Você está na página 1de 197

Toxicologia

Prof.ª Roberta Nunes

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Roberta Nunes

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

N972t

Nunes, Roberta

Toxicologia. / Roberta Nunes – Indaial: UNIASSELVI, 2022.


213 p.; il.

ISBN 978-85-515-0557-1
ISBN Digital 978-85-515-0553-3

1. Toxicologia dos cosméticos. - Brasil. II. Centro Universitário


Leonardo da Vinci.
CDD 610

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Caro acadêmico, este livro didático reúne informações e conteúdos sobre
toxicologia. A toxicologia é uma área de grande importância da área da saúde, pois é
responsável pelo estudo das interações de diversas substâncias com o nosso organismo,
sob condições específicas de exposição. Entretanto, quais seriam essas substâncias?
Essas substâncias vão desde medicamentos, agrotóxicos, alimentos, cosméticos,
produtos químicos e drogas lícitas e ilícitas.

Para facilitar e organizar os seus estudos, dividimos o conteúdo da disciplina em


três unidades. Na Unidade 1, abordaremos as definições básicas em toxicologia. Você
compreenderá como surgiu a toxicologia, onde ela está presente em nosso dia a dia,
além de conceitos básicos que serão de grande importância para o entendimento dos
conteúdos das demais unidades. Além disso, abordaremos um tópico sobre toxicologia
dos cosméticos. Você entenderá como as indústrias de produtos cosméticos garantem a
segurança e a eficácia dos próprios produtos, sem gerar nenhum risco aos consumidores.

Na Unidade 2, estudaremos a aplicação clínica da toxicologia. Uma das grandes


áreas de estudo da toxicologia é a toxicologia social, que visa estudar os efeitos nocivos
decorrentes do uso não médico de drogas ou fármacos, causando prejuízo ao próprio
indivíduo e à sociedade.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos a toxicologia de alimentos e a toxicologia


ambiental. Ademais, abordaremos as principais técnicas analíticas utilizadas para
a detecção de agentes químicos em diversas amostras, como fluidos biológicos,
alimentos, água, ar, solo etc.

Vamos começar essa leitura e adquirir muito conhecimento e informação?

Bons estudos!

Prof.ª Roberta Nunes


GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA......................................................................... 1

TÓPICO 1 - CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA...........................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 HISTÓRICO DA TOXICOLOGIA.............................................................................................5
3 INTOXICAÇÃO......................................................................................................................8
4 TOXICOCINÉTICA.................................................................................................................9
4.1 ABSORÇÃO.............................................................................................................................................. 11
4.1.1 Absorção via dérmica.................................................................................................................. 11
4.1.2 Absorção pelas vias respiratórias............................................................................................12
4.1.3 Absorção via oral, digestiva ou gastrintestinal....................................................................12
4.2 DISTRIBUIÇÃO...................................................................................................................................... 13
4.3 BIOTRANSFORMAÇÃO........................................................................................................................ 13
4.4 EXCREÇÃO............................................................................................................................................ 14
5 TOXICODINÂMICA..............................................................................................................14
5.1 SELETIVIDADE DE AÇÃO.................................................................................................................... 15
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 17
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 18

TÓPICO 2 - AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE............................................................................ 21


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 21
2 AVALIAÇÃO DE RISCO...................................................................................................... 22
3 MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE................................................................................. 24
3.1 MUTAGÊNESE........................................................................................................................................25
3.2 CARCINOGÊNESE................................................................................................................................26
4 TOXICOLOGIA DA REPRODUÇÃO......................................................................................27
5 ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE INTOXICADO......................................................... 30
5.1 SÍNDROMES TOXICOLÓGICAS............................................................................................................31
5.2 DESCONTAMINAÇÃO...........................................................................................................................31
5.3 ACELERAÇÃO DA ELIMINAÇÃO.........................................................................................................31
5.3.1 Hemodiálise..................................................................................................................................31
5.3.2 Alcalinização urinária................................................................................................................32
5.3.3 Doses múltiplas de carvão ativado.......................................................................................32
5.4 ADMINISTRAÇÃO DE ANTÍDOTOS ESPECÍFICOS.........................................................................32
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 35
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 36

TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA DE COSMÉTICOS...................................................................... 39


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 39
2 TESTES DE EFICÁCIA E SEGURANÇA............................................................................. 40
2.1 MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS.......................................................................... 41
2.1.1 HET-CAM.......................................................................................................................................43
2.1.2 BCOP..............................................................................................................................................44
2.2 VALIDAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS............................................46
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 48
RESUMO DO TÓPICO 8......................................................................................................... 54
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 55

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................57
UNIDADE 2 — TOXICOLOGIA APLICADA À CLÍNICA............................................................59

TÓPICO 1 — TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS DEPRESSORAS


E ESTIMULADORAS DO SNC............................................................................ 61
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 61
2 DEPENDÊNCIA E TOLERÂNCIA........................................................................................ 62
2.1 DEPENDÊNCIA......................................................................................................................................62
2.2 TOLERÂNCIA.........................................................................................................................................65
3 DROGAS ESTIMULADORAS DO SNC................................................................................ 66
3.1 COCAÍNA ................................................................................................................................................ 67
3.1.1 Padrões de uso............................................................................................................................68
3.1.2 Toxicocinética...............................................................................................................................71
3.1.3 Toxicodinâmica........................................................................................................................... 72
3.2 ANFETAMINAS...................................................................................................................................... 73
3.2.1 Padrões de uso........................................................................................................................... 74
3.2.2 Toxicodinâmica.......................................................................................................................... 75
4 DROGAS DEPRESSORAS DO SNC.....................................................................................76
4.1 BARBITÚRICOS..................................................................................................................................... 77
4.1.1 Toxicocinética............................................................................................................................... 77
4.1.2 Toxicidade.....................................................................................................................................78
4.2 BENZODIAZEPÍNICOS......................................................................................................................... 79
4.2.1 Toxicocinética.............................................................................................................................. 79
4.2.2 Toxicodinâmica......................................................................................................................... 80
4.2.3 Tratamento para intoxicações agudas................................................................................ 80
4.3 ÁLCOOL.................................................................................................................................................. 81
4.3.1 Toxicocinética.............................................................................................................................. 81
4.3.2 Toxicodinâmica..........................................................................................................................82
4.3.3 Tratamento para intoxicações agudas.................................................................................83
4.4 OPIÁCEOS E OPIOIDES.......................................................................................................................83
4.4.1 Padrões de uso...........................................................................................................................83
4.4.2 Toxicodinâmica......................................................................................................................... 84
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 86
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................87

TÓPICO 2 - TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS PERTURBADORAS


DO SNC E FACILITADORAS DE CRIMES.......................................................... 89
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 89
2 DROGAS PERTURBADORAS............................................................................................ 89
2.1 CANNABIS..............................................................................................................................................90
2.1.1 Toxicocinética............................................................................................................................... 91
2.1.2 Efeitos tóxicos da Cannabis....................................................................................................92
2.2 ALUCINÓGENOS...................................................................................................................................93
2.2.1 Padrões de uso...........................................................................................................................94
2.2.2 LSD – DIETILAMIDA DO ÁCIDO LISÉRGICO.........................................................................95
2.2.3 Plantas alucinógenas...............................................................................................................96
2.2.4 Cogumelos alucinógenos........................................................................................................ 97
3 DROGAS FACILITADORAS DE CRIMES............................................................................ 98
3.1 PRINCIPAIS DROGAS UTILIZADAS...................................................................................................99
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................ 101
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................102
TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA DE MEDICAMENTOS................................................................105
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................105
2 ANTI-INFLAMATÓRIOS....................................................................................................105
2.1 SALICILATOS – AAS...........................................................................................................................106
2.1.1 Efeitos tóxicos, diagnóstico e tratamento..........................................................................106
2.2 PARACETAMOL................................................................................................................................... 107
3 ANTICONVULSIVANTES/ANTIEPILÉPTICOS.................................................................109
3.1 CARBAMAZEPINA................................................................................................................................110
4 ANTIDEPRESSIVOS......................................................................................................... 110
4.1 ANTIDEPRESSIVOS ISRS...................................................................................................................110
4.2 ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E TETRACÍCLICOS.................................................................111
5 SAIS DE FERRO................................................................................................................ 112
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 113
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 118
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 119

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 121

UNIDADE 3 — TOXICOLOGIA ANALÍTICA...........................................................................125

TÓPICO 1 — TOXICOLOGIA AMBIENTAL............................................................................. 127


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 127
2 INIBIDORES DE COLINESTERASE: CARBAMATOS E ORGANOFOSFORADOS.................129
2.1 CARBAMATOS .................................................................................................................................... 129
2.2 ORGANOFOSFORADOS....................................................................................................................130
3 ORGANOCLORADOS........................................................................................................132
4 INSETICIDAS PIRETROIDES...........................................................................................133
5 HERBICIDA PARAQUAT...................................................................................................134
5.1 DOSES TÓXICAS ................................................................................................................................. 134
5.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS............................................................................................................ 135
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 137
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................138

TÓPICO 2 - TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS........................................................................ 141


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 141
2 PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS TÓXICAS PRESENTES NOS ALIMENTOS......................... 141
3 MICOTOXINAS................................................................................................................. 144
3.1 AFLATOXINAS...................................................................................................................................... 145
3.2 OCRATOXINAS.................................................................................................................................... 147
3.3 ZEARALENONA..................................................................................................................................148
3.4 TRICOTECENOS.................................................................................................................................. 149
3.5 FUMONISINAS....................................................................................................................................150
3.6 PATULINA.............................................................................................................................................151
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................152
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................153

TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA OCUPACIONAL........................................................................155


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................155
2 AGENTES METEMOGLOBINIZANTES..............................................................................156
2.1 SÍNDROME TÓXICA............................................................................................................................. 157
2.2 PRINCIPAIS AGENTES METEMOGLOBINIZANTES......................................................................158
3 SOLVENTES ORGÂNICOS................................................................................................159
3.1 BENZENO.............................................................................................................................................. 159
3.2 TOLUENO.............................................................................................................................................160
3.3 METANOL..............................................................................................................................................161
3.4 ETILENOGLICOL..................................................................................................................................161
4 GASES TÓXICOS..............................................................................................................162
4.1 CIANETO............................................................................................................................................... 162
4.2 MONÓXIDO DE CARBONO................................................................................................................164
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................166
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 167

TÓPICO 4 - METODOLOGIAS ANALÍTICAS E APLICAÇÕES NA TOXICOLOGIA....................169


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................169
2 PREPARO DAS AMOSTRAS.............................................................................................169
3 MÉTODOS DE TRIAGEM...................................................................................................170
3.1 TESTES COLORIMÉTRICOS............................................................................................................... 171
3.2 CROMATOGRAFIA EM CAMADA DELGADA (CCD)...................................................................... 172
3.3 IMUNOENSAIOS................................................................................................................................. 174
4 MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS......................................................................................... 174
4.1 CROMATOGRAFIA GASOSA (GC)..................................................................................................... 175
4.2 CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA EFICIÊNCIA (HPLC).........................................................176
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 177
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................182
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................183

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................185
UNIDADE 1 -

INTRODUÇÃO À
TOXICOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os conceitos básicos de toxicologia e os mecanismos de toxicocinética e


toxicodinâmica;

• compreender os riscos que diversas substâncias podem causar ao nosso organismo,


dependendo da dose e das condições de exposição;

• aprender as condutas básicas e as medidas de descontaminação a serem abordadas


em um paciente intoxicado;

• diferenciar os métodos de segurança e de eficácia utilizados na produção de


cosméticos, a fim de evitar reações de toxicidade nos usuários.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA


TÓPICO 2 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE
TÓPICO 3 – TOXICOLOGIA DE COSMÉTICOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

Acesse o
QR Code abaixo:

2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, a partir de agora, iniciaremos os nossos estudos. A toxicologia é
a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias
químicas com o organismo, com as finalidades de prevenir, diagnosticar e tratar da
intoxicação. A toxicologia abrange uma vasta área de conhecimentos, na qual atuam
profissionais de diversas formações. Ela pode ser dividida, de acordo com os diferentes
campos de trabalho, em toxicologia analítica, ou química; toxicologia clínica, ou médica;
e toxicologia experimental.

A toxicologia analítica trata da detecção do agente químico ou de algum


outro parâmetro relacionado à exposição ao toxicante, em substratos, como fluídos
orgânicos, alimentos, água, ar, solo etc. A toxicologia analítica é, também, importante
no monitoramento terapêutico, ou no acompanhamento de pacientes submetidos a
um tratamento prolongado com alguns tipos de medicamentos, especialmente, os de
baixo índice terapêutico, mediante determinação sistemática ou periódica do fármaco
em material biológico, na maioria das vezes, no plasma. Outra aplicação de importância
é no controle antidopagem, em competições esportivas, nas quais, mediante métodos
analíticos apropriados, investiga-se a presença de substâncias cujo uso é proibido pela
legislação esportiva.

A toxicologia experimental desenvolve estudos para a elucidação dos


mecanismos de ação dos agentes tóxicos sobre o sistema biológico, e para a avaliação
dos efeitos decorrentes dessa ação. A avaliação da toxicidade de substâncias é feita,
utilizando-se diferentes metodologias, in vitro ou in vivo, empregando-se diferentes
técnicas, tipos celulares e espécies animais que mimetizam a ação do xenobiótico
frente ao organismo humano, seguindo rigorosas normas preconizadas pelos órgãos
reguladores do país (ROGERO et al., 2003).

O atendimento do paciente exposto ao toxicante, ou do intoxicado, para


prevenir ou diagnosticar a intoxicação, além de aplicar, nele, uma terapêutica específica,
é da competência dos profissionais que atuam na toxicologia médica, ou clínica. Os
toxicologistas analíticos, com o corpo clínico, desempenham um importante papel no
diagnóstico das intoxicações e na identificação de agentes tóxicos, por meio de análises
laboratoriais, clínicas e toxicológicas.

Embora já tenhamos dito que a toxicologia é fundamental para o nosso


conhecimento, talvez, seja difícil você conseguir compreender em que momento ela está
presente no nosso dia a dia. Por isso, para a sua melhor compreensão, leia os casos a seguir:

3
CASO 1 – Caso Backer, janeiro de 2020:

“Os primeiros casos de uma síndrome nefroneural, inicialmente, tratada como


"doença misteriosa do Buritis", vieram a público por meio de grupos de WhatsApp,
ainda, no início de janeiro, pouco depois das festas de Natal e réveillon, quando é
grande o consumo de cervejas. Investigações sanitária e policial foram abertas.
Em 13 de janeiro, a Polícia Civil informou ter identificado as substâncias tóxicas
monoetilenoglicol e dietilenoglicol na linha de produção da cervejaria, em Nova
Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os laudos, também, acusaram os
dois agentes químicos em garrafas de cerveja recolhidas na fábrica e em casas de
pacientes com sintomas da intoxicação. O consumo foi ligado à síndrome nefroneural
– conjunto de sintomas nefro e neurológicos –, manifestada por pessoas que
consumiram a cerveja”.

FONTE: <https://bit.ly/3HwSAha>. Acesso em: 5 ago. 2021.

CASO 2 – Morte do cantor Chorão, março de 2013:

“Uma overdose de cocaína matou Alexandre Magno Abrão, conhecido como


Chorão, do grupo Charlie Brown Jr., aponta o laudo necroscópico da Polícia Técnico-
Científica de São Paulo. O vocalista da banda foi encontrado morto em 6 de março
no seu apartamento, na Zona Oeste da capital paulista. O laudo considera resultados
do exame toxicológico número 5054/2013, do Instituto Médico-Legal (IML), feito
no corpo de Chorão. O exame toxicológico apontou que o corpo apresentava 4,714
microgramas da droga por mililitro de sangue. Segundo os peritos, foi possível
concluir, a partir dos testes, que a causa da morte foi intoxicação exógena, devido à
cocainemia”.

FONTE: <https://glo.bo/3AWd4O9>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Veja que, em ambos os casos, há uma substância tóxica envolvida, contudo,


é importante frisarmos que uma substância tóxica, não necessariamente, precisa ser
um produto químico, ou uma droga ilícita. O que determinará se uma substância é
passível de intoxicação é a dose utilizada e a intensidade de exposição. No Tópico 1,
abordaremos, justamente, essas questões. O medicamento paracetamol, utilizado para
quadros de dor, é tóxico? O Escabin®, utilizado para controle de pediculose (piolhos), é
tóxico? A água pode ser tóxica?

Antes de responder a essas e demais perguntas, precisamos entender alguns


conceitos importantes na área da toxicologia (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014):

4
• Xenobióticos: substâncias químicas que são estranhas ao organismo e sem valor
nutritivo.
• Agente tóxico: xenobiótico capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando
uma função ou o levando à morte, sob certas condições de exposição.
• Intoxicação: a manifestação do agente tóxico e corresponde ao conjunto de sinais
e de sintomas que revelam desequilíbrio produzido pela interação do agente tóxico
com o organismo.
• Veneno: mistura de substâncias de origem biológica (animal ou vegetal), capaz de
causar alterações nocivas a órgãos ou a sistemas de organismos vivos quando há
interações com eles.
• Toxicidade: propriedade intrínseca e potencial de um agente químico capaz de
produzir efeito nocivo ao organismo. A toxicidade depende, principalmente, das
seguintes condições de exposição:

º dose ou concentração da substância liberada na exposição;


º vias de introdução no organismo (trato respiratório, trato gastrintestinal, pele e via
sanguínea);
º tempo e frequência de exposição;
º propriedades físico-químicas do toxicante;
º suscetibilidade do organismo.

• Exposição: contato do indivíduo com o agente tóxico, por quaisquer vias de


introdução, interna ou externa, que possa ocasionar, ou não, uma intoxicação.
• Dose: comumente, o efeito de uma substância é proporcional à dose, sendo, esta, a
quantidade de substância administrada a um organismo. Vale ressaltar que algumas
substâncias possuem um efeito “tudo ou nada”, que independe da dose administrada:

º dose letal (DL50): quantidade calculada de um agente químico necessária para


causar a morte de 50% dos animais em estudo. Geralmente, é expressa em
miligrama, ou grama, da substância, por quilo de peso corporal (mg/kg ou g/kg);
º dose efetiva (DE50): quantidade necessária de uma substância para causar um
determinado efeito em 50% dos animais em estudo. É, também, expressa em mg/
kg, ou g/kg.

• Índice terapêutico: distância entre a máxima concentração terapêutica e a mínima


concentração tóxica. Quanto maior o valor do índice terapêutico, ou margem de
segurança, mais “segura” será a substância. Uma margem de segurança estreita
indica maior risco.

2 HISTÓRICO DA TOXICOLOGIA
A história da toxicologia acompanha a própria história da civilização, pois, desde
a época mais remota, o homem possuía conhecimento dos efeitos tóxicos de venenos
de animais e de uma variedade de plantas tóxicas.

5
Um dos documentos mais antigos, o Papiro de Ebers (1500 a.C.), de origem
egípcia, registra uma lista de cerca de 800 ingredientes ativos, incluindo metais do tipo
chumbo e cobre, venenos de animais e diversos vegetais tóxicos. Na antiguidade, o
veneno foi muito utilizado com fins políticos. Provavelmente, o caso mais conhecido
do uso de veneno em execuções do Estado foi o de Sócrates, condenado à morte
pela ingestão de extrato de cicuta (Conium maculatum), que contém a presença da
substância cicutoxina, um agente colinérgico que produz sintomas de náusea, vômito
e dor abdominal, tipicamente, nos primeiros 15-60 minutos de ingestão. Em poucas
horas, causa tremores, convulsões, arritmia, hipertensão e insuficiência respiratória. A
dose letal (LD50) é de 2.8 mg/kg (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Além da cicuta, outras substâncias, também, eram obtidas do reino vegetal,


como o ópio (princípio ativo da morfina), o acônito e os digitalis (glicosídeos digitálicos
extraídos da Digitalis purpurea L) – planta conhecida, popularmente, como dedaleira.
Já no reino animal, os venenos de víboras, sapos e salamandras eram utilizados como
agentes tóxicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

A toxicologia evoluiu lentamente, e, mesmo nos séculos XVII e XVIII, os métodos


de estudo eram muito empíricos. Avicena deu sua contribuição à toxicologia, com as
discussões de mecanismos de ação de venenos, incluindo neurotoxicidade e efeitos
metabólicos. Ele recomendava a pedra de bezoar (concreções biliares de bode) como
antídoto e preventivo de doenças. As pedras preciosas eram tidas como excelentes
antídotos. Às pedras de maior valor, era atribuído maior efeito curativo. Assim, a ametista
era indicada para intoxicações por bebidas alcoólicas, e, o topázio, para a prevenção de
morte subida (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

NOTA
Conceito de antídoto: é um agente capaz de antagonizar (reverter)
os efeitos tóxicos de substâncias. Exemplo 1: Naloxona (antagonista
de opioides) é o antídoto para intoxicação por morfina. Exemplo 2:
Flumazenil (antagonista dos efeitos hipnóticos, sedativos e da inibição
psicomotora) é o antídoto para intoxicação por barbitúricos. Exemplo 3:
N-acetilcisteína é o antídoto para intoxicação por paracetamol.

Uma figura de grande importância na Medicina, assim como na história da


Ciência, Paracelsus desenvolveu estudos e ideias, revolucionárias na época, envolvendo
a toxicologia. Vários dos princípios dele permanecem válidos, principalmente, o postulado
mais conhecido:

6
“Todas as substâncias são venenos; não há nenhuma que não seja um
veneno. A dose correta diferencia o veneno do remédio”.

Paracelsus (1493-1541)

FIGURA 1 – PHILIPPUS AUREOLUS THE OPHRASTUS BOMBAST VON HOHENHEIM, CONHECIDO COMO PA-


RACELSUS

FONTE: <https://bit.ly/3FUpasa>. Acesso em: 27 ago. 2021.

Esse conceito responde questões que deixamos em aberto na introdução desta


unidade. O paracetamol, se utilizado em doses terapêuticas, é desprovido de toxicidade.
No entanto, se o usuário ultrapassar a dose terapêutica diária, existirão riscos de
desenvolver um quadro de toxicidade, o que, também, acontece com a deltametrina,
vendida, no Brasil, com o nome comercial Escabin®. Apesar de ser considerada segura
para humanos, para animais é, altamente, tóxica, acometendo, principalmente, o SNC.
E a água, tão indicada para consumo diário, é capaz de causar quadros de intoxicação?
A resposta é sim. A hidratação excessiva pode causar um distúrbio eletrolítico no nosso
organismo, gerando um quadro de hiponatremia (baixos níveis de sódio), o que pode
ser perigoso, principalmente, em pessoas que já têm um problema renal, hepático ou
cardíaco preestabelecido. Lembre-se: a diferença entre o veneno e o remédio é a dose
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O século XX se caracterizou pelo grande avanço tecnológico no campo da


síntese química. Milhares de novos compostos foram sintetizados para diversos fins,
como farmacêuticos (fármacos, excipientes), alimentares (conservantes, corantes)
e agrícolas (praguicidas, herbicidas). O contato do homem com esses agentes tem
provocado inúmeros casos de intoxicação.

Um caso de grande repercussão aconteceu no final da década de 1950, quando


várias crianças foram vítimas de um grave acidente ocorrido pela utilização de talidomida
pelas mulheres no período de gestação. A talidomida é, potencialmente, teratogênica
aos fetos, principalmente, nos primeiros meses de desenvolvimento.

7
INTERESSANTE
A MÉDICA QUE SALVOU UMA GERAÇÃO DE BEBÊS DA TRAGÉDIA
DA TALIDOMIDA NOS EUA

O “não” que a médica Frances Oldham Kelsey disse a uma empresa, em


1960, foi um dos mais poderosos da história da indústria farmacêutica.
Com a negativa dela, ajudou a salvar, talvez, milhares de pessoas da
morte ou da invalidez durante a vida, afirmou a Agência de Drogas e
Alimentos (FDA, na sigla em inglês). Quando a médica começou a
trabalhar nessa organização, ela recebeu algo que parecia um pedido
“fácil” de encaminhamento. Tratava-se de um remédio que, inicialmente,
havia sido comercializado como sedativo na Europa, no final dos
anos 1950, e, depois, para aliviar náuseas durante a gravidez. Nos
anos 1960, o medicamento era acessível em dezenas de países, mas
Kelsey impediu a venda nos EUA porque não estava satisfeita com as
evidências apresentadas a respeito da segurança para o uso. Vários
meses depois, viria, a público, um terrível vínculo que a comunidade
científica internacional desconhecia: a talidomida causava danos graves
aos fetos. Foram, ao menos, 10 mil crianças que nasceram com diversas
malformações. Alguns sem braços, outros sem pernas. Muitos outros
morreram no útero. No Brasil, centenas de crianças foram atingidas pela
tragédia. A talidomida atingiu famílias em mais de 45 países.

FONTE: <https://bbc.in/3skvEvc>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Após a Segunda Guerra Mundial, a toxicologia experimentou notável


desenvolvimento, principalmente, a partir da década de 1960, deixando de ser a ciência
envolvida, apenas, com o aspecto forense.

Hoje, a ênfase é voltada à avaliação de segurança e de risco para a utilização de


substâncias químicas. Ainda, à aplicação de dados gerados em estudos toxicológicos
para o controle regulatório de substâncias químicas no alimento, no ambiente, nos locais
de trabalho etc. Os estudos de carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade,
incluindo os aspectos preventivos, preditivos e comportamentais de substâncias
químicas, são alguns exemplos de tópicos da toxicologia contemporânea (ANDRADE
FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

3 INTOXICAÇÃO
Intoxicação é um processo patológico causado por substâncias endógenas
ou exógenas, caracterizado pelo desequilíbrio fisiológico, consequente das alterações
bioquímicas no organismo. O processo de intoxicação é evidenciado por sinais e
sintomas, ou mediante dados laboratoriais, e pode ser desdobrado em quatro fases:
exposição, toxicocinética, toxicodinâmica e clínica (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

8
FIGURA 2 – FASES DA INTOXICAÇÃO

FONTE: Adaptada de Ruppenthal (2013)

• Fase de exposição: é a fase em que a superfície externa, ou interna, do organismo


entra em contato com o toxicante. É importante considerar, nesta fase, a via de
introdução, a frequência e a duração da exposição, as propriedades físico-químicas,
além da dose, ou da concentração do xenobiótico, e da suscetibilidade individual.

• Fase de toxicocinética: inclui todos os processos envolvidos na relação entre a


disponibilidade química e a concentração dos agentes nos diferentes tecidos do
organismo. Intervêm, nesta fase, a absorção, a distribuição, o armazenamento, a
biotransformação e a excreção das substâncias químicas. As propriedades físico-
químicas dos toxicantes determinam o grau de acesso aos órgão-alvos, assim como
a velocidade de eliminação no organismo.
• Fase toxicodinâmica: compreende a interação entre as moléculas do toxicante e os
sítios de ação, específicos ou não, dos órgãos, e, consequentemente, a alteração do
equilíbrio homeostático.
• Fase clínica: demonstra evidências de sinais e sintomas, ou, ainda, alterações
patológicas detectáveis mediante provas diagnósticas, caracterizando os efeitos
nocivos provocados pela interação do toxicante com o organismo.

4 TOXICOCINÉTICA
A toxicocinética é o estudo do comportamento de um agente nos diferentes
compartimentos do organismo, dependentes dos processos de absorção, distribuição
e eliminação.

O efeito tóxico é, geralmente, proporcional à concentração do agente no


sítio molecular de ação, o tecido-alvo. Entretanto, há uma dificuldade de determinar a
concentração no sítio de ação, por isso, quantifica-se a concentração do agente tóxico no
sangue, predominantemente, no plasma, que constitui o tecido acessível e em constante
comunicação com os tecidos-alvo (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).
9
NOTA
Tecido-alvo: órgão ou sítio no qual uma determinada substância química
tem efeito.

Qualquer substância precisa ultrapassar certas barreiras físicas, químicas


e biológicas para alcançar os locais de ação moleculares e celulares. O revestimento
epitelial do trato gastrointestinal, e outras membranas mucosas, representam um tipo
de barreira; são, também, encontrados outros tipos de barreiras após a penetração
dessas substâncias no sangue e vasos linfáticos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Boa parte desses agentes que circulam no sangue deve se distribuir para
tecidos locais, um processo que pode ser impedido por determinadas estruturas, como
pela barreira hematoencefálica. Na maioria das vezes, essas substâncias ultrapassam
o compartimento intravascular nas vênulas pós-capilares, nas quais existem lacunas
maiores entre as células endoteliais, o que permite a passagem delas (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

A principal barreira biológica encontrada no nosso organismo são as membranas


com bicamada fosfolipídica. Essas membranas contêm uma camada de lipídios
hidrofóbicos e possuem uma superfície hidrofílica em contato com os ambientes
extracelular e intracelular aquosos. Os principais componentes lipídicos das membranas
biológicas consistem em moléculas anfifílicas, incluindo fosfolipídios, colesterol e outros
componentes de menor relevância (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

Os xenobióticos atravessam as membranas por diferentes mecanismos,


dependendo das propriedades físico-químicas. No entanto, boa parte da distribuição
de uma substância ocorre por difusão passiva, cuja velocidade é afetada por condições
iônicas e celulares locais (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018).

O transporte passivo é o mecanismo dependente do gradiente de concentração


e das características físico-químicas dos agentes químicos. Esse processo compreende
a filtração, que é a passagem de moléculas polares, hidrossolúveis, pelos poros aquosos
da membrana; e a difusão lipídica, que é a passagem de moléculas hidrofóbicas
pela difusão de membranas. Ainda, agentes químicos podem ser transportados por
carregadores nas membranas celulares sem, contudo, haver consumo de energia.
Por essa última razão, esse transporte é denominado de difusão passiva (ANDRADE
FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Além do transporte ativo, é possível que determinada
substância ultrapasse a membrana através do transporte ativo. O transporte ativo é
caracterizado pelo consumo de energia, movimento de substância contra o gradiente
de concentração e existência de proteínas carreadoras de moléculas.

10
4.1 ABSORÇÃO
A absorção é a passagem de substâncias do local de contato para a circulação
sanguínea. As principais vias de exposição aos agentes tóxicos, no organismo, são a
dérmica, a oral e a respiratória. Outras vias, como a intramuscular, a intravenosa e a
subcutânea, constituem meios normais de introdução de agentes medicamentosos
que, dependendo da dose, das condições fisiológicas ou da doença do paciente,
podem produzir efeitos adversos acentuados, com lesões graves em diversos órgãos. É
importante ressaltar que, pela via intravenosa, não existe absorção, já que as substâncias
alcançam, diretamente, a circulação sistêmica, sendo, essa via de administração,
relevante para alguns fármacos e drogas de abuso, como o cloridrato de cocaína.

FIGURA 3 – PRINCIPAIS VIAS DE EXPOSIÇÃO

FONTE: CRFRN (2020, p. 18)

4.1.1 Absorção via dérmica


A pele é um órgão formado por múltiplas camadas de tecidos e contribui
com cerca de 10% do peso corpóreo. No estado íntegro, a pele constitui uma barreira
efetiva contra a penetração de substâncias químicas exógenas. No entanto, alguns
xenobióticos podem sofrer absorção cutânea, dependendo de fatores, como a anatomia
e as propriedades fisiológicas da pele e físico-químicas dos agentes (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

Os efeitos dos agentes tóxicos, na pele, podem ser tópicos ou sistêmicos.


Efeitos tópicos são a corrosão, a sensibilização e a mutação. Efeitos sistêmicos podem
resultar da ação do toxicante em tecidos distantes.

11
A via dérmica é a porta de entrada mais frequente das intoxicações por
agrotóxicos, pois a contaminação ocorre nas mãos, braços, pescoço, face e couro
cabeludo, pela absorção de respingos, névoa de pulverização e uso de roupas
contaminadas. Os fatores ligados à absorção via dérmica são tempo de exposição,
hidro ou lipossolubilidade, tamanho da molécula, temperatura do corpo e do ambiente,
volatilidade, dentre outros (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

4.1.2 Absorção pelas vias respiratórias


A via respiratória é muito importante para a toxicologia ocupacional, visto
que muitas intoxicações ocupacionais são decorrentes da aspiração de substâncias
contidas no ar.

A absorção pela via respiratória é uma via importante de entrada de partículas sólidas
ou líquidas suspensas no ar atmosférico, além de gases e substâncias voláteis, que podem
passar pelas fossas nasais, faringe, laringe, brônquios, traqueia e alvéolos pulmonares,
alcançando a circulação sistêmica (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018).

O fluxo sanguíneo contínuo exerce uma boa ação de dissolução, e muitos


agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente, a partir dos pulmões.

A retenção parcial, ou total, dos agentes, nas vias superiores, está ligada ao
diâmetro da partícula, hidrossolubilidade, condensação e temperatura. Geralmente,
as partículas com diâmetro maior do que 30 µm ficarão retidas nas regiões menos
profundas do trato respiratório. Também, quanto maior a solubilidade em água, maior
será a tendência de ser retido no local.

4.1.3 Absorção via oral, digestiva ou gastrintestinal


No trato gastrintestinal (TGI), um agente tóxico poderá sofrer absorção desde a
boca até o reto. Poucas substâncias sofrem a absorção na mucosa oral, porque o tempo
de contato, nesse local, é pequeno. Estudos experimentais, no entanto, mostram que
a cocaína, a estricnina, a atropina e vários opioides podem sofrer absorção na mucosa
bucal. Não sendo absorvido na mucosa oral, o toxicante poderá sofrer absorção na
porção do TGI, onde existir a maior quantidade da forma dele não ionizada (lipossolúvel).
Um dos fatores que favorece a absorção intestinal de nutrientes e xenobióticos é a
presença de microvilosidades, que proporcionam uma grande área de superfície (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

A absorção oral, em especial, é uma via relevante para diferentes classes


de xenobióticos. A ingestão pode ser acidental, por meio de água ou de alimentos
contaminados, ou voluntária, no ato suicida ou na ingestão de drogas ou fármacos de
abuso por indivíduos dependentes.
12
4.2 DISTRIBUIÇÃO
Os xenobióticos são transportados pelo sangue e pela linfa para diversos tecidos.
Portanto, a distribuição depende dos fluxos sanguíneo e linfático nos diferentes órgãos,
além de sofrer interferência de outros fatores, como ligação às proteínas plasmáticas,
diferenças regionais de pH e coeficiente de partição óleo/água de cada substância. O
equilíbrio de distribuição é atingido, mais facilmente, nos tecidos que recebem grande
circulação dos fluidos (coração, cérebro e fígado), e, mais lentamente, nos órgãos pouco
irrigados (ossos, unhas, dentes e tecido adiposo) (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS,
2013).

As partículas, ou moléculas de substâncias tóxicas, passam do leito vascular


para os espaços extracelulares, dispensando-se no fluido intersticial, e devem atravessar
as membranas celulares para alcançar o fluido intracelular. A intensidade e a duração do
efeito tóxico dependem da concentração do agente nos sítios de ação. Para alcançar
o sítio de ação, a substância deve estar, preferencialmente, no estado molecular
lipossolúvel dela, e não ligada a proteínas plasmáticas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO,
2014).

Na fase inicial da distribuição, os órgãos, altamente, irrigados recebem uma


grande quantidade de xenobióticos, mas, após algum tempo, órgãos pouco irrigados
podem acumular uma maior quantidade do agente, desde que possuam grande afinidade
ou poder de retenção em comparação aos órgãos, intensamente, irrigados. Estes são
chamados de tecidos de depósito. É o caso, por exemplo, do chumbo: duas horas após
a administração dele em animais, 50% da dose está no fígado; com 30 dias, 90% do
metal que permanece no organismo está ligado ao tecido ósseo. Por fim, é liberado
continuamente, à medida que a concentração plasmática diminui.

Ainda, especificadamente, a respeito do chumbo, a intoxicação pode


permanecer por muitos anos, uma vez que a meia-vida de eliminação dele tem cerca
de 20 a 30 anos. Agentes lipofílicos, como alguns anestésicos e pesticidas, acumulam-
se no tecido adiposo, e, se houver mobilização rápida de gordura, as concentrações
aumentam e podem ser determinantes para a toxicidade (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO;
BASTOS, 2018).

4.3 BIOTRANSFORMAÇÃO
Biotransformação é toda alteração que ocorre na estrutura química da
substância no organismo. A biotransformação pode ocorrer em qualquer órgão ou
tecido orgânico, como no intestino, rins, pulmões, pele, testículos, placenta etc. No
entanto, a grande maioria das substâncias, sejam elas endógenas ou exógenas, é
biotransformada no fígado. A biotransformação de xenobióticos é catalisada por

13
enzimas inespecíficas, as quais metabolizam substâncias endógenas que, também,
devem sofrer biotransformação para a renovação. As reações de biotransformação são
divididas em reações de Fase I e II.

As reações de Fase I – oxidação, redução e hidrólise – conferem polaridade aos


xenobióticos por expor ou inserir grupamentos sulfidrila, hidroxila, amina ou carboxila,
os quais geram o aumento da hidrofilicidade. As reações de Fase II – glicuronidação,
sulfatação, acetilação, metilação, conjugação com a glutationa e com aminoácidos – são
caracterizadas pela incorporação de cofatores endógenos às moléculas provenientes
da Fase I (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

4.4 EXCREÇÃO
Excreção é o processo pelo qual uma substância é eliminada do organismo.
Os agentes tóxicos são excretados por diferentes vias, e, na maioria das vezes, sob
forma de produtos mais hidrossolúveis, após a biotransformação. As vias de excreção
mais representativas são a urinária, a fecal e a pulmonar. A urina excreta substâncias
hidrossolúveis, enquanto as fezes carregam substâncias não absorvidas no trato
digestivo e os produtos excretados pela bile. A via pulmonar é a responsável pela
excreção de gases e de vapores.

ATENÇÃO
É muito importante que você compreenda o caminho que os
xenobióticos percorrem no nosso organismo, especialmente, o
processo de excreção, visto que, em alguns casos de intoxicação,
são administradas substâncias para aumentar a excreção daquela
substância tóxica. Veremos mais detalhes adiante!

5 TOXICODINÂMICA
A toxicodinâmica estuda os mecanismos da ação tóxica exercida por
substâncias químicas sobre o sistema biológico, sob os pontos de vista bioquímico
e molecular. Pelo elevado número de agentes químicos com potencial tóxico, os
mecanismos de ação são os mais diversos. Obviamente, o efeito toxico depende,
primordialmente, de o agente alcançar e permanecer no sítio de ação. Dessa forma, os
fatores que facilitam a absorção, a distribuição para o sítio-alvo, a biotransformação,
caso o agente tóxico seja produto dessas reações, ou que impeçam a eliminação

14
dele, facilitam o alcance do agente químico no sítio de ação. Nesse local, a molécula
ativa interage com o sítio molecular por meio de diferentes reações, as quais são
determinadas pelas características físico-químicas e estruturais do agente químico e
do sítio molecular (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

No caso dos medicamentos, é importante ressaltar, além de diferenciar os


conceitos de reações adversas e intoxicação medicamentosa. As reações adversas,
não desejadas, são aquelas provocadas por doses terapêuticas do medicamento e
ocorrem pelo fato de o medicamento nem sempre possuir seletividade para um único
alvo molecular, ou porque esse alvo se encontra distribuído em diferentes tecidos do
organismo. A intoxicação medicamentosa é decorrente de dose excessiva, seja ela
acidental ou intencional (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

As toxicidades provocadas por xenobióticos podem ser classificadas em agudas


e crônicas, conforme o número e a persistência da exposição do sistema biológico ao
agente. A intoxicação aguda é decorrente de uma única exposição ou de exposições
múltiplas ao agente tóxico em um período de 24 horas. Os efeitos surgem de imediato
ou no decorrer de alguns dias, no máximo, duas semanas. Já a intoxicação crônica
é caracterizada por exposições contínuas, e os sinais e sintomas durante um longo
período, até anos. Experimentalmente, a avaliação da toxicidade aguda de xenobióticos
é feita se utilizando, pelo menos, três espécies animais, sendo, uma delas, não roedora.
Geralmente, após a administração de uma única dose, os animais são observados
quantos aos sinais e sintomas de intoxicação e ao percentual de mortalidade para o
cálculo de doses letais. Os parâmetros mais utilizados para expressar o grau de toxicidade
aguda de substâncias químicas são a DL50 (dose letal 50%) e a DL10 (dose letal 10%),
os quais correspondem às doses que, provavelmente, matam, respectivamente, 50% e
10% de um lote de animais utilizados para os ensaios experimentais (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

5.1 SELETIVIDADE DE AÇÃO


Todas as substâncias químicas tóxicas produzem efeitos, alterando as condições
fisiológicas e bioquímicas normais das células.

Quando falamos da seletividade de ação, há algumas diferenças bioquímicas e


fisiológicas, dependendo da espécie na qual a substância está sendo administrada ou
entrando em contato. Na agricultura, por exemplo, usam-se praguicidas seletivos para
combater certos fungos e insetos, sem causar danos significativos a outras espécies
vivas. Ademais, a toxicidade seletiva de certos inseticidas, usados em forma de spray,
reside no fato de os insetos absorverem uma maior quantidade do que o homem, pela
maior área de superfície de contato em relação à massa corporal (DINIS-OLIVEIRA;
CARVALHO; BASTOS, 2018).

15
Na medicina, os antibióticos são úteis pela toxicidade seletiva que possuem
sobre os micro-organismos causadores de doenças. As penicilinas e as cefalosporinas
agem, seletivamente, sobre as paredes celulares presentes nas bactérias, mas ausentes
nas células animais.

Alguns agentes químicos, por características físico-químicas, possuem


seletividade específica para determinados tecidos nos quais se acumulam (tecidos de
depósito). É o caso do flúor, que, em concentrações acima das permitidas, interage com
a matriz óssea, conferindo fragilidade ao tecido.

É importante ressaltar que a intensidade de intoxicação depende, também, do


tecido atingido. Os tecidos epiteliais, incluindo o fígado, têm capacidade de regeneração
em resposta a uma perda de massa tecidual, enquanto outros tecidos, como células
nervosas, possuem capacidade de regeneração mais limitada.

INTERESSANTE
Para fixarmos esse conteúdo de seletividade de ação, é só pensarmos
no chocolate. O chocolate, para seres humanos, não traz nenhum efeito
tóxico. No entanto, para animais, o chocolate é um grande vilão. O
composto teobromina, presente no chocolate, é um potente diurético,
vasodilatador, cardiotóxico e neurotóxico para animais.

16
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Quanto maior a dose e a intensidade de exposição, maior a gravidade da intoxicação.

• Para alcançar os tecidos-alvo, os xenobióticos precisam atravessar algumas barreiras


químicas, físicas e biológicas.

• A absorção é uma das etapas da toxicocinética. As principais vias de absorção são:


dérmica, oral e respiratória.

• A distribuição é a fase na qual os xenobióticos migram para os tecidos. Quanto mais


irrigado for o órgão, mais rápida será a distribuição.

• Na fase da biotransformação, ocorre a modificação da estrutura química da


substância.

• A última fase da toxicocinética é a excreção dos xenobióticos. As principais vias são:


urinária, fecal e pulmonar.

• A toxicodinâmica estuda os mecanismos de ação empregados pelos xenobióticos no


nosso organismo.

17
AUTOATIVIDADE
1 Por milhares de anos, os venenos e o estudo deles (toxicologia) teceram uma rica
malha de experiências humanas. Sócrates foi morto envenenado com cicuta;
Cleópatra usou uma serpente africana para se suicidar; a intoxicação com chumbo
pode ter contribuído para o declínio do império romano; Marilyn Monroe, Elvis Presley
e o ator Health Ledger morreram com doses excessivas de medicamentos sujeitos
à prescrição obrigatória. A respeito dos conceitos básicos de toxicologia, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) São raras as substâncias consideradas tóxicas, visto que boa parte delas
necessita de prescrição médica.
b) ( ) As toxinas podem ser inaladas, aspiradas, ingeridas por via oral, injetadas ou
absorvidas pela pele.
c) ( ) A DL50 é uma das principais técnicas utilizadas para avaliar a toxicidade de uma
substância em seres humanos.
d) ( ) Os toxicantes podem se acumular em maior ou menor concentração, dependendo
do local. Fígado, coração e pulmão são órgãos considerados como depósito de
xenobióticos.

2 A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações


das substâncias químicas com o organismo. A toxicologia abrange uma vasta área
de conhecimento, na qual atuam profissionais de diversas formações: química
toxicológica, toxicologia farmacológica, clínica, forense, ocupacional, ambiental,
aplicada a alimentos, analítica, experimental, dentre outras áreas. A toxicidade, que
resulta de exposições contínuas, e se estende por períodos de dias, meses ou anos,
causando danos para a pele, mucosas e tecido hepático, é classificada como:

a) ( ) Persistente.
b) ( ) Aguda sistêmica.
c) ( ) Crônica local.
d) ( ) Crônica sistêmica.

3 A toxicocinética estuda o que o organismo faz com os xenobióticos, ao passo que a


toxicodinâmica descreve o que os xenobióticos fazem no organismo. Dependendo
das variáveis farmacocinéticas, os indivíduos podem adotar diferentes vias de
administração, dosagem e frequência de uso. De acordo com o que vimos a respeito
da toxicocinética, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A distribuição é o processo pelo qual um xenobiótico abandona o leito vascular e


entra no interstício (líquido extracelular), e, então, nas células dos tecidos. 

18
( ) Na via dérmica, não há absorção, já que as substâncias alcançam, diretamente, a
circulação sistêmica.
( ) A saída do xenobióticos do organismo ocorre por inúmeras vias, sendo a eliminação
urinária a mais importante. Indivíduos com disfunção renal têm uma maior facilidade
de excretar os xenobióticos, diminuindo os riscos de intoxicação.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V.
b) ( ) V – F – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A automedicação é caracterizada pelo uso de medicamentos escolhidos pelo próprio


indivíduo, comumente, indicados por pessoas não habilitadas no âmbito da saúde,
como amigos, vizinhos e familiares, ou seja, ocorrendo sem orientação médica,
farmacêutica, odontológica ou profissional de saúde qualificado. Assim, é importante
frisar que doenças diferentes podem apresentar sintomas similares ou iguais. Dessa
forma, se levarmos em conta que cada organismo possui características diferentes,
logo, pode-se apresentar reações diferentes para um mesmo medicamento. Neste
contexto, descreva a diferença entre reações adversas e intoxicação medicamentosa.

