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EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Me. Tássio Acosta

GUIA DA
DISCIPLINA
2021
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância

É chamado de mulato
Aquele que é misturado
Um dos pais é de cor negra
Sendo o outro branqueado
Mas a miscigenação
No início da nação
Foi um mal desnaturado.

Nunca foi caso de amor


Como se pode alegar
Era caso de estupro
Que à negra ia abusar
O senhor da Casa Grande
Mui cruel e dominante
Pronto pra violentar.

E além dessa faceta


Existiu branqueamento
Como oficial medida
Para o tal clareamento
Com o fim de exterminar
De pra sempre eliminar
O negro do pensamento.

Essa torpe intenção


Que visava misturar
A cor negra e a branca
Até por fim conquistar
Um final clareamento
Jogando no esquecimento
A cor preta a incomodar.

(Não me chame de mulata – Jarid Arraes)


www.geledes.org.br/nao-chame-de-mulata

Educação das Relações Étnico-Raciais 1


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1. EXISTE UMA NEUTRALIDADE CURRICULAR?

Objetivo:
Analisar a dita “neutralidade” existente no curriculum escolar para que possamos
entender a urgência de valorizar as culturas afro-brasileiras e reconhecer o processo de
exclusão social histórica ao qual esse segmento populacional foi imposto desde sempre.

Introdução:
O curriculum escolar é erroneamente considerado um documento neutro, no qual tal
neutralidade impede a descriminação, a segregação e a exclusão. No entanto, vale a pena
nos questionarmos acerca de alguns aspectos para que possamos melhor ler nas
entrelinhas deste curriculum escolar:
• Quantas/os teóricas/os negras/os você estudou durante o tempo que passou na
escola?
• Sobre quantas personagens e personalidades históricas você aprendeu durante
o tempo que passou na escola?
• Quantas/os professoras/es negras/os você teve durante o tempo que passou na
escola?

Agora, façamos o oposto:


• Quantas/os teóricas/os brancas/os e personagens brancas você estudou e
quantas/os professoras/es brancas/os você teve durante o tempo que passou na
escola?

Partindo deste olhar, buscaremos analisar esta “neutralidade” existente no


curriculum escolar para que possamos compreender a importância da valorização da
cultura afro-brasileira e a necessidade, ainda que momentânea, de legislações específicas
que atendam as demandas destes movimentos sociais.

É importante que façamos o recorte racial na análise da escola para que possamos
compreender os processos históricos de exclusões sociais aos quais este segmento
populacional foi submetido e, a partir dele, pensar nas diversas possibilidades que temos
para trazer esta temática ao debate.

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O curriculum escolar tem uma dimensão política por estar inserido na sociedade e,
justamente por este fator, pode-se afirmar que o currículo é político.

1.1. Neutralidade curricular ou processo de embranquecimento?


No Brasil, o fato de “ser negro” perpassa por uma série de marcadores que o situam
não apenas étnico-racialmente, mas também social, cultural, financeiramente, para citar
apenas alguns dentre os mais variados marcadores das diferenças.

A ausência das representatividades negras nos locais de poder é uma das formas
que servem para nos fazer pensar sobre qual sociedade brasileira aprendemos na escola,
quais Brasis realmente aprendemos no Brasil e os motivos que levam ao silenciamento e
inivisbilização de uma parte da sociedade, ao passo que a outra parte detém o controle dos
locais de poder.

A temática das negritudes costuma aparecer no currículo escolar em datas


comemorativas específicas onde, muito rotineiramente, a escola não propõe um debate
sobre a sua significância, nem convida grupos representativos e movimentos sociais das
negritudes para falar sobre elas. O que existe é uma festa folclórica que, muitas vezes,
ajuda a silenciar ainda mais a realidade.

A escola costuma romantizar um período de altas taxas de torturas e ataques


diversos aos Direitos Humanos como foi o período escravocrata brasileiro mantendo esta
história sob um olhar naturalizante, quando deveria propor um olhar crítico e reflexivo, que
buscasse analisar o cotidiano dos negros escravos e as formas de resistência que
articularam para subverter a norma da época. Mas não é isso o que acontece.

