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GRUPO DE PESQUISA EM

CIÊNCIA DA CONSERVAÇÃO
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - USP

A RELAÇÃO DOS
PROPRIETÁRIOS RURAIS
COM A MATA E SEUS
ANIMAIS
“Abacateiro, acataremos teu ato,
nós também somos do mato
como o pato e o leão.
Aguardaremos, brincaremos no regato
até que nos tragam frutos
teu amor, teu coração (...)”.

Refazenda - Gilberto Gil


O que é esta cartilha?

Esta cartilha apresenta os resultados de uma pesquisa


feita por estudantes de mestrado do Programa de Ecologia
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-
USP). O objetivo da pesquisa foi entender melhor a relação das
pessoas com a mata e com alguns animais da mata que podem
prejudicar as pessoas: o gambá (raposinha), o cachorro-do-
mato e a onça-parda.

A relação das pessoas com a mata e com os animais varia


muito porque ela depende tanto de fatores ambientais —
quantidade de mata que ainda resta na região — quanto de
fatores econômicos, sociais e culturais de cada lugar. Como as
relações entre seres humanos e natureza têm consequências
para a saúde do meio ambiente, entender como as pessoas
interagem com a mata e com os animais que vivem nela é
muito importante.

Durante o estudo, entrevistamos proprietários rurais


que vivem próximos a um grande complexo de Mata Atlântica
conhecido como Cantareira-Mantiqueira. Esse complexo liga a
Serra da Cantareira e a Serra da Mantiqueira, duas áreas muito
ricas em espécies de plantas e animais. Além disso, a região
contém importantes reservatórios de água para abastecimento
urbano e rural.

Para participar da pesquisa, os proprietários entrevistados


deveriam ter registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR), alguma
área de mata e alguma criação animal em sua propriedade.
Como você pode ver no mapa a seguir, a quantidade de mata
na área de estudo variou bastante, um fator importante para
os nossos resultados, como você vai descobrir.
Na imagem, os círculos indicam as diferentes regiões onde
se localizavam as propriedades rurais visitadas. Note a diferença
na quantidade de mata (verde escuro) dentro deles.

Todas as respostas e informações que os proprietários nos


deram durante as entrevistas foram mantidas em sigilo. Além
disso, as informações apresentadas nesta cartilha e no estudo
não identificam as respostas individuais de cada pessoa que
participou do nosso estudo.
Perfil das pessoas entrevistadas

143 pessoas 23 a 82 anos


106 homens (74%) Quase metade com
37 mulheres (26%) mais de 60 (42%)

Maioria nasceu na Atividade rural é a principal


região atividade produtiva
(101 pessoas | 71%) (128 pessoas | 89%)
Perfil das propriedades

Área das propriedades


variou de cerca de 1 a 300
hectares

Maioria delas com menos de


20 hectares de área

Área de mata nativa dentro


das propriedades variou de
cerca de 1 a 190 hectares

Maioria com menos de 5


hectares de mata

Tipos de animais Recursos provenientes


criados das criações

Aves são o tipo de criação As criações são em maioria


mais comum, seguidas por utilizadas como fonte de
gado. Em menor frequência carne. Mas usos como leite,
está a criação de ovinos. ovos e geração de renda
também são comuns.
Experiências com a mata

Mais da metade das pessoas não tinha visitado a mata no


mês antes da entrevista. Entre aquelas que visitaram, só meta-
de fez mais do que duas visitas, como pode ser visto no gráfico
abaixo.

Os principais motivos pelos quais as pessoas visitaram a


mata são para cuidar da mina de água, buscar alguma criação ou
fazer um passeio.

O quanto as pessoas visitaram a mata


no último mês

5 vezes ou mais
12%

3 a 4 vezes
12%

Nenhuma vez
53%

1 a 2 vezes
23%
Experiências com os animais

Uma vez que as espécies têm hábitos distintos, usamos


intervalos de tempo diferentes para medir as experiências que
as pessoas tiveram com cada uma delas: os últimos seis meses
para o gambá, o último ano para o cachorro-do-mato e os últimos
cinco anos para a onça-parda.

O gambá é o animal com o qual as pessoas mais se


encontraram e também é o que mais atacou as criações. Já a onça
é o animal menos encontrado e o que menos atacou as criações.
Mesmo nunca tendo encontrado uma onça, 61% das pessoas
entrevistadas já ouviram relatos de outras pessoas sobre esse
animal.
Como as pessoas percebem a mata

A existência da mata pode trazer benefícios e prejuízos para


as pessoas. Para medir o quanto as pessoas se beneficiaram da
mata ou se prejudicaram, nós perguntamos às pessoas entrevis-
tadas sobre o quanto elas usavam e valorizavam diferentes tipos
de benefícios. Também perguntamos sobre o quanto elas tinham
sofrido de prejuízos e a gravidade de cada um deles.

