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CRÍTICA AO TEORICISMO E AO PRATICISMO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Chapter · December 2009

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Carlos Frederico Bernardo Loureiro


Federal University of Rio de Janeiro
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- Loureiro, C. F. B. Crítica ao teoricismo e ao praticismo na educação ambiental. In:
Neto, A. C.; Macedo Filho, F. D. e Batista, M. S. da S. (orgs.). Educação
ambiental: caminhos traçados, debates políticos e práticas escolares. Brasília: Liber
Livro Editora, 2010.

CRÍTICA AO TEORICISMO E AO PRATICISMO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Carlos Frederico B. Loureiro1

A crítica arrancou as flores imaginárias dos


grilhões, não para que o homem os suporte sem
fantasias ou consolo, mas para que lance fora os
grilhões e a flor viva brote.
(Karl Marx)

INTRODUÇÃO

Na educação ambiental, falar em teoria e prática, particularmente em suas relações


e determinações, é algo que vem acompanhado de muitos questionamentos ou afirmações
que viram acusações com fortes conotações ideológicas – entendidas enquanto formulações
intelectuais baseadas no conhecimento aparente e incorporadas pelo senso comum, criando
explicações e justificativas para a realidade tal como ela é vivida diretamente. Assim posto,
a produção ideológica nas disputas que formam esse campo tende a naturalizar o que é
histórico, descolar o indivíduo das condições objetivas e o pensamento da prática social
(CHAUÍ, 2003), impedindo uma análise complexa e contextualizada dos dilemas teórico-
práticos aí inseridos.
Ambientalistas adeptos do voluntariado ou que prestam serviços em projetos de
ONGs acusam ou denunciam acadêmicos e formuladores de políticas públicas de serem

1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Fundação Universidade
Federal de Rio Grande. Coordenador do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade
(LIEAS/FE/UFRJ – grupo CNPq). Pesquisador do CNPq. Autor de inúmeros livros, capítulos de livros e
artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.
teóricos e não realizarem nada de prático, visando obter legitimação junto a educadores e
educadoras ambientais, por meio da desvalorização do que seu aparente contraponto
realiza. Estes, por sua vez, fazem afirmações contrárias, dizendo que tais agentes sociais
caem em um praticismo que não contribui em nada para a efetiva transformação das
relações sociais.
Onde está o problema, afinal? Os argumentos estão corretos? É, de fato, possível
separar teoria e prática? Como a relação teoria-prática opera no marco de uma sociedade de
classes, em que a divisão social do trabalho e os processos de apropriação privada
imprimem materialidade à cisão saber e fazer (MARX, 2007)?
Este texto procura contribuir com o debate ao trazer situações concretas
recorrentes que exemplificam tais questionamentos, respondendo-os não de forma
conclusiva, mas formulando alguns argumentos que podem auxiliar no posicionamento do
leitor.
E já há, de antemão, um posicionamento explicitando que isso será feito sob uma
perspectiva assumida como inserida na tradição de educação ambiental que se
convencionou denominar de:
- crítica, porquanto funda sua formulação no radical questionamento às
condicionantes sociais que geram problemas e conflitos ambientais;
- emancipatória, uma vez que visa à autonomia e liberdade dos agentes sociais
frente às relações de expropriação, opressão e dominação; e
- transformadora, por visar a mais radical transformação do padrão societário
dominante, no qual se define a situação de degradação intensiva da natureza, e, em seu
interior, da condição humana (LOUREIRO, 2008, 2004).
Logo, neste texto, não há nenhuma pretensão de neutralidade apoiada na descrição
e apresentação de situações e posicionamentos distintos relativos à problemática
inicialmente mencionada. Há objetividade analítica da realidade, elaborada a partir da
explicitação de perspectiva e suas finalidades educacionais, garantindo o debate sem recair
no objetivismo positivista ou no relativismo das abordagens vinculadas ao denominado
paradigma lingüístico pós-moderno (EAGLETON, 1998; LOWY, 1996).

