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Salvador/BA
2022
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
CENTRO DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS - PÓS-AFRO
Praça. Inocêncio Galvão, 42 -. 2 de Julho, Centro - Salvador - Bahia - Brasil CEP: 40.060-055 | tel: 71-3283-5504 |
posafro@ufba.br
Este projeto de pesquisa tem como objeto de estudo três obras literárias, sendo estas:
Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960); Amada (1987); e Niketche: uma história
de poligamia (2001); que, respectivamente, foram escritas pela brasileira Carolina Maria de
Jesus, a estadunidense Toni Morrison e a moçambicana Paulina Chiziane. As obras literárias
estão situadas em espacialidades e temporalidades diferentes, no entanto, ao meu ver, existem
três pontos em comum entre estas: (1) foram produzidas por mulheres negras; (2) representam
as vivências de mulheres negras; e (3) os contextos espaciais e históricos são marcados pelas
formas de “poder, saber e ser” da colonialidade (MIGNOLO, 2004). Desse modo, este projeto
pretende compreender como as autoras representam as implicações da colonialidade em suas
obras (CHARTIER, 2002; BOURDIEU, 2006), e, a partir do cruzamento dos pontos de vista
(WERNER; e ZIMMERMAN, 2003), interligá-las por meio meio da teoria interseccional
(AKOTIRENE, 2019), com o objetivo de desenvolver uma abordagem multidisciplinar que
contemple a pluralidade teórica, conceitual e temática que circunda as obras.
O interesse inicial na temática deste projeto se deu a partir do vídeo “Precisamos parar
de eleger qual opressão é mais importante”,1 que apresenta o pensamento da filósofa Djamila
Ribeiro relativo ao tema "interseccionalidade” e ressalta a importância de não hierarquizar as
formas de subordinação social. A reflexão proposta pela intelectual despertou em mim a ideia
de discutir sobre as categorias de “classe, raça e gênero”, enquanto marcadores de opressão
social, em períodos sucedidos pelas relações diaspóricas transatlânticas (THORNTON, 2004).
Nesse sentido, passei a encarar as obras literárias como fontes/possibilidades de compreender:
(1) em Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960), em que medida a desigualdade
social é representada a partir da marginalização da mulher negra no Brasil?; (2) em Amada
(1987), como as relações raciais, sobretudo as experiências de vida de mulheres negras, são
retratadas no período pós-abolição dos Estados Unidos?; e (3) em Niketche: uma história de
1
TV BOITEMPO. Precisamos parar de eleger qual opressão é mais importante. Djamila Ribeiro, 23 de
agosto de 2016. Disponível em: . Acesso em: 21 de julho de 2022.
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poligamia (2001), quais eram os papéis destinados às mulheres negras nos relacionamentos
conjugais em Moçambique?
De acordo com as problemáticas listadas anteriormente, pretende-se aqui, por meio da
interseccionalidade, desenvolver algumas análises que evidenciem as interações entre duas ou
mais formas de subordinação social (classe, raça ou gênero) em cada obra. Além disso, a
teoria interseccional também me permitirá, a partir da posição de pesquisadora (WERNER; e
ZIMMERMAN, 2003), entender: (4) como o Brasil, os Estados Unidos e Moçambique são
países marcados pelas relações diaspóricas transatlânticas? Quer dizer, como são atravessados
pelas expressões da colonialidade, enquanto um fenômeno histórico e cultural, que afeta as
formas de “poder, saber e ser” da vida de mulheres negras?
Tendo em vista a definição do objeto de estudo e a formulação das problemáticas, o
recorte temporal deste projeto justifica-se em razão das datas de publicação das obras, entre os
anos de 1960 e 2001. No entanto, pretende-se contextualizar as temporalidades das narrativas,
que, por sua vez, podem extrapolar a delimitação temporal definida previamente. No que diz
respeito à delimitação espacial (Brasil, Estados Unidos e Moçambique),2 compreendo que as
relações no contexto das diásporas transatlânticas possibilitaram que os países supracitados
fossem marcados pelas expressões de “poder, saber e ser” da colonialidade, sendo estes
alguns dos aspectos em comum entre as nacionalidades, no qual não afetou somente os seus
contextos históricos mas também as suas espacialidades, me possibilitando, assim, realizar
uma análise que conecte os espaços retratados nas obras.
2
Apesar de Moçambique ser banhado pelo Oceano Índico, sua conexão com o Novo Mundo ocorreu a partir das
trocas comerciais com os portugueses no séc. XVI, sendo também um país marcado pela colonialidade e pelos
marcadores de diferenças sociais. Para mais informações a respeito, conferir: CESÁRIO, Irineia Lina. Niketche:
a dança da recriação do amor poligâmico. (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) - Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2008.
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sim compreendendo-as como complementares, pois, de acordo com o crítico literário Walter
Benjamin (1993) “[...] a união da Literatura com a História, com o texto e contexto, não é
nova, mas pode ser reinventada a cada interpretação, abordagem e aplicação” (BENJAMIN,
1993, p. 24). Desse modo, pretende-se aproximar História e Literatura não com o objetivo de
evidenciar possíveis benefícios ou deficiências das áreas, mas com o intuito de “[...] pôr em
evidência o contrário: as potencialidades de cada uma” (SOUZA, 2020, p. 21).
