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2008
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Resumo
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Abstract
This research hunt understands the apprenticeship’s cognitive mechanism that using the
cinema’s image in the development. We use to understand the mechanisms of the learning
through the cinema images, the Gaston Bachelard´s epistêmic model minded in his thesis
Ensais sur la connassance aprochée, from 1928. According to this model, the construction
of the scientific knowledge is initiates in the daily acts. The contacts with the reality that
would be extended in an interminable process, never depleted for the constant approaches
that the scientific research promotes. To each new movement of the knowledge, we
reconfigure our concepts, to apply them each better time to the situations of our lives, to
recognize them. In this work the use of cinematographic films to the construction of the
scientific concepts was explored. Our hypothesis is that they can useful in particular when
we work with ample dimensions, very large or very reduced of our realities and we need an
object for the abstractive process. The cinematographic film would be then capable to
present a series of important stimulatons, for example, in contents as the Biology and the
Anthropology, that relate with these scientific concepts limits, that require high capacity of
abstraction. Moreover, to be capable to recognize in a cinema film a learned scientific
concept is a form to fix this concept in the spirit of the student. The research carried with
students of Pedagogy seems to corroborate this hypothesis.
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Para Gorete
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Sumário
1 Introdução ............................................................................................................................... 06
5 Conclusão.................................................................................................................................. 95
6 Referências ............................................................................................................................. 100
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1 Introdução
A cada grande filme, cada vez mais cidadãos passam a fazer referência ao cinema
como uma realidade onde respaldar suas opiniões e juízos. Na verdade parte das intenções
da indústria cultural é gerar o mimetismo entre o filme e a vida cotidiana. É cada vez mais
freqüente se referir a um filme para abordar um assunto ou tema, na vida das crianças e
adolescentes. Filmes de grande impacto cultural como Matrix, Blade runner, Guerra nas
Estrelas são filmes que muitos jovens chamam à memória para falar de valores, ou de
imagens do futuro, ou de conflitos éticos. O cinema é cada vez mais uma referência para
falarmos da realidade. Por que não compreender mais a relação pedagógica do cinema para
nossa tarefa e compreensão objetiva dos fenômenos da realidade?
O objetivo da presente dissertação é compreender os mecanismos cognitivos do
aprendizado através das imagens de cinema, utilizando o modelo epistêmico desenvolvido
por Gaston Bachelard em sua tese de doutorado de 1928, recorrendo-se portanto à história
da ciência para entender um problema científico contemporâneo.
Buscamos utilizar a descrição e a explicação contida nesse modelo bachelardiano
para iluminar, a partir de agora, a relação das imagens cinematográficas com o aprendizado
de ciência.
Bachelard trata originalmente da teoria do conhecimento em os Ensaios sobre o
conhecimento aproximado, um texto no qual afirma que o conceito que se tinha do Real
estaria limitado. A indeterminação da realidade e as pesquisas sobre o cérebro humano,
sobre o sistema nervoso, as contribuições da psicanálise e as manifestações artísticas do
surrealismo formavam então um novo paradigma na cultura da França quando suas
pesquisas estavam em curso. Foi nesse clima ideológico que Bachelard, em suas
investigações epistemológicas, propôs um modelo de cognição que levasse em conta os
novos elementos da cultura e as novas tarefas da ciência. A pergunta inicial proposta por
ele é se conseguiríamos observar e descrever o movimento de aproximação do
conhecimento sobre si mesmo.
A tese de Bachelard parece ser um primeiro olhar conexionista na história da
ciência, um conexionismo científico. O conexionismo é uma tendência, uma linha de
pesquisa da Antropologia contemporânea e das neurociências que estabelece que o
conhecimento acontece no momento do encontro do sujeito com o objeto. A relação de
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conexão com o objeto se aperfeiçoa a cada novo encontro e, ergonomicamente, o sujeito
aborda um objeto recorrente com maior eficiência e utilidade. Quando o objeto são as
próprias descrições científicas, podemos dizer que:
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sentidos ou de seus aparatos técnicos, que também fornecem o real. Esse real pode ser
verificado ou reconhecido através dos objetos tecnológicos contemporâneos:
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com dimensões muito amplas ou muito reduzidas de nossas realidades, e se necessita de um
objeto para o processo abstrativo. O filme cinematográfico seria então capaz de apresentar
uma série de estímulos importantes, por exemplo, em conteúdos como a Biologia e a
Antropologia, que lidam com esses conceitos científicos limites, que requerem alta
capacidade de abstração. Além disso, reconhecer em um filme de cinema o conceito
científico aprendido é uma forma de fixá-lo no espírito do estudante.
A dissertação está dividida em duas partes. A primeira parte, teórica, apresenta o
modelo cognitivo de Bachelard, que serviu como conteúdo em minhas aulas para
fundamentar o uso da imagem na construção do conceito de ethos. A parte teórica foi
apresentada de uma maneira breve para os alunos ao longo do trabalho.
A segunda parte, empírica, retrata a busca pelo próprio Bachelard e explora a
aplicação do cinema em aulas de Antropologia da Educação, realizada com estudantes de
Pedagogia nos anos de 2006 e 2007. Os resultados obtidos parecem corroborar a hipótese
inicial.
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2 A Epistemologia do Conhecimento Aproximado de Gaston Bachelard
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órgãos sensoriais, são progressivamente assimilados, de forma seletiva, e retificados de
acordo com a sua utilidade ou não para a sobrevivência, de acordo com as conexões úteis
para a vida do organismo. Uma visão geral dessa primeira descrição pode ser apresentada
assim (principalmente em termos do conhecimento científico):
A – O contato com as regularidades físicas do real gera um conjunto de pontos de
referências habituais (ex. temperatura, formato, espectro luminoso, gravidade dos objetos,
medidas de uma máquina, etc.).
B – A descrição desses pontos de referência organiza o conhecimento inicial em dados.
C – A organização dos pontos de referência em dados faz com que a descrição de um
fenômeno do real possa ser incorporada em um sistema de explicação prévio (Que são as
hipóteses e os sentidos, etc.).
D – Propulsão = conhecer é descrever para reconhecer. O dado incorporado ao sistema de
explicação possibilita um movimento revigorado de retorno ao real, de natureza mais
objetiva que o primeiro movimento (A). Os dois modos do novo movimento de contato são
a assimilação (aproximação em termos da distância do contato) e a utilização
(aperfeiçoamento da descrição).
A descrição do conhecimento acima apresentada está próxima das atuais pesquisas
em neurobiologia. Há um grupo de pesquisadores que desenvolve estudos sobre a relação
entre a linguagem humana e as conexões cerebrais, chamado de Escola de Santiago e seu
principal expoente é Humberto Maturana, que descreve a aquisição e uso da linguagem
humana como uma extensão adaptativa do funcionamento cerebral, onde conhecer é se
estabelecer fisiologicamente através de laços lingüísticos. Portanto na história da filosofia e
da ciência, a pergunta sobre o que é o conhecimento foi respondida de diversas maneiras,
desde as referências à essência metafísica interior, até a anatomia das mais singelas células
neuronais.
Há diversas descrições sobre os processos cognitivos, e cada qual possui uma
relação com um conjunto de pesquisas, em cada tempo histórico, e em cada cultura. Neste
capítulo, pretende-se resgatar uma descrição do conhecimento e da cognição feita no início
do século XX, e avaliar a pertinência dessa descrição abordando um problema
contemporâneo. Isso é dificultado pela ausência de referências e estudos sobre a tese de
Bachelard no Brasil, o que motivou a necessidade de se investigar na terra de Bachelard.
A descrição no nosso caso é a que fez Gaston Bachelard em sua tese de doutorado
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Essai sur la connaissance approchée, o Ensaio sobre o conhecimento aproximado,
defendida em 1927 e publicada no ano seguinte, na qual ele apresenta seu estudo sobre a
capacidade de conhecimento do ser humano. Bachelard justifica nesse livro a utilidade do
conhecimento científico, considerado por ele como um conhecimento do tipo aproximado.
O problema contemporâneo sobre o qual pretendemos falar baseando-nos no Ensaio é a
profusão de imagens das sociedades atuais.
Acreditamos que a idéia de uma evolução dos saberes humanos não deve
desconsiderar as teses filosóficas do passado. Na filosofia, diferentemente de outras áreas, a
palavra dos sábios ainda é objeto de reflexão. Inúmeros pensamentos do passado, alguns
milenares, ainda hoje iluminam nossas ações, são fontes de sabedoria. Por isso recorremos
a Bachelard, que foi um filósofo preocupado em compreender o conhecimento e a cognição
das imagens.
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A biologia trata de entidades vivas dos mais variados tamanhos e tipos. No ensino
de genética, por exemplo, o estudante deve se familiarizar com estruturas e processos
microscópicos, fazendo uso de sua imaginação na maioria das vezes para compreender os
fenômenos hereditários. O ser humano não tem acesso imediato a esses fenômenos: não é
possível identificá-los em condições comuns de percepção.
A biologia lida com a consciência crítica dos seres humanos, os saberes sobre a
natureza. Os conhecimentos gerados e difundidos nesse domínio da ciência são cada vez
mais eticamente necessários; são cada vez mais adaptativos para a espécie humana.
Vivemos em um contexto sócio-cultural de intervenções sistemáticas do homem na
biosfera, na existência dos organismos vivos e sistemas ecológicos; até em seu próprio
material genético. Construir um conhecimento tão adaptativo e importante quanto o
conhecimento biológico com estudantes no mundo inteiro é necessário, e pode ser um passo
para novas possibilidades de relação entre o homem e a natureza. A questão é o grau de
complexidade das pesquisas e resultados na biologia contemporânea.
A linguagem biológica necessita de níveis maiores de abstração, exigidos para a
compreensão e construção dos conceitos escolares sobre esses temas, o que é de grande
dificuldade para alunos e professores de biologia. Sabemos que os conceitos biológicos
ensinados na escola têm validade e pertinência fora dela. Mas a escola é o local da fixação
desses conceitos na experiência cognitiva dos alunos, por esse motivo distinguimos aqui
conceitos escolares.
O conhecimento também é a estrutura relacional do homem com seu ambiente. A
ignorância sobre os fatores naturais, motivada pela ganância de alguns grupos políticos têm
colocado em risco a existência da vida. Isso é uma afirmação científica? Segundo o modelo
bachelardiano o conhecimento é um tipo de relação entre um sujeito e um objeto, e o
resultado do conhecimento, o produto do conhecimento é a aproximação. O progresso do
conhecimento é a gradativa aproximação entre esse sujeito e esse objeto, e desde a
civilização grega que é defendido e incentivado culturalmente, por ser uma das formas mais
importantes do vínculo inacabado entre o homem e o universo.
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2.2 O conhecimento como Aproximação
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A exatidão pode nunca ser alcançada, pois o real, o objeto, está se constituindo em
outras dinâmicas materiais diversas, tão microscópicas quanto os fenômenos biológicos. A
exatidão do conhecimento parece estar ligada ao próprio principio de identidade do objeto.
A distância se dá pela própria constituição física da realidade. Além disso, a matéria é
fluida e inconstante2, rica em estágios. Outra causa dessa distância entre o sujeito e o
objeto, que impede sempre o saber absoluto, é a própria constituição biológica da cognição
humana.
A exatidão que Bachelard propõe como objetivo e nega como possibilidade é o alvo
da aproximação do conhecimento. Ela pode ser buscada através do aperfeiçoamento das
funções epistemológicas.
A exatidão do conhecimento é um ponto de disputa histórica na filosofia, sobre o
qual dois grupos de filósofos têm discutido ao longo do tempo. Um desses grupos defende
a possibilidade de uma exatidão do conhecimento, o outro defende a impossibilidade do
conhecimento exato e da própria busca por exatidão.
Para um dos grupos, o chamado Realista, a realidade é um fenômeno independente
do pensamento, possui uma identidade absoluta. O conhecedor deve descobrir a essência
dessa realidade e então chegará à exatidão do real, sua objetividade. O outro grupo,
chamado de Idealista, nega tanto o ideal de exatidão quanto o conhecimento aproximado.
Para esse grupo, o pensamento tem acesso apenas a ele mesmo; o pensamento só encontra a
si mesmo: a realidade em si, o objeto está fora de nossas possibilidades 6 .
Esses dois domínios filosóficos, realismo e idealismo, propõem duas maneiras
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opostas para tratar das relações entre o sujeito conhecedor e a realidade a ser conhecida. Na
época em que Bachelard escrevia sua tese, eram dois domínios influentes na filosofia e na
ciência. Bachelard ao longo do Ensaio apresenta suas criticas às duas posições. Ele propõe
uma dialética entre os dois pontos de vista.
Para sair do problema da possibilidade ou não de exatidão do conhecimento,
Bachelard começou a estudar o papel do erro no conhecimento. O que ele significa? Que
tipo de entendimento sobre o conhecimento podemos obter analisando o erro? Seria uma
concepção de Bachelard que o que chamamos de realidade não é um estado independente
de nossas capacidades de cognição? E nesse sentido poderíamos dizer que o erro, o cálculo
equivocado, os absurdos conceituais, as ficções, também compõem legitimamente o
conjunto de “fatos” do universo humano, uma vez que são realizações perceptivas? O que
diferenciaria um conhecimento qualquer de um conhecimento científico, de acordo com
essa reflexão? Podemos dizer que o conhecimento científico busca não se fixar como
elemento constituinte de um universo de coisas e fatos a serem aceitos, mas que está
envolvido em uma dialética da “aproximação”: um fato conquistado pela percepção pode
possibilitar o aperfeiçoamento de uma nova percepção, indicar outro fato.
A realidade começa a existir no momento da aproximação entre o sujeito e o objeto,
sendo os equívocos do conhecimento uma parte da realidade. Os erros que cometemos ao
julgar os objetos são formas possíveis de relação com estes objetos, são rotas. Podemos
admitir que o conhecimento pressupõe indeterminações, mas qual o impacto disso nas
representações que fazemos do mundo? Saber que há indeterminações no conhecimento
não mais nos leva a um ceticismo. Bachelard é um filósofo que historicamente contribuiu
para que o paradigma da indeterminação tivesse lugar na ciência mundial:
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demonstrados e evitados tendo em vista a utilidade do objeto que materializa o
conhecimento. O funcionamento de uma mercadoria tecnológica deve ser positivo,
demonstrar que o conhecimento sobre todos os processos estava correto.
Portanto, realistas e idealistas, disputando sobre o que é a realidade, ou sobre o grau
de certeza do conhecimento sobre o real, precisam, segundo Bachelard, admitir a inexatidão
de suas próprias reflexões como sendo elas mesmas os momentos da aproximação do
sujeito com o objeto. No caso dessa disputa, o objeto é o próprio conhecimento:
É nessa perspectiva da incerteza do conhecimento que Bachelard admite o erro
também como um tipo de conhecimento. Voltaremos mais tarde a refletir sobre o papel do
erro, principalmente porque ele está sempre presente no processo de construção do
conhecimento científico.
