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All content following this page was uploaded by Carlos Frederico Bernardo Loureiro on 13 December 2018.
INTRODUÇÃO
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Fundação Universidade
Federal de Rio Grande. Coordenador do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade
(LIEAS/FE/UFRJ – grupo CNPq). Pesquisador do CNPq. Autor de inúmeros livros, capítulos de livros e
artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.
teóricos e não realizarem nada de prático, visando obter legitimação junto a educadores e
educadoras ambientais, por meio da desvalorização do que seu aparente contraponto
realiza. Estes, por sua vez, fazem afirmações contrárias, dizendo que tais agentes sociais
caem em um praticismo que não contribui em nada para a efetiva transformação das
relações sociais.
Onde está o problema, afinal? Os argumentos estão corretos? É, de fato, possível
separar teoria e prática? Como a relação teoria-prática opera no marco de uma sociedade de
classes, em que a divisão social do trabalho e os processos de apropriação privada
imprimem materialidade à cisão saber e fazer (MARX, 2007)?
Este texto procura contribuir com o debate ao trazer situações concretas
recorrentes que exemplificam tais questionamentos, respondendo-os não de forma
conclusiva, mas formulando alguns argumentos que podem auxiliar no posicionamento do
leitor.
E já há, de antemão, um posicionamento explicitando que isso será feito sob uma
perspectiva assumida como inserida na tradição de educação ambiental que se
convencionou denominar de:
- crítica, porquanto funda sua formulação no radical questionamento às
condicionantes sociais que geram problemas e conflitos ambientais;
- emancipatória, uma vez que visa à autonomia e liberdade dos agentes sociais
frente às relações de expropriação, opressão e dominação; e
- transformadora, por visar a mais radical transformação do padrão societário
dominante, no qual se define a situação de degradação intensiva da natureza, e, em seu
interior, da condição humana (LOUREIRO, 2008, 2004).
Logo, neste texto, não há nenhuma pretensão de neutralidade apoiada na descrição
e apresentação de situações e posicionamentos distintos relativos à problemática
inicialmente mencionada. Há objetividade analítica da realidade, elaborada a partir da
explicitação de perspectiva e suas finalidades educacionais, garantindo o debate sem recair
no objetivismo positivista ou no relativismo das abordagens vinculadas ao denominado
paradigma lingüístico pós-moderno (EAGLETON, 1998; LOWY, 1996).
2
Cabe lembrar que o campo da educação ambiental se estruturou originalmente com base no ambientalismo
e, apenas posteriormente, recebeu influências, decisivas para sua conformação atual, dos movimentos sociais
e dos trabalhadores da educação (LOUREIRO, 2009a).
3
Diante das constantes confusões conceituais, esclareço que uma determinação, no sentido marxista, não é
sinônimo de determinismo linear-causal (tese segundo a qual tudo o que acontece decorre de condições tais
que nada diferente poderia acontecer). Com o uso do conceito de determinação se reconhece que as relações
sociais, em contextos históricos específicos, apresentam elementos que em sua dinâmica influenciam o
conjunto de modo diferenciado. Ou seja, há tendências e condicionantes que delimitam possibilidades
objetivas e que diante da ação dos agentes sociais se abrem para o contingente. Há, portanto, nexos causais
não-lineares e dialéticos (BOTTOMORE, 2001).
quais nos defrontamos em nossa atividade no mundo e a partir das quais nos constituímos e
as transformamos.
Logo, o fazer por fazer não conduz, necessariamente, à alteração substantiva da
realidade, visto que não se pode confundir o movimento dinâmico e complexo do real com
superação de relações determinantes historicamente instituídas em certas formações
socioeconômicas. Mais objetivamente falando, criar algo novo não significa de modo
imediato que esse novo seja no sentido de supressão de relações identificadas como
expropriadoras e destrutivas da natureza. O novo, dependendo do contexto, pode ser,
apenas, a criação de mecanismos menos prejudiciais a certos aspectos ambientais
(geralmente os estritamente ecológicos) que garantem a perpetuação do modo de produção
capitalista, uma vez que minimizam conflitos e garantem o uso prolongado de recursos
naturais (FOSTER, 2002). E isso é particularmente verdadeiro e recorrente na atualidade,
quando se observa a valorização ideológica da ação individualizada e despolitizada
reforçando sobremaneira os movimentos privatistas e os mecanismos de mercado
(LOUREIRO, 2009b).
Estudos específicos na realidade escolar (DUARTE, 2004) mostram que a prática
espontânea, sem a devida reflexão crítica, tende a reproduzir o padrão de relações já
vigentes e que são tornados no senso comum como fatos consumados. Na escola isso é
observado nos processos, por vezes sutis, de reprodução dos padrões culturais burgueses,
que são subentendidos como sendo naturalmente válidos, universais e a serem seguidos.