A respeito da noção de “classe”, a partir da marginalização da mulher negra no Brasil
em Quarto de despejo (1960), farei menção às contribuições de Edward Thompson (2001), no
qual me instiga a pensar sobre o resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas)
que articulam a identidade de seus interesses contra o de outros cujos diferem (e geralmente
se opõem) dos seus. Essa inovação quebra com a forma binária de entender a classe: meios de
produção e trabalhadores; e introduz um novo elemento: a experiência (THOMPSON, 2001;
BRUNOW, 2009), experiência esta que é narrada e representada na obra de Carolina Maria de
Jesus, como podemos observar minimamente no fragmento a seguir:
No aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de
sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios impede a realização
dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei
um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar. Eu não tinha um
tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele
ficou com os litros e deu-me pão (JESUS, 1960. p. 10).
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vivênciadas pela população negra, sobretudo as mulheres, que estavam lidando com as feridas
da escravidão recém-abolida nos Estados Unidos, como podemos observar em Amada (1987):
Tem uma árvore nas minhas costas e um fantasma na minha casa, e nada
entre uma coisa e outra além da filha que está aqui nos meus braços. Chega
de fugir de qualquer coisa. Nunca mais vou fugir de nada neste mundo. Fiz
uma viagem e paguei a passagem, mas vou te dizer uma coisa, Paul D
Garner: custou muito caro! (MORRISON, 1987. p. 24)
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mulheres negras em contextos históricos e espaciais marcados pela colonialidade, o que nos
leva a compreender que as autoras não retratam somente as opressões de classe, raça e gênero
em suas obras (CHARTIER, 2001; BOURDIEU, 2006), mas também constituem um papel
importante ao discutir temas tão sensíveis e emergentes na contemporaneidade. Dessa forma,
penso a interseccionalidade não apenas por meio dos marcadores sociais, mas também a partir
do cruzamentos dos pontos de vista, entre a pesquisadora e o objeto de estudo (WERNER; e
ZIMMERMAN, 2003), com o intuito de evidenciar as implicações comuns da colonialidade
nas obras a serem analisadas (MIGNOLO, 2004).
2. JUSTIFICATIVA
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3. OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
● Evidenciar que o Brasil, os Estados Unidos e Moçambique são países marcados pelas
diásporas transatlânticas e, consequentemente, pelas expressões “poder, saber e ser” da
colonialidade.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
As fontes que pretendo utilizar na pesquisa são as obras literárias: Quarto de despejo
(1960); Amada (1987); e Niketche (2001); no qual, através de uma abordagem entre “História
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5. CRONOGRAMA
Tendo em vista a realização prévia da análise das fontes, bem como as leituras acerca
da temática a ser pesquisada, justifica-se aqui a viabilidade de execução do projeto a partir do
cronograma a seguir:
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Escrita da Dissertação x x
Qualificação da Dissertação x
Defesa da Dissertação x
6. BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin: obras escolhidas – magia e técnica, arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1993.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Deifel, 1989.
BRUNOW, Vanessa de Oliveira. Thompson, Classe Social, trabalhadores, movimentos
sociais e filantropia: um estudo sobre o uso conceitual nas experiências dos trabalhadores no
Brasil nas décadas de 1970, 1980 e 1990. ANPUH – XXV Simpósio Nacional de História –
Fortaleza, 2009.
CESÁRIO, Irineia Lina. Niketche: a dança da recriação do amor poligâmico. (Mestrado em
Literatura e Crítica Literária) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2008..
CHARTIER, Roger. A Beira da Falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2002.
_________, Roger. A Nova História Cultural existe? In: LOPES, Antonio Herculano;
VELLOSO, Monica Pimenta; PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e Linguagens: texto,
imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
DOMANSKA, Ewa. Constituição ancestral retroativa, novo animismo e modernidades
alternativas‖. História da Historiografia, v. 65, n. 1, 2014.
JESUS, Maria Carolina. O quarto de despejo: diário de uma favelada. Ed. 1ª. Rio de Janeiro:
Francisco Alves. 1960.
MACHADO; PAIVA. As mulheres na política de transferência de renda: uma revisão
sistemática da literatura. Psicologia Política. vol. 20. n.48. pp. 295-310. 2020.
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MORRISON, Toni. Amada; Beloved. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
__________, Toni. A origem dos outros: seis ensaios sobre racismo e literatura. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
MIGNOLO, Walter. Os esplendores e as misérias da “ciência”: colonialidade, geopolítica do
conhecimento e pluri-versalidade epistémica. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.).
Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado.
São Paulo: Cortez, 2004.
OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos
conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Concepts, Methodologies and
Paradigms. CODESRIA Gender Series. Volume 1, Dakar, 2004.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
2003.
SILVA, Jéssica Amanda de Souza. Trauma, memória e identidade em Beloved, de Toni
Morrison. Revista Letras Raras, Campina Grande, v. 9, n. 2, p. 94-111, jun. 2020.
SOUZA, Camila Rafaela Pereira de. Jane Austen e a História: um olhar sobre as relações
entre mulheres, espaços e classe em "Razão e Sensibilidade" e "Emma" (1811-1815). 2020.
213f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.
THORNTON, K. John. A África e os Africanos na Formação do Mundo Atlântico
1400-1800. Rio de janeiro: Elsevier, 2004.
WERNER, Michael e ZIMMERMANN, Bénédicte. Pensar a história cruzada: entre empiria e
reflexividade. Textos de história, vol. 11, nº 1/2, 2003.
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