A discordância de Bachelard com relação aos realistas e idealistas de sua época está
no papel que a inexatidão tem para o movimento do conhecimento.
Para todo aquele que diz que o conhecimento depende do sujeito conhecedor,
Bachelard no Ensaio vai dizer que não apenas. Há uma estrutura física, material no mundo
que nos rodeia, que possui suas próprias determinações. Para o outro grupo que afirma que
o conhecimento não depende do sujeito, exatamente por que há um conjunto de outras
determinações externas, do meio material, Bachelard vai dizer que o conhecimento humano
é uma reelaboração.
Para entender o alcance desta proposta teórica, vamos admitir como consistentes as
categorias psíquicas com as quais Bachelard trabalha na sua tese:
– O Pensamento surge com a linguagem e passa a reagir na presença dos objetos da
realidade. O pensamento está sempre temporalmente no presente, mesmo que reaja
aos dados da memória. É guiado pelo Espírito.
– O Espírito é o local da vontade, faz a confrontação do dado com as estruturas
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prévias. Realiza abstrações espaço-temporais e tem acesso à memória.
- A Memória é uma inflexão do espírito, o conjunto de esquemas oriundos de outros
conhecimentos anteriores e possui a função de ser o passado para o organismo. O
sujeito, segundo Bachelard é dotado de espírito, pensamento e memória. O espírito é
a sede do eu, a intencionalidade. O pensamento é o fluxo de impressões sobre a
realidade, e alimenta o espírito com dados constantes sobre o presente do
organismo. A memória é o conjunto de arquivos de representações celulares.
No caso do ser humano, a bagagem celular não permite uma vida sem aprendizado,
uma vida sem o conhecimento. Nascemos muito distantes da realidade, muito incapazes de
estabelecer contatos. Conhecer é essa aproximação com os objetos que nos rodeiam, sejam
eles objetos naturais, sejam culturais.
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Aproximação é ao mesmo tempo um ato de refinamento do próprio movimento,
para torná-lo mais preciso. A linguagem humana, por exemplo, é um dos resultados do
aprimoramento histórico dos signos e situações de aproximação humanas: (que encurtou
distâncias) pela habilidade de manuseio dos objetos; como também a classificação deles por
meio dos vários processos de descrição. Dentre as formas de registro do conhecimento, a
mais fecunda para novos movimentos, no Ensaio, parece ser a descrição científica. No
início do século XX, o Círculo de Viena, através de um de seus fundadores, Rudolf Carnap
(1891 – 1970). Carnap lançou em 1928 o texto Pseudoproblemas na filosofia, onde aborda a
questão. A solução que Carnap propõe é diferente da de Bachelard: para Carnap o problema
está na linguagem da ciência, e não na epistemologia.
O Bachelard do Ensaio se concentra no movimento do conhecimento, nos estímulos
materiais que causam na percepção as imagens celulares. Atualmente tanto o paradigma
realista quanto o idealista são questionados pelas pesquisas contemporâneas nas ciências
biológicas, principalmente pelas pesquisas da chamada Escola de Santiago, os
conexionistas, dos quais acredito ser Bachelard um dos primeiros a intuir as questões
centrais; justamente o tema da conexão entre o sujeito e o objeto.
I– O conhecimento aproximado como um saber que se move para diminuir uma distância
entre o sujeito e o objeto (figura 3)
II– O conhecimento aproximado como um saber que se move em busca da exatidão de uma
descrição.
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2.6 A Dialética da aproximação
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2.7 A linguagem como um objeto material
O registro escrito de uma língua, a gramática possível, é por esse motivo um objeto.
Fonte de estímulos visuais para juízos do espírito, a descrição funciona como um outro
lugar do estímulo físico microscópico, um lugar cultural. Para assimilar os dados do real e
para utilizá-los, as culturas humanas têm desenvolvido uma série de procedimentos. A
ciência é um deles, tipo de registro de conhecimento. Bachelard elogia a ciência,
diferenciada em seus procedimentos de assimilação dos dados e de sua utilização. Segundo
Bachelard, a maneira que os cientistas utilizam para assimilar os dados é a descrição.
Segundo ele, na ciência, conhecer é descrever para reconhecer. Podemos dizer, além disso,
que a descrição científica é a matéria prima do aprendizado de ciências escolares.
No capítulo oitavo de sua tese, Bachelard apresenta a pesquisa científica como
conceptualização, ou seja, o descobrimento, a investigação primária, inicial, baseada nas
hipóteses dos cientistas, um verdadeiro processo de criação nas ciências. Outro processo é o
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de conceitualização, que representa a descrição do fato em termos de um conceito, uma
explicação. Considero que busca do cientista é pela conceptualização, de acordo com a
distinção de Bachelard. Para ele há um momento que chamamos de conhecimento, e um
momento posterior, chamado de reconhecimento.o reconhecimento está ligado ao grau de
precisão do conhecimento. Se pensarmos a comunidade científica, como composta, tanto de
cientistas, como de mestres e estudantes, observamos que cada sujeito participa dessa
comunidade de maneiras diferentes.
Estudantes e professores de ciências reconhecem conceitualmente o universo de
fenômenos ao seu redor. A cada movimento de ampliação do conhecimento, a comunidade
científica como um todo têm mais possibilidade de reconhecer o mundo.
Ao professor e ao estudante de ciências, muitas vezes distantes de todos os
mecanismos de descoberta e pesquisas científicas, percebo que o processo de conceituação,
de gerar e discutir, empregar e rediscutir os conceitos científicos em sua experiência
cotidiana cabem a esses dois sujeitos
A assimilação e a utilização total dos dados do real são tarefas impossíveis para o
conhecimento humano, ainda que devam permanecer como um projeto. A perfeição de um
conhecimento não está no esgotamento do real, mas a dialética que a descrição deve ter
entre a clareza e a minúcia. Na realização técnica, por exemplo, na construção dos
aparelhos tecnológicos, a descrição científica dos mecanismos, em termos da clareza e
minúcia é fundamental para o sucesso do artefato.
A descrição será sempre parcial, pois o objeto sobre o qual ela se empenha em
representar: os pontos referenciais do real, que constituem a realidade que se investiga, são
essencialmente dinâmicos:
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2.8. Os pontos de referência do real
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O dado, após sua assimilação ao sistema explicativo, passa a ser um ponto de
contato habitual com a coisa, o fenômeno, que é o fato científico; torna-se um conceito,
cumprindo seu papel na utilização que dele podemos fazer. Entretanto o dado assimilado
não é um momento pleno, é um momento provisório. A sensação de certeza que um
conhecimento estabelecido conceitualmente pode dar é ilusória, principalmente nas
ciências. As pesquisas científicas mudam de caráter quando consideramos previamente a
impossibilidade de figuração absoluta do real em termos dos dados.
Na filosofia, a polêmica dessa afirmação acontece no pensamento de Ludwig
Wittgenstein (1889 – 1951), que em uma obra de 1918, chamada Tractatus logico-
philosophicus, relaciona nossas dificuldades de conhecimento com a própria lógica da
linguagem. Esse argumento é utilizado pelo Círculo de Viena nas teses sobre a linguagem
cientifica como o fator, o conhecimento objetivo.
Bachelard não utiliza esse argumento. Para ele, a questão do conhecimento parece
ser mais ontológica que lingüística. A cognição humana é limitada em sua natureza
biológica. As razões dessa limitação fisiológica da cognição não são discutidas no Ensaio,
talvez por serem de ordem metafísica (sobre o que não se pode falar, se deve calar?).
Bachelard aborda a necessidade humana de ciência para lidar com a indeterminação do real
e com a necessidade de sistematização dos dados apreendidos: a ciência como um
instrumento humano na superação das limitações ontológicas. O conhecimento é uma
necessidade humana. A retificação é o processo de fixação do dado na representação
interna do sujeito conhecedor. É um momento provisório. A propulsão é o novo
movimento de aproximação possibilitado pela retificação anterior. A realidade se altera no
conteúdo do conhecimento quando novos dados são construídos mediante os estímulos do
real. Na aproximação que o conhecimento faz, partimos de um estado de exatidão para
outro ao ampliar o sistema de descrição.
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pergunta: Apesar de serem apreendidos pela percepção, e, como veremos mais tarde,
representados pelas células desses órgãos perceptivos, os fenômenos qualitativos e os
fenômenos quantitativos são passíveis de uma descrição precisa?
Ao dizer que de alguma forma representamos esses fenômenos, uma vez que os
percebemos, dizemos que eles são passíveis de uma aproximação, de uma descrição na
linguagem usual. Esse é o primeiro momento da aproximação. Um segundo momento seria
tentar explorar a descrição das minúcias do dado, sempre pensando no ideal de clareza,
como nos recomenda Bachelard.
Os fenômenos com os quais estamos habituados a lidar, os macrofenômenos do
cotidiano e suas regularidades, cujo acesso temos pelas aproximações anteriores, são os
dados que nos permitem configurar a realidade imediata. Eles parecem estáveis, ou
logicamente estáveis. Bachelard nos chama a atenção no Ensaio para o fato de que
consideramos reais inicialmente apenas aqueles aspectos do real que podemos formatar
com nossa percepção: dimensões megascópicas e dimensões microscópicas não são
percebidas naturalmente.
A realidade dos objetos que possam existir nessas escalas, nesses espectros de
tamanho, para além de minhas capacidades orgânicas; é motivo de dúvidas.
27
microscópicos.
Os elementos microscópicos do real questionam nossos instrumentos habituais de
percepção, os órgãos do sentido, e até mesmo os instrumentos técnicos de medição.
Na epistemologia do Ensaio, Bachelard descreve a cognição humana justamente
para tentar falar do conhecimento dos fenômenos limites, tendo em vista a nova cosmogonia
que a teoria da relatividade trouxe. Os fenômenos limites eram procurados e estudados
intensamente pelos físicos e químicos no início do século XX na Europa. O mundo
microscópico e irregular, o mundo macroscópico e a s enormes distâncias e ordens de
grandeza dos fenômenos cósmicos. Essa era a fronteira da ciência no início do século. O
homem e sua complexidade cognitiva também passou a ser considerado um fenômeno
limite, principalmente pela Psicanálise, ciência que Bachelard irá se aproximar nos anos
depois da publicação de sua tese. Sobre as fronteiras do conhecimento humano, sobre si e
sobre o mundo, Bachelard nos diz:
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o ensino de ciências biológicas: é que duas estruturas necessárias de aprendizado são
abordadas por Bachelard: a microdimensão dos fenômenos biológicos e a importância da
abstração para o conhecimento científico.
Bachelard apresenta a abstração como uma etapa do conhecimento científico. Ou
seria para ele a abstração o próprio formato do conhecimento? As pretensões de
objetividade da ciência, que negam a subjetividade do cientista, são criticadas por
Bachelard. O ideal de objetividade, de neutralidade, não é uma característica primordial da
nova ciência, do início do século XX. Bachelard procura alargar as fronteiras do
conhecimento para o terreno da irracionalidade. A nova arte e a nova ciência podem ter em
comum a defesa do imaginário, do não-ser. No campo das artes, no mesmo período, o
Surrealismo;
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2.13. A integração dos movimentos
30
para designar o órgão responsável por se apropriar do conteúdo do pensamento. Espírito
não é uma palavra que os biólogos gostavam de usar.
O Espírito reorganiza a memória, e é a sede da vontade do indivíduo. Não seria
espírito uma categoria muito metafísica para a pesquisa científica na França e nos países
influenciados culturalmente por ela, como o Brasil?
2.14. A Retificação
Os fenômenos elementares, que não são visíveis, são possíveis de uma descrição
precisa? Bachelard vai responder a essa pergunta descrevendo o próprio conhecimento, que
também é constituído por fatos invisíveis, ao nível das células, em seu fenômeno elementar.
A ciência na época de Bachelard avançava até os níveis invisíveis, com aparelhos
tecnológicos de medição do átomo e de visualização das células e suas estruturas, mas os
instrumentos eram limitados. A observação científica dos fenômenos microscópicos era
ainda precária se comparada aos modernos laboratórios de hoje.
A questão começa a ser esclarecida no Ensaio com a suposição de que tanto a nível
celular quanto no nível do espírito ocorrem processos de representação. No nível celular a
representação, ou retificação, acontece nas próprias células envolvidas na percepção e na
transmissão do impulso até os centros nervosos.
Nesse momento ocorre uma segunda retificação, que é a representação feita pelo
espírito, com a ação do pensamento, armazenando o dado na memória. Esse processo é
uma forma de fixação do conhecimento, na dinâmica do organismo conhecedor, iniciando-
se nas células e terminando na descrição, tarefa do espírito, e principalmente do espírito
científico, numa espécie de impressão objetiva da realidade.
No início do Ensaio, a sensação que temos é de que: a objetividade não está no
universo externo. Também não está no conhecimento elaborado e apresentado na
linguagem, no universo interno. A objetividade está na conexão do indivíduo com o objeto.
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2.15. Do dado bruto à assimilação funcional
O ser humano é composto por diversos grupos de células diferenciadas pelo formato
e funcionalidade, como ocorre com quase todos os seres vivos. A dinâmica de
funcionamento dessas células, as reações químicas que se processam a todo instante,
geradas em seu conjunto, constitui a vida do organismo. Dentre essas células temos as
células nervosas, que são aquelas capazes de sensações perceptivas.
Essas células, localizadas também nos órgãos sensores, como os olhos, recebem o
dado bruto da realidade, o conjunto irracional de estímulos físicos, químicos ou motores.
O dado bruto assim descrito é toda coleção dos objetos possíveis de serem percebidos pelo
limite dos órgãos perceptivos. O dado bruto são es estímulos físicos, químicos e motores do
ambiente, s pontos de referência no momento iniciado conhecimento. Esses pontos ainda
não estão representados pelo sujeito, é o inominável. Ao percebe-los, não necessariamente
se conhece (para Bachelard, conhecer é reconhecer para descrever). O conjunto de células
receptoras se localiza nos vários órgãos do corpo que podem estabelecer contato com o
meio externo ao organismo. Seja pela pele, olhos, ouvidos, etc. Essas células são sensíveis
à presença do dado bruto, a idéia contemporânea que elas se alteram morfologicamente na
presença do estímulo. O impulso do estímulo se apresenta às células em um movimento, e a
depender da interatividade entre os dois pólos é gerada uma reação, que deve corresponder
a um índice único.a célula que reage positivamente ao estímulo,se altera estruturalmente e
transmite a alteração para outras, gerando um movimento que é a percepção do sujeito.