Da clandestinidade à organização social, a mobilização dos negros, a princípio, se


alicerçou no conceito de resistência e luta dos ancestrais do período colonial,
trazendo destes a conjuntura histórica para a compreensão da situação
contemporânea. Logo, numa perspectiva de visitar o passado em busca de
melhorias para o futuro, os ativistas se puseram a enfrentar a opressão pela
superação das desigualdades. (Alves, 2007: 38)

Outro ponto que merece atenção especial é que negros das mais diversas etnias
foram sequestrados do continente africano, em centenas de tribos, e trazidos ao Brasil. Mas
quando abordamos a sua existência, temos a tendência de homogeneizá-los como se não
apenas todos eles fossem iguais, mas como se todas as culturas fossem iguais e falassem

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a mesma língua. Ora, se nós não somos iguais entre nós mesmos, como podemos ensinar
aos nossos alunos que os negros escravos eram iguais entre si?

Cunha Jr. (1996) afirma que o movimento negro sempre buscou mecanismos de
resistência para que estivesse inserido nas discussões sociais, sobretudo na educação,
que passou a ocupar um papel relevante a partir da década de 1920 por meio de jornais
segmentados. Ainda assim, vale pensar em quantas pessoas tinham acesso ao jornal, à
escolarização e ao interesse na temática em 1920. Não obstante, mais
contemporaneamente passamos a ver a discussão sobre as representatividades e os locais
de fala, uma antiga reivindicação do movimento social negro.

1.2. Múltiplas identidades refletem os múltiplos olhares


Da mesma maneira que não existe um tipo único de pessoa negra,
consequentemente não existe uma identidade negra única. Existem várias pessoas, da
mesma maneira que existem várias identidades.

Justamente por isso, devemos valorizar as diferenças, a pluralidade étnica e


identitária para que todos possam reivindicar para si o direito de ser quem quiserem ser.
Para que isso seja possível, o professor deve estar preparado para realizar este
reconhecimento e, assim, valorizar as formações identitárias de seus alunos.

Será a partir do fortalecimento identitário, de seu reconhecimento e da compreensão


dos fatores históricos que os marginalizaram socialmente durante tanto tempo que a escola
poderá possibilitar que reivindiquem para si o orgulho de ser quem são.

Caso a escola continue a inviabilizar e silenciar tais existências, estará


compactuando para elas sejam mantidas às margens sociais.

A necessidade da construção de perspectivas curriculares que contemplem a


diversidade humana em seus caracteres corpóreos, etários, étnicos, políticos,
históricos e culturais justifica-se pelo papel constitutivo das interações humanas nos
contínuos processos de formação do sujeito. (Santos, 2009: 188)

Pensar em um currículum que valorize as múltiplas diferenças e identidades é pensar


em um currículum que olha para a sala de aula reconhecendo as pluralidades existentes,
que pensa na formação do aluno para o amanhã, para o futuro, para estar preparado a viver
em sociedade e com condições reais de trazer mudanças sociais evitando, assim, que

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compactue com os processos discriminatórios e excludentes existentes em nossos


cotidianos.

O currículo é político. O documento central que orienta a escola, o Projeto Político


Pedagógico, é político. A educação é um ato político. Olhar a sociedade criticamente é
político. Justamente por isso, precisamos reivindicar o direito ao debate, às diferenças e ao
contraditório, sem silenciamentos e invisibilizações diversas para que todas/os as/os
alunas/os possam ser contempladas/os pelo currículo escolar, sem marginalização ou
exclusão por discriminação motivada por qualquer origem.

Para Fernandes e Souza (2016), “o sentido de educar abrindo-se para africanidades


é primordial por permitir um diálogo transformador e humanizador. Abrir-se para as
africanidades permite a todos, e não só aos negros, a aquisição de conhecimentos calcados
na tradição e na memória, e assim estabelecer um contraponto à cultura eurocêntrica
presente na escola” (id, ibd: 115)

1.3. Descolonizando o currículo eurocêntrico


As demandas pela descolonização do currículo escolar majoritariamente branca
remontam ao início dos anos 2000, por uma série de fatores sociais que influenciaram o
cotidiano individual (e coletivo, obviamente).