5 A toxicocinética é o estudo do comportamento de um agente nos diferentes


compartimentos do organismo. Para alcançar o tecido-alvo, esses agentes precisam
atravessar várias membranas biológicas. Essa passagem ocorre por diversos meios
de transporte. Assim, descreva os principais meios de transporte utilizados pelos
xenobióticos.

19
20
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos como avaliar o grau de uma intoxicação.
A toxicidade de uma substância, para um organismo vivo, pode ser considerada como a
capacidade de lhe causar dano grave ou morte. Princípio fundamental para que o dano
aconteça é que haja interação do agente químico com o organismo.

A relação entre a intensidade do efeito, a concentração e o tempo de exposição


dependem da idade e das condições de saúde do indivíduo ou do organismo exposto.
Em virtude de o embrião e o feto serem, particularmente, sensíveis, as gestantes devem
tomar cuidados especiais, evitando a exposição a substâncias, potencialmente, tóxicas.
A suscetibilidade individual, também, deve ser considerada, em função de fenômenos,
como polimorfismos genéticos, os quais podem proporcionar diferentes graus de
toxicidade em indivíduos da mesma espécie.

Uma substância, altamente, tóxica, pode promover um efeito tóxico quando


empregada em pequenas quantidades, enquanto substâncias de baixa toxicidade
necessitam de altas doses para promover o mesmo efeito. Entretanto, algumas
substâncias com baixa toxicidade aguda podem promover efeitos carcinogênicos e
teratogênicos com doses que não produzam qualquer efeito tóxico agudo.

A exposição depende da dose (ou concentração) do agente químico envolvido


e do tempo de interação com o organismo. A avaliação da exposição é realizada pela
medida da dose administrada ou da concentração a que um organismo vivo é submetido.
Para exercer o efeito tóxico, é fundamental que haja interação do agente químico
com o organismo, de modo a exercer o efeito a níveis tecidual e celular. É, portanto,
fundamental considerar que o efeito tóxico só deve ocorrer se a substância química
estiver biodisponível para atingir o (s) órgão (s)-alvo e em concentração suficiente para
promover o efeito (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Um dos maiores problemas, para a definição do nível de exposição aceitável,


está em se estabelecer o que deve ser considerado como dano, ou efeito adverso. Um
efeito adverso, ou tóxico, é definido como uma alteração anormal, indesejável ou nociva
após a exposição a substâncias, potencialmente, tóxicas.

A morte é o efeito adverso mais drástico. Efeitos adversos incluem alteração


no consumo de alimentos, variação no peso corporal ou de órgãos, alterações
anatomopatológicas ou de níveis enzimáticos.

21
2 AVALIAÇÃO DE RISCO
Na toxicologia, conceitua-se, como perigo, a capacidade de uma substância de
causar um efeito adverso, e, como risco, a probabilidade de um evento nocivo ocorrer,
devido à exposição a um agente químico e/ou biológico.

A avaliação do risco é um processo sistemático pelo qual o perigo, a exposição


e o risco são identificados e quantificados. Também, é definida como a caracterização
sistemática e científica dos efeitos adversos resultantes da exposição humana aos
agentes químicos. Baseado nos resultados dessa avaliação e levando em consideração
outros fatores, como os benefícios para a sociedade, um processo de tomada de
decisão deve ser estabelecido no sentido de reduzir, ao mínimo, o risco que determinada
substância química possa exercer para a saúde do homem. Avaliação de risco não é
uma fórmula, ou número, mas, sim, um delineamento analítico, que define o tipo de
dado e a metodologia que são empregados para se avaliar o risco. A partir dela, também,
devem ser detalhadas as incertezas e os problemas associados a uma determinada
avaliação (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Dessa maneira, a avaliação do
risco depende do potencial do agente químico para causar danos (toxicidade) e das
condições e intensidade de exposição. Por exemplo, sabemos que o Sol emite radiações
UVA e UVB, assim, a radiação solar é considerada um perigo. O que vai determinar se ela
pode causar um risco é a intensidade e o horário de exposição; a utilização, ou não, de
filtro solar, dentre outros fatores.

Com relação à intensidade de exposição, o fracionamento da dose total reduz a


probabilidade de que o agente venha a causar efeitos tóxicos. A razão, para isso, é que
o corpo pode reparar o dano, ou neutralizar o efeito de cada dose subtóxica se ocorrer
um intervalo de tempo suficiente até a próxima dose.

Em tais casos, a dose total, que seria muito tóxica se recebida toda de uma vez,
passa a ser pouco, ou não tóxica, se administrada em determinado período de tempo.
Por exemplo, 30 mg de estricnina ingerida de uma só vez pode ser fatal para um adulto,
enquanto 3 mg ingeridas a cada dia, por dez dias, podem não ser fatais (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

NOTA
Estricnina: é um alcaloide cristalino muito tóxico. Foi muito usado
como pesticida, principalmente, para matar ratos, porém, devido à alta
toxicidade dele, não só em ratos, mas em vários animais e em seres
humanos, o uso é proibido em muitos países.

22
Também, pode-se dizer que, nem sempre, a substância com forte toxicidade
será a de maior risco. Tudo dependerá das condições de contato com a substância. Por
exemplo, podemos ter agentes de alta toxicidade e baixo risco, ou, ainda, agentes de
baixa toxicidade e alto risco.

A exposição simultânea a várias substâncias pode alterar uma série de fatores


(absorção, ligação proteica, metabolização e excreção) que influenciam na toxicidade de
cada uma delas separadamente. Assim, a resposta final aos tóxicos combinados pode
ser maior ou menor do que a soma dos efeitos de cada um deles, podendo-se ter (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014):

• Efeito aditivo: quando o efeito final é igual à soma dos efeitos de cada um dos
agentes envolvidos.
• Efeito sinérgico: quando o efeito final é maior do que a soma dos efeitos de cada
agente separado.
• Potencialização: quando o efeito de um agente é aumentado se combinado com
outro agente.
• Antagonismo: quando o efeito de um agente é diminuído, inativado ou eliminado se
combinado com outro agente.
• Reação idiossincrática: é uma reação anormal a certos agentes tóxicos. Nesses
casos, o indivíduo pode apresentar uma reação adversa a doses, extremamente,
baixas (doses consideradas não tóxicas), ou apresentar tolerância surpreendente a
doses consideradas altas, ou, até mesmo, letais.
• Reação alérgica: é uma reação adversa que ocorre após uma prévia sensibilização
do organismo ao agente tóxico. Na primeira exposição, o organismo, após incorporar
a substância, produz anticorpos. Estes, após atingir uma determinada concentração
no organismo, ficam disponíveis para provocar reações alérgicas no indivíduo, sempre
que houver uma nova exposição àquele agente tóxico.

Inicialmente, para caracterizar o risco, é necessário identificar o perigo. Para


isso, são utilizados, principalmente, os dados provenientes de estudos em animais
de experimentação, e, se disponíveis, de estudos conduzidos em humanos (estudos
clínicos ou estudos epidemiológicos em populações expostas), estudos toxicológicos in
vitro, ex vivo e estudos de relação estrutura-atividade.

ATENÇÃO
Diferença entre in vitro e ex vivo: in vitro é traduzido, do latim, como “em
vidro”. Esse método de teste envolve experimentos em matéria biológica
(células ou tecidos) fora de um organismo vivo. Em contraste, ex vivo significa
“fora de um corpo vivo”. Nesse tipo de experimento, os tecidos vivos não
são criados artificialmente, mas retirados, diretamente, de um organismo
vivo. O experimento é, então, conduzido, imediatamente, para um ambiente
de laboratório, com alteração mínima das condições naturais do organismo.

23
Nas experimentações realizadas com animais (toxicidades aguda, subaguda,
crônica, carcinogenicidade, toxicidade para a reprodução e para o desenvolvimento
intrauterinos, neurotoxicidade etc.), a abordagem tradicional determina o limiar de
toxicidade (threshold) pelo estabelecimento do nível de dose, a partir do qual não são
observados efeitos adversos (NOAEL, do inglês No Observable Adverse Effect Level),
e da menor dose, a partir da qual são observados efeitos adversos (LOAEL, do inglês
Lowest Observed Adverse Effect Level).

A determinação dessa dose limiar é ditada pela seleção de doses do estudo de


toxicidade (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

GRÁFICO 1 – NOAEL E LOAEL

FONTE: <https://i.imgur.com/6iT5GaQ.png>. Acesso em: 30 nov. 2021.

Além de identificar o perigo, é necessário caracterizá-lo. Nesse caso, o objetivo é


quantificar o perigo, descrito na etapa anterior, como identificação do perigo, e embasar
a seleção dos endpoints (efeitos críticos) de relevância e dos níveis de dose, a partir
dos quais não são observados efeitos adversos (NOAEL), que, por sua vez, deverão ser
utilizados no processo de caracterização do risco à saúde humana da população-alvo.

Os diversos endpoints de toxicidade podem incluir efeitos cancerígenos,


genotóxicos, toxicidade sobre a reprodução e sobre o desenvolvimento intrauterino,
desregulação endócrina, neurotoxicidade, imunotoxicidade etc.

3 MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE
Como vimos anteriormente, o risco está relacionado à probabilidade de um
evento nocivo ocorrer. Um fator de risco para o câncer, quando presente, aumenta a
probabilidade de ocorrência da doença numa dada população, e, quando removido,
torna esse efeito menos provável.

O surgimento de câncer envolve desde fatores ambientais, hábitos alimentares,


estilo de vida, exposição a agente físicos e químicos, mas o ponto principal envolve
alterações genéticas, principalmente, processos de mutagênese. Agentes mutagênicos são,
frequentemente, carcinogênicos. Contudo, qual é a relação da toxicologia com o câncer?

24
A toxicologia experimental, principalmente, realiza os testes toxicológicos
preditivos, que permitem a avaliação do potencial carcinogênico de substâncias a que o
homem, ainda, não foi exposto, isto é, novos produtos, como medicamentos, pesticidas,
aditivos alimentares, cosméticos, e assim por diante. Essa investigação prévia de
segurança, durante o desenvolvimento de inovações na área químico-farmacêutica,
destina-se a evitar que os produtos criados pelo homem venham a constituir novos
fatores de risco para o câncer.

3.1 MUTAGÊNESE
Mutação é uma alteração súbita do material genético que é transmitida à
descendência. Dependendo da linhagem celular em que ocorra, germinativa ou
somática, a mutação passará, respectivamente, às novas gerações, ou células-filhas.

A análise genética das mutações, no homem, é baseada em heredogramas, e,


nos animais de laboratório, em esquemas específicos de cruzamentos entre animais
com diferentes fenótipos.

De modo geral, é possível estabelecer se a mutação é dominante ou recessiva


e se está localizada em cromossomos autossômicos ou sexuais. Há exemplos clássicos
de heredogramas de famílias nas quais foi possível identificar, além do tipo de herança,
o indivíduo no qual ocorreu a mutação (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

Veja, no Quadro 1, as principais mutações relacionadas com doenças genéticas:

QUADRO 1 – PRINCIPAIS MUTAÇÕES GENÉTICAS

MUTAÇÃO CARACTERÍSTICA
Afetam um único par de bases. Esse grupo inclui as
Mutação pontual
substituições, perdas e adições de bases.
Ocorrem devido a exposição a agentes denominados
Mutação induzida mutagênicos, como agentes químicos (ácido nitroso,
etiletanossulfonato) e físicos (radiações ionizantes e UV).
Há modificação da proteína codificada pelo gene
Mutação com troca de sentido mutante, pois a substituição de um par de bases altera
(missense) o sentido de um códon, levando a substituição de um
aminoácido.
A mutação gera o aparecimento de um códon sinalizador
de finalização de transcrição e aborta o RNA mensageiro
Mutação sem sentido (nonsense)
precocemente, resultando no aparecimento de
fragmentos não funcionais do polipeptídio.
A mutação pode alterar o códon para um sinônimo, de
Mutação silenciosa
modo que o mesmo aminoácido será codificado.

FONTE: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

25
3.2 CARCINOGÊNESE
O processo de carcinogênese envolve interações complexas entre vários
fatores, exógenos (ambientais) e endógenos (genéticos, hormonais etc.). As alterações
que ocorrem em uma célula, durante o processo de transformação maligna, são de
natureza genética (mutação) ou epigenética (alteração no padrão de expressão gênica
decorrente de outros fatores que não mutação). Considerando a carcinogênese como
um processo de múltiplas etapas, envolvendo várias alterações tipo mutação, esses
erros teriam efeito cumulativo durante a vida do indivíduo, até a expressão do fenótipo
final (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Algumas substâncias agem de tal modo que é, praticamente, certo que a pessoa
exposta a uma determinada dose venha a desenvolver câncer. É o caso do composto
2-naftilamina, usado na indústria química.

Na Inglaterra, no início do século, todos os homens de uma fábrica que a


destilavam desenvolveram câncer de bexiga. Do mesmo modo, o câncer de pulmão,
frequentemente, desenvolve-se após, pelo menos, dez anos de intensa exposição
ao fumo. A incidência de leucemias, em Hiroshima e Nagasaki, aumentou cinco anos
após a explosão da bomba atômica, atingindo o pico após oito anos (DINIS-OLIVEIRA;
CARVALHO; BASTOS, 2018).

Indivíduos portadores do vírus da hepatite B apresentam risco 200 vezes maior


do que os não portadores de desenvolver hepatocarcinomas. Do mesmo modo, o vírus
Epstein-Barr tem sido associado à etiologia do linfoma de Burkitt.

Alguns agrotóxicos podem, também, induzir o aparecimento de câncer, de


doenças reprodutivas e degenerativas. Essas adversidades decorrem do fato de alguns
componentes químicos, presentes nos agrotóxicos, apresentarem características
genotóxicas e/ou mutagênicas, que os tornam capazes de interagir com o DNA, o que
pode promover, por exemplo, alterações numéricas ou estruturais nos cromossomos,
ativação ou inativação de genes.

Segundo a International Agency for Research on Cancer (IARC) ([20--] apud


INCA, 2013), há uma classificação para determinar agentes carcinogênicos:

• Grupo 1 – o agente é carcinogênico para humanos (evidências suficientes de


carcinogenicidade em humanos).
• Grupo 2A – o agente é, provavelmente, carcinogênico para humanos (evidências
limitadas de carcinogenicidade em humanos e suficientes evidências em experiências
animais).
• Grupo 2B – o agente pode vir a ser carcinogênico para humanos (evidências
inadequadas de carcinogenicidade em humanos, mas suficientes em animais, ou
evidências limitadas em humanos e insuficientes em animais).
26
• Grupo 3 – o agente não pode ser classificado como carcinogênico para humanos.
• Grupo 4 – o agente não é, provavelmente, carcinogênico para humanos (evidências
indicam que não é carcinogênico em animais).

Vários testes foram criados para avaliar o potencial mutagênico de agentes


químicos e físicos, utilizando diferentes sistemas biológicos, desde bactérias até células
humanas, in vivo. Do mesmo modo, é importante a avaliação do potencial carcinogênico
desses agentes, embora os testes específicos, para isso, sejam limitados.

Os roedores têm sido, grandemente, empregados, principalmente, para a


avaliação de compostos fabricados pelo homem. Esses testes são demorados, caros
e fornecem dados nem sempre válidos para a espécie humana. Um dos problemas é a
dificuldade em se estabelecer a equivalência entre as doses de testes e aquelas a que
estão expostos os humanos, ou, ainda, a interpretação das respostas em relação às
diferenças biológicas entre as espécies.

Deve-se considerar, ainda, que, além dos poluentes introduzidos, artificialmente,


no ambiente, os seres vivos estão expostos aos carcinógenos naturais, provavelmente,
em grau muito mais elevado. Podemos citar pesticidas sintetizados, espontaneamente,
pelas plantas ingeridas pelo homem, presentes em concentrações elevadíssimas e que
são tão ou mais carcinogênicos do que os artificiais.

4 TOXICOLOGIA DA REPRODUÇÃO
Os agentes tóxicos, além de causar danos para o indivíduo que fez o uso, podem
trazer danos ao feto em pacientes gestantes. Pode-se agrupar os agentes químicos,
quanto aos efeitos adversos deles, sobre o ciclo reprodutivo, em duas principais
categorias (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014):

• Substâncias que atuam sobre o desenvolvimento da prole, interferindo no


desenvolvimento intrauterino.
• Substâncias que alteram a capacidade ou a habilidade reprodutiva de indivíduos dos
sexos masculino e feminino.

Após a fecundação, para que o concepto tenha um desenvolvimento normal,


são necessários dois fatores: o meio ambiente intrauterino e a herança genética
adequada. É por meio da harmonia entre esses dois fatores que o desenvolvimento dele
se processa.

Nos anos 1960, a tragédia da talidomida, introduzida no mercado como


sedativa e hipnótica, e utilizada para diminuir a náusea e o vômito na gestação, levou
ao nascimento de crianças malformadas em todo o mundo, e impôs a Teratologia
como uma ciência de absoluta importância, seja teórica ou prática, diante da opinião

27
pública. Pela primeira vez, foi possível associar, de maneira inequívoca, a malformação
do homem com um fator exógeno determinante, pois as malformações produzidas pela
talidomida eram severas e puderam ser reconhecidas imediatamente. A talidomida é,
hoje, uma das drogas mais estudadas no campo da Teratologia, sendo, as alterações
dos membros, característica da exposição embrionária a essa substância (ANDRADE
FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

NOTA
Teratologia: termo que define o ramo da medicina responsável por
estudar as causas, mecanismos e padrões das anomalias congênitas.

Embora recente como ciência, a Teratologia possui, hoje, ramos diferentes


de pesquisa que se inter-relacionam e fornecem subsídios que permitam avaliar,
de maneira mais segura, a exposição embriofetal aos agentes exógenos, sejam eles
químicos, físicos ou biológicos.

Apesar do avanço das pesquisas nas últimas décadas, apenas 30 a 35% das causas
das malformações humanas podem ser esclarecidas, em face da grande dificuldade de
se recuperar a história progressiva do paciente e do fato de a grande maioria dos casos
de malformações estar relacionado a vários fatores intercorrentes. Segundo Strauss e
Barbieri (2017), atualmente, as anomalias congênitas são classificadas como:

• Malformações, anormalidade anatômica persistente fora dos limites biológicos, que


pode afetar a sobrevida ou capaz de induzir alterações no crescimento, fertilidade ou
longevidade de um indivíduo.
• Variações, quando a alteração do processo normal de desenvolvimento não leva ao
comprometimento de uma função geral, ou específica, do desenvolvimento pós-
natal ou à letalidade do indivíduo.

Dentre os agentes que apresentam grande periculosidade para o concepto,


devido à facilidade de serem introduzidos no organismo materno e à maneira diversa e
múltipla com que podem entrar em contato com a gestante, encontram-se os agentes
químicos, como os fármacos, os agroquímicos, os contaminantes ambientais e os aditivos
alimentares. Entretanto, diante da imensa gama de substâncias químicas conhecidas,
apenas, poucas dezenas são, comprovadamente, teratógenas para o homem.

As trocas de substâncias entre o organismo materno e o concepto se fazem


através da placenta, que se forma logo após a nidação do embrião. À medida que
o concepto se desenvolve e, portanto, requer mais trocas de substâncias com o

28
organismo materno, a placenta sofre modificações, como diminuição da espessura e
aumento da área de vilosidades, funcionando não somente como pulmão, rins e fígado
do concepto, mas, também, armazenando e metabolizando substâncias importantes
para o desenvolvimento dele (STRAUSS; BARBIERI, 2017).

NOTA
Nidação: processo de implantação do óvulo fecundado na parede do
endométrio, caracterizando o início do primeiro trimestre de gravidez.

Os agentes químicos que apresentam características necessárias para


ultrapassar outras membranas atravessam, também, a barreira placentária. Assim,
substâncias com peso molecular até 600 ultrapassam a placenta, e as com peso
molecular entre 600 e 1000 o fazem também, porém, com muita dificuldade. Portanto, a
maioria das substâncias químicas passa pela placenta através de um simples gradiente
de concentração (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Durante o período de gestação, a exposição materna a um agente químico tóxico


pode levar a respostas diversas, e o efeito final varia, desde a morte até o nascimento
de um indivíduo normal. Essa variação de resposta se deve ao fato de que o efeito
embriofetotóxico de uma substância química está, diretamente, regulado por alguns
princípios básicos (STRAUSS; BARBIERI, 2017):

• A resposta ao agente teratógeno é, amplamente, dependente do genótipo do


embrião. A talidomida, que induziu malformações tão drásticas no homem, em
coelhos e em macacos, não apresentou o mesmo efeito quando administrada em
ratos e camundongos.
• A resposta ao agente teratógeno varia, de acordo com o estágio de desenvolvimento
atingido pelo concepto. A exposição a um mesmo agente teratógeno pode levar a
respostas diferentes para o lado do concepto no que diz respeito à frequência ou,
mesmo, à anomalia produzida. Assim, a exposição materna ao vírus da rubéola,
nos dois primeiros meses de gestação, leva ao nascimento de indivíduos com
malformações ópticas e cardíacas, ao passo que, no terceiro mês de gestação, leva à
gênese de malformações ópticas.

Naturalmente, nem sempre se atinge o nível teratogênico da substância.


Existem substâncias dotadas de baixo poder embriofetotóxico, que podem afetar a mãe,
causando-lhe a morte, sem qualquer efeito para o concepto. No entanto, há substâncias,
altamente, embriofetotóxicas que, com a mínima elevação da dose teratogênica, levam
à letalidade do concepto.
29
Outro fato que determina o aparecimento do efeito embriofetotóxico de uma
substância química é a interação entre essa substância e outros fatores que incidem
sobre o organismo materno, como estado nutricional, fatores ambientais, idade materna,
estresse, tabagismo, alcoolismo etc.

5 ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE INTOXICADO


Atualmente, aumentam, mundialmente, e, em particular, no Brasil, os números
de casos e a gravidade das denominadas “intoxicações e envenenamentos”. Segundo
estimativa da Organização Mundial da Saúde, em torno de 3% da população urbana, nos
países em desenvolvimento, é afetada por esses tipos de acidentes (SÃO PAULO, 2017).

Com relação ao registro de acidentes, podemos dizer que são subnotificados,


uma vez que, nem sempre, a vítima é levada para atendimento em centros de
referência, portanto, não refletem a amplitude do problema. Toda intoxicação suspeita
ou confirmada deverá ser tratada como uma situação clínica, potencialmente, grave,
pois, mesmo pacientes que não apresentam sintomas de imediato podem evoluir mal.
Mas o que fazer com o paciente diante de uma intoxicação?

O primeiro princípio, para o manejo do paciente intoxicado, é analisar o paciente,


e não o veneno. Inicialmente, avaliam-se as vias da respiração e da circulação com
outros efeitos tóxicos que colocam em risco a sobrevivência (ex.: aumento ou queda
acentuado da pressão arterial, frequência cardíaca, respiração, temperatura corporal ou
qualquer disritmia perigosa) (SÃO PAULO, 2017).

Os distúrbios eletrolíticos e acidobásicos, com a determinação dos níveis


sanguíneos de paracetamol e salicilato, podem ser avaliados com resultados laboratoriais.
Após a administração de oxigênio, deve-se instalar o acesso intravenoso e colocar o
paciente em monitoração cardíaca; a administração do “coquetel do coma” deve ser
considerada como possibilidade diagnóstica e terapêutica em pacientes envenenados
e com alteração do estado mental. O “coquetel do coma” consiste em dextrose
intravenosa para combater a hipoglicemia, possível causa de alteração do estado metal;
naloxona, para tratar de uma eventual toxicidade por opioide; ou clonidina e tiamina,
contra a encefalopatia de Wernicke, causada pelo etanol (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO,
2014). Além do manejo do paciente, é de fundamental importância a obtenção da
história clínica, incluindo a idade e o sexo, o conhecimento da substância causadora
da intoxicação (embalagens e vidros vazios próximos, substâncias e/ou medicações no
local), atividade profissional, uso de drogas, quantidade, há quanto tempo faz uso, via de
exposição e condições física e psíquica.

30
5.1 SÍNDROMES TOXICOLÓGICAS
O conhecimento das síndromes toxicológicas é essencial para o reconhecimento
do agente intoxicante. De acordo com Oga, Camargo e Batistuzzo (2014), a síndrome
toxicológica é uma constelação de sinais e de sintomas que sugerem uma classe
específica de envenenamento.

• Síndrome estimulante: inquietação, verborreia, atividade motora excessiva, tremor,


insônia, taquicardia e alucinações.
• Síndrome sedativo-hipnótica: sedação, confusão mental, delírio, alucinação, coma,
parestesias, disestesias, diplopia, visão turva, lentificação da fala, ataxia e nistagmo.
• Síndrome opioide: alteração do estado mental, miose, bradipneia, dispneia, bradicardia,
diminuição da motilidade intestinal e hipotermia.
• Síndrome colinérgica: salivação, lacrimejamento, diarreia, êmese, broncorreia e
bradicardia.
• Síndrome anticolinérgica: hipertermia, rubor, taquicardia, retenção urinária, pele seca,
visão turva, midríase, psicose, alucinações, convulsões e coma.

5.2 DESCONTAMINAÇÃO
Com o paciente estabilizado, pode ocorrer uma avaliação para a descontaminação.
Isso pode incluir a lavagem dos olhos com solução salina ou água, no caso de exposições
oculares; lavagem da pele, em caso de exposições cutâneas; e descontaminação
gastrintestinal, com lavagem gástrica, administração de carvão ativado ou irrigação
intestinal total (utilizando solução balanceada de eletrólitos em polietilenoglicol), no
caso de ingestões. Várias substâncias não adsorvem ao carvão ativado (ex.: chumbo e
outros metais pesados, ferro, potássio e álcoois), limitando o uso dele, exceto se existem
substâncias coingeridas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

5.3 ACELERAÇÃO DA ELIMINAÇÃO


Algumas medidas são utilizadas para acelerar o processo de eliminação dos
xenobióticos e, consequentemente, diminuir a absorção deles (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

5.3.1 Hemodiálise
A eliminação de alguns medicamentos/toxinas pode ser acelerada pela
hemodiálise, se forem contempladas certas propriedades: baixa ligação a proteínas
plasmáticas, pouco volume de distribuição, baixa massa molecular e hidrossolubilidade da
substância. Alguns exemplos de medicações, ou substâncias que podem ser removidas
com hemodiálise, incluem metanol, etilenoglicol, salicilatos, teofilina, fenobarbital e lítio.
31
5.3.2 Alcalinização urinária
A alcalinização da urina acelera a eliminação de salicilatos e do fenobarbital. O
aumento do pH da urina, com bicarbonato de sódio intravenoso, ioniza a substância,
evitando a reabsorção dela e a aprisionando na urina, para ser eliminada pelos rins. O
objetivo é um pH urinário de 7,5 a 8; já o pH sérico não deve exceder 7,55.

5.3.3 Doses múltiplas de carvão ativado


O tratamento, com doses múltiplas, de carvão ativado, acelera a eliminação de
certas substâncias (ex.: teofilina, fenobarbital, digoxina, carbamazepina, ácido valproico),
pois cria um gradiente por meio do lúmen intestinal.

As medicações se deslocam das áreas de concentração alta para as de


concentração baixa, fazendo com que medicamentos já absorvidos retornem ao
intestino para ser adsorvidos ao carvão ativado presente. Além disso, o carvão ativado
bloqueia a reabsorção de medicações que passam pela recirculação enterohepática,
adsorvendo a substância a ele.

NOTA
Adsorver e absorver: a grande diferença entre os dois processos é
que, na absorção, a substância absorvida é embebida pela substância
absorvente. O maior exemplo é uma esponja, que absorve a água. Já na
adsorção, a substância fica, apenas, retida na superfície adsorvente, sem
ser incorporada ao volume da outra.

5.4 ADMINISTRAÇÃO DE ANTÍDOTOS ESPECÍFICOS


Antídotos são substâncias que agem no organismo, atenuando ou neutralizando
ações ou efeitos de outras substâncias químicas.

A administração desses medicamentos não é a primeira conduta a ser tomada


na maioria das situações. A maior parte das intoxicações pode ser tratada, apenas,
com medidas de suporte e sintomáticas. Entretanto, algumas situações exigem a
administração de antídotos, e, às vezes, de medicamentos específicos.

32
A disponibilidade dessas substâncias é estratégica, do ponto de vista da saúde
pública. Devem estar disponíveis seja para uso imediato, no primeiro atendimento, em
ambulâncias ou nas unidades de emergência, seja em poucas horas, para uso hospitalar
ou em serviços de referência (SÃO PAULO, 2017).

QUADRO 2 – PRINCIPAIS ANTÍDOTOS

Toxina Antídoto
Paracetamol n-acetilcisteína
Anticolinérgicos Fisostigmina*
Anticoagulantes, inibidores orais de fator
Andexanetalfa
Xa (apixaban, edoxaban, rivaroxaban)
Benzodiazepínicos Flumazenil*
Picada de viúva-negra Soro antilatrodectus
Botulismo Antitoxina botulínica
Betabloqueadores Glucagon
Cálcio
Bloqueadores de canais de cálcio Insulina VI
Dextrose VI
Atropina
Carbamatos
Cloreto de pralidoxima
Cianeto Hidroxocobalamina
Fomepizol
Etilenoglicol
Etanol
Metais pesados Fármacos quelantes
Radiação ionizante Iodeto de potássio
Ferro Deferoxamina
Fomepizol
Metanol
Etanol
Agentes formadores de metemoglobina
(p. ex., corantes de anilina, alguns
Azul de metileno
anestésicos locais, nitratos, nitritos,
fenacetina, sulfonamidas)
Opioides Naloxona
Organofosforados Atropina
Tálio Azul de Prússia
Antidepressivos tricíclicos Bicarbonato de sódio
Vitamina K
Plasma fresco congelado
Varfarina
Concentrado de complexo protrombínico
(CCP)
*O uso é controverso
FONTE: <https://msdmnls.co/3paPpUI>. Acesso em: 30 nov. 2021.

33
FIGURA 4 – FLUXOGRAMA DO ATENDIMENTO INICIAL

*LG: Lavagem Gástrica


*EDA: Endoscopia Digestiva Alta

FONTE: Adaptada de São Paulo (2017)

Como se pode perceber, a avaliação e a terapêutica do paciente intoxicado


requerem conhecimento amplo de agentes tóxicos, conjunto cada vez mais amplo, e
colaboração da equipe multiprofissional (médicos, farmacêuticos, biomédicos, equipe
de enfermagem, serviço social, fisioterapia etc.).

34
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O efeito tóxico só deve ocorrer se a substância química estiver biodisponível para


atingir o (s) órgão (s)-alvo e em concentração suficiente para promover o efeito.

• Considera-se perigo a capacidade de uma substância de causar em efeito adverso.


Como risco, a probabilidade de um evento nocivo ocorrer, devido à exposição a um
agente químico e/ou biológico.

• O limiar de toxicidade (threshold) é baseado em dois parâmetros: NOAEL (a partir do


qual não são observados efeitos adversos) e LOAEL (menor dose, a partir do qual são
observados efeitos adversos).

• Agentes mutagênicos são capazes de causar uma alteração súbita do material


genético, a qual é transmitida à descendência.

• Agentes mutagênicos são, frequentemente, carcinogênicos. A carcinogênese envolve


interações complexas entre vários fatores, exógenos (ambientais) e endógenos
(genéticos, hormonais etc.).

• Os agentes tóxicos, além de causar danos para o indivíduo que fez o uso, podem trazer
danos ao feto, caso o usuário seja gestante. Esses danos incluem malformações,
anormalidade anatômica, alterações no desenvolvimento etc.

• Um paciente intoxicado requer cuidados específicos. Inicialmente, é necessário manter


os sinais vitais estáveis, e, em seguida, entrar com manobras de descontaminação,
que variam desde lavagem gástrica, uso de carvão ativado, hemodiálise, alcalinização
urinária etc.

35
AUTOATIVIDADE
1 O paciente intoxicado precisa de atendimentos especializados, tanto para minimiza os
sinais e sintomas, quanto para acelerar o processo de eliminação do agente toxicante.
Além de manter os sinais vitais estáveis, aplicar medidas de descontaminação, pode
ser necessário a utilização de antídotos específicos. De acordo com o que foi visto
neste tópico, consideramos antídoto:

a) ( ) Substâncias que provocam êmese e diarreia no paciente, a fim de eliminar de


forma rápida e eficaz o agente tóxico.
b) ( ) Substâncias responsáveis por manter a pressão arterial, batimentos cardíacos e
oxigenação em valores normais.
c) ( ) Substâncias que agem no organismo, atenuando ou neutralizando ações ou
efeitos de outras substâncias químicas.
d) ( ) Substâncias consideradas mutagênicas e carcinogênicas.

2 O interesse pelas malformações congênitas vem desde a antiguidade. Naquele


tempo, a explicação para tal fato seria que estas alterações morfológicas verificadas
no neonato estariam relacionadas a um evento mitótico ou, principalmente, à
punição dos pecados. Foi o desastre da talidomida, na década de 1960, que alterou
o curso das pesquisas e, desde então, são muitos os laboratórios e pesquisadores
mobilizados na investigação da ação de xenobióticos e teratogênese. Diante do
exposto, para ser passível de causar dano ao feto, o agente tóxico precisa conter as
seguintes características:

I- Capacidade de ultrapassar a barreira placentária.  


II- Entrar em contato com o feto nos primeiros meses de gestação.
III- A exposição ocorres com altas doses e em diversos momentos da gestação.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O processo de formação do câncer é chamado de carcinogênese ou oncogênese


e, em geral, acontece lentamente, podendo levar vários anos para que uma célula
cancerosa se prolifere e de origem a um tumor visível. Seguindo esse conceito inicial
e as informações que você obteve através da leitura deste tópico, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

36
( ) Considera-se carcinogênese substâncias que alteram a capacidade ou a habilidade
reprodutiva de indivíduos do sexo masculino e feminino. 
( ) Considera-se carcinogênese as interações complexas entre fatores exógenos
(ambientais) quanto endógenos (genéticos, hormonais etc.).
( ) Considera-se carcinogênese as modificações na proteína codificada pelo gene
mutante, pois a substituição de um par de bases altera o sentido de um códon,
levando a substituição de um aminoácido.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 As intoxicações agudas representam de 150 a 400 casos por cem mil anualmente
nas emergências, e se apresentam dentro de um amplo espectro de etiologias: desde
tentativas de suicídio, abuso de drogas, exposição ocupacional, até as ingestões e
exposições acidentais. A decisão de descontaminar o paciente deve ser ponderada
baseando-se no risco-benefício da técnica disponível e/ou escolhida, tempo e
quantidade de ingestão do tóxico, bem como seus efeitos esperados. Neste sentido,
quais são as principais medidas gerais de descontaminação que podem ser aplicadas
em um caso de intoxicação?

5 Tudo na vida envolve riscos, das atividades mais banais de nossa rotina às mais
complexas; viver é correr riscos. Embora nenhum risco possa ser avaliado sem
o conhecimento prévio dos perigos subjacentes, o fato é que os riscos, e não os
perigos, é que são avaliados para todas as coisas. Ao se avaliar se um pesticida pode
ou não ser/permanecer registrado, e caso sim, em que condições, tal avaliação só
será completa se for levado em consideração o risco que apresenta, o qual dependerá
não somente de sua toxicidade (perigo), mas também da exposição de agricultores,
populações próximas as áreas agrícolas e população geral que consome alimentos
tratados com esses produtos. Neste sentido, diferencie risco de perigo e de pelo
menos um exemplo.

37
38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
TOXICOLOGIA DE COSMÉTICOS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos a toxicologia dos produtos cosméticos.
Com o objetivo de facilitar a leitura desta unidade, a expressão “produtos cosméticos,
de higiene pessoal e perfumes” será substituída pela expressão “produtos cosméticos”,
abrangendo, assim, toda a classe designada anteriormente.

Considerando que o produto cosmético é de livre acesso ao consumidor, ele


deve ser seguro sob certas condições, ou, razoavelmente, previsíveis de uso. No entanto,
apesar de não ser desejável, os componentes das formulações podem ocasionar alguns
efeitos tóxicos ao usuário, como reações irritativas imediatas ou acumulativas, reações
alérgicas ou sensibilizantes, dermatites, reações sistêmicas e carcinogênicas (CHORILLI
et al., 2007).

As principais vias de exposição às substâncias químicas presentes em cosméticos


são pele, mucosa e anexos. Na via cutânea, as moléculas se movem pelo estrato córneo,
por difusão passiva. Aquelas que possuem natureza polar se difundem pelas superfícies
externas de filamentos proteicos do estrato córneo hidratado, enquanto as apolares se
difundem pela matriz lipídica. No entanto, outras vias de exposição são possíveis, como a
oral, no caso de nutracêuticos e nutricosméticos e inalatória, aerossóis, gases e vapores
de líquidos voláteis. Os antitranspirantes aerossóis, especificadamente, possuem sais de
alumínio, o que, ao ser inalado, pode ser aprisionado no sistema respiratório e atravessar
para a circulação pulmonar, causando efeitos tóxicos (CASARETT; DOULL, 2012).

ATENÇÃO
Existem evidências de que o alumínio presente nos antitranspirantes
pode atravessar a barreira hematoencefálica e causar degeneração
neurofibrilar, como a que acontece na doença de Alzheimer.

Dentre os fatores que podem influenciar na toxicocinética dos produtos


cosméticos através da pele são a integridade do estrato córneo e o estado de
hidratação, temperatura, número de folículos pilosos, pH da superfície, hidrofobicidade
da substância, baixa solubilidade da molécula e tamanho molecular (CHORILLI et al.,
2007).

39
As reações adversas dos cosméticos se dividem em reações irritativas imediatas
ou cumulativas, reações alérgicas ou sensibilizantes, dermatites por fotossensibilização,
reações físicas por oclusão folicular, reações sistêmicas por inalação ou contanto oral e
reações por absorção percutânea ou ação carcinogênica (CHORILLI et al., 2007).

Exemplos dessas reações tóxicas são as substâncias ativas encontradas


na composição dos produtos para alisamento capilar. Apesar da proibição do uso de
formaldeído pelos órgãos reguladores, em concentrações que não sejam com função
conservante, ele, ainda, é utilizado em locais para alisamento capilar, através de produtos
irregulares ou pela adição do profissional que realiza a aplicação. As exposições aguda
e subaguda podem causar irritação, coceira, queimadura, descamação e vermelhidão
do couro cabeludo e do rosto, queda do cabelo, irritação ocular, falta de ar, cefaleia,
ardência e coceira no nariz (CASARETT; DOULL, 2012).

Os produtos clareadores odontológicos, também, são, amplamente, utilizados,


por exemplo, os peróxidos de hidrogênio e carbamida. Há estudos que descrevem
que essas substâncias podem provocar irritação gengival, sensibilidade pulpar,
desmineralização e carcinogênese (CASARETT; DOULL, 2012).

2 TESTES DE EFICÁCIA E SEGURANÇA


Um cosmético seguro e eficaz pode ser definido como aquele que cumpre o
objetivo proposto, com baixa probabilidade de ocorrência de danos ao usuário, já que a
ausência total de riscos é impossível.

Para a Anvisa (2012), a atribuição de algum benefício ao produto cosmético


obriga o fabricante a comprová-lo através de testes validados e realizados por
profissionais qualificados. A descrição da rotulagem, atribuindo benefícios, deve estar
de acordo com os resultados encontrados nos testes de eficácia, os quais devem ser
realizados após a certificação de que o produto apresenta estabilidades físico-química
e microbiológica, e de que é seguro para o uso, portanto, é necessária a comprovação
da eficácia e, posteriormente, da segurança (RIBEIRO, 2010).

Para garantir a eficácia e a segurança dos produtos cosméticos, é necessário


estar atento às matérias-primas utilizadas na formulação desses produtos. Essas
matérias devem ser avaliadas em relação aos potenciais toxicológicos básicos delas,
ou seja, absorção cutânea, estudo do potencial dos efeitos sistêmico e alergênico,
risco irritativo, efeito na reprodução (infertilidade) e fotomutagenicidade, além de risco
irritativo potencial (RIBEIRO, 2010).

Essa garantia de segurança e de eficácia era, inicialmente, dada através de


experimentos realizados em animais de laboratório. No entanto, em 8 de outubro de
2008, entra em vigor a Lei nº 11.794/2008, que define os padrões de pesquisas com

40
animais no Brasil, além da criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal (CONCEA), cuja atribuição é formular, além de zelar pelo cumprimento de normas
relativas à utilização humanitária de animais com finalidades de ensino e pesquisa
científica.

Em 2014, entra em vigor, no Estado de São Paulo, a Lei nº 15.316, que proíbe
a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e teste de produtos
cosméticos, e desde a sua aprovação, métodos alternativos ao uso de animais vêm
sendo utilizados para avaliação da eficácia e toxicidade dos cosméticos. Atualmente,
existem 17 métodos alternativos aprovados, entre eles, procedimentos para avaliar
irritação e corrosão da pele, irritação e corrosão ocular, fototoxicidade, absorção
cutânea, sensibilização cutânea, toxicidade aguda e genotoxicidade (MÉTODOS, 2017).

2.1 MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS


O uso de animais nas ciências da vida reporta à Grécia Antiga e aos primeiros
experimentos médicos. Durante séculos, médicos e pesquisadores utilizaram animais
para melhorar seus conhecimentos sobre a forma como os vários órgãos e sistemas
do corpo humano funcionavam, bem como para aprimorar suas habilidades cirúrgicas.

A ascensão da ciência biomédica moderna no século XIX causou um aumento


no número de animais utilizados em experimentação. Embora a opinião sobre o grau de
sofrimento experimentado por animais variasse entre os cientistas e o público, a maioria
dos cientistas ficou unida na crença de que experiências em animais eram fundamentais
para a expansão do conhecimento (CASARETT; DOULL, 2012).

Apesar do início do uso de sintéticos no século XIX, foi somente em 1922


que ocorreu o primeiro importante registro de toxicidade no uso de medicamentos:
pacientes que utilizavam o medicamento Salvarsan® (arsfenamina) no tratamento de
sífilis desenvolveram icterícia. A partir desse evento, o uso de animais vivos para estudar
os efeitos adversos potenciais de novos medicamentos, aditivos alimentares, pesticidas
e outras substâncias foi intensificado (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Era, então,
de se esperar que o processo de desenvolvimento de um medicamento utilizasse
inicialmente os animais e, posteriormente, os seres humanos. Porém, na Segunda
Guerra Mundial, o emprego de humanos pelos nazistas na avaliação de novas drogas
mudou completamente este contexto.

Em 1947, foi criado o Código de Nuremberg com dez pontos, determinando


o 3º que o “experimento deve ser baseado em resultados de experimentação animal
e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo, e os
resultados conhecidos previamente devem justificar a experimentação” (TRIBUNAL
INTERNACIONAL DE NUREMBERG, 1949, p. 182).

41
Esse episódio foi decisivo para o intenso aumento do uso de animais para o
desenvolvimento de novos medicamentos. Estes deveriam ser avaliados inicialmente
em animais de pequeno porte, passando a animais de maior porte até se aproximarem
daqueles mais geneticamente parecidos com os homens, como os primatas não
humanos. No entanto,

A política declarada das Instituições Europeias, desde a implantação do Animal


welfare guideline, em 1986 [...], é de estimular e desenvolver o emprego de métodos
alternativos ao uso de animais. Nela, fica estabelecido que “uma experiência não poderá
ser executada em animal se outro método cientificamente satisfatório, que não implique
a utilização de um animal, seja razoável e praticamente possível” (BRASIL, 2016, p. 12).

Como visto anteriormente, é proibido a utilização de animais para desenvolvimento,


experimentos e teste de produtos cosméticos. Diante disso, novas metodologias estão
sendo utilizadas para determinar a eficácia e segurança de produtos cosméticos, dentre
eles os ensaios in vitro. Os ensaios in vitro são procedimentos realizados em laboratório
fora de sistemas vivos, ou seja, são utilizados células, tecidos ou outras metodologias que
não utilizem animais. O Quadro 3 descreve os principais ensaios in vitro:

QUADRO 3 – ENSAIOS IN VITRO PARA AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA E SEGURANÇA DE COSMÉTICOS


ENSAIO (TESTE) FINALIDADE MÉTODO ALTERNATIVO
Utiliza ovos de galinha galados (ovo que
já foi fecundado – contém o pintinho em
Membrana corioalantóide Avaliar a irritação seu interior). O experimento é realizado
(HET-CAM) ocular. até o 9º dia pois, até então, não há
formação do SNC e o embrião não sente
dor.
Permeabilidade e
Avaliação da Utiliza olhos de boi (que seriam
opacidade de córnea
irritação ocular. descartados pela indústria bovina)
bovina (BCOP)
Citotoxicidade pelo MTT
Atividade
(Viabilidade celular pela Utiliza células proveniente do tecido que
metabólica
técnica de redução do Sal deseja ser estudado*
mitocondrial.
de Tetrazolium)
Citotoxicidade pela
Avaliação da Utiliza células proveniente do tecido que
difusão em gel de agarose
irritação ocular. deseja ser estudado*
(agarose overlay)
Citotoxicidade
Citotoxicidade pelo método Utiliza células proveniente do tecido que
celular (lise ou
de vermelho neutro (NRU) deseja ser estudado*
morte das células).
Utiliza células humanas extraídas a
Avaliação da
Modelos de pele humana partir de amostras de pele provenientes
irritação e
em 3D de cirurgias plásticas ou postectomia
corrosão cutânea.
(cirurgia para remoção do prepúcio)
*As células são adquiridas de um banco de células, dos quais possuem diversas origens,
desde humana à diversos tipos de animais como suínos, caprinos e bovinos, além de insetos,
peixes, primatas, mustelídeos e aves.
FONTE: Adaptado de Rogero et al. (2003); Anvisa (2012)

42
Embora todos os ensaios, anteriormente, descritos, sejam, frequentemente, utilizados,
descreveremos, com mais detalhes, os ensaios de irritação ocular HET-CAM e BCOP.