No entanto, o dado bruto não tem em si um valor representativo, segundo
Bachelard. Não tem um significado 19 . Bachelard não deixa claro em sua tese quais são os
tipos e modalidades de encontro entre as células perceptivas e os dados brutos: se o contato
do dado bruto com as células nervosas responsáveis pela percepção é do tipo de uma
fagocitose, ou se trata de uma estimulação sem contato, a distância.
Sem interação, não há estimulação. Mas de que maneira Bachelard propõe esse
contato entre o objeto estimulador e os órgãos da percepção? Vamos ver um trecho em que
ele aborda o problema:
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temos a intuição do movimento intelectual, e o contato espírito-objeto
supõe uma impossibilidade idêntica ao contato de dois pontos. Se eles se
tocarem, se absorvem, ou melhor, se aniquilam na mesma unidade 20
33
perceptoras, e é possível porque essas células podem, segundo o filósofo, acumular, de
experiências desses contatos, uma certa memória mecânica:
(...) esse abstrato elementar, por mais que sua unidade e seu papel de
sinal lhe ofereçam estabilidade, vai necessariamente transformar-se,
depurar-se pela simples força de assimilação funcional. De fato, essa
assimilação funcional nem sempre é uma assimilação rigorosa, e só tem
sentido se retificar a substância nervosa para obriga-la a receber sempre
melhor as impressões do real. 22
34
2.16. Assimilação intencional e o problema da linguagem
35
bem considerado, ela vai desenvolver-se em sentido inesperado, pois para a
depuração do conceito não é o objeto que chama – suas exigências seriam
sempre mínimas, já que bastaria uma característica para designá-lo -, mas é
o espírito que projeta esquemas multiplicados, uma geometria, um método
de construção e até um método de retificação. 25
36
2.17. O Espírito
Alguém vai decerto perguntar de que modo já se conhece. Mas por que
exigir mais do epistemólogo que do físico? O epistemólogo, tanto
quanto o físico, não pode eximir-se das questões de origem? Se nos for
dada uma nebulosa, já é tarefa difícil descrever sua condensação. 27
2.18. A Abstração
37
2.19. O Microconhecimento e o Macroconhecimento
Segundo Bachelard nos diz que não há pensamento sem linguagem, logo
entendemos que a abstração não é um processo automático, mecânico, mas intencional. A
criança não está ainda totalmente imersa no mundo lingüístico de sua cultura; nela há o
acúmulo de assimilações funcionais sem as posteriores assimilações intencionais,
38
intermediadas pelo idioma e pelos sentido sociais dos objetos. A ação do espírito, sem a
linguagem, não se completa. O ato de reflexão sem a linguagem é infrutífero.
A identificação do objeto retificado na estrutura celular é o sucesso da assimilação
mecânica e o sucesso da assimilação intencional. Bachelard considera o momento do
reconhecimento como o de uma constatação do fenômeno. O poder de discriminação, a
capacidade de classificação, o costume com os objetos são realizações do espírito, auxiliado
pela possibilidade de nomear que a linguagem dá. A finalidade de toda linguagem humana
é: ser o elo entre a assimilação funcional e assimilação intencional.
2.20. O Pensamento
39
Jardins de Dijon 05/01/07
40
2.21. O contínuo da realidade
41
A aproximação é a progressiva capacitação das células perceptivas, que possuem a
função de direcionar o impulso recebido pelo meio. Também há uma evolução do espírito
em aplicar juízos: tomar decisões sobre as situações de vida, sobre as informações
necessárias para a ação. A aproximação mais uma vez, nessa argumentação, deve responder
aos critérios de utilidade. A diferença entre um estado de consciência inicial e o novo
estado de consciência é que depois da assimilação intencional o objeto retificado começa a
compor o mundo do sujeito: suas significações. A retificação é uma etapa do movimento
do conhecimento em direção ao real. É algo surpreendente, pois são as impressões objetivas
do contato, comprovando suspeitas de um realismo mitigado de que há uma possível
realidade. A retificação é questionada na perspectiva dos céticos (para os quais não há um
conhecimento possível). O elemento re-conhecido nesse segundo encontro pode não
ressurgir. O elemento pode não ser distinguido da somatória de objetos que compõem o
contínuo de coisas. Nesse caso não houve a representação; podemos dizer que não
conhecíamos o objeto procurado.
42
manufaturados apresentam. 30
Já vimos nos primeiros tópicos desse capítulo que o primeiro movimento do
conhecimento é o contato do sujeito com o dado bruto. Esse dado é objetivado na
representação celular, que Bachelard chama de assimilação funcional. Após esse momento,
segue-se a ação do pensamento sobre a representação, disponibilizando-a recorrentemente
ao espírito. O espírito é responsável pelas abstrações e utilização da memória. São todos
movimentos simultâneos: O pensamento transforma em objeto da consciência as
representações das células sensoras, espalhadas por todo o corpo. As representações
celulares ficam disponíveis para os estados de consciência; o pensamento coloca-as no
presente do indivíduo, em velocidades diferenciadas, de modo que sejam conhecimentos
úteis para as ações de sobreviver.
43
necessidade adaptativa. É a modalidade humana de conhecer: a unidade tempo espacial do
presente. O espírito unifica todas as representações, de velocidades e estímulos diferentes,
flexibiliza, deforma, abstrai ao máximo, utilizando suas várias faculdades, seus vários
juízos, e também utilizando as representações celulares elementares, (que são milhares por
todo o corpo humano). Juízos são faculdades, habilidades e maneiras de agir.
A geometrização dos dados retificados é possível por dois motivos: pelas próprias
qualidades dos dados, e pela natureza da impressão desses dados na superfície das células
perceptoras. Podemos citar como exemplo as alterações morfológicas das células dos olhos
no momento de contato destes com as imagens, com a luz em movimento. A seqüência
linear positiva de índice único organiza as alterações celulares. Essas representações
organizadas são utilizadas pelo espírito. Elas são transmitidas pelo corpo através de cadeias
de perturbações morfológicas, e de impulsos nervosos, até as centrais fisiológicas,
cerebrais principalmente: onde as associações acontecem.
As unidades da representação celular são possíveis de serem convertidas em
imagens. O espírito percorre os limites dessas representações, através dos juízos (figura 8).
Não percebemos no Ensaio uma concordância com Immanuel Kant sobre os juízos a priori.
Para Kant, haveria um conjunto estruturado de ações, disponíveis ao espírito, que
seriam anteriores a qualquer experiência. Para Bachelard, a vida do espírito tem uma
relação com o surgimento da linguagem, por isso os juízos necessitam passar por uma vida
cultural, necessariamente. Outra diferença de Bachelard para Kant é a admissão de Kant de
que há uma metafísica no espírito, o que explicaria o apriorismo de certos comportamentos.
Bachelard cita os juízos de dedução, o juízo de intercalação, o juízo sintético, o juízo
analítico, o juízo de negação e o juízo de aproximação. Esses juízos compõem a faculdade
de abstração.
44
2.25. O Conceito
O conhecimento descrito por Bachelard até aqui deve ser considerado em seus dois
momentos; a retificação celular e a retificação do espírito, resultados de dois processos: a
assimilação funcional e a assimilação intencional. Dito assim, acreditomos ter resumido em
grande parte um esquema de compreensão da epistemologia do Ensaio. O conhecimento é
um ato, não está em um início, a priori, está após uma etapa fisiológica de registro. O
conhecimento é o reconhecimento do que foi fixado no espírito, uma necessidade humana
de adaptação e evolução. O movimento de aproximação do conhecimento, tema central da
tese de 1928, em seus dois sentidos, ocorre nas duas retificações. Tanto no nível celular nos
aproximamos do objeto pelo aperfeiçoamento das células, a acuidade das superfícies,
quanto no nível do espírito nos aproximamos do objeto em uma espécie de desenvolvimento
45
ergonômico, onde a convivência com os dados do real possibilita novos comportamentos,
novos comportamentos inclusive de pesquisa, de estudo. Dessa forma os dois sentidos da
aproximação se realizam.
No nível celular, a distância com relação ao objeto percebido diminui, em termos da
velocidade da distinção, quando conseguimos situar tudo com o máximo de rapidez. O
outro sentido do conhecimento no nível da retificação da célula é um aperfeiçoamento
progressivo da captação do impulso, como dissemos, de maneira que o esforço de
objetividade na classificação das qualidades aumenta, aumenta a captação das nuanças e
detalhes do real. O conhecimento na representação celular, o microconhecimento é
resultado de mecanismos biológicos, reflexos, do indivíduo. Entretanto eles podem ser
educados. Para admitir que esse microconhecimento se mantenha e contitua o conhecer
total do indivíduo, sua capacidade cognitiva, devemos pressupor que há nessa tese uma
idéia de descontinuidade do real e de continuidade do espírito. A multiplicidade de
elementos que compõe o real é percebida de acordo com a peculiaridade do estímulo, seja
físico, químico, motor, os estímulos são multidimensionais, ou seja, partem de uma série de
fontes históricas ao indivíduo, descontínuas. O indívíduo possui vários órgãos distintos de
percepção, e como são fenômenos de ordem de qualidade distintos, as representações
celulares também são distintas. O fenômeno externo ao indivíduo é captado na sua
descontinuidade, portanto. O juízo sintético do espírito faz a sincronização das
representações. O reconhecimento da realidade percebida não é uma nova percepção da
descontinuidade, mas demonstra a fixação dos conceitos básicos à imagem e ao som
(representações celulares) e os conceitos elaborados (os predicados lingüísticos como nome
das cores, nome das formas, nome da música, etc).
Numa cultura, a acuidade visual, que é o progressivo aperfeiçoamento da percepção
visual é estimulada nas crianças desde o seu nascimento, de maneira que um adulto nessa
cultura distingue em uma grande soma de objetos aqueles a que o sujeito pode fazer
referências.
Com as imagens parece ocorrer o mesmo, o que pressentimos como um habituar é
na verdade um aperfeiçoamento de nossas percepções com relação aos objetos
recorrentes. Essa perspectiva surge como um argumento do Ensaio, e é retomada pela
neurobiologia, que nos diz que a habituação é na verdade uma conexão entre o sujeito e o
objeto, conexão que altera a estrutura do sujeito, estrutura neuronal, de maneira que a cada
46
aproximação, essa nova estrutura é reafirmada, retificada.
No nível do espírito, a retificação da representação também acompanha uma
progressão aproximativa, segundo Bachelard, nos dois sentidos dialéticos da aproximação,
aperfeiçoamento e velocidade. O tempo de reconhecimento é uma maneira de encarar o
conhecimento conquistado, uma vez que ele é o tempo da assimilação, e também o tempo
da emissão de um juízo sintético ou dedutivo. A aproximação acontece no espírito na
expressão do aperfeiçoamento e velocidade de julgamento de seus juízos. Após um período
de aprendizado, por exemplo, um profissional de vinhos consegue distinguir, com um
enorme poder de precisão na identificação, uma grande variedade de tipos, demonstrando a
aproximação. A estrutura perceptiva desse indivíduo, e os juízos de seu espírito, são
capazes de reconhecer muitos objetos referentes a esse recorte do real. Podemos chamar de
conhecimento o saber sobre o vinho, nos termos que Bachelard descreve o conhecimento,
portanto. A tarefa da epistemologia do Ensaio é apresentada ao leitor desde o início:
acompanhar o conhecimento em sua tarefa de refinamento, precisão e clareza. 34
A operação de assimilação funcional, primeiro estágio do conhecimento, ocorre
involuntariamente mesmo após o condicionamento cultural, mesmo após a atividade do
espírito, é uma ação bioneuromecânica. Mas a assimilação intencional tem a marca da
subjetividade do sujeito, portanto os dados representados nas células perceptivas são
material utilizado para as representações da consciência, são remodelados de acordo com a
utilidade para o ser. A assimilação funcional remodela as representações celulares, tem o
peso da história da vida do sujeito.
Parte dessa história é marcada pela cultura que fornece os dados e elementos,
formas de julgar e de agir, um ethos, comportamentos lingüísticos. A cultura se inicia com
a ação do homem junto ao arbitrário, ao real, à aproximação que o conhecimento humano
realiza, ao longo da filogênese de suas sociedades, é acumulada para que o indivíduo que
nasce possa ter acesso a esse vocabulário, e a partir dele fazer suas aproximações
cognitivas, para sua sobrevivência:
47
(...) O detalhe, ao contrário, não fere: em seu exame, encontra-se como
elemento afetivo o mero prazer da curiosidade. Esse sentimento é o
mínimo de afetividade necessário para dar impulso à energia nervosa
do conhecimento. 36
48
Wachowski aborda essa questão; a semelhança entre os estímulos artificiais, no caso é
gerada por computadores, e os estímulos naturais, de forma que no filme eles são
indistinguíveis, aprisionando os seres humanos em uma realidade virtual.
Se os mitos e lendas high tech, imagem e som, em termos do dado bruto dessas
estimulações são assimilados e processados funcionalmente sem distinção lingüística, não
são classificados na fonte perceptiva como ficção ou verdade. É no espírito que isso pode
ocorrer, o estabelecimento do critério de realidade, ao dar predicados, emitir juízos, atentar
para nuanças, classificar, ordenar e transformar os dados imediatos. A ficção de um filme,
por exemplo, é transformada no momento do contato elementar entre o sujeito e o objeto
em representações celulares como se esses dados correspondessem a um dado real.
No nível do microconhecimento, não há distinção entre a ficção e o real. Esse é um
dos exemplos de erro que podem ocorrer em nossa aproximação. Um erro não moral, um
equívoco necessário, e até importante.
49
(...) visando definir quais são as condições dessa objetividade e a
primeira condição, válida para toda e qualquer ciência, é a de não
tomar a imagem pelo objeto. No entanto, se o Bachelard-
epistemólogo aceita esse princípio, o Bachelard-poeta ultrapassa-o
graças à sua concepção da imaginação deformadora. Não atingindo a
objetividade, a imaginação, por definição, é sobretudo a faculdade de
deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a
faculdade de nos libertar das imagens primeiras, de mudar as
imagens. 38
50
inacabamento do conhecimento humano é visível e doloroso,
atravessado por perturbações, a retificação do real se efetua num
plano de refinamento que respeita todas as conquistas. 40
51
prisma adotado em sua tese de Doutorado sobre o conhecimento aproximado de 1927.
Minha pesquisa etnográfica, parte que considero importante para minha compreensão da
epistemologia do Ensaio se concentraram em três locais: a biblioteca municipal de Dijon, a
biblioteca da faculdade de ciências humanas da Universidade da Borgonha e o cinema
Eldorado. Minha pesquisa em Dijon ocorreu de 07/12/06 a 22/01/07.
