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Docente: Luana de Gusmão Silveira Unidade Curricular: Língua Portuguesa e Literatura III

Aluno: Romance: Capitães da Areia

Um dos escritores brasileiros mais conhecidos e lidos de todos os tempos, Jorge


Amado conseguiu, com seus romances, traçar um vasto painel do povo brasileiro,
usando a Bahia como representação da diversidade étnica e social brasileira.
Com esse painel, imprimiu um recorte particular ao projeto literário de sua
geração: o estudo das relações humanas que levaram à constituição do perfil
multicultural e multirracial que caracteriza o povo brasileiro. A esse projeto, ele se
dedicou ao longo de uma vasta obra composta de 32 títulos entre romances, biografias
e livros infantis.
De todas as fases por que passou sua obra, algumas merecem destaque, como a
que retrata a vida na região cacaueira de Ilhéus, caracterizando a opressão em que
viviam os trabalhadores rurais em contraste com a situação dos grandes coronéis da
região, enriquecidos pelo cultivo do cacau, o “ouro negro”. É a essa fase que pertence o
romance que muitos críticos consideram sua obra-prima: Terras do sem-fim.
Outra obra merecedora de atenção é Capitães da Areia, que pertence à fase dos
romances urbanos de Salvador e que retrata a vida de um grupo de meninos de rua.
Acompanhando o amor entre Dora e Pedro Bala, o líder do grupo, o narrador leva o
leitor pelos becos e vielas de Salvador, pelos terreiros do candomblé, localizando no
cenário urbano o que já havia registrado na região cacaueira.
Além disso, a sensualidade brasileira aparece em todas as obras de Jorge Amado.
Povoadas de morenas como Gabriela, Tieta e Tereza Batista, suas narrativas falam de
um amor mundano, altamente erotizado, que pulsa com o ritmo quente do sol e explode
com a força das ondas. Ricos e pobres, pretos e brancos, operários e fazendeiros, todos
são tomados pela força avassaladora da sensualidade latina.
A partir da publicação de Gabriela, cravo e canela, a ficção de Jorge Amado
afasta-se das questões sociais para concentrar-se na construção de tipos humanos,
explorando cada vez mais o tema do amor. Essa nova tendência de suas obras garantiu
ao autor a continuidade de seu imenso sucesso popular.
Ao assistirem ao filme Capitães da Areia, adaptação cinematográfica do romance
de Jorge Amado, vocês conheceram a história de um grupo de meninos de rua de
Salvador, liderados por Pedro Bala. Para sobreviver, eles realizam pequenos furtos. O
retrato bastante idealizado dos marginalizados destaca as diferenças de classe, a má
distribuição de renda e os efeitos da miséria nos menores discriminados pelo sistema
social. O romance, lançado em 1937, foi proibido pela censura do Estado Novo, o que o
transformou em um dos mais lidos de Jorge Amado.
Feita essa breve introdução, passemos a leitura de um trecho extraído do
romance Capitães da Areia em que a realidade miserável é apresentada. Leiam o
fragmento a seguir:
[...] uma grande parte dos Capitães da Areia dormia no velho trapiche
abandonado, em companhia dos ratos, sob a lua amarela. Na frente, a vastidão da areia,
uma brancura sem fim. Ao longe, o mar que arrebentava no cais. Pela porta viam as
luzes dos navios que entravam e saíam. Pelo teto viam o céu de estrelas, a lua que os
iluminava.
[...] moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os 9 aos 16
anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam,
indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que
muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os
ouvidos presos às canções que vinham das embarcações...
É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo
foi chamado assim, desde os seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia
pelas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou
sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. [...] quando se incorporou aos Capitães
da Areia (o cais recém-construído atraiu para as suas areias todas as crianças
abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo,
sabia planejar os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a
autoridade de chefe. [...]

Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a
cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam
do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que viviam assim. Eram
bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruinas do velho trapiche.
Vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e
fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam
totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.

Questões para análise:


1. Faça um breve relato a respeito de qual(is) passagem(ns) do filme e/ou do livro
despertou sua atenção. Por quê? Justifique com elementos do texto e/ou das cenas.
2. É possível afirmar que o tema tratado em Capitães da Areia permanece atual. Explique
por quê.
3. Depois que Pedro Bala se tornou o líder é que “a cidade começou a ouvir falar nos
Capitães da Areia”. De que maneira essa liderança influiu na fama dos meninos?
4. No último parágrafo, os meninos são apresentados como os “poetas” da cidade. O
que isso indica sobre a atitude do narrador diante desses garotos marginalizados?
5. Leia a seguir um fragmento extraído do livro “Jorge Amado: povo e terra”, que traz
uma reflexão de Antonio Candido:
Docente: Luana de Gusmão Silveira Unidade Curricular: Língua Portuguesa e Literatura III
Aluno: Romance: Capitães da Areia

“Talvez se possa dizer que os romancistas da geração de trinta, de certo modo,


inauguraram o romance brasileiro, porque tentaram resolver a grande contradição que
caracteriza a nossa cultura, a saber, a oposição entre as estruturas civilizadas do litoral
e as camadas humanas que povoam o interior – entendendo-se por litoral e interior
menos as regiões geograficamente correspondentes do que os tipos de existência, os
padrões de cultura comumente subtendidos em tais designações. [...]
[...] O romance procedeu a uma espécie de preparo do terreno à integração das massas
na vida do país. Na fase regionalista, sertaneja, o caboclo era considerado sobretudo
como um motivo, um objeto pitoresco. [...] A força do romance moderno foi entrevisto
na massa, não assunto, mas realidade criadora. Os escritores aprenderam, no sentido
pleno, com os trabalhadores de engenho, os estivadores, os plantadores de cacau, os
operários de fábrica. [...] Foi uma espécie de tomada de consciência da massa através
da simpatia criadora dos artistas que se dirigiram a ela. Foi, portanto, o despertar de um
sentido novo do Brasil”.

➢ Para Antonio Candido, o romance da geração de 1930 teve uma função muito
importante para a literatura brasileira. Redija um parágrafo argumentativo em que você
explique por que o projeto literário que buscou resolver a oposição entre litoral e
interior teve como efeito superar o regionalismo pitoresco do Romantismo para criar o
romance social em que o aspecto regional é um meio de revelar a luta de classes.

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