2.1.1 HET-CAM
Este ensaio veio com intuito de substituir o teste de Draize. O teste de Draize
é um teste toxicológico que foi amplamente utilizado nas indústrias de cosméticos e
farmacêutica ao longo dos anos, no intuito de avaliar o potencial irritante de substâncias,
as quais eram diretamente aplicadas nos olhos de coelhos (MCKENZIE et al., 2015).

Com a propagação da ideia dos 3 Rs (reduzir, reutilizar e substituir, do inglês


refine, replaced and reduced) em que um dos objetivos é substituir ou diminuir o uso
de animais em estudos laboratoriais, a comunidade científica desenvolveu a técnica de
“Hen’s Egg Test Chorioallantoic Membrane Test” (HET-CAM), por conta da membrana
cório-alantóide ser bastante vascularizada e semelhante a mucosa ocular utilizada no
teste de Draize. O ensaio visa identificar o papel irritante e a qualidade de diferentes
substâncias, por meio de ensaios in vitro (MCKENZIE et al., 2015).

NOTA
Membrana cório-alantóide: encontrada nos ovos de galinha. É um órgão
extraembrionário que se desenvolve pela fusão do corão com a membrana
alantoide vascularizada por voltado quarto dia do desenvolvimento da
galinha. Sua principal função são as trocas de gases e nutrientes.

Neste ensaio, pode-se realizar estudos que simulem os efeitos vasculares


semelhantes aos que ocorrem no olho humano, quando expostos a xampus, maquiagens
e colírios, permitindo defini-los como irritantes ou não.

FIGURA 5 – ENSAIO NA MEMBRANA CÓRIO-ALANTÓIDE (HET-CAM)

FONTE: <https://bit.ly/3lkRhch>. Acesso em: 27 ago. 2021.

43
Esquema do procedimento do teste HET-CAM, no qual (a) indica o recebimento
dos ovos, sua verificação e armazenamento em incubadora; (b) exames dos ovos no
quarto dia para verificar a existência e posição do embrião; (c) abertura das cascas dos
ovos molhamento; (d) adição do líquido da substância teste; (e) adição da substância
sólida do teste; (f) fechamento da abertura com fita transparente; (g) avaliação dentro
do anel para dano vascular.

Após a aplicação da substância, a membrana cório-alantóide é observada


durante cinco minutos, para analisar alterações diversas, como hemorragia, coagulação
e lise de vasos. A partir da ocorrência de um ou mais desses parâmetros e o tempo em
que ocorrem, é possível avaliar e mensurar o potencial irritante do composto testado,
variando entre não irritante, irritante, leve, moderado e severo (MCKENZIE et al., 2015).

FIGURA 6 – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES OBSERVADAS NA MEMBRANA CÓRIO-ALANTÓIDE

FONTE: Adaptada de McKenzie et al. (2015)

2.1.2 BCOP
O ensaio BCOP (permeabilidade da córnea bovina) utiliza córneas isoladas dos
olhos bovinos recém abatidos, os quais são descartados pelo abatedouro. As substâncias
avaliadas são aplicadas na superfície do epitélio da córnea, e os danos causados por
elas são avaliados pelas alterações de opacidade e permeabilidade da córnea. Ambas as
medidas são utilizadas para calcular o score de irritação, que é usado para atribuir uma
classificação quanto ao grau de irritação ocular in vitro do produto químico testado para
a previsão do seu potencial de irritação ocular in vivo.

44
Além disso, a avaliação histopatológica das córneas, utilizadas no ensaio de
BCOP, pode ser uma ferramenta útil na identificação de danos nas camadas da córnea
que não apresentam valores significativos de opacidade e/ou permeabilidade, avaliando-
se o grau e a profundidade dos danos, permitindo, com isso, discriminar entre irritantes
leves e moderados (SÁ, 2017).

FIGURA 7 – PRINCIPAIS ALTERAÇÕES OBSERVADAS NA CÓRNEA BOVINA

FONTE: <https://bit.ly/3xGSG1F>. Acesso em: 24 ago. 2021.

Além de modelos in vitro, alguns modelos in sílico podem ser utilizados para
avaliação toxicológica dos ingredientes.

A avaliação de toxicidade de um ingrediente cosmético está relacionada


a algumas de suas propriedades físico-químicas, dentre elas: estrutura química e
molecular, massa molecular, solubilidade e coeficiente de partição.

A interação química da molécula com as estruturas biológicas pode ser avaliada


através de modelos matemáticos, genericamente designados in sílico, tais como SAR
(structure-activity relationship – relação estrutura-atividade) e QSAR (quantitative
structure activity relationship – relação quantitativa estrutura-atividade).

Entende-se por um modelo in sílico aquele que, baseado em um conjunto de


dados experimentais, gera um modelo matemático que reflete os resultados previamente
obtidos e auxilia na extrapolação deles na predição computacional de respostas ou
estados de outros sistemas.

45
No caso dos ingredientes cosméticos, esses modelos alternativos podem auxiliar
na pré-seleção de matérias-primas pela identificação de substâncias com diferentes
níveis de segurança e consequentemente diminuírem custos, já que podem identificar
ativos com alto grau de toxicidade e eliminá-los do desenvolvimento do produto (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

2.2 VALIDAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE


ANIMAIS
A validação de métodos alternativos é definida como o processo pelo qual a
confiabilidade e a relevância dos testes são estabelecidas para um propósito definido
e de forma independente. Estes testes devem possuir robustez necessária para a
aceitação pelo órgão de regulamentação.

De fato, o processo de validação de métodos alternativos visa verificar a


otimização, potencial de transferência, reprodutibilidade e relevância do método com
o objetivo de ser submetido à apreciação da agência regulatória e, uma vez aprovado,
tornar-se oficialmente disponível para a avaliação toxicológica de matéria-prima.

A disponibilização mundial dos métodos validados ocorre por meio da Organização


para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e das farmacopeias.

A partir do momento em que o teste é validado, a indústria/empresa que vai


empregá-lo precisa obter o certificado de qualidade. Para ser certificado, não basta que
a empresa diga que não faz uso de animais, os órgãos certificadores checam todo o
processo e se ele estiver dentro das normas a empresa recebe o certificado de qualidade.

NOTA
Órgãos certificadores: são responsáveis por recomendar o certificado
de qualidade, dando direito a empresa auditada e aprovada para usar o
logotipo do órgão certificador.

Existem vários sistemas de certificação aplicáveis a cosméticos com intuito de


assegurar o não uso de animais em experimentações:

46
QUADRO 4 – SISTEMAS DE CERTIFICAÇÃO DE COSMÉTICOS COMERCIALIZADOS NO BRASIL

LOGOTIPO DOS SISTEMAS DE


SISTEMAS DE CERTIFICAÇÃO
CERTIFICAÇÃO

CRUELTY-FREE – certificação de
cosméticos, produtos de higiene
pessoal, produtos de limpeza que não
são testados em animais.

THE LEAPING BUNNY – especializada


em produtos não testados em animais.

CHOOSE CRUELTY FREE – escolha sem


crueldade.

FONTE: A autora

47
LEITURA
COMPLEMENTAR
ACIDENTES QUÍMICOS E NUCLEARES E A PERCEPÇÃO DE RISCO

Camilla G. Colasso

1 INTRODUÇÃO

A evolução da produção e consumo de compostos químicos e as utilizações


da energia nuclear para gerar eletricidade tiveram um aumento a partir do século XX,
quando ocorreu um avanço significativo nos processos tecnológicos e instalações mais
adequadas para a produção de tais compostos (GLASMEYER, 2006). Com o aumento
da utilização das substâncias químicas, houve também um aumento no número de
indivíduos expostos a tais substâncias, principalmente os trabalhadores, gerando uma
preocupação no controle e na segurança dos processos tecnológicos para produção,
ocorrendo a necessidade de se desenvolver novos mecanismos para gerenciar o
risco (GLASMEYER, 2006). Juntamente com o avanço tecnológico, veio também um
aumento no número de acidentes envolvendo substâncias químicas (FREITAS et al.,
1995; GLASMEYER, 2006).

Os acidentes químicos e nucleares que ocorrem mundialmente trazem diversos


danos através de um único evento, tanto para a população local como para o meio
ambiente, e promovem efeitos que se estendem para além dos locais e momentos de
sua ocorrência (FREITAS et al., 1995). Estes acidentes geralmente são provenientes de
explosões, incêndios e emissões, e com potencial de causar múltiplos danos, seja aos
indivíduos expostos, seja ao meio ambiente, podendo ter efeitos agudos e/ou crônicos
(MARTIM; LORENZI, 2007).

O que caracteriza os acidentes não é apenas o número de vítimas, mas também


o potencial e a extensão de tal acidente, principalmente os que transpõem limites
espaciais, tais como cidades, estados e países, ou os limites temporais, como os que
causam efeitos carcinogênicos, teratogênicos, mutagênicos entre outros (FREITAS et
al., 1995; MARTIM; LORENZI, 2007).

Muitas vezes, há incertezas dos efeitos que determinado acidente pode provocar
nos indivíduos e no meio ambiente, o que acarreta vários comportamentos na população
afetada, como medo, insegurança e pânico. Outro ponto também importante é a cobertura
que a mídia dá a determinado acidente (FREITAS et al., 1995). Esses sentimentos junto
com a repercussão da informação podem afetar a percepção do risco. Um exemplo são
os acidentes que envolvem a radiação. A repercussão da mídia é ampla e isso acaba
interferindo na percepção da população afetada e na população em geral.

48
2 ACIDENTE NA BAÍA DE MINAMATA, JAPÃO

No início de 1950, o metilmercúrio (MeHg) causou a intoxicação de diversos


moradores da região da Baía de Minamata, uma comunidade localizada na costa
sudoeste da ilha de Kyushi no Japão. O fato chamou a atenção devido o aparecimento
de doença neurológica nos moradores daquela região, que ficou conhecida como
doença de Minamata.

A principal via de exposição ao MeHg no presente acidente foi o consumo de


peixes e mariscos contendo alto teor de MeHg. A contaminação por mercúrio ocorreu
devido a uma fábrica que produzia plásticos e lançava seus resíduos nos afluentes da
Baía de Minamata por mais de uma década, ocasionando casos graves de intoxicação
aguda nas proximidades. A produção da fábrica aumentou e eles mudaram de local,
dispensando os resíduos diretamente no rio Minamata. O resultado foi um aumento da
concentração de mercúrio nas águas do rio até 1968.

O mercúrio lançado na Baía era o metálico, forma que não provoca danos no
ambiente, pois não é absorvido. Porém, com o decorrer do tempo, o mercúrio se liga ao
carbono e transforma-se em um composto orgânico conhecido como metilmercúrio,
forma que é absorvida. O mercúrio começa então a fazer parte da cadeia alimentar; os
peixes se alimentam de plâncton com alto teor de mercúrio acumulado, se tornando
contaminados.

Neste processo, a comunidade local foi contaminada, por viver da pesca para
sobreviver, tanto se alimentando dos peixes da região, como vendendo para conseguir
o sustento. Com o passar dos anos, a população de peixes da região diminuiu e pessoas
e outros animais adoeceram e morreram.

O grande problema dessa situação é que a empresa, para não ter problemas
e muito menos multas, decidiu negociar com as comunidades, dando quantias em
dinheiro para minimizar o grave problema e não o solucionar. Durante vários anos, a
empresa adotou este comportamento e as comunidades mantinham sigilo sobre o
que acontecia. As pessoas escondiam indivíduos doentes e não comentavam sobre o
comportamento estranho e as comuns mortes dos animais.

Quando a situação começou a ficar mais evidente, o governo japonês decidiu


proibir a venda dos peixes da região, ao invés de proibirem a pesca. Com isso, a comunidade
não comercializava a pesca, mas a consumia, permanecendo a contaminação.

Em 1953, foi identificado o primeiro caso de lesão no sistema nervoso dos


moradores da comunidade. Mas quando este fato foi notificado, já não havia mais
solução, pois diversas pessoas já haviam sido afetadas, diversas morreram e milhares
estavam contaminadas.

49
A contaminação por mercúrio causa consequências físicas graves e também é
transmitida geneticamente. A “doença de Minamata” afeta o cérebro, causa dormência
nos membros, fraqueza muscular, deficiências visuais, dificuldade na fala, paralisia,
deformidades e morte. O metilmercúrio é tóxico para os fetos, sendo assim um grande
número de crianças da região nasceram com deformidades.

Desde o surto inicial da doença em 1953, o número de pacientes afetados


chegou a 2.264 até o ano 2000. No entanto, estima-se que existem pelo menos 200.000
casos suspeitos de envenenamento por MeHg (EKINO et al., 2007; KOMYO, 2000).

3 CASO TALIDOMIDA

A talidomida foi sintetizada em 1953 pela empresa alemã Grünenthal. Estudos


realizados em animais de experimentação, incluindo ratos, cobaias e coelhos, não
demonstraram taxas de letalidade significativa, mesmo com altas concentrações. Os
animais apenas apresentaram sono profundo e prolongado, sem efeitos indesejáveis
no dia seguinte.

A partir desses estudos, em 1957 o medicamento foi lançado no mercado como


sedativo e também com propriedades antieméticas. Era considerado atóxico e, portanto,
consumido sem prescrição médica, além de ser também indicado para gestantes e
lactantes. Na Alemanha, foram comercializadas mais de 14 toneladas do medicamento
por ano.

O desastre envolvendo a utilização de talidomida teve início em 1958, quando um


médico alemão correlacionou diversos casos de consumo de talidomida por gestantes e
o nascimento de crianças com malformações congênitas.

A partir de então, milhares de nascimentos de crianças que apresentavam


deformidades congênitas graves ocorreram, e eram caracterizados pelo encurtamento
dos ossos longos dos membros superiores e/ou inferiores, com ausência total ou parcial
das mãos, pés e/ou dedos, ausência do pavilhão auricular e surdez, imperfeições nos
músculos dos olhos e face, malformações no coração, intestinos, útero e vesícula biliar.
Em 1961, devido à grande pressão da imprensa, a talidomida foi retirada do mercado.

Estima-se que entre 10 e 15 mil crianças nasceram com deformidades congênitas


e ficaram conhecidas como os bebês da talidomida, sendo que apenas 8.000 crianças
ultrapassaram o primeiro ano de vida.

Até então, os estudos para avaliar os medicamentos não eram tão exigentes,
assim os testes realizados para a talidomida não identificaram seu potencial teratogênico.
Atualmente sabe-se que, a talidomida é uma mistura racêmica e apresenta dois isômeros
(apresenta a mesma fórmula química, mas há diferença na posição dos átomos na
estrutura espacial da molécula), sendo que a forma R produz os efeitos desejáveis e

50
a forma S causa os efeitos teratogênicos. A forma R in vitro e in vivo é convertida na
forma S e então os efeitos não seriam diferentes mesmo que a mistura racêmica fosse
separada (BORGES; FRÖEHLICH, 2003; OLIVEIRA et al., 1999).

4 DIOXINA EM SEVESO, ITÁLIA

Em julho de 1976 ocorreu a explosão de um reator em uma empresa localizada


em Seveso, Itália, que resultou em uma nuvem de produtos químicos contendo
altos teores de dioxina (2,3,7,8-tetraclorodibenzo-(p)-dioxina –TCDD). Essa nuvem
se espalhou por uma extensa área, atingindo outros locais. O TCDD é persistente no
meio ambiente, tem uma meia-vida longa no ser humano, causa efeitos tóxicos como
teratogênese, carcinogênese, distúrbios hormonais em ambos os sexos, e efeitos no
sistema imunológico.

O acidente demorou a ser descoberto, pois no momento não havia funcionários


na empresa. O acidente somente foi avisado ao governo após 27 horas e não foi
informado que era dioxina.

Foi observado que os pássaros da região atingidos pela nuvem tóxica começaram
a cair do céu. Algumas horas após o acidente, diversas crianças da região começaram a
apresentar sinais de intoxicação, como enjoos, diarreia, queimaduras, lesões cáusticas
e inflamações nas partes não cobertas do corpo.

A demora no fornecimento de informações, por parte da indústria, agravou


nas ações de emergência, e somente quando os danos ao meio ambiente e a saúde
apareceram, houve intervenções. A empresa só foi interditada quando a nuvem já havia
atingido mais de 30.000 pessoas da região, aproximadamente 1.800 hectares estavam
contaminados e 75.000 animais já estavam mortos.

O número de vítimas de doenças cardíacas e vasculares na região aumentou


absurdamente após o acidente, além da incidência de leucemias e tumores cerebrais,
casos de câncer no fígado e mortes decorrentes de doenças de pele. A dioxina
provavelmente pode acarretar efeitos crônicos que podem se manifestar após anos de
exposição (AXELSON, 1993; LANDI et al., 1997).

5 USINA DE CHERNOBYL

Em 26 de abril de 1986 ocorreu um acidente na usina nuclear de Chernobyl,


situada no assentamento de Pripyat, Ucrânia, a 18 quilômetros a da cidade de Chernobyl,
16 quilômetros da fronteira com a Bielorrússia, e cerca de 110 quilômetros ao norte de Kiev.

A usina era composta por quatro reatores e produziam cerca de 10% da energia
elétrica utilizada pela Ucrânia na época do acidente. A construção da instalação começou
na década de 1970, com o reator nº 1 comissionado em 1977, seguido pelo nº 2 (1978), nº
3 (1981), e nº 4 (1983). Dois reatores adicionais (nº 5 e nº 6) estavam em construção na
época do acidente.

51
A 1h24 do dia 26 de abril ocorreu duas explosões em sequência, espalhando no
ar centenas de pedaços de material incandescente. Peças foram lançadas até o telhado
e iniciaram-se vários incêndios.

A tampa de cimento do reator de 700 toneladas foi violentamente levantada e


lançada para fora com a força da explosão. O aquecimento do reator liberou hidrogênio
e monóxido de carbono e esses gases em contato com o oxigênio geraram uma enorme
explosão.

O combate ao incêndio foi iniciado logo após o acidente e as 5h da manhã os


incêndios foram controlados. O acidente destruiu parcialmente o núcleo do reator e
totalmente o sistema de resfriamento. O aumento da temperatura prosseguiu por
diversos dias e somente nos dias 4 e 5 de maio a temperatura se estabilizou em 1.500ºC
para então começar a diminuir de maneira contínua. A emissão de produtos radioativos
seguiu aproximadamente a variação da temperatura.

Inicialmente as explosões lançaram na atmosfera produtos voláteis, como iodo,


gases nobres, telúrio. Os principais elementos presentes na nuvem que se espalhou
foram o neptúnio e o césio.

Esse acidente ocorreu durante um teste do sistema de segurança da usina.


Ocorreu um superaquecimento do reator, provocando uma explosão e lançando na
atmosfera nuvens de vapor e gases com materiais radioativos.

O grande problema foi que a nuvem atingiu mais de 5 km de altitude e devido


às condições climáticas, se expandiu por diversos países da Europa, sendo detectada
a quilômetros de distância, e além de atingir a Ucrânia, atingiu também a Bielorrússia e
outras regiões da Rússia.

Os bombeiros e os operários que tentaram controlar o incêndio morreram pouco


tempo após a exposição ao material radioativo. O incêndio somente foi controlado
quando os helicópteros lançaram uma mistura que absorvia calor e filtrava o aerossol
liberado. A mistura continha areia, dolomita e boro, que no dia 2 de maio chegou a
mais de 5 mil toneladas. Após tentativas frustradas de robôs limparem a área, enviaram
homens para realizarem essa limpeza, que faleceram após a exposição.

O governo somente assumiu o acidente no dia 28 de abril de1986. Neste


acidente, mais de 50 toneladas de poeira radioativa dispersaram-se no ar, atingindo uma
área de aproximadamente 400 mil km2. Logo após o acidente, 31 pessoas morreram
em consequência da exposição direta com a radiação, 203 sofreram lesões graves. A
estimativa é que mais de 4 milhões de pessoas foram expostas ao material radioativo,
além da contaminação dos alimentos.

52
Os especialistas estimam que 8.000 ucranianos já morreram em decorrência
do acidente. Há previsões de que até 17.000 pessoas poderão morrer devido ao
desenvolvimento de câncer nos próximos 70 anos (GROSS, 1987; JACOB et al., 2001;
LAZJUK et al., 2003).

6 PERCEPÇÃO DE RISCO

Após a leitura dos acidentes descritos anteriormente, cada leitor terá uma
percepção de risco. A grande maioria irá classificá-los de acordo com aspectos intuitivos
e emocionais, com a aceitação do risco, entre outros.

Para a compreensão da percepção de risco, foram estabelecidas algumas


definições que ainda causam confusão:

• Perigo: é a capacidade extrínseca de um agente químico, físico, biológico causar


algum efeito nocivo, seja à saúde humana ou ao meio ambiente (CORREA et al.,
2003). O grau de periculosidade dependerá de a capacidade da substância intervir
nos processos biológicos normais e também das características físicas da substância,
como a capacidade de explodir, corroer, entre outras.
• Risco: é a probabilidade de ocorrer o perigo ou efeito nocivo; é uma medida da
probabilidade de o dano ocorrer (CORREA et al., 2003).
• Risco = Perigo x Exposição, em que o perigo é um fator não controlável e depende da
toxicidade da substância química; a exposição é um fator controlável, e depende da
intensidade, da duração e da frequência do contato com a substância química.

A percepção de risco é determinante para o entendimento do risco, porém é um


conceito de difícil definição. Diversos estudos de antropologia e sociologia relatam que a
percepção de risco tem raízes em fatores culturais e sociais. A reação do indivíduo frente
ao perigo sofre influências transmitidas pelos amigos, pela família, por personalidades
públicas, entre outros. Assim temos os aspectos intuitos, os aspectos emocionais e a
aceitação do risco interferindo na percepção.

7 CONCLUSÃO

Portanto, observa-se que ainda há um grande caminho a percorrer, pois em


praticamente todos os acidentes relatados houve falha na comunicação do risco. Muitas
situações e danos poderiam ter sido evitados se a comunicação e o conhecimento
sobre os riscos fossem mais simplificados, esclarecendo a população e a mídia sobre a
realidade do que estava ocorrendo (OPAS; RIBEIRO et al., 2008).

FONTE: COLASSO, C. G. Acidentes químicos e nucleares e a percepção de risco. Revista Intertox de Toxi-
cologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 125-143, 2011.

53
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As principais vias de exposição às substâncias químicas presentes em cosméticos


são pele, mucosa e anexos.

• As reações adversas dos cosméticos se dividem em reações irritativas imediatas ou


cumulativas, reações alérgicas ou sensibilizantes, dermatites por fotossensibilização,
reações físicas por oclusão folicular, reações sistêmicas por inalação ou contato oral
e reações por absorção percutânea ou ação carcinogênica.

• Para um produto cosmético ser comercializado, ele necessita passar por testes de
eficácia e segurança. Um cosmético seguro e eficaz pode ser definido como sendo
aquele que cumpre o objetivo proposto com baixa probabilidade de ocorrência de
danos ao usuário.

• Em 2014, entrou em vigor, no Estado de São Paulo, a Lei nº 15.316, que proíbe a
utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e teste de produtos
cosméticos.

• Modelos in vitro são procedimentos realizados em laboratório, fora de sistemas vivos,


ou seja, são utilizados células, tecidos ou outras metodologias que não utilizem
animais.

54
AUTOATIVIDADE
1 Como destacado neste tópico, é proibida a utilização de animais para desenvolvimento,
experimentos e teste de produtos cosméticos. Diante disso, novas metodologias estão
sendo utilizadas para determinar a eficácia e segurança de produtos cosméticos,
dentre eles os ensaios in vitro. Consideram-se ensaios in vitro:

a) ( ) Procedimentos realizados em laboratório fora de sistemas vivos, ou seja, são


utilizados células, tecidos ou outras metodologias que não utilizem animais.
b) ( ) Experimentação feita dentro ou no tecido vivo de um organismo vivo.
c) ( ) Conjunto de dados experimentais que gera um modelo matemático que reflete
os resultados previamente obtidos em outros estudos.
d) ( ) Técnica utilizando órgãos ou outros materiais biológicos de um organismo vivo.

2 Um produto é bem-sucedido quando é vendido no mercado e gera faturamento e


lucro para o fabricante. Para que um produto tenha sucesso, qualidade é um fator
fundamental para que ele tenha aceitação entre os consumidores. Para avaliar a
qualidade de um produto, este deve ser aprovado em testes de diferentes parâmetros,
sem testes, não se tem certeza de sua qualidade, segurança e/ou eficácia. Sobre
testes de segurança e eficácia:

I- É necessário estar atento às matérias-primas utilizadas na formulação destes


produtos.
II- Garantem a baixa probabilidade de ocorrência de danos ao usuário.
III- Os principais pontos avaliados são: absorção cutânea, estudo do potencial efeito
sistêmico, alergênico, risco irritativo, efeito na reprodução e fotomutagenicidade,
além do risco irritativo potencial.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A análise toxicológica de cosméticos e dermocosméticos é superimportante para


o consumidor, pois a análise é responsável por informações que podem beneficiar
ou proporcionar riscos à saúde de alguém. As principais reações adversas dos
cosméticos incluem:

55
( ) Reações irritativas imediatas ou cumulativas e reações alérgicas ou sensibilizantes. 
( ) Dermatites por fotossensibilização e reações físicas por oclusão folicular.
( ) Reações sistêmicas por inalação ou contato oral; reações por absorção percutânea
ou ação carcinogênica.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Quando se trata de cosméticos, a principal via de exposição é a pele. Pensando


nas fases da toxicocinética em que o xenobiótico precisa ser absorvido, distribuído,
biotransformado e excretado, quais fatores poderiam influenciar na toxicocinética
dos produtos cosméticos através da pele?

5 A utilização de animais de experimentação sempre gera grande discussão. No entanto,


quando falamos do desenvolvimento de produtos cosméticos, é expressamente
proibida a utilização de qualquer espécie animal. Essa lei instrui que a utilização
dos produtos cosméticos é uma escolha do consumidor, e não um produto que
obrigatoriamente precisa ser utilizado, como é o caso dos medicamentos. Porém,
para que um produto cosmético seja comercializado, ele precisa passar por testes
de segurança e eficácia. Atualmente, para a realização destes testes são utilizados
métodos alternativos ao uso de animais. Neste contexto, o que são esses métodos?
Descreva utilizando exemplos.

56
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, P. M. M. Intoxicações agudas: guia prático para o tratamento.
Fortaleza: Soneto Editora, 2017.

ANDRADE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M. Toxicologia na prática clínica. Belo
Horizonte: Editora Folium, 2013.

ANVISA – AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Guia para avaliação de


segurança de produtos cosméticos. Brasília: Anvisa, 2012. Disponível em: https://
bit.ly/3saTDNu. Acesso em: 30 ago. 2021.

BRASIL. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do


art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de
animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Brasília,
DF: Presidência da República, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3LlKACe. Acesso em:
30 ago. 2021.

BRASIL. Guia brasileiro de produção, manutenção ou utilização de animais em


atividades de ensino ou pesquisa científica: introdução geral. Brasília, DF: Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3skWVh8. Acesso
em: 30 ago. 2021.

CASARETT, L.; DOULL, J. Fundamentos em toxicologia. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,


2012.

CHORILLI, M. et al. Toxicologia dos cosméticos. Latin American Journal of


Pharmacy (formerly Acta Farmacéutica Bonaerense), Buenos Aires, v. 1, n. 26, p. 144-
154, 2007.

CRFRN. Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Norte. Farmacologia:


farmacocinética e vias de administração. Natal: CRFRN, 2020. (Apresentação de
slides). Disponível em: https://bit.ly/34vyNAe. Acesso em: 30 ago. 2021.

DINIS-OLIVEIRA R.; CARVALHO F.; BASTOS M. Toxicologia fundamental. Lisboa:


Editora Lidel, 280 p. 2018.

INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a
vigilância do câncer relacionado ao trabalho. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
INCA, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3GqRW3p. Acesso em: 30 ago. 2021.

MÉTODOS alternativos ao uso de animais são aprovados. Anvisa, Notícias, Brasília, 24


out. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3Ed1izC. Acesso em: 30 ago. 2021.

57
MCKENZIE, B; KAY, G.; MATTHEWS, K. H.; KNOTT, R. M. The hen’s egg chorioallantoic
membrane (HET-CAM) test to predict the ophthalmic irritation potential of
a cysteamine-containing gel: quantification using photoshop1 and imageJ.
International Journal of Pharmaceutics, [s. l.], n. 490, p. 1-8, 2015.

OGA, S.; CAMARGO, M. M. A.; BATISTUZZO, J. A. O. Fundamentos de toxicologia. 4.


ed. Rio de Janeiro: Editora Atheneu, 2014. 704 p.

ROGERO, S. O.; LUGÃO, A. B.; IKEDA, T. I.; CRUZ, A. S. Teste in vitro de citotoxicidade:
estudo comparativo entre duas metodologias. Materials Research, [s. l.], v. 6, n. 3, p.
317-320, 2003.

RUPPENTHAL, J. E. Toxicologia. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria,


Colégio Técnico Industrial de Santa Maria; Rede E-tec Brasil, 2013. 128 p.

SÁ, L. L. Estratégia para avaliação do potencial de irritação ocular de


ingredientes cosméticos utilizando métodos alternativos à experimentação
animal. 2017, 217f. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) – Programa de
Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de
Ribeirão Preto/USP, Ribeirão Preto, 2017.

SÃO PAULO (Cidade). Secretaria Municipal da Saúde. Coordenadoria de Vigilância em


Saúde. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Núcleo de Prevenção e Controle das
Intoxicações. Manual de toxicologia clínica: orientações para assistência e vigilância
das intoxicações agudas. São Paulo: Secretaria Municipal da Saúde, 2017. Disponível
em: https://bit.ly/3omD143. Acesso em: 24 ago. 2021.

SÃO PAULO (Estado). Lei nº 15.316, de 23 de janeiro de 2014. (Projeto de lei nº 777/13,
do Deputado Feliciano Filho - PEN). Proíbe a utilização de animais para desenvolvimento,
experimento e teste de produtos cosméticos e de higiene pessoal, perfumes e seus
componentes e dá outras providências. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3runRvU. Acesso em: 24 ago. 2021.

STRAUSS, J. F.; BARBIERI, R. L. Yen & Jaffe’s reproductive endocrinology: physiology,


pathophysiology and clinical management. 8. ed. Amsterdam: Ed. Elsevier, 2017.

TRIBUNAL INTERNACIONAL DE NUREMBERG [1947]. Código de Nuremberg. Julgamento


de criminosos de guerra perante os Tribunais Militares de Nuremberg. Nuremberg: Control
Council Law, 1949. v. 2, n. 10, p. 181-182. Disponível em: https://bit.ly/3rqwcAu. Acesso em:
30 ago. 2021.

58
UNIDADE 2 —

TOXICOLOGIA APLICADA
À CLÍNICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• aplicar os conceitos básicos da toxicologia na área clínica;

• compreender as drogas que agem estimulando o SNC;

• entender o mecanismo de ação e os efeitos das drogas depressoras e perturbadoras


do SNC;

• reconhecer quais são e como agem as drogas facilitadoras de crime;

• entender os principais medicamentos envolvidos em intoxicações.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS DEPRESSORAS E ESTIMULADORAS DO SNC


TÓPICO 2 – TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS PERTURBADORAS DO SNC E FACILITADORAS
DE CRIMES
TÓPICO 3 – TOXICOLOGIA DE MEDICAMENTOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

59
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

60
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS
DEPRESSORAS E ESTIMULADORAS
DO SNC

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, daremos início à toxicologia social, que é a área da
toxicologia que estuda os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico, ou não
terapêutico, de fármacos, ou drogas, causando danos, não somente, ao indivíduo, mas,
também, à sociedade.

O uso não médico se refere ao uso de um fármaco prescrito – seja obtido por
prescrição ou por outra forma –, de maneira e em tempos diferentes dos informados na
prescrição médica, ou, ainda, para uma pessoa cujo fármaco não havia sido prescrito. É
um termo genérico que engloba compostos lícitos e ilícitos e qualquer tipo de exposição,
seja um uso ocasional, frequente, nocivo ou compulsivo (ALVES, 2005).

A toxicologia social abrange fármacos e drogas cujos efeitos são, largamente,


variáveis, e afetam pessoas de todas as idades. Além da possibilidade de desenvolvimento
da dependência, o uso dessas substâncias pode gerar graves problemas de saúde,
incluindo infecção por HIV, câncer e problemas cardiovasculares. Além da saúde
debilitada, essa situação gera um custo elevado para o indivíduo e para a sociedade, sem
mencionar a associação com a criminalidade, a violência, a marginalidade e a vinculação
com os crimes econômicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). No entanto, antes
de falarmos dos tipos de fármacos e das drogas específicas, precisamos entender a
diferença entre essas duas substâncias no contexto da toxicologia:

• Fármaco: substância de estrutura química definida, dotada de propriedade


farmacológica.
• Droga: substâncias de abuso ou produtos capazes de causar dependência.

As drogas de abuso são, geralmente, classificadas em diferentes categorias:

• estimulantes do SNC: cocaína, anfetamina, nicotina e cafeína;


• depressores do SNC: etanol, barbitúricos e benzodiazepínicos;
• inalantes: tolueno, n-hexano, acetato de etila;
• alucinógenos: LSD, psilocibina e mescalina;

61
2 DEPENDÊNCIA E TOLERÂNCIA
Antes de descrever as várias drogas de abuso e os possíveis mecanismos de
ação, é importante definirmos alguns termos.

2.1 DEPENDÊNCIA
A dependência é uma doença crônica, passível de recaída, até mesmo, anos
após a abstinência, a qual tem sido caracterizada por:

• comportamento compulsivo para a busca e o consumo da droga;


• perda do controle em limitar o consumo;
• ocorrência de um estado emocional negativo (disforia, ansiedade, irritabilidade)
quando o acesso à droga é negado.

De acordo com a Associação Psiquiátrica Americana, do inglês American


Psychiatric Association (APA, 1994), a dependência é definida como um conjunto de
sintomas, envolvidos, principalmente, com a incapacidade de reduzir ou de controlar o
uso da droga.

Para um indivíduo ser diagnosticado com dependência, deve apresentar três ou


mais critérios, ocorrendo durante os últimos 12 meses:

QUADRO 1 – CRITÉRIOS PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIA

1. Tolerância definida por qualquer um dos seguintes aspectos:


a. necessidade de quantidades, progressivamente, maiores da substância para
obter a intoxicação ou o efeito desejado;
b. acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de
substância.
2. Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
a. síndrome de abstinência característica da substância;
b. a mesma substância (ou outra, estreitamente, relacionada) é consumida para
aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
3. Uso frequente de quantidades maiores ou por períodos mais prolongados do que o
pretendido.
4. Desejo persistente ou esforços malsucedidos para controlar o uso.
5. Muito tempo consumido para conseguir, usar ou se recuperar do uso.
6. Abandono ou redução das atividades sociais, ocupacionais ou recreativas, devido
ao uso.
7. Uso mantido, apesar do reconhecimento de problemas físicos ou psicológicos
persistentes ou recorrentes, causados ou agravados pelo uso.
FONTE: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

62
Nem todos os usuários de drogas de abuso se tornam dependentes. Há uma
grande diferença entre o usuário e o dependente. Indivíduos escolhem começar a usar
drogas pelos mais diferentes motivos, e, no início, essa é uma decisão voluntária.

Entretanto, há um ponto a partir do qual o usuário se torna dependente; essa


fronteira não é nítida e varia conforme o indivíduo. Nesse ponto, o usuário perde a
capacidade voluntária de controlar o consumo. Assim, uma vez cruzada a linha invisível
da dependência, a capacidade de retorno a um consumo ocasional, ou controlado, é,
definitivamente, perdida pelo indivíduo (ALVES, 2005).

Propõem-se teorias para explicar a transição do consumo controlado para a


dependência, com base em uma sequência de três fases:

FASE 1 – Reforço agudo/uso da droga

A primeira fase, de contato esporádico e recreacional com a droga, na qual


o indivíduo gosta dos efeitos dela, representa um processo de aprendizagem da
recompensa que a droga proporciona.

Nesse estágio, a dopamina e os receptores opioides são determinantes para


as ações reforçadoras agudas de psicoestimulantes e opiáceos, respectivamente. Da
mesma maneira, o GABA e os receptores opioides contribuem para essas ações em
relação ao etanol.

FASE 2 – Escalação/dependência

Na segunda fase, mais intensa e com o aumento da frequência de contato,


o uso escalonado da droga ocorre em alguns indivíduos que apresentam alterações
neuroquímicas e funcionais específicas. Essas alterações envolvem processos
alostáticos que fazem com que o indivíduo passe a querer e a necessitar da droga.

Conforme a dependência progride para outros estágios, surgem efeitos


neuroadaptativos. A liberação excessiva de dopamina e de peptídeos opioides ativa o
sistema da dinorfina, o qual, por controle retroativo, diminui a atividade dopaminérgica.

A dinorfina produz efeitos disfóricos, responsáveis pelo estado emocional


negativo. Esse estágio é caracterizado por sinais de abstinência, como irritabilidade,
ansiedade, dores física e emocional, disforia e perda de motivação.

63
NOTA
Dinorfina: é um tipo de substância química chamada de peptídeo opioide,
produzida, naturalmente, pelo corpo humano, e que afeta a função cerebral
e o sistema nervoso. As dinorfinas são muito potentes mesmo em pequenas
quantidades, e estudos científicos sugerem que o efeito analgésico de uma
dinorfina é, pelo menos, seis vezes maior do que o da morfina.

FASE 3 – Abstinência/recaída

Na última etapa, há a perda do controle do uso, e a ausência da droga passa


a ser deplorável e insustentável. A ativação do sistema de estresse, no córtex pré-
frontal, exacerba as neuroadaptações e contribuem para o terceiro estágio da doença.
Esses estágios pioram com o tempo e envolvem mudanças alostáticas nos sistemas de
recompensa e estresse. Essas fases não podem ser consideradas exclusivas, na medida
em que interagem umas com as outras e culminam no comportamento persistente da
dependência.

O desenvolvimento da dependência pode ser influenciado por diversas variáveis,


as quais podem ser, didaticamente, divididas naquelas relacionadas à droga, ao usuário
e ao ambiente (Figura 1):

FIGURA 1 – VARIÁVEIS QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO DA DEPENDÊNCIA

FONTE: Adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

64
2.2 TOLERÂNCIA
Muitas drogas, quando consumidas repetidamente, dão origem ao fenômeno
da tolerância, ou seja, ocorre diminuição do efeito, a despeito da dose a ser mantida,
ou se torna necessário um aumento da dose para se alcançar o mesmo grau de efeito
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Existem vários tipos de tolerância:

• Tolerância inata ou natural: refere-se à sensibilidade determinada, geneticamente


(ou falta de sensibilidade), a uma droga que é observada na primeira vez em que é
administrada. Isso significa que o organismo já nasce com um potencial de tolerância
predeterminado. Polimorfismo de genes que codificam enzimas envolvidas na
absorção, metabolismo e excreção e respostas mediadas por receptor podem
contribuir em graus diferentes de reforço ou euforia, observados entre indivíduos.
• Tolerância farmacodinâmica: refere-se à necessidade de doses maiores de
drogas no sítio de ação para obtenção de efeitos das mesmas intensidade e duração
em comparação aos obtidos originalmente, devido às alterações adaptativas dos
sistemas afetados por esses agentes.
• Tolerância farmacodinâmica aguda ou taquifilaxia: é a tolerância farmacodinâmica
que se desenvolve rapidamente, com doses repetidas em uma única ocasião, como
em um “binge”, em que o usuário administra uma excessiva quantidade de droga em
um período curto de tempo. Por exemplo, a cocaína, geralmente, é usada em um
“binge”, com doses repetidas dentro de uma até muitas horas. Há um decréscimo nas
respostas das doses subsequentes durante o “binge”.

NOTA
“Binge”: uso intenso, repetido em intervalos muito curtos de tempo.

• Tolerância metabólica, farmacocinética ou disposicional: resulta de alterações


nas propriedades farmacocinéticas do agente, no organismo, após administração
repetida, de forma que, apenas, concentrações reduzidas estão presentes no sangue,
e, subsequentemente, nos sítios de ação. É consequência da indução de sistemas
existentes no fígado, principalmente, do citocromo P-450 (CYP). Como resultado,
torna-se necessário administrar uma dose maior para manter a concentração eficaz
da droga no sangue e no cérebro pelo mesmo período.
• Tolerância cruzada: fenômeno a partir do qual um indivíduo tolerante a uma
determinada droga exibe tolerância a uma outra. A tolerância cruzada pode ser
farmacodinâmica ou metabólica. No primeiro caso, as propriedades farmacológicas
são semelhantes entre as drogas. Se duas drogas causam efeitos farmacológicos,

65
devido a mecanismo similares, as possíveis alterações adaptativas que surgem do
uso de uma delas, também, conferirão tolerância a uma outra. Desse modo, aqueles
que desenvolvem tolerância para o etanol o fazem, também, para os barbitúricos
e benzodiazepínicos (depressores do SNC). O LSD possui tolerância cruzada com a
psilocibina e a mescalina, estando, esse mesmo fenômeno, presente entre a morfina
e os opiáceos sintéticos (meperidina) e semissintéticos (heroína).

Com relação à tolerância cruzada metabólica, como sistemas enzimáticos do


citocromo P-450 que atuam sobre uma variedade de compostos, a indução causada
por uma droga aumenta a velocidade de biotransformação de uma série de substâncias
que nunca tinham sido administradas. Indivíduos tolerantes ao etanol, também, são
tolerantes aos anestésicos gerais inalados (éter, clorofórmio, halotano). Assim, no
caso do etanol, barbitúricos e outros depressores, dois mecanismos independentes
(tolerâncias metabólica e farmacodinâmica), contribuem para uma menor intensidade e
uma menor duração da resposta a uma dada dose da droga.

• Tolerância comportamental: tolerância que se desenvolve com experiências


repetidas e que descreve a capacidade de desenvolver uma tarefa sob a ação da droga,
a partir da tentativa de manter o nível funcional, apesar do estado de intoxicação.

3 DROGAS ESTIMULADORAS DO SNC


Do ponto de vista da toxicologia social, considera-se, como estimulante, toda
substância usada, voluntariamente, com a finalidade de obtenção de estados alterados
de consciência, caracterizados por euforia e sensação de aumento das capacidades
física e mental, decorrentes da estimulação do SNC. São, comumente, utilizados, para
esse fim, a cocaína e fármacos proscritos como anfetamínicos (RUPPENTHAL, 2013).

Segundo o relatório das Nações Unidas sobre o uso de drogas no mundo


(UNODC, 2011), o Brasil reporta um estudo transversal de 3.398 motoristas, sendo que
4,6% deles mostraram resultados positivos para alguma substância psicoativa. 39%
desses foram positivos para cocaína; 32%, para tetraidrocanabinol (THC, Cannabis);
16%, anfetaminas; e, 14%, benzodiazepínicos. Ainda, segundo o mesmo relatório, há
referência de o Brasil ter apresentado aumento no uso de cocaína pela população,
em geral. De acordo com um estudo conduzido entre estudantes universitários nas
27 capitais brasileiras, a prevalência anual do uso da cocaína entre os estudantes
universitários era de 3%. A prevalência estimada do mesmo uso entre a população
geral é estimada em 1,75%, também, consistente com a tendência do aumento do uso
no Brasil. Esses dados mostram a gravidade da problemática desses estimulantes em
nosso meio (UNODC, 2011).

66
DICA
Busque assistir à série Aeroportos – Área Restrita. Uma série focada em
acompanhar o trabalho da Polícia Federal, que busca, em malas e bagagens,
drogas e outras mercadorias ilegais.

3.1 COCAÍNA
A cocaína (COC) é um dos alcaloides presentes nas folhas provenientes de duas
espécies do gênero Erythroxylum, popularmente, conhecido como coca. A Erythroxylum
novogranatense pode apresentar teores entre 0,17 e 0,76% de COC, quando cultivada,
principalmente, em regiões de clima seco, na Colômbia e na Venezuela. A variedade
trujillo, cultivada, principalmente, na costa desértica do norte do Peru e no Vale do
Marañón, está apta a demonstrar teores de 0,64%.

A Erythroxylum coca, com crescimento, principalmente, em regiões úmidas e


tropicais do Leste do Andes, Sul do Equador, Bolívia e algumas partes da Bacia Amazônica,
pode apresentar teores entre 0,13 e 0,68% de COC (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

As folhas, após serem maceradas, são convertidas em uma pasta de coca


(contém cocaína na forma de base livre), que constitui a forma de tráfico e que é, também,
utilizada para produzir o cloridrato de cocaína (COC HCl), ou sulfato de cocaína, sais
empregados para as autoadministrações oral, intranasal e intravenosa. Estima-se que
100 kg de folhas de coca dão origem a 1.000 g de pasta de coca e 800 g do respectivo
cloridrato (CASARETT; DOULL, 2012).

A cocaína é um potente anestésico local e atua como poderoso agente


simpatomimético, com efeitos estimulantes no SNC, sendo considerada o mais potente
estimulante central de ocorrência natural, razão pela qual é utilizada como fármaco de
abuso. O uso é descrito por populações antigas, as quais, segundo achados arqueológicos,
já mascavam as folhas de coca em cerimônias religiosas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO,
2014).
No final do século passado, preconizava-se o emprego de cigarros de coca
para o tratamento de asma e de febre do feno, na Europa e nos Estados Unidos, onde,
também, eram fumados com finalidade recreacional. Após séculos de uso, foi isolada
e caracterizada por Albert Niemann, em 1859, e se atribui, a Freud, a popularização
da cocaína no meio científico, sendo famosos os escritos dele, de 1884, a respeito
das propriedades da COC de aliviar a depressão e de curar a dependência à morfina.
Curiosamente, uma das primeiras vítimas da farmacodependência pela COC foi Halstead,
cirurgião americano, o qual buscava, exatamente, curar-se da própria dependência à
morfina (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

67
Embora postulada como “perigosa” pelo próprio Freud, após a morte de um
amigo, a COC passou a fazer parte de vários produtos, medicamentos e bebidas, como
a Coca-Cola®. O aumento do uso levou, em 1891, aos primeiros relatos de intoxicações
relacionadas à cocaína, incluindo 13 mortes, o que, eventualmente, contribuiu para
a proibição pelo Harrison Act, em 1914, que a catalogou com as mesmas restrições e
penalidades imputadas à morfina (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 2 – PRODUTOS QUE CONTINHAM COCAÍNA EM SUAS FORMULAÇÕES

FONTE: <https://bit.ly/3I78zn7>; <https://bit.ly/3xLnnmE>. Acesso em: 29 set. 2021.