SITUANDO A QUESTÃO TEORIA-PRÁTICA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL


A primeira situação a ser observada é a preponderância de um discurso que
hipervaloriza a prática, ou que a considera como a única dimensão válida no enfrentamento
dos problemas ambientais, como se a teoria fosse algo secundário diante da urgência dos
desafios. É como se não houvesse tempo a perder com questões teóricas e filosóficas que
não levam a lugar algum, cabendo, portanto, a ação rápida e direta para se conter a
destruição em curso. Esse discurso aparece com força, por exemplo, em redes e, em escala
um pouco menor, em eventos como os Fóruns Brasileiros de Educação Ambiental, até pela
predominância nesses espaços de agentes sociais promotores do voluntariado e da
responsabilização individual, que minimizam os embates políticos e os conflitos na
conformação da relação sociedade civil-Estado.
Isso, pelo menos em certa medida, pode ser explicado por um perfil ambientalista
materializado majoritariamente em ONGs voltadas para a lógica da parceria e execução de
projetos, apoiado no discurso do terceiro setor, como espaço do diálogo e do consenso
(MONTAÑO, 2002), que forte influência teve na educação ambiental2. Uma de suas
características marcantes é associar, de modo imediato, a solução da crise, diante da
indiscutível gravidade do atual momento histórico (quanto à possibilidade de reprodução da
vida sob premissas de justiça social e ambiental e respeito ao outro), com a ação
pragmática.
Aqui há, pelo menos, uma questão a ser analisada, partindo-se da premissa de que
é consensual de que não há mesmo tempo a perder.
Nossa atividade no mundo não é descolada da materialidade das relações sociais
que nos constituem. Ou seja, agimos sob certas condições socioeconômicas, político-
institucionais e culturais que determinam3 os sentidos e intencionalidades presentes no
momento da realização prática. Como disse Marx (2003), fazemos a história, mas a
fazemos sob certas condições dadas, resultantes de um processo que nos antecede e com as