A exemplo disso, podemos citar a democratização dos meios de comunicação, a


partir do Governo Lula, em 2002, por meio do aumento de poder de compra das classes
sociais menos favorecidas que, por conta disso, passaram a participar mais ativamente das
redes sociais virtuais – algo que, até o início desse período, era algo inimaginável se
considerada a realidade socioeconômica brasileira.

Cada vez que acessamos nossas redes sociais,


nos deparamos com discussões sobre formas diversas
de racismo, machismo, representatividade, feminismo
e muitas outras temáticas de cunho social. Estas
questões passaram a influenciar a escola, e uma série
de reivindicações teve que ser atendida pelas secretarias municipais, estaduais e pelo
Ministério da Educação. Afinal de contas, o que está acontecendo com o mundo? Com a
sociedade? Com o Brasil?

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Nada de diferente do que sempre aconteceu, mas agora existe o fator


“conectividade”, que possibilitou o contato entre pessoas com as mesmas ideias,
fortalecendo seus poderes de negociação e reivindicação. Isso significa que estas pessoas
estão buscando uma descolonização, onde os indivíduos sociais (e consequentemente a
sala de aula) passaram a reivindicar para si o direito de escrever suas próprias histórias.

A compreensão das formas por meio das quais a cultura negra, as questões de
gênero, a juventude, as lutas dos movimentos sociais e dos grupos populares são
marginalizadas, tratadas de maneira desconectada com a vida social mais ampla e
até mesmo discriminadas no cotidiano da escola e nos currículos pode ser
considerado um avanço e uma ruptura epistemológica no campo educacional.
(Gomes, 2012: 104)

Descolonizar o currículo escolar é uma prática que requer muita dedicação e


empenho dos envolvidos, pois é necessário que, antes de mais nada, reconheçamos que
fomos não apenas colonizados por europeus, mas também que fomos escolarizados
adotando como nossas tais perspectivas. A partir de então, será possível que a escola seja
mais plural e esteja (mais) preparada para lidar com as demandas contemporâneas da
educação.

O processo educacional
sempre foi e sempre será
dialético, movido por meio de
tensionamentos, convergências
e divergências. O estudo não
está parado em um determinado
tempo-espaço imutável; pelo
contrário, ele sofre alterações
constantes, frutos das próprias
mudanças sociais que vivemos.
Cabe à escola estar atenta para realizar este tão necessário mapeamento
e compreender a importância de valorizar cada vez mais o respeito às diferenças
para tornar-se, assim, um local de construção da cidadania, e não apenas um local
de escolarização.

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2. CONCEITUAÇÃO RACIAL E ÉTNICA

Objetivo:
Explicitar a diferença conceitual entre raça e etnia, duas palavras que muitas vezes
são interpretadas como sinônimos quando, na verdade, existem diferenças específicas
entre eles. Enquanto “raça” identifica grupos pelos seus fenótipos (cor, traços faciais,
textura capilar, etc.), “etnia” os identifica por suas ligações culturais (religiosidade, língua
falada/escrita, nacionalidade).

Introdução:
Muitas vezes vemos os termos “raça” e “etnia” sendo largamente utilizados, tanto em
pesquisas acadêmicas como em noticiários televisivos, ou até mesmo em postagens nas
redes sociais como, por exemplo, o Facebook e Instagram.

No entanto, se nos atentarmos ao seu uso, veremos que ambos são utilizados como
sinônimos, como se não houvesse distinção entre eles. Mas a verdade é que esta diferença
existe: cada conceito diz respeito a uma categoria social específica, e será sobre este ponto
que nos debruçaremos neste ensaio.

O conceito “raça” foi utilizado pela primeira vez em 1684, a partir da publicação “Nova
divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam”, de François Bernier.
Popularizou-se, inicialmente, a partir do uso nas Ciências Naturais, que precisavam de um
conceito para categorizar seus objetos de estudo: plantas, animais, etc. Bernier passa a
utilizar este conceito para realizar as suas análises sociais de grupos fisicamente
contrastados. Ou seja, remete-se à utilização francesa pela identificação germânica
(nobreza), em oposição aos gauleses, a plebe daquela época.