3.1.1 Padrões de uso


A cocaína é, frequentemente, encontrada como pó cristalino, cloridrato de
cocaína, obtido pelo tratamento da pasta de coca purificada com ácido clorídrico,
ou ácido sulfúrico, no caso do sulfato de cocaína. Sob essa forma, não é ideal que
seja fumada, pois não se volatiliza e se decompõe com o aumento da temperatura.
Comumente, é autoadministrada por aspiração nasal, por via oral ou intravenosa,
sendo bem absorvida na corrente sanguínea por meio da mucosa nasal (CASARETT;
DOULL, 2012).

68
Na forma de base livre, a cocaína apresenta baixo ponto de fusão (96 a 98
°C contra os 197 °C do cloridrato); volatiliza-se, aproximadamente, a 90 °C, e, quando
aquecida, permite que os próprios valores sejam inalados no ato de fumar. A forma mais
comum pela qual se comercializa a base livre é o chamado crack, ou merla, no Brasil, e
bazuco, em alguns países andinos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

NOTA
A denominação crack, tão difundida no Brasil, surgiu nos Estados Unidos,
e é uma expressão que remete ao som de crepitação, decorrente do
aquecimento da droga, devido à presença do cloreto de sódio, impureza
surgida no processo de conversão da cocaína.

Inúmeras denominações de rua são utilizadas para se referir à cocaína, na


forma de base livre, consumida por via inalatória (fumada), dentre elas, crack, merla,
base, freebase, bazuco, oxi etc. Essas designações utilizadas nas ruas, muitas
vezes, reproduzidas em textos científicos, não apresentam um critério específico de
classificação, pois a droga apresenta composições variadas (RUPPENTHAL, 2013).

A prática de “cafungar”, termo que se refere ao ato de aspirar a cocaína na


forma de pó, consiste em se disporem os cristais de cloridrato, ou sulfato de cocaína,
enfileirados em uma superfície lisa. Cada fileira tem, aproximadamente, de 10 a 30
mg, aspirados de tal forma que a absorção acontece por mucosa nasal. A prática,
geralmente, é feita em grupos, em média, três vezes por reunião, e em intervalos de 20
a 30 minutos, tempo que, geralmente, duram os efeitos relacionados à euforia (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). A Figura 3 ilustrará os principais padrões de uso e a
respectiva quantidade de COC:

FIGURA 3 – PADRÕES DE USO

69
FONTE: A autora

Os sais de cocaína e a cocaína base podem ser adulterados com várias


substâncias, compondo-se, assim, a “droga de rua”. Dentre os adulterantes,
mais comumente, achados na droga de rua, encontram-se os anestésicos locais
(benzocaína, procaína, tetracaína, bupivacaína, etidocaína, lidocaína, mepivacaína,
dibucaína, prilocaína) e estimulantes (cafeína, teofilina, ergotamina, estricnina, efedrina,
fenilpropanolamina, metilfenidato e anfetamina). Quanto aos diluentes, podemos citar
glicose, lactose, sacarose, manitol, amido, talco, carbonatos, sulfatos e ácido bórico
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

A cocaína apresenta longa história de uso, e, na era moderna, as vias de


autoadministração mais frequentes são: a intranasal e a intravenosa, para a forma de
cloridrato, ou a respiratória (ato de fumar), para a forma básica. Nos últimos anos, tem
havido uma mudança drástica nos padrões de uso da COC quanto à via de administração,
devido ao advento do crack: mudou da intranasal e/ou intravenosa para respiratória. As
razões para o fato parecem estar embasadas no alto potencial de abuso dessa forma
de uso, pois os efeitos prazerosos buscados ocorrem mais rápido e intensos quando
comparados com o que acontece a partir do processo feito via intravenosa. Ressalta-
se, ainda, o acréscimo de fatores ambientais e sociais, como conveniência e facilidade
de aquisição, incluindo a não necessidade de “parafernália” relativa às drogas injetáveis
e segurança quanto à baixa possibilidade de transmissão de doenças por essa via
(CASARETT; DOULL, 2012).

70
A pasta de coca é fumada em cigarros ou em combinação com tabaco ou
maconha (grimmie). Esse produto, dado o preço, relativamente, baixo, é muito utilizado
pelas populações jovens dos países andinos e vem se tonando popular em outras
localidades. No entanto, essa forma de uso é um grave problema de saúde pública,
devido à quantidade de impurezas presentes na primeira fase de obtenção da pasta,
como querosene, gasolina e metais pesados (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Uma das substâncias, mais comumente, associadas à cocaína, é o etanol,


sendo comum o uso de cocaína para reverter os sinais e os sintomas de embriaguez
causados pelo álcool. Sabe-se que, dessa interação, gera-se o aparecimento de um
terceiro produto, o cocaetileno, produto de transesterificação mais apolar e com mais
afinidade pelo SNC, que compartilha muitas propriedades da cocaína, e apresenta efeito
mais duradouro, explicando, assim, o porquê de a associação ser tão frequente (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Dada a facilidade para a utilização do crack, é importante considerar a população,


potencialmente, exposta, que, segundo alguns autores, compõe-se, basicamente, de
indivíduos jovens do sexo masculino, idade inferior a 25 anos e com baixa condição
socioeconômica.

O material utilizado para a confecção dos cachimbos, geralmente, lata de cerveja


ou refrigerante, copo de água, pedaço de cano de ferro ou PVC, pedaço de isqueiro ou
torneira, não protege do calor gerado para a sublimação da droga, sendo comuns as
queimaduras. Elas não se restringem só à boca, mas atingem, também, dedos e nariz,
tornando-se sinais característicos do usuário de crack (RUPPENTHAL, 2013).

O consumo de crack representa um alto custo para o usuário. Isso pode induzi-
lo às práticas delituosas e degradantes, com graves implicações sociais e legais, como
prostituição, tráfico e furto. Além dos altos riscos de violência e de morte entre os usuários,
há o risco de contágio por infecções, sexualmente, transmissíveis, principalmente, o HIV
(CASARETT; DOULL, 2012).

3.1.2 Toxicocinética
A velocidade de absorção e a concentração plasmática máxima de cocaína
dependem das vias de introdução (intranasal, oral, intravenosa e respiratória), sendo, as
mais referidas, a intranasal e a respiratória, por meio do ato de fumar.

71
QUADRO 2 – FARMACOCINÉTICA DA COCAÍNA

Início Duração Pico


Biodisponibilidade
Via Apresentação da ação dos efeitos plasmático
(% absorvida)
(segundos) (minutos) (ng/mL)
Folhas de coca
Oral 300-600 45-90 150 20
mascadas
Cocaína
Intranasal 120-180 30-45 150 20-30
refinada (pó)
Cocaína
Endovenosa refinada diluída 30-45 10-20 300-400 100
em água
Pasta de coca
Inalatória 8-10 5-10 300-800 60-70
e/ou crack
FONTE: Adaptado de Gold (1993)

A cocaína é metabolizada pelas enzimas monoaminoxidase (MAO) e catecol-


O-Meiltransferase (COMT). Pode ser hidrolizada e convertida em benzoilecgonina ou
ecgoninametil-éster, ou desmetilada e convertida em norcocaína. Na presença do
álcool, a cocaína é transesterificada e convertida em cocaetileno.

O metabólito é ativo e tem meia-vida de duas horas, atravessa a barreira


hematoencefálica e é mais cardiotóxico do que a cocaína. Todos os metabólitos citados
são eliminados pelo sistema renal. A benzoilecgonina é o principal metabólito e pode
ser detectada em testes de urina até 36 horas após o último uso (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

3.1.3 Toxicodinâmica
Após a utilização da COC em doses recreacionais, há elevação temporária das
concentrações de norepinefrina (NE) e dopamina (DA), com subsequente redução a
valores abaixo dos normais. Essas concentrações são relacionáveis, respectivamente, a
estados de euforia e depressão, experimentados pelos usuários de cocaína (HERNANDEZ;
RODRIGUES; TORRES, 2017).

O provável mecanismo de ação, no SNC, é o bloqueio da recaptação da DA


nas fendas sinápticas, que parece ocorrer devido à ligação da cocaínas aos sítios
transportadores de dopamina. O acúmulo de dopamina, nos receptores pós-sinápticos D1
e D2, parece ser o mecanismo fisiopatológico pelo qual ocorre a euforia. A consequência do
acúmulo do neurotransmissor é a indução dos receptores pré-sinápticos decorrentes do
mecanismo de autorregulação e subsequente depleção do neurotransmissor. Da mesma
forma, a estimulação adrenérgica parece ocorrer pelo mesmo mecanismo, sendo que, no
uso crônico de cocaína, a NE e a DA se tornam, significadamente, reduzidas no cérebro.
A diminuição da dopamina cerebral pode gerar anormalidades nas vias dopaminérgicas,
levando a complicações (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

72
FIGURA 4 – MECANISMO DE AÇÃO DA COCAÍNA

FONTE: <https://infocrack15.wixsite.com/crack/mecanismo-de-ao>. Acesso em: 29 set. 2021.

As consequências do uso abusivo de cocaína expressam o aparecimento de


efeitos tóxicos, cuja intensidade varia, de acordo com as condições de exposição. É
muito frequente a ocorrência de intoxicação aguda, além de morte súbita, consequentes
de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, relacionadas ao efeito
simpatomimético, o qual gera aumento da taxa cardíaca, do consumo de oxigênio e da
pressão arterial. A estimulação do SNC está relacionada ao aumento da temperatura,
convulsões e comprometimento respiratório. Os efeitos, no sistema nervoso periférico,
podem levar à morte (RUPPENTHAL, 2013).

3.2 ANFETAMINAS
Dá-se o nome de “estimulantes” aos grupos de substâncias compostas de
estimulantes sintéticos, incluindo a anfetamina e a metanfetamina, e ao grupo das
anfetaminas anel-substituídas, como o “êxtase” (metilenodioximetanfetamina – MDMA)
e os análogos dele (CASARETT; DOULL, 2012).

A anfetamina foi sintetizada em 1887, por Lazar Edeleanu, porém, os efeitos


farmacológicos só foram estudados a partir do final da década de 1920, época em
que foi, largamente, utilizada no tratamento de obesidade, narcolepsia, hipotensão e
síndrome de hiperatividade em crianças.

A partir de 1937, tem-se a primeira referência à comercialização controlada da


anfetamina, o que se deu em razão das propriedades estimulantes e reforçadoras dela
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães e aliados usavam a anfetamina


para combater a fadiga e melhorar o estado de alerta das tropas.

73
Os japoneses utilizavam a anfetamina, não apenas, nas tropas deles, mas,
também, em trabalhadores civis, para aumentar a produtividade. Foi necessário um
grande esforço para combater o uso disseminado dessa substância, por meio de um
intenso controle de produção, programas de educação e severas penalidades (DINIS-
OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018).

3.2.1 Padrões de uso


Dentre os estimulantes, os anfetamínicos constituem um sério problemas
a nível mundial, principalmente, por serem utilizados por trabalhadores no próprio
ambiente de trabalho. No Brasil, é, comumente, utilizado por caminhoneiros que fazem
uso dos chamados “rebites”, a fim de enfrentar as longas viagens nas estradas. Além
de caminhoneiros, a anfetamina é utilizada em indivíduos que necessitam de vigília
prolongada, como motoristas e estudantes (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

DICA
Dica de série: Take your Pills. Trata-se de um documentário que relata a vida
de estudantes, atletas e programadores que fazem a utilização da anfetamina
para melhorar o desempenho em atividades.

No Brasil, a anfetamina e os derivados dela, utilizados como anorexígenos ou nos


distúrbios de hiperatividade em crianças, têm a comercialização sujeita às exigências
da Portaria nº 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária, enquanto aqueles
utilizados em formulações, como descongestionantes nasais, por exemplo, nafazolina e
fenilefrina, são de venda livre. A metanfetamina e os anfetamínicos com propriedades
alucinógenas são de uso proscrito em nosso país (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES,,
2017).

Os anfetamínicos são utilizados, por prescrições médicas, em situação de


autoadministração, para manter estados de vigília. As principais indicações médicas
incluem o metilfenidato, para o tratamento da síndrome hipercinética (disfunção
cerebral mínima), conhecida como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH), e para o tratamento de narcolepsia.

O uso não médico do metilfenidato está associado à utilização por pessoas


saudáveis, com a finalidade de aprimoramento cognitivo, melhorando, principalmente, o
desempenho acadêmico (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018).

74
Formulações de anfetamínicos obtidos de forma ilícita são, em geral, úmidas e
com odor desagradável, características da presença de resíduos dos solventes. Como
são substâncias de produção ilícita, sem controle de qualidade, é comum haver variação
na concentração do fármaco, além da presença de subprodutos e intermediários
resultantes do emprego de matérias-primas impuras, reações incompletas ou
insuficiente purificação do produto final (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Praticamente, todas as misturas ilícitas contêm anfetamínicos na forma de


cloridrato, sulfato ou fosfato, e se encontram como pós, comprimidos ou cápsulas.
Tais formulações são utilizadas por via oral e por meio de injeções intravenosas. São,
às vezes, veiculadas em papel impregnado, mesmo processo utilizado no LSD (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

3.2.2 Toxicodinâmica
A anfetamina e os análogos dela atuam como aminas simpatomiméticas nos
receptores α e β adrenérgicos, e com potências variáveis, de acordo com as diferentes
estruturas. Muitos autores creditam as ações dos anfetamínicos à similaridade
estrutural com a dopamina e norepinefrina. Poderiam, assim, funcionar como falsos
neurotransmissores (RUPPENTHAL, 2013).

O mecanismo de ação mais provável parece ser a liberação direta dos


neurotransmissores das vesículas sinápticas, incluindo a inibição da recaptação deles,
com consequente aumento da concentração sináptica. Além disso, os anfetamínicos são
inibidores da MAO, enzima responsável pela oxidação da norepinefrina e da serotonina
(RUPPENTHAL, 2013).

FIGURA 5 – MECANISMO DE AÇÃO DAS ANFETAMINAS

Legenda: NE: Neurotransmissores; R: Receptores; DA: Dopamina


FONTE: Adaptada de Robledo (2008)

Uma vez que as anfetaminas aumentam a concentração de norepinefrina nas


sinapses, efeitos cardiovasculares podem surgir a partir do uso. Altas concentrações
de norepinefrina e epinefrina circulantes podem induzir efeitos tóxicos no coração,
inclusive, morte de células do músculo cardíaco (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

75
4 DROGAS DEPRESSORAS DO SNC
Nesta classe de drogas, incluímos os barbitúricos, os benzodiazepínicos, os
opioides e o álcool. Os opioides são medicamentos utilizados na prática clínica, mas, por
alguns indivíduos, são utilizados de forma ilícita, para obter efeitos de euforia e de bem-
estar, o que, também, acontece com o álcool, substância utilizada, com frequência, por
vários indivíduos, mas que possui a capacidade de deprimir o SNC.

Os sedativos hipnóticos (barbitúricos e benzodiazepínicos) são fármacos,


comumente, prescritos para o tratamento da insônia, da ansiedade e da crise de
epilepsia, e utilizados de forma ilícita, devido aos efeitos sedativo e eufórico, e para
a tentativa de suicídio. São fármacos que atuam no receptor GABAérgico, alterando
a sinalização do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), o qual é,
amplamente, distribuído no córtex, cerebelo, estruturas límbicas, e em áreas envolvidas
em processos emocionais, cognitivos e para a produção da convulsão (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

Para facilitar o seu entendimento, veja como funciona o receptor GABAérgico.


É responsável por mediar os efeitos do GABA, o principal neurotransmissor inibidor do
cérebro. O GABA é o ligante endógeno que causa a abertura desse receptor. Uma vez
ligado ao GABA, o receptor sofre mudanças conformacionais, o que acaba promovendo
a abertura dos poros, a fim de permitir a entrada de íons cloreto no interior da célula,
os quais promovem a hiperpolarização da membrana, inibindo a excitação celular
(CASARETT; DOULL, 2012).

Outros ligantes (além do GABA) interagem com o receptor GABAérgico, como os


barbitúricos, os benzodiazepínicos e o álcool.

FIGURA 6 – MECANISMO DE AÇÃO DOS BARBITÚRICOS E BENZODIAZEPÍNICOS

Legenda: Cl: Cloreto; Zolpidem: Análogo dos benzodiazepínicos; Flumazenil: Antagonista de benzodiazepínicos.
FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3rrmUF1>. Acesso em: 15 out. 2021.

76
4.1 BARBITÚRICOS
O ácido barbitúrico (2,4,6-trioxo-hexaidropirimidina) é formado pela
condensação do ácido malônico com a ureia. O primeiro barbitúrico introduzido foi o
ácido dietilbarbitúrico (barbital), em 1903. Poucos anos depois, surgiu o fenobarbital
(Gardenal®), com atividade anticonvulsivante, utilizado até os dias atuais (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Os barbitúricos constituem um dos grupos de fármacos com maior incidência


de intoxicação, devido à falta de especificidade de efeitos no SNC e ao baixo índice
terapêutico, quando comparados aos benzodiazepínicos e ao grande número de
interações medicamentosas. O reconhecimento dos problemas de superdose, devido
à estreita janela terapêutica, além do potencial de abuso, fez com que os barbitúricos
fossem substituídos pelos benzodiazepínicos, mais eficientes e seguros (HERNANDEZ;
RODRIGUES; TORRES, 2017).

Atualmente, três barbitúricos são comercializados no Brasil. O pentobarbital e


o tiopental são utilizados em apresentações intravenosas, de uso restrito aos hospitais,
principalmente, aos centros de terapia intensiva, como anestésicos de indução e de
manutenção, e como sedativo-hipnóticos. O fenobarbital, com meia-vida de 80 a
120 horas, é indicado como anticonvulsivante oral, sendo o barbitúrico mais utilizado
e o agente causador da maioria das intoxicações por barbitúricos (DINIS-OLIVEIRA;
CARVALHO; BASTOS, 2018).

4.1.1 Toxicocinética
Boa parte dos derivados de barbitúricos possui absorção rápida e completa
(principalmente, pelo intestino delgado), com início da ação variando de 10 a 60 minutos,
dependendo da via de administração. As características físico-químicas do composto,
o tipo da formulação e a presença de alimentos no estômago, também, influenciam a
velocidade da absorção. No caso do fenobarbital, a absorção oral é completa. Quando
utilizado como sedativo-hipnótico, ou para o tratamento da epilepsia, a administração é
via oral, ao passo que a via intravenosa é utilizada para a indução ou a manutenção da
anestesia, como no caso do tiopental (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Os barbitúricos são, amplamente, distribuídos no organismo, atravessando


todas as barreiras, inclusive, a placentária. Os fatores que influenciam a distribuição são
a lipossolubilidade, a ligação com as proteínas e o grau de ionização. Os depósitos de
gordura podem conter altas concentrações barbitúricas, principalmente, os com alta
lipossolubilidade. Os barbitúricos são redistribuídos no organismo, e, quando saem do
SNC para outros tecidos, os efeitos depressores diminuem, ou cessam (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

77
O processo de biotransformação da maioria dos barbitúricos ocorre,
principalmente, no fígado (cerca de 90 a 99%). Contudo, existem outros locais de
biotransformação, como: rim, cérebro, coração, intestino, músculo e baço. A reação
mais importante, nesse processo, é a oxidação da cadeia lateral, a qual reduz a
atividade farmacológica, sendo, esta, a via mais importante da biotransformação de
barbitúricos (RUPPENTHAL, 2013). A excreção é realizada, principalmente, pela urina,
através da filtração glomerular, sendo, parte do fármaco excretado, reabsorvida no
túbulo contornado proximal. Os barbitúricos com coeficiente óleo/água baixo, como o
fenobarbital, são excretados e inalterados pelo rim, ou, parcialmente, biotransformados,
como barbital (25 a 40%), metarbital (60 a 90%) e aprobarbital (7 a 18%). Outra
característica importante da eliminação dos barbitúricos, em casos de intoxicação, é o
pH urinário.

A urina alcalina favorece a ionização de vários derivados barbitúricos, e, portanto,


dificulta a reabsorção tubular. A eliminação dos barbitúricos é bem mais rápida nos
indivíduos jovens do que nos idosos e lactantes (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

4.1.2 Toxicidade
Os barbitúricos são depressores do SNC e, primariamente, exercem efeitos
sedativos e anestésicos por potencializar a ação do GABA no receptor GABAérgico, o
que proporciona as inibições pré e pós-sináptica. Esses efeitos depressores incluem
desde ligeira sedação e hipnose até o coma profundo (RUPPENTHAL, 2013).

A toxicidade depende do tipo de barbitúrico. Para o fenobarbital, a dose letal


mínima estimada é de 1,5 g, mas, com o desenvolvimento de tolerância, há casos de
ingestão de 16 g com recuperação. A concentração crítica tóxica varia entre 4 e 90 µg/
mL, e, a letal, de 4 a 120 µg/mL (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Os efeitos dos barbitúricos, no SNC, podem ser classificados em quatro estágios:

• Estágio 1: o indivíduo apresenta estupor, mas responde ao comando verbal.


• Estágio 2: o paciente não responde a todos os estímulos, mas os reflexos e os sinais
vitais dele estão intactos.
• Estágio 3: o paciente não responde a estímulos e a reflexos, mas apresenta sinais
vitais estáveis.
• Estágio 4: o paciente não responde aos estímulos e aos reflexos, e os sinais vitais
dele estão instáveis.

Apesar de o coma ser o principal sinal de intoxicação aguda por barbitúricos, não é
característico, sendo necessário o diagnóstico laboratorial. A intoxicação por barbitúricos
pode ocorrer de três maneiras: tentativas de suicídio (a grande maioria); automatismo
(perda de controle sobre a quantidade ingerida após os primeiros comprimidos); e, por

78
último, intoxicação acidental, principalmente, em crianças. Como não há antídoto para
os barbitúricos, existem diversos esquemas e condutas terapêuticas para o tratamento
das intoxicações (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014):

• Terapia de suporte: estabilização e manutenção dos sinais vitais.


• Descontaminação do trato gastrintestinal: lavagem gástrica e êmese são indicadas
para pacientes conscientes.
• Aumento da eliminação: utilização do carvão ativado e da alcalinização urinária.

INTERESSANTE
O caso mais conhecido envolvendo barbitúricos foi o da Marilyn Monroe.
A cantora morreu aos 36 anos de uma overdose de barbitúricos na sua
casa, em Los Angeles, no dia 5 de agosto de 1962. A análise laboratorial
indicou a presença de 45 mg/L de pentobarbital, sendo que o valor
considerado tóxico é de 10 mg/L.

4.2 BENZODIAZEPÍNICOS
Os benzodiazepínicos estão entre os fármacos mais prescritos e utilizados
em todo o mundo. São utilizados como ansiolíticos, anticonvulsivantes, relaxantes
musculares e hipnóticos. No Brasil, mais de três dezenas desses fármacos constam na
lista B1 e estão sujeitas à notificação de receituário B, conforme Portaria nº 344/1998,
atualizada pelas RDCs nº 178/2002, 18/2003, 44/2007 e 40/2009, todas do Ministério
da Saúde (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

Dentre os principais fármacos pertencentes a esse grupo, encontramos


Clonazepam (Rivotril®), Diazepam, Midazolam (Dormonid®) Clordiazepóxido, Lorazepam
(Lorax®), Bromazepam (Lexotan®) etc.

4.2.1 Toxicocinética
Após a administração oral, os benzodiazepínicos são, geralmente, bem
absorvidos pelo trato gastrintestinal. A absorção pode ser influenciada por alimentos,
terapia associada e formulação. Fármacos que alteram o pH gástrico podem influenciar
a absorção por via oral. Além da oral, outras vias podem ser utilizadas: intramuscular,
intravenosa e via retal (utilizada para obtenção de um efeito rápido quando a intravenosa
é impraticável ou indesejável) (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

79
Após a administração, os benzodiazepínicos são bem distribuídos pelos tecidos
orgânicos e possuem suficiente lipossolubilidade para atingir o cérebro. A maioria deles
é, altamente, ligada a proteínas plasmáticas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Os benzodiazepínicos são biotransformados pelas enzimas hepáticas,


envolvendo as vias oxidativas (N-desmetilação, hidroxilação ou ambas) e não oxidativas
(nitrorredução, conjugação glicurônica etc.). Os compostos formados podem ter atividade
farmacológica similar àquela do composto original. Genericamente, a eliminação da
maioria dos benzodiazepínicos ocorre pelas vias urinárias (CASARETT; DOULL, 2012).

4.2.2 Toxicodinâmica
Os benzodiazepínicos exercem ação, potencializando a atividade do GABA.
Ocorre o aumento da frequência de abertura do canal de cloreto, o que proporciona
a hiperpolarização da membrana, inibindo a excitação celular (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

O mecanismo molecular da transmissão GABAérgica envolve a formação de


um complexo entre o receptor de GABA e o canal de cloreto, o qual, na ausência do
GABA, encontra-se na sua conformação fechada, isto é, impermeável a íons. Quando
o GABA se liga ao receptor, a estrutura tridimensional do complexo é alterada, com a
conformação aberta do canal de cloreto, permitindo o fluxo de íons (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

A falta de ação direta dos benzodiazepínicos, sobre o fluxo de cloreto, explica por
que esses fármacos são mais seguros do que os barbitúricos, que ativam, diretamente,
o canal de cloreto e causam depressão respiratória.

4.2.3 Tratamento para intoxicações agudas


O flumazenil, antagonista seletivo do receptor GABA, é o antídoto específico
disponível atualmente. Ele bloqueia, especificadamente, por inibição competitiva,
os efeitos dos benzodiazepínicos, mas deve ser usado com cautela (ver Figura 6). O
flumazenil, somente, deve ser usado quando a overdose é devida, unicamente, aos
benzodiazepínicos. Se usado, deve ser administrado vagarosamente (de 0,2 mg/
min até 3 a 5 mg/min). Doses elevadas causam agitação e sintomas de abstinência
(HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

80
4.3 ÁLCOOL
O álcool é uma das substâncias psicoativas mais consumidas pela sociedade,
sendo, o uso, estimulado em algumas situações, como em festas e comemorações.
As bebidas alcóolicas são consumidas pelo homem desde o início da história, com os
primeiros relatos datados de cerca de 6.000 anos atrás, no antigo Egito e na Babilônia.
Desde o início do consumo por todas as diferentes sociedades, os efeitos do álcool,
sobre o indivíduo, e a capacidade dele de alterar o comportamento, já eram conhecidos.
Mesmo aceito socialmente, o consumo sofreu restrições, as quais tentam controlar ou
prevenir o uso indevido: limitar em ocasiões festivas; impor restrições a à produção ou
à comercialização; colocar um limite mínimo para o consumo etc. Ainda assim, esse
uso continua o mais elevado entre todas as substâncias psicoativas, incluindo as
consequências, como acidentes de trânsito ou de trabalho, hepatopatias e quadros de
dependência.

4.3.1 Toxicocinética
O etanol (CH3H2OH) é uma substância de baixo peso molecular, hidrossolúvel,
sendo, rapidamente, absorvido no estômago (20%) e no intestino delgado (80%). A
concentração plasmática máxima é atingida entre 30 e 90 minutos após a ingestão.
O álcool, também, pode ser absorvido pela aspiração do vapor dele (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

A distribuição do etanol absorvido, também, é rápida, com os níveis, nos tecidos,


semelhantes aos níveis plasmáticos. Por ser hidrossolúvel, o etanol se distribui por,
praticamente, todos os tecidos, intra ou extracelularmente, variando, de acordo com a
composição hídrica dos tecidos.

A maior concentração ocorre, em ordem decrescente, no sangue, no cérebro,


nos rins, nos pulmões, no coração, nas paredes intestinais, nos músculos estriados
e no fígado, com níveis muito baixos nos ossos e no tecido adiposo (HERNANDEZ;
RODRIGUES; TORRES, 2017).

Entre 90 e 98% do etanol ingerido é biotransformado no fígado, por meio


da oxidação. A principal via de biotransformação do álcool envolve a enzima álcool
desidrogenase (AD). O primeiro passo, para o metabolismo do álcool, é a oxidação
do acetaldeído pela enzima denominada de álcool desidrogenase (AD). Essa enzima
converte o álcool em acetaldeído, que, mesmo em pequenas concentrações, é tóxico
para o organismo.

A enzima aldeído desidrogenase (ALD), por sua vez, converte o acetaldeído em


acetato. A maior parte do acetato produzido atinge outras partes do organismo pela corrente
sanguínea, e participa de outros ciclos metabólicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

81
FIGURA 7 – METABOLISMO DO ÁLCOOL

FONTE: <https://bit.ly/3xKBfgX>. Acesso em: 15 out. 2021.

A maior parte do etanol é excretada pelos rins e pulmões, sendo, uma pequena
fração, encontrada em secreções, como suor e saliva.

ATENÇÃO
Após a ingestão de uma quantidade de álcool equivalente à ingerida por
um homem, as  mulheres apresentam maiores concentrações de etanol
no sangue,  pelo fato de ser encontrado pouco volume de distribuição
(VD), além da diminuição da álcool desidrogenase (AD) gástrica, o que gera
a diminuição do metabolismo, havendo, consequentemente, o aumento da
biodisponibilidade do etanol.

4.3.2 Toxicodinâmica
O álcool aumenta a inibição sináptica mediada pelo GABA e pelo fluxo de cloreto.
Doses elevadas de álcool aumentam a permeabilidade ao cloro, mesmo na ausência de
GABA. Essas ações são semelhantes às de barbitúricos e anestésicos, consequentemente,
os efeitos, também, são similares (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O álcool causa sedação, diminuição da ansiedade, fala pastosa, ataxia, prejuízo


da capacidade de julgamento e desinibição do comportamento. As alterações de
comportamento e das funções cognitivas dependem de vários fatores, como dose
ingerida, velocidade de absorção, peso e sensibilidade do indivíduo, incluindo o
desenvolvimento de tolerância (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

82
4.3.3 Tratamento para intoxicações agudas
Dependendo do grau de intoxicação, algumas medidas devem ser adotadas. Os
sinais vitais devem ser monitorados nos casos em que há grande ingestão de etanol,
pois há risco de depressão do centro respiratório. O uso de glicose, via intravenosa, pode
ser utilizada em alcoolistas graves (CASARETT; DOULL, 2012).

O uso de fármacos, para o tratamento do alcoolismo, vem sendo estudado como


tentativa de aumentar a eficácia terapêutica. Dentre os medicamentos utilizados, o
dissulfiram é o mais comum. Esse medicamento inibe a ação da enzima AD, que metaboliza
o acetaldeído, promovendo o acúmulo dessa substância, levando ao aparecimento de
efeitos tóxicos: mal-estar, náuseas, vômitos e alterações hemodinâmicas. O paciente
deve estar ciente do uso da medicação, e, se possível, supervisionado por um familiar.
Essa medicação reforça o controle sobre o desejo de consumir álcool, já que o paciente
sabe que terá efeitos tóxicos se consumir a bebida (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO;
BASTOS, 2018).

4.4 OPIÁCEOS E OPIOIDES


O termo opiáceos fica restrito às substâncias naturais contidas no ópio, como
morfina, codeína e tebaína, incluindo alguns derivados semissintéticos, como heroína,
hidromorfona, oxicodona e hidrocodona.

Já a denominação opioide é mais ampla, referindo-se a todos os compostos


relacionados ao ópio, àqueles de origens natural e sintética, como meperidina,
pentazocina e propoxifeno. Os efeitos se assemelham aos dos peptídeos opioides
endógenos, endorfinas e encefalinas, os ligantes naturais dos receptores opioides. O
ópio é obtido do exsudato leitoso da incisão de cápsulas imaturas contendo sementes da
papoula, cujo nome científico é Papaver sommiferum L. (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO,
2014).

4.4.1 Padrões de uso


Para produzir efeitos euforizantes e analgésicos, o ópio costuma ser usado sob
a forma de goma de mascar ou de solução. Pode, também, ser fumado em cachimbos
especiais, para a obtenção de efeitos euforizantes.

83
INTERESSANTE
Crise de opioides nos EUA: os EUA passam por uma grande crise
relacionada ao consumo exacerbado de opioides. Desde 1999, essa
dependência tem levado muitos consumidores dos medicamentos a
doses cada vez maiores, e a adquirir substâncias ilícitas, como a heroína,
ou o fentanil, um opiáceo sintético, extremamente, potente, com alto
risco de overdose fatal. Quase 500 mil pessoas morreram por overdose
de drogas nos Estados Unidos desde então.

O início da dependência a opioides pode ocorrer de duas formas principais. Pela


primeira, mais rara, o indivíduo toma contato com a droga por intermédio de receita
médica e persiste o uso, mesmo após a cura da doença que motivou a prescrição,
tentando convencer os médicos de que ainda necessita dela.

Pela segunda, mais frequente, o início ocorre por imitação, ou pressão de


companheiros já usuários ilegais. O opioide de escolha, atualmente, é a heroína,
administrada por via intravenosa. Como consequência do uso frequente, nos últimos
anos, a prevalência do vírus HIV, das hepatites B e C aumentou, drasticamente, entre os
usuários de ópio, e pela via intravenosa (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Com o uso crônico da droga, desenvolve-se acentuada tolerância, e doses


cada vez maiores são necessárias para conseguir euforia e bem-estar. Isso significa
que o agente terapêutico perdeu a eficácia dele com o decorrer do tempo, tornando
necessário o aumento da dose para alcançar a mesma resposta fisiológica (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Além da tolerância, é comum os usuários desenvolverem dependência, sendo,


a síndrome de abstinência, uma das principais características de que o usuário está
dependente de opioides. Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência incluem:
lacrimejamento, rinorreia, bocejos excessivos, transpiração intensa e desejo de consumir
a droga. Esses efeitos aumentam de intensidade nas primeiras 24 horas de abstinência
da droga, e, para a morfina, alcançam um pico entre 36 e 48 horas, mantendo-se com
o aparecimento de outros efeitos, como irritação, inquietude, irritabilidade, insônia,
anorexia, tremor e arrepio (CASARETT; DOULL, 2012).

4.4.2 Toxicodinâmica
O cérebro contém opioides endógenos, encefalinas e endorfinas, peptídeos
que atuam como neurotransmissores em células neuronais específicas, portadoras de
receptores opioides. Portanto, os opioides produzem efeitos por meio das interações
com os receptores de opioides endógenos. As quatro principais classes de receptores
opioides são: µ, қ, δ e б, distribuídos em várias estruturas do SNC (RUPPENTHAL, 2013).

84
O mecanismo de ação se baseia na ligação dos opioides a esses
receptores, causando inibição das vias ascendentes da dor, alterando a
percepção e a resposta à dor. Ainda, produz depressão generalizada do SNC. Os
opioides atuam promovendo a abertura dos canais de potássio e a inibição
da abertura de canais de cálcio, controlados por voltagem, causando, assim,
hiperpolarização e redução da excitabilidade neuronal (RUPPENTHAL, 2013).

ATENÇÃO
Em casos de intoxicações por opioides, é indicada a utilização de Naloxona.
A Naloxona é um antagonista que reverte os efeitos desencadeados pelo
uso abusivo de opioides.

85
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A dependência é uma doença crônica, sujeita à recaída, até mesmo, anos após a
abstinência da substância.

• A tolerância é a diminuição do efeito da dose consumida, quando se torna necessário


um aumento da dose para ser alcançado o mesmo grau de efeito.

• São consideradas drogas estimuladoras do SNC: cocaína e anfetamínicos.

• Os principais padrões de uso da cocaína incluem: folhas de coca, cloridrato de


cocaína, pasta de coca, merla, oxi e crack.

• Os anfetamínicos são utilizados por prescrições médicas e em situação de


autoadministração, para manter estados de vigília.

• São consideradas drogas depressoras do SNC: barbitúricos, benzodiazepínicos,


opioides e álcool.

• Em geral, todos os depressores agem atuando nos receptores GABAérgicos.

• Os benzodiazepínicos são mais seguros do que barbitúricos, pois dependem da ação


do GABA para atuar sobre o fluxo de cloreto.

• Os opioides são utilizados devido aos próprios efeitos euforizantes e analgésicos,


sendo, os principais padrões de uso, goma de mascar ou de solução.

86
AUTOATIVIDADE
1 A cocaína (COC) é um dos alcaloides presentes nas folhas provenientes de duas
espécies do gênero Erythroxylum, popularmente conhecido como coca. Atua
como poderoso agente simpatomimético com efeitos estimulantes no SNC, sendo
considerada o mais potente estimulante central de ocorrência natural, razão pelo
qual é utilizada como fármaco de abuso. Com relação às características toxicológicas
da cocaína, assinale a opção CORRETA:

a) ( ) O uso de cocaína concomitante ao etanol forma um produto de biotransformação


farmacologicamente inativo que é a norcocaína.
b) ( ) As cardiomiopatias raramente acometem os usuários de cocaína, normalmente
estão relacionados ao uso de outras drogas, como as catinonas.
c) ( ) O exame clínico é soberano para a verificação do uso dessa substância que
provoca dependência, podendo ser desconsiderado a verificação do exame
laboratorial.
d) ( ) Os principais produtos de biotransformação da cocaína são o éster metilecgonina
e a benzoilecgonina.

2 O álcool (etanol) é um depressor do SNC. Grandes quantidades consumidas


rapidamente podem causar depressão respiratória e morte. O consumo crônico causa
danos hepáticos e lesam muitos outros órgãos. A abstinência do álcool se manifesta
por vários sintomas, variando de tremores a convulsões. Sobre o álcool, analise as
sentenças a seguir:

I- A principal via de biotransformação do álcool envolve a enzima álcool desidrogenase (AD).


II- O álcool causa sedação, diminuição da ansiedade, fala pastosa, ataxia, prejuízo da
capacidade de julgamento e desinibição do comportamento.
III- A naloxona é utilizada para tratamento de alcoolismo por atuar na enzima álcool
desidrogenase (AD).

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 As drogas de abuso constituem um grande problema de ordem social em qualquer


país do mundo. Fazem parte deste cenário a criminalidade e os prejuízos em
saúde pública. Dentre as classes mais importantes de drogas de abuso, temos as
estimulantes e depressoras do SNC. Considerando essas duas classes, classifique V
para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

87
( ) A cocaína é administrada para fins recreativos somente por via intranasal e
causa sensações de euforia, agitação e até mesmo alucinações, dependendo da
concentração do seu principal constituinte, o ∆9-THC. 
( ) As anfetaminas são drogas conhecidas como “rebite” de caminhoneiros, speed,
ecstasy etc. Apesar do seu potencial em causar dependência, alguns componentes
dessa classe são utilizados como fármacos anorexígenos, como femproporex.
( ) Os benzodiazepínicos, agonista dos receptores GABAérgico, são amplamente
utilizados no tratamento da ansiedade, insônia e convulsões. São considerados
mais seguros que os barbitúricos em relação aos seus efeitos tóxicos, entretanto,
suas interações com álcool e antidepressivos são aspectos importantes em
intoxicações.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Os sedativos hipnóticos (barbitúricos e benzodiazepínicos) são fármacos comumente


prescritos para o tratamento de insônia, da ansiedade, da crise de epilepsia e também
utilizados de forma ilícita pelo seu efeito sedativo e eufórico, bem como na tentativa de
suicídio. Neste sentido, explique o modo de ação dos principais hipnóticos estudados
neste tópico e as principais medidas de tratamento.

5 As anfetaminas são drogas estimulantes da atividade do sistema nervoso central,


isto é, fazem o cérebro trabalhar mais depressa, deixando as pessoas mais “acesas”,
“ligadas” com “menos sono”, “elétricas” etc. É chamada de “rebite” principalmente
entre os motoristas que precisam dirigir durante várias horas seguidas sem descanso,
a fim de cumprir prazos pré-determinados. Também é conhecida como “bolinha” por
estudantes que passam noites inteiras estudando, ou por pessoas que costumam
fazer regimes de emagrecimento sem o acompanhamento médico. Com relação ao
uso das anfetaminas, descreva o mecanismo de ação dessas substâncias.

88
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS
PERTURBADORAS DO SNC E
FACILITADORAS DE CRIMES
1 INTRODUÇÃO
Entender os riscos e as consequências das drogas, para as saúdes mental e
física, é um dos aspectos mais importantes para conter os efeitos negativos desse
problema. Além dos danos ao organismo do usuário, o uso de substâncias ilícitas gera
impactos sociais e econômicos em larga escala.

Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), que
conduz levantamentos abrangentes que envolvem o consumo de drogas em todo o
mundo, 3,8% da população mundial consumiu maconha em 2014 (dado mais recente
desse tema em escala global). De acordo com a entidade, essa percentagem é 27% mais
alta do que o observado em 1998, mas é vista como estável, em razão do crescimento
populacional observado nas últimas décadas. Contrariando o senso comum, os países
do mundo que legalizaram o uso recreativo da substância, Uruguai e Canadá, não
ocupam o topo desse ranking. Nele, estão Islândia, onde a droga é proibida, e os EUA,
onde vários Estados legalizaram o consumo para fins medicinais e recreativos.

Neste tópico, abordaremos as drogas perturbadoras do SNC, grupo a que a


maconha pertence. Além da Cannabis, o tópico tratará de outras drogas perturbadoras,
como alucinógenos, e abordará um tópico especial a respeito das drogas facilitadoras
de crimes.

2 DROGAS PERTURBADORAS
Os perturbadores da atividade do SNC se referem ao grupo de substâncias
que modifica, qualitativamente, a atividade do cérebro, ou seja, perturba, distorce o
funcionamento dele, fazendo com que o indivíduo passe a perceber as coisas deformadas,
parecidas com imagens de sonhos. Esse grupo de substâncias é, também, chamado de
alucinógenos, psicodélicos, psicoticomiméticos, psicodislépticos, psicometamórficos
ou alucinantes.

As substâncias que compõem o grupo de perturbadores do SNC são:


anticolinérgicos (medicamentos), anticolinérgicos (planta), Cannabis, cactos, ecstasy e
LSD (CEBRID, 2012).

89
ESTUDOS FUTUROS
Neste tópico, abordaremos os principais representantes desse grupo,
assim, estudaremos a cannabis e os alucinógenos.

2.1 CANNABIS
Originária da Ásia Central, a Cannabis sativa é considerada uma das mais
antigas plantas cultivadas pelo homem.

A primeira evidência dela foi encontrada na China, onde achados arqueológicos e


históricos indicaram que era cultivada para a obtenção de fibras. Até então, era utilizada,
principalmente, para atividades têxteis (produção de cordas e papel), fabricação de
óleos, resinas, combustível, além de usos medicinais.

Com relação ao Brasil, existem documentos históricos mostrando que a


maconha foi introduzida na época das capitanias, também, para a produção de fibras.
No entanto, acredita-se que a planta seja conhecida há mais tempo, sendo utilizada
como hipnótico pelos primeiros escravos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O termo canabinoides costuma ser usado para se referir aos fitocanabinoides,


ou seja, aos compostos encontrados nas plantas do gênero cannabis. Dentre todos
os fitocanabinoides contidos na Cannabis sativa L., o Δ9-THC (tetra-hidrocarbinol) é,
reconhecidamente, o principal composto químico com efeito psicoativo.

Na planta madura, as maiores concentrações de Δ9-THC se localizam nas


inflorescências, com valores decrescentes nas folhas, e, somente, traços presentes nos
caules e ramos. Não é encontrado em raízes e ramos.

As condições ambientais, como clima, temperatura, índice pluviométrico,


natureza do solo, e métodos de cultivo e conservação, influenciam no teor de Δ9-THC,
condicionando a atividade psicoativa dele (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Além do Δ9-THC, um dos importantes fitocanabinoides presentes na Cannabis


é o canabidiol (CBD). Ao contrário do Δ9-THC, esse composto é desprovido de efeitos
psicóticos. O uso dele tem sido indicado para o mal de Parkinson, crises convulsivas e
diminuição da ansiedade.

As preparações obtidas da Cannabis são várias, e recebem nomes, conforme a


parte da planta utilizada e o modo através do qual são preparadas:

90
QUADRO 3 – PRINCIPAIS PREPARAÇÕES OBTIDAS DA CANNABIS

PREPARAÇÃO COMPOSIÇÃO TEOR DE Δ9-THC MODO DE USO


É fumada por meio de
Maconha (Brasil),
Planta inteira, com cigarros conhecidos
Marijuana,
proporções variadas de como “fininho” ou
Grass (EUA), Kit 1-3%
folhas, inflorescências, “baseado”. Em média,
(Marrocos), Dagga
caules e frutos. um cigarro contém 0,5
(África do Sul)
e 1 g da erva.
Exsudato resinoso
Haxixe (Meio-Oeste
seco, coletado das Geralmente, é fumada
e Norte da África), 10-20%
inflorescências das por meio de cachimbos.
Charas (Índia)
plantas cultivadas.
Produto obtido por Adicionado a alimentos
Óleo de haxixe meio da extração com e bebidas, ou, mesmo,
(Cannabis líquida ou solventes orgânicos, 15-60% ao material vegetal,
óleo de cannabis) presentes no comércio para aumentar a
ilícito. potência.
Sinsemilla
Sumidades floridas das
“Seedless
plantas femininas que 5-14% É fumada.
marijuana”
não foram polinizadas.
(Califórnia EUA)
Massa resinosa
composta por É fumada ou
Ganja (Índia) folhas pequenas e 3% adicionada a bebidas e
inflorescências de doces.
plantas cultivadas.
Folhas secas e
Normalmente, é bebida
Bhang (Índia) inflorescências de 1-3%
na forma de decoração.
plantas não cultivadas.
Cultivo em condições
controladas de
temperatura,
Skunk, ou skank umidade, nutrientes, Até 35% É fumada.
luminosidade;
geralmente, em
hidroponia.

