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Colégio Estadual Dom Climério Almeida de Andrade. CEDOCA/2022.

Aluno (a): ______________________________________. Série: ____.


Prof.ª _________________________________________. Data: ___/___/___.
Desafio artístico:

Para pensar sobre a cidade


de seu tempo
Uma cidade pode conter muitas cidades em razão das eventuais fronteiras
sociais que afastam ou aproximam pessoas. Na cidade, há espaços de convivência, de
trocas e de produção e compartilhamento de riquezas, culturas e afetos. Em uma
cidade e em seus traçados de ruas, cruzam-se sonhos, afetos, mercadorias, culturas,
modos de ser e estar e muitas formas de poder. As cidades também podem ser
percebidas como espaços de exclusão e isolamento.

Ler o mundo:
Você vai ler trechos de um conto que pertence a uma tradição literária atenta à
população urbana que se encontra à margem dos direitos e das garantias de uma
vida digna, em más condições de moradia e circulação. Além de tematizar a vida
da população excluída, essa literatura quer aproximar o leitor das personagens por
meio da linguagem, adotando um tom informal ou se apropriando do modo como
reconhecidamente falam.

Antes de ler o conto, pesquise e discuta com os colegas as seguintes questões.


1. O que se pode entender por periféricos? Sua cidade tem periferia? Como ela é?

2. Em sua cidade há diferenças nítidas entre bairros mais ricos e bairros mais pobres?

Que diferenças são essas?

3. As pessoas que não têm acesso a bens e direitos, vivendo às margens da


sociedade, geralmente se encontram em quais regiões de sua cidade?

4. O que pode justificar a preocupação em representar na literatura essa população


e esses lugares? Formule uma hipótese.

O conto “Frio”, do escritor João Antônio, foi publicado no livro Malagueta, Perus e
Bacanaço, em 1963. Na história, um menino, engraxate na cidade de São Paulo, vive
sob a proteção de um menino mais velho, que lhe faz um pedido estranho e arriscado.
Tanto o conto como o livro fazem parte de uma literatura que quer tratar dos excluídos,
dos que estão à margem das conquistas sociais.

#sobre
João Antônio

João Antônio Ferreira Filho (1937-1996) nasceu na cidade de São Paulo (SP).
Foi jornalista e escritor. Retratou em sua obra o universo dos proletários e
marginais que habitam as periferias das grandes cidades.

