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1.

FUVEST 2016

Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre
deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu
pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o
alastrim que matara. Fora o 1lazareto. Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam
que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da
vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:

Ele é mesmo nosso pai


e é quem pode nos ajudar...

Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:

Ora, adeus, ó meus filhinhos,


Qu’eu vou e torno a vortá...

E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de
Juazeiro. A bexiga foi com ele.

Jorge Amado, Capitães da Areia.

1
lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.

Costuma-se reconhecer que Capitães da Areia pertence ao assim chamado “romance de 1930”, que registra importantes transformações pelas quais passava o
Modernismo no Brasil, à medida que esse movimento se expandia e diversificava. No excerto, considerado no contexto do livro de que faz parte, constitui marca
desse pertencimento

a. o experimentalismo estético, de caráter vanguardista, visível no abundante emprego de neologismos.


b. o tratamento preferencial de realidades bem determinadas, com foco nos problemas sociais nelas envolvidos.
c. a utilização do determinismo geográfico e racial, na interpretação dos fatos narrados.
d. a adoção do primitivismo da “Arte Negra” como modelo formal, à semelhança do que fizera o Cubismo europeu.
e. o uso de recursos próprios dos textos jornalísticos, em especial, a preferência pelo relato imparcial e objetivo.

2. UFRN 2013

Observe as ilustrações abaixo, de autoria do artista plástico Poty, que acompanha algumas edições de Capitães da areia.

As ilustrações 1 e 2 representam, respectivamente, o desfecho das personagens

a. Volta Seca, que termina por integrar um bando de cangaceiros, e Sem-Pernas, que se suicida numa perseguição policial.
b. Querido-de-Deus, que ingressa numa companhia de teatro regional, e Professor, que se transforma no principal mestre de capoeira de Salvador.
c. Gato, que vai para Ilhéus se juntar ao grupo de Lampião, e João Grande, que passa a ser considerado o ladrão mais perigoso de Salvador.
d. Boa-Vida, que, como pintor, passa a retratar as figuras do Nordeste, e Raimundo, que foi morto numa briga em meio à greve dos doqueiros.

3. UNIFESP 2011

[Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem
sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam,
empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava “meu padrinho” e que o
surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os
seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma
saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu
a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia nas suas
costas quando o cansaço o fazia parar.
A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava.
Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto.

(Jorge Amado. Capitães da areia.)

Considere as afirmações seguintes.

I. O fragmento do romance, ambientado na cidade de Salvador das primeiras décadas do século passado, aborda a vida de uma criança em situação de
absoluta exclusão social e violência, o que destoa do projeto literário e ideológico dos escritores brasileiros que compõem a “Geração de 30”.
II. Valendo-se das conquistas do Modernismo, o romance apresenta linguagem fluente e acessível ao grande público, utilizando-se de um português
coloquial, simples, próximo a um modo natural de falar, com o largo emprego da frase curta e econômica.
III. Sem-Pernas é uma personagem que, embora encarne um tipo social claramente delimitado, o do menino “pobre, abandonado, aleijado e discriminado”,
adquire alguma profundidade psicológica, à medida que seu passado e suas experiências dolorosas vêm à tona.

Conforme o texto, está correto o que se afirma apenas em

a. I.
b. II.
c. III.
d. I e II.
e. II e III.

4. ENEM 2010

Texto I

Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava.

Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas,
desde os nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão
uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham
das embarcações...

AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

Texto II

À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais
sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os
textos,

a. a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.


b. a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.
c. o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.
d. o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.
e. a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

5. UFPE 2001
"Irmão ... é uma palavra boa e amiga. Se acostumaram a chamá-la de irmã. Ela também os trata de mano, de irmão. Para os menores é como uma mãezinha.
Cuida deles. Para os mais velhos é como uma irmã que brinca inocentemente com eles e com eles passa os perigos da vida aventurosa que levam.

Mas nenhum sabe que para Pedro Bala, ela é a noiva. Nem mesmo o Professor sabe. E dentro do seu coração Professor também a chama de noiva."

(Jorge Amado: "Capitães da Areia").

Considerando a obra e o autor do texto, assinale a alternativa INCORRETA.

a. O autor faz parte do romance regional de 30, quando se aprofundaram as radicalizações políticas na realidade brasileira.
b. Jorge Amado representa a Bahia, "descobrindo" mazelas, violências e identificando grupos marginalizados e revolucionários em "Capitães da Areia".
c. Dora, Pedro Bala e Professor são alguns dos personagens da narrativa, que aborda a dramática vida dos camponeses das fazendas de cacau no sul da
Bahia.
d. O tom da narrativa aproxima-se do Naturalismo, alternando trechos de lirismo e crueza. O nível de linguagem é coloquial e popular.
e. "Capitães da Areia " pertence à primeira fase da produção de Jorge Amado, quando era notório seu engajamento com a política de esquerda. Daí o
esquematismo psicológico: o mundo dividido em heróis (o povo) e bandidos (a burguesia).

GABARITO: 1) b, 2) a, 3) e, 4) d, 5) c,
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