2
Cabe lembrar que o campo da educação ambiental se estruturou originalmente com base no ambientalismo
e, apenas posteriormente, recebeu influências, decisivas para sua conformação atual, dos movimentos sociais
e dos trabalhadores da educação (LOUREIRO, 2009a).
3
Diante das constantes confusões conceituais, esclareço que uma determinação, no sentido marxista, não é
sinônimo de determinismo linear-causal (tese segundo a qual tudo o que acontece decorre de condições tais
que nada diferente poderia acontecer). Com o uso do conceito de determinação se reconhece que as relações
sociais, em contextos históricos específicos, apresentam elementos que em sua dinâmica influenciam o
conjunto de modo diferenciado. Ou seja, há tendências e condicionantes que delimitam possibilidades
objetivas e que diante da ação dos agentes sociais se abrem para o contingente. Há, portanto, nexos causais
não-lineares e dialéticos (BOTTOMORE, 2001).
quais nos defrontamos em nossa atividade no mundo e a partir das quais nos constituímos e
as transformamos.
Logo, o fazer por fazer não conduz, necessariamente, à alteração substantiva da
realidade, visto que não se pode confundir o movimento dinâmico e complexo do real com
superação de relações determinantes historicamente instituídas em certas formações
socioeconômicas. Mais objetivamente falando, criar algo novo não significa de modo
imediato que esse novo seja no sentido de supressão de relações identificadas como
expropriadoras e destrutivas da natureza. O novo, dependendo do contexto, pode ser,
apenas, a criação de mecanismos menos prejudiciais a certos aspectos ambientais
(geralmente os estritamente ecológicos) que garantem a perpetuação do modo de produção
capitalista, uma vez que minimizam conflitos e garantem o uso prolongado de recursos
naturais (FOSTER, 2002). E isso é particularmente verdadeiro e recorrente na atualidade,
quando se observa a valorização ideológica da ação individualizada e despolitizada
reforçando sobremaneira os movimentos privatistas e os mecanismos de mercado
(LOUREIRO, 2009b).
Estudos específicos na realidade escolar (DUARTE, 2004) mostram que a prática
espontânea, sem a devida reflexão crítica, tende a reproduzir o padrão de relações já
vigentes e que são tornados no senso comum como fatos consumados. Na escola isso é
observado nos processos, por vezes sutis, de reprodução dos padrões culturais burgueses,
que são subentendidos como sendo naturalmente válidos, universais e a serem seguidos.
Algo que estabelece mecanismos de violência simbólica que legitimam a dominação de
classe e o preconceito sobre modos de organização cultural e econômica de grupos que não
se enquadram nos ditames do capital (BOURDIEU, 2007 e 2005).
Normalmente, isso significa, no campo ambiental, observar que o padrão de
expropriação e dominação tende a se reproduzir não mais de forma ecologicamente
incorreta, ou seja, incompatível com a moral e a conduta socialmente aceita no tratamento
da questão, mas dentro de roupagens discursivas verdes, com fortes apelos éticos, pautados
no uso de tecnologias limpas e na mudança de comportamento pessoal. Com isso, a justa
motivação para o enfrentamento do cenário de crise se fragiliza diante dos efeitos de uma
prática ingênua ou confortável de seus agentes promotores, que reproduzem as relações de
produção, responsáveis pela degradação que se pretende combater.
Exemplo disso se encontra nas discussões em torno da água. Mostram-se dados
alarmantes que justificam a atenção para o problema e, no momento do encaminhamento,
fica-se nas ações pessoais de redução de consumo e na defesa de um olhar respeitoso, ético,
para com a água (inegavelmente válidas, mas reducionistas se vistas como principais
determinantes). Todo o problema começa e se esgota nesse ponto. É desprezado o fato
objetivo, que condiciona a dimensão subjetiva e individual, de que, em média, dependendo
do país e região, mais de 80% da água utilizada para fins humanos o é no processo
produtivo (agricultura e indústria), algo que somente é alterado com base na intervenção
organizada e coletiva via políticas públicas, controle social e mecanismos regulatórios de
Estado.
Em resumo, é cabível afirmar que a ação bem intencionada, sem reflexão crítica e
conhecimento que a oriente, e sem a vinculação dialética entre ação dos sujeitos e
condicionantes sociais, não é garantia de um futuro melhor.
A segunda situação a ser observada remete ao subjetivismo e ao relativismo,
comuns a algumas perspectivas de educação ambiental fortemente influenciadas por
respeitosas visões místicas (que abordam estritamente o eu e sua inserção no cosmos, como
se não existisse a mediação social) ou por posturas filosóficas voltadas para a experiência
pessoal e para a interpretação que os indivíduos fazem do mundo, sendo algumas de cunho
irracionalista. O que há de relevante para tais concepções são as vivências de cada sujeito e
como se sente e se realiza aí. Nessa perspectiva, as condições objetivas produzidas
historicamente são irrelevantes quando se almeja a felicidade, finalidade última da
existência humana, e se garante o respeito às culturas. Logo, nesta linha de pensamento, o
que vale é a prática, enquanto experimentação pessoal e movimento de autorrealização.
Ora, deve ser lembrado que a felicidade se relaciona à liberdade existencial (ser
não somente livre de algo, mas também livre para realizar algo) e à autonomia (condição de
decisão livre do indivíduo acerca do que deve fazer). Isso quer dizer que o desejo de
felicidade se vincula às necessidades humanas (a como e ao direito de satisfazê-las no
âmbito de uma determinada organização social que define quem tem acesso a o quê) e mais
especificamente à consciência da necessidade. Portanto, não é uma questão de escolher
entre o valor subjetivo ou a condição objetiva, ou considerar que a vontade de se viver feliz
suplanta as desigualdades, formas de opressão e injustiças. A prática educativa exige a
complexa integração dessas duas dimensões em seu movimento de mediação dos sujeitos
no ambiente e de problematização e atuação prática na realidade socioambiental. O fato é
que liberdade e necessidade formam um par indissociável da atividade humana na
configuração das relações sociais, cujas possibilidades individuais se situam no marco de
cada sociedade.
Inspirada em Heller (apud VEIGA, 1995, p.19) resume bem esta discussão:

... a liberdade é sempre liberdade para algo e não apenas liberdade de


algo. Se interpretarmos a liberdade apenas como o fato de sermos livres
de alguma coisa, encontramo-nos em estado de arbítrio, definimo-nos de
modo negativo. A liberdade é uma relação e, como tal, dever ser
continuamente ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o
conceito de regre, reconhecimento, de intervenção recíproca. Com efeito,
ninguém pode ser livre se, em volta dele há outros que não o são!

