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DESERTO – RECOLHIMENTO

I. Por que um deserto?


 Para a mentalidade bíblica, o deserto não é um termo, mas um lugar de passagem, como
no caso de Elias: 1Rs. 19.8
 É um lugar onde se realiza o ÊXODO da escravidão à liberdade: Dt. 8,2-6
 Nas boas novas de Jesus o deserto é um PERÍODO DE PREPARAÇÃO IMEDIATA
para o seu ministério público: Mc. 1.12
 É também um RETIRO contra o assédio da multidão: Mc. 6,31
 É um ambiente propício à ORAÇÃO: Mt. 14,23 e também para MEDITAÇÃO
prolongada Lc. 6.12
 O deserto, em suma, é um MANACIAL onde você pode saciar sua sede para se ver a sós
com o Pai Mc. 14,32-35
 Se os profetas fizeram assim; Se Jesus se comportou dessa maneira, também devemos
fazê-lo de vez em quando; devemos nos retirar para o deserto.

II. Deserto e silêncio

Quando alguém se aproxima do Silêncio, não nos ordena simplesmente que fiquemos em silêncio,
mas que ouçamos, e nisso há algo mais do que uma educação. O seu objetivo não é em absoluto o
silêncio perfeito heróico, mas o contato com Deus que já está presente, que já nos foi dado e que
nos procura com o seu amor. O deserto não é uma solidão, mas a companhia suprema; não é o
silêncio, mas o colóquio primordial. O deserto é um oásis em que a alma se contenta com a
presença permanente. Porque Deus não é silêncio. E os homens se calam precisamente porque Ele é
a Palavra. O silêncio absoluto não tem outra justificativa entre os homens do que o Diálogo com
Deus. Cada palavra, precisamente do silêncio, exige que o silêncio seja recebido. E quanto mais
completa e rica a palavra recebida, mais profundo deve ser o silêncio. O verdadeiro silêncio, então,
não é falar ou falar pouco. O silêncio que se reduz à ausência de palavras é vazio de ser, vazio de
amor, vazio de vida. Falar pouco não é mais do que uma disposição para consegui-lo. O verdadeiro
silêncio é ouvir. É um diálogo interno. O Ser, a Vida, o Amor são sua matéria, seu vestimento. O
verdadeiro silêncio é plenitude. Deus fala, mas sua palavra está acima de nossas palavras. Só o
Silêncio pode expressar o que as palavras não podem: “A largura e o comprimento, a altura e a
profundidade ... do Amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento” Ef. 3,18-19. A Palavra de
Deus é feita para o ouvido do Coração.

Benção do silêncio
Inclino-me perante os gritos dos oprimidos e esquecidos
Invoco a bênção do silêncio:
O silêncio da natureza
O silêncio dos inocentes, da maturidade de falar sem palavras,
O silêncio d’aqueles que falam e não são ouvidos,
O silêncio da persevaença e dos inconformados
O silêncio de Deus, lugar da gestação do meu silêncio
e dos renascimentos de minhas buscas
Amém!
MEDITAÇÃO
1. Preparação: Escolher um texto. Tempo: determinar o tempo da oração. Lugar: onde possa
estar sozinho em silêncio. Posição: que me ajude a concentrar-me. Presença de Deus: Colocar-
se na presença de Deus... ver como o Senhor me ama e me olha...
2. Oração preparatória: “Senhor fazei com que todas as minhas intensões, desejos e ações sejam
puramente ordanados para o vosso serviço e louvor”
3. Graça: Pedir a graça que quer alcançar neste momento de oração, de acordo com o tema
proposto.
Ex: “Pai dai-me a Graça de experimentear o teu amor e de corresponder a este amor”
4. Ler o texto lentamente tentando perceber o seu sentido
5. Ler o texto novamente parando nas palavras e frases que mais tocaram você
6. Trazer a vida... a realidade.. a sua situação existencial: refletir... saborear.. realcionar com
outros textos... O que Deus está lhe falando neste momento?
7. Colóquio: Dialogar, conversar com Deus como um amigo conversa com seu amigo(a).
8. Revisão da oração: Rever a experiência... anotar por escrito:
Texto: o que mais me tocou? Versículo... palavras... imagens...
Apelos: quais os apelos que Deus me fez? Desejos, iluminações...
Sentimentos: como me senti? (paz, ânimo, alegria, presença de Deus?
Resistências... inquietação... aridez... desânimo?
A Sede no Deserto de nossas vidas