Na Biblioteca Municipal de Dijon (Figura abaixo) encontrei a obra do filósofo e
referências históricas sobre o contexto histórico do período em que Bachelard esteve
morando em Dijon, que possui uma avenida com o nome do filósofo. Meu objeto de
pesquisa ali foi a tese de Bachelard, que tive acesso em Francês e todo comentário sobre
essa obra, sua repercussão filosófica e o comentário de estudiosos de Bachelard na França
como Georges Cangluien e André Parinaud. Também foi importante para entender que
lugar a tese ocupa dentro da obra de Bachelard, um filósofo profícuo que escreveu 25 livros
sobre filosofia. Na biblioteca municipal foi possível ver microfilmes de jornais que
registraram acontecimentos da vida de Bachelard.
52
Na biblioteca da Universidade da Borgonha encontrei ensaios fotográficos,
literatura e mais dados sobre a relação entre cinema e educação. A biblioteca tem um
eficiente sistema de busca e de cópias, o que dá ao estudante suporte para a pesquisa.
Gaston Bachelard
(1884 – 1962)
53
No ano de 2006, ano cultural do Brasil na França, em vários cinemas como o Eldô, o
cinema brasileiro foi apresentado. Para uma cultura que lê, estuda e pensa sobre as
fronteiras culturais, a quantidade de dados para a construção de conceitos em antropologia
que o indivíduo tem à sua disposição é maior.
Durante minha estadia em Dijon, na França, pude observar uma relação interessante
entre a escola e o cinema. Crianças de uma escola vizinha vão juntas ao cinema em horário
de aulas. Abordagens que tratam da relação do cinema com a escola falam do uso didático
dos filmes em sala de aula. Mas uma ação pedagógica eu percebi na prática de levar a
criança ao cinema durante as aulas. A primeira questão é que os grupos de crianças eram
levados, guiados pelo professor, e eram grupos pequenos.
Uma das dificuldades alegadas geralmente nas escolas públicas de Minas Gerais
para essa prática são as turmas muito grandes de alunos. Em Dijon as turmas que eu vi no
cinema me pareceram pequenas, ou pequenos grupos de estudantes. Ele foram ao cinema
com seus professores. Uma das funções que a relação entre o cinema e escola pode ter é a
formação para a participação no espaço público, além dos benefícios que um filme de
cinema no cinema pode trazer em termos da concentração do estudante no enredo e nas
várias artes que compõem um filme, como a fotografia, a representação, o roteiro, etc. a
participação no espaço público é uma das funções da escola no processo de socialização do
indivíduo.
Na minha observação do cinema eldorado, foi em uma seção de cinema pela tarde,
em um dia de semana que me deparei com o grupo de estudantes. Há várias escolas
próximas ao cinema, o que favorece a ida dos grupos. A programação infantil do cinema é
constante, chamada de cine-momes. Durante minha estadia em Dijon, na França, pude
observar uma relação interessante entre a escola e o cinema. Crianças de uma escola
vizinha vão juntas ao cinema em horário de aulas.
Ao apresentar Gaston Bachelard e seu modelo epistêmico, pretendo dizer que, tanto
dentro de sala, da escola, ou fora da escola, a experiência da construção do conceito
científico pode ser estimulada, aperfeiçoada, aproximada com o uso das imagens do
cinema. A dissertação analisa o uso do cinema dentro das instituições de ensino,
necessitaríamos de uma pesquisa complementar para investigar como a ida ao cinema
interfere no conhecimento construído. Entretanto é possível perceber que o contato com a
tela grande é uma forma diferente de experiência. Segundo XXX, a questão das dimensões
54
da tela do cinema são significativas. Por esse motivo entendemos que a TV e o Cinema são
modos de exibição dos filmes, modos de estimulação diferentes. Durante minha estadia em
Dijon freqüentei o cinema Eldo. Assisti às atrações da semana de 08/01/07 a 17/01/07.
Nesse período assisti a dez filmes, de várias nacionalidades apresentados diariamente com
preços de 3,5 euros cada filme. O cinema tem uma programação quinzenal com temas e
assuntos variados.
Para a viagem a Dijon levei uma bibliografia básica para a pesquisa em Língua
Portuguesa. Fiz algumas leituras enquanto freqüentava as seções, e algumas observações.
O cinema na França é uma instituição cultural antiga e prestigiada, um hábito
praticado por todas as idades. No período da defesa da tese, Bachelard provavelmente
convivia com o cinema. A imagem cinemática era um fenômeno que a física e a
matemática, ciências em promoção no início do século XX haviam ajudado a construir. Ao
aprofundar minhas leituras sobre Gaston Bachelard e sua tese, e sobre o uso do cinema na
Educação senti necessidade de conhecer mais uma experiência diferente do sujeito com o
cinema, diferente da que temos aqui. E a quantidade de material acadêmico sobre a relação
entre cinema e educação nas bibliotecas de Dijon é grande, e eu também trouxe cópia de
alguns textos. Essa grande produção me fez entender que há uma relação histórica de uma
sociedade com as imagens que ela mesma produz. No caso da sociedade da França o
cinema é uma fonte de informação sobre as questões humanas mais importantes, que
grande parte da população freqüenta regularmente.
55
Desde o início do século XX, a quantidade de filmes produzidos anualmente dentro
e fora da França crescia Segundo Robet Sklar (SKLAR, 1975),
56
Universidade da Borgonha
Dijon 18/01/07
57
3. Fundamentos fisiológicos dos processos imaginativos
58
imaginéticos, possuem. Trata-se da mesma aposta grega de que o exercício da razão
poderia levar ao melhoramento do ethos. Mas para Bachelard os meios para isso parecem
ser mais variados do que para Platão. A técnica que gerou o avanço tecnológico da
informática de silício estava apenas começando no tempo de Bachelard, mas a idéia de
virtualidade já era discutida em idiomas como o francês e o alemão. O conceito de imagem
é diferente nas duas filosofias. Na filosofia de Platão, pelo que sabemos, a imagem é um
arbitrário estético de uma outra condição de ser, a essência, o motor. Na Filosofia de
Bachelard, a imagem é a forma como os mecanismos do mundo se apresentam, e a relação
entre o sujeito do conhecimento com os objetos móveis no universo de coisas e fenômenos
é determinante. Mas isso merece uma investigação mais apurada, se estamos falando da
história da filosofia do conhecimento, e mesmo da filosofia da ciência. Falando sobre
Platão, um filósofo diz:
Por esse motivo, a reflexão filosófica deve voltar sempre às disposições naturais
dos cães de guarda. Uma metáfora para falar da concentração, do esforço do pensamento
objetivo. É como se Platão sugerisse que é necessário se fazer, antes de qualquer decisão
política, uma epistemologia. O instrutor deve saber quais são os caminhos do
conhecimento. Para que educar não seja simplesmente uma ação robótica, mas que amplie
o espírito humano:
O que Platão entendia por conhecimento? Se seus ensinamentos tão antigos ainda
podem ser redescobertos, uma das coisas mais importantes é o argumento sobre o
conhecimento. Por que a epistemologia foi a grande descoberta da filosofia diante dos
políticos retóricos, dos advogados. Um filósofo deve saber alguma coisa sobre os
59
mecanismos do conhecimento para ter uma boa filosofia, essa é a recomendação. E
Bachelard parece concordar, pois sua primeira obra é um texto de epistemologia, só depois
surgem os textos poéticos. Temos então duas idéias de conhecimento, que se levadas a sério
vão gerar duas idéias sobre os fundamentos fisiológicos dos processos imaginativos.
Se um professor pretende utilizar o cinema como um veículo, ou como conteúdo de
alguma discussão, ele necessita, como obrigação de sua função, compreender e defender
alguma epistemologia para seu trabalho? É legítimo perguntarmos isso? Dotados dessa
epistemologia, podemos propor os momentos e etapas de um processo educacional, para a
compreensão de algum enunciado científico ou a aquisição de algum hábito cultural?
Duas epistemologias não se rivalizam, mas apresentam dois modelos diferentes. Ao
discutí-los, vamos nos aproximarmos de uma visão mais minuciosa da educação e da
mediação da imagem na educação.
Vamos observar a epistemologia de Platão. O trecho mais importante é a riqueza da
analogia entre a capacidade humana de conhecer e o estado de estar em uma caverna.
Estruturalmente, o corpo humano não é o local absoluto do conhecimento, da capacidade de
conhecer:
60
A verdade da descoberta de Platão ignorou historicamente as descobertas sobre a
microbiologia que os cientistas da década de 90 do século XX, nos Estados Unidos e
América Latina realizaram e polemizaram. A verdade de Platão é antiga, possível de ser
redescoberta por qualquer filósofo de língua grega, ou também das línguas derivadas, por
conter raciocínios matemáticos. A matemática que era a ciência filosófica mais importante
na sua época. Ainda para Bachelard, a matemática é a ciência mais ilimitada, pelas
inúmeras possibilidades de quantificação e classificação que a matéria pode ter. Essa
questão está diretamente ligada com outra, apresentada por Bachelard no Ensaio. A
matematização da realidade não acontece apenas no espírito, na raiz do processo de
abstração. Essa matematização acontece nas células que compõem os órgãos de percepção.
Na experiência empírica. Ao menos essas operações podem ser medidas com cada vez mais
precisão. E a medição é um dos critérios de materialidade possível, de objetividade. O
cinema é a prova concreta de que o homem pode matematizar a imagem e transforma-la em
informação digital, em uma série de outros formatos eletrônicos, simulacros tecnológicos
que uma vez alimentados de energia abrem as janelas e florecem. Para um Platão digital,
podemos dizer que a imagem é matematizável, ainda que a paisagem não o seja. A
paisagem é o engano, são as sombras, a estética é instável.
Diríamos então que uma primeira diferença dessas duas epistemologias é a de que,
na de Platão os processos matemáticos tinham origem no espírito. Já para Bachelard, esses
processos são celulares também. Bachelard com uma certa vantagem de já possuir
considerável volume de conhecimento oriundo das pesquisas na biologia e no cinema.
Segundo Bachelard,
O ser humano só tem acesso ao cinema dos objetos, ao cinema da vida social, uma
vez que não temos acesso direto à dinâmica constitutiva dos fenômenos, pelas limitações de
nossa capacidade cognitiva. Bachelard não parece concordar com o Platão do texto A
República, quando o mestre grego fala da distância entre a imagem e a sua causa, a
61
essência.
A distância para Platão é transponível pelo exercício da filosofia: o próprio
procedimento filosófico de investigar é o conteúdo de um saber sobre as causas. Para
Bachelard, esse encontro não é possível, pela distância que o real está de nossas
capacidades cognitivas 47 . Platão despreza a imagem, que são apenas sombras, engano dos
sentidos. Para Bachelard as imagens são a porta para os mecanismos; meio caminho para
uma impossível viagem de encontro ao real; uma aposta humana de melhoria de vida,
buscar a aproximação imperfeita.
É claro que o Cinema é uma montagem. O cinema é uma realidade falsificada,
elaborada com uma intenção particular. O real para Bachelard é um grande arbitrário
irracional, que pode ser parcialmente decodificado pelo esforço intelectual humano. Mas
tanto no cinema da cultura, quanto na cinemática das imagens da natureza, do mundo, a
compreensão de como a percepção capta esse movimento é fundamental.
A velocidade da luz é diferente da velocidade do som; dessa forma, são dois
veículos diferentes, e chegam ao organismo em tempos diferentes; o que nos leva a pensar
que o organismo, o ser humano, ao ver uma imagem de cinema, recebe em tempos
diferentes as ondas sonoras e as fractais luminosas. Mas o que realmente acontece?
A resposta a essa pergunta é dada hoje por biólogos. Em tempos passados ela era
dada pelos filósofos. A biologia tem melhores argumentos para responder às perguntas
sobre o conhecimento. Entretanto as religiões também oferecem formas de se entender as
coisas, argumentos políticos, argumentos econômicos, argumentos eclesiais. Os gregos
começaram a filosofar em língua grega sobre a necessidade de se retirar do discurso
filosófico todas as formas de totalitarismo, todas as formas de argumentos únicos. A
discórdia entre Heráclito e Lísias é característica. No livro Fedro, Platão apresenta a
disputa. Heráclito era um filósofo amargurado e solitário, dado à bebida, como discípulo de
Dionísio. Lísias era um sofista, um psicólogo do comportamento, que encantava os jovens e
era muito popular em Atenas. O Sofista Lísias defendia a estética como a ciência mais
necessária. Já Heráclito ensinava seus discípulos a observação da cultura. A diferença entre
os dois está no fato de que para Lísias havia sempre uma maneira fixa de tratar os
comportamentos humanos, como o amor. Para Heráclito as culturas humanas eram sempre
instáveis, e com elas o conhecimento;
62
(...) a doutrina do fluxo perpétuo, tal como a ensinou Heráclito, é
dolorosa, e a ciência, como vimos, nada pode fazer para refuta-
la. Uma das principais ambições dos filósofos foi reviver
esperanças que a ciência parecia haver matado. Os filósofos,
portanto, procuram, com grande persistência, algo que não esteja
sujeito ao império do tempo. 48
A biologia hoje, nos dias de hoje, teria mesmo o direito de filosofar sobre o
conhecimento? Não é possível saber. As explicações biológicas da vida não têm ajudado a
espécie humana a impedir as tragédias populacionais, como a extinção maciça de seres
vivos nas sociedades biotecnocapitalistas. Entretanto, na análise da imagem, do
conhecimento, da visão, do aprendizado, em todas essas áreas, a ciência tem oferecido boas
respostas. O que podemos dizer é que os inventores da filosofia não tinham acesso a uma
série de dados que os atuais aparelhos tecnológicos podem oferecer. A medição possível
pelos aparatos tecnológicos possibilita fragmentar em laboratórios as gamas da realidade, e
compreender seus mecanismos, elementos, e todas as estruturas que a compõem. Os gregos
tinham suas suposições, mas foi apenas em Aristóteles que a biologia funcionou como uma
estrutura de linguagem, de descrições principalmente. Segundo Aristóteles
63
dos tempos da imagem e do som, para que não os percebêssemos dessincronizados, como
nas dublabens podemos perceber. No caso das dublagens, a montagem é feita sobrepondo a
imagem ao som. Podemos relacionar a epistemologia de Bachelard com a compreensão do
engodo que a montagem cinematográfica causa em nós. A caverna de Platão é na verdade a
própria ilusão que a imagem em movimento nos causa. Seria interessante associar a
descrição que Platão faz da caverna ao cinema, à estética do cinema:
O que ele fala de sombras é na verdade a ilusão. Uma ilusão que o olho humano
aceita. Sabemos que a imagem do cinema parece ser um contínuo, mas são vinte e quatro
quadros por segundo apresentados em uma seqüência. A velocidade com que os quadros
são trocados um pelo outro dá a impressão ao cinespectador de que se trata de uma
realidade, de que o movimento não poderia estar interrompido, quando na verdade está.
