, vem se aproximando do conceito de significante
vazio de Ernesto Laclau.
É importante destacar que neste trabalho não considerei apenas memes (apesar
de trazer alguns exemplos verbo-visuais) para a análise, mas a manifestação geral do
termo “mimimi”, seja verbal, textual ou imagética. O que está em questão é como ele
funciona. Outro aspecto interessante é que nenhum dos autores que aqui fundamentam
este ensaio foram utilizados em nenhum dos artigos pesquisados.
Fundamentação teórica
.
Para que se compreenda o universo conceitual de Rancière é necessário entender
autor antes do livro “A partilha do sensível” propriamente dito e nele o autor a descreve
como o
ordem policial a ordem política seria a criação de um dissenso por meio da publicização
divisão das parcelas numa comunidade, há sempre os sem parte, sendo o povo esse
nome, essa forma de subjetivação desse dano imemorial e sempre atual (Rancière,
operação: uma desidentificação (dos nomes e dos lugares fixados pela ordem policial) e
uma identificação - com algo outro, uma pluralidade, possibilitado pela operação
meio da criação de uma cena de dissenso que leva a uma desidentificação dos nomes
entre discursos da ciência versus um discurso da vida comum (Marques & Prado, 2018).
na divisão dos seres que possuem o logos e aqueles que não o possuem. Desse modo, o
autor propõe escrever sobre as experiências dos indivíduos sem representá-las (Marques
& Prado, 2018). A poética do conhecimento se refere, dessa maneira, a fazer operar uma
historicamente se atribui a eles, fazendo proliferar nomes, palavras e usos (Marques &
Prado, 2018).
entre a ordem policial e a ordem política. Não há, então, desmontagem, desconstrução
primeira fase no qual o autor se dedicaria a política entre os anos de 1974 e 1998.
Depois, o autor se aproxima da reflexão sobre teoria estética com a publicação de livros
como A partilha do sensível e O destino das imagens. Essa divisão é arbitrária já que
para aprofundar suas análises em relação à partilha do sensível. Rancière argumenta que
a política de uma obra não reside na intenção do artista, ainda que esta seja
recepção do espectador de uma obra, que produz este significado ativamente. A política
de uma obra para o francês está na potência que ela tem de fissurar a partilha policial do
sociais ou visar a mobilização social. A política de uma obra está na sua capacidade de
Marques, 2014).
da obra não deve ser reduzida a pura demonstração como parte de uma estratégia
contexto teórico que ele nomeia como “Pós-marxismo”, o autor propõe alguns
política da contemporaneidade.
como o projeto que visa conferir sentido ao social, buscando homogeneizá-lo, mas
o povo – que não são atendidas pelo projeto hegemônico. Essas demandas podem entrar
A expressão “mimimi”
Usos do “mimimi” aqui analisados referem-se a quando a expressão é utilizada
para desqualificar a fala de outro grupo seja baseada em: gênero, classe, sexualidade,
raça, religião, faixa etária, nacionalidade ou qualquer outro marcador da diferença.
Com recentes usos por parte do Presidente da República deste termo – alguns
que se enquadram perfeitamente na análise proporcionada pelo ensaio – parece que o
termo “mimimi” vem sofrendo alguns deslocamentos em seus usos. Bolsonaro se
utilizou deste termo para se referir a atual pandemia de coronavírus que estamos
vivenciando. Sua exata fala foi: "Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Temos que
enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?" (G1,
2020). Deste modo a expressão condensa negacionismo científico, teorias da
conspiração, inabilidade na administração pública, sendo evidente que isolamento social
significa “mimimi”, que argumentar em favor desta política não significa mais que uma
reclamação.
Tal deslocamento coloca a questão se a expressão não vem se tornando o que
Laclau (2013) chamou de significante vazio. Segundo Gomes (2016), o significante
vazio
“faz convergir múltiplos significados em um
mesmo discurso a ponto de se perder o sentido
inicial, justamente pelo excesso de sentidos
incorporados, e assim provocar forte adesão para
um conjunto vasto e variado de indivíduos .”
(pag.4)
importante pra uma hegemonia tenha sucesso que ela lance mão de significantes vazios.
Para além destes efeitos analisados neste ensaio, até mesmo compreendendo-os,
não estaria o “mimimi” se tornando esse significante que pode ser usado em diversas
situações para deslegitimar não só as partes que não tem parte na partilha do sensível,
mas para discriminar correntes políticas, dados científicos, propostas diversas, dentre
outros. Até mesmo sua estrutura linguística e fonética pode remeter não só ao ruído
contexto utilizado – como é próprio do significante vazio – afim de criar uma lógica de
soluções”. Nela Lúcia Costa, diretora executiva da Stato (consultoria de RH) justifica o
desses jovens” (Radiogeracao, 2019). Aqui o “mimimi” parece abranger uma parcela
uma geração inteira. Desta forma o “mimimi” pode flutuar para deslegitimar qualquer
quando as demandas sociais lançam mão deste tipo de resposta elas já estão sujeitas a
essa lógica de equivalência suscitada por esse significante vazio que é o “mimimi”. Essa
Conclusão
Por meio deste ensaio, podemos perceber que o pensamento de Rancière nos
proporciona uma chave de leitura importante para compreendermos os usos mais
recorrentes no passado recente do termo “mimimi”.
Os usos contemporâneos desta expressão, por parte do presidente da república e
de seus apoiadores nos aponta, com Ernesto Laclau a flutuação que tal expressão vêm
adquirindo, se aproximando do que o autor chama de significante vazio. Qual a função
deste significante vazio no bolsonarismo vivenciado atualmente no Brasil?
Outro caminho de pesquisa relacionado a expressão seria os afetos suscitados
pela sua utilização. Mouffe (2018), no texto “The affects of democracy”, nos fala da
importância dos afetos na democracia, ou como ela prefere nomear, das paixões. Uma
análise mais detida na dinâmica dos afetos envolvidos nas cenas de dissenso em que o
“mimimi” emerge auxiliaria na compreensão de sua performance política.
Pesquisas mais exaustivas sobre o uso da expressão poderiam nos trazer
caminhos mais sólidos para responder tais questões, assim como o papel do termo nos
discursos políticos da atualidade.
Referências
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/03/05/chega-de-frescura-de-mimimi-frase-de-
bolsonaro-repercute-na-imprensa-internacional.ghtml
Feres, B.S., Rebello, I.S., Ribeiro, P.F.N. & Monnerat, R.S.M. (2020). Mimimi de
Sociais, 31(92).
Marques, A.C.S. & Correio, A.S.A. (2014). Rancière e a política das imagens: rosto,
Modelli, F.S. (2019). Ernesto Laclau e sua contribuição para a teoria política. Plural,
22(1), 233-241.
Mouffe, C. (2018). The affects of democracy. Eurozine, online. Disponível em: <
https://www.eurozine.com/the-affects-of-democracy/#>
Radiogeracao, (2019). “A geração mimimi está criticando demais sem propor novas
esta-criticando-demais-sem-propor-novas-solucoes/>
Paraíba.