Benefícios

Prejuízos
A mata causou poucos Plantas, alimentos Os benefícios mais
prejuízos, que foram e lenha foram utilizados foram água e
considerados pouco considerados de outros abstratos, como
graves. pouco uso. beleza.

Apenas ataques de Mesmo assim, as A manutenção da


animais às plantações, pessoas consideram qualidade do ar e do
especialmente esses itens como clima e a satisfação
pelo javali, tiveram benefícios de por a mata existir
gravidade mediana. importância média. também foram bastante
valorizados.

Frequência de uso e ocorrência de prejuízos

Pouca Média Muita

Importância dos benefícios e prejuízos

Pouca Média Muita


Como as pessoas percebem os animais

Do mesmo modo que as pessoas se sentem beneficiadas ou


prejudicadas pela mata, a percepção que elas têm dos animais
da mata pode ser positiva ou negativa. Por isso, perguntamos às
pessoas o quanto elas sentiam de algumas emoções “positivas”
(alegria e interesse) e “negativas” (medo e nojo) pelo gambá, pelo
cachorro-do-mato e pela onça-parda.
Abaixo é possível ver a diferença nas emoções que as pessoas
sentem por cada animal.

As emoções “positivas” não tiveram muita diferença entre


os animais, mas as “negativas” sim: a onça é o animal de que as
pessoas sentem mais medo e o gambá é o animal de que as pessoas
sentem mais nojo e menos interesse. Isso deve acontecer porque
os gambás têm um cheiro muito forte, mas, apesar disso, eles não
são animais agressivos para o ser humano. Pelo contrário, assim
como outros animais silvestres, eles podem trazer diferentes
benefícios para as pessoas.
E por falar em coisas boas...
Também queríamos saber o quanto as pessoas acreditam
que os animais podem nos trazer alguns benefícios, como ajudar
a incentivar o ecoturismo na região, controlar pragas, espalhar
sementes de árvores frutíferas e contribuir para estudos sobre a
natureza. Abaixo é possível ver o que as pessoas acreditam sobre
esses benefícios para cada espécie.

Como pode ser visto nos gráficos acima, no geral, as pessoas


não acreditam que os animais tragam muito desses quatro
benefícios. Quanto aos prejuízos, isto é, se os animais podem
atacar ou transmitir doenças para pessoas e criações, para todas
as três espécies, as pessoas acreditam pouco que isso pode
acontecer.

Além disso...
Perguntamos para as pessoas sobre outras duas crenças: o quanto
elas ficam satisfeitas por saber que os animais estão bem e livres na
natureza e por saber que seus filhos e netos poderão conhecer esses
animais. No geral, a resposta para todas as espécies foi: “Muito!”
Isso significa que as pessoas têm um maior apreço existencial pelos
animais, ou seja, basta os animais existirem e estarem bem para que
elas se sintam satisfeitas.
Como as pessoas reagem à mata

As experiências e percepções, sejam elas positivas ou


negativas, que as pessoas têm em relação à mata, acabam por
influenciar e determinar diferentes comportamentos voltados à
preservação da natureza.
Para avaliar o quanto as pessoas estariam dispostas a cuidar
da mata de sua propriedade, perguntamos o quanto elas eram
favoráveis a cuidar da mata e também sua intenção em relação a
este comportamento. A grande maioria das pessoas entrevistadas
(95%) é favorável a cuidar da mata em sua propriedade. Da mesma
forma, a maioria das pessoas (90%) declararam ter uma intenção
bastante alta de cuidar da sua mata.
Mas é preciso lembrar que, embora as pessoas se mostrem
muito dispostas a preservar a natureza, elas podem ter restrições,
por exemplo, de tempo, recursos físicos e financeiros e, por isso,
muitas vezes elas precisam de ajuda para que de fato possam
cuidar das matas.

Quanto mais mata existe


nas proximidades de suas
casas, mais as pessoas a
visitam e usam benefícios
providos por ela. Isso faz
com que elas valorizem
mais a mata, sejam mais
favoráveis a cuidar dela
em suas propriedades e
tenham maior intenção
de praticar esse cuidado.
Como as pessoas reagem aos animais

A quantidade de mata ao redor das casas das pessoas


também pode influenciar a relação que elas têm com os animais.
Porém, essa relação tende a ser diferente conforme a espécie.
Para o gambá e o cachorro-do-mato, por exemplo, a
quantidade de mata ao redor das casas não mudou a forma
como as pessoas se relacionam com esses animais. Mas, para
a onça-parda, a quantidade de mata ao redor das casas das
pessoas teve sim um efeito.

Quanto mais mata ao redor


das casas, menos as pessoas
tendem a querer ter a onça
por perto, o que chamamos
de tolerância. Isso acontece
porque, diferente do gambá e do
cachorro-do-mato, quanto mais
mata, maior é a chance de as
pessoas terem criações atacadas
pela onça — apesar de termos
visto em nosso estudo que a onça
é o animal que menos atacou as
criações das pessoas.