Já o conceito de “etnia”, diferentemente do conceito de “raça”, que é derivado a partir


de traços fenótipos, será atribuído de acordo com a forma que os próprios sujeitos se
identificam com relação a outros. Como exemplo, podemos citar os grupos que se
correlacionam a partir de uma determinada linguagem, expressão cultural, vestimenta,
dentre outros signos identitários. Enquanto a primeira categoria (raça) está ligada às
questões biodeterministas, a segunda categoria (etnia) está ligada às questões de
identificações culturais.

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2.1. Histórico da utilização da terminologia conceitual “raça"


Inúmeras terras foram invadidas e conquistadas durante o séc. XV com o objetivo de
dominação territorial e exploração das riquezas naturais existentes naquelas terras até
então sem o domínio europeu, para que estes países pudessem enriquecer suas nações,
desenvolver suas economias e aumentar seus poderes de influência em outras regiões do
mundo.

Neste momento de intensas invasões e contato


com outros povos, os europeus precisavam classificar
quem eram estas pessoas, quais eram os seus costumes
e de qual forma eles (os europeus) poderiam tirar proveito
destes povos que, até então, não tinham contato com os
europeus e seus avanços tecnológicos – sobretudo das
armas de fogo. A categoria mais bem utilizada e que
melhor respondia às questões da época foi o de “raça”.

“Raça” na antítese daquilo que eles compreendiam como civilização. “Raça”


enquanto antagonismo daquilo que eles compreendiam como humanos. Desde o início, o
conceito “raça” foi usado de forma a diferenciar “eles” dos “outros”, a partir daquilo que
“eles” viam de semelhanças e diferenças em relação aos “outros”.

Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns


critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da
pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as
chamadas raças. Por isso, que a espécie humana ficou dividida em três raças
estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica:
raça branca, negra e amarela. (MUNANGA, Kabengele. 2003, p. 3)

Durante o séc. XIX, a biologia se incumbiu de criar as categorizações sociais a partir


dos traços fenótipos e morfológicos: formato do crânio, tamanho da narina, espessura dos
lábios, estatura e densidade muscular, dentre outros. Já a partir do séc. XX, com o avanço
das pesquisas biológicas e a descoberta da genética, as raças passaram a ser estudadas
mais a fundo e novas categorias foram criadas a partir dos traços genéticos: doenças
hereditárias, desempenho racial nos esportes, etc.

Nesta mesma onda surgiu o “Darwinismo social”, que ancorava determinadas


discriminações raciais e sociais a partir de uma leitura equivocada sobre a teoria

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evolucionista de Darwin com o intuito de justificar certos crimes e atentados contra os


Direitos Humanos. Em um artigo1 para o Observatório de Análise Política em Saúde,
Emanuelle Goes (2016), afirmou que “o determinismo biológico foi (para muitos ainda é)
uma afirmação de que a forma de ser do humano como suas características intelectuais
eram transmitidas de maneira hereditária.”

2.2. Reivindicação da utilização da terminologia “Etnia”


Conforme pudemos ver, a utilização do conceito
de “raça” está mais relacionada às questões biológicas
e biodeterministas e, justamente por isso, algumas
vezes não atende às especificidades socioculturais que
temos em nossa sociedade multicultural. Não obstante,
ao centralizarmos um grupo social dentro de uma
categoria racial, acabamos homogeneizando todo
aquele grupo, considerando-os todos iguais. Vale
lembrar, entretanto, que alguns teóricos utilizam a
terminologia “raça” para falar sobre as negritudes e, assim, tirar o véu que encobre o
racismo institucionalizado no Brasil para abordar a falsa democracia racial existente.