A terceira situação a ser comentada remete ao crescimento do que é denominado


na filosofia de teoricismo (VÁZQUEZ, 1997). Este ainda é quantitativamente menos
representativo que o praticismo e o subjetivismo na educação ambiental, mas se faz
presente de modo significativo, uma vez que responde a um discurso oriundo de alguns
meios acadêmicos cientificistas e de ambientalistas que adotam forte discurso idealista e
prescritivo, baseado em modelos a serem seguidos por todos e em qualquer realidade.
O teoricismo não pode ser visto pelo sentido pejorativo normalmente a este
associado, mas como uma determinada concepção que tem por premissa a convicção de que
o mundo material nada mais é do que a expressão ou resultado dos sujeitos em sua
capacidade racional de agir e produzir e utilizar técnicas. Aqui, tudo depende de
conhecimentos, valores, vontades e intenções pessoais. Se desejamos o bem, a vida se
tornará boa. Logo, se todos forem bons, não há o que temer: a vida será boa e a sociedade
harmônica. Quando se age sob princípios racionais balizados cientificamente, torna-se
possível fazer a gestão correta do ambiente. Adotadas as tecnologias certas, os problemas
ambientais estarão sob controle. É como se tudo começasse e terminasse no interior de cada
um em sua individualidade e racionalidade, sem mediações.
Em seu aspecto academicamente mais elaborado, o teoricismo significa dizer que a
formulação racional livre pode conduzir a humanidade à felicidade, algo que tende a
estabelecer uma hierarquia entre os ilustrados (iluminados) e os populares (sem a
racionalidade desperta).
Na mesma linha de pensamento feita anteriormente, há dois pontos a serem
considerados para fins de análise.
Primeiro, esta é uma premissa que joga todo o peso nos indivíduos e sua condição
racional. Perde-se a relação dialética, de mútua constituição, entre o eu e a sociedade no
mundo. Este é um ponto tão pouco compreendido e tão crucial para quem pretende atuar
em educação, enquanto processo social de formação humana, que é importante destacar a
significativa e esclarecedora passagem de Netto e Braz (2008, p. 46-47):
Com efeito, o homem não nasce indivíduo social: ao nascer, os homens
são puras singularidades; somente no seu processo formativo-social, no
seu amadurecimento humano, os homens podem tornar-se indivíduos
sociais – isto é, homens singulares que se humanizam e, à base da
socialização que lhes torna acessíveis às objetivações já construídas do ser
social, constroem-se como personalidades inconfundíveis. No seu
processo de amadurecimento, e conforme as condições sociais que lhe são
oferecidas, cada homem vai se apropriando das objetivações existentes na
sua sociedade; nessa apropriação reside o processo de construção da sua
subjetividade. A subjetividade de cada homem não se elabora nem a partir
do nada, nem num quadro de isolamento: elabora-se a partir das
objetivações existentes e no conjunto de interações em que o ser singular
se insere. A riqueza subjetiva de cada homem resulta da riqueza das
objetivações de que ele pode se apropriar. E é a modalidade peculiar pela
qual cada homem se apropria das objetivações sociais que responde pela
configuração da sua personalidade.