FONTE: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

Embora a Cannabis seja uma droga de origem vegetal, há os canabinoides


endógenos (produzidos pelo nosso próprio organismo), como a anandamida, e os
canabinoides sintéticos, obtidos através de síntese química, como “K2”, “Spice” etc.

2.1.1 Toxicocinética
As preparações de Cannabis são, geralmente, consumidas pelas vias pulmonar
e oral. A absorção pulmonar de Δ9-THC é muito rápida, devido à grande quantidade de
vasos sanguíneos irrigando esse órgão. Por esse motivo, o Δ9-THC já é detectável no
plasma segundos após a primeira tragada de um cigarro de Cannabis, atingindo o nível

91
máximo, dentro de três a dez minutos, após o início do ato de fumar. Pelo consumo oral,
a absorção do Δ9-THC é lenta e irregular, geralmente, alcançando uma concentração
plasmática máxima após uma a duas horas.

Apesar de 90 a 95% do total de Δ9-THC ser absorvido no intestino delgado, a


biodisponibilidade oral é muito baixa, variando de 4 a 12%, pelos seguintes motivos: extensa
biotransformação hepática, decorrente da primeira passagem pelo fígado; e degradação
do Δ9-THC, devido ao meio ácido do estômago e aos microorganismos, normalmente,
presentes no trato gastrointestinal (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

O Δ9-THC é, quase, inteiramente, biotransformado no fígado, principalmente,


pelo complexo enzimático Cit P-450 (CYP). Além do fígado, outros tecidos, como
coração e pulmões, são capazes de biotransformar os canabinoides, porém, em
uma extensão muito menor. Os principais produtos da biotransformação são os
compostos mono-hidroxilados, especialmente, o 11-hidroxi-(OH)-Δ9-THC e o 8-beta-
hidroxi-(OH)-Δ9-THC. São compostos ativos, sendo que o primeiro exibe atividade e
disposição similares ao Δ9-THC, enquanto o segundo é menos potente. Entretanto,
como a concentração plasmática de 11-hidroxi-(OH)-Δ9-THC é, tipicamente, menor
que 10%, quando comparada à concentração do Δ9-THC, após a absorção pulmonar,
é provável não haver uma contribuição significativa do composto para efeitos
psicoativos do Δ9-THC. Esses produtos são, em sua grande maioria, excretados pela
urina (CASARETT; DOULL, 2012).

NOTA
O sistema endocanabinoide é composto por receptores canabinoides (CB1
e CB2). O CB1 é encontrado, principalmente, nos terminais pré-sinápticos,
enquanto o CB2 é expresso, principalmente, nas células imunes periféricas.
Esse sistema é ativado por canabinoides sintetizados pelo nosso próprio
organismo, conhecidos como canabinoides endógenos.

2.1.2 Efeitos tóxicos da Cannabis


A toxicidade aguda da Cannabis é muito baixa. A dose fatal, em humanos, é
estimada entre 15 e 70 g, uma dose, muitas vezes, maior do que a inalada, normalmente,
pelos usuários habituais. Em geral, doses mais baixas de Cannabis (2 a 10 mg de Δ9-THC
inalado) produzem os seguintes efeitos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014):

• euforia: sensação de bem-estar, de felicidade;


• relaxamento: diminuição da ansiedade e da sedação;
• alteração da percepção sensorial: intensificação das experiências sensoriais comuns;

92
• perda da memória recente;
• déficits cognitivos: dificuldade de atenção, de concentração, e de tomada de decisões;
• perda da discriminação de tempo e de espaço: o tempo passa mais lentamente e
as distâncias calculadas são muito maiores do que, realmente, são;
• coordenação motora diminuída: perda do equilíbrio e da estabilidade postural.

Quanto aos efeitos físicos produzidos pela Cannabis, pode-se relacionar os


seguintes: taquicardia, variação da pressão sanguínea, hiperemia das conjuntivas (olhos
vermelhos), hiposalivação e boca seca e aumento do apetite, conhecido como “larica”.

A longo prazo, os efeitos tóxicos se tornam mais complicados. Há o


comprometimento do sistema cardiovascular, devido à taquicardia, e o surgimento de
psicopatologias, como déficit de memória, prejuízo da coordenação motora e aumento
do risco de desenvolvimento de esquizofrenia (RUPPENTHAL et al., 2013).

INTERESSANTE
Cannabis como uso medicinal: a história da maconha medicinal é feita
de várias adversidades. No entanto, esse cenário vem se alterando
com o passar do tempo. A temática que abarca o consumo medicinal
da Cannabis sativa surgiu após a veiculação, através da mídia, de uma
entrevista com uma criança, Anny Fischer, portadora de uma síndrome
rara, que causava grandes episódios de convulsões ao dia, e, após o
uso do Canabidiol, um medicamento à base de maconha, houve uma
diminuição considerável das crises convulsivas. A partir daí, vários
estudos foram publicados demonstrando a eficácia dos canabinoides
no tratamento de dor crônica, epilepsia, esclerose múltipla, ansiedade,
dentre outras doenças (GROSSO, 2020).

2.2 ALUCINÓGENOS
Alucinógenos, também, conhecidos como “drogas psicodélicas”, são
substâncias químicas que, em doses não tóxicas, produzem mudanças na percepção,
no pensamento e no estado de ânimo.

Apesar de as alucinações se manifestarem, usualmente, por alterações visuais,


também, podem ser: auditivas (percepção de sons irreais); olfativas (relacionadas com
o olfato); gustativas (percepção de sabores irreais e, normalmente, desagradáveis); e
táteis (vinculadas ao tato e, geralmente, com um caráter obsessivo e desagradável)
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

93
NOTA
Alucinação é um conjunto de percepções elaboradas pela mente e
projetadas sobre os sentidos, como se a sensação tivesse sido provocada
por um agente, de fato, existente, uma sensação subjetiva que não
corresponde a estímulos externos.

Dentro do contexto dos alucinógenos, há alguns termos específicos, os quais,


geralmente, são utilizados pelos usuários, como:

• Bad trip (viagem ruim): é uma terminologia utilizada por usuários para designar um
efeito adverso do uso da droga, como sentimento de perda do controle, distorções
de imagem do corpo, alucinações bizarras e aterrorizantes, medo da insanidade ou
da morte, desespero, tendência suicida. Alguns sintomas físicos, também, podem ser
incluídos, como suor, palpitação, náuseas e parestesia.
• Flashbacks: são transtornos de percepção pós-alucinógena. Tratam-se de recorrências
fragmentadas de efeitos alucinógenos, por exemplo, distorções visuais, intensificação de
uma cor percebida, aparente movimento de um objeto fixo, confusão de um objeto com
outro, sintomas físicos, e perda do limite do ego, ou emoção intensa, que ocorre quando o
indivíduo ingeriu alucinógeno no passado. São episódios de curta duração (segundos ou
horas), e podem repetir, exatamente, os sintomas de uma alucinação anterior.

2.2.1 Padrões de uso

QUADRO 4 – CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS ALUCINÓGENOS

DURAÇÃO DO VIAS DE
ALUCINÓGENO NOME POPULAR
EFEITO (horas) ADMINISTRAÇÃO
Ácido, passaporte,
LSD 8-12 Oral
audiovisual
Mesc, botões de
Mescalina (peiote) 8-12 Oral
cacto
Oral, injetável,
Psilocina e psilocibina Cogumelos Variável
respiratória e mucosa
Dimetil e dietil Oral, injetável,
DMT, DET Variável
triptamina respiratória e mucosa
Oral, injetável,
Dimetilserotonina Bufotenina Variável
respiratória e mucosa
Ibogaína (Tabernanthe
Iboga datura Variável Oral
iboga)
Mandrágora Saia branca Desconhecida Oral
FONTE: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

94
2.2.2 LSD – DIETILAMIDA DO ÁCIDO LISÉRGICO
É o mais conhecido e estudado alucinógeno sintético. Derivado de alcaloides do
ergot, principalmente, da ergotamina, os quais ocorrem, naturalmente, como produtos
do metabolismo do fungo Claviceps purpúrea.

O LSD foi sintetizado, pela primeira vez, em 1938, pelo químico suíço Albert
Hoffmann. As propriedades farmacológicas do LSD foram descobertas cinco anos
depois, quando, acidentalmente, Hoffman ingeriu uma pequena quantidade do produto
de síntese.

O mecanismo de ação do LSD não está, totalmente, elucidado, no entanto, vários


trabalhos mostram que a droga age como um agonista de receptores de serotonina.

A introdução do LSD, no organismo, é feita por meio da absorção sublingual.


O usuário introduz um pequeno pedaço de papel de filtro (selo), impregnado com uma
gota de LSD, no qual se verificam, também, vários desenhos, ilustrações, ou, então,
um pequeno cristal da substância, conhecido, popularmente, como “microponto”,
comprimido redondo com 1,6 mm de diâmetro. A forma farmacêutica acaba facilitando
o transporte e o tráfico desse tipo de substância (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 8 – PAPÉIS DE LSD

FONTE: <https://bit.ly/3D7si2c>. Acesso em: 21 out. 2021.

Quando o LSD foi introduzido no mercado ilícito, na década de 1960, era comum
a aplicação dele em diferentes materiais absorventes, como cubas de açúcar, balas
de goma, papel-filtro e pós, farmacologicamente, inertes, os quais se introduziam em
cápsulas vazias de gelatina.

As manifestações clínicas observadas após a primeira hora de ingestão incluem:


alterações de percepção, midríase, taquicardia, hipertensão, taquipneia, hipertermia,
tontura, tremor, rubor e diaforese. Já os efeitos desejados descritos são: percepção mais

95
aguçada dos estímulos sensoriais, senso distorcido do tempo, sensação de bem-estar,
euforia, despersonalização, desrealização e perda da imagem corporal. No entanto,
efeitos indesejados, também, são observados, como: medo, reações de pânico, imagens
assustadoras, pavor intenso e psicose. Os usuários costumam relatar que a sensação
típica é sinestesia: “ouvir cores” e “ver sons” (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

2.2.3 Plantas alucinógenas


Desde a antiguidade, as plantas alucinógenas são utilizadas para fins religiosos,
recreacionais ou em rituais, para produzir experiências místicas. No entanto, algumas
plantas desse grupo são usadas como plantas ornamentais e na medicina popular, para
a preparação de chás e de cigarros com folhas e flores. A Figura 9 mostrará as principais
plantas alucinógenas e os respectivos nomes populares.

FIGURA 9 – PLANTAS ALUCINÓGENAS

FONTE: A autora

96
Além dessas, uma das plantas mais conhecidas e, comumente, utilizadas pela
população, em rituais religiosos, é o cipó Banisteriopsis caapi (Malpighiaceae), nativo
da Amazônia e dos Andes, também, conhecido, popularmente, como ayahuasca, yajé
ou oasca. Possui, na composição, alcaloides β-carbolinas inibidores da monoamina-
oxidase (MAO), sendo que os de maior concentração são: harmina, harmalina, e tetraidro-
harmalina. A concentração desses alcaloides varia de 0,05 a 1,95% (DOS SANTOS, 2007).

Essa planta é utilizada em rituais indígenas, nos quais é produzida uma bebida
alucinógena que, quando ingerida, segundo os usuários, libera a alma do confinamento
corporal. No Brasil, seitas religiosas, como União do Vegetal (UDV), Barquinha e Santo
Daime, fazem utilização de um chá dessa planta associado a outra planta, a Psycotria
viridis, fundamentadas em tradições indígenas.

A Psycotria viridis possui, na composição, o alcaloide derivado indólico N,N-


dimetiltriptamina (DMT), em concentração de 0,1 a 0,66%, que age sobre os receptores
da serotonina (DOS SANTOS, 2007).

A DMT é um potente alucinógeno quando usada via parenteral, com dosagem


de 25 mg. A ação dela é agonista dos receptores 5HT1A, 1B, 1D e do 5HT2A e 2C.
Entretanto, via oral, é inativado, por meio da desaminação sofrida pela ação da enzima
MAO intestinal e hepática.

As β-carbolinas têm propriedades alucinógenas e, portanto, contribuem para


a atividade da bebida ayahuasca. Como são inibidoras da MAO, as β-carbolinas inibem
a desaminação intestinal do DM, possibilitando a chegada deste ao cérebro mesmo via
oral (OGA et al., 2013).

2.2.4 Cogumelos alucinógenos


Dentre os alucinógenos conhecidos, os cogumelos alucinógenos, ou cogumelos
mágicos, eram conhecidos pela utilização em rituais religiosos indígenas ou para a cura
de pessoas, porém, a partir da década de 1980, esses fungos começaram a ter destaque
como forma de alucinógeno recreativo (FARIA, 2017).

Os gêneros de cogumelos alucinógenos possuem alcaloides indolamínicos


derivados do triptofano (aminoácido), destacando-se a psilocibina e a psilocina, que
provocam reações, como alucinações visuais, alterações do estado de consciência, do
pensamento e do humor e comportamento inapropriado.

As reações dependem, também, do estado psicológico do indivíduo que os


utiliza. Pessoas que não estejam preparadas para fazer o uso do cogumelo alucinógeno
podem ter ataques de ansiedade e pânico, reações conhecidas como bad trips (FARIA,
2017).

97
Os cogumelos alucinógenos estão presentes em diversas formas no cotidiano.
Continuam sendo utilizados, de maneira religiosa, para algumas pessoas, enquanto,
para outras, como um meio de escapar da realidade em busca de algo superior, e,
até mesmo, místico. Veja os fungos alucinógenos mais conhecidos (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014):

• Amanita muscaria – alucinógeno mais antigo utilizado pelo homem.


• Botelus manicus – relacionado à “loucura dos fungos”.
• Conocybe siligineoides – fungo alucinógeno sagrado no México.
• Conocybe cyanopus – encontrado nos EUA, e com psilocibina.
• Copelandia cyanencens – cultivado sobre o esterco de vaca.
• Stropharia cubensis – usado por Xamãs, e com psilocibina.

DICA
O artista Bryan Lewis Saunders criou um site para divulgar as obras dele,
realizadas sob efeito de algumas drogas, dentre elas: cocaína, maconha, opioides,
alucinógenos e outras. Disponível em: http://bryanlewissaunders.org/drugs/.

3 DROGAS FACILITADORAS DE CRIMES


O uso de substâncias modificadoras de comportamento, para cometimento
de delitos, não é um fenômeno recente, tendo, essas drogas, sido utilizadas para o
cometimento de roubos, homicídios, estupro e violência sexual. Para Hindmarch et al.
(2001), o álcool, apenas, ou associado a outras drogas, é a substância, mais comumente,
encontrada nesse tipo de crime, seguido pela Cannabis.

No Brasil, o termo “Boa Noite, Cinderela” é utilizado, popularmente, nos casos


em que um criminoso faz a vítima ingerir algum tipo de substância, que a deixe sem
memória, para roubar os pertences dela. A origem do termo é controversa, porém,
segundo relatos, existem duas principais hipóteses. A primeira seria que o nome “Boa
Noite, Cinderela” é dado como referência a um programa de televisão brasileiro, no qual
o apresentador premiava uma participante com uma noite de princesa. A outra hipótese
é que a personagem Cinderela é uma princesa que participou de um grande baile –
fazendo referência aos locais preferenciais para a prática do golpe, como bares e casas
noturnas – e que perde o sapato de cristal dela, como referência à perda do controle
pela vítima (SANT’ANA, 2018).

98
3.1 PRINCIPAIS DROGAS UTILIZADAS
Existem mais de 100 Drogas Facilitadoras de Crimes (DFCs) listadas nos guias da
Sociedade de Toxicologistas Forenses (SOFT) e do Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crimes (UNODC). Na comunidade científica, as substâncias mais conhecidas,
devido à utilização como DFCs, são o etanol, os benzodiazepínicos, o ácido gama-
hidroxibutirato (GHB) e a cetamina, podendo ser usadas separadas ou em associação
(GIRARD; SENN, 2008).

O GHB é um análogo do ácido gama-aminobutírico (GABA). Os principais efeitos


são as sensações de euforia e de bem-estar, no entanto, os principais efeitos usados
para a execução do crime são a amnésia e a incoordenação motora, impedindo a
vítima de oferecer resistência e dificultando a memória para se lembrar do ocorrido.
O efeito inicia 20 minutos após a ingestão, dissipando-se após duas ou três horas.
A apresentação do GHB é conveniente pelas facilidades de transporte e aplicação.
Geralmente, encontra-se na forma aquosa, também, podendo ser encontrado em pó
e de fácil dissolução. É de aspecto incolor, inodoro e tem sabor, levemente, salgado. O
GHB é encontrado endogenamente, não sendo detectado por todos os laboratórios, e,
rapidamente, eliminado do organismo (totalmente eliminado do sangue em cinco horas,
e, da urina, em 10 horas), o que pode dificultar a detecção. É conhecido como “Ecstasy
Líquido”, “Líquido X”, “G”, “Fantasy”, “Gama-OH”, “Água Salgada”, “Cherry Meth”, “Scoop”
ou “Easy Lay”, podendo ser usado como droga recreativa também, principalmente, entre
estudantes e adolescentes (JAMIESEON et al., 2001; HALLER et al., 2006).

Outra substância, muito utilizada para o cometimento de crimes, é o


flunitrazepam. O flunitrazepam é um derivado benzodiazepínico, comumente, utilizado
para o tratamento de insônia grave e indução de anestesia. Essa substância não tem
cheiro, sabor ou cor, sendo, facilmente, diluída em álcool. O flunitrazepam foi tão utilizado
como DFC que o fabricante Hoffman LaRoche alterou o medicamento para um que
fosse menos solúvel e que gerasse uma coloração azul, criando uma heterogeneidade
ao ser mergulhado em líquido, mudando, inclusive, a disponibilidade para comércio, de
2 mg para, apenas, 1 mg. Os principais efeitos do flunitrazepam são sedação, redução
da ansiedade, desinibição, relaxamento muscular e amnésia. O início da ação ocorre em
20 minutos após a ingestão, com o pico de efeito em duas horas e duração de até oito
horas (JAMIESON, 2001).

A cetamina é um composto derivado do cloridrato de fenciclidina (PCP), utilizado


como analgésico, anestésico geral na medicina veterinária, e em emergências médicas,
com restrições. A droga produz, rapidamente, um estado hipnótico, com profunda
analgesia, amnésia, não responsividade a comandos, mas o paciente pode manter os
olhos abertos, respirar e mover os membros livremente. Apresenta-se na forma de um
pó branco, que pode ser inalado ou misturado com maconha e/ou tabaco e fumado.
Ainda, um líquido incolor e inodoro, para administração intramuscular. Ambas as formas
permitem, facilmente, a mistura, de forma disfarçada, com as bebidas de potenciais

99
vítimas (VASCONCELOS et al., 2005). Outras drogas usadas como DFCs são cocaína,
barbiturícos, opiáceos, triazolam, “Mickey Finn” (mistura entre hidrato de cloral com
bebida alcoólica) e outros benzodiazepínicos. Todas essas drogas podem ser usadas
como facilitadoras de crimes, as quais possuem perfis diferentes, dependendo da
localidade em que são cometidos (TAKITANE et al., 2017).

100
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• São consideradas drogas perturbadoras: anticolinérgicos (medicamentos),


anticolinérgicos (planta), Cannabis, cactos, êxtase e LSD.

• Dentre os fitomarcadores, ou marcadores fitoquímicos produzidos pela espécie


Cannabis sativa L., o Δ9-THC (tetra-hidrocarbinol) é, reconhecidamente, o principal
composto químico com efeito psicoativo.

• Há diversas formulações de canabinoides, como canabinoides vegetal (Cannabis),


canabinoides endógenos (anandamida) e canabinoides sintéticos.

• A dose fatal de Cannabis, em humanos, é estimada entre 15 e 70 g.

• O LSD é o principal alucinógeno, além dele, plantas e cogumelos, também, têm esse
potencial.

• As principais drogas facilitadoras de crime são: GHB, cetamina, benzodiazepínicos,


opioides etc.

101
AUTOATIVIDADE
1 A maconha (Cannabis sativa) é um a espécie de planta amplamente utilizada em todo
o mundo, tanto para  uso  medicinal  como para  uso  recreativo.  Essa  droga ilícita  é
considerada a  droga  mais utilizada em todo planeta. Sobre a cannabis, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) São efeitos físicos comuns na intoxicação aguda, boca seca, vasodilatação


conjuntival (olhos vermelhos), aumento do apetite, principalmente para doces.
b) ( ) O uso contínuo da maconha produz, após retirada abrupta, sintomas de
abstinência acentuados podendo levar ao óbito.
c) ( ) São exemplos de endocanabinoides, o tetraidrocanabinol, K2 e SPICE.
d) ( ) Tanto os receptores CB1 quanto os CB2 de distribuem igualmente e principalmente
em regiões cerebrais como o hipotálamo, cerebelo, gânglios basais e hipocampo.

2 Alucinógenos são as substâncias que produzem profundas alterações na senso-


percepção (visão, audição, tato) do indivíduo semelhantes à alucinação. Alguns autores
chamam os alucinógenos de psicodélicos, psicodislépticos ou psicoticomiméticos.
O principal representante dos alucinógenos é o LSD (dietilamida do ácido lisérgico).
Sobre o LSD, analise as sentenças a seguir:

I- A introdução do LSD no organismo é feita por meio da absorção sublingual. O


usuário introduz um pequeno pedaço de papel de filtro impregnado com o LSD,
conhecido popularmente como “microponto”.
II- A principal via de absorção é a oral e a duração do efeito do LSD é extremamente
curto, variando de 2 a 3 horas.
III- O mecanismo de ação do LSD não está totalmente elucidado; no entanto, vários
trabalhos mostram que a droga age como um agonista de receptores de serotonina.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O uso de substâncias modificadoras de comportamento (conhecidas popularmente


como “boa noite cinderela”) para cometimento de delitos não é um fenômeno recente,
tendo, essas drogas, sido utilizadas para o cometimento de roubos, homicídios,
estupro e violência sexual. Sobre drogas facilitadoras de crime, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

102
( ) Cannabis, cocaína, barbituricos e opiáceos podem ser utilizados como drogas
facilitadoras de crimes e raramente são misturados com álcool. 
( ) As principais drogas facilitadoras de crime são: GHB, cetamina, benzodiazepínicos,
opioides, entre outros.
( ) Uma das facilidades de inserir essas drogas em bebidas de terceiros é que boa
parte delas são incolores e sem odores.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – V – V.

4 Originária da Ásia Central, a Cannabis sativa é considerada uma das mais antigas
plantas cultivadas pelo homem. Dependendo da via de administração, as
concentrações plasmáticas de Cannabis podem variar. Diante disso, cite as principais
vias de administração utilizadas e como acontece a absorção em cada via.

5 Alucinógenos também conhecidos como “drogas psicodélicas”, são substâncias


químicas que, em doses não tóxicas, produzem mudanças na percepção, no
pensamento e no estado de ânimo. Dentro do contexto de alucinógenos, há alguns
termos específicos, que geralmente são utilizados pelos usuários, como “bad trips” e
“flashbacks”. Descreva o conceito de cada termo e o que o indivíduo “sente” ao passar
por esses episódios.

103
104
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
TOXICOLOGIA DE MEDICAMENTOS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste último tópico, abordaremos as intoxicações causadas por
medicamentos. A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2002) cita que há uso racional
de medicamentos quando pacientes recebem medicamentos apropriados para as
condições clínicas deles, e em doses adequadas às necessidades individuais, por um
período adequado e com o menor custo para si e para a comunidade. No entanto, a
realidade apresentada é bem diferente. Pelo menos 35% dos medicamentos adquiridos,
no Brasil, são comprados por automedicação. Os medicamentos são responsáveis por
27% das intoxicações no Brasil, e 16% dos casos de morte por intoxicações são causados
por medicamentos. Além disso, 50% de todos os medicamentos são prescritos,
dispensados ou usados inadequadamente, e os hospitais gastam de 15 a 20% dos
orçamentos para resolver as complicações causadas pelo mau uso destes (WHO, 2002).

Embora, basicamente, todos os medicamentos possam causar quadros de


intoxicação, neste tópico, focaremos nos principais que levam a essa condição, como:
anti-inflamatórios, anticonvulsivantes/antiepilépticos, antidepressivos e sais de ferro.

2 ANTI-INFLAMATÓRIOS
Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são utilizados devido às atividades
anti-inflamatória, analgésica e antipirética. Esses fármacos estão entre os mais utilizados
no mundo, com mais de 35 tipos disponíveis para uso clínico. Apesar de amplamente
utilizados, quando a dose terapêutica é extrapolada, pode haver o desenvolvimento
de intoxicação. Os efeitos tóxicos mais comuns ocorrem, principalmente, no trato
gastrointestinal (TGI), no sistema hematológico, cardiovascular e renal. Esses efeitos
decorrem, geralmente, da inibição de prostaglandinas (PG) que estão envolvidas,
também, no mecanismo farmacológico dos AINEs (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

De modo geral, os AINEs inibem a atividade da enzima ciclo-oxigenase-1 (COX-1:


constitutiva; encontrada na maioria das células, nos vasos sanguíneos, estômago e rins)
e da ciclo-oxigenase-2 (COX-2: induzida durante o processo inflamatório pelas citocinas
e mediadores da inflamação) e, portanto, reduzem a síntese de prostaglandinas e do
tromboxano.

105
Os efeitos adversos provenientes do uso dos AINEs não seletivos devem-
se principalmente pela inibição da COX-1, com consequente redução da síntese de
prostaglandinas endógenas responsáveis pela integridade da mucosa gástrica e pelo
fluxo sanguíneo renal e de tromboxano A2 (TXA2), produzido pelas plaquetas com
significativa importância fisiológica.

2.1 SALICILATOS – AAS


Dentre os derivados do ácido salicílico (salicilatos), o ácido acetilsalicílico,
conhecido como AAS é o mais utilizado. Por se tratar de um AINE, possui ação anti-
inflamatória, analgésica e antipirética. No entanto, seu principal uso é devido sua
propriedade como antiagregante plaquetário, ou seja, previne a formação de coágulos
sanguíneos (VIANNA; GONZÁLEZ; MATIJASEVICH, 2012).

A principal via de administração é a oral, sendo a região de maior absorção a


parte superior do intestino delgado. O pico de concentração plasmático é atingido em
cerca de meia a duas horas.

A distribuição ocorre por todos os tecidos e líquidos do organismo. Cerca de


80 a 90% ligam-se as proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Em casos de
hipoalbuminemia ou no emprego de fármacos como penicilina e fenitoína, que compete
com os salicilatos por sítios de ligação à albumina, ocorre o aumento da concentração
de fármaco livre no plasma, podendo desenvolver um quadro de intoxicação (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

A principal via de excreção é a urinária e os principais produtos de biotransformação


são o ácido salicílico livre (10%), ácido salicilúrico (75%), salicilglicuronato fenólico
(10%), salicilglicuronato de acílico (5%), ácido gentísico e ácido gentisúrico (<1%) (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

2.1.1 Efeitos tóxicos, diagnóstico e tratamento


O principal efeito adverso do AAS que surge com maior frequência é a irritação
gástrica. Esse efeito está relacionado à ação direta sobre a mucosa e à inibição da
síntese de prostaglandinas gástricas, em especial a PGE2 e a PGI2, que modulam a
secreção gástrica e promovem a secreção de um muco citoprotetor pelo intestino.
Logo, a inibição da síntese dessas PGs pode tornar o estômago mais suscetível a lesão
(VIANNA; GONZÁLEZ; MATIJASEVICH, 2012).

Além de efeitos gastrintestinais, podem surgir algumas alterações sanguíneas,


como anemia aplásica, trombocitopenia, pancitopenia e agranulocitose. Efeitos sobre a
função plaquetária também são observados.

106
Doses de 80 mg/dia de AAS são suficientes para inativar o tromboxano A2, um
poderoso vasoconstritor e agregante plaquetário, aumentando o tempo de sangramento.
Efeitos renais, respiratórios, hepatotoxicidade, prolongamento do tempo de gravidez e
alterações metabólicas também são observados (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

As doses fatais variam de acordo com a preparação dos salicilatos. Foram


descritos óbitos em adultos com doses de 10 a 30 g de salicilato de sódio ou AAS, sendo,
porém, relatados alguns casos em que o emprego de doses maiores não provocou a
morte do paciente. A morte geralmente ocorre por acentuada depressão do SNC e está
relacionada à paralisia respiratória central ou ao colapso cardiovascular (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

Para o diagnóstico e tratamento da intoxicação aguda, é importante estabelecer


a correlação entre a concentração de salicilato no soro e o tempo. Se 12 horas após a
ingestão de salicilato a concentração sérica for de 25 mg%, o paciente, provavelmente,
apresentará um quadro clínico assintomático.

No entanto, se essa mesma concentração for determinada cerca de 24 a 36


horas após a ingestão, o quadro é caracterizado como intoxicação branda a moderada
(VIANNA; GONZÁLEZ; MATIJASEVICH, 2012).

Quando há suspeita de ingestão de altas doses, deve-se iniciar o tratamento


sem esperar o resultado laboratorial.

O tratamento consta de êmese para crianças e lavagem gástrica para adultos,


carvão ativado para prevenir a absorção, aumento do pH urinário (bicarbonato) e
hidratação. Em casos graves, deve-se proceder à hemodiálise ou hemoperfusão
acrescida de vitamina K (VIANNA; GONZÁLEZ; MATIJASEVICH, 2012).

NOTA
A vitamina K é utilizada como tratamento nos casos de intoxicação
por AAS, pois estimula a síntese de proteínas (fatores de coagulação),
controlando sangramento e favorecendo a cicatrização.

2.2 PARACETAMOL
O paracetamol é recomendado como primeira linha de tratamento para dor. A
principal via de administração é a oral, onde a absorção acontece rapidamente e quase
completamente no trato digestivo.

107
O pico de concentração plasmática ocorre entre 15 minutos e duas horas,
dependendo da formulação, e a meia-vida plasmática é de cerca de duas a três horas,
após doses terapêuticas. Distribui-se por quase todos os líquidos corporais, atingindo
uma biodisponibilidade de cerca de 80% nas doses de 5 a 20 mg/kg.

Em doses terapêuticas, de 55 a 60% da dose são conjugados com o ácido


glicurônico, 30 a 35% com o ácido sulfúrico, 3% com a cisteína e 4% com o ácido
mercaptúrico, além de pequena quantidade de metabólitos hidroxilados e acetilados
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Intoxicações fatais pelo paracetamol nas doses terapêuticas são pouco


prováveis. O pequeno número de casos relatados foi de pacientes alcoólicos crônicos.
O efeito adverso mais grave é a necrose hepática fatal, que ocorre após superdose
de paracetamol. Nos adultos, a hepatotoxicidade pode ocorrer após a ingestão de
uma única dose de 10 a 15 mg de paracetamol, sendo doses de 20 a 25 g ou mais,
potencialmente fatais.

Os sintomas que aparecem durante os dois primeiros dias de intoxicação aguda


podem não refletir a gravidade e o potencial dela. Nas primeiras 24 horas, ocorrem
náuseas, vômitos, anorexia e dor abdominal, que podem persistir por uma semana ou
mais.

A manifestação de lesão hepática surge de dois a quatro dias após a ingestão de


doses tóxicas. A princípio, as transaminases plasmáticas se elevam, as concentrações
de bilirrubinas plasmáticas podem aumentar e o tempo de protrombina se prolonga.

O paracetamol desenvolve lesão hepática, por meio de seu metabólito


intermediário, resultante da biotransformação hepática. Na biotransformação desse
fármaco, uma pequena parte da dose, após N-hidroxilação mediada pelo Cit P-450, dá
origem ao N-acetil-benzoquinonaimina (NAPQI), que é altamente tóxico.

Normalmente, esse metabólito reage com o grupamento sulfidril da glutationa e


é excretado como mercapturato. No entanto, após o uso de altas doses de paracetamol,
ocorre saturação nas reações de conjugação com o ácido glicurônico e sulfato, fazendo
com que este metabólito, ao consumir cerca de 70% da glutationa hepática, possa reagir
com as proteínas hepáticas, por ligação covalente, levando à necrose hepática (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

108
FIGURA 10 – METABOLISMO DO PARACETAMOL

FONTE: A autora

Quando houve história sugestiva do uso de doses excessivas, o tratamento


deve iniciado mesmo antes da comprovação pelos resultados laboratoriais. Deve-se
proceder à lavagem gástrica no máximo qyatro horas após a ingestão do fármaco. A
administração de carvão ativado é uma intervenção capaz de reduzir a absorção de
paracetamol nas primeiras horas após a ingestão. A diálise por um período de três
horas, também é recomendada, pois ela retira cerca de 58% dos metabólitos da dose
administrada. A administração de N-acetilcisteína intravenosa também é indicada, pois
estimula a síntese de hepática de glutationa (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

3 ANTICONVULSIVANTES/ANTIEPILÉPTICOS
Anticonvulsivantes ou antiepilépticos são aqueles capazes de prevenir e/ou
interromper crises convulsivas de diferentes tipos, permitindo o funcionamento do SNC
dos indivíduos epilépticos e protegendo-os dos efeitos deletérios das crises convulsivas
(ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013).

NOTA
A epilepsia é uma doença cerebral crônica de diversas etiologias caracterizada
por episódios paroxísticos recorrentes, estimulação descontrolada dos
neurônios cerebrais e duração limitada. O termo epilepsia, portanto, não se
refere ao ataque, mas ao subjacente mau funcionamento do cérebro.

109
3.1 CARBAMAZEPINA
Medicamento considerado de primeira linha para o tratamento da epilepsia.
É também utilizado nas síndromes dolorosas crônicas e distúrbios psiquiátricos. O
mecanismo da carbamazepina consiste na inativação de canais de sódio, inibindo
a descarga neuronal repetitiva no SNC. Como a carbamazepina é estruturalmente
semelhante aos antidepressivos tricíclicos, possui efeitos anticolinérgicos que podem
reduzir a motilidade intestinal e retardar sua absorção e, na intoxicação, pode provocar
convulsões e distúrbios do ritmo cardíaco. Em relação às doses tóxicas:

• Doses > 10 mg/kg já podem resultar em nível sérico acima do terapêutico (4-12 mg/L);
• Menores doses já relatadas em ingestões fatais: 3,2 g (adultos); 1,6 g (crianças);
• Níveis séricos de carbamazepina acima de 40 mcg/mL estão geralmente associados
a intoxicações mais graves.

O quadro clínico geralmente é prolongado, com duração média de 48


horas. Intoxicações leves a moderadas geram náuseas, vômitos, nistagmo, ataxia,
hiperreflexia, distonias, depressão do SNC, taquicardia sinusal e efeitos anticolinérgicos
leves (midríase, delírios), enquanto, intoxicações graves levam a convulsões, coma e
depressão respiratória.

4 ANTIDEPRESSIVOS
Os antidepressivos são um grupo de medicamentos utilizados no tratamento
da depressão e outros transtornos psiquiátricos. São classificados em dois grandes
grupos: antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina (ISRS) e antidepressivos
tricíclicos e tetracíclicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

4.1 ANTIDEPRESSIVOS ISRS


Os antidepressivos ISRS são utilizados para o tratamento de depressão,
síndrome do pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo, e de transtornos
alimentares, incluindo anorexia, bulimia e obesidade. Os principais representantes desse
grupo incluem: Fluoxetina, Paroxetina, Sertralina, Citalopram e Escitalopram. Como o
próprio nome sugere, seu mecanismo de ação é baseado na inibição da recaptação de
serotonina no SNC e SNF, estimulando os receptores serotoninérgicos (HERNANDEZ;
RODRIGUES; TORRES, 2017).

São fármacos bem absorvidos e possuem alta biodisponibilidade, com um pico


de concentração plasmática em seis horas após a ingestão. O metabolismo acontece
através do CYP-450 e a eliminação é feita através da urina.

110
A intoxicação por antidepressivos ISRS, agrava quando ingerido em conjunto
com outras drogas que aumentam o nível de serotonina, como por exemplo: outros
antidepressivos (inibidores da monoaminoxidase, tricíclicos, duais e atípicos),
anfetaminas, sibutramina, ecstasy, cocaína, crack, LSD e opioides. Os principais sinais
e sintomas observados nestes casos são: alterações do estado mental: agitação,
ansiedade, confusão mental, hipomania; instabilidade autonômica: taquicardia,
hipertensão, sudorese, hipertermia, midríase; hiperatividade neuromuscular:
hiperreflexia, mioclonias, rigidez e tremores (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

A maioria dos casos de ingestão de ISRS não desenvolvem sintomas graves


necessitando apenas de medidas de suporte básico de vida, como: desobstrução das
vias aéreas, monitorização dos sinais vitais, hidratação e oxigênio suplementar quando
necessário. A descontaminação consiste em lavagem gástrica e administração de
carvão ativado.

4.2 ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E TETRACÍCLICOS


São medicamentos utilizados no tratamento da depressão maior, insônia e
síndromes dolorosas crônicas. Os principais representantes deste grupo incluem:
Amitriptilina, Clomipramina, Imipramina, Maprotilina e Nortriptilina. Possuem ações
em diversos receptores no organismo, gerando antagonismo colinérgico, bloqueio
alfa-adrenérgico, inibição da recaptação da noradrenalina, serotonina e dopamina,
bloqueio de canais de sódio e potássio e depressão respiratória e do sistema nervoso
central (SNC). Na intoxicação, os efeitos mais importantes são em SNC e cardiovascular
(HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017):

• Efeitos cardiovasculares: taquicardia e hipertensão por ação anticolinérgica e


inibição da recaptação de catecolaminas; hipotensão pelo bloqueio alfa-adrenérgico;
depressão miocárdica e distúrbios da condução cardíaca por bloqueio dos canais de
sódio;
• Efeitos em SNC: sedação e coma por atividade anticolinérgica; convulsões por
provável inibição da recaptação de catecolaminas cerebrais.

Doses acima das doses terapêuticas já podem ser tóxicas; doses acima de 10-
20 mg/kg representam risco de vida. Em intoxicações leves são observados sonolência,
sedação, taquicardia, alucinações e midríase, já em intoxicações graves são observados
convulsões, coma, aumento do intervalo QRS no eletrocardiograma (ECG), arritmias
ventriculares, insuficiência respiratória, e hipotensão. Podem ocorrer arritmias graves
levando à parada cardíaca e óbito, mesmo em pacientes jovens (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014). A farmacocinética, medidas de suporte e descontaminação são as
semelhantes ao antidepressivos ISRS.

111
5 SAIS DE FERRO
Os sais de ferro são utilizados no tratamento da anemia ferropriva e como
complemento nutricional no período pré-natal. Existe risco elevado de intoxicações
graves na infância, devido a sua grande disponibilidade e pouco conhecimento da
sua toxicidade. Os sais de ferro geralmente estão disponíveis em drágeas e soluções,
com diversas quantidades do princípio ativo. O ferro é absorvido no duodeno e se
liga a proteínas plasmáticas e transferrina. Quando o nível sérico está muito elevado,
ultrapassa a capacidade de transporte permanecendo como ferro livre.

O ferro em excesso promove a formação de radicais livres, que resultam


provavelmente nos danos locais, com necrose por coagulação e sangramento do trato
gastrointestinal. A toxicidade sistêmica ocorre quando o ferro é transportado até os
órgãos-alvo, como o fígado e o coração. O ferro não ligado a transferrina é rapidamente
captado pelo fígado (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

QUADRO 5 – DOSE TÓXICA DE FERRO ELEMENTAR

DOSE DE FERRO ELEMENTAR TOXICIDADE


Menor que 20 mg/kg Assintomático
De 20 a 40 mg/kg Intoxicação leve: sintomas GI
Intoxicação moderada a grave: sintomas
De 40 a 60 mg/kg
corrosivos, GI e sistêmicos
Maior de 60 mg/kg Intoxicação potencialmente fatal
FONTE: Adaptado de Hernandez, Rodrigues e Torres (2017)

Os sinais e sintomas são manifestados em fases:

• 1ª fase – 30 min a seis horas: lesão de mucosa GI, náuseas, vômitos, febre, distensão
abdominal, hematêmese, melena, alterações cardiovasculares (taquicardia, palidez,
hipotensão), hiperglicemia, leucocitose, letargia e coma;
• 2ª fase – seis a 24 horas: falsa melhora dos sintomas, atribuída à distribuição do
ferro, provocando o acometimento sistêmico;
• 3ª fase – 24 a 48 horas: piora progressiva do quadro com choque, convulsões,
coma, acidose metabólica, alterações da coagulação, falência hepática e renal, pode
evoluir para óbito;
• 4ª fase – de duas a oito semanas: quando superada a fase anterior, podem ocorrer
sinais de cicatrização das lesões GI com estenose e alterações hepáticas.

O tratamento consiste em medidas de suporte básicas (desobstrução das


vias aéreas, monitorização dos sinais vitais, oxigenação – quando necessário);
descontaminação (lavagem gástrica com soro fisiológico) e administração de antídoto
(deferoxamina – agente quelante, liga-se ao ferro livre formando complexo hidrossolúvel)
(HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

112
LEITURA
COMPLEMENTAR
RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA DA “SÍNDROME DA
AUTOCERVEJARIA”: PROVAVELMENTE UMA CONDIÇÃO MÉDICA
SUBDIAGNOSTICADA

Fahad Malik
Prasanna Wickremesinghe
Jessie Saverimuttu

INTRODUÇÃO

A síndrome da autocervejaria (ABS), também conhecida como síndrome de


fermentação intestinal, é uma condição médica raramente diagnosticada. Quando
ingeridos, os carboidratos são convertidos em álcool por fungos no trato gastrointestinal.
Pacientes com essa condição tornam-se embriagados e sofrem todas as implicações
médicas e sociais do alcoolismo, incluindo prisão por dirigir embriagado. Este relato
detalha o caso de um paciente que manifestou muitos dos sintomas relacionados
ao álcool, mas afirmou repetidamente que não havia ingerido álcool. Os fungos não
costumam estar presentes no estômago e no intestino delgado superior de indivíduos
saudáveis. O cólon, entretanto, pode abrigar alguns fungos que vivem comensalmente.

História de caso

Um homem de 46 anos de idade, previamente ativo, saudável, (altura, 6 pés e 2


polegadas; peso, 230 libras; índice de massa corporal, 30 kg/m2), sem histórico médico
ou psiquiátrico significativo, procurou nossa ajuda para a confirmação e tratamento de
abdômen. Ele não estava tomando nenhum medicamento, incluindo medicamentos
fitoterápicos ou de venda livre. Ele reclamou de perda de memória, alterações mentais
e episódios de depressão por mais de 6 anos, começando em janeiro de 2011. Essas
mudanças começaram a ocorrer depois que ele recebeu antibioticoterapia (cefalexina
250 mg por via oral três vezes ao dia durante 3 semanas) para uma lesão traumática
complicada no polegar. Uma semana após a conclusão de sua antibioticoterapia,
mudanças de personalidade com episódios de depressão, “névoa do cérebro” e
comportamento agressivo tornaram-se aparentes, o que era muito incomum para ele.
Ele foi inicialmente avaliado por seu médico de atenção primária pela primeira vez em
janeiro de 2014, antes de ser encaminhado a um psiquiatra que o tratou com lorazepam
e fluoxetina.

113
Certa manhã, ele foi preso por direção embriagada. Ele recusou a análise do
bafômetro e foi hospitalizado. Seu nível inicial de álcool no sangue era de 200 mg/
dL. O pessoal do hospital e a polícia se recusaram a acreditar nele quando ele negou
repetidamente a ingestão de álcool. Ele se recuperou totalmente e teve alta.

Depois de ouvir sobre um caso semelhante tratado com sucesso por um médico
em Ohio, sua tia comprou um bafômetro para registrar seus níveis de álcool no hálito e o
persuadiu a visitar Ohio para o tratamento, onde testes laboratoriais básicos (hemograma
completo, painel metabólico abrangente, painel de imunologia e urinálise) estavam
normais. Uma análise abrangente das fezes foi negativa para Giardia e Cryptosporidium.
Os níveis de lactoferrina, calprotectina e lisozima do paciente e estudos de má absorção
fecal também estavam normais. Saccharomyces cerevisiae (levedura de cerveja) e S.
boulardii foram detectados em suas fezes além da flora bacteriana normal de fezes. Em
testes de sensibilidade antifúngica, essas cepas de Saccharomyces foram consideradas
sensíveis a azóis e nistatina. Para confirmar o diagnóstico de ABS, o paciente recebeu
uma refeição com carboidratos, e seus níveis de álcool no sangue foram monitorados
sob observação. Após 8 horas, seu nível de álcool no sangue foi elevado para 57 mg/
dL. Ele foi então tratado para o fungo Saccharomyces encontrado em suas fezes com
fluconazol oral 150 mg por dia durante 14 dias. Na ausência de melhora, no dia 10, ele
foi alterado para nistatina 500.000 UI três vezes ao dia por mais 10 dias. Seus sintomas
melhoraram e ele recebeu alta com uma dieta estritamente livre de carboidratos,
juntamente com suplementos especiais dados por seu médico de Ohio, mas nenhuma
terapia antifúngica adicional foi prescrita.

Depois de algumas semanas assintomático, as “erupções” intermitentes


retornaram. Ele foi visto por muitos internistas, psiquiatras, neurologistas e
gastroenterologistas que não puderam tratá-lo a retornar ao seu estado de saúde
anterior. O evento mais significativo causado por uma de suas embriaguezes foi uma
queda que causou sangramento intracraniano e precisou ser transferido para um
centro neurocirúrgico regional, onde teve uma recuperação espontânea completa
em 10 dias. Nessa instituição, seus níveis de álcool no sangue variaram de 50 a 400
mg/dL. Aqui também, a equipe médica se recusou a acreditar que ele não bebia
álcool, apesar de suas negativas persistentes. Devido ao agravamento dos sintomas,
ele procurou a ajuda de um grupo de suporte online e nos contatou. O exame físico
do paciente foi totalmente normal. Antes da lesão no polegar, ele era um bebedor
social leve, mas se absteve completamente de álcool depois disso. Sua construtora
estava envolvida na restauração de casas danificadas pelo furacão, muitas das
quais contaminadas com mofo. Para investigar melhor a condição desse paciente,
coletamos secreções gastrointestinais usando endoscopia alta e baixa para detectar
fungos. Os procedimentos endoscópicos superiores e inferiores do paciente estavam
normais. Culturas de fungos obtidas do intestino delgado superior e secreções cecais
cresceram Candida albicans e C. parapsilosis.