Não existe um modelo de “branquitude”, como também não existe um modelo “de
negritude”. Existem “branquitudes” e “negritudes”, e justamente por isso, trabalharemos os
grupos étnicos neste subcapítulo. Segundo Joel Rufino (2010), quanto à pluralidade étnica,

Sempre pertenci a uma corrente minoritária do movimento negro. [...] Sou de uma
corrente que defende que a contradição racial só pode tomar sentido no conjunto
das contradições brasileiras. Por exemplo, a questão das cotas. Sou a favor das
cotas, mas como uma estratégia de democratização da sociedade brasileira. [...] No
fundo, trata-se do seguinte, são duas concepções do negro. Uma do negro como
proletário, e outra do negro como etnia, ‘raça’, entre aspas, porque pouca gente usa
e trata o negro como raça. (p. 28)

Ou seja, dentro da categoria “raça” há uma grande quantidade de variáveis (ou, mais
corretamente falando, identidades) que criam inteligibilidade entre si e dão corpo ao
movimento negro. As demandas existentes no movimento negro brasileiro são diferentes
daquelas existentes nos movimentos europeus, estadunidenses, etc. Assim como as
próprias demandas existentes nos movimentos negros de Santos (SP) são diferentes
daquelas de outros Municípios e de outros Estados – ainda que possam existir demandas

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equivalentes, pois algumas formas de discriminação são históricas no Brasil e impostas há


séculos a esta população. No entanto, também haverá demandas específicas de cada
região como, por exemplo, entre o nordeste e o sudeste2.

Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica, percebe-se


que não existe uma única cultura branca e uma única cultura negra e que
regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil. Neste sentido, os
afro-baianos produzem no campo da religiosidade, da música, da culinária, da
dança, das artes plásticas, etc. uma cultura diferente dos afromineiros, dos afro-
maranhenses e dos negros cariocas. (MUNANGA, Kabengele. 2003, 15)

Portanto, quando falamos de movimentos negros, estamos falando, sobretudo, de


movimentos políticos e não de movimentos pautados no biologismo. Estamos falando de
identidades políticas que têm as suas peculiaridades, assim como também teremos sujeitos
que não compreendem a necessidade de suas respectivas organizações de
representatividades.

Vale ressaltar, ainda, que foram os movimentos sociais negros organizados que
conseguiram reivindicar uma política racial no Brasil para que houvesse o reconhecimento
do processo dificultoso imposto a eles em toda a nossa história, não apenas como forma
de retratação, mas também como forma de reconhecimento.

Ainda que inicialmente a terminologia “raça” fosse utilizada para categorias


biológicas e biodeterminantes, ao longo do tempo ela passou a ser utilizada por
teóricos que buscavam desvendar o racismo existente no Brasil e, justamente por
isso, a sua utilização tornou-se corriqueira, sobretudo por teóricas/os negras/os
enquanto forma de fortalecimento identitário.
No entanto, a utilização da terminologia “etnia” passou a ser utilizada para
categorizar ainda mais o sujeito de estudo – ou de análise – e assim ter em mãos
maiores possibilidades de análise como, por exemplo, grupos étnicos de uma
mesma nacionalidade (ao que Kabengele se referiu de “afromineiros”, “afro-
marenhenses” e “negros cariocas”).

2
Este fato será trabalhado mais especificamente na 1ª semana, a partir da narrativa de Diva
Guimarães, 77 anos, participante da Flip de 2017, onde falou sobre o racismo institucionalizado que sofreu
desde a sua formação escolar.

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3. REPRESENTATIVIDADES IDENTITÁRIAS

Objetivo:
A partir de um apanhado histórico, a intenção é analisar a emergência das
representatividades identitárias e sociais, não apenas no contexto social, mas também no
escolar, para que possamos pensar em possibilidades para uma educação antirracista.

Introdução:
O contexto histórico nos remonta ao séc. XIX, onde as lutas sociais foram
organizadas a partir das questões de gênero e raça, reivindicando direitos que sempre
foram negados a estes dois grupos: da escolarização à profissionalização, e às questões
de saúde pública. Por serem historicamente estigmatizados, a ascensão social destes
grupos sempre foi mais difícil que a de grupos não marginalizados.