Vimos também que os prejuízos causados quando a onça


ataca criações podem influenciar as emoções negativas das
pessoas. O mesmo não acontece para o gambá e para o cachorro-
do-mato. Dessa forma, as pessoas tendem a, ainda mais, querer
ter a onça longe de casa, por considerarem um animal mais
perigoso.
O que aprendemos
Entender como as pessoas se relacionam com a mata e com
os animais é muito importante para nos ajudar a conservá-los.
Com este trabalho, aprendemos que as experiências com a mata
e com os animais são variadas e que a disposição para conservar a
natureza é maior nas propriedades com mais área de mata nativa
nos arredores. Aprendemos também que o principal motivo
para as pessoas valorizarem a mata não são os recursos que ela
oferece para as pessoas consumirem. O mais importante são os
benefícios indiretos de ar e água mais puros, clima mais agradável
e a satisfação de saber que a mata existe e que as futuras gerações
poderão aproveitá-la.
Pensando nisso, podemos adotar algumas medidas simples
para conservar a mata na região em que vivemos:

cercar a mata e fazer manutenção na cerca,


evitando entrada de gado e pessoas;

não jogar lixo na mata e retirar da mata o lixo


encontrado, destinando-o adequadamente por
meio de coleta seletiva;

evitar o uso do fogo para limpar o terreno, que


poderia incendiar a mata;

evitar cortar árvores, abrir clareiras e


pequenas ou grandes estradas na mata.

Além disso, aprendemos que as experiências que as pessoas


podem ter com os animais influenciam de forma muito diferente
o que elas pensam ou sentem por eles.
Aprendemos que as criações das pessoas que moram em
áreas com mais mata nem sempre são mais atacadas por animais
selvagens. Nosso estudo mostrou que isso acontece apenas
para espécies maiores, como a onça-parda. Mas isso não é uma
justificativa para desmatarmos a mata. Pelo contrário, ter mais
mata pode ajudar esses animais a encontrarem alimento sem
precisar sair dela. Os animais também podem ser importantes
aliados das pessoas, pois consomem animais invasores que
podem atacar plantações, como os javalis, e animais que podem
ser vetores de doenças, como a capivara. Sem contar todos os
outros benefícios que vimos que as matas nos trazem!
Ações simples que podem evitar que as criações sejam
atacadas por animais silvestres podem ser:

construir cercas e manter as criações mais


próximas das instalações da propriedade e
afastadas das áreas de matas;

manter cães próximos às criações,


especialmente durante a noite, para assustar
animais silvestres que se aproximem;

dialogar com órgãos ambientais, como


secretarias de meio ambiente, para que
adotem medidas que reduzam os ataques às
criações, sem abater os animais silvestres.

A conservação da natureza é um esforço conjunto, que


envolve ações do nosso dia a dia, políticas públicas e a constante
busca por conhecimento.
Agradecimentos
Agradecemos a todas as pessoas que se dispuseram a nos
receber em suas propriedades e a conversar conosco sobre sua
relação com a mata e com os animais da mata.

Agradecemos também às instituições nas quais a pesquisa


foi desenvolvida e às agências que financiaram a realização do
trabalho.

Esta pesquisa teve aprovação pelo Comitê de Ética em


Pesquisa - Seres Humanos do IB-USP sob os números CAAE
61660916.3.0000.5464 e CAAE 61720916.0.0000.5464.
Equipe
Coordenação de pesquisa e divulgação

Karina Tisovec Lucas Teixeira Renata Pardini


Bióloga Biólogo Bióloga
Mestra em Ecologia Mestre em Ecologia Professora - IB/USP

Colaborações em comitê científico

Ine Dorresteijn Silvio Marchini Carla Mosello Emilie Coudel


Professora Professor Professora Professora
Universidade de Esalq/USP EACH/USP UnB
Utrecht, Holanda

Colaborações adicionais

Gabriela Marin Luanne Caires


Analista de Comunicadora
dados de ciência
Saiba mais
As pesquisas completas estão disponíveis no Banco
de Teses da USP, que pode ser acessado pelo site abaixo:
https://www.teses.usp.br.

As dissertações são:
• Intenção de preservar remanescentes florestais entre
proprietários de terra na Mata Atlântica: o papel do contexto
ecológico e das experiências com a natureza (2018).
• Tolerância à fauna silvestre na Mata Atlântica: um teste empírico
em diferentes contextos ecológicos e espécies de mamíferos (2018).

As pesquisas também foram publicadas em revistas científicas, em


inglês. Você pode buscá-las pelos títulos abaixo:
• Sobre a intenção de preservar a mata:
Intention of preserving forest remnants among landowners in the
Atlantic Forest: The role of the ecological context via ecosystem services
(People and Nature, 2019).
• Sobre a relação com os animais silvestres:
Linking human and ecological components to understand human–
wildlife conflicts across landscapes and species (Conservation Biology,
2021).

Quer mais informações?


Entre em contato conosco pelo e- mail lmcteixeira@
ib.usp.br (Lucas) ou katisovec@gmail.com (Karina).

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