114
O teste de sensibilidade antifúngica foi feito para esses fungos, e ambos eram
sensíveis aos azólicos. Sua imunoglobulina A secretora estava elevada para 607 mg/
dL. A infecção por Helicobacter pylori não foi detectada em sua biópsia antral gástrica.
O paciente concordou em ser tratado em colaboração com seu médico local porque
morava longe de nosso hospital.

Dada sua exposição anterior ao fluconazol, decidimos usar itraconazol oral 150
mg por dia como terapia antifúngica inicial para S. cerevisiae e espécies de Candida.
Após dez dias, como seus sintomas não melhoraram, então essa dose foi aumentada
para 200 mg por dia, e o paciente ficou totalmente assintomático. Sem que nós
soubéssemos, ele comeu pizza e bebeu refrigerante durante o tratamento, resultando
em uma grave recaída do ABS. Decidimos então tratá-lo com micafungina intravenosa
150 mg por dia durante 6 semanas.

Após completar esta terapia, suas secreções gastrointestinais foram novamente


estudadas e cultivadas por endoscopia superior e inferior repetida. Neste momento,
nenhum crescimento de fungo estava presente. O paciente monitorou seus níveis de
álcool no hálito duas vezes ao dia durante todo o processo de tratamento com instruções
para nos informar imediatamente se positivo. Ele começou a tomar um probiótico
(Lactobacillus acidophilus de cepa única com 3 bilhões de unidades formadoras de
colônia por cápsula) para inibir competitivamente fungos e ajudar a normalizar sua
flora intestinal. Carboidratos foram então gradualmente introduzidos em sua dieta, e
um teste de desafio de carboidratos repetido foi negativo. Após seis semanas, esse
probiótico foi alterado para um probiótico de múltiplas cepas, que contém 12 organismos
bacterianos diferentes sem qualquer fungo. Desde então, ele continuou o tratamento.
Aproximadamente 1,5 anos depois, ele permanece assintomático e retomou seu estilo
de vida anterior, incluindo uma dieta normal enquanto verifica seus níveis de álcool no
hálito esporadicamente.

DISCUSSÃO

ABS é provavelmente uma condição subdiagnosticada. Acreditamos que os


sintomas de nosso paciente foram desencadeados pela exposição a antibióticos, o que
resultou em uma alteração em seu microbioma gastrointestinal, permitindo o crescimento
excessivo de fungos Candida e S. cerevisiae, que podem converter carboidratos ao álcool
endógeno, foram detectados em suas secreções intestinais e fezes S. cerevisiae, que é
conhecido por usar acetato para fermentação de álcool anaeróbico. Um grande estudo
do Oriente Médio envolvendo 1400 indivíduos que eram abstêmios detectou níveis
muito pequenos de álcool produzido endogenamente usando cromatografia gasosa
e espectrometria de massa. Este estudo foi feito para estabelecer os níveis de álcool
gastrointestinal para aconselhar sobre os limites legais. A primeira grande série de casos de
ABS foi relatada na literatura japonesa na década de 1970, que exibia espécies de Candida.
Dez anos depois, os primeiros casos dos EUA foram publicados. Relatos de casos anteriores
haviam descrito pacientes imunocomprometidos ou com estenose na síndrome de Crohn.
Doença com supercrescimento bacteriano ou síndrome do intestino curto após a cirurgia.
Até onde sabemos, a exposição a antibióticos iniciando ABS não foi relatada anteriormente.

115
Para confirmar um diagnóstico de ABS, sugerimos um teste de desafio de
carboidratos padronizado, em vez de uma refeição com carboidratos não específicos,
como este paciente recebeu em Ohio. Atualmente, não há critérios de diagnóstico
estabelecidos para confirmar um diagnóstico de ABS ou tratar esta condição. Nós,
portanto, propomos o seguinte protocolo para isso. É importante certificar-se de que os
pacientes com suspeita de ABS e níveis elevados de álcool no sangue ou no hálito não
estejam bebendo sub-repticiamente.

Em nosso teste provocativo de desafio de carboidratos, demos ao paciente 200


g de glicose por via oral após um jejum noturno com sangue coletado em intervalos
de 0, ½, 1, 2, 4, 8, 16 e 24 horas para glicose e álcool no sangue níveis. Este teste pode
ser abortado precocemente se os níveis de álcool aumentarem nas primeiras horas.
O teste de amostra atrasado em 16 e 24 horas torna-se importante se as amostras
iniciais forem negativas, pois alguns fungos podem levar 24 horas ou mais para serem
convertidos substratos de carboidratos em álcool. O teste de desafio de carboidratos
não padronizado foi usado anteriormente para diagnosticar ABS. O paciente ficou em
observação durante todo o teste.

O teste de análise de respiração concomitante foi feito para validar a precisão


dos valores do bafômetro do paciente. A precisão do bafômetro é de suma importância
quando um paciente usa este dispositivo para monitorar seus níveis de álcool no ar
expirado durante e após o tratamento. A ampla disponibilidade de bafômetros facilitou
o diagnóstico e o monitoramento desses pacientes. Os bafômetros podem ser obtidos
sem dificuldade na Internet ou nos pontos de venda apropriados. Também é importante
observar que o bafômetro deve ser calibrado ou substituído a cada 30 dias para
permanecer preciso.

Nosso paciente tinha um nível elevado de álcool no sangue de 57 mg/dL oito


horas após a refeição com carboidratos em Ohio, mas um bafômetro concomitante não
foi feito. Propomos que as secreções gastrointestinais sejam obtidas por endoscopia
alta e baixa, momento em que a morfologia macroscópica do intestino e quaisquer
patologias coexistentes pode ser documentado.

As secreções coletadas do estômago, intestino delgado superior, cólon e


íleo terminal para pH, coloração de Gram e culturas de bactérias e fungos devem ser
realizadas. Essas amostras também devem ser enviadas para um laboratório especial
para especiação fúngica e teste de sensibilidade antifúngica. Até onde sabemos, a
endoscopia não foi usada anteriormente para adquirir secreções gastrointestinais para
esse propósito. Acreditamos que a endoscopia é uma intervenção importante porque
nos permite obter secreções gastrointestinais superiores e inferiores, embora alguns
fungos possam estar presentes no cólon, a presença de fungos no estômago e no trato
intestinal superior é provavelmente patológica.

116
Após completar 6 semanas de tratamento antifúngico, o sujeito foi instruído a
continuar monitorando seus níveis de álcool no hálito duas vezes ao dia e a informar
os médicos sobre quaisquer resultados positivos. Seria ideal para pacientes com ABS
serem reavaliados usando outro teste de desafio de carboidratos antes de aumentar sua
ingestão oral de carboidratos. Nosso paciente não tem mais níveis elevados de álcool no
sangue nem observou qualquer aumento nos valores do bafômetro quando desafiado
novamente com 200 g de carboidratos. Suas secreções gastrointestinais repetidas não
mostraram fungos. O papel do uso de probióticos em ABS ainda não foi estudado. Um
relato de caso anterior mostrou o uso benéfico de probióticos para a recolonização do
trato digestivo. Também estamos cientes de uma publicação recente que mostra que os
probióticos administrados após a colite por Clostridium difficile após o uso de antibióticos
podem atrasar a recuperação do microbioma intestinal. Pensamos que seria razoável
começar o tratamento de nosso paciente com uma dieta sem carboidratos e terapia
antifúngica, bem como um probiótico, para inibir competitivamente o crescimento de
fungos em seu intestino. Escolhemos uma única cepa de L. acidophilus com 3 bilhões
de colônias formando unidades por cápsula para esta finalidade. Aproximadamente seis
semanas depois, este probiótico de cepa de L. acidophilus única foi descontinuado. Um
probiótico multistrain puramente bacteriano foi substituído, pois pensamos que isso
seria mais benéfico na manutenção de um microbioma saudável e diverso.

Em conclusão, deve-se observar que os primeiros sintomas de ABS podem


ser alterações de humor, delírio e névoa cerebral, em vez de manifestação médica de
embriaguez alcoólica. Uma abordagem multidisciplinar com envolvimento precoce do
psiquiatra é sugerida. Qualquer paciente que negue a ingestão de álcool, mas que tenha
níveis elevados de álcool no sangue ou resultados positivos do bafômetro, deve ser
investigado para ABS. Isso deve envolver todos os pacientes presos por dirigir alcoolizado,
que negam a ingestão de álcool. Acreditamos que o álcool, seja exógeno ou produzido
endogenamente, possa ter as mesmas manifestações tóxicas. Esta é uma condição
que pode ser tratada com modificações dietéticas, terapia antifúngica apropriada e
possivelmente probióticos. O uso de probióticos e transplante de microbiota fecal
pode ser considerado para estudos futuros. Estamos apenas começando a reconhecer
a complexidade da ABS e atualmente estudamos mais pacientes com ABS possível
usando o protocolo proposto para diagnóstico e tratamento.

FONTE: MALIK, F.; WICKREMESINGHE, P.; SAVERIMUTTU, J. Case report and literature review of auto-
brewery syndrome: probably an underdiagnosed medical condition. BMJ Open Gatroenterology, [s. l.],
v. 6, n. 1, p. 1-5, 2019.

117
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os principais AINEs associados a intoxicações são o paracetamol e o ácido


acetilsalicílico (AAS).

• Os principais efeitos adversos do AAS incluem irritação gástrica, alterações


sanguíneas e sangramentos devido a diminuição de fatores coagulantes.

• O principal efeito adverso que surge após intoxicação por paracetamol é a necrose
hepática.

• O principal metabólito tóxico formado na metabolização do paracetamol é o N-acetil-


benzoquinonaimina.

• A carbamazepina é o principal anticonvulsivante associado a intoxicações.

• A intoxicação por antidepressivos ISRS agrava quando ingerido em conjunto com


outras drogas que aumentam o nível de serotonina.

• Existe risco elevado de intoxicações graves por sais de ferro na infância, devido a sua
grande disponibilidade e pouco conhecimento da sua toxicidade.

118
AUTOATIVIDADE
1 Os suplementos de ferro (Fe) são amplamente disponíveis para as pessoas em geral.
No caso de crianças pequenas e mulheres jovens, a intoxicação por Fe é bastante
comum, sobretudo em crianças pequenas  – são, aproximadamente, 16 mil casos
por ano em crianças com menos de seis anos de idade nos EUA, sendo a maioria
com exposição acidental. Sobre intoxicações por sais de ferro, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A intoxicação se dá pela presença de ferro livre na circulação, levando a formação


de radicais livres, que resultam em danos locais, com necrose por coagulação e
sangramento do trato gastrointestinal.
b) ( ) A intoxicação se dá pela ligação do ferro a transferrina que é rapidamente captado
pelo fígado levando a danos hepáticos.
c) ( ) Doses de ferro acima de 60 mg/lg ainda são consideradas terapêuticas e não
geram efeitos adversos.
d) ( ) Nos casos de intoxicação, não há medidas a serem tomadas, a única conduta
terapêutica disponível é manter o paciente confortável e hidratado.

2 Dentre os derivados do ácido salicílico (salicilatos), o ácido acetilsalicílico, conhecido


como AAS, é o mais utilizado. Além de suas ações anti-inflamatórias, possui também
ação antiagregante plaquetário. Neste sentido, considere um paciente que tomou 6 x
mais a dose terapêutica de AAS recomendado ao dia e analise as sentenças a seguir:

I- O paciente terá uma redução de sangramentos, visto que o AAS favorece a


agregação plaquetária.
II- O principal efeito adverso do AAS que surge com maior frequência é a irritação
gástrica.
III- Para o diagnóstico e tratamento da intoxicação aguda, é importante estabelecer a
correlação entre a concentração de salicilato no soro e o tempo.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

3 Sabe-se que os medicamentos podem desempenhar um papel essencial para


aumentar a expectativa e a qualidade de vida da população. No entanto, assim
como curam, podem prejudicar se não forem bem administrados. A intoxicação por

119
medicamentos é questão de saúde pública, pois basta uma dosagem errada ou sem
prescrição (automedicação) para se ter sérios problemas. Sobre intoxicação por
medicamentos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Para intoxicações por paracetamol é utilizada dose de ataque e doses de


manutenção de N-acetilcisteína, um precursor da síntese de GSH. 
( ) Para intoxicações envolvendo sais de ferro, é utilizado o quelante deferoxamina.
( ) Como são frequentemente utilizados pela população, os antidepressivos não
possuem nenhum risco de intoxicação, mesmo utilizados em altas doses.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O paracetamol é um medicamento amplamente utilizado pela população, e


constantemente está envolvido em casos de intoxicação. Doses terapêuticas
repetidas ou doses levemente excessivas podem causar hepatotoxicidade em
indivíduos suscetíveis, como alcoólatras e pacientes com alterações hepáticas. Neste
contexto, explique o mecanismo de toxicidade deste medicamento e o tratamento
que deve ser realizado.

5 Com a relação à intoxicação por antiepilépticos, a carbamazepina é o fármaco mais


relatado nos casos de intoxicação. É considerado o tratamento de primeira linha para
epilepsia, além de ser também utilizado nas síndromes dolorosas crônicas e distúrbios
psiquiátricos. Neste contexto, descreva os principais sinais e sintomas observados
em pacientes com suspeita de intoxicação por carbamazepina.

120
REFERÊNCIAS
ALVES, S. Toxicologia forense e saúde pública: desenvolvimento e avaliação de um
sistema de informações como ferramenta para a vigilância de agravos decorrentes da
utilização de substâncias químicas. 2005. 132 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública)
– Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro, 2005.

ANDRADE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M. Toxicologia na prática clínica. Belo
Horizonte: Editora Folium, 2013.

APA. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of


mental disorders. 4. ed. Washington DC: American Psychiatric Association, 1994.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 344,


de 12 de maio de 1988. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e
medicamentos sujeitos a controle especial. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1999.
Disponível em: https://bit.ly/3COlJTc. Acesso em 15 out. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC


nº 178, de 17 de maio de 2002. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1999. Disponível em:
https://bit.ly/3gvmzdG. Acesso em 15 out. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC


nº 18, de 28 de janeiro de 2003. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003. Disponível
em: https://bit.ly/3uqNXBM. Acesso em 15 out. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC


nº 44, de 2 de julho de 2007. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007. Disponível em:
https://bit.ly/3B67E2R. Acesso em 15 out. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC


nº 40, de 15 de julho de 2009. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em:
https://bit.ly/3gsvCfh. Acesso em 15 out. 2021.

CASARETT, L.; DOULL, J. Fundamentos em toxicologia. 2 ed. Porto Alegre: Artmed,


2012.

CEBRID. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Livreto


informativo sobre drogas psicotrópicas. São Paulo: Unifesp, 2012.

DINIS-OLIVEIRA R.; CARVALHO F.; BASTOS, M. Toxicologia fundamental. Lisboa:


Editora Lidel, 280 p. 2018.

121
DOS SANTOS, R. Ayahuasca: Neuroquímica e farmacologia. Revista Eletrônica Saúde
Mental Álcool e Drogas, Ribeirão Preto, v. 3, n. 1, p. 1-12, 2007.

FARIA, J. F. Fungos alucinógenos: uma revisão sobre o Psilocybe sp. e a substância


Psilocibina. 2017. 57 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-graduação em
Microbiologia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível
em: https://bit.ly/3uxcxRt. Acesso em 15 out. 2021.

GIRARD, L. A.; SENN, Y. C. The role of the new “Date Rape Drugs” in attributions about
date rape. J. Interpers Violence, [s. l.], v. 23, n. 1, p. 3-20, 2008.

GOLD, M. S. Drugs of abuse: a comprehensive series for clinicians. vol. III


Cocaine. New York; London: Plenum Medical Book Company, 1993.

GROSSO, A. Cannabis: de planta condenada pelo preconceito a uma das grandes


opções terapêuticas do século. Journal of Human Growth and Development, [s. l.],
v. 30, n. 1, 2020.

HALLER, C., THAI, D.; JACOB, P.; DYER, J. E. GHB urine concentrations after single-
dose administration in humans. J Anal Toxicol, [s. l.], v. 30, n. 6, p. 360-364, 2006.

HERNANDEZ, E.; RODRIGUES, R.; TORRES, T.; Manual de toxicologia clínica. São
Paulo: Secretaria Municipal de Saúde, 2017.

HINDMARCH, I.; ELSOHLY, M.; GAMBLES, J.; SALAMONE, S. Forensic urinalysis of drug
use in cases of alleged sexual assault. J Clin Forensic Med, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 197-
205, 2001.

JAMIESON, M.A.; Rohypnol, Gamma Hydroxybutyrate, and drug rape. J Soc Obstet
Gynaecol Can, [s. l.], v. 23, n. 1, p. 38-42, 2001.

OGA, S.; CAMARGO, M. M. A.; BATISTUZZO, J. A. O. Fundamentos de toxicologia. 4.


ed. Rio de Janeiro: Editora Atheneu, 2014. 704 p.

ROBLEDO, P. Las anfetaminas. Trastornos Adictivos, v. 10, n. 3, p. 166-74, 2008.


Disponível em: https://bit.ly/3HANrVk. Acesso em 15 out. 2021.

RUPPENTHAL, J. E. Toxicologia. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria,


Colégio Técnico Industrial de Santa Maria; Rede E-tec Brasil, 2013. 128 p.

SANT’ANA, T. Por que o golpe é “Boa noite Cinderela”, não “Bela Adormecida”?
Super Interessante, São Paulo, 4 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3HFQQCE.
Acesso em 15 out. 2021.

122
SOFT. Society of Forensic Toxicologists. Fact sheet: drug-facilitated sexual assaults.
Mesa, AZ: SOFT, 2009. Disponível em: https://bit.ly/3usF9vf. Acesso em 15 out. 2021.

TAKITANE, J.; PIMENTA, D.; FUKUSHIMA, F.; DA FONTE, V.; LEYTON, V. Aspectos
médico-legais das substâncias utilizadas como facilitadoras de crime. Saúde, Ética e
Justiça, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 66-71, 2017.

UNODC. United Nations Office on Drugs and Crime. Guidelines for the forensic
analysis of drugs facilitating sexual assault and other criminal acts. New York;
United Nations, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3LegY9M. Acesso em: 15 out. 2021.

VASCONCELOS, S. M. M.; ANDRADE, M. M.; SOARES, P. M.; CHAVES, B. G.; PATROCÍNIO,


M. C. A.; SOUSA, F. C. F.; MACÊDO, D. S. Cetamina: aspectos gerais e relação com a
esquizofrenia. Rev Psiq Clín, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 10-16, 2005.

VIANNA, C.; GONZÁLEZ, D.; MATIJASEVICH, A. Utilização de ácido acetilsalicílico (AAS)


na prevenção de doenças cardiovasculares: um estudo de base populacional. Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 6, p. 1122-1132, 2012.

WHO. World Health Organization. (2002).  Promoción del uso racional de


medicamentos: componentes centrales. Organización Mundial de la Salud. Ginebra,
2002. Disponível em: https://bit.ly/3gr399K. Disponível em: 1 dez. 2021.

123
124
UNIDADE 3 —

TOXICOLOGIA ANALÍTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• aprender os principais agrotóxicos envolvidos em intoxicações;

• estudar a toxicidade de substâncias veiculadas pelos alimentos;

• entender o conceito e os principais agentes envolvidos na toxicologia ocupacional;

• compreender os principais métodos utilizados nas análises toxicológicas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TOXICOLOGIA AMBIENTAL


TÓPICO 2 – TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS
TÓPICO 3 – TOXICOLOGIA OCUPACIONAL
TÓPICO 4 – METODOLOGIAS ANALÍTICAS E APLICAÇÕES NA TOXICOLOGIA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

125
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

126
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
TOXICOLOGIA AMBIENTAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, chegamos na última unidade deste livro. Neste primeiro tópico,
abordaremos a toxicologia ambiental.

De acordo com a Lei nº 7.802/1989, no Art. 2º, inciso I, alínea a, os praguicidas


são denominados de agrotóxicos, e definidos como

produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,


destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento
e beneficiamento agrícolas; nas pastagens; e na proteção de
florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas, além de
ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar
a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação
danosa de seres vivos considerados nocivos (BRASIL, 1989).

São, também, componentes, desse grupo, as substâncias e os produtos


empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de
crescimento (Lei nº 7.802/1989) (SCHVARTSMAN, 1991).

Essas substâncias podem ser classificadas, de acordo com o tipo de praga a ser
controlado ou com a estrutura química dele:

FIGURA 1 – CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A ESTRUTURA QUÍMICA

FONTE: A autora

127
FIGURA 2 – CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A FINALIDADE

FONTE: A autora

Além das classificações citadas anteriormente, os agrotóxicos podem ser


classificados de acordo com a própria toxicidade:

QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A TOXICIDADE

Classe toxicológica Toxicidade DL50 (mg/Kg) Faixa colorida


I Extremamente tóxico ≤5 Vermelha
II Altamente tóxico Entre 5 e 50 Amarela
III Mediamente tóxico Entre 50 e 500 Azul
IV Pouco tóxico Entre 500 e 5.000 Verde
FONTE: Braibante e Zappe (2012, p. 14)

As intoxicações por praguicidas podem ocorrer nos ambientes rural e urbano.


As circunstâncias mais comuns, envolvendo crianças, são os acidentes pela presença
desses agentes no ambiente doméstico.

Os adultos, geralmente, expõem-se por meio das tentativas de suicídio,


exposições ocupacionais e dos acidentes em decorrência do uso inadequado dos
produtos. A facilidade de aquisição de produtos registrados para uso agrícola, veterinário
ou doméstico, contendo essas substâncias, colabora para o aumento de casos de
intoxicação envolvendo esses produtos (SCHVARTSMAN, 1991).

DICA
A lista dos praguicidas usados no Brasil, por monografias, princípio
ativo e nomes comerciais, está no site da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA). Acesse https://bit.ly/3veVeor.

128
2 INIBIDORES DE COLINESTERASE: CARBAMATOS E
ORGANOFOSFORADOS

Utilizados, amplamente, no controle de insetos e outros parasitas, podem


ser utilizados com finalidade agrícola, doméstica ou veterinária. Atualmente, existem
cerca de 29 princípios ativos organofosforados e 14 carbamatos, utilizados sozinhos ou
associados em formulações.

TABELA 1 – EXEMPLOS DE INIBIDORES DE COLINESTERASE E SUAS RESPECTIVAS DL50

Nome DL50 (mg/Kg/dia)


Aldicarb 0,93
Aminocarb 50
Carbofuran 8
Carbamatos Mecarban 36
Carbaril 300
Metiocarb 100
Fenotiocarb 1150
Azinfos 16
Demetão 2,5
Paratião-M 14
Organofosforados
Metamidofos 30
Acefato 945
Malatião 2100
FONTE: <https://carbamatosorganofo.wixsite.com/home/dl50>. Acesso em: 29 nov. 2021.

Com relação ao mecanismo de ação, ambos os grupos são considerados


inibidores de acetilcolinesterase. A inibição da acetilcolinesterase gera o acúmulo de
acetilcolina nas sinapses colinérgicas do sistema nervoso central, periférico somático e
autônomo, levando ao aumento da resposta nos receptores pós-sinápticos, nicotínicos
ou muscarínicos. No caso dos inseticidas carbamatos, a inibição é reversível, e a
reativação da enzima é espontânea e rápida. Geralmente, acontece em menos de 24
horas. Nas exposições a inseticidas organofosforados, a inibição é, quimicamente,
mais estável, quando comparada aos carbamatos, e a recuperação da enzima pode
ser mais lenta, podendo levar de dias a semanas, e, até mesmo, ser irreversível, quando
a reativação depende da síntese de novas moléculas de acetilcolinesterase (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

2.1 CARBAMATOS

Carbamatos são ésteres do ácido carbâmico. Dentre os ingredientes, cujo uso


domiciliar, ou peridomiciliar, é permitido, citam-se: carbaril, dioxicarb e propoxur.

129
NOTA
O Aldicarb, conhecido, popularmente, como “chumbinho”, é o principal
carbamato envolvido em intoxicações em animais e humanos. O uso se
dá, principalmente, devido à alta toxicidade dele. Observe a Tabela 1 e a
respectiva DL50 do Aldicarb.

Os carbamatos são bem absorvidos pelas vias oral, inalatória e dérmica, e


acontece, o pico plasmático, 30 a 40 minutos após a exposição. São lipossolúveis,
possibilitando uma boa distribuição em todos os tecidos, inclusive, no SNC. O Aldicarb,
na forma líquida, especialmente, possui uma elevada lipofilicidade e uma toxicidade
dérmica muito maior do que a de outros carbamatos. Boa parte do metabolismo ocorre
via hepática, e a eliminação ocorre, 90%, na urina, dentro de três a quatro dias (ALONZO;
CORREA, 2014).

2.2 ORGANOFOSFORADOS

Os organofosforados (OFs) recebem esse nome pois a estrutura química deles


apresenta um átomo central de fósforo, o qual está ligado a um átomo de oxigênio,
ou enxofre, mediante dupla ligação. Dentre os OFs de uso domiciliar, ou peridomiciliar
permitido, estão: bromofós, DDVP ou diclorvos, fenitrotion, malation, temefos e triclorfon
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O gás Sarin (OF ligado ao flúor) e o Tabun (OF ligado ao cianeto) são considerados
armas químicas, e foram, amplamente, utilizados em tempos de guerras.

INTERESSANTE
O ataque no metrô de Tóquio: em 20 de março de 1995, o
grupo conhecido como “Verdade Suprema”, liderado por Shoko
Asahara, liberou gás Sarin, em forma líquida, em cinco vagões de três
composições de metrô na cidade de Tóquio. O ataque deixou mais de
13 mortos e 6,3 mil feridos.

Os OFs são bem absorvidos por todas as vias, principalmente, pela pele, pelas
mucosas, pelos pulmões e via gastrintestinal, sendo que a presença de lesões cutâneas,
ou ambientes com altas temperaturas, acabam aumentando a absorção deles. A maioria
é lipofílico, levando a um grande volume de distribuição e com a possibilidade de acúmulo
em tecidos de depósito, como no tecido adiposo. A mobilização dessas substâncias, em
estoque, pode causar recorrência de intoxicação (ALONZO; CORREA, 2014).

130
Com relação ao metabolismo, ocorre, de forma proeminente, no fígado,
assim, após a biotransformação, são gerados subprodutos mais tóxicos do que
os compostos que deram origem a eles, como a parationa e a malationa, que se
transformam em paraoxon e malaoxon, respectivamente. A eliminação é realizada,
totalmente, pela via renal.

Por possuírem o mesmo mecanismo de ação, os sinais e os sintomas da


intoxicação são, basicamente, os mesmos, além do diagnóstico e das formas de
tratamento. As manifestações clínicas podem ser divididas em: agudas e tardias.

• Agudas: salivação, sudorese, lacrimejamento, hipersecreção brônquica, bradicardia,


miose, vômitos, diarreia, agitação, tontura, confusão mental, convulsões e coma.
• Tardias:
º Síndrome intermediária: aparece 24 a 96 horas após a exposição, e é caracterizada
pela paralisia das musculaturas proximal e respiratória, o que pode ocorrer com alguns
OF, como: fentiona, malationa, diazinona, monocrotofos, metamidofos, parationa
metilica, parationa etílica.
º Polineuropatia tardia: pode ocorrer após sete a 21 dias da exposição a alguns
OF, como metamidofos, malationa, clorpirifos etc.
º Desordens neuropsiquiátricas: em exposições agudas a altos níveis de OF, ou
nas exposições a baixas doses, mas por períodos prolongados, têm sido descritas,
em trabalhadores expostos à OF, desordens neuropsiquiátricas induzidas por
OF. Essas desordens vão desde manifestações inespecíficas, como sonolência,
ansiedade, alterações da memória e fadiga, até manifestações mais graves, como
delírio, agressividade e alucinação.

O diagnóstico é baseado na história de exposição a agentes inibidores


da colinesterase, além da observação dos sinais e dos sintomas. A monitorização
laboratorial, por meio da determinação da atividade enzimática da colinesterase
eritrocitária, pode, também, contribuir para o diagnóstico final (FRUCHTENGARTEN;
WONG, 2007). O tratamento consiste em:

• Medidas de suporte: desobstruir vias aéreas e administrar oxigênio suplementar,


quando necessário; monitorar sinais vitais; hidratar adequadamente.
• Descontaminação: em pacientes que apresentem exposição cutânea, indicar lavar
a pele com quantidades abundantes de água e utilizar sabão neutro, principalmente,
em banho de chuveiro, se possível. Os atendentes devem utilizar luvas e proteção
para evitar contato com secreções e roupas contaminadas. Ainda, realizar uma
lavagem gástrica quando a exposição for por via oral.
• Antídotos: a atropina e as oximas são recomendadas para o tratamento das intoxicações
causadas por inibidores de colinesterases.

131
A atropina age como um bloqueador dos receptores muscarínicos, evitando a
ação da acetilcolina acumulada nas sinapses. No entanto, não estabelece a reativação da
enzima inibida e não influi na eliminação dos agentes anticolinesterásicos. A dose inicial
indicada é 1 a 4 mg de sulfato de atropina IV (em crianças, 0,05 a 0,1 mg/kg de peso) e
repetir a cada dois a 15 minutos até a atropinização plena do paciente, dependendo da
gravidade do caso (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

A oxima é utilizada para reativação da acetilcolinesterase. O início do


tratamento deve ser o mais precoce possível em relação à exposição e mantido
preferencialmente até 12 horas após o desaparecimento dos sintomas (HERNANDEZ;
RODRIGUES; TORRES, 2017).

3 ORGANOCLORADOS

Essa classe de inseticidas foi amplamente utilizada no passado, porém, a


partir da década de 1970, a maioria foi proibida ou teve seu uso restrito devido a suas
propriedades de bioacumulação, biomagnificação e persistência. Os organoclorados
podem ser agrupados em quatro categorias:

• Derivados do cloro-benzeno: DDT, DDE, Dicofol, Pertane, Metoxiclor, Metoclor, Anofex,


Diclorfano, Gesapon etc.
• Derivados do benzeno e ciclohexanos clorados: HCE, HCH, Lindano (gama BHC) etc.
• Derivados policiclicos clorados: Aldrina, Dieldrina, Heptacloro, Clordano,
Endossulfan, Clordecone, Mirex, Endrina etc.
• Derivados canfenos clorados: Toxafeno, Estrobano etc.

O mecanismo de ação consiste em interferir com o fluxo normal de sódio e


potássio na membrana axonal, causando hiperexcitação do SNC, resultando em
perturbações dos processos mentais e convulsões.

IMPORTANTE
Em 1940, Paul Mueller Geisy descobriu o DDT (diclorodifenilcloroetano),
primeiro inseticida orgânico sintético que, além de render, a Paul Mueller,
o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1948, deu início à era dos
pesticidas organoclorados.

132
Os organoclorados são absorvidos por todas as vias e são altamente lipofílicos,
o que permite sua distribuição para todo o organismo. O metabolismo possui algumas
diferenças, dependendo do agente em questão. DDT, DDE, dieldrin, heptaclor, mirex
possuem metabolismo lento, o que favorece sua bioacumulação. Enquanto, endossulfan,
endrin, lindano possuem metabolismo rápido, sendo pouco persistentes nos tecidos
(HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

O tempo de meia-vida dos compostos que possuem metabolismo lento varia


de meses a anos, enquanto, para o lindano é de 21 horas em adultos. A principal via de
excreção é a biliar, mas alguns metabólitos são encontrados na urina.

Logo após a ingestão podem ocorrer cefaleia, náuseas, vômitos, parestesias


de língua, lábios e face, tremores, confusão mental, convulsões e coma. O diagnóstico
consiste no histórico do paciente e na observação dos sinais e sintomas. O tratamento
é o mesmo indicado para os agrotóxicos de modo geral: medidas de suporte,
descontaminação e administração de antídotos. No caso dos organoclorados não há
antídoto disponível.

4 INSETICIDAS PIRETROIDES

Piretros são preparados extraídos de algumas espécies de plantas da família


Asteraceae. Seus extratos purificados, chamados comercialmente de piretrinas, são
misturas de princípios ativos puros. Piretroides são compostos sintéticos desenvolvidos
a partir da piretrina natural. Entre seus ingredientes ativos, os largamente utilizados
como inseticidas domésticos são: aletrina, cipermetrina, deltametrina, resmetrina e
bioresmetrina (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

ATENÇÃO
O grupo de inseticidas piretroides é muito utilizado em aparelhos
elétricos, em repelentes para insetos, medicamentos para pediculose e
produtos para higiene de animais domésticos.

O mecanismo de ação dos piretroides incluem atuação direta nos axônios


prolongando a despolarização do canal de sódio, levando a uma hiperexcitação do
sistema nervoso. Em concentrações altas, alguns piretroides podem ligar-se aos
receptores do GABA bloqueando os canais de cloro e sua ativação o que também leva a
uma hiperexcitabilidade do SNC (ALONZO; CORREA, 2014).

133
Em relação as suas propriedades farmacocinéticas, são absorvidos por via oral
e inalatória; sendo observados efeitos sistêmicos após exposições maciças. Por serem
lipofílicos, são distribuídos para todos os tecidos do organismo. Após a distribuição, são
rapidamente metabolizados a produtos menos tóxicos que as substâncias originais pelo
sistema enzimático CYP450, portanto, não se acumulam no organismo. Os compostos
originais e seus metabólitos são eliminados na urina em 12 a 24 horas (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

Os principais efeitos lesivos descritos, após exposição a esse grupo químico,


são reações alérgicas de frequência e intensidade variáveis conforme o princípio
ativo. Foram relatadas dermatites de contato, com eritema, vesícula ou bolhas, bem
como espirros, secreção nasal, obstrução nasal e broncoespasmos. Também são
possíveis reações anafiláticas graves. Após absorção, podem ocorrer manifestações
sistêmicas, principalmente neurológicas, incluindo hiperexcitabilidade, cefaleia,
tontura, distúrbios do equilíbrio, e algumas vezes, parestesia (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014). O diagnóstico e tratamento são os mesmos relatados
anteriormente. Não há antidoto específico.

5 HERBICIDA PARAQUAT

Herbicida dipiridílico não seletivo, usado para controle de ervas daninhas e como
desfolhante pré-colheita. Considerado um dos pesticidas mais tóxicos disponíveis, o
qual a ingestão de 10 a 20 ml de produto a 20% (200 mg/ml) pode causar a morte
(HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

Nas exposições agudas, possui efeito corrosivo quando em contato com a pele e
mucosas, pode causar lesões teciduais em pulmão, fígado e rins. O mecanismo de lesão
tecidual não está completamente elucidado, a hipótese mais aceita é que, devido à alta
afinidade do Paraquat com os processos de oxirredução, ocorre aumento na formação
de radicais livres dentro dos tecidos alvo, sobrecarregando ou esgotando mecanismos
fisiológicos de inativação desses radicais (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES, 2017).

5.1 DOSES TÓXICAS

Caro acadêmico, para melhor compreensão das informações descritas a seguir,


é importante relembrarmos como considerar doses tóxicas. Dose tóxica é a dose de
uma substância que ultrapassa a dose recomendada. Neste cenário, é possível observar
efeitos adversos de toxicidade. Para o Paraquat, consideramos:

134
• Dose < 20 mg/kg: corresponde a menos de 7,5 ml do produto concentrado a 20%.
Os sintomas são predominantemente gastrintestinais e a recuperação do paciente é
possível;
• Dose de 20 a 40 mg/kg: corresponde a 7,5 a 15 ml do produto concentrado a 20%.
Evolução letal na maioria dos casos devido à fibrose pulmonar, porém retardada em
duas a três semanas;
• Dose > 40 mg/kg: corresponde a mais que 15 ml do produto concentrado a 20%.
Evolução letal esperada em todos os casos, devido à falência de múltiplos órgãos
rapidamente progressiva, ocorrendo óbito entre um e sete dias;
• Dose letal estimada do produto é de 10 a 20 ml para adultos e 4 a 5 ml para crianças.

O Paraquat é rapidamente absorvido através do trato GI, alcançando pico


plasmático em duas horas. É distribuído para todos os tecidos, principalmente para os
pulmões, rins, fígado e tecido muscular. A eliminação é totalmente feita por via renal,
com mais de 90% sendo eliminados sem alterações em 12 a 24 horas, em caso de
função renal normal (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

5.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As manifestações clínicas podem acontecer em diferentes momentos, levando


em consideração o momento da ingestão:

• Manifestações clínicas inicial após ingestão: dor e edema da boca e da garganta


e presença de ulcerações orais podem ocorrer; náusea, vômitos, diarreia, disfagia,
hematêmese.
• Manifestações clínicas após 24 horas da ingestão: colestase, necrose hepática
centro lobular, oligúria, insuficiência renal aguda (necrose tubular aguda), pancreatite,
tosse, afonia, mediastinite.
• Manifestações tardias após uma ou duas semanas: edema pulmonar, fibrose
pulmonar, hipovolemia, choque, arritmias, coma, convulsões, edema cerebral.
O diagnóstico é baseado na história de exposição aos agentes e sintomas como
náuseas e vômitos, diarreia, disfagia e hematêmese. O teste qualitativo para
detecção de Paraquat em urina com ditionito de sódio, serve como diagnóstico
complementar e específico (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). O tratamento
consiste em monitoramento dos sinais vitais e medidas de descontaminação. Não
há antidoto específico.

135
FIGURA 3 – TESTE DE DITIONITO DE SÓDIO PARA PESQUISA DE PARAQUAT NA URINA

FONTE: A autora

Teste de ditionito de sódio: coleta-se o total de 10 ml de urina, mistura-se 2 ml


de hidróxido de sódio 1M e ditionita sódico 1%. A formação de cor azul ou preto
significa presença de Paraquat em concentrações superiores a 0,5 mg/ml.

136
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os praguicidas podem ser classificados de acordo com sua estrutura química em:
fosforados, clorados, carbamatos, piretroides e tiocarbamatos.

• De acordo com sua finalidade, podem ser classificados em: fungicidas, herbicidas,
inseticidas e pesticidas.

• As circunstâncias mais comuns de exposição são: uso inadequado, exposição


ocupacional, tentativas de suicídio e acidentes (principalmente com crianças).

• Carbamatos e organofosforados são considerados inibidores de colinesterase,


levando o acúmulo de acetilcolina nas sinapses colinérgicas no SNC.

• Os organoclorados são praguicidas que interferem com o fluxo normal de sódio e


potássio na membrana axonal, causando hiperexcitação do SNC, resultando em
perturbações dos processos mentais e convulsões.

• Inseticidas piretroides são comumente utilizados em aparelhos elétricos e repelentes,


e atuam diretamente nos axônios prolongando a despolarização do canal de sódio,
levando a uma hiperexcitação do SN.

• O herbicida Paraquat é altamente tóxico, a ingestão de 10 ml é capaz de levar à morte


em indivíduos adultos.

137
AUTOATIVIDADE
1 Os agrotóxicos conhecidos também como agroquímicos ou defensivos são produtos
químicos utilizados, em especial, no setor de produção agrícola, para proteger
plantas e grãos de pragas e doenças que possam comprometer o desenvolvimento
de plantações inteiras. Essas substâncias são rigorosamente reguladas no Brasil e,
para liberação do registro, percorrem um longo caminho antes de chegar às lavouras.
De acordo com o que foi visto no Tópico 1, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Organofosforados são substâncias nas quais há a presença de um átomo central


de cloro (Cl) na estrutura química.
b) ( ) Por ter uma DL50 baixa, o herbicida Paraquat é considerado seguro quando
utilizado em baixas doses
c) ( ) Organoclorados são considerados inibidores de colinesterase
d) ( ) O “chumbinho” é o principal carbamato envolvido em intoxicações envolvendo
animais e humanos.

2 Os carbamatos e organofosforados são considerados inibidores da colinesterase.


São utilizados amplamente no controle de insetos e outros parasitas, podendo ser
utilizados com finalidade agrícola, doméstica ou veterinária. Sobre essa classe de
agrotóxicos, analise as sentenças a seguir:

I- A inibição da colinesterase pelos carbamatos é reversível e a reativação da enzima é


espontânea e rápida. 
II- A inibição da colinesterase pelo organofosforados é quimicamente mais estável e a
recuperação da enzima pode ser mais lenta, podendo levar de dias a semanas e até
ser irreversível.
III- O gás Sarin e Tabu foram utilizados como armas químicas e pertence a classe
dos carbamatos.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Indiferente da sua finalidade (controle de ervas daninhas, desfolhante, controle de


pragas em geral), cada agrotóxico possui um mecanismo de ação. O modo de ação
corresponde ao processo bioquímico pelo qual uma molécula de agrotóxico interage
com um organismo vivo, causando alterações em processos fisiológicos normais,
que se expressam na forma de toxicidade. Diante do informado, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

138
( ) O mecanismo de ação do Paraquat consiste no aumento na formação de radicais
livres, dentro dos tecidos alvo, sobrecarregando ou esgotando mecanismos
fisiológicos de inativação desses radicais. 
( ) O mecanismo dos organoclorados consiste em interferir com o fluxo normal de
sódio e potássio na membrana axonal, causando hiperexcitação do SNC, resultando
em perturbações dos processos mentais e convulsões.
( ) O mecanismo de ação dos piretroides incluem atuação direta nos axônios
prolongando à despolarização do canal de sódio, levando a uma hiperexcitação do
sistema nervoso.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 Agrotóxicos são produtos químicos sintéticos usados para matar insetos, larvas,
fungos, carrapatos sob a justificativa de controlar as doenças provocadas por
esses vetores e de regular o crescimento da vegetação, tanto no ambiente rural
quanto urbano. A exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças,
dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de
produto absorvido pelo organismo. Além dos agrotóxicos estarem relacionados ao
desenvolvimento de doenças, também estão envolvidos em casos de intoxicação. Com
base nesta informação, explique os mecanismos de toxicidade dos organofosforados
e carbamatos.

5 R. N., sexo feminino, 15 anos, parda, deu entrada no hospital trazida pela mãe. A
família relata a suspeita de intoxicação por “chumbinho”, devido à presença de uma
embalagem suspeita no lixeiro do banheiro. A mãe relata que a filha não possui doenças
clínicas, alergia ou uso de drogas e álcool. Utiliza anticoncepção oral somente. Nega
qualquer episódio anterior semelhante. Dentre as classes de agrotóxicos, a qual delas
o chumbinho pertence? Quais prováveis sintomas a paciente apresentou?

139
140
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2 abordaremos a toxicologia de alimentos. A toxicologia
alimentar estuda a toxicidade de substâncias veiculadas pelos alimentos, determinando
a presença, concentração e a origem do químico no alimento, fatores que influenciam
o seu aparecimento e reversibilidade, bem como os efeitos nocivos na saúde do
consumidor (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O agente tóxico presente poderá ser uma toxina produzida por microorganismos,
um poluente de origem ambiental, agrícola, veterinário ou industrial, um contaminante
do processamento alimentar ou da migração (contaminação cruzada) de materiais em
contato com o alimento (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

Segundo Silva (2008, p. 109), as substâncias tóxicas podem agir no organismo


como: “(i) agentes tóxicos – que são capazes de produzir anormalidades fisiológicas e
ou anatômicas em curto espaço de tempo; (ii) agentes antinutricionais – neste caso são
substâncias tóxicas que agem inibindo enzimas, vitaminas ou atuam como sequestradores
de minerais”. Essas ocorrências impactam negativamente no metabolismo normal do
ser vivo, e isto com o decorrer do tempo estabelece anormalidades fisiológicas e/ou
anatômicas.

A gravidade do quadro de intoxicação irá depender de fatores, tais como: grau


de toxidade da substância, complexidade metabólica do ser intoxicado, via de absorção,
tempo exposição, quantidade da substância tóxica ingerida, e forma de excreção da
substância tóxica (SILVA, 2008).

2 PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS TÓXICAS PRESENTES NOS


ALIMENTOS

Como mencionado anteriormente, algumas substâncias tóxicas presentes em


alimentos, podem ser provenientes do processamento alimentar, como nestes casos
(MIDIO; MARTINS, 2000):

• Glicosídeos cianogênicos: são compostos orgânicos constituídos por uma porção


açúcar e outra não açúcar. Ao ser hidrolisado, libera as moléculas de açúcar e
cianidrina (ácido cianídrico – HCN) que confere toxidade ao produto. É estimado que

141
mais de duas mil espécies vegetais são cianogênicas. Se a concentração de cianeto
nestes vegetais for superior a 20 mg por 100 g do produto, o risco de intoxicação é
alto. Exemplo: linamarina presente na mandioca brava.
• Glicosilatos: quando hidrolisados e submetidos à ação de enzimas liberam o
agrupamento tiocianato (SCN-). Esta substância interfere no metabolismo de
absorção de iodo. Como consequência em humanos há o favorecimento do
desenvolvimento do bócio.

NOTA
Bócio é uma alteração da tireoide caracterizada pelo aumento dessa glândula, formando
uma espécie de nódulo ou caroço na região do pescoço, que se torna mais arredondado e
mais largo do que o normal.

FIGURA – BÓCIO

FONTE: <https://bit.ly/34XHLqJ>. Acesso em: 24 jan. 2022.