Nesta tarde pretendemos sentirmo-nos procurados pela sede de Deus, que não é uma sede de água,
mas é maior: é sede de alcançar as nossas sedes, de entrar em contato com as nossas feridas. Os
textos irão nos ajudar ao recolhimento de oração encorajando-nos a ver a necessidade de sermos
testemunhas credíveis do amor que Deus tem por cada criatura, ajudando-nos a sermos mais
sensíveis a sede de quantos – especialmente aqueles que se aproximam de nós pedindo “Dá-me de
beber”.

Texto: Jo 4,5-24
Jesus dirige-se a uma anônima mulher samaritana e faz-lhe um pedido (“dá-me de beber”). Ela
vinha para tirar água e regressar ao povoado, vinha pensando na sua casa, nos seus afazeres, na
satisfação das suas necessidades. As palavras de Jesus na beira do poço também é dirigida a nós:
“Dá-me o que trazes. Abre o teu coração. Dá do que és”. Jesus interrompe a nossa rotina e cálculos;
rompendo com a nossa previsibilidade sonâmbula de nossos trajetos, das nossas ida e vindas cegas
entre a casa e o poço e diz-nos: “Dá-me de beber”. Talvez ainda não tenhamos descoberto que o
nosso poço possa servir para isso.
Jesus nos encontra também entrando no nosso tempo. O instante exato em que estamos é meio-dia.
Sempre que aceitamos o convite de Jesus para uma viagem interior é meio-dia. Sempre que nos
dispomos à escuta da Palavra é meio-dia. Sempre que nos dispomos à escuta profunda da nossa
sede é meio-dia. O meio dia marca o tempo em que antes procurávamos saciar as nossas sedes com
qualquer experiência que não levava a uma busca profunda daquilo que realmente necessitamos, de
uma manhã de vida sem encontro, gatando forças inúteis em poços que não podem saciar a nossa
sede de vida. Exatamente no meio do dia, no início da tarde Jesus nos espera e nos pede um pouco
de água.
A sede de Jesus não é uma sede de água, mas de algo mais profundo. É a sede de tocar as nossas
sedes, de contatar com os nossos desertos com as nossas feridas. É sede de uma porção de nós:
suspensa, abandonada, omitida, calada para qual encontramos uma escuta atenta.
O senhor é que toma iniciativa de vir ao nosso encontro: Ele chega primeiro ao poço e nos espera.
“Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz ‘Dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias, e ele
havia de dar-te água viva!” (Jo 4,10).
Muitas vezes como na conversa com a mulher samaritana, a nossa conversa com Deus não passa de
um desconversar. Estamos, mas não por interior. Cremos, mas não cremos completamente. “Senhor,
não tens sequer um balde e o poço é fundo... Onde consegues a água viva? Porventura és mais do
que o nosso patriarca Jacó, que nos deu este poço donde beberam ele, os filhos e os seus
rebanhos?” (Jo 4,11-12).
Não é fácil reconhecer que se tem sede. Porque a sede é uma dor que se descobre pouco a pouco
dentro de nós, por detrás das nossas habituais narrativas defensivas ou idealizadas. A sede destapa
uma agressividade que nos surpreende. A dor da nossa sede é a dor da vulnerabilidade que retira-
nos o alento, esgota-nos, desvitaliza-nos, faz-nos perder as forças.
Contatar e reconhecer as nossas próprias sedes não é tarefa fácil, mas sem ela a vida espiritual perde
aderência à nossa realidade.
Referência:
Cf. J. Tolentino Mendonça, Elogio da Sede, Paulinas, 2018, 10-33)