Segundo, supor que o comportamento humano se define exclusivamente no


momento de uma escolha racionalmente feita, com base em conhecimentos e valores
válidos, é desprezar que a possibilidade da escolha é socialmente condicionada. Além
disso, os comportamentos são ações objetivas no mundo. Logo, qualquer indivíduo pode
mudar o comportamento por força de uma necessidade material, exigência do Estado ou por
imposição de alguém, sem que isso signifique mudança de atitude, ou seja, do sistema de
valores e verdades constituídos nas atividades cotidianas.
A orientação comportamental é, sobretudo, aquela que foi incorporada por
uma psicologia da consciência que aposta em um sujeito racional. Isso
significa, por exemplo, considerar o comportamento uma totalidade capaz
de expressar as motivações dos indivíduos e acreditar que é possível
submeter a vontade deles e produzir transformações dessas motivações
mediante um processo racional, o qual se passa no plano do
esclarecimento, do acesso a informações coerentes e da tomada de
decisões racionais, baseadas em uma relação de custo-benefício para o
sujeito. Em última instância, esta matriz conceitual supõe indivíduos cuja
totalidade da ação encontra suas causas na esfera de uma racionalidade
pragmática, da vontade e da consciência, em que se situariam também as
relações de aprendizagem. Tomar os sujeitos apenas em sua dimensão
racional consciente implica reduzir a noção de sujeito à de um ego
individual. Com isso, perde-se a complexidade das determinações da ação
humana que está longe de responder exclusivamente aos ditames da
consciência e da vontade. Entre intenção e o gesto há um universo de
sentidos contraditórios que a relação causal estabelecida entre avaliação
racional e comportamento está longe de comportar. É largamente
conhecido o tema da descontinuidade entre os comportamentos e as
atitudes. (CARVALHO, 2004, p. 183).

Por fim, a quarta situação remete a um discurso recorrente nas práticas escolares
(PARO, 2007), estabelecido na relação educando-educador, que merece menção: o
educando comumente afirma estar saturado de conteúdos e que gostaria de ter mais
momentos de prática; o educador, por sua vez, afirma que o educando não quer estudar e só
se preocupa com questões imediatas.
São justos questionamentos? Em parte sim, mas apenas em parte. Por quê? Porque
se fundamentam no que é aparente, sem discutir a complexidade da relação e do problema.
O equívoco do conteudismo é se pautar na transmissão de conhecimentos sem
estabelecer o nexo entre estes e a realidade dos envolvidos e explicitar as relações causais
daquilo que se apresenta como questão ou tema. Logo, fica o conteúdo por ele mesmo,
como se a sua transmissão fosse suficiente para gerar a sua apreensão e consequente
mudança de atitude. Ou, o que parece mais grave, como se o ato de transmitir algo fosse,
apenas, para fins de cumprimento de uma formalidade do processo educativo. Um rito de
passagem socialmente exigido para a obtenção de uma determinada certificação que
autoriza determinada prática. Isso, sem dúvida, deve ser denunciado e superado.
O equívoco do pragmatismo está em se buscar estritamente os meios para
satisfação de necessidades imediatas. Sem elementos cognitivos e teóricos satisfatórios, não
há capacidade efetiva da reflexão crítica e autocrítica do que se faz cotidianamente. E como
já foi dito, sem tal movimento reflexivo, a tendência é agir para reproduzir o que está
legitimado pela sociedade. Isso é, igualmente, algo a ser superado, uma vez que limita a
capacidade coletiva e individual de intervenção social.
Seguindo à mesma linha de raciocínio utilizada neste trabalho, Saviani (2008, p.
122-123), ao refletir sobre as tendências pedagógicas, critica a polarização feita entre teoria
e prática, defendendo o seguinte:
Na raiz do dilema, está um entendimento da relação entre teoria e prática
em termos de lógica formal, para a qual os opostos se excluem. Assim, se
a teoria se opõe à prática, uma exclui a outra. Portanto, se um curso é
teórico, ele não é prático; e, se é prático, não é teórico. E, na medida em
que o professor é revestido do papel de defensor da teoria enquanto o
aluno assume a defesa da prática, a oposição entre teoria e prática se
traduz, na relação pedagógica, como oposição entre professor e aluno. No
entanto, admite-se, de modo mais ou menos consensual, que tanto a teoria
quanto a prática são importantes no processo pedagógico, do mesmo
modo que esse processo se dá na relação professor-aluno, não sendo, pois,
possível excluir um dos pólos da relação em benefício do outro. Dir-se-á,
pois, que teoria e prática, assim como professor e aluno são elementos
indissociáveis do processo pedagógico. Nestes termos, a saída do dilema
por um ou por outro de seus pólos constitutivos revela-se igualmente
difícil e, no limite, impossível. Eis por que as duas tendências
pedagógicas vigentes na atualidade resultam igualmente incapazes de
resolver o dilema pedagógico.

