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Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
946 Marcos Marques de Oliveira
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
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Para mais detalhes sobre o processo de implantação do ensino superior brasileiro, conferir o capítulo três (Ciência e educação
superior no Brasil do século XIX), de Schwartzman (1979).
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as. “E o Brasil, saindo da fase joanina com palmente religiosa) e o ensino primário foi
algumas instituições de educação elitária relegado ao abandono, sobrevivendo pelo
(escolas técnicas superiores), chegou à In- sacrifício de alguns mestres-escolas, que des-
dependência destituído de qualquer forma tituídos de habilitação profissional, só encon-
organizada de educação escolar”. A partir travam emprego na educação.
do governo de D. Pedro I, inicia-se um pro-
cesso de transferência de poder para um Do legado do Império, além do con-
mesmo grupo de beneficiários, com acrés- junto de instituições públicas para a for-
cimo dos “letrados” aos cargos adminis- mação das elites, restou uma série de de-
trativos e políticos para o preenchimento bates sobre a estruturação de uma educa-
do quadro funcional do Estado. As Facul- ção nacional, com a tentativa da criação
dades de Direito, de São Paulo e Recife, de um sistema em que a educação popular
criadas em 1827, passam a formar os futu- era considerada um requisito fundamental
ros funcionários do governo. — sinônimo de liberdade e riqueza; antô-
nimo de pobreza e despotismo. Mas os
Em 1834, um Ato Adicional do Impera- acalorados debates sobre a educação po-
dor promove uma das primeiras políticas de pular na Assembléia Constituinte e Legisla-
descentralização administrativa, conferindo tiva tiveram como resultado apenas a “pro-
às Províncias o direito de legislar sobre a clamação” de sua importância. Já o proje-
instrução pública e de promover estabeleci- to de criação das universidades foi facil-
mentos próprios, excluindo os de níveis su- mente aprovado. Segundo Xavier (1980, p.
periores, o que vai possibilitar uma dualida- 61-63), “não se questionou seriamente da
de de sistemas, com a superposição de po- necessidade ou finalidade de Universida-
deres (provincial e central) relativamente ao des em um país destituído de educação ele-
ensino primário e secundário. Ao poder cen- mentar... [o que] veio apenas legalizar uma
tral ficou reservado o direito de promover e situação de fato — a omissão do poder
regulamentar a educação no Rio de Janeiro central em relação à educação popular”.
e a educação de nível superior, em todo o
Império. Às Províncias foi delegada a incum- A estrutura geral do ensino ficou da se-
bência de regulamentar e promover a edu- guinte forma: o poder central encarregou-
cação primária e média em suas próprias se do ensino superior em todo o País e os
jurisdições (ROMANELLI, 1999). demais níveis ficaram a cargo das provín-
cias — com exceção do Colégio Pedro II,
Com o ensino secundário destinado a nomeado em homenagem ao nosso segun-
preparar candidatos ao ensino superior, o seu do governante imperial, que deveria servir
conteúdo acabou por ganhar um caráter pro- de modelo às escolas provinciais. A carên-
pedêutico. Nas províncias, o sistema escolar cia de recursos e a falta de interesse das
não passou da tentativa de reunião das anti- elites regionais impediram a organização
gas aulas régias em liceus, de forma desor- de uma rede eficiente de escolas. No ba-
ganizada. Motivo: um falho sistema tributá- lanço final, o ensino secundário foi assu-
rio e a conseqüente falta de recursos. No vazio mido, em geral, pela iniciativa particular,
do Estado, boa parte do ensino secundário especialmente pela Igreja. O ensino primá-
ficou a cargo da iniciativa privada (princi- rio, novamente, ficou abandonado.
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Como curiosidade histórica, vale lembrar que a última fala oficial do Imperador Pedro II correspondeu ao pedido de criação de
um ministério dos negócios da instrução e duas universidades (ALBUQUERQUE, 1993, p. 21).
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cional, essa tendência irá se expressar na porém, que este acesso não deveria obe-
pedagogia pragmática da Escola Nova, decer a um arrolamento obrigatório (da
baseada no pensamento do norte-america- escola infantil à universidade), mas ape-
no John Dewey, que propunha um modelo nas à abertura da escola oficial para todas
escolar de cunho reformista, necessário a as crianças, de 7 a 15 anos, com a exce-
uma sociedade com tendências a produzir ção das já confiadas às escolas privadas.