Texto: Salmo 62
O Salmo tem este título: “Salmo de Davi, ao se achar no deserto da Iduméia”. Pelo nome de
Iduméia se entende este mundo. O povo idumeu era nômade e idólatra. Em mau sentido refere-se à
vida presente, onde sofremos tantos trabalhos, e estamos sujeitos a tantas necessidades.
Aqui é um deserto, onde passa muita sede, e logo haveis de ouvir a voz de alguém que sofre sede
no deserto. Se reconhecemos que estamos sedentos ... e para não desfalecermos neste deserto, Deus
oferece para nós a sua Palavra e a sua Graça para não nos deixa inteiramente áridos.
2
“Deus, meu Deus, desde a aurora estou de vigília a procurar-te” Que quer dizer vigilante? Quer
dizer que não dorme. Que é dormir? Existe um sono da alma e um sono do corpo. Todos devemos
ter sono do corpo, porque se não tivermos sono desfalecemos e o corpo se enfraquece, nosso corpo
é frágil. No entanto devemos precaver de que não durma a alma, o sono deste é um mal. O sono da
alma consiste em se esquecer de Deus. Os que adoram os ídolos são como os que sonham; quando
acordam, entendem quem os criou e não adoram o que eles mesmos fabricaram. Exorta o Apóstolo
“Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará”(Ef 5,14). O
apóstolo acordava a alma adormecida, e a despertava para ser iluminada por Cristo. É com esta
vigília que reza o salmista: “Deus, meu Deus, desde a aurora, estou de vigília a procurar-te”. Cristo
ilumina as almas e as faz vigilantes; se Ele subtrai a sua luz, elas adormecem. Por esta razão pede-
lhe outro salmo “Ilumina os meus olhos a fim de que não adormeça em sono mortal” (Sl 12,4).
Vossa vida, então, vossos costumes devem estar despertos para Cristo, a fim de que os outros,
mergulhados no sono, acordem ao som de vossas vigílias, e comecem a convosco repetir “Deus,
meu Deus, desde a aurora estou em vigília a procurar-te”
“De ti minha alma está sedenta”. Aqui o salmista se refere ao deserto da Iduméia. Vede como tem
sede o salmista neste lugar. Existem os que têm sede, mas não de Deus. Todo aquele que procura
algo para si mesmo, sendo o ardor do desejo; este desejo é a sede a alma. Observai quantos desejos
existem nos corações humanos de: ouro, prata, posses, heranças, dinheiro, uma grande casa,
pessoas, honras, esposas, filhos. Notais que existem tais desejos nos corações dos homens. Os
homens no mundo têm sede, e não compreendem que estão no deserto da Iduméia, onde sua alma
deve estar sedenta de Deus.
Quando a carne tem sede, tem sede de água; quando é a alma que está sequiosa, tem sede da fonte
de sabedoria. Por conseguinte, devemos ter sede da sabedoria, ter sede da justiça.
3
No deserto da Iduméia, não basta ser deserta, desabitada, oxalá tivesse o deserto ao menos algum
caminho! Oxalá um homem ali soubesse por onde sair! Por conseguinte ele fica errando por ali. SE
ao menos tivesse água para se refazer, uma vez que não consegue sair! No entanto Deus se
compadeceu de nós, abriu-nos um caminho no deserto, enviando-nos os pregadores de sua palavra;
deu-nos água no deserto, enchendo do Espírito Santo os seus pregadores, a fim de que neles se
tornasse uma fonte de água que jorra para a vida eterna (cf Jo 4,14).
Referência:
Cf. S. Agostinho, Comentário aos Salmos (Enarrationes in psalmos) Salmos 51-100, Paulus,
Ebook)

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