Pelo exposto, observa-se o argumento central do texto: a defesa da


indissociabilidade entre teoria e prática. Ou melhor, a necessidade efetiva de se realizar um
movimento no

... qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a
prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como práxis
social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora da
existência social. A teoria nega a prática como comportamento e ação
dados, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela
ação dos homens que, depois, passam a determinar sua ações. A prática,
por sua vez, nega a teoria como um saber separado e autonômo, como puro
movimento de idéias se produzindo uma às outras na cabeça dos teóricos.
Nega a teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a
ação dos homens. E negando a teoria enquanto saber separado do real que
pretende governar esse real, a prática faz com que a teoria se descubra
como conhecimento das condições reais da prática existente, de sua
alienação e de sua transformação. (Chauí, 2006, p. 81-82).

E a compreensão da importância desse movimento é um dos componentes


essenciais para a educação ambiental. Mais do que isso, é uma exigência a ser contemplada
nos projetos, programas e ações e garantida como premissa nas políticas públicas
construídas no Brasil.
Contudo, a relação teoria-prática não se esgota como exigência da educação
ambiental. Remete à própria constituição humana em sua distinção na natureza.
Para a abordagem crítica aqui assumida, o que caracteriza a especificidade do ser
social em nós (que se vincula ao ser biológico na definição da singularidade humana na
natureza) é a atividade criativa no mundo, nossa ação intersubjetiva e de transformação
pelo trabalho (metabolismo sociedade-natureza), possibilitando a criação de meios de vida
para satisfação de necessidades materiais e simbólicas que, por sua vez, estão sempre sendo
recriadas, superadas e complexificadas no âmbito da própria atividade criativa e produtiva
(LUKÁCS, 2007).
E aqui surge um conceito amplo que permite entender o como nos constituímos
como seres humanos: a práxis.

O QUE É PRÁXIS?

A práxis pode ser entendida como atividade intencionada que revela o humano
como ser social e autoprodutivo – ser que é produto e criação de sua atividade no mundo e
em sociedade. É ato, ação e interação. É pela práxis que a espécie se torna gênero humano,
assim, junto às suas objetivações primárias de ação transformadora da natureza exterior
(trabalho), o ser social se realiza nas objetivações (materiais e simbólicas) da ciência, da
arte, da filosofia, da religião, entre outros processos comunicacionais e interativos que
permitem a produção da cultura.
A práxis compreende a decisão teórica tanto quanto a decisão da ação. “Significa
um modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos
intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros, não sendo possível separá-los”
(CHAUÍ, 2006, p. 23).
Sendo a práxis uma atividade teórico-prática (ideal/material), apresenta-se como
atividade subjetiva e como atividade objetiva (exercida sobre uma realidade, independente
da consciência acerca desta). Portanto, a práxis caracteriza-se pela ação do indivíduo,
mediado por relações sociais, sobre a matéria, visando à transformação do “mundo
exterior” e, nesse movimento, a transformação do mundo interior. (VÁSQUEZ, 2007).
Com a práxis, a produção do novo torna-se uma das características mais marcantes
da atividade realizada pelo Homo sapiens. Como diz Lessa (2001, p. 95):
Todo processo de objetivação cria, necessariamente, uma nova situação
sócio-histórica, de tal modo que os indivíduos são forçados a novas
respostas que devem dar conta da satisfação das novas necessidades a
partir das novas possibilidades. Por isso, a história humana jamais se
repete: a reprodução social é sempre e necessariamente a produção do
novo.