• Glicoalcalóides: são encontrados em diversas variedades de batatas. Produtos


com concentrações próximas a 45 mg de agente ativo por 100 g de tubérculo
causa intoxicação fatal em humanos. Os glicoalcalóides são produzidos durante o
crescimento da planta e no brotamento. Portanto, caso as condições de armazenagem
não sejam adequadas, pode ocorrer o surgimento desta substância. No entanto, a
toxicidade pode ser evitada com o cozimento desses alimentos, visto que o aumento
da temperatura elimina boa parte dos alcaloides, permitindo o consumo seguro.
• Oxalatos: são sais resultantes de reações químicas do ácido oxálico associado
ao potássio e sódio, formando sais hidrossolúveis, ou ao cálcio formando sais não
hidrossolúveis. Os oxalatos são encontrados em inúmeros produtos de origem vegetal
como espinafre, ruibarbo, beterraba, cenoura, feijão, alface, amendoim e cacau. Altas
ingestões podem provocar irritabilidade do SNC. O oxalato de cálcio produz obstrução
nos túbulos renais levando o surgimento de cálculos renais.
• Nitratos: o íon nitrato (NO-3) forma sais hidrossolúveis com átomos de sódio, potássio
e cálcio. A concentração destes sais em vegetais está associada a variedades, nível
de fertilidade do solo, drenagem do solo e disponibilidade de água. A temperatura e
o tempo de armazenagem dos vegetais podem favorecer a diminuição do nível de
nitratos e aumentar a de nitritos responsáveis pela formação de substâncias tóxicas.
142
• Agentes produtores de flatulência: geralmente são oligossacarídeos (ex.:
ranfinose) que acumulam na parte final do trato intestinal. Estas substâncias são
fermentadas por bactérias anaeróbicas levando a produção de gases como: dióxido
de carbono, hidrogênio e metano. Estes gases causam diarreias, ruídos intestinais,
cólicas e a ejeção de gases retais. Estudos demonstram que isto pode ocorrer devido
à ingestão de diferentes tipos de feijões.
• Carcinógenos: alguns vegetais podem ser utilizados como chás medicinais e,
dentre as substâncias ingeridas, podem ocorrer que algumas propiciem o surgimento
de câncer. Por exemplo, a planta confrei (Symphytum officinale), amplamente
difundida no Brasil, à qual é atribuída propriedades nutricional e terapêutica,
quando sob uso prolongado pode favorecer o aparecimento de tumores na bexiga
e no fígado (SILVA, 2000).

Algumas substâncias tóxicas podem também ser originadas a partir do emprego


excessivo de aditivos. Os aditivos são substâncias ou a mistura destas adicionadas
aos alimentos com finalidade de lhes conferir ou intensificar suas propriedades
organolépticas; modificar aspectos favorecendo sua comercialização; prevenir
alterações indesejáveis; suprir necessidades nutricionais (adição de vitaminas, minerais
e enzimas); e reduzir custos no processamento. Os aditivos podem ser classificados
como Reconhecidamente Seguros (Generally Recognized as Safe – GRAS) e os Não
Reconhecidamente Seguros (não-GRAS). Para os aditivos GRAS não há necessidade de
aplicação de rigor quanto à limitação de dosagens, visto a baixa possibilidade de causar
intoxicações. Enquadram nesta categoria, substâncias como: sal, açúcar, condimentos
e os aditivos nutricionais (vitaminas, iodeto de potássio, cálcio, ferro, magnésio e
fósforo). Os ativos não-GRAS requerem a necessidade da estipulação de índices como:
o Limite Máximo Permitido (LMP); o nível de Ingestão Diária Admissível (IDS); e o nível de
Ingestão Semanal Admissível (ISS) (MIDIO; MARTINS, 2000). Além das contaminações
resultantes do processamento de alimentos e da utilização exagerada de aditivos, há
também os casos procedentes de processos empregados para a obtenção de matéria-
prima. Como nestes casos (SILVA, 2008):

• Promotores de crescimento

Enquadram-se nesta categoria, substâncias principalmente administradas em


animais visando o rápido crescimento e ganho de peso. Dentre estas substâncias estão
alguns fármacos e hormônios que, quando não empregados corretamente, podem
intoxicar o consumidor final. Os fármacos normalmente têm por objetivo aliviar o estresse
e melhorar a baixa imunidade imposta pelo sistema de criação em confinamento. Por
exemplo, na elaboração de ração de frangos de corte é misturado cerca de 50 g de
terramicina por tonelada com finalidade profilaxias. Normalmente, as fezes destas aves
apresentam altas concentrações de terramicina e quando as fezes são destinadas à
elaboração de ração de bovinos ou peixes pode ocorrer contaminação.

143
• Quimoterapêuticas

Dentre as substâncias quimoterapêuticas, uma de destaque são os antibióticos


considerados agentes antibacterianos. Os antibióticos podem ser utilizados
profilaticamente em animais produtores de alimentos evitando infecções. É importante
que os usuários, médicos veterinários e órgãos de fiscalização intensifiquem o controle
de não permitir o uso de antibióticos nos períodos de carência antecessor ao abate,
caso contrário, o consumidor final poderá ser afetado. As concentrações dos resíduos
antimicrobianos geralmente são mais elevadas em tecidos de reserva (tecido adiposo);
órgãos que promovem a biotransformação ou removem estas substâncias, exemplo:
fígado e rins; e no leite do animal tratado.

• Incorporação de compostos das embalagens

Pode ocorrer que, em função das características físico-químicas dos alimentos,


como pH, presença de óleo, teor alcoólico, teor de lipídios, tempo de estocagem e
temperatura, o alimento acondicionado venha a reagir quimicamente com a embalagem
absorvendo alguma substância que venha atingir grau de toxidade ao ser ingerido.
Cuidados especiais devem ser observados quanto ao uso de latas no acondicionamento
de produtos apertizados. A lata deve ser revestida internamente com filmes inorgânicos
e orgânicos capazes de suportar variações de temperatura e permanecerem inertes ao
alimento, de tal modo não propiciar o contato com a parte metálica da embalagem que
pode ter por constituintes, substâncias, tais como: chumbo, cádmio e alumínio. No caso
do emprego de embalagens plásticas deve ser observada a característica de emprego
do plástico utilizado.

A indústria petroquímica oferece uma variedade de plásticos e, na produção


destes, podem estar envolvidas substâncias carcinogênicas, tais como: cloreto de
vinila (PVC) e estireno. As toxinas produzidas por micro-organismos são as formas mais
comuns de intoxicação e, por isso, separamos um subtópico exclusivo para falar desse
assunto tão importante.

3 MICOTOXINAS

Antes de iniciarmos o subtópico sobre micotoxinas, precisamos revisar o que


são fungos, pois falaremos muito sobre eles. Fungos são um grupo de organismo
eucariotas, tais como leveduras, bolores e cogumelos. As espécies de fungos são
amplamente variadas. Enquanto alguns fungos são causadores de doenças, há outros
que são comestíveis e inclusive com efeitos benéficos a saúde.

144
As micotoxinas têm impactos significativos na economia em muitas culturas,
especialmente trigo, milho, amendoim, café e castanha-do-Brasil. Os produtos
oferecidos para exportação às vezes são rejeitados pelos países importadores por causa
da presença de micotoxinas e acabam sendo consumidos pela população brasileira.
Essa é a razão principal pela qual as autoridades brasileiras e de outros países concluíram
que é necessário implementar programas para reduzir a contaminação por micotoxinas.
A aplicação de práticas agrícolas modernas e a presença de um processamento de
alimentos regulado pela legislação podem reduzir a exposição às micotoxinas (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

As micotoxinas são metabólitos secundários naturais, produzidas por fungos


em produtos agrícolas no campo e durante o armazenamento, sob uma ampla gama de
condições climáticas. As micotoxinas podem gerar efeitos adversos tanto em animais
quanto em humanos, isso vai depender da quantidade de toxina presente, duração de
exposição, idade e estado nutricional dos animais ou dos indivíduos acometidos. Em
casos mais graves, a intoxicação por micotoxinas pode levar ao desencadeamento de
doença e inclusive à morte (MIDIO; MARTINS, 2000).

A exposição humana às micotoxinas pode ser direta por consumo de alimentos


de origem vegetal, contaminados ou contendo quantidades residuais de micotoxinas
ou seus metabólitos, por exemplo, carne, leite e ovo. Apesar de serem conhecidas
centenas de micotoxinas, as mais frequentes nos alimentos e rações e, portanto, de
maior interesse em termos de saúde pública e importância econômica e agropecuária
são as aflotoxinas, Fumonisinas, ocratoxina A, patulina, tricotecenos e Zearalenona
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

3.1 AFLATOXINAS

Aflatoxinas são consideradas as mais importantes das micotoxinas e são


produzidas na natureza principalmente por Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus
e, eventualmente, por A. nomius e pseudotamari (SILVA, 2000).

A. flavus é frequentemente encontrado em alimentos produzidos em países


tropicais, com especial afinidade por substratos oleaginosos, como o milho, amendoim,
centeio, nozes, castanha-do-Brasil, algodão, entre outros. Normalmente, A. flavus
produz apenas aflatoxinas B e ainda é considerado a principal fonte de aflatoxinas. A.
parasiticus produz aflatoxinas B e G e é comumente isolado do amendoim, sendo muito
raro encontrá-lo em outros alimentos. As aflatoxinas podem ser produzidas por fungos
antes e/ou após a colheita de cereais, sendo influenciada por vários fatores ambientais
como temperatura, umidade relativa, ataque de insetos, seca e condição de estresse as
plantas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

145
As aflatoxinas são primariamente hepatotóxicas. A aflatoxicose aguda resulta
em morte; a aflatoxicose crônica resulta em câncer, supressão imunológica e outras
condições patológicas com desenvolvimento vagaroso. A aflatoxicose humana é relata
como um problema sério com ocorrência ocasional (MIDIO; MARTINS, 2000).

As aflatoxinas são derivadas de difuranocumarina e diferem entre si por


pequenas variações na sua estrutura química. Apresentam um grupo de compostos
heterocíclicos altamente oxigenados e sua estrutura consiste em um núcleo cumarínico
fundido a um anel bifurano e mais um anel pentanona ou 6-lactona. As aflatoxinas B e
M apresentam o anel pentanona, enquanto as aflatoxinas G possuem o anel 6-lactona
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 4 – ESTRUTURA QUÍMICA DAS PRINCIPAIS AFLATOXINAS

FONTE: <https://bit.ly/3JHOt2G>. Acesso em: 24 fev. 2022.

As aflatoxinas, como outros xenobióticos, são submetidas às Fases I e II da


biotransformação. Algumas reações de Fase I ativam, enquanto outras reduzem a sua
toxicidade. As reações de Fase II levam à conjugação dos produtos biotransformado da
Fase I, menos tóxicos que o composto original (SILVA, 2000).

A biotransformação da aflatoxina B1, por exemplo, é catalisada por enzimas e,


na primeira fase, ocorrem reações de oxidação, redução e hidrólise, com o objetivo de
tornar as moléculas mais hidrofílicas.

Na segunda fase, os compostos produzidos são conjugados a substâncias


endógenas (sulfato, glutationa, aminoácidos e grupo metil e acil), visando facilitar a
excreção. A ativação da AFB1 é realizada por enzimas microssômicas da superfamília

146
do citocromo endógeno P-450, formando um metabólito extremamente reativo
indicado como AFB1 8,9 epóxido, originado da epoxidação da dupla ligação do éter
vinílico, presente na estrutura bifuranoide da molécula de AFB1 (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 5 – BIOTRANSFORMAÇÃO DA AFLATOXINA B1

FONTE: Adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

NOTA
A aflatoxina M1 é o metabólito principal da aflatoxina B1 em seres
humanos e animais, que podem estar presentes no leite de animais
alimentados com a ração contaminada com aflatoxina B1.

3.2 OCRATOXINAS
As ocratoxinas formam um grupo de sete metabólitos tóxicos produzidos por
fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium. Apesar de várias ocratoxinas serem
conhecidas, somente a ocratoxinas A (OTA) possui importância toxicológica (OGA;
CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

147
FIGURA 6 – ESTRUTURA QUÍMICA DA OCRATOXINA A

FONTE: <https://bit.ly/3JS90Sk>. Acesso em: 24 fev. 2022.

Sua estrutura é similar ao aminoácido fenilalanina e por esta razão a OTA


apresenta um efeito inibitório sobre inúmeras enzimas que utilizam fenilalanina como
substrato, o que pode resultar na inibição da síntese proteica e também aumento na
peroxidação de lipídios (MIDIO; MARTINS, 2000).

Os fungos produtores de OTA são os do gênero Aspergillus que predominam


em clima tropical e subtropical e o Penicillium, em clima temperado, sendo Aspergillus
ochraceus e Penicillium verrucosum os principais produtores.

A OTA é conhecida por suas características carcinogênicas, nefrotóxicas e


imunotóxicas em células animais. Os seres humanos são mais sensíveis aos efeitos
nefrotóxicos. Geralmente, a exposição a OTA ocorre através da ingestão de produtos
contaminados e também pela inalação de ocratoxinas ambiental (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

A OTA pode ser encontrada como contaminante principalmente nos cereais


(cevada, arroz, milho, trigo) e derivados, mas também tem sido relatada em cafés, uvas,
cerveja, vinho, chocolate, frutas secas, carne, carne, leite e derivados. Tem sido também
encontrada em tecidos animais, em virtude de sua longa meia-vida em mamíferos
(aproximadamente 35 dias) e da alta afinidade da OTA pela albumina sérica e outras
moléculas sanguíneas (SILVA, 2000).

3.3 ZEARALENONA

Zearalenona (ZEA) é uma micotoxina com efeitos estrogênicos produzida por


várias espécies de fungos do gênero Fusarium, que contaminam frequentemente cereais,
principalmente o milho, que é um excelente substrato para o desenvolvimento do fungo.

Outros grãos de cereais, como trigo, cevada e aveia, além de outros alimentos
como mandioca, feijão e soja, também podem estar contaminados pelo fungo. A
exposição à ZEA ocorre diariamente pela ingestão de cereais e subprodutos de cereais
contaminados (SILVA, 2008).

148
FIGURA 7 – ESTRUTURA QUÍMICA DA ZEARALENONA

FONTE: <https://bit.ly/3LW7ccK>. Acesso em: 24 fev. 2022.

A ação biológica dessa toxina está relacionada à sua capacidade de competir


com o receptor específico de união do estradiol, nas células brancas. Além disso, estimula
a síntese de DNA, RNA e proteínas em órgãos como útero e glândulas mamárias (SILVA,
2008).

A ZEA presente nos alimentos pode ser rápida e eficientementemente absorvida


pelo trato gastrintestinal, sofrendo efeito de primeira passagem no fígado, onde ocorre
as primeiras fases de sua biotransformação. No organismo de mamíferos, origina
diversos compostos estereoisômeros, em especial o α e β-zearalenol, sendo que o
primeiro é cerca de dez vezes mais ativo estrogenicamente que o composto precursor
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O estrogenismo, ou síndrome estrogênica, pode ser caracterizado por uma


ou mais das seguintes condições: inflamação do útero, mamas e vulva em mulheres
e/ou animais fêmeas e atrofia testicular e inflamação das mamas em homens e/ou
animais machos.

3.4 TRICOTECENOS

Os tricotecenos formam um grupo de metabólitos tóxicos quimicamente


semelhantes, produzidos por várias espécies de fungos dos gêneros Fusarium,
Cefalosporium, Myrothecium, Stachybotrys e Trichoderma. Compreendem cerca de
200 compostos e apresentam vários efeitos danosos aos seres humanos e animais
(SILVA, 2000).

São classificados em macrocíclicos e não macrocíclicos. Os tricotecenos


não macrocíclicos são os mais estudados e são classificados em tipos A, B, C e D.
Os principais tricotecenos do tipo A são toxina T-2, HT-2 e diacetoxiscirpenol (DAS),
enquanto os principais do tipo B são o desoxinivalenol (DON) e nivalenol (NIV). O DON
ocorre com mais frequência, enquanto a toxina T-2 é mais tóxica (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

149
A ocorrência como contaminante é conhecida mundialmente no trigo, arroz,
milho, aveia, cevada e centeio. Essas micotoxinas podem afetar tanto homens quanto
animais. Em relação aos efeitos tóxicos, os tricotecenos inibem a síntese de proteínas,
DNA, RNA e levam a efeitos imunossupressores e hemorrágicos. O efeito tóxico dos
tricotecenos se dá principalmente no anel epóxido, pois sua destruição resulta em
perda total da atividade tóxica (MIDIO; MARTINS, 2000).

A intoxicação por tricotecenos leva a êmese, inflamação, hemorragia, recusa


alimentar, diarreia, aborto, alterações hematológicas, angina necrótica, desordens
nervosas e destruição da medula óssea.

3.5 FUMONISINAS

As fumonisinas são compostos tóxicos produzidos por espécies do gênero


Fusarium, principalmente F. verticillioides e F. proliferatum, fungos amplamente
distribuídos na natureza e isolados do milho e rações (SILVA, 2008).

São responsáveis por causar leucoencefalomalácia em equinos e edema


pulmonar em suínos. O mecanismo de ação baseia-se na inibição da terceira enzima na
via biossintética dos esfingolipídios, a di-hidroceramida sintase, que catalisa a conversão
da acetilcoenzima A e da esfinganina para di-hidroceramida; esta enzima catalisa
também a conversão de esfingosina para ceramida. Esse mecanismo pode implicar
em numerosos efeitos no metabolismo dos esfingolipídios, importantes mensageiros
moleculares do sistema imune e fundamentais para a integridade da membrana celular
e da comunicação intracelular (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 7 – ESTRUTURA QUÍMICA DA ZEARALENONA

FONTE: <https://bit.ly/3LW7ccK>. Acesso em: 24 fev. 2022.

150
3.6 PATULINA

Patulina é uma toxina produzida por certas espécies de Penicillium, Aspergillus e


Byssochlamys que podem contaminar principalmente frutas e alguns vegetais, cereais
e outros alimentos. As maiores fontes de contaminação são maçãs e produtos à base
de maçã (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

FIGURA 7 – ESTRUTURA QUÍMICA DA ZEARALENONA

FONTE: <https://bit.ly/3LW7ccK>. Acesso em: 24 fev. 2022.

151
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A intoxicação causada por alimentos pode ser desencadeada por uma toxina produzida
por microorganismos, um poluente de origem ambiental, agrícola, veterinário ou
industrial, um contaminante do processamento alimentar ou da migração de materiais
em contato com o alimento.

• A gravidade da intoxicação por alimentos vai depender do grau de toxidade da


substância, complexidade metabólica do ser intoxicado, via de absorção, tempo
exposição, quantidade da substância tóxica ingerida e forma de excreção da
substância tóxica.

• Os principais agentes tóxicos provenientes do processo alimentar incluem: Glicosídeos


cianogênicos, Glicosilatos, Glicoalcalóides, Oxalatos, Nitratos, agentes produtores de
flatulência e Carcinógenos.

• Algumas substâncias tóxicas presentes nos alimentos podem também ser originadas
a partir do emprego excessivo de aditivos.

• Toxinas também podem ser procedentes de processos empregados para a obtenção


de matéria-prima, como: promotores de crescimento, quimoterapêuticas e
incorporação de compostos das embalagens.

• As micotoxinas são metabólitos secundários naturais, produzidas por fungos em


produtos agrícolas no campo e durante o armazenamento e podem estar envolvidas
em intoxicações.

• As principais micotoxinas são as aflotoxinas, Fumonisinas, ocratoxina A, patulina,


tricotecenos e Zearalenona.

152
AUTOATIVIDADE
1 A toxicologia de alimentos pode ser ocasionada por toxinas produzidas por
microorganismos, um poluente de origem ambiental, agrícola, veterinário ou
industrial, um contaminante do processamento alimentar ou da migração de
materiais em contato com o alimento. No contexto de contaminantes provenientes
do processamento alimentar, quais seriam as substâncias mais encontradas, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) Glicosídeos cianogênicos, Glicosilatos, micotoxinas e Carcinógenos.


b) ( ) Glicosídeos cianogênicos, Glicosilatos, Glicoalcalóides, Oxalatos, Nitratos, Agen-
tes produtores de flatulência e Carcinógenos.
c) ( ) Fumonisinas, ocratoxina A, patulina, tricotecenos e Zearalenona.
d) ( ) Zearalenona, Glicosilatos, micotoxinas e Carcinógenos.

2 As micotoxinas são substâncias produzidas pelos fungos e que provocam efeitos


tóxicos em animais e seres humanos. A presença de fungos em alimentos e sua
consequente toxicidade são conhecidas há muito tempo, mas a questão tem
recebido mais atenção nas últimas décadas. Entre as culturas comumente afetadas
estão o trigo, o centeio, a aveia, a cevada, o arroz e principalmente o milho. A
contaminação pode ocorrer em campo  ou durante o armazenamento dos grãos.
Sobre as micotoxinas, analise as sentenças a seguir:

I- São metabólitos secundários naturais, produzidas por fungos em produtos agrícolas


no campo e durante o armazenamento, sob uma ampla gama de condições climáticas.
II- As micotoxinas podem gerar efeitos adversos somente em animais, visto que eles
contaminam exclusivamente rações.
III- As principais micotoxinas são as aflotoxinas, Fumonisinas, ocratoxina A, patulina,
tricotecenos e Zearalenona.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Aflatoxinas são consideradas as mais importantes das micotoxinas e são produzidas


especialmente por espécies de fungos do gênero Aspergillus. Estas toxinas são
geralmente encontradas associadas em vários alimentos e rações, em diferentes
proporções, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

153
( ) As aflatoxinas são derivadas de difuranocumarina e diferem entre si por pequenas
variações na sua estrutura química. 
( ) A aflatoxicose humana é relata como um problema sério com ocorrência ocasional.
( ) A aflatoxina M1, é o metabólito principal da aflatoxina B1 em seres humanos e
animais, que podem estar presentes no leite de animais alimentados com a ração
contaminada com aflatoxina B1.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) V – V – V.

4 As micotoxinas são substâncias químicas tóxicas produzidas por fungos durante


o processo de decomposição dos alimentos. As mais conhecidas são aflatoxinas,
fumonisinas, Zearalenona, tricotecenos e ocratoxinas A. Sabendo que as aflotoxinas
estão entre as principais, descreva como são produzidas, onde são frequentemente
encontradas e quais são os danos causados quando há a intoxicação por essa
micotoxina.

5 A toxicologia alimentar estuda a toxicidade de substâncias veiculadas pelos alimentos,


determinando a presença, concentração e a origem do químico no alimento, fatores
que influenciam o seu aparecimento e reversibilidade, bem como os efeitos nocivos
na saúde do consumidor. A gravidade do quadro de intoxicação irá depender de
alguns fatores em específico, descreva quais seriam.

154
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
TOXICOLOGIA OCUPACIONAL

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos a toxicologia ocupacional. Porém, antes de


detalharmos a toxicologia ocupacional, é interessante relembrarmos o que é toxicologia.

Toxicologia  é uma ciência que visa compreender a interação e a relação dos


agentes químicos com o organismo sob condições específicas de exposição e também
serve para avaliar, acompanhar e monitorar os efeitos tóxicos que essa interação pode
provocar nos organismos. 

A toxicologia ocupacional, por sua vez, tem o mesmo objetivo da toxicologia.


Entretanto, os objetos de estudo são os compostos químicos utilizados no local de
trabalho. Além disso, ajuda a prevenir o possível surgimento de efeitos adversos à saúde
dos trabalhadores devido à exposição aos compostos químicos, físicos e biológicos no
local de trabalho. 

As alterações do estado de saúde relacionadas com o trabalho e o ambiente


podem ser prevenidas por meio de medidas que incluem a substituição da substância
nociva responsável pelo efeito tóxico.

Entretanto, nem sempre é possível remover por completo a causa potencialmente


responsável pelas alterações do estado de saúde. É fundamental que se monitorize a
exposição mediante monitoramento ambiental (MA) e monitoramento biológico (MB)
(OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

• Monitoramento ambiental: determinação, habitualmente ao nível da atmosfera do


ambiente de trabalho dos agentes presentes para avaliar o risco à saúde, comparando-
se os resultados obtidos com as referências apropriadas.
• Monitoramento biológico: determinação dos agentes presentes no ambiente de
trabalho e/ou dos seus metabólitos nos tecidos, nas secreções, no ar expirado dos
indivíduos expostos, para avaliar a exposição e o risco à saúde, comparando-se os
resultados obtidos com as referências apropriadas.

155
2 AGENTES METEMOGLOBINIZANTES

Agentes metemoglobinizantes são substâncias capazes de induzir a oxidação


de um dos átomos de ferro do grupamento heme presente na hemoglobina, do
estado ferroso (Fe++) para o férrico (Fe+++), o que resulta em um pigmento chamado
metemoglobina (MHb). A MHb não consegue se ligar ao oxigênio, ao gás carbônico
ou ao monóxido de carbono devido à carga positiva do ferro, porém, tem uma grande
afinidade por ânions como fluoreto, cloreto e cianeto, e liga-se também à hidroxila em
meio alcalino e com água em meio ácido. A presença de MHb em um tetrâmero de
hemoglobina apresenta efeito alostérico com aumento da afinidade da oxiemoglobina
pelo oxigênio, diminuindo o transporte de oxigênio para os tecidos.

A metemoglobinemia, distúrbio sanguíneo causado pela presença da MHb, é


produzida mais frequentemente por agentes químicos oxidantes, mas pode ter etiologia
genética, alimentar e idiopática. Tendo visto que a unidade aborda a toxicologia
ocupacional, o foco principal deste subtópico será a metemoglobinemia causada por
agentes químicos, visto que, são as substâncias mais presentes nos locais de trabalho.

INTERESSANTE
O caso mais famoso de metemoglobinemia envolvendo etiologia genética, vem de seis
gerações da família Fugate, que viveu em isolamento nas colinas de Kentucky de 1800 a
1960. A família começou com um órfão da França chamado Martin Fugate que se casou com
uma mulher de Apalache. Ambos, sem saber, tinham o gene recessivo para os descendentes.
Quatro de seus sete filhos tinham pele azul. A partir daí, os membros da família se casaram e
os genes foram passados ​​de geração em geração, tornando a família azul localmente famosa.

FIGURA – FAMÍLIA FUGATE

FONTE: <https://bit.ly/3LXsBlN>. Acesso em: 24 jan. 2022.

Entre os agentes químicos metemoglobinizantes, embora alguns sejam


específicos em reagir com a hemoglobina, a maioria também oxida outros componentes
celulares, danificando enzimas e organelas. Por essa razão, a metemoglobinemia é
normalmente acompanhada de algum grau de hemólise.

156
O eritrócito dispõe de sistemas redutores capazes de restaurar eficientemente a
função da hemoglobina, mantando os níveis de MHb ao redor de 1%. A forma predominante
de redução endógena é realizada pelo sistema bienzimático citocromo-b5/citocromo-b5
redutase (cit-b5/cit-b5-redutase). Pequenas quantidades podem ser reduzidas também
pelo ácido ascórbico e pela glutationa (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

2.1 SÍNDROME TÓXICA

A manifestação clínica das metemoglobinemias elevadas é a cianose


refratária à oxigenoterapia. A curva de dissociação da oxiemoglobina é deslocada para
a esquerda quando um dos átomos de ferro do grupo é heme é oxidado, devido ao
aumento de afinidade dos átomos remanescentes para como o oxigênio. A hipóxia
por metemoglobinemia é, portanto, mais pronunciada do que a provocada pela perda
equivalente de hemoglobina.

A cianose, que pode ser aparente com metemoglobinemias inferiores a 10%,


geralmente é evidente com níveis de 30%, embora possa ser assintomática. Acima de
30% de MHb, aparecem sintomas; níveis de 60 a 70% são considerados fatais.

QUADRO 2 – SINTOMAS ASSOCIADOS COM OS NÍVEIS DE METEMOGLOBINA

Concentração de MHb (g/dL) % MHb Sintomas


< 1,5 < 10 Nenhum.
1,5 - 30 10 - 20 Cianose perceptível na pele.
3,0 - 4,5 20 - 30 Ansiedade, tontura, taquicardia e cefaleia.
Fadiga, confusão, vertigem, taquipneia,
4,5 - 7,5 30 - 50
taquicardia elevada.
7,5 - 10,5 50 - 70 Coma, convulsões, arritmias, acidose.
> 10,5 > 70 Morte.
FONTE: Adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

Deve-se considerar que os agentes metemoglobinizantes têm outras ações


sobre o organismo que podem agravar a síndrome tóxica. Como, por exemplo,
substâncias que podem produzir óxido nítrico no organismo, como nitritos e ésteres
dos ácidos nítrico e nitroso, são potentes vasodilatadores e produzem hipotensão,
taquicardia reflexa e outras disfunções circulatórias.

Independente do agente causal, a metemoglobinemia pode ser revertida pela


administração de azul de metileno a 1% por via intravenosa, na dose de 1 a 2 mg/kg de
peso (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

157
2.2 PRINCIPAIS AGENTES METEMOGLOBINIZANTES

A causa mais comum de metemoglobina é a exposição a agentes oxidantes,


que podem ser divididos em grupos: os oxidantes diretos; os oxidantes indiretos; e
aqueles que requerem biotransformação para se tornarem agentes metemoglobini-
zantes. Os oxidantes diretos reagem diretamente com a hemoglobina para formar a
MHb. Na oxidação indireta, os agentes metemoglobinizantes reagem com o oxigênio,
formando o radical superóxido (O2-), ou com a água, produzindo o peróxido de hidro-
gênio (H2O2). Estes, por sua vez, acabam por oxidar a hemoglobina ou instabilizam
o heme, de modo a permitir a oxidação. Muitos agentes produzem MHb após serem
biotransformado e, portanto, devido à variabilidade individual, nem todo indivíduo ex-
posto a esses agentes vai desenvolver metemoglobinemia de modo equivalente.

Entre os produtos químicos de uso industrial, encontram-se muitas substâncias


nas quais a toxicidade é devida à formação de MHb. O Quadro 3 mostra as principais
substâncias consideradas metemoglobinizantes e seus respectivos usos:

QUADRO 3 – AGENTES METEMOGLOBINIZANTES E SEUS USOS INDUSTRIAIS

SUBSTÂNCIAS USO INDUSTRIAL


2-Nitropropano Tintas vinílicas, borracha adesivos.
Anilina Corantes, fármacos, praguicidas, borrachas.
Cicloexilamina Anticorrosivo em caldeiras, borracha, praguicida.
Cloratos Fogos de artifício.
Dimetilanilina Fibras de vidro, antibióticos, vanilina, corantes.
Dinitrobenzeno Corantes, celuloides, explosivos.
Nitroanilinas Corantes, antioxidantes, medicina veterinária.
Nitrobenzeno Derivados de celulose, paracetamol.
Nitrotolueno Borrachas, corantes têxteis, praguicidas.
Toluidinas Borracha, praguicidas, fármacos, corantes.
FONTE: Adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

Além de substâncias utilizadas na indústria, alguns medicamentos, mesmo


utilizados nas doses terapêuticas, podem desenvolver quadros de metemoglobinemia,
sendo que os casos mais frequentes na clínica são decorrentes do uso de anestésicos
locais benzocaína, prilocaína e lidocaína; medicamentos empregados no tratamento
da malária (primaquina e cloroquina); e do uso da dapsona, utilizada no tratamento de
hanseníase.

Outros medicamentos associados à formação de metemoglobina são:


probenecida, metoclopramida, fenitoína, fenacetina, sulfonamidas, entre outros.
A metemoglobinemia induzida por medicamentos pode ocorrer cronicamente ou
agudamente nos casos de intoxicação aguda intencional ou acidental.

158
3 SOLVENTES ORGÂNICOS

Solvente orgânico é a designação genérica dada a um grupo de substâncias


químicas orgânicas que têm a propriedade de solubilizar, dispersar ou diluir outras
substâncias em seu meio. São geralmente líquidos à temperatura ambiente e apresentam
diferentes graus de volatilidade e lipossolubilidade (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

O uso de solventes orgânicos no meio ocupacional representa significativo


risco à saúde do trabalhador, uma vez que o espectro de utilização desses compostos
é bastante amplo. Podem ser empregados como substâncias puras ou na forma de
misturas e, para facilitar seu estudo toxicológico, são geralmente subdivididos em
classes químicas:

QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS SOLVENTES ORGÂNICOS

CLASSE QUÍMICA EXEMPLOS


Hidrocarbonetos alifáticos n-hexano, benzidina.
Hidrocarbonetos aromáticos Benzeno, tolueno, xileno.
Dicloroetileno, tricloroetileno, tetracloretileno, mono-
Hidrocarbonetos halogenados
clorobenzeno, cloreto de metileno.
Álcoois Metanol, etanol, isopropanol, butanol, álcool amílico.
Cetonas Metilisobutilcetona, ciclo-hexanona, acetona.
Éteres Éter isopropílico, éter etílico.
FONTE: Adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014)

Do ponto de vista ocupacional, as principais vias de introdução dos solventes


orgânicos são a pulmonar e a cutânea, destacando-se a primeira. No entanto, a ingestão
acidental, a alimentação no local de trabalho e hábitos higiênicos inadequados podem
resultar na absorção oral dos solventes.

ESTUDOS FUTUROS
A seguir, você encontrará as principais substâncias relacionadas a
intoxicações no ambiente de trabalho. Não esqueça de acessar a trilha
interativa para aprofundar seus estudos!

3.1 BENZENO

O benzeno é um líquido incolor, volátil e inflamável. Tem sido utilizado há vários


anos em diversos processos ocupacionais, mas seu emprego no Brasil vem diminuindo
progressivamente, em virtude da proibição do seu uso como solvente industrial estabelecido

159
na Portaria Interministerial nº 3, do Ministério da Saúde e Ministério do Trabalho, publicada
em abril de 1982. Apesar disso, o hidrocarboneto ainda pode representar risco ocupacional
a milhares de indivíduos. As principais fontes de exposição ocupacional ao benzeno são:

• Indústria petroquímica: durante a produção e transformação petroquímica os


trabalhadores se expõem, principalmente, nas etapas de transferência e estocagem
dos produtos, amostragem para o controle de qualidade e parada para manutenções
das unidades de refinaria.
• Siderúrgicas que utilizam carvão mineral.
• Transporte, estocagem e manuseio de gasolina.

O benzeno pode ser absorvido pelas vias cutânea, pulmonar e oral. Em casos
de exposições agudas, o benzeno inalado em altas concentrações poderá provocar
depressão do SNC com aparecimento de sonolência, tontura, dor de cabeça, tremores,
delírios, ataxia, convulsões, perda da consciência, parada respiratória e morte.

Não existe tratamento específico para as intoxicações agudas ou crônicas com


o solvente. As medidas terapêuticas são apenas sintomáticas. Nos casos de ingestão
acidental, deve-se promover a lavagem gástrica, sem provocar o vômito. Havendo
depressão respiratória, promover a respiração artificial e oxigenoterapia. O intoxicado
deve ser mantido em repouso até a normalização respiratória (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

3.2 TOLUENO

É um líquido incolor ou de coloração âmbar clara e possui odor forte. O tolueno


ocorre naturalmente no petróleo e pode ser liberado durante a refinação do óleo em
gasolina e outros combustíveis. As principais fontes de exposição ocupacional incluem:
uso como solvente para óleos, borracha natural e sintética, resinas, carvão e piche. É
utilizado também como diluente para tintas de impressão e vernizes.

Na indústria química, o tolueno é matéria-prima para a síntese do cloreto de


benzila, ácido benzoico, sacarina, cloramina T, entre outros.

A absorção acontece principalmente por via pulmonar. Em situações de exposição


aguda, os efeitos decorrentes da ação tóxica do tolueno no SNC são, inicialmente,
semelhantes ao desenvolvido pelo etanol e incluem euforia, dor de cabeça, pressão forte no
peito, fraqueza, fadiga e náusea. Sintomas de exposição mais severa incluem: distúrbios de
visão, tremores, confusão mental, andar cambaleante, paralisias e convulsões. O tratamento
da intoxicação é sintomático. No caso de ingestão, promover lavagem gástrica sem provocar
o vômito. Ocorrendo contato com a pele, lavar o local com água em abundância por no
mínimo 15 minutos, sem utilizar sabão, evitando, assim, aumentar a irritação local.

160
3.3 METANOL

Também denominado como álcool metílico, o metanol é um líquido claro, incolor,


inflamável e volátil. O estudo toxicológico do metanol é importante não só em função
do seu uso ocupacional, mas também por seu uso fraudulento em bebidas alcóolicas,
pela ingestão acidental ou pela alimentação. Os indivíduos podem ser expor ao álcool
metílico ao ingerir algumas bebidas dietéticas, como suco de frutas, refrigerantes e
bebidas fermentadas que contenham aspartame, uma vez que este adoçante, quando
em temperaturas de 30 ºC, libera em torno de 10% de metanol (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).

A exposição ocupacional a esse solvente decorre de suas variadas utilizações,


como combustível de veículos automotores e antidetonante para a aviação; produção
de biodiesel; síntese de substâncias químicas como etilenoglicol, formaldeído e
metacrilados; indústrias de tintas, resinas e corantes, onde é utilizado como solvente;
fabricação de vernizes, esmaltes e removedores; produção de plásticos, celuloides,
impermeabilizantes e filmes para fotografias.

O metanol pode ser absorvido pelas vias oral, respiratória e cutânea. A maioria
dos casos de intoxicação metanólica ocorre após a exposição aguda, geralmente
decorrente da ingestão acidental ou fraudulenta do solvente. Os sintomas iniciais
decorrentes da moderada depressão do SNC são: cefaleia, náuseas, vômitos e leve
embriaguez semelhante à provocada pelo etanol. Nas intoxicações graves, esses
sintomas se intensificam e aparecem ainda fraqueza, confusão mental, convulsões e
coma provocado por edema cerebral.

DICA
Acadêmico, para aprimorar seus estudos, não deixe de ler o artigo de
Frederico Gustavo Telles, Vanessa Veloso Eleutério Nogueira, Luana
Inostrosa Maynart, Rafael Leite de Oliveira, Thatiane Célia dos Santos
Mendonça e Pablo Dias Oliveira, “Neuropatia óptica tóxica por inalação
de metanol”, o qual descreve um relato de caso de um paciente que
desenvolveu neurite óptica tóxica após exposição ao metanol e ácido
acético por via inalatória em seu ambiente de trabalho.

3.4 ETILENOGLICOL

O etilenoglicol ou glicol é um líquido incolor, inodoro, com sabor agridoce e


pouco volátil em temperatura ambiente. Quando aquecido, pode se decompor emitindo
fumaça ácida e fumos irritantes que são perigosos para a saúde humana.

161
Essa substância pode ser utilizada na fabricação de plásticos, filmes para
embalagens, resinas poliéster insaturadas, capacitadores eletrolíticos, agentes secantes
e na composição de formulações de óleos para usinagem. É o principal constituinte
de anticongelantes e fluídos hidráulicos. É empregado ainda como solvente para
nitrocelulose, acetato de celulose, cosméticos, tintas e laquês. Ainda, podem ocorrer
exposição não ocupacional ao etilenoglicol, em casos de ingestão acidental decorrente
da utilização do glicol como adulterante de bebidas alcóolicas.

A intoxicação aguda por etilenoglicol pode produzir sintomas iniciais leves


como sede, salivação, anorexia, vômitos e sonolência. Pode produzir depressão do
SNC semelhante à causada pelo etanol (embriaguez), ataxia e distúrbios da fala. Em
quadros graves, o paciente torna-se comatoso em decorrência do desenvolvimento de
edema cerebral. Não ocorrendo tratamento adequado do intoxicado, há o agravamento
do estado clínico do indivíduo com aparecimento de falha cardiopulmonar e necrose
tubular aguda.

INTERESSANTE
Etilenoglicol e monoetilenoglicol são sinônimos. Foi esta a substância
encontrada nas cervejas Belorizontinas da cervejaria mineira Backer
em 2020, ocasionando dezenas de mortes devido sua ação no
sistema renal e neurológico. Perícias indicam que a cervejaria utilizava
o etilenoglicol em processos de resfriamento e erros na produção
permitiram a contaminação da cerveja.

4 GASES TÓXICOS

Na toxicologia ocupacional, além de agentes metemoglobinizantes e solventes


orgânicos, também são preocupantes as intoxicações por gases tóxicos. Esses gases
são formados por partículas extremamente finas e, quando inalados, podem se alojar
nos pulmões, além de ir para a corrente sanguínea, prejudicando outros órgãos.

Indústrias do segmento do metal, por exemplo, que realizam soldagens, apresentam


altos índices de fumos e gases tóxicos altamente prejudiciais à saúde e à qualidade de vida
de seus trabalhadores, por isso o uso de EPIs são fundamentais na rotina de trabalho.

4.1 CIANETO

O cianeto é considerado um asfixiante químico. Asfixiantes químicos são gases


que impedem a utilização do oxigênio pela célula, levando a hipoxemia tecidual. Os
cianetos inorgânicos, também chamados de sais de cianeto, contêm a substância na

162
sua forma ionizada (CN-) e são utilizados em múltiplas atividades ligadas à indústria,
como metalurgia, fotografia, galvanoplastia, mineração, fumigação e fabricação de
plásticos (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2001).

Apresenta-se sob a forma de sais, como cianeto de potássio (KCN) e cianeto de


sódio (NaCN), ou como gás cianídrico (vapores de cianeto ou cianureto de hidrogênio).
Também está presente em plantas e alimentos cianogênicos (mandioca brava, caroço
de frutas) e em medicações precursoras de cianeto (nitroprussiato). Em incêndios pode
ser liberado como gás cianeto, proveniente da combustão de lã, seda, borracha sintética
– poliuretano e polímeros, sendo muito volátil e inflamável (GRAFF, 2013).

As causas potenciais de intoxicação por cianeto incluem a inalação de fumaça


de incêndio, a ingestão acidental ou por tentativas de suicídio e homicídio, acidentes
industriais, ingestão de plantas, alimentos e medicamentos cianogênicos, ou o
terrorismo. O cianeto de hidrogênio é produzido durante a queima de materiais contendo
carbono e nitrogênio e, portanto, nos incêndios, o risco de intoxicação é duplo – por
cianeto e monóxido de carbono (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2001).

INTERESSANTE
O cianeto era uma das substâncias presentes na espuma usada no teto
da Boate Kiss, local onde aconteceu a tragédia envolvendo vários jovens
em janeiro de 2013. O incêndio provocou a morte de 241 pessoas, sendo
que boa parte delas morreu asfixiada devido a inalação desse gás tóxico.
O Cianeto também foi muito utilizado como arma química, principalmente
durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.

O mecanismo de ação consiste na inibição de diversas enzimas, como a ácido-


succínicodesidrogenase, a superóxido dismutase, a anidrase carbônica e a citocromo
oxidase. Os seus efeitos tóxicos provêm, principalmente, da indução de hipóxia celular
por inibição da citocromo oxidase, enzima essencial nos processos de fosforilação
oxidativa para a geração de energia. Apesar do suprimento adequado de oxigênio, este
não pode ser utilizado pela célula e moléculas de ATP deixam de ser formadas. Esta é a
razão para o cianeto ser chamado de asfixiante químico (GRAFF, 2013).

Após a inalação, o cianeto é distribuído no organismo em questão de segundos


e a morte pode ocorrer dentro de minutos. Após a exposição oral, os níveis mais elevados
foram detectados nos pulmões e no sangue. Como boa parte dos xenobióticos, o
cianeto é metabolizado no fígado, levando à formação do tiocianato. A eliminação ocorre
exclusivamente via renal (LING et al., 2001). Em casos de intoxicação leve a moderada,
os sinais e sintomas incluem: náuseas, vômitos, cefaleia, fraqueza, confusão, tonturas
e falta de ar. Em casos graves, perda transitória da consciência e apneia, hipotensão,
acidose metabólica, convulsões, arritmias e coma (LING et al., 2001).

163
O diagnóstico é baseado na história de exposição e na presença de sinais e
sintomas rapidamente progressivos. Sempre suspeitar em pacientes vítimas de incêndio
com acidose e coma, em trabalhadores de laboratórios ou indústrias que entram em
coma súbito e em indivíduos suicidas em coma e acidose sem outras causas. Os níveis
de cianeto podem ser medidos para confirmar o diagnóstico e exames complementares
também podem ser solicitados (hemograma, eletrólitos, lactato, glicose, função hepática
e renal, ECG) (GRAFF, 2013).

Para estes casos, o tratamento inclui medidas de suporte básicas e


descontaminação – deve-se considerar o esvaziamento gástrico e carvão ativado
em ingestão de sais de cianeto e alimentos cianogênicos –; nos casos de exposição
respiratória e/ou dérmica, rapidamente remover o paciente do local contaminado,
remover vestes contaminadas, descontaminar a pele/mucosas/olhos com água (LING
et al., 2001). O antídoto deve ser administrado prontamente em todos os pacientes
com suspeita de intoxicação pela história clínica e exame físico (ANDRADE FILHO;
CAMPOLINA; DIAS, 2001). Existem diversos antídotos; dentre os mais importantes estão:

• Agentes que se ligam ao cianeto: hidroxicobalamina (antídoto de escolha).


• Agentes indutores de metemoglobina: nitritos.
• Agentes doadores de enxofre: tiossulfato de sódio (geralmente utilizados após a
administração dos nitritos).

4.2 MONÓXIDO DE CARBONO

O monóxido de carbono (CO) não está muito atrelado à toxicologia ocupacional,


visto que, a fonte mais comum de monóxido de carbono inalado é a combustão
incompleta de combustíveis fósseis, o que ocorre em incêndios domésticos, uso de
fornos domésticos, fogões, aquecedores residenciais e de água, além do escape dos
veículos. No entanto, é um importante gás tóxico e por este motivo, iremos abordá-lo
neste subtópico.

O mecanismo de toxicidade está baseado na ligação do CO hemoglobina com


afinidade 300 vezes superior ao oxigênio, formando um complexo denominado de
carboxiemoglobina. Desta forma, há diminuição da distribuição do oxigênio para as
células, levando à hipóxia celular.

Além disso, o CO se liga à citocromo-oxidase, causando estresse oxidativo


com consequente dano mitocondrial, além de eventos inflamatórios culminando em
alterações isquêmicas cerebrais e miocárdicas (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS,
2001). No cérebro, simultaneamente ao estresse oxidativo perivascular, há ativação de
aminoácidos excitatórios e morte de células neuronais. No músculo cardíaco, o CO liga-
se à mioglobina com afinidade 60 vezes superior ao oxigênio, com risco de arritmias e
piora do quadro isquêmico (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).