Algo que estabelece mecanismos de violência simbólica que legitimam a dominação de
classe e o preconceito sobre modos de organização cultural e econômica de grupos que não
se enquadram nos ditames do capital (BOURDIEU, 2007 e 2005).
Normalmente, isso significa, no campo ambiental, observar que o padrão de
expropriação e dominação tende a se reproduzir não mais de forma ecologicamente
incorreta, ou seja, incompatível com a moral e a conduta socialmente aceita no tratamento
da questão, mas dentro de roupagens discursivas verdes, com fortes apelos éticos, pautados
no uso de tecnologias limpas e na mudança de comportamento pessoal. Com isso, a justa
motivação para o enfrentamento do cenário de crise se fragiliza diante dos efeitos de uma
prática ingênua ou confortável de seus agentes promotores, que reproduzem as relações de
produção, responsáveis pela degradação que se pretende combater.
Exemplo disso se encontra nas discussões em torno da água. Mostram-se dados
alarmantes que justificam a atenção para o problema e, no momento do encaminhamento,
fica-se nas ações pessoais de redução de consumo e na defesa de um olhar respeitoso, ético,
para com a água (inegavelmente válidas, mas reducionistas se vistas como principais
determinantes). Todo o problema começa e se esgota nesse ponto. É desprezado o fato
objetivo, que condiciona a dimensão subjetiva e individual, de que, em média, dependendo
do país e região, mais de 80% da água utilizada para fins humanos o é no processo
produtivo (agricultura e indústria), algo que somente é alterado com base na intervenção
organizada e coletiva via políticas públicas, controle social e mecanismos regulatórios de
Estado.
Em resumo, é cabível afirmar que a ação bem intencionada, sem reflexão crítica e
conhecimento que a oriente, e sem a vinculação dialética entre ação dos sujeitos e
condicionantes sociais, não é garantia de um futuro melhor.
A segunda situação a ser observada remete ao subjetivismo e ao relativismo,
comuns a algumas perspectivas de educação ambiental fortemente influenciadas por
respeitosas visões místicas (que abordam estritamente o eu e sua inserção no cosmos, como
se não existisse a mediação social) ou por posturas filosóficas voltadas para a experiência
pessoal e para a interpretação que os indivíduos fazem do mundo, sendo algumas de cunho
irracionalista. O que há de relevante para tais concepções são as vivências de cada sujeito e
como se sente e se realiza aí. Nessa perspectiva, as condições objetivas produzidas
historicamente são irrelevantes quando se almeja a felicidade, finalidade última da
existência humana, e se garante o respeito às culturas. Logo, nesta linha de pensamento, o
que vale é a prática, enquanto experimentação pessoal e movimento de autorrealização.
Ora, deve ser lembrado que a felicidade se relaciona à liberdade existencial (ser
não somente livre de algo, mas também livre para realizar algo) e à autonomia (condição de
decisão livre do indivíduo acerca do que deve fazer). Isso quer dizer que o desejo de
felicidade se vincula às necessidades humanas (a como e ao direito de satisfazê-las no
âmbito de uma determinada organização social que define quem tem acesso a o quê) e mais
especificamente à consciência da necessidade. Portanto, não é uma questão de escolher
entre o valor subjetivo ou a condição objetiva, ou considerar que a vontade de se viver feliz
suplanta as desigualdades, formas de opressão e injustiças. A prática educativa exige a
complexa integração dessas duas dimensões em seu movimento de mediação dos sujeitos
no ambiente e de problematização e atuação prática na realidade socioambiental. O fato é
que liberdade e necessidade formam um par indissociável da atividade humana na
configuração das relações sociais, cujas possibilidades individuais se situam no marco de
cada sociedade.
Inspirada em Heller (apud VEIGA, 1995, p.19) resume bem esta discussão:
Por fim, a quarta situação remete a um discurso recorrente nas práticas escolares
(PARO, 2007), estabelecido na relação educando-educador, que merece menção: o
educando comumente afirma estar saturado de conteúdos e que gostaria de ter mais
momentos de prática; o educador, por sua vez, afirma que o educando não quer estudar e só
se preocupa com questões imediatas.
São justos questionamentos? Em parte sim, mas apenas em parte. Por quê? Porque
se fundamentam no que é aparente, sem discutir a complexidade da relação e do problema.
O equívoco do conteudismo é se pautar na transmissão de conhecimentos sem
estabelecer o nexo entre estes e a realidade dos envolvidos e explicitar as relações causais
daquilo que se apresenta como questão ou tema. Logo, fica o conteúdo por ele mesmo,
como se a sua transmissão fosse suficiente para gerar a sua apreensão e consequente
mudança de atitude. Ou, o que parece mais grave, como se o ato de transmitir algo fosse,
apenas, para fins de cumprimento de uma formalidade do processo educativo. Um rito de
passagem socialmente exigido para a obtenção de uma determinada certificação que
autoriza determinada prática. Isso, sem dúvida, deve ser denunciado e superado.