privilégios e desigualdades, mas que sub-
siste pela expectativa de mudança e ascen- Esta “tangente burguesa” defensora da
são social. Pelo vislumbre da democracia e escola pública, como gostava de nomear
do progresso, atendendo às aspirações das o cientista social Florestan Fernandes3, ti-
classes médias e, em parte, ao conservado- nha como referência dois significados bá-
rismo da classe dominante, o pensamento sicos e contraditórios da democracia mo-
escola-novista foi assimilado por vários edu- derna: a definição de democracia em sen-
cadores brasileiros, com divergências ape- tido descritivo, como forma de governo e
nas no que diz respeito à orientação geral modo de vida de uma sociedade de mer-
(revolucionária-reformista ou conservadora- cado e capitalista; e a definição de demo-
mente democrática), mantendo um horizonte cracia em sentido normativo, como forma
comum na interpretação das funções da es- de governo e modo de vida de uma socie-
cola, consolidando-se em uma ideologia dade interessada em garantir, para todos
educacional que influenciará o desenvolvi- os seus membros, a liberdade necessária à
mento do ensino brasileiro. concretização e ao desenvolvimento de suas
capacidades (GARCIA, 2002). Esta corrente
O primeiro documento de expressão tinha como ideal um sistema de ensino em
desta ideologia é o Manifesto dos Pionei- que educação popular de massas e forma-
ros da Educação Nova, de 1932, que bus- ção especializada apareciam como com-
cava superar as tentativas parciais de re- plementares, sendo, portanto, um mecanis-
forma até então efetuadas e imprimir uma mo eficiente e não autocrático de recruta-
direção única, clara e definida do movi- mento dos mais capazes indivíduos de to-
mento de renovação da educação nacio- dos as camadas sociais.
nal. Para tanto, baseado no direito indivi-
dual à educação, determinava que o Esta- A perspectiva dos pioneiros, portanto,
do, representante da coletividade, assumisse corrobora uma noção democrática de eli-
a responsabilidade da organização do en- te, àquela baseada na educação. Nesta
sino, com a tarefa de tornar a escola aces- concepção, à medida que a educação for
sível, em todos os seus graus, aos cida- estendendo a sua influência, despertadora
dãos mantidos em condições de inferiori- de vocações, vai penetrando até as cama-
dade econômica. Os pioneiros advertem, das mais obscuras, para aí, entre os pró-
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Segundo Florestan (FERNANDES, 1995, p. 194-195) apesar das contradições que atravessavam o movimento dos pioneiros, os
esforços dessa “tangente burguesa” na área educacional devem ser elogiados por buscar colocar o Brasil num novo patamar. Era
uma utopia “reformista” de superação de etapas, mas uma utopia que visava oferecer a todas as classes sociais um mínimo de
dignidade. No entanto, estas “inteligências radicais”, seguidores da obra abolicionista, não lograram atingir os objetivos visados.
“Por quê? Porque no Brasil, para as elites das classes dominantes, o que era importante, o que era funcional, era deseducar, não
educar; educar os filhos das elites e deseducar a massa; manter a massa fora da escola ou então colocar a massa dentro da escola
como futura mão-de-obra, qualificada ou semiqualificada, de vários graus de desenvolvimento econômico.”
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prios operários, descobrir “o grande ho- la sem Deus, da família sem Deus”
mem, o cidadão útil”, que o Estado tem o (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA,
dever de atrair submetendo a uma prova 1984, p. 55).
constante as idéias e os homens, para os
elevar e selecionar, segundo o seu valor ou Mas logo se consolidava o novo regi-
a sua incapacidade (GARCIA, 2002). So- me e a Igreja não tardaria em encontrar o
brevivia, desta forma, uma concepção eli- seu espaço. A referência para a ação vi-
tista com a renovada defesa da necessária nha do movimento mineiro de renovação
formação de “líderes condutores”, a mes- católica, que já na década de 20 estabele-
ma prioridade dos jesuítas no início do pro- ceu fortes laços com os grupos sociais em
cesso de desenvolvimento da estrutura edu- ascensão, sem deixar de corroborar anti-
cacional brasileira. gas ligações com o poder político conser-
vador. O próprio Alceu Amoroso Lima, ex-
Assim, fora a Igreja Católica, que se poente deste movimento, reconhecendo
opunha ao ensino laico e ao monopólio uma “corrente racional, tradicional e cris-
estatal (em descarte no próprio Manifesto), tã” entre os revolucionários de 1930, cla-
nem mesmo a fase mais autoritária do pe- ma aos católicos à luta pela incorporação
ríodo varguista, durante o Estado Novo que de suas reivindicações no futuro estatuto
se inicia em 1937, deixou de incorporar o político do país.