164
A toxicidade depende tanto da concentração de CO inalado quanto da duração
da exposição. As manifestações em relação à inalação sofrem influência de fatores
como idade do paciente, taxa metabólica, atividade física, função pulmonar e a
presença de doença pulmonar ou cardiovascular (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS,
2001). O CO é rapidamente absorvido através dos pulmões e atinge nível sanguíneo
em um tempo variável, relacionado com a concentração de CO no ambiente e à taxa
de ventilação alveolar. Depois de ter sido absorvido, o CO é transportado no sangue,
principalmente ligado à hemoglobina. Desta forma, o CO está praticamente concentrado
no compartimento intravascular, mas, eventualmente, até 15% do CO pode estar no
tecido, ligado à mioglobina. A eliminação do CO pode ocorrer por via renal e pulmonar
(LING et al., 2001).

A manifestação clínica mais comum é a cefaleia. Também é frequente a


presença de tonturas, náuseas, vômitos, fraqueza, confusão e letargia. Os efeitos
graves relacionados à intoxicação são: síncope, convulsões, alteração do estado
neurológico, ataxia, arritmias cardíacas, isquemia miocárdica, acidose metabólica,
coma e óbito. Efeitos neurocognitivos podem se desenvolver entre dois e 40
dias da exposição, podendo ocorrer demência, síndromes amnésicas, psicose,
parkinsonismo, apraxia, neuropatias, dificuldade de concentração e alterações
de personalidade (LING et al., 2001). O diagnóstico clínico não é difícil quando há
história de exposição. Porém, sem história epidemiológica, pode haver dificuldade
na suspeita, já que os sintomas são inespecíficos.

INTERESSANTE
Acadêmico, lembre-se de que na primeira unidade citamos vários
exemplos de como a toxicologia está presente no nosso dia a dia, a
toxicologia ocupacional não deixa de ser diferente. Intoxicações
envolvendo monóxido de carbono não são raras. Lembra do caso dos
brasileiros que morreram no Chile devido um vazamento de gás de
cozinha? Para relembrar e entender mais sobre este caso, acesse a
reportagem: https://bit.ly/35rgoVx.

165
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Monitoramento ambiental determina o nível da atmosfera do ambiente de trabalho,


dos agentes presentes para avaliar o risco à saúde.

• Monitoramento biológico determina os agentes presentes no ambiente de trabalho


e/ou dos seus metabólitos nos tecidos, nas secreções, no ar expirado dos indivíduos
expostos, para avaliar a exposição e o risco à saúde.

• Agentes metemoglobinizantes são substâncias capazes de induzir a oxidação de


um dos átomos de ferro do grupamento heme presente na hemoglobina, levando a
formação da metemoglobina (MHb).

• A metemoglobinemia, distúrbio sanguíneo causado pela presença da MHb, é


produzida mais frequentemente por agentes químicos oxidantes, mas pode ter
etiologia genética, alimentar e idiopática.

• A metemoglobinemia pode ser revertida pela administração de azul de metileno a 1%


por via intravenosa, na dose de 1 a 2 mg/kg de peso.

• Solventes orgânicos são amplamente utilizados e por isso são substâncias importantes
a serem avaliadas na toxicologia ocupacional.

• As principais fontes de exposição aos solventes orgânicos são: a indústria


petroquímica, o uso de solvente, fabricação de borracha, resinas, carvão, indústria de
tintas, dentre outras.

• Na toxicologia ocupacional, são preocupantes, também, as intoxicações por gases


tóxicos. Esses gases são formados por partículas extremamente finas e, quando
inalados, podem se alojar nos pulmões.

• Cianeto e monóxido de carbono são os principais gases tóxicos, sendo que as causas
potenciais de intoxicação é a inalação dessas substâncias.

166
AUTOATIVIDADE
1 A toxicologia ocupacional é eminentemente preventiva, sendo fundamental a correta
avaliação do risco a que o trabalhador está exposto. Para isso, o primeiro passo é
a informação qualitativa: quais substâncias estão sendo utilizadas ou geradas no
processo? Esse dado, todavia, precisa ser complementado com o detalhamento
das características físico-químicas das substâncias às quais há exposição. Sobre
toxicologia ocupacional, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A toxicologia ocupacional visa compreender, acompanhar e monitorar os agentes


nocivos presentes exclusivamente em lavouras.
b) ( ) Monitoramento ambiental consiste em determinar agentes presentes no
ambiente de trabalho e/ou dos seus metabólitos nos tecidos, nas secreções, no
ar expirado dos indivíduos expostos, para avaliar a exposição e o risco à saúde.
c) ( ) Monitoramento biológico consiste em determinar o nível da atmosfera do
ambiente de trabalho, dos agentes presentes para avaliar o risco à saúde.
d) ( ) A toxicologia ocupacional visa compreender, avaliar as alterações do estado de
saúde decorrentes de possíveis substâncias tóxicas presentes no ambiente de
trabalho.

2 Todos os gases irritantes apresentam capacidade de corrosão, produzindo efeitos locais


e injúria à pele e aos olhos. Normalmente, os danos provocados atingem superfícies
úmidas que entraram em contato com o gás irritante, incluindo olho, nariz e boca.
Amplamente empregados na indústria, a maioria dos gases apresenta elevado nível de
toxicidade. O cianeto é considerado um dos principais gases tóxicos e é descrito como
um asfixiante químico. Sobre o cianeto, analise as sentenças a seguir:

I- São utilizados em múltiplas atividades ligadas à indústria, como metalurgia,


fotografia, galvanoplastia, mineração, fumigação e fabricação de plásticos.
II- Em incêndios pode ser liberado como gás cianeto, proveniente da combustão de lã,
seda, borracha sintética – poliuretano e polímeros, sendo muito volátil e inflamável.
III- As causas potenciais de intoxicação por cianeto incluem a inalação de fumaça de
incêndio, a ingestão acidental ou por tentativas de suicídio e homicídio, acidentes
industriais, ingestão de plantas, alimentos e medicamentos cianogênicos ou
terrorismo.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

167
3 A preocupação com a saúde pública tem vindo a suscitar um interesse cada vez
maior sobre os compostos químicos que nos rodeiam e aos quais nos encontramos
expostos diariamente, principalmente quando se trata de solventes orgânicos.   O
estudo da exposição a este tipo de solventes torna-se verdadeiramente interessante
dada a sua relação com o desenvolvimento de certos tipos de toxicidade, tais como a
genotoxicidade, hematotoxicidade, neurotoxicidade, o desenvolvimento de algumas
patologias oncológicas e efeitos respiratórios indesejáveis. Sobre solventes orgânicos,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As principais fontes de exposição ocupacional ao benzeno são indústria


petroquímica, siderúrgicas que utilizam carvão mineral e transporte, estocagem e
manuseio de gasolina.
( ) O tolueno é um líquido incolor ou de coloração âmbar clara e possui odor forte. A
absorção acontece principalmente por via oral.
( ) O estudo toxicológico do metanol é importante não só em função do seu uso
ocupacional, mas também por seu uso fraudulento em bebidas alcóolicas, pela
ingestão acidental ou pela alimentação.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) V – F – V.

4 Agentes metemoglobinizantes são substâncias capazes de induzir a oxidação de


um dos átomos de ferro do grupamento heme presente na hemoglobina, o que
leva ao desenvolvimento da metemoglobinemia, distúrbio sanguíneo causado pela
presença da metemoglobina (MHb). No contexto da toxicologia ocupacional, a
metemoglobinemia causada por agentes químicos é a mais comum. Neste sentido,
descreva quais são as principais manifestações clínicas observadas em pacientes
portadores dessa doença.

5 Solvente orgânico é a designação genérica dada a um grupo de substâncias químicas


orgânicas que apresentam maior ou menor grau de volatilidade e lipossolubilidade.
O uso de solventes orgânicos no meio ocupacional representa significativo risco à
saúde do trabalhador, sendo que a utilização desses compostos é bastante ampla em
pequenas, médias e grandes indústrias, no meio rural e laboratorial. Assim, descreva
as principais substâncias relacionadas a intoxicações no ambiente de trabalho.

168
UNIDADE 3 TÓPICO 4 -
METODOLOGIAS ANALÍTICAS E
APLICAÇÕES NA TOXICOLOGIA

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, para finalizar, neste último tópico abordaremos a toxicologia


analítica, que tem como objetivo identificar/quantificar toxicantes em diversas matrizes.
A toxicologia analítica se insere no diagnóstico e no prognóstico da intoxicação e
se dedica ao estudo de métodos precisos e de exatidão adequada na pesquisa de
toxicantes ou de parâmetros bioquímicos relacionados à intoxicação ou às ocorrências
de interesse toxicológico.

O diagnóstico pode ter a finalidade de determinar o agente envolvido, para


nortear um tratamento (análise de urgência); de auxiliar em processos judiciários
(análise forense); de acompanhar farmacoterapias; de avaliar a exposição a drogas
de abuso no ambiente de trabalho ou no monitoramento da abstinência; de avaliar a
exposição às substâncias químicas em ambiente laboral (monitoramento ambiental
e biológico); de avaliar a contaminação ambiental (monitoramento ambiental voltada
às análises de poluentes); ou de avaliar a contaminação de alimentos. A finalidade do
diagnóstico indicará o analito a ser pesquisado – que pode ser o próprio toxicante, seu
metabólito ou um parâmetro bioquímico relacionado à toxicodinâmica do agente, assim
como irá indicar a matriz de análise adequada, tais como: amostra biológica, material
de apreensão (drogas de abuso), alimentos, amostra de solo, água etc. (CARVALHO;
ROCHA, 2020).

2 PREPARO DAS AMOSTRAS

O preparo das amostras visa à retirada de interferentes e, em alguns casos,


busca concentrar os analitos em solvente apropriado ao método selecionado, permitindo
sua identificação e quantificação (CARVALHO; ROCHA, 2020).

Drogas ilícitas, bebidas e demais alimentos, medicamentos, solo e matrizes


biológicas são frequentemente empregadas nas análises toxicológicas. A seleção deve
levar em consideração a distribuição dos toxicantes e as inferências almejadas na
interpretação do resultado. Por exemplo: no monitoramento terapêutico, plasma e soro
devem ser as matrizes de escolha, pela possibilidade de correlação entre a concentração
do fármaco na matriz e o efeito (SANTOS; LANCHOTE; GIRAUD, 2014).

169
Em se tratando de matrizes biológicas, o sangue representa o primeiro
compartimento de distribuição para a maioria dos fármacos, tendo alto valor
interpretativo em indivíduos vivos. A urina representa a matriz de eliminação,
sendo esperadas maiores concentrações em relação ao sangue, especialmente dos
metabólitos; por outro lado, o valor interpretativo é limitado por variáveis associadas
à cinética de eliminação e aos fatores patológicos, como alterações na função renal e
hepática (CARVALHO; ROCHA, 2020).

As matrizes biológicas adotadas em análises toxicológicas são fluídos, tais como


sangue, plasma, soro, urina e saliva. Cabelo, pelo e unhas são matrizes alternativas,
indicadas para avaliação do uso crônico de algumas substâncias. Em casos post
mortem, podem ainda ser coletados humor vítreo, bile, tecidos encefálico, pulmonar,
hepático e renal (CARVALHO; ROCHA, 2020).

NOTA
Análises post mortem: são análises realizadas em amostras coletadas
quando o indivíduo já se encontra morto.

Fatores relacionados à coleta e ao armazenamento da matriz, tais como local,


horário, recipiente de armazenamento, adição ou não de aditivos como inibidores
enzimáticos e quelantes devem ser planejados de acordo com o toxicante a ser
pesquisado, de modo a garantir correta interpretação e confiabilidade do resultado.

3 MÉTODOS DE TRIAGEM

Os métodos de triagem têm por objetivo selecionar classes de substâncias,


especialmente em situações nas quais não se tem conhecimento do provável agente
tóxico envolvido. Tais métodos são chamados de presuntivos e se caracterizam por
serem rápidos e direcionados a grupos químicos funcionais ou apresentarem maior
especificidade.

São técnicas adotadas em triagem: os testes colorimétricos, a cromatografia


em camada delgada (CCD) e os imunoensaios. Por exemplo: os métodos presuntivos
empregados na identificação de drogas de apreensão são baseados em testes
colorimétricos, enquanto os imunoensaios são aplicáveis na triagem de fármacos em
matrizes biológicas.

170
A cromatografia em camada delgada (CCD) é aplicável à ampla variedade
de matrizes (drogas de apreensão, alimentos, matrizes biológicas etc.) (CARVALHO;
ROCHA, 2020).

3.1 TESTES COLORIMÉTRICOS

Os testes colorimétricos se fundamentam na reação entre grupos químicos


funcionais dos analitos de interesse e dos reagentes químicos que darão origem a
complexos coloridos. Os complexos coloridos podem sofrer variação na coloração,
de acordo com a concentração do analito na amostra e a presença de interferentes,
sendo, portanto, um teste com maior grau de subjetividade. Via de regra, quanto
maior a intensidade da cor, maior a quantidade do analito (STEFENS, 1986 apud
CARVALHO; ROCHA, 2020).

QUADRO 5 – TESTES COLORIMÉTRICOS APLICADOS NA ANÁLISE PRESUNTIVA DE TOXICANTES

TESTE COMPOSTOS E COLORAÇÃO


salicilatos (violeta), adrenalina, dopamina, noradrenalina
Cloreto férrico e levodopa (verde), morfina, apomorfina, paracetamol e
fenol (azul).
canabinoidese triptamina (vermelha à violeta se diluído),
p-dimetilaminobenzaldeído cocaína, harmina e fenciclidina (vermelha e não ocorre
coloração violeta, se diluído).
alcaloides e aminas (amarela ou vermelha-alarajada ou
Dragendorff
laranja-amarronzada).
Formaldeído-Ácido benzodiazepínicos (laranja), bromazepam e clozapina
sulfúrico (amarela), flunitrazepam (rosa), triptamina (marrom).
Fenotiazinas (vermelha, rosa escuro, laranja, azul ou
Forrest
violeta).
clorpromazina (vermelha), fenotiazina, prometazina e
FPN trifluoroperazina (laranja), clomipramina, imipramina (azul),
promazina (vermelho-amarronzado).
carbamatos não aromáticos (preto), carbamatos
Furfuraldeído
N-substituídos não reagem.
alcaloides (violeta, violeta-azulado, marrom-violeta, cinza-
Iodoplatina
violeta). Aminas de baixo peso molecular não reagem.
xilazina (vermelho), prazosina (marrom-rosa), cloroquina
(amarela), fenelzina (marrom), metilbrometo e metilnitrato
de atropina de hioscina (marrom), anfetaminas, efedrinas,
atropina, hioscina, hiosciamina, varfarina, levamizol
Liebermann
(vermelha-alaranjado), metadona e ibuprofeno (marrom-
alaranjado), apomorfina, morfina, naloxona, buprenorfina,
carbidopa, codeína, ibogaína, mescalina, tubocuraina,
verapamil, salbutamol (preto).

171
levamisol (cinza esverdeado), metildopa (marrom a verde),
noradrenalina (verde), solanina (violeta a azul), desipramina
(azul), clorpromazina e fenelzina (violeta), codeína e
colchicina (marrom), petazosina e perazina (violeta),
Mandelin
papaverina, terbutalina, maprotilina (cinza esverdeado),
harmina, xilasina, amitriptilina, nortriptilina (verde),
estricnina e tetraciclina (vermelho à laranja), tubocurarina
(marrom).
maprotilina (vermelho), anfetaminas e amitriptilina
(laranja a marrom), DOM (amarela), norcodeína e solanina
(amarela a violeta), oxicodona, salbutamol e vancomicina
Marquis
(amarela), harmalina (marrom-esverdeado), codeína,
6-monoacetilmorfina, morfina (violeta), ácido lisérgico,
lisergamina, naloxona (marrom).
anfetaminas (amarela a rosa) e gentamicina (violeta após
Ninidrina
aquecimento por 4 min.
FONTE: Carvalho e Rocha (2020, p. 10-11)

Os principais testes utilizados nas análises presuntivas de drogas de abuso


são teste de Duquenois e Fast Blue, para canabinoides; teste de Scott, para cocaína, e
Wagner, que diferencia o cloridrato de cocaína (precipitado marrom) de sua forma básica
(crack, não reage) (STEFENS, 1986 apud CARVALHO; ROCHA, 2020).

QUADRO 6 – TESTES COLORIMÉTRICOS ADOTADOS PARA ANÁLISE PRESUNTIVA DE DROGAS

TOXICANTE TESTE COLORIMÉTRICO


Canabinoides Duquenois, Fast Blue.
Cocaína Scott, Wagner (diferencia sais de base livre).
Benzodiazepínicos Liebermann (diazepam).
Anfetaminas e derivados Marquis, Simon.
Mescalina Marquis, Liebermann.
Psilocibina Marquis, Simon, Ehrlich.
Marquis, Mandelin (morfina), Liebermann
Opioides
(petidina), Mecke (fenciclidina).
LSD Ehrlich.
Efedrinas Chen-Kao (khat, catinona e catina).
FONTE: Carvalho e Rocha (2020, p. 12)

3.2 CROMATOGRAFIA EM CAMADA DELGADA (CCD)

A CCD constitui técnica simples de aplicação na triagem de compostos orgânicos


e, quando associada a teste colorimétrico ou de imunoensaio, pode ser adotada como
técnica confirmatória. As técnicas cromatográficas têm como fundamento a separação
de compostos presentes na mistura com base na afinidade dos analitos entre duas
fases: estacionária e móvel (COLLINS; BRAGA; BONATO, 2017).

172
A fase estacionária é uma camada fina formada por um sólido granulado (em
geral constituída de sílica-gel, mas pode ser também de alumina, poliamida etc.)
depositada sobre uma placa de vidro, alumínio ou outro suporte inerte.

A fase móvel é um solvente ou uma mistura de solventes cuja polaridade deve


ser de acordo com a natureza química das substâncias a serem separadas.

Soluções-padrão do analito e o extrato obtido na extração da amostra são


aplicados cuidadosamente em pontos próximos ao extremo inferior da cromatoplaca,
evitando-se que fiquem mergulhados na fase móvel e mantidos a uma distância
adequada entre as aplicações adjacentes.

A cromatoplaca é inserida em cuba de vidro previamente saturada com a fase


móvel, isto é, o solvente (ou mistura de solventes) é adicionado na cuba em quantidade
suficiente para banhar a base inferior da placa, mas previamente em repouso, para
saturar o ar no ambiente da cuba. Inicia-se o desenvolvimento cromatográfico, os
componentes da amostra são separados por diferenças de velocidade de arraste, em
função do avanço da fase móvel sobre a fase estacionária (capilaridade) e das diferentes
forças de interação com a fase estacionária (COLLINS; BRAGA; BONATO, 2017).
Após o desenvolvimento, as placas são secas e reveladas, geralmente com reativos
cromogênicos que coram as substâncias de interesse (Figura 10). Muitos compostos
sem nenhuma coloração podem ser visualizados quando iluminados por uma luz UV,
por se tornarem fluorescentes quando excitados por essas radiações, em geral nos
comprimentos de onda 254 nm e 366 nm (COLLINS; BRAGA; BONATO, 2017).

A identificação da substância se dá pelo valor de valor de retenção (Rf), o


qual corresponde à distância percorrida pelo analito em relação à distância percorrida
pela fase móvel; o resultado dessa relação, multiplicado por 100, corresponde ao hRf
referenciado em literatura para identificação dos compostos (MOFFAT, 1986 apud
CARVALHO; ROCHA, 2020).

FIGURA 10 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA CROMATOGRAFIA EM CAMADA DELGADA

FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3JWHSBH>. Acesso em: 24 fev. 2022.

173
FIGURA 11 – CÁLCULO PARA FATOR DE RETENÇÃO

FONTE: A autora

3.3 IMUNOENSAIOS

Os imunoensaios constituem técnicas simples, rápidas e de fácil automatização


para processamento de alto número de amostras. Essa técnica requer baixo volume
de amostras biológicas. O princípio da técnica consiste na interação da molécula-alvo
(antígeno) com seu anticorpo correspondente.

A técnica se baseia na competição pela ligação aos anticorpos entre o analito


presente na amostra (livre) e o analito marcado presente no reagente. O analito marcado,
também chamado de antígeno marcado ou traçador, só poderá se ligar ao anticorpo
específico dependendo da concentração dos antígenos de interesse (não marcado) da
amostra; ou seja, há uma disputa pelos sítios de ligação dos anticorpos da molécula a
ser analisada (CARVALHO; ROCHA, 2020).

ATENÇÃO
Os imunoensaios têm uma ampla utilização, inclusive além da toxicologia.
São utilizados para o diagnóstico de hepatites, HIV, sangue oculto em
fezes, COVID-19, dentre outras patologias.

4 MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS

A maioria dos métodos confirmatórios têm base na cromatografia, isto quer


dizer que a identificação do analito é precedida por sua separação. Os principais tipos
de cromatografia adotados nos métodos confirmatórios são a cromatografia em fase
gasosa (GC) e a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), em ambos os tipos, a
fase estacionária é fixada em uma coluna e a fase móvel em fluxo contínuo é composta
por um gás (GC) ou um líquido (HPLC) inerte. A coluna, por sua vez, é acoplada a um

174
detector sensível o suficiente para identificar os analitos no extrato obtido na preparação
da amostra. Vários detectores e tipos de colunas, computadores e softwares podem ser
adaptados aos sistemas cromatográficos instrumentais. Os resultados da detecção são
apresentados em forma de representação gráfica denominada cromatograma.

4.1 CROMATOGRAFIA GASOSA (GC)

A GC é a técnica de escolha para confirmação de compostos voláteis e


termoestáveis. O equipamento de cromatografia em fase gasosa é composto pelo
reservatório contendo o gás de arraste (cilindro) conectado ao sistema de injeção
(injetor), que é operado em temperatura adequada para volatilização dos analitos, sendo
onde ocorre a mistura com a fase móvel. A coluna recebe um fluxo contínuo do gás de
arraste que deverá ser de alta pureza e inerte, sendo recomendável adotar um sistema
de filtragem que retire a umidade e as impurezas antes de ingressar no equipamento
(CARVALHO; ROCHA, 2020).

FIGURA 12 – FUNCIONAMENTO DO EQUIPAMENTO DE GC

FONTE: <https://bit.ly/35luqYT>. Acesso em: 24 fev. 2022.

O detector universal acoplável em GC mais empregado em análises toxicológicas


é o detector de ionização em chama (Flame Ionization Detector – FID). De baixo custo e
alta robustez, este detector se baseia na combustão de compostos na chama produzida
pela reação do hidrogênio com o oxigênio. Os compostos não suscetíveis à combustão,
como água, CO2 e compostos inorgânicos em geral, não apresentam sinal mensurável.
Para análise de compostos orgânicos nitrogenados e fosforados, foi feita uma modificação
do FID e foi desenvolvido o detector de nitrogênio e fósforo (NitrogenandPhosphorus
Detector – NPD), sendo altamente seletivo para compostos que contenham, na sua
estrutura química, o elemento nitrogênio ou fósforo, como muitos praguicidas e alguns
medicamentos (PENTEADO; MAGALHÃES; MASINI, 2008).

Segundo as recomendações preconizadas pela maioria das agências


regulatórias, a presença do toxicante é confirmada com confiabilidade se detectada
por pelo menos duas técnicas analíticas diferentes. Isto pode ser alcançado numa

175
única análise, se for utilizada a combinação da cromatografia gasosa ou líquida com
o sistema de detecção por espectrometria de massas (masspectrometry – MS). Desta
forma, a informação fornecida pelo tempo de retenção na coluna cromatográfica é
complementada pelo espectro de massas (PENTEADO; MAGALHÃES; MASINI, 2008).

O detector por MS combina alta sensibilidade com alta seletividade, sendo a


técnica de melhor detecção (capacidade de detectar baixas concentrações dos analitos)
e de melhor especificidade para a maior parte dos toxicantes. O espectrômetro de
massas separa íons positivos ou negativos, produzidos a partir de átomos ou moléculas,
de acordo com a razão massa/carga.

4.2 CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA EFICIÊNCIA (HPLC)

A cromatografia líquida de alta eficiência (High Performance


LiquidChromatography – HPLC), se baseia na separação pela afinidade dos analitos entre
a coluna preenchida de micropartículas (fase estacionária) e o solvente empregado na
fase móvel sob alta pressão. Em relação à reprodutibilidade, ela é menos robusta do que
a cromatografia gasosa, pois variáveis como pH e viscosidade da fase móvel e outros
fatores podem alterar sobremaneira o perfil dos picos cromatográficos, dificultando a
identificação e a quantificação dos analitos.

O acoplamento da HPLC à MS, mais conhecida por LC-MS (LiquidCromatography-


Mass Spectrometry), permitiu grande avanço na análise confirmatória de compostos
orgânicos polares e pouco voláteis e seus metabólitos. Desta forma, LC-MS e GC-MS
se tornaram técnicas complementares e desejáveis na confirmação de ampla gama de
compostos de interesse em análises toxicológicas.

176
LEITURA
COMPLEMENTAR
ENVENENAMENTO ACIDENTAL POR INSETICIDA ORGANOFOSFORADO: UM
CASO FATAL DE CRIANÇA COM RISCOS PARA A EQUIPE DO DEPARTAMENTO DE
EMERGÊNCIA

C. L. Lau
K. L. Chung
C. W. Kam

História de caso

Um menino de 2 anos recebeu acidentalmente uma colher do inseticida


"Diazinon 60EC 帝 仙 隆", que foi confundido com uma mistura para tosse. Ele foi
levado ao Departamento de Emergência (PS) de carro particular cerca de 15 minutos
depois. Ele estava inconsciente antes de chegar com muitas secreções das narinas e da
cavidade oral. Na chegada, ele estava em parada cardíaca em assistolia com um forte
odor de inseticida. As pupilas eram pontuais em tamanho e não reativas. A reanimação
foi iniciada imediatamente e ele foi intubado após aspiração repetida das secreções
profusas. "Diazinon" foi identificado como um inseticida organofosforado (OP). Antídotos
(bolus intravenoso de atropina e infusão de pralidoxima) foram administrados. Ele
recuperou a circulação espontânea após a ressuscitação por cerca de 10 minutos, mas
estava em hipotensão refratária (pressão arterial 61/38 mmHg), apesar de múltiplos
suportes inotrópicos (dopamina, dobutamina e noradrenalina).

Os dois médicos do pronto-socorro em contato próximo com o paciente sentiram


tonturas com irritação nos olhos e na garganta após a ressuscitação. Provavelmente
devido à exposição ao vapor de OP. Os sintomas resolveram espontaneamente durante
os 15 a 30 minutos subsequentes sem complicações.

Após internação na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, permaneceu em


coma. Os níveis de colinesterase sérica eram 0,8-1,2 kU/L (normal 4,2-13,5 kU/L). Seu
curso subsequente foi complicado por infecção torácica, rabdomiólise (nível de creatina
quinase até 15.678 U/L), lesão cerebral hipóxico-isquêmica com diabetes insípido central,
sepse e coagulopatia (razão normalizada internacional de 1,5, tempo de tromboplastina
parcial ativada 48,8 segundos). Ele finalmente sucumbiu quatro dias após a exposição
ao inseticida.

177
Discussão

Várias centenas de compostos organofosforados diferentes foram sintetizados.


Sua toxicidade varia amplamente, sendo os inseticidas OP domésticos geralmente
menos tóxicos. A Organização Mundial de Saúde publicou que um milhão de acidentes
graves envolve envenenamentos e dois milhões de tentativas de suicídio envolvendo
pesticidas ocorrem a cada ano em todo o mundo. A American Association for Poison
Control Centers relatou 13.348 exposições tóxicas de OP em 1999, com 25% exigindo
internação e cinco mortes. O envenenamento por inseticida é mais comum e grave em
países em desenvolvimento. No Sri Lanka, o envenenamento por suicídio é responsável
por cerca de 90% dos casos relatados. Em Hong Kong, o agente de envenenamento
por inseticida mais comum desde 1987 foi o metamidofós de origem vegetal. O
envenenamento por inseticida por suicídio e acidente de trabalho era incomum em
Hong Kong. Beber agente inseticida armazenado incorretamente é uma das causas
comuns de envenenamento por inseticida em bebês e crianças.

"Diazinon 60EC 帝 仙 隆" é um inseticida OP líquido emulsionável para controle


de pragas agrícolas. Seu ingrediente ativo é O, O-dietil-O- (2-isopropil-6-metil-4-
pirimidinil) tiofosfato com dosagem para uso agrícola de 0,04% a 0,15% (informações da
embalagem do fabricante). Os níveis de risco mínimo (MRLs) para Diazinon são 0,009
mg/m3 por inalação e 0,0002 mg/kg/ dia por via oral.

O início da toxicidade depende do tipo de organofosforado, via de exposição,


dose absorvida e susceptibilidade individual (crianças, idosos, desnutridos, doentes ou
grávidas). A dose absorvida pode ser influenciada pela temperatura ambiente, umidade,
pele danificada e uso de medidas de proteção. Os organofosforados são prontamente
absorvidos por inalação, ingestão, vias dérmicas ou mucosas e se acumulam rapidamente
na gordura, fígado e rins. Eles são metabolizados pelas monooxigenases do citocromo
P450 no fígado com metabólitos excretados na urina.

Os organofosforados fosforilam e inibem as enzimas acetilcolinesterase (ACHE)


inicialmente por ligação iônica e, posteriormente, por ligação covalente, resultando
no acúmulo excessivo de acetilcolina em receptores suscetíveis. Esse processo
de "envelhecimento" é o período crítico para a terapia com antídoto. Assim que o
"envelhecimento" for concluído, a ressíntese de ACHE será o único meio de restaurar
a atividade de ACHE. Normalmente, os pacientes apresentam ansiedade e diaforese,
com taquicardia, miose e salivação excessiva em quatro horas, embora a toxicidade
total possa levar até 24 horas. Muitos organofosforados produzem odor de alho e um
efeito irritante na pele e no trato respiratório superior. As características clínicas (Tabela
1) podem ser amplamente classificadas como secundárias a (a) efeitos muscarínicos;
(b) efeitos nicotínicos; e (c) estimulação do receptor central. Pacientes jovens podem
ter apresentações clínicas diferentes com predominância de toxicidade do sistema
nervoso central (SNC) e os sintomas "clássicos" são incomuns.

178
QUADRO 1 – EFEITOS CLÍNICOS DO ORGANOFOSFORADO

Estimulação do receptor
Estimulação muscarínica Estimulação nicotínica central
Fraqueza muscular;
Defecação Ansiedade
Fasciculações
Aumento da atividade da
Micção Inquietação
medula adrenal
Miose Taquicardia Ataxia
Câimbra do músculo
Bradicardia Letargia
esquelético
Broncoespasmos/broncorreia Hipertensão Confusão
Êmese Coma
Lacrimação Apreensão
Salivação Depressão respiratória

O diagnóstico é feito por (a) história de exposição; (b) sinais (síndrome toxicológica)
e sintomas de estimulação muscarínica e nicotínica excessiva; (c) níveis reduzidos de
colinesterase no plasma e nos glóbulos vermelhos; e (d) resposta à terapia com atropina
e pralidoxima. O diagnóstico diferencial inclui infecções do sistema nervoso central
(meningite, encefalite), distúrbio metabólico (hipoglicemia, uremia), trauma, condições
neurológicas agudas (epilepsia, hemorragia subaracnoide) e outros envenenamentos
(opiáceos, fenotiazina, nicotina, cogumelo contendo muscarina, veneno de escorpião).

A radiografia de tórax pode mostrar uma pneumonite aguda, edema pulmonar


não cardiogênico e hiperlucência consistente com broncoespasmo e aprisionamento de
ar. Intervalo QT prolongado no eletrocardiograma inicial foi associado a uma maior taxa
de insuficiência respiratória e mortalidade. As atividades da colinesterase eritrocitária e
da colinesterase plasmática são medidas para diagnóstico e monitoramento.

A atividade da colinesterase eritrocitária é mais específica e a sensibilidade é


próxima a 100% para intoxicações significativas. Os primeiros sintomas tóxicos aparecem
com inibição de 40-50% da atividade da colinesterase, e efeitos neuromusculares
graves aparecem com inibição de 80%. O nível de colinesterase do plasma também é
reduzido no início da gravidez, desnutrição, doença hepática (por exemplo, hepatite,
cirrose, neoplasia) e com drogas (por exemplo, succinilcolina, lidocaína).
As taxas de mortalidade foram relatadas em todo o mundo de 3% a 25% em
24 horas relacionadas a arritmias ventriculares, convulsões, insuficiência respiratória
causada por fraqueza do músculo respiratório, depressão do SNC, secreções brônquicas
excessivas (como neste menino) e broncoespasmo. As complicações ocorrem em
43% dos casos de intoxicação aguda. As manifestações cardíacas incluem intervalo
Q-T prolongado e arritmias (por exemplo, taquicardia/bradicardia sinusal, fibrilação
atrial, taquicardia/fibrilação ventricular). Complicações metabólicas como pancreatite,
hipoglicemia, hiperglicemia, rabdomiólise (como neste paciente) são incomuns. As

179
manifestações neuropsiquiátricas incluem a síndrome intermediária, neuropatia
retardada, memória prejudicada, concentração reduzida, distúrbio linguístico, confusão,
irritabilidade, ansiedade, depressão, letargia, psicoses e efeitos extrapiramidais.

O manejo das vias aéreas com aspiração frequente de secreções é a primeira


prioridade e a intubação endotraqueal precoce com suporte ventilatório deve ser
realizada se ocorrer insuficiência respiratória. Evite succinilcolina para intubação de
sequência rápida, pois poderia ocorrer paralisia prolongada. A descontaminação deve ser
realizada por pessoal com equipamento de proteção individual (EPI) adequado em área
bem ventilada. Todas as roupas devem ser retiradas com a pele descontaminada com
água e sabão. As medidas de descontaminação gastrointestinal são complicadas pela
rápida absorção do veneno, secreções abundantes, depressão do SNC e convulsões.
A lavagem gástrica pode ser realizada com proteção das vias aéreas por intubação
para evitar aspiração. Carvão ativado (1 g/kg) deve ser administrado, a menos que
contraindicado.

A atropina é um antagonista competitivo da acetilcolina nos receptores


muscarínicos. Assim, trata os efeitos muscarínicos e possivelmente a toxicidade dos
organofosforados no SNC, enquanto os efeitos nicotínicos permanecem inalterados.
Sua meia-vida média é de 70 minutos e a dose recomendada para crianças é de 0,05
mg/kg por via intravenosa. Deve ser repetido a cada 15 minutos até que as secreções
brônquicas sejam controladas e quando as secreções comecem a reaparecer. O tamanho
da pupila não deve ser usado para orientar a eficácia terapêutica da atropina. A atropina
só deve ser interrompida se houver sinais de atropinização grave (por exemplo, febre,
fasciculação muscular e delírio). As infusões contínuas de atropina podem ser iniciadas
em casos de toxicidade grave com taxa sugerida de 0,02 a 0,08 mg/kg/h e tituladas
contra a resposta. A atropina deve ser mantida por 24 a 48 horas.

A pralidoxima regenera a acetilcolinesterase fosforilada por organofosforados


e reverte os efeitos nicotínicos e muscarínicos da toxicidade do organofosforado. Deve
ser administrado 24 a 36 horas antes do “envelhecimento” da enzima. A dosagem para
crianças é de 20-40 mg/kg em 100 ml de solução salina normal durante 30 minutos, a
ser repetida uma hora mais tarde se a fraqueza muscular não for aliviada.

A dose recomendada para adultos é de 1 a 2 gramas administrados por via


intravenosa durante 30 minutos. Pode ser repetido a cada 6 a 12 horas por 48 horas
até que o paciente esteja clinicamente bem e não necessite de atropina. A infusão
de pralidoxima 500 mg/h (10 mg/kg/h) é recomendada para intoxicações graves ou
com risco de vida. O regime de altas doses (12 g) não é recomendado devido à maior
mortalidade. Os efeitos geralmente são aparentes em 10 a 40 minutos e incluem o
desaparecimento da convulsão e fasciculação muscular, melhora do nível de consciência
e retorno da força muscular. O ponto final terapêutico é a reversão das manifestações
muscarínicas e nicotínicas.

180
Envenenamento secundário de profissionais de saúde

A equipe do departamento de emergência que cuida de pacientes contaminados


com produtos químicos tóxicos deve manter alta vigilância sobre produtos químicos
perigosos, compostos voláteis ou partículas. No ano de 2000, três profissionais
de saúde (HCW) sofreram toxicidade organofosforada grave após exposição a um
paciente contaminado. Durante 1987-1998, o Instituto Nacional de Segurança e Saúde
Ocupacional identificou 46 profissionais de saúde com doenças agudas relacionadas
a pesticidas após fornecer cuidados a pacientes contaminados por pesticidas. Se um
paciente for colocado em uma sala de tratamento mal ventilada, a equipe médica sem
proteção respiratória pode apresentar sintomas de inalação de vapores de roupas,
pele ou vômito. Máscaras cirúrgicas nunca podem fornecer proteção adequada contra
vapores tóxicos. Portanto, ventiladores de exaustão (pressão negativa) foram instalados
na área de reanimação de nosso departamento após esse evento para manter a
ventilação adequada e evitar o acúmulo de substância tóxica volátil ou vapor.

O EPI adequado para exposição a OP deve incluir luvas de neoprene ou nitrila sem
forro, óculos de proteção, botas resistentes a produtos químicos e avental impermeável.
Uma máscara facial com filtro de vapor orgânico/partículas de alta eficiência deve
ser usada até que a descontaminação seja concluída. O requisito é equipamento de
proteção individual nível C.

Conclusão

Os inseticidas organofosforados são comumente usados em todo o mundo e o


envenenamento pode ser rapidamente fatal. A ressuscitação precoce com administração
de atropina e pralidoxima pode salvar vidas. Os médicos de emergência devem estar
cientes de envenenamento secundário ao fornecer cuidados a pacientes intoxicados. O
EPI adequado em uma área bem ventilada é de suma importância para a proteção dos
profissionais de saúde.

FONTE: <https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/102490790301000407>. Acesso em: 24 fev. 2022.

181
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A toxicologia analítica tem como objetivo identificar/quantificar toxicantes em


diversas matrizes.

• Drogas ilícitas, bebidas e demais alimentos, medicamentos, solo e matrizes biológicas


são frequentemente empregadas nas análises toxicológicas.

• As matrizes biológicas adotadas em análises toxicológicas são fluidos, tais como


sangue, plasma, soro, urina e saliva. Cabelo, pelo e unhas são matrizes alternativas,
indicadas para avaliação do uso crônico de algumas substâncias.

• Os principais métodos de triagem são: testes colorimétricos, a cromatografia em


camada delgada (CCD) e os imunoensaios.

• Os testes colorimétricos se fundamentam na reação entre grupos químicos funcionais


dos analitos de interesse e dos reagentes químicos que darão origem a complexos
coloridos.

• As técnicas cromatográficas têm como fundamento a separação de compostos


presentes na mistura com base na afinidade dos analitos entre duas fases: estacionária
e móvel.

• Os imunoensaios constituem técnicas simples que consiste na interação da molécula-


alvo (antígeno) com seu anticorpo correspondente.

• Os principais tipos de cromatografia adotados nos métodos confirmatórios são a


cromatografia em fase gasosa (GC) e a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).

182
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com a teoria da cromatografia de camada delgada, o fator de retenção (Rf)
da amostra pode ser calculado pela razão da distância percorrida pela amostra sobre
a distância percorrida, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Pelo padrão.
b) ( ) Pela fase móvel.
c) ( ) Pela placa.
d) ( ) Pela fase estacionária.

2 O uso de teste de cor talvez seja a forma de análise mais comum e utilizada para se
determinar a presença de certa substância em uma amostra, se tratando unicamente
de uma técnica qualitativa. Devido ao baixo custo de reagentes, fácil reprodução, a
qual, por uma reação química simples, revela resultados que podem ser interpretadas
a olho nu, as técnicas colorimétricas ainda hoje são utilizadas largamente em rotina
de laboratórios de química analítica. Sobre os testes colorimétricos, analise as
sentenças a seguir:

I- Os complexos coloridos podem sofrer variação na coloração, de acordo com a


concentração do analito na amostra e a presença de interferentes.
II- Os testes colorimétricos são extremamente sensíveis e preditivos, e por isso são
usados como métodos confirmatórios.
III- Os principais testes utilizados nas análises presuntivas de drogas de abuso são teste
de Duquenois e Fast Blue, para canabinoides e teste de Scott, para cocaína.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os resultados encontrados por meio de técnicas de triagem devem ser confirmados


por técnicas analíticas de princípio químico diferente daquele da triagem e com
parâmetros analíticos em níveis mais refinados, como elevada especificidade, são
os chamados testes confirmatórios. Neste contexto, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os principais tipos de cromatografia adotados nos métodos confirmatórios são a


cromatografia em fase gasosa (GC) e a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). 

183
( ) Os principais tipos de cromatografia adotados nos métodos confirmatórios são a
cromatografia em camada delgada (CCD) e a cromatografia líquida de alta eficiência
(HPLC).
( ) São considerados testes confirmatórios: os testes colorimétricos, a cromatografia
em camada delgada (CCD) e os imunoensaios.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – F – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A toxicologia analítica se dedica ao estudo de métodos precisos e de exatidão


adequada na pesquisa de toxicantes ou de parâmetros bioquímicos relacionados
à intoxicação ou às ocorrências de interesse toxicológico. Quais são as principais
aplicações da toxicologia analítica?

5 A maioria dos métodos confirmatórios tem base na cromatografia, isto quer dizer que a
identificação do analito é precedida por sua separação. Sobre a técnica cromatografia
em camada delgada, quais os fundamentos básicos?

184
REFERÊNCIAS
ALONZO, H. G. A.; CORREA, C. L. Praguicidas. In: OGA, S., CAMARGO, M. M. A., BATISTUZZO,
J. A. O. Fundamentos de toxicologia. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. p. 621-642.

ANDRADE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M. B. Toxicologia na prática clínica. Belo
Horizonte: Folium, 2001.

BRAIBANTE, M. E. F.; ZAPPE, J. A. A química dos agrotóxicos. Química Nova Escola,


São Paulo, v. 34, n. 1, p. 10-15, fev. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3KJ1pWD. Acesso
em: 24 fev. 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério do Trabalho. Portaria Interministerial nº 3, de


38 de abril de 1982. Brasília, DF: Diário Oficial [da] União, 28 abr. 1982. Disponível em:
https://bit.ly/3pyDoJw. Acesso em: 24 fev. 2022.

BRASIL. Lei nº 7-802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação,


a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização,
a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos
resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de
agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência
da República. 1989. Disponível em: https://bit.ly/3pXCHtG. Acesso em: 24 fev. 2022.

LAU, C. L.; CHUNG, K. L.; KAM, C. W. Accidental organophosphate insecticide poisoning:


a fatal child case with hazards to emergency department staff. Hong Kong Journal
of Emergency Medicine, hong Kong, v. 10, n. 4, p. 248-252, 2003. Disponível em:
https://bit.ly/369dMMx. Acesso em: 24 fev. 2022.

CARVALHO, V. M.; ROCHA, E. D. Toxicologia analítica: da triagem à confirmação. In: PEIXE,


T. S.; RIBEIRO NETO, L. M.; GRAFF, S.; SANTOS, C. E. M. Toxicologia: tópicos aplicados.
Curitiba: Brazil Publishing, 2020, p. 303-347.

COLLINS, C. H; BRAGA, G. L; BONATO, P. S. Fundamentos de cromatografia. Campinas:


Editora Unicamp, v. 1, 2017.

FRUCHTENGARTEN, L. V. G.; WONG, A. Intoxicações frequentes por praguicidas. In:


LOPES, A. C. Diagnóstico e tratamento. Barueri: Manole, 2007. v. 3.

GORZIZA, R. P. Desenvolvimento de metodologias analíticas utilizando espectrometria


demassaseanálisemultivariadaparaaplicaçãoemtoxicologiaeemdocumentoscopia
forense. 2021. 311 f. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas) – Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Porto Alegre,
2021. Disponível em: https://bit.ly/3i5wuaE. Acesso em: 24 fev. 2022.

185
GRAFF, S. E. Intoxicações exógenas. In: LOPES, A. C.; JOSÉ, F. F.; VENDRAME, L. S. (org.).
Proterapêutica: programa de atualização em terapêutica. Porto Alegre: Artmed, 2013.
v. 3, p. 9-153.

HERNANDEZ, E.; RODRIGUES, R.; TORRES, T. Manual de toxicologia clínica. São Paulo:
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, 2017.

LING, L. J.; CLARK, R. F.; ERICKSON, T. B.; TRESTRAIL III, J. H. Toxicology secrets.
Philadelphia: Hanley & Belfus, 2001.

MIDIO, A. F., MARTINS. D. I. Toxicologia de alimentos. São Paulo: Livraria Varela. 2000.

OGA, S.; CAMARGO, M. M. A.; BATISTUZZO, J. A. O. Fundamentos de toxicologia. 4. Ed.


São Paulo: Editora Atheneu, 2014.

PENTEADO, J. C. P; MAGALHÃES, D.; MASINI, J. C. Experimento didático sobre


cromatografia gasosa: Uma abordagem analítica e ambiental. Química Nova, São Paulo,
v. 31. n. 8, p. 2190-2193, 2008.

SANTOS; S. R. C. J.; LANCHOTE, V. L.; GIRAUD, C. S. Controle terapêutico – introdução


à toxicologia. In: OGA, S., CAMARGO, M. M. A., BATISTUZZO, J. A. O. Fundamentos de
toxicologia. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2014.

SCHVARTSMAN S. Inseticidas e produtos usados preponderantemente como inseticidas.


In: SCHVASTSMAN S. Intoxicações agudas. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 1991. v. 1.

SILVA, J. A. Tópicos da tecnologia de alimentos. São Paulo: Livraria Varela. 2000.

SILVA, L. C. Toxicologia dos alimentos – capítulo 7. Vitória: UFES, 2008. Disponível


em: https://bit.ly/3CFZ63u. Acesso em: 24 fev. 2022.

ZHANG, Y. V. et al. Liquid chromatography– tandem mass spectrometry an emerging


technology in the toxicology laboratory. Clinical Laboratory Medicine, [s. l.], v. 36,
p. 635–661, 2016.

186

Você também pode gostar