O equívoco do pragmatismo está em se buscar estritamente os meios para
satisfação de necessidades imediatas. Sem elementos cognitivos e teóricos satisfatórios, não
há capacidade efetiva da reflexão crítica e autocrítica do que se faz cotidianamente. E como
já foi dito, sem tal movimento reflexivo, a tendência é agir para reproduzir o que está
legitimado pela sociedade. Isso é, igualmente, algo a ser superado, uma vez que limita a
capacidade coletiva e individual de intervenção social.
Seguindo à mesma linha de raciocínio utilizada neste trabalho, Saviani (2008, p.
122-123), ao refletir sobre as tendências pedagógicas, critica a polarização feita entre teoria
e prática, defendendo o seguinte:
Na raiz do dilema, está um entendimento da relação entre teoria e prática
em termos de lógica formal, para a qual os opostos se excluem. Assim, se
a teoria se opõe à prática, uma exclui a outra. Portanto, se um curso é
teórico, ele não é prático; e, se é prático, não é teórico. E, na medida em
que o professor é revestido do papel de defensor da teoria enquanto o
aluno assume a defesa da prática, a oposição entre teoria e prática se
traduz, na relação pedagógica, como oposição entre professor e aluno. No
entanto, admite-se, de modo mais ou menos consensual, que tanto a teoria
quanto a prática são importantes no processo pedagógico, do mesmo
modo que esse processo se dá na relação professor-aluno, não sendo, pois,
possível excluir um dos pólos da relação em benefício do outro. Dir-se-á,
pois, que teoria e prática, assim como professor e aluno são elementos
indissociáveis do processo pedagógico. Nestes termos, a saída do dilema
por um ou por outro de seus pólos constitutivos revela-se igualmente
difícil e, no limite, impossível. Eis por que as duas tendências
pedagógicas vigentes na atualidade resultam igualmente incapazes de
resolver o dilema pedagógico.
... qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a
prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como práxis
social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora da
existência social. A teoria nega a prática como comportamento e ação
dados, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela
ação dos homens que, depois, passam a determinar sua ações. A prática,
por sua vez, nega a teoria como um saber separado e autonômo, como puro
movimento de idéias se produzindo uma às outras na cabeça dos teóricos.
Nega a teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a
ação dos homens. E negando a teoria enquanto saber separado do real que
pretende governar esse real, a prática faz com que a teoria se descubra
como conhecimento das condições reais da prática existente, de sua
alienação e de sua transformação. (Chauí, 2006, p. 81-82).
O QUE É PRÁXIS?
A práxis pode ser entendida como atividade intencionada que revela o humano
como ser social e autoprodutivo – ser que é produto e criação de sua atividade no mundo e
em sociedade. É ato, ação e interação. É pela práxis que a espécie se torna gênero humano,
assim, junto às suas objetivações primárias de ação transformadora da natureza exterior
(trabalho), o ser social se realiza nas objetivações (materiais e simbólicas) da ciência, da
arte, da filosofia, da religião, entre outros processos comunicacionais e interativos que
permitem a produção da cultura.
A práxis compreende a decisão teórica tanto quanto a decisão da ação. “Significa
um modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos
intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros, não sendo possível separá-los”
(CHAUÍ, 2006, p. 23).
Sendo a práxis uma atividade teórico-prática (ideal/material), apresenta-se como
atividade subjetiva e como atividade objetiva (exercida sobre uma realidade, independente
da consciência acerca desta). Portanto, a práxis caracteriza-se pela ação do indivíduo,
mediado por relações sociais, sobre a matéria, visando à transformação do “mundo
exterior” e, nesse movimento, a transformação do mundo interior. (VÁSQUEZ, 2007).
Com a práxis, a produção do novo torna-se uma das características mais marcantes
da atividade realizada pelo Homo sapiens. Como diz Lessa (2001, p. 95):
Todo processo de objetivação cria, necessariamente, uma nova situação
sócio-histórica, de tal modo que os indivíduos são forçados a novas
respostas que devem dar conta da satisfação das novas necessidades a
partir das novas possibilidades. Por isso, a história humana jamais se
repete: a reprodução social é sempre e necessariamente a produção do
novo.
Por fim, cabe afirmar que o caráter da atividade humana possui um sentido
eminentemente prático na garantia da materialização de algo, posto que a atividade teórica
que se opera apenas no pensamento e que propicia conhecimentos imprescindíveis à
transformação da realidade, não é em si mesma uma forma de práxis. O equivalente pode
ser dito para as representações e significados simbólicos decorrentes da linguagem. Para
que as ideias ganhem materialidade são necessários agentes sociais que as ponham em ação
como uma força prática. E é nesse movimento dinâmico que a atividade redefine a ideia
que, por sua vez, permite a constituição de novos valores e significados que interferem na
prática.
DESAFIOS
REFERÊNCIAS