Ora, o que Platão fala é que os órgãos da percepção podem ser enganados, desde a
infância, como na verdade são; no filme matrix, é apresentado o extremo dessa ilusão; não
só os olhos podem ser enganados, mas todo o sistema nervoso, todo o organismo. Uma vez
que o corpo humano não funciona sem uma mente, e todos os órgãos que fazem funcionar
essa mente são possíveis de serem enganados, como são enganáveis os olhos, então a mente
pode ser uma ficção sobre o nada.
A dublagem dos filmes estrangeiros é uma forma singela dessa possibilidade de
64
ilusão a que estamos sujeitos. Vendo um filme norte-americano dublado temos a impressão
de que se trata de uma correspondência simples entre o som e a imagem. O que podemos
dizer é que no mínimo isso é ideológico. O problema ético da ideologia, do exercício do
poder de uma forma dissimulada em naturalidade. Ainda que acessemos a língua original
do filme, se Inglês ou Francês, que compreendamos originalmente, não ultrapassaremos um
certo nível de simulação. Por esse motivo estamos condenados a um simulacro. Para Platão
o simulacro é a caverna, o engodo. Por isso filosoficamente não temos como saber se o
filme matrix é uma possibilidade real ou não: como nos diz Platão, os que estão dentro da
caverna não têm consciência disso. Segundo as previsões mais otimistas, as previsões da
Ficção científica, o homem só sairá da caverna no ano 2204. De acordo com os mesmos
tipos de previsões, o grande colapso da humanidade ocorrerá no ano de 2019, quando as
máquinas de alta biotecnologia e inteligência artificial decidirem cobrar seus direitos junto
à comunidade humana 51 . Se a linguagem é uma extensão da fisiologia do indivíduo, e por
ela criamos a ficção, essa última é uma parte da realidade em que o indivíduo opera, mesmo
as ficções que apontam para distopias, como as que citamos. Utilizar a ficção no ensino de
ciência é, portanto, não uma obrigação do professor, mas um instrumental de operações
sobre realidades possíveis, um recurso simulatório de situações, de referências ligadas ao
cotidiano pelas imagens, pela linguagem. O mundo real pode não ser controlado por
máquinas inteligentes, mas muitas máquinas inteligentes estão ao nosso redor, e fantasiar
essa nova relação do homem com suas criações pode ser útil para ensinar a ciência, os
modelos científicos, as teorias importantes.
O ensino de ciência muitas vezes é uma realidade estática, conceitual, é
apresentada aos estudantes. Quando o olhar se volta para o grande dinamismo do mundo,
da sociedade, esse dinamismo permanece incompreensível. A idéia de que o conhecimento
é uma aproximação, e que é na cinética do mundo, na irregularidade, nos erros, no inexato
que ele deve se aprofundar, rejeitando a imobilidade do saber faz com que o ensino
necessite trazer ao estudante esses elementos dinâmicos. A razão da abstração do espírito
sobre a representação celular é a geração de imagens de realidade onde o organismo possa
operar. Por esse motivo, os conceitos lingüísticos, as descrições científicas, evocam
imagens. Pena que às vezes sejam imóveis estáticas de um mundo que não se comporta. O
estudo de biologia, por exemplo, que trata com uma série de entidades móveis, vivas,
microscópicas, irracionais que existem no limite de nossas capacidades perceptivas, deve
65
ser capaz de possibilitar a abstração, novas atividade do espírito dos estudantes em buscas
de ampliar sua superfície de contato, sua compreensão e aproximação:
Bachelard diz que o real é descontínuo, a continuidade é uma realidade gerada pelas
representações dinâmicas que no conhecimento podemos fazer. Por esse motivo o mundo
nos surge quase sem lacunas para os níveis normais de percepção, o que não ocorre quando
tratamos entidades microscópicas, ou cósmicas, de dimensões muito inferiores ou muito
superiores. O sincronismo entre a imagem e o som, é uma construção do sujeito
conhecedor? Esse sincronismo não existe no universo?
Provavelmente as pesquisas sobre a relatividade do tempo e do espaço geraram essa
perspectiva. De alguma forma, quando fazemos como Bachelard nos pede, voltamos para a
percepção e a observamos melhor, podemos encontrar nela o princípio de objetividade. A
primeira tentativa de limitar a subjetividade consiste num retorno à percepção. A
objetivação individual ganha uma expressão cultural na linguagem do indivíduo, que tem o
poder de nomear, adjetivar, criar predicados para os objetos, dados e estímulo, fazer surgir
nossa realidade:
66
percebendo o som chegar sempre um pouco mais tarde, como nas transmissões ao vivo, via
satélite de imagens e somos em aparelhos antiquados, que sempre apresentavam certo
ventriloquismo. Para Bachelard, o real é descontínuo e caótico, passível de ser parcialmente
matematizado, geometrizado, quando muito, mas um campo aberto para inumeráveis
movimentos de aproximação do conhecimento humano. Os espíritos do homem e da
mulher têm a capacidade de objetivar certos movimentos do real, transforma-lo em
realidade, uma realidade provisória, pois os novos contatos da aproximação gerarão,
mesmo através dos erros, novas realidades.
67
como estímulo material que os órgãos perceptivos assimilam, e depois como uma estrutura
de reconhecimento, de re-apresentação, uma maneira em que o pensamento aponta para o
objeto. A imagem se apresenta ao conhecimento científico no próprio mecanismo, no
próprio fenômeno. Se nos portarmos como Isaac Newton, rejeitando as formas substanciais
e as qualidades ocultas, temos muito a conhecer pela observação do movimento dos
objetos, da vida em movimento. O que significa deixar as qualidades ocultas do fenômeno?
Significa não perguntar, como os primeiros acadêmicos, sobre as razões de existência dos
fenômenos, e sim nos dedicar a encontrar maneiras de descrevê-los e reproduzi-los para
finalidades culturais. Foi com essa tradição que a ciência chegou a Bachelard, que nos diz:
não abordar a fenomenologia dos eventos científicos não é a solução para melhorar nossa
compreensão do universo. Temos que filosofar sobre o inexato. Aquilo que não medimos, o
que não alcançamos com nossos instrumentos técnicos e nossos procedimentos lógico-
matemáticos, e que só conseguimos pela abstração. A imaginação é um estado de abstração,
de devaneio, necessário para a descrição científica. Um procedimento que não tem razão de
ser medido, ou avaliado sistematicamente pelas instituições educacionais da cultura. Não
tem essa necessidade por que é uma estrutura, e não algo que possa ser evitado.
Em síntese, o que Bachelard nos faz pensar é que imaginar é uma etapa necessária
materialmente para o conhecimento. A imaginação está ligado ao mecanismo de
retificação, a palavra que Bachelard usa para representação.
68
4. Pedagogia, Epistemologia e Cinema
69
Utilizamos a tese de Bachelard para iluminar os passos e compreender qual era a malhor
estratégia para provocar a aproximação do conceito para om a realidade. Em alguns grupos
estudamos o conceito primeiro e vimos o filme depois. Em outro grupo fizemos o contrário.
Ao final buscamos observar qual grupo realizou melhor a aproximação, ou seja, qual grupo
reconheceu nas imagens e no enredo do filme os debates e questões da teoria. Partimos do
pressuposto que o cinema, o filme, com é uma realidade aberta, acolhe uma série de
interpretações, o que poderia favorecer o movimento do saber.
Em um determinado momento do filme Blade Runner (USA, 1982), um robô
inteligente se volta para um ser humano e lhe responde como Descartes: penso, logo existo.
Indagação até agora só possível de ser feita por um ser humano. O universo tecnologizado
do filme se passa em uma das megalópolis mundiais desérticas e nebulosas do ano de 2019.
O enredo nos provoca questões epistemológicas importantes, como por exemplo a relação
entre a Memória e a personalidade, a memória e o conhecimento.
A extraordinária capacidade de simular um ser humano, realizada por uma
biomáquina, faz o ser humano encontrar um novo espelho para se ver. O conflito
existencial da máquina reproduz o que acontece ao próprio homem. O filme Blade Runner
apresenta três humanidades; a humanidade humana, as máquinas humanóides e a natureza
antropomorfizada (no caso, o cimento, o aço, o asfalto e a destruição ambiental). Nas três
formas de ser humano, foi a ação da ciência que acarretou a tragédia. As três humanidades
do futuro entrarão em guerra; o ethos humano, triplicado, mesmo assim não evitará o
conflito. Na verdade a trindade será o próprio inferno. Inicialmente, temos uma visão
negativa do impacto social da ciência no futuro.
70
A mercantilização de órgãos humanos, produzidos em laboratório, pode ser a
solução contemporânea para uma série de problemas, como as intermináveis filas de
pacientes aguardando transplantes e as polêmicas sobre a doação e comercialização de
órgãos. Com a tecnologia de transplantes de órgãos, acelerada desde a década de 80 do
século XX, o paradigma futuro daquelas técnicas parece ter influenciado os produtores do
filme, de 1982.
Em 2019, para a ficção, não apenas será possível gerar órgãos em laboratório, como
também será possível comercializá-los sem impedimentos éticos ou morais. O filósofo
Habermas afirma que este já é o problema de nosso presente. A comercialização de órgãos
eugenicamente tratados desloca algumas razões. A profissão de desenhista genético, por
exemplo, apresentada no filme, também já é uma realidade.
Outra projeção da ficção é a construção de órgãos complexos como o cérebro em
laboratório, que nos leva a pensar sobre a divisão entre corpo e mente, e outras polêmicas.
A construção de um cérebro em laboratório, por técnicas de desenvolvimento de células
tronco, por exemplo, poderia evoluir a tal ponto. Atualmente os cientistas já conseguem
desenvolver tecidos e órgãos menos complexos como orelhas e epiderme. Desenvolver um
cérebro fora de um corpo pode ser a utopia, mas será que isso, associado ao
desenvolvimento da inteligência artificial e de organismos robóticos, gerará um mundo
parecido ao de Blade Runner?
Tratados como mercadoria, produto tecnológico, e empregados em tarefas de
imigrantes, como acontece nos países industrializados com relação a estrangeiros
humanos, surge uma nova forma de escravidão, os escravos robôs. A escravidão é um
hábito antigo da humanidade, e com as máquinas inteligentes acontecerá o mesmo, no
sentido de que a própria subjetividade não lhes pertencerá. Uma máquina pensante não
deve existir para si. Ou deve?.
O desenvolvimento da robótica e dos transplantes de órgãos da década de oitenta
parecem ter sido pontos de referência para as projeções de Blade Runner. Também a
acelerada destruição ambiental e o agravamento das relações do homem com seu meio.
Os Princípios éticos da humanidade podem ser partilhados com as criações
tecnológicas inteligentes? O problema da existência humana no filme começa a ser tratado
na forma de diálogos, o homem e a máquina falando sobre problemas tipicamente
71
humanos.
72
--- pensei em algo mais radical.
--- qual é o problema?
--- morte.
--- temo que esteja fora de minha jurisdição.
--- quero viver mais..., pai!
--- coisas da vida, ... alterar a evolução de um sistema orgânico é fatal. Uma seqüência
codificada não pode ser alterada.
--- por que não?
--- no segundo dia de incubação, as células que sofreram mutações atávicas originam
colônias atávicas, como ratos abandonando um navio. E o navio naufraga...
--- e recombinação ESM?
--- já tentamos. O etil-metano sulfonado é um poderoso mutagênico; gera um vírus tão letal
que a cobaia morreu na mesa...
--- e uma proteína regressora que bloqueie a célula?
--- não impede a duplicação, mas causa um erro na mesma, e a nova célula de DNA
formada contem uma mutação e novamente o vírus. Mas tudo tão acadêmico... Fizemos o
melhor com você, ...
--- mas não pra durar.
--- a luz que brilha demais, consome-se rápido! E você brilhou muito. Olhe só; o filho
pródigo. Você é uma obra e tanto. (...)
A orfandade que o indivíduo humano sente diante de sua morte pode ser
experimentada pela inteligência artificial? Ou a angústia da existência deve ser suprimida
totalmente do conjunto de códigos que compõem os softwares responsáveis pela
inteligência artificial? Se dissermos que o temor pela morte poderá ser retirado do
funcionamento do intelecto de uma máquina inteligente, então o estado de nirvana e a
suposta felicidade com a vida em sua curta existência poderão ser alcançadas por uma
consciência artificial (humana?). Entretanto, no filme a condição de escravos com que as
novas consciências se deparam levam-nas a perceber não terem vivido totalmente suas
vidas, pois exerciam trabalhos de assassinos a prostitutas, tudo para humanos filhos de
homens. O curto espaço de libertação, quando um grupo de robôs foge das colônias e volta
para a terra, é o momento das reflexões filosóficas certas para resolver o problema crucial:
73
a vida curta, a vida perdida.
Assistimos ao filme e pautamos os debates pelas questões que expusemos acima.
Adimitimos o filme como uma realidade que se abria para nós e que nos dizia algo. As
impressões imediatas que tínhamos das cenas e da história correspondiam ao primeiro
movimento de aproximação de Bachelard. Imaginamos que a teorização poderia nos
impulsionar a reconhecer nas imagens nosso conhecimento sobre o tema. O tema em
questão era a Ética, matéria do curso de antropologia ministrado aos estudantes de
pedagogia. Um estudo científico da ética e do ethos humano. Para aprofundar o tema e
relacionar o cinema com uma realidade a ser investigada com a ajuda da teoria, a pergunta
inicial foi: qual é o valor de vida de se utilizar um filme como uma aproximação para o
ensino de ciências?
Todas as salas de aula da FAE/UEMG possuem uma televisão e conexão para VHS
e DVD. A Faculdade de Educação da UEMG também possui um acervo com cerca de 100
produções dos mais variados tipos. A faculdade incorporou o uso regular dessas mídias nos
processos de ensino-aprendizado.
O trabalho com o cinema e os conceitos científicos teve dois momentos: um é o do
discurso e o outro o da imagem. O paralelo entre a imagem e o discurso deve acontecer
para que haja um contínuo. A imagem como um prolongamento do discurso e vice versa.
Quando o aluno aprende a se apropriar das imagens com um discurso cinematográfico, ele
se aproxima de entender a ilusão que é o cinema, e entender que há um conteúdo da ilusão.
É nesse conteúdo que estão os estímulos que vão proporcionar a abstração sobre o objeto da
ciência.