Já no contexto nacional, os grupos começaram a se organizar politicamente durante


o séc. XX, e mais enfaticamente a partir do séc. XXI, quando conseguiram direitos legais e
promoveram uma agenda pública de suas demandas, onde os setores político-partidários
tiveram que atendê-las como, por exemplo, promoção e valorização das identidades negras
durante o Governo Fernando Henrique Cardoso por meio de políticas públicas específicas
e, a partir do Governo Lula, uma série de ações afirmativas foram adotadas com o intuito
de reparar a divida histórica existente para com esta parcela populacional.

Ainda que tenhamos uma série de dificuldades em aceitar a promoção da igualdade


racial e da democratização do acesso ao ensino superior por meio das cotas raciais, algo
já existente e aceito em diversos países, reconhece-se a importância e a necessidade de
sua manutenção como forma de não apenas reparar a dívida histórica, mas de promover a
ascensão social desta parcela populacional.

3.1. Processos históricos de marginalização


Os negros serem foram representados ora de forma estereotipada, ora de forma
folclórica. Raramente eles eram retratados em suas pluralidades e diferenças, que dirá a
partir de suas riquezas culturais, religiosas e históricas.

A partir desse fato, os grupos negros, socialmente organizados, passaram a olhar


criticamente para o currículo escolar e reivindicar uma série de questões que iam de

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encontro com as suas necessidades – e a escola não sabia como lidar com tais demandas,
principalmente por ter o seu currículo escolar estruturado de forma eurocêntrica.

A questão racial sempre foi predominante e esteve presente em todo o histórico


brasileiro, sobretudo pela dificuldade de ascensão que os negros têm no Brasil por serem
uma população majoritariamente marginalizada e com dificuldades diversas, que têm as
suas cores enquanto marcadores sociais destes processos dificultosos.

A formação da identidade nacional estabeleceu-se com a miscigenação, que está


pautado no processo de dominação do homem branco-imigrante sobre a mulher
negra e indígena, isto é, sob uma relação forçada de dominação sexual do homem
“sobre” a mulher, atualmente conhecida como cultura do estupro (Zivani e Estevam,
2016: 87)

A dificuldade de se manter no processo de escolarização resulta na formação de


uma mão de obra desqualificada e, consequentemente, com baixa remuneração. Mas antes
mesmos de pensarmos na escola, devemos olhar para a escola e fazer uma cartografia
racial de nossos alunos, professores e gestores para que possamos analisar se há algum
marcador racial presente em cada grupo.

Teles (2010) afirma que “é consenso que na escola o racismo e seus


desdobramentos, preconceito e discriminação racial, também estejam presentes. [Sendo
necessário analisar] como as práticas pedagógicas desenvolvidas no dia a dia escolar
podem manifestar racismo.” (64).

Rotineiramente vemos a proposição da adoção de personagens teatrais negros para


o ensino infantil, livros com personagens negros para o fundamental I, pesquisas sobre o
negro na sociedade para o fundamental II e debates sobre os locais racializados na
sociedade brasileira como, por exemplo, o marcador racial da população de bairros de
classe alta e dos bairros periféricos, dos estudantes de escolas públicas e particulares,
dentre outros.

3.2. Representatividade como forma de resistência


Para além do fator de fortalecimento identitário, as representatividades também
articulam as questões ligadas às diversas formas de resistência frente aos processos
históricos de marginalização. Ou seja, a partir do momento que as pessoas negras olham
para si mesmas e compreendem o seu valor, passam a reivindicar uma série de direitos

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que outrora foram impossibilitados como, por exemplo, seus sujeitos nos livros escolares,
seus pares enquanto autores consagrados referenciados.

A escola precisa pensar em dispositivos e projetos específicos que trabalhem as


representatividades étnico-raciais com o objetivo de fazer com que as crianças e jovens
percebam que as histórias de seus ancestrais não apenas estão inseridas nos livros, mas
também são constituintes do desenvolvimento da sociedade.