Por fim, cabe afirmar que o caráter da atividade humana possui um sentido
eminentemente prático na garantia da materialização de algo, posto que a atividade teórica
que se opera apenas no pensamento e que propicia conhecimentos imprescindíveis à
transformação da realidade, não é em si mesma uma forma de práxis. O equivalente pode
ser dito para as representações e significados simbólicos decorrentes da linguagem. Para
que as ideias ganhem materialidade são necessários agentes sociais que as ponham em ação
como uma força prática. E é nesse movimento dinâmico que a atividade redefine a ideia
que, por sua vez, permite a constituição de novos valores e significados que interferem na
prática.

DESAFIOS

Como se pode perceber, no início deste trabalho, ficou explícita a concepção de


educação ambiental que norteou as análises que aqui foram feitas, além de problematizar
situações recorrentes na dinâmica constitutiva do campo, que se reproduzem na educação
como um todo. Em seguida, houve o esclarecimento do conceito que sustenta a defesa da
indissociabilidade teoria-prática. Contudo, para concluir, é preciso apontar algumas
possibilidades de enfrentamento das condicionantes que geram a dicotomia entre teoria e
prática.
Para isso, é preciso, inicialmente, entender que a ruptura teoria-prática que tanto
afeta a atividade educativa não começa nem termina nesta, como se decorresse de uma
insuficiência cognitiva. Ela se define no movimento histórico de intensificação da divisão
social do trabalho, da apropriação privada dos meios de produção (natureza, instrumentos
etc.) e dos produtos do trabalho humano, que legitima a hierarquia entre trabalhos manuais
e intelectuais e esfacela a compreensão da cadeia produtiva como um todo, como
mecanismo de reprodução das relações desiguais de poder, de expropriação no uso e acesso
ao que é preciso para a realização pessoal.
Tal característica do capitalismo é única, sem equivalente, na história das
formações socioeconômicas humanas e estrutura o padrão civilizatório dominante nos
últimos séculos – que, deve ser dito, é o primeiro a se mundializar, em um movimento de
eliminação e/ou subordinação de outras organizações sociais antagônicas a esta.
O resultado de tal dinâmica material, naquilo que interessa diretamente à educação
ambiental, é: (1) o primado da razão instrumental sobre a racionalidade emancipatória; (2)
da teoria (mais adequadamente da atividade intelectual) sobre a prática; (3) da mente sobre
o corpo; (4) do uso da ciência para o desenvolvimento e aplicação da tecnologia, visando ao
aumento da eficiência produtiva para fins de acumulação e não para a proteção à vida e a
garantia da dignidade humana; e (5) à utilização da escolarização como mecanismo de
perpetuação das desigualdades de classe.
Certamente, saber disso não pode significar ficar passivamente esperando que um
dia tudo mude para poder se fazer algo ou que uma catástrofe acabe com nossa espécie. É
preciso agir para transformar este cenário, mas com consciência das contradições em que se
está imerso e dos limites e potencialidades institucionais e pessoais em cada ação.
Assim, seguem dois pontos considerados relevantes para a educação ambiental,
entre outros que poderiam ser pensados e indicados, como meio para estimular a reflexão
do leitor.
Existe a compreensão de que o principal é superar as práticas que comumente
começam e terminam em si mesmas, procurando articular as ações a políticas públicas que
garantam a efetividade institucional e legal dos processos educativos instaurados.
Não se pode pensar, por exemplo, em formação de professores apenas por meio de
horas de curso dadas e metodologias lúdicas e participativas utilizadas. A concretização da
educação no espaço formal depende de aspectos cognitivos e de sensibilização individual,
mas também de uma capacidade concreta de intervenção naquilo que é estruturante da
educação. Assim, não cabe fomentar a formação de professores sem pensar em organização
curricular, gestão escolar, carga horária docente em sala de aula e para estudos e
planejamento integrado, projeto político-pedagógico, e no papel que cumpre cada etapa da
escolarização no atendimento das demandas sociais e de mercado.
Mais claramente falando, ampliar a formação deve gerar concomitantemente a