O conceito de Ethos se refere às características universais, aos comportamentos e
atitudes mais difundidas entre os grupos humanos das várias sociedades históricas. Esse
princípio originou a busca da formalização desses pontos de igualdade, que chamamos de
Ética. Apresentei o filme Blade runner nas três modalidades:
74
a. Discutir o conceito antes e apresentar o filme de cinema depois
Nessa modalidade o aluno ao assistir ao filme já tem uma bagagem teórica para
reconhecer nas imagens os traços do conceito. O filme passa ser a simulação onde o
estudante pode observar o contexto do conceito. O conceito funciona como um instrumento
de leitura das imagens, e ao mesmo tempo é fixado. Foram utilizadas duas a três aulas de
2hs para desenvolver o conceito de Ethos nessas turmas, busquei argumentos
estruturalistas e fenomenologistas para descrever os comportamentos essenciais do ser
humano, aqueles comportamentos que são observados em todas as culturas e que nos levam
a dizer que há um ethos humano e que por isso uma ética é possível. Nesse sentido ética é
um conjunto de valores mais amplos, compartilhado por todos os grupos humanos. Ao final
da discussão teórica apresentei o filme e disse aos alunos que ali se apresentava uma
situação limite, ficcional, para a existência de uma ética. No filme, esses comportamentos
universais estão em declínio. As várias humanidades abandonaram os princípios comuns.
Os estudantes puderam ver o filme depois do trabalho teórico e utilizaram as cenas do filme
para observar os limites da ética humana. Esse trabalho é recomendado para grupos mais
adultos, capazes de maior abstração. Essa modalidade foi aplicada para estudantes do IV
núcleo formativo, alunos que há dois anos estão estudando já a pedagogia e a antropologia.
Para estudantes de segundo grau e dos anos iniciais do curso superior, vejo
vantagens em apresentar primeiro o filme e depois discutir o conceito científico, por que
podemos usar as imagens do filme para provocar as abstrações iniciais, pelo menos propor
imagens gerais, contexto em que desenvolveremos o assunto. Antes de tratarmos dos
comportamentos mais comuns da humanidade (nosso objetivo no debate sobre a ética),
apresentei o filme Blade runner. O que não é ética está retratado ali através da ruptura e
inconciliação entre duas comunidades humanas, os homens e as máquinas inteligentes, ao
ponto de um grupo caçar o outro violentamente.
75
apresenta apenas uma cena, ou algumas cenas. Importantes são certas imagens para a
ilustração do assunto. Certos filmes são propícios para isso, como é o caso de Dogville, que
é capitulado. Uma forma de trabalhar o conceito ao longo da apresentação dos filmes é na
forma de dinâmicas de grupo. Uma das turmas em que trabalhei cinema e conceito
desenvolveu atividades em torno dos filmes na forma de dinâmicas de grupo. Foi uma
maneira divertida e descontraída de discutir um conceito científico e utilizar o filme.
No primeiro semestre de 2007, voltei a trabalhar o conteúdo de Antropologia II no
IV núcleo formativo. Como eu já tinha sido professor de Antropologia dessa turma, o IVA
(01 sem/07), iniciamos o conteúdo de antropologia do cinema. Depois de apresentar a parte
teórica do tema, usando alguns conceitos de Massimo Canevacci (1975) e a análise que
Bachelard faz do microconhecimento e do macroconhecimento. Ao utilizar a epistemologia
de Bachelard para falar do uso dos filmes de cinema na construção do conhecimento,
pretendi descrever alguns mecanismos da cognição da imagem.
A imagem do filme funciona como uma realidade para os sentidos humanos. O
juízo sobre a ficcionalidade ou não da imagem ocorre em um outro momento, pela ação do
pensamento. Por isso o sujeito ao ver um filme usa sua capacidade de julgar as informações
que a imagem provocou.
Após a teorização, iniciamos um trabalho com filmes populares, com o objetivo de
estudar o filme e representar através do roteiro e das imagens aquelas estruturas teóricas
que tínhamos falado. Ao longo do semestre letivo, cumprimos três etapas, que descrevo a
seguir. Percebi que ao longo do trabalho com as alunas que a teoria inicial era curta, por
isso ao longo de nossas atividades, sempre que necessário busquei dar esclarecimentos
teóricos.
Apresentamos o projeto de trabalharmos com filmes e análises teóricas para o grupo
de alunas em março de 2007. Levamos o grupo de alunas ao Edifício Maleta, no centro de
Belo Horizonte. Nesse local funcionam várias lojas de vendas de fitas VHS e DVD, com
preços e gostos populares. Eram 26 alunas. Dividi o grupo em 13 duplas, e com um recurso
conseguido disponibilizei dez reais para que cada dupla escolhesse um filme de seu agrado.
Antes de chegarmos ao Edifício Maleta esclareci que se tratava de um trabalho de análise
teórica e apresentação dinâmica dessa análise para o grupo maior. Cada dupla teria 3 h/a
para apresentar o filme e suas conclusões, foi o que combinamos. Escolhemos uma aluna
como relatora para registrar as atividades de cada dupla. As alunas escolheram livremente
76
os filmes. Em anexo à minha pesquisa de dissertação apresento um texto mais aprofundado
feito por uma das alunas do curso de Pedagogia que participou das atividades com os
filmes.
Os filmes que são nitidamente divididos em episódios são mais adequados para a
exibição em sala de aula. Fora os filmes explicitamente feitos para serem exibidos nas TVs,
um filme de cinema em geral é um contínuo. DogVille é um filme norte-americano, filme
lançado em 2003 e dirigido por Lars von Trier. Apresentei o filme DogVille a alunas do
segundo semestre de 2007. O contexto novamente foi o conceito de Ethos. A pergunta
inicial para as alunas foi: Porque nos mitos de origem da civilização ocidental, o gênero
masculino aparece como centro? (os exemplos dados foram Adão, Jesus, Maomé, Buda,
etc.). Propus para as alunas que o filme retratava uma personagem feminina que era
colocada no centro de uma trama semelhante à que tinha envolvido a divindade de Jesus, ou
seja, estávamos analisando o problema do gênero humano. A sociedade ocidental fundada
no privilégio masculino apresenta seus ícones humanos na figura dos homens. Fui
coletando as impressões dos estudantes ao longo da exibição dos nove capítulos do filme.
Apresentava alguns capítulos e parava a exibição para comentários e para um complemento
teórico sobre o conceito de Ethos. Essa modalidade é a mais rica para a situação-tv em
minha opinião. A seguir observemos a evolução da reflexão das alunas. Apresentei uma
questão para respondermos em sala, e apresentei os capítulos do filme, solicitando que as
alunas escrevessem um parágrafo sobre a questão antes e após a exibição do trecho do
filme.
Os seres humanos possuem independentemente da cultura
em que vivem, elementos e identidades comuns. É isso que
nos diz a posição estruturalista na antropologia. Como
podemos descrever as experiências comuns da
humanidade?
77
(resposta após o filme)
Partindo do pressuposto abordado no filme Dogville pode-se
refrescar a resposta anteriormente dita, no que tange ao ponto
comum existente entre as culturas, entretanto cada grupo social
manifesta de uma forma a partir do que é nato à sua cultura. A
vida humana é uma representação de algo já percebido? É
possível fazer escolhas? Ou se escolhe a partir de uma
influência?
Para esta aluna, o filme gerou uma indagação. Aparentemente suas certezas iniciais
começaram a ficar relativizadas. A aluna termina uma reposta com uma pergunta. Vejamos
uma outra reflexão dos estudantes:
(resposta antes do filme)
As identidades e os elementos comuns que são encontrados
entre os grupos humanos de diferentes culturas, segundo o
estruturalismo é devido a estrutura de pensamento comum a
todos os homens, ou seja, o caminho que o homem percorre na
construção de seus conhecimentos. (...), portanto a experiência
comum da humanidade é devida a tal estrutura de pensamento,
que é comum.
IVA (2º/2007)
Esse segundo exemplo também revela que o filme gera uma certa perturbação nas
concepções anteriores do estudante. A particularidade do filme DogVille é a de que há
apenas um cenário, e ele é dividido apenas imaginariamente. O diretor reconstrói numa
atmosfera de teatro as relações fundamentais humanas, que são as que o Estruturalismo
admite como universais. O estudante percebe que há sim problemas e soluções universais
da espécie humana para os dilemas individuais como amor, ódio, ciúme e dor. A variação
de comportamentos com relação a essas emoções e pensamentos humanos é que é o motor
da especificidade de cada grupo social. No instante de discutirmos a teoria, diferenciamos
78
os comportamentos universais humanos como Ethos, e s comportamentos particulares de
cada grupo como Habitus.
O curso de Pedagogia tem a finalidade de formar o profissional da pedagogia, o
Pedagogo, que tem como uma de suas atribuições profissionais a gestão de processos de
ensino e o debate sobre a Ética na educação. Para além da ética na educação, a intenção da
fixação do conceito de ethos também deve levar o estudante a reformular as análises da
própria cultura onde ele está inserido. Alguns alunos apresentaram suas conclusões após o
trabalho com os filmes. Apresento alguns comentários que para mim representam essas
análises amadurecidas pelo conceito científico discutido nas imagens do filme Blade
Runner:
(...), assim somos nós, colocamos na memória do computador
apenas o que queremos ou julgamos ser importante. A cultura
nos ensina que não precisamos do outro homem. Hoje as pessoas
se relacionam mais com a máquina do que entre si. O homem é
projetado para viver em uma sociedade capitalista. Este homem
passa a desenvolver tarefas maquinadas para suprir sua
necessidade de consumo. Começa a viver como manda a
sociedade, passa a viver manipulado pela mídia. O homem
construiu a máquina para que a mesma fizesse seu trabalho. No
novo ethos capitalista o homem tem que ter o controle. Porém a
criatura consegue superar o criador. A máquina supera o homem
e o deixa dependente da mesma. Hoje é a máquina que tem o
poder de controle sobre o homem.
IIE (2º/2006)
79
4.2. O cinema como recurso didático?
80
receitas das bilheterias principiaram a cair, antes mesmo que a
televisão produzisse seu significativo impacto por volta de 1949
e 1950. Em 1953, quando se calculava que 46,2% das famílias
norte-americanas possuíam televisores, a assistência dos cinemas
caíra para quase exatamente a metade do nível mais alto de 1946.
Mais tarde, quando a televisão emergiu triunfante da competição
entre os dois, a venda ou o aluguel dos direitos de televisão
tornou-se uma fonte principal de renda para os produtores de
cinema. 55
-- IIE, turma do segundo núcleo formativo de Pedagogia, disciplina de Antropologia da Educação I. (2º/2006)
-- IE, turma do primeiro núcleo formativo de Pedagogia, disciplina de História da Educação I. (1º/2007)
-- IIB, turma do segundo núcleo formativo de Pedagogia, disciplina Antropologia da Educação I. (2º/2006)
-- IVC, turma do quarto núcleo formativo de Pedagogia, disciplina Antropologia da Educação II. (2º/2006)
-- IVF, turma do quarto núcleo formativo de Pedagogia, disciplina Antropologia da Educação II. (2º/2006)
-- IVA, turma do quarto núcleo formativo de Pedagogia, disciplina Antropologia da Educação II. (1º/2007)
-- IVA, turma do quarto núcleo formativo de Pedagogia, disciplina Antropologia da Educação II. (2º/2007)
81
memória. Em todas as turmas, nos perguntamos sobre as possibilidades didáticas e
cognitivas do cinema, e discutimos sobre o filme Blade Runner, empregando a
fundamentação teórica para analisar o filme. Apresentamos de uma maneira geral a
importância do cinema para a pedagogia usando um trecho da epistemologia de Bachelard
para nos iluminar; a relação entre o micro e o macroconhecimento. O trabalho com o
cinema na disciplina de história teve um objetivo simples. Para tratar em brevidade o
conceito de memória, apresentei aos alunos as imagens da função da memória na
experiência da consciência, mostrada a nós no filme Blade Runner. Na Antropologia,
seguiu duas diretrizes.
I. abordagem conceitual: Ethos e Sociedade
II. abordagem literária. Aplicação dos esquemas conceituais ao filme.
Nas cinco turmas, iniciamos o trabalho com a dimensão conceitual. O objetivo do
projeto de cinema e pedagogia era também o de exercitar com os alunos o referencial
teórico da Antropologia (Estruturalismo, Fenomenologia e Conexionismo). Os grupos de
alunos da FAE/UEMG são formados em sua maioria por mulheres, entre 20 e 35 anos.
Cada turma possui em média 30 alunas. É um grupo que não tem muita freqüência ao
cinema, preferindo a situação-TV, em casa, para assistir filmes. Ao contrário do trabalho
come estudantes do Ensino Médio, na Universidade não há o problema com a censura aos
filmes.
Nas leituras das imagens do filme, temos uma verdadeira Simulação, que o cinema
gera. Uma reflexão importante no trabalho com o cinema é a afirmação de que no cinema,
tudo é cinema. Isso leva o estudante a se relacionar com o filme sem uma certa mística que
leva a crer na indubitabilidade da imagem, efeito que acontece ao telespectador quando
assiste a um jornal de notícias cotidianas. No cinema, como na TV, há processos de
montagem da imagem e do som.
Infelizmente na apresentação do filme para as alunas não contamos com a situação-
cinema, que chamamos de Simulacro. A caverna do cinema gera um estado psicológico
específico. Entre a situação-tv e a situação-cinema, esta última é mais favorável para gerar
imagens para a ciência na escola e na universidade. Por dois motivos, inicialmente: pelo
nível de atenção e de percepção que o aluno pode alcançar, e pelo hábito político-cultural
de freqüentar o cinema, que pode possibilitar uma reflexão entre o cinema e a sociedade,
nossa vida cotidiana com as imagens do cinema.
82
O simulacro possibilita ao Espírito uma situação virtual específica, onde se
reproduz materialmente a condição simulada. Um simulacro é onde podemos agir a partir
de nossas simulações. O ambiente escuro do cinema é um simulacro, que potencializa a
força das simulações do cinema. E o cinema é um reservatório das memórias da
humanidade, uma nova forma de registro que a espécie humana realiza para si. Um
reservatório de estímulos culturais para as novas gerações de seres humanos, que
incorporam o cinema e a televisão em suas vidas cotidianas, a situação de cinespectador e
telespectador como um ethos. A exibição do filme para as alunas não aconteceu na
situação-cinema, foram apresentados em sala. O laboratório realizado com o filme será
melhor detalhado adiante.
O que foi dito às turmas no início do trabalho foi que as sociedades humanas são
formadas por uma série de comunidades pedagógicas, que educam seus membros para
modos de vidas particulares e históricos. As comunidades humanas geram imagens de si
mesmas, um ethos.
O antropólogo Lévi-Strauss desevolve a linha de pesquisa denominada de
Estruturalismo, e em seus estudos sobre as culturas busca observar mas
pormenorizadamente os elementos comuns entre os vários ethos das várias sociedades
humanas que podemos visitar e conhecer.