Leitura
Frio
O menino tinha só dez anos.
Quase meia hora andando. No começo pensou num bonde. Mas lembrou-se do embrulhinho
branco e bem feito que trazia, afastou a ideia como se estivesse fazendo uma coisa errada. (Nos
bondes, àquela hora da noite, poderiam roubá-lo, sem que percebesse; e depois?... Que é que
diria a Paraná?)
Andando. Paraná mandara-lhe não ficar observando as vitrinas, os prédios, as coisas. Como
fazia nos dias comuns. Ia firme e esforçando-se para não pensar em nada, nem
olhar muito para nada.
— Olho vivo — como dizia Paraná.
[...] Tirante o que, Paraná era branco, ensinara-lhe engraxar, tomar conta de carro, lavar
carro, se virar vendendo canudo e coisas dentro da cesta de taquara. E até ver horas. [...]
Paraná era cobra lá no fim da Rua João Teodoro, no porão onde os dois moravam. Dono da
briga. [...]
[...]
Frio. Quando terminou a Duque de Caxias na Avenida São João. O pedaço de jornal com que
Paraná fi zera a palmilha não impedia a friagem do asfalto. Compreendeu que os prédios, agora,
não iriam tapar o vento batendo-lhe na cara e nas pernas. Andou um pouco mais depressa. lhava
para as luzes do centro da Avenida, bem em cima dos trilhos dos bondes, e pareceu-lhe que elas
não iriam acabar-se mais. Gostoso olhá-las.
O menino preto tinha um costume: quando sozinho, falar. [...] Cuidava que os outros
não o surpreendessem nos solilóquios. [...]
Eta frio! Tinha medo. Alguém poderia vê-lo sacar uma de dez. Que vontade! Arriscou. Num
bar da Marechal Deodoro. Entrou sorrateiro, encostou-se no balcão. [...]. Cansaço, com sono.
[...] Apalpou o embrulhinho branco. Repetiu o exercício muitas vezes. Não haveria de perdê-lo.
Levava a manta embrulhada como se carregasse um livro. As perninhas pretas começavam a
doer.
— Mas que frio!
[...]
Logo que começou a descer a Água Branca veio-lhe um pouco de fome e uma vontade
maluca de urinar. Ali não dava. Se viesse alguém...
Já seriam duas e pouco.
Frio. Canseira. As casas enormes esguelhavam a Avenida muito larga. Pela Avenida
Água Branca o menino preto ia encolhido. Só dez anos. No tênis furado entrando umidade.
Os autos eram poucos, mas corriam, corriam aproveitando a descida longa. Tão
firmes que pareciam homens. O menino ia só.
Na segunda travessa, topou um cachorro morto. [...] Analisou-o de largo, depois marchou.
— O coitado engraxou alguma roda.
[...]
O muro pareceu-lhe menos alto e menos difícil de pular do que advertira Paraná. O menino
procurou o homem por todos os lados. Depois, chamou-o. Abafava os sons com a mão, medroso
de que alguém, fora, passasse. Chamou-o. Nada de Paraná. E se os guardas tivessem... Uma
dor fi na apertou seu coração pequeno. Ele talvez não veria mais Paraná.
Nem Rua João Teodoro. Nem Lúcia.
— Para-naaá...
Repulou o muro. Ainda olhou para a Avenida. Frio. Queria ver um vulto. Ninguém. Não
havia nada. Só um ônibus lá em cima, que dobrava o largo, como quem vai para os lados da Vila
Pompeia. Então, desistiu.
Agarrou-se com esperança à ideia de que Paraná era muito vivo. Guarda não podia com ele.
Sorriu. Pulou de novo. Achou a tarimba prontinha.
Tateou o embrulhinho branco. No escuro, sem lua, os pedaços de folha de flandres era o que
de melhor aparecia. Abriu a manta verde, se enrolou, se esticou, ajeitou-se. Pensou numas
coisas. Olhando o mundão de ferrugem que ali se amontoava. Não se ouvia um barulho.
[...] Coitado do cachorro! Amassado, todo torto na Avenida. Também, os automóveis corriam
tanto... Frio, o vento era bravo. Onde diabo teria se enfiado Paraná? Ah, mas não haveria de
meter o bico no embrulhinho branco! Nem Nora. Muito importante. Paraná é que sabia [...]. Um
arrepio. Que frio danado! Entrava nos ossos. Embrulhou-se mais no casacão e na manta. Fome,
mas não era muito forte. O que não aguentava era aquela vontade. Lembrou-se de que precisava
se acordar muito cedo.
Bem cedo. Que era para os homens do ferro-velho não desconfiarem. Lúcia, branca e muito
bonita, sempre limpinha. Sono. Esfregou os olhos. O embrulhinho branco de Paraná estava bem
apertado nos braços. Entre o suspensório e a camisa. Que bom se sonhasse com cavalos
patoludos, ou com a moça que fazia ginástica! Contudo, não aguentava mais a vontade. Abriu o
casacão. Então o menino foi para junto do muro e urinou.
ANTÔNIO, J. Frio. In: HOHLFELDT, A. (org.). Os melhores contos de João Antônio.
São Paulo: Global, 1986. p. 23-31

 Ao tratar de temas sociais e utilizar personagens marginalizadas pela sociedade, o autor


afirma um posicionamento político. Levante hipóteses sobre o que ele defende.
 O conto integra uma corrente literária que também pode ser lida como uma forma de
resistência. Que elementos do texto poderiam justificar essa afirmação?
 Pesquise outras pessoas que dialogam com as mesmas temáticas tratadas no
conto de João Antônio e que não se prendem a modelos e estruturas artísticas fixas.
Podem ser artistas das artes visuais, da música e do cinema, autores da literatura etc.
Em dia combinado com o professor, apresente suas descobertas e preste atenção
às dos colegas. Provavelmente, você e os colegas já tiveram contato com obras que
expõem a opressão e as condições de vida de populações periféricas. Discuta com eles
as seguintes questões.

• Essa temática de representar personagens à margem da sociedade continua viva


no campo artístico-literário? O que isso demonstra?

• O que foi significativo para você ao tomar contato com essa temática?
Seria interessante selecionar um trecho de alguma obra do autor escolhido por
você para ler ou mostrar para a turma, seja trecho de um livro ou de um filme, seja
uma música ou uma obra de arte.

Sentir o mundo

Os grafites que os muros de várias cidades expõem ao olhar do público têm sido
apontados por vários artistas como uma forma de ocupar a cidade: quando a obra é
vista, o artista se sente reconhecido e integrante do espaço urbano.

1. Pesquise em sua cidade muros com grafites, stickers ou pinturas. Que narrativa eles
contam?

2. Tire fotos dessas imagens.

3. Traga as fotos para a sala de aula e discuta em trio: como lidar com o fato de essas
obras serem vistas por quem está em movimento?

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