ideário e a retórica escola-novista. As pri-
meiras impressões da Igreja sobre a Revo- O pacto toma forma numa carta do
lução de 1930 foram de precaução e as- ministro Francisco Campos a Getúlio Var-
sombro: significava a vitória do Movimen- gas. Na missiva de 18 de abril de 1931, o
to Tenentista, cerne de “perigosas” idéias, ministro defende as propostas de introdu-
baseadas na associação do liberalismo com ção do ensino religioso facultativo nas es-
o positivismo, propositora da substituição colas públicas e o reconhecimento consti-
da moral religiosa pela crença nos poderes tucional do catolicismo como a religião da
da técnica e da ciência como critérios para maioria dos brasileiros. No mesmo mês, de-
organização da vida e da ação social. É pois de 40 anos, o ensino religioso volta a
deste movimento que saíra, por exemplo, o ser permitido nas escolas públicas, dando
maior mito do socialismo brasileiro, o co- provas de que o processo o Estado laico
munista Luís Carlos Prestes. brasileiro era uma falácia. Mais do que um
sinal de confirmação do pacto, o decreto
Na esfera educacional, a subida de criou a expectativa no movimento católico
Getúlio Vargas ao poder, na visão da Igre- de que o Estado pudesse ouvir as reivindi-
ja, representava o fortalecimento dos ide- cações da Igreja contra o “processo de lai-
ais escola-novistas, que com a defesa do cização da vida social”. Entretanto, sinais
ensino laico e da escola pública coloca- posteriores vão demonstrar que a incorpo-
vam em risco o predomínio das escolas ração da Igreja ao projeto político de Fran-
confessionais. Nas palavras de Alceu Amo- cisco Campos tinha um caráter meramente
roso Lima, militante católico, o movimento instrumental, não correspondendo neces-
revolucionário poderia ser definido pela sariamente a uma convicção ética e religi-
“obra da Constituição sem Deus, da esco- osa mais profunda.
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No entanto, em todos estes momentos blica, que não consegue preparar seus alu-
históricos irá predominar a assistência ao nos para o ingresso universitário.
ensino das elites e o despropósito com a
universalização da educação popular, con- A esperança é que a partir de uma nova
dição necessária para a consolidação da conjuntura política essa importante dívida
democracia brasileira. Somente na década social seja resgatada para que o Brasil fi-
de 1990, durante os dois governos do ex- nalmente possa ingressar no rol das na-
presidente Fernando Henrique Cardoso, é ções que oferecem a sua população o maior
que o desenvolvimento do ensino fundamen- legado da civilização ocidental: o direito a
tal será estimulado a ampliar de forma efeti- uma educação que sirva não só para a
va as oportunidades de acesso, ainda que reprodução material e o desenvolvimento
em termos qualitativos4 continue a deman- econômico, como também para a eleva-
dar esforços significativos — sem contar os ção sociocultural que permita a constru-
desafios que significam o baixo atendimen- ção de uma identidade nacional soberana
to na educação infantil e a difícil questão do e solidária – a base de uma sociedade mais
ensino médio, principalmente o da rede pú- justa e democrática.
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A baixa qualidade do ensino público brasileiro pode ser medida pelos altos índices de evasão e repetência, assim como pelas
avaliações internacionais que colocam os nossos alunos em patamares baixíssimos. Como causa principal, evidencia-se a
formação precária do corpo docente, que sofre com a desvalorização social da profissão e com a falta de estrutura e apoio na
maioria das instituições de ensino (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).
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ABSTRACT
The origins of Education in Brazil:
from the catholic hegemony until the
first attempts of teaching organization
This article analyzes the effects of the process of European modernization in Brazil, especially
in what refers to the delay of the introduction of a teaching structure organized based on
in a national system. In agreement with our hypothesis, in the same way as it lacked in
Brazil a social movement that it looked for the creation of a scientific ethos, of which the
European university system would be the great model, according to Simon Schwartzman’s
interpretation, the same happened for the constitution of a system of public education, of
character secular and universal.
Key-words: Education. History. Catholic Church. Higher education. Basic Education.
Republic.
RESUMEN
Los origenes de la educación en Brasil da
hegemonia católica a las primeiras tentativas
de organización de la enseñanza.
Este artículo analiza los efectos del proceso europeo de modernización en Brasil, sobre
todo en lo que se refiere al retraso de la introducción de una estructura de instrucción
organizada con base en un sistema nacional. De acuerdo con nuestra hipótesis, de la
misma manera como faltó en Brasil un movimiento social que buscara la creación de
genios científicos del cual el sistema universitario europeo sería el gran modelo, según la
interpretación de Simon Schwartzman, el mismo pasó para la constitución de un sistema
de educación pública, de carácter seglar y universal.
Palabras-clave: Educación. Historia. Iglesia Apostólica Romana. Educación Superior.
Educación Básica. República.
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Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, R. C. Educação e modernidade no Brasil. In: FÓRUM NACIONAL AS
BASES DO DESENVOLVIMENTO MODERNO, 5., 1993, São Paulo. Anais... São Paulo:
Nobel, 1993.
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PARSONS, T. The system of modern societies. Nova Jersey: Englewood Cliffs, 1971.
______. Formação da comunidade científica no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional; Rio de
Janeiro: Finep, 1979.
Correspondência
contatosineperj@urb.br
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