A Fenomenologia é a linha de pesquisa antropológica que faz uma psicanálise do
momento cultural do indivíduo; o indivíduo é o resultado da resolução das demandas pela
sobrevivência. O ethos de uma comunidade surge para esse indivíduo como um complexo
de adequação-inadequação. O ethos é o acúmulo de tentativas humanas que uma cultura
registra. Conexionismo é a referência que fazemos aos vários processos educativos
necessários para que a biologia do ser humano seja realizada. Os ethos são aquelas formas
de utilizar a linguagem, que aprendemos para as trocas e intercâmbios (MATURANA,
1995). A partir dessas três concepções de ethos, apresentei o filme Blade Runner, para
observar a hipótese de Bachelard, segundo a qual os conceitos científicos, como o conceito
de ethos, podem ser somente constituídos se certas imagens forem retificadas na percepção.
Uma das alunas que participou do projeto Cinema e Pedagogia declarou em seu
trabalho de conclusão da disciplina que:
83
genética. Dessa forma o homem atingiu um grau de
desenvolvimento tão elevado no filme que foi capaz de habitar
outros mundos e criar andróides capazes não apenas de substituir
eles em tarefas perigosas como também de substituí-los em todas
as atividades indispensáveis à sobrevivência humana.
IIB (2º/2006)
As imagens do filme Blade Runner nos apresentam uma possível e futurística forma
social humana, sustentada em suas bases por uma cultura tecnológica. A relação entre o
homem e suas máquinas leva a humanidade a se confrontar com outros padrões de
comportamento inteligentes, outros entes humanóides, resultado da própria capacidade
técnica do ser humano. Tudo isso acontece com uma progressiva destruição ambiental, a
metamorfose autofágica que as grandes linhas de produção industrial espalhadas pelo
mundo realizam: parcelas do meio ambiente em troca de objetos industrializados. Na
verdade os animais e vegetais, no filme, são mercadorias geneticamente fabricadas.
Essas imagens, e os conceitos da Antropologia foram chocados, no que, segundo
Bachelard, pode ser um momento de sobreposição dos juízos humanos, alimentados pela
constante exposição das células perceptivas aos estímulos do ambiente de aprendizado. No
caso de um filme, são estímulos visuais e sonoros, combinados em uma montagem lógica,
em si inalcançável, mas reconstituída pelo pensamento do cinespectador. Dessa forma
temos tomado o filme como uma realidade enquanto o assistimos.
Para apresentar o filme, foram necessários 2h/a, o tempo de duração da película e os
comentários. Ao final do filme, solicitamos que o aluno escrevesse um parágrafo utilizando
os instrumentos teóricos da Antropologia, de maneira a tentar explicar o filme, como
poderia ser feito ao aplicar esse referencial na descrição de algum fenômeno cultural. Para
o Pedagogo, como profissional, a interpretação dos momentos de uma cultura é tão
importante quanto a percepção dos momentos cognitivos. Os cineclubes foram realizados
como parte das atividades das disciplinas de Antropologia e História, ambas com um total
de 80h/a.
Apresento a seguir conclusões mais comuns dos alunos a respeito do conceito de
ethos no filme Blade Runner. Foram cerca de 130 comentários. Esse conceito pode ser
encontrado na definição ou na abordagem de outros dois termos: Humano e Robô. Esses
comentários, como já disse anteriormente representam a avaliação do trabalho cinema e
pedagogia na disciplina de Antropologia; o Portifólio de filmes.
84
Como forma de avaliar o resultado do trabalho utilizando os filmes para
compreender o conceito científico no curso de Antropologia, e também sensibilizar os
alunos para olharem para os filmes de cinema de uma outra maneira, com um olhar menos
passivo, foi solicitado de cada aluno um Portifólio, um álbum de anotações e recortes sobre
uma lista de filmes de cinema. Sugeri um conjunto de filmes de acordo com as três linhas
de pesquisa da antropologia. O objetivo do trabalho foi apresentado da seguinte forma
IIE (2º/2006)
85
posição cética poderia invalidar qualquer utilidade de um filme, posto que todo filme é uma
farsa. Mas isso não acontece.
A cinemática é tomada como realidade, truques de câmeras e efeitos especiais são
levados a sério pelos órgãos perceptivos. É o que podemos dizer a partir de Bachelard. A
realidade externa permanece sem juízos a priori, sem análise em si mesma ou abordagem
consciente até que o pensamento se aperfeiçoe, os olhos registram as impressões do
movimento, e esse fenômeno é um elo entre o sujeito e os objetos físicos ao redor até que a
linguagem organize as representações possíveis desses objetos. As abordagens mais
comuns apresentada pelos alunos e alunas das cinco turmas observadas:
(...) em 2019, uma grande corporação desenvolveu robôs que são muito fortes,
ágeis, e sua inteligência se equipara a dos seres humanos. Conhecidos como
replicantes, esses robôs são utilizados como escravos na colonização e na
exploração de outros planetas. Em cada robô foi implantada uma memória
artificial. Eles não tinham emoções, mas poderiam desenvolver ódio, amor,
raiva e inveja com o passar dos anos. Os replicantes tinham fotos que
relembravam momentos. Em suas memórias artificiais ficaram lembranças de
momentos talvez nunca vividos por eles.
IVC (2º/2006)
IIB (2º/2006)
86
fisiologia. Uma fisiologia para um reconhecimento, uma capacidade de reconhecer, que é o
objetivo imediato do conhecimento. A descrição científica tem uma finalidade; se por meio
dela tornaram o sujeito capaz de um outro contato, mais aproximado, com o objeto da
descrição. Isso não representa um aprendizado efetivo do tema, pois a aproximação não tem
um ideal de se concluir. A capacidade de medição do infinitamente pequeno como no caso
da genética, e do infinitamente complexo, como no caso do ethos deixam as pesquisas
sempre em aberto. Mas se a finalidade da descrição científica for alcançada, ou seja, se
houver uma aproximação, e esta for fecunda ao espírito, então teremos um novo
conhecimento. Acredito que então boa parte da turma, esse outro volume de 50% de
pessoas que realizaram a tarefa de análise e comentário do filme se aproximaram do
conceito. Uma outra questão que surge paralela a essa é a de que as condições de se fazer
ciência e se estudar ciência são diferentes, e até divergentes. Não percebi na tese de
Bachelard uma diferenciação. Epistemologicamente a diferença não existe, é esse o
ensinamento, a linguagem do cientista é que difere da linguagem do estudante; a primeira é
mais específica e utiliza conceitos, favorece novos juízos do espírito, como o juízo de
negação. Em nossa pesquisa bibliográfica, encontramos o seguinte comentário de um
professor de Biologia:
Abordagens Estruturalistas:
87
(...). o filme blade runner descreve habitus estabelecidos através de
relações conflituosas e/ou afetivas entre humanóides e robôs evoluídos,
contrastando duas etnias (habitus humanos e robóticos) no planeta terra.
São os conhecidos como replicantes e escravizados para colonizar outros
planetas que retornaram em busca de um tempo maior de vida. Querem
de seu criador mais do que os simplórios quatro anos de existência.
Além disso, resgatam sua memória através de fotografias, pois esta é
mais uma limitação deste grupo.
IIE (2º/2006)
(...) neste filme o homem cria robôs a sua imagem e semelhança, são tão
reais que expressam sentimentos. A tecnologia e a ciência são
avançadas, tudo é muito futurista. O ethos deste filme pode ser a forma
com que o homem usa a ciência, em especial a genética para gerar um
grau tão alto de desenvolvimento a procura de dominação e poder.
IIB (2º/2006)
IIB (2º/2006)
IVC (2º/2006)
(...) por volta do ano 2000, o planeta terra está em total decadência. Os
poucos habitantes vivem aglomerados em gigantescos arranha-céus. A
engenharia genética se tornou uma das maiores industrias, criando os
replicantes, criaturas dotadas de extraordinária força e inteligência,
88
praticamente indistinguíveis dos humanos.
IVF (2º/2006)
Abordagens fenomenológicas
(...) ao mostrar a fixação dos robôs por fotografia, mostra como são
humanos precisamos de nossa história para diariamente mantermos
nossas resoluções filosóficas sem que o organismo inteiro seja ameaçado
de desintegração.
IVF (2º/2006)
89
faculdade de educação no dia 6 de dezembro no II Seminário de Antropologia, em que
grupos formados em cada turma apresentaram suas reflexões entre cinema e educação.
Todos os quatro textos em anexo no presente trabalho foram trabalhados ao longo do
semestre e constituem parte da formação instrumental para a análise do filme Blade
Runner. Os textos foram lidos e comentados em sala antes da apresentação do filme.
90
a cada dia uma necessidade política da humanidade, pela forma com que a vida cotidiana
está sendo influenciada pelas experiências dos seres humanos. Os estudantes do segundo
grau, que estudam durante três anos a disciplina de Biologia num total de 270 h/a, ao
desenvolver para si e para a comunidade escolar, os conceitos biológicos, nem sempre
possuem o estímulo material suficiente para abstrair, para se aproximar do fenômeno que
estudam. No ano de 1997, na Escola Estadual Ernesto Carneiro Santiago estabeleci uma
primeira relação entre a construção do conceito científico em biologia (ensino médio,
biologia I, II, III) e o cinema. A disciplina era Biologia II, fisiologia humana (segundo ano
do ensino Médio). O conceito era o de Hormônio, e o filme apresentado foi O óleo de
Lorenzo. A referida escola adota desde essa data uma certa freqüência do uso do cinema no
ensino, para tanto há uma sala na escola disponibilizada apenas para seções de cinema, com
banquinhos.
Para se ter uma idéia das dimensões envolvidas na escala nano basta pensar que um fio de cabelo tem entre 50
e 100 micra de diâmetro e que a escala nanométrica é mil vezes menor, ou seja, as dimensões envolvidas são
normalmente mil vezes menores que as passíveis de se observar com um microscópio ótico comum.
91
filme Blade Runner, seguindo a metodologia que empreguei no Curso de Pedagogia, na
disciplina de Antropologia. A metodologia é a apresentação de um conceito, ou de uma
problemática teórica da ciência biológica, depois a apresentação do filme, ou de imagens
recolhidas de um filme, e uma posterior conversa para observar o desenvolvimento do que
Bachelard chama de Juízos. Segundo Bachelard, esses juízos são a maneira do espírito
humano representar o conhecimento para o ato da descrição, ou seja, a formulação de um
conceito científico como Hormônio passa pelo momento de um reconhecimento do que
significa hormônio na experiência visual. O tema proposto é o conceito de Genes Atávicos,
mencionados no filme Blade Runner, no seguinte comentário:
A educação escolar é uma das funções da sociedade, para moldar novas populações
de seres humanos que surgem nas estruturas familiares. Lévi-Strauss dizia que o
aprendizado mais importante que as escolas ministravam era como fazer uma família. Por
trás de todo objetivo científico da educação, está a finalidade cultural da aprendizagem, ou
seja, sobreviver. Constituir relações humanas com outras pessoas para realizar as trocas
simbólicas que nos possibilitam adquirir alimento e outros determinantes. O que
92
consideramos humano, o que consideramos ecológico, todos os conhecimentos que vamos
elaborando em nossas interações com os outros e com o mundo, aquilo que nos estimula a
fazer certas representações que por fim chamamos de realidade.
Ao longo das leituras que fiz no início do curso de mestrado no CEFETMG fui
realizando vários laboratórios com meus alunos do curso de Pedagogia, utilizando os filmes
para fundamentar vários conceitos. O filme possibilita uma ilustração necessária para a
construção dos conceitos porque, de acordo com a tese de Bachelard, o
microconhecimento, ou seja, o contato com as impressões do real, sendo fundamental para
que o espírito elabore uma fixação na percepção que levará o sujeito a reconhecer o objeto
e se inteirar mais aprofundadamente com ele, ou, mais aproximado a ele.
O formato da pesquisa empírica inicialmente era o de um laboratório com turmas
diferentes em situações de apresentação de filmes de formas diferentes, ou seja, apresentar
a construção do conceito em uma turma utilizando o filme e em outra não utilizando o
filme, e ao final investigar quais foram os resultados obtidos. Esse laboratório é interessante
e pode ser experimentado. Entretanto optei por uma outra forma de investigar o filme na
elaboração do conceito. Apresentei o filme em várias modalidades; apresentei o filme antes,
durante e depois de desenvolver com os grupos o conceito. Em uma turma apresentei o
filme primeiro e depois desenvolvi o conceito. Em uma outra turma apresentei o conceito,
depois o filme e depois continuei a desenvolver o conceito. E por fim, em outras turmas
apresentei o filme ao final do conceito. Minha preocupação foi a de compreender minha
própria prática de uso do cinema na educação, em sala de aula e fora dela. Meu interesse
sincero foi o de despertar um gosto pelo cinema, um hábito nos alunos de freqüentar o
cinema como um hábito da cultura, e fazer ciência a partir desse hábito cultural, não apenas
levar o filme para a sala de aula. A situação cinema é mais rica em devaneio do que a
situação-tv. Esta última tem a vantagem de permitir a quebra do filme para análise.
Utilizei filmes de cinema em situação-tv para desenvolver o conceito de Fisiologia
no ensino médio (utilizei na época o filme o óleo de Lorenzo) e de Ethos no curso superior
(filme Blade runner). O filme pode ser usado antes, durante ou depois da construção do
conceito o primeiro momento é a vinculação do filme com o tema. Em todas as
modalidades de utilização do filme, o mais importante é tratar o filme como filme, e não
como uma realidade. Se entendi o que Bachelard disse ao afirmar que no
microconhecimento o aspecto cognitivo não é lingüístico, a maior quantidade de
93
informações e de estimulações sensoriais que o estudante tiver com relação ao que ele está
pesquisando será útil na confecção do conceito científico. No caso de Blade runner, a
relação entre os humanos retratada no filme apresenta uma simulação de um conflito que
está presente entre os próprios grupos humanos em sua busca por sobrevivência e
identidade. Essa simulação traz dados que não são experimentados no cotidiano do
estudante, ou explicita estruturas que não estão presentes. Para o antropólogo etnógrafo,
que vive o limite do conflito entre dois grupos culturais o conceito de Ethos, de
comportamentos universais humanos, pode ser observado. Para o estudante de Pedagogia
que não tem a prática da Etnografia fica difícil reconhecer o conflito que nos ajuda a
compreender o sentido da ética humana. Parece que um grupo social não aceita os valores
de outro simplesmente por questões políticas e econômicas. O filme Blade Runner mostra a
questão estrutural das diferentes humanidades. Os seres humanos e, no caso as máquinas
humanas inteligentes, se diferenciam estruturalmente, mas estão ao mesmo tempo
irmanadas pela capacidade de linguagem, pela capacidade de sentimentos e de inteligência.