mobilização de educadores ambientais junto aos trabalhadores da educação na estruturação
de políticas públicas que assegurem uma educação universalmente acessível a todos,
enquanto direito inalienável do ser humano.
Outro exemplo está nos espaços de gestão. Tradicionalmente, em unidades de
conservação (UC) e no licenciamento, os projetos se restringiram à transmissão de
conhecimentos científicos, de informações de interesse das instituições governamentais ou
privadas, e de sensibilização para a importância da UC ou do empreendimento. Isso é
limitado do ponto de vista pedagógico, uma vez que não favorece a autonomia reflexiva, e
tende a isolar a educação ambiental do conjunto das ações existentes em dado território.
É fundamental em UC que a educação ambiental, para além de suas consagradas
formas de atuar na visitação e no diálogo com escolas e associações do entorno (ambas
necessárias), seja internalizada como constitutiva da própria gestão, nos conselhos,
tornando-se elemento formativo permanente e se vinculando ao conjunto das ações
planejadas, potencializando aquilo que lhe é específico (LOUREIRO e CUNHA, 2008).
No licenciamento, é pertinente um duplo movimento: (1) garantir que os projetos
se estruturem com base nos conflitos e problemas inerentes ao empreendimento, dando
concretude à ação e capacidade cognitiva de se estabelecer nexos causais complexos, que
integrem conhecimentos diversos; e (2) articular a educação ambiental com outras políticas
públicas em execução (LOUREIRO, 2009c).
Um segundo ponto que merece destaque é de conteúdo e método. É preciso criar
tensionamentos internos aos processos educativos ambientais, levando educadores e
educandos à constante problematização e reflexão, por meio da contextualização e
historicização dos temas escolhidos. Normalmente, os temas ambientais são tratados pela
órbita das responsabilidades pessoais e do apelo moral. Não se abordam as condicionantes
econômicas e culturais da questão selecionada e, portanto, não se problematiza a realidade,
tampouco se permite uma mobilização coletiva que interfira em espaços e políticas públicas
que podem reverter os processos destrutivos. Isso não significa dizer que o tratamento de
qualquer questão ambiental deva ser estritamente pelo olhar político e coletivo, mas sim
que este é indispensável para nossas opções individuais. Em outros momentos, já foi dito:
tratar a água, como caso que serve de ilustração, só pelo plano do respeito e do uso racional
individual e responsável, é abstrair a temática daquilo que a torna um problema real a ser
enfrentado. Só se pensa na água como problemática desafiadora porque, efetivamente, há
usos e apropriações que geram escassez, poluição, destruição de nascentes, desigualdade de
acesso etc. Logo, a dimensão ética e pessoal está atrelada à econômica e política que
determinam as condições em que se encontra a água na atualidade, sua gestão para fins de
uso humano e possibilidade de uso não-humano.
São propostas difíceis de concretizar? Em certa medida sim, mas não por serem
teórico-metodologicamente complicadas e sim pelo tipo de enfrentamento exigido e de
posicionamento favorável a um projeto societário voltado à emancipação e à superação do
capitalismo. Quando se complexifica e se politiza a ação, dando-lhe materialidade, em um
sentido crítico e comprometido com a vinculação da prática com as lutas sociais
antissistêmicas, interesses antagônicos são atingidos e, evidentemente, há tensionamentos e
conflitos entre forças sociais que se expressam institucionalmente. Além disso, objetivar a
transformação exige que cada sujeito saia de sua zona de conforto e supere o discurso da
mudança interior como única via, o que nem sempre é fácil e mesmo desejado. Estes são
aspectos que precisam ser considerados com realismo em qualquer atividade educativa.
Uma educação ambiental que procure promover a práxis emancipadora enquanto
meio de transformação objetiva de nossas relações na natureza é um desafio e uma
exigência para aqueles que buscam a concretização de uma sociedade socialmente justa que
garanta o ambiente como bem comum e a proteção ecológica como exigência ética e de
sobrevivência.

REFERÊNCIAS

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