Compartilham a forma humanóide. O robô e o homem participam de um mesmo Ethos, por
esse motivo, pelo fato dessas universalidades e da convivência comum, poderiam
estabelecer uma mesma ética. A ética são os códigos de conduta que não levam em conta os
comportamentos particulares das diversas sociedades humanas, mas as semelhanças
existenciais de todos os homens e mulheres. A ética tem uma raiz na biologia humana.
94
5. Conclusão
95
reconhecimento que o conhecedor fará a partir do que já está fixado nas sua estrutura
perceptiva e em seu epírito: a percepção do conteúdo do conhecimento como um fato
pertencente à história das representações do indivíduo.
O cinema com uma simulação de uma realidade, que não é uma realidade caótica,
segue uma estrutura temporal e principalmente lógica. O filme de cinema é um objeto que
contém uma densidade tão fantástica quanto a realidade cotidiana. A diferença do cotidiano
para o filme fundamentalmente é o tempo. O filme é uma realidade atemporal, ou com uma
temporalidade fluida. O estudante pode adentrar essa temporalidade, repeti-la, corta-la.
Esse caráter flexível dessa realidade permite ao estudante penetra-la, testar suas leis.
Bachelard nos ensina que a quantidade de estímulos da realidade é infinita, mas a
capacidade de percepção humana é limitada. Mas restrita é a capacidade de julgar.
Bachelard nos propõem uma evolução de nosso conhecimento da realidade através de um
processo de aproximação contínua, ou seja, quanto mais direcionarmos nossa percepção
para os objetos da realidade mais nos aperfeiçoamos no reconhecimento desses objetos e
melhor será nossa adaptação e nossa intervenção diante dele. Esse processo de aproximação
ele chama de conhecimento. Portanto o conhecimento para Bachelard é sempre um estado
transitório, depende do grau de aproximação que um indivíduo pode fazer com a realidade.
Essa aproximação é representada através da construção do conceito científico ferramentas
para o avanço do conhecimento, pontos transitórios de onde novas pesquisas podem partir.
No caso do estudante o conceito científico tem outra finalidade, não a de projetar novas
pesquisas, mas de ser útil para sua interação social. Aprende-se ciência nas escolas por que
temos ainda a aposta de Platão de que a verdade, o conhecimento, nos torna mais humanos,
amplia nosso Ethos, nossa ética. Os objetos tradicionais da ciência, desde o início do século
XX foram sendo diversificados, também os instrumentos de medição e investigação se
aperfeiçoaram. A natureza ampliada pelos fenômenos sócio-culturais se torna mais
complexa, e por isso, para uma visão de maior profundidade, e no caso do estudante de
ciência, para uma maior capacitação para compreender e intervir temos que buscar todas as
fontes de esclarecimento, inclusive a arte. A relação entre a arte e a ciência é próxima,
íntima, e a ficção científica é uma materialização dessa relação. Muitos filmes de ficção
científica projetam as relações futuras do homem com o conhecimento científico, que nesse
filmes são cada vez mais avançados. Ensinar ciência é também construir os conceitos
científicos, auxiliar o estudante a construir representações e hipóteses sobre a vida e a
96
sociedade.
O Simulacro de uma sala de cinema, onde a caverna platônica é reproduzida é um
fenômeno social possibilitado pelos aperfeiçoamentos tecnológicos, e o trabalho com o
cinema na formação científica não é apenas de utilizar o cinema, mas de discutir a
montagem da imagem na sociedade atual. O que é filme e o que é ficção? As tramas sociais
nas quais o estudante está envolvido são inicialmente obscuras para o entendimento. Os
fenômenos não se apresentam desnudos. A realidade não se oferece gratuitamente para o
conhecimento, como diz Bachelard. Cada indivíduo humano passa por um processo
cognitivo onde aprende e organiza sua capacidade de apreender e julgar a realidade, e
conseqüentemente agir para sua adaptação e sobrevivência. Esse esforço ativo de conhecer
a realidade, de se aproximar, de elaborar o olhar é um objetivo da ciência em seu caráter
humanista. A ciência é uma ferramenta para a humanização do ser humano. A caverna
cinemática, a sala de cinema é freqüentada por grandes grupos humanos desde há 100 anos,
transformando a maneira de representar a vida. As novas gerações recebem o cinema em
suas vidas e aprendem a conviver com as ondas contínuas de assuntos, polêmicas,
estímulos. Isso pode ser aproveitado para a construção do saber viver. Para o Professor e o
Pedagogo essa iniciação ao cinema precisa ser pensada em três termos. O primeiro é a
necessidade de um modelo epistemológico que relacione o conhecimento gerado pela
percepção das imagens. Em que nível está a relação fundamental entre ver uma imagem e
elaborar uma hipótese, um conceito? Bachelard nos apresenta esse modelo e coloca a
cognição das imagens em dois momentos, o momento da percepção do estímulo que a
imagem produz (estímulo sonoro e visual), e o segundo momento é o julgamento da
objetividade dessa imagem.
O segundo termo dessa relação pedagógico-didática do cinema na educação é a
desmontagem da imagem em seu sentido político. O cinema é uma fábrica de fantasias e a
partir de sua análise podemos chegar a uma crítica da cultura. O filme Blade runner
apresentado no curso de Antropologia auxiliou na construção do conceito de Ethos e na
polêmica que nossa sociedade atualmente possui com relação à ética. Como os
comportamentos humanos são característicos, e as criações humanas carregam esses
comportamentos. A natureza antropomorfizada também carrega traços das sociedades
humanas. O filme projeta uma situação limite, de guerra e caos, provocada por conflitos
entre as humanidades, e essa simulação é muito rica em situações onde podemos evidenciar
97
o ethos humano, entre outros momentos está o da busca pelo sentido da vida. Pelo filme
podemos notar que as criações humanas, no caso os robôs inteligentes, também possuem a
busca do ser humano pela razão da sua existência. Definimos com os alunos que a busca do
sentido da vida é uma busca ética, pois nos remete ao núcleo comum das aspirações
humanas. O filme Blede runner foi precioso para gerar uma simulação de realidade onde o
conflito ético se expressa de maneira absurdamente forte, ao ponto de percebermos que se
não o resolvermos, a natureza, as criações humanas e o próprio homem estarão ameaçados.
O terceiro termo é a variação das modalidades do uso do cinema na sala de aula e o
incentivo à situação-cinema. O filme pode ser utilizado de várias maneiras, sempre
associado a um procedimento pedagógico que paralelamente seja o de construir uma visão
objetiva e mensurável da realidade. Podendo ser utilizado nas várias etapas da construção
do conceito científico, seja como um estímulo inicial ou final para a abstração do estudante.
Aliado a isso há também o incentivo à freqüência nos cinemas, como uma forma do
estudante estar diante das polêmicas do seu tempo, que são apresentadas constantemente
nos cinemas. O cinema é um instrumento de compreensão da sociedade, mas não pode ser
assistido ingenuamente, principalmente por que ele é uma grande fonte de estímulos e de
abstração para os estudantes de ciências.
A utilização do cinema na educação é uma ação constante, como foi relatado
anteriormente, e a hipótese desta dissertação é de que essa utilização será melhor
aproveitada se puder ser problematizada pelo professor através de uma base teórica
filosófica. A escolha por Bachelard tem uma razão em seu trabalho como docente. Ele foi
um brilhante cientista, filósofo e também um professor. Não obtive muitas referências sobre
sua excelência como docente, entretanto seus textos trazem uma preocupação didática, de
construção elaborada dos conceitos, a demonstração. Sua tese sobre a aproximação faz
pensar no lento trabalho do ensino conceitual, na preocupação de que o conhecimento
construído possa ser reconhecido nas experiências cotidianas, e também na gradual
melhoria da condição perceptiva do sujeito. O uso do cinema na situação de ensino tem a
finalidade de povoar o imaginário dos alunos com elementos para incitar sua abstração, e
ao mesmo tempo possibilitar de tratar o próprio cinema como uma construção humana,
possibilitando a formação de um olhar crítico. Uma terceira importância do uso do cinema
é a de que ele enquanto filme é um objeto flexível a uma série de possibilidades
metodológicas. Citamos três possibilidades que se diferenciam pelo momento em que o
98
filme é utilizado e o momento em que a construção do conceito é utilizada. Apresentar o
filme primeiro e depois construir o conceito leva a um tipo de reconhecimento, e a cada
forma em que a construção do conceito se relaciona com o tempo do filme novas
possibilidades de conhecimento são geradas. Portanto o uso do cinema pode se dar de
forma diferente de acordo com a finalidade e utilidade da elaboração do conceito. O método
é sempre a situação de apresentação do filme, que exige concentração e atenção dos
estudantes, levando a escola ou a universidade a reproduzir sempre que possível a situação-
cinema.
A cultura cinematográfica é importante na sociedade da informação, onde uma série
de conteúdos é emitida através da iconografia. O próprio filme Blade Runner gerou uma
série de arquétipos, incorporados, copiados, remodelados na própria história do cinema.
Portanto, essa utilização lúdica do cinema, intuitiva, pode ser direcionada para efeitos mais
amplos, geração do conhecimento, na tomada ficcional e também na tomada crítica das
imagens em construção. O momento de teorizar, de conceituar, de fixar os argumentos
lógicos, de se fazer ciência, seja realizado anterior ou posteriormente às apresentações
cinematográficas tem um sentido de ser o momento da aproximação, da reunião dos
estímulos, das sobras estéticas, das impressões que as imagens podem causar, em favor de
uma sistematização para a finalidade maior do conhecimento científico, que segundo o
Bachelard do Ensaio é o reconhecimento, a contemplação consciente da realidade, a cada
vez mais nítida e mais familiar, a um olhar cada vez mais crítico e cirúrgico, quando se
exige argumentar, justificar ou explicar os fenômenos sociais, naturais e artísticos. A partir
dessa reflexão quero propor o acoplamento do uso do cinema nas práticas de ensino da
ciência.
99
6. Referências
100
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101
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− SKLAR, Robert. História social do Cinema Americano. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.
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Notas
Introdução
1
SANTAELLA, Lucia e WINFRIED, Noth. Imagem. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997. p. 33-47.
2
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p. 23.
3
JAPIASSU, Hilton Ferreira, 1934. Introdução ao pensamento Epistemológico. Rio de Janeiro:
Francisco Alvez Editores, 1991. p.69.
102
10
BACHELARD,Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. p.282.
11
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.167
12
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p.14-15.
13
Idem. p.17.
14
Idem. p.286.
15
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p. 254-284.
16
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2002. p.133. Zahar Editores
17
TEITELBAUM, Philip. Psicologia fisiológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. Citando E. D.
Adrian e Ymgve Zotterman, de 1926. p. 16-17
18
ORTEGA Y GASSET, José. Que é Filosofia?. Rio de Janeiro, Livro Ibero-americano, 1971. 37-
57.
19
O dado científico já é resultado de uma antropomorfização pelos cientistas e pesquisadores que
conseguiram formulá-lo. O dado descrito cientificamente pode fazer sentido ou não de acordo
com a teoria, o sistema racional de explicação em que se insere, o dado científico faz sentido
por estar logicamente localizado no sistema explicativo. O dado bruto é o ponto de referência no
real.
20
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p. 259.
21
Idem.p.23.
22
Idem. p.22
23
Idem.p.23.
24
Quando Bachelard trata da representação cultural de um conhecimento, ele fala da linguagem
científica, que parece ser uma forma de registro mais precisa. Como comentamos
anteriormente, esse problema foi melhor investigado pelos membros do Circulo de Viena.
ARAUJO, Inês Lacerda. Introdução à Filosofia da ciência. Curitiba: Ed. Da UFPR, 1998.
25
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p. 27.
26
Idem. p.300.
27
Idem. p.19.
28
Idem. p.247.
29
Idem. p.38.
30
Idem. p.159.
31
Idem. p.29.
32
Idem. p.46.
33
Idem. p.130.
34
Idem. p.8.
35
Idem. p.250.
36
Idem. p.249.
37
Idem. p.18.
38
FELÍCIO, Vera Lúcia. A imaginação simbólica nos quatro elementos bachelardianos. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1994. p.43.
39
Ficção científica 'hard', ou FC hard, é um sub-gênero da ficção científica caracterizado por seu
interesse no detalhe ou na precisão científica. Todavia, há muita discordância entre leitores e
escritores sobre o que exatamente constitui este interesse no detalhe científico. Muitas histórias
de FC 'hard' se concentram no desenvolvimento tecnológico e biológico, mas muitas outros
deixam a tecnologia em segundo plano. Outros argumentam que se a tecnologia é colocada em
segundo plano, isto seria um exemplo de ficção científica 'soft'. 28/02/07. http://pt.wikipedia.org.
40
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004. p.293-294.
41
Idem. p.281.
103
Fundamentos fisiológicos dos processos imaginativos
42
SKLAR, Robert. História social do Cinema Americano. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.
p.259
43
GOLDSCHMIDT, Vitor. Os diálogos de Platão, estrutura e método dialético. São Paulo: Edições
Loyola. 2002. p.260-261.
44
Ibdem.
45
RUSSELL, Bertrand. História da filosofia Ocidental. Livro primeiro. Cap. XVIII – conhecimento e
percepção em Platão. p. 173.
46
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. p. 51.
47
(...) como nosso conhecimento aproximado do real pára após um pequeno número de tentativas com
respeito a uma única propriedade, não é possível apoiar-se nas determinações insuficientemente numerosas
para ultrapassar seu movimento. Estamos condenados a uma transcendência maciça, obscura, constituída
inteiramente por nossa ignorância. (...), no entanto, por mais imperfeita que seja nossa tarefa de
aprofundamento experimental, convém reconhecer que ai está uma direção com certa fecundidade filosófica.
Mesmo que nessa via de pensamento não chegue à objetividade, é inegável que a primeira tentativa de limitar
a subjetividade consiste num retorno à percepção, numa retificação. BACHELARD, 2004.
48
RUSSELL, Bertrand. História da filosofia ocidental. Vol. I. 1969.
49
Atistóteles, livro I da metafísica. Editora Abril, coleção Os pensadores.
50
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução Alfredo Bosi, São Paulo, Martins Fontes,
2000. também em PLATÃO. A República. Tradução Enrico Corvisieri, Coleção Os Pensadores,
Nova Cultural, 1987. formulação de Claudia Bavagnoli, USP/SP.
51
Filme Blade Runner. Ridley Scott. 1982.
52
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. p. 31.
53
Idem. p.45-46.
54
Idem. p.278.
104
Mesmo assim,
Estavam todos contentes
Por se verem livres
Do perigo que haviam corrido
105