Para Abramovay e Castro (2006), “uma proposta seria oferecer material didático e
pedagógico que realce a positividade da diversidade, ou seja, em que a diversidade étnico-
cultural esteja positivamente representada, desmistificando a ideia de igualdade e
questionando hierarquizações.” (p. 343). Continuam:

A inserção da história da África e do povo negro nos currículos escolares é um


avanço, mas há que cuidar que África, que negro aí se retrata, e como as mulheres
negras e suas reivindicações são representadas. Haveria, portanto, para fazer
frente a tal desafio, por uma educação anti-racista e anti-sexista, contribuir para que
a escola mais se abrisse ao conhecimento dos movimentos sociais, como o das
mulheres negras. (p. 36)

A importância de representar positivamente existe para que as crianças e jovens se


sintam contemplados e sintam orgulho de suas histórias, visto que historicamente, podemos
reconhecer que as narrativas invisibilizam essas histórias e criminalizam sua existência.
Diversas abordagens metodológicas podem ser acionadas: teatros, contação de história,
pesquisa na internet e livros, movimentos sociais representativos, ONGs, jovens
empoderados, etc. Trazer à escola estas abordagens, como também buscar grupos
universitários que debatam a temática, ajuda não apenas a democratizar esta informação,
mas também a criar um intenso e rico debate possibilitando a troca de conhecimento.

Para aqueles que estão longe dos grandes centros urbanos com os museus da
história negra e sítios arqueológicos da escravidão, há a possibilidade de fazer uma viagem
virtual por meio do Google Maps e do Google Street View, que são ferramentas virtuais que
aproximam os alunos de locais cujo acesso físico por eles seja difícil. Já para aqueles que
estão próximos destes locais, recomenda-se o desenvolvimento de um projeto específico e
conhecimento prévio do passeio para que seja possível criar uma ponte entre o
conhecimento de sala de aula e aquele do espaço museal.

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Olhar para a sala de aula e ver que você está presente não apenas enquanto
corpo, mas também enquanto estudo, personagem, fato histórico, arte e
brincadeira faz com que os sujeitos se sintam pertencentes a alguma coisa,
pertences a uma história, pertencentes a um espaço-local-momento. Reconhecer
esta importância é saber que a partir dela será possível criar novas relações entre
discente-docente-conteúdo.
A importância central no processo de representatividade é fazer com que as
pessoas passem a reivindicar para si as suas histórias, estejam presentes no
cotidiano social, estejam presentes nos locais de poder e ocupando espaços seus,
que outrora lhes foram negados.
Reconhecer a dívida histórica que temos é uma atitude cidadã, cívica e moral, é
saber que mesmo após a libertação dos escravos, suas vidas eram precarizadas,
as escolas eram quase inexistentes e a ausência de mão-de-obra qualificada (mais
o agravante de uma sociedade fortemente racista na época) dificultava melhores
ganhos e, consequentemente, a ascensão social desta parcela da população. Para
tanto, pensar as relações étnico-raciais é reconhecer a História, valorizar o
presente e almejar pelo futuro.

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4. RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANAS NO COTIDIANO ESCOLAR

Objetivo:
Subsidiar possibilidades de discussão sobre a importância das religiões de matriz
africana, sobretudo a umbanda e o candomblé por serem as mais conhecidas na História
do Brasil e dos afrodescendentes, tendo como objetivo principal a promoção e consolidação
de uma educação que respeite as diferenças e combata as discriminações, racismo e
intolerância no cotidiano escolar.

Introdução:
A emergência deste tema se dá não apenas a partir do disposto na Lei Federal
10.639/03 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, mas também pelos
sistemáticos ataques que os centros religiosos de cultura afro-brasileira vêm sofrendo e
pelas perseguições que os alunos frequentadores de umbanda e candomblé vivenciam no
cotidiano escolar.

Reconhecer que a escola é plural é reconhecer que as mais diversas expressões


étnicas, raciais, de gênero e de sexualidade estarão presentes em sala de aula da mesma
maneira que as mais variadas expressões religiosas também estarão. Justamente por isso,
é necessário que a escola (professores e gestores) pense em ações que promovam o
respeito entre discentes, para que não haja qualquer ato de intolerância evitando, assim,
incorrer na prática delituosa, de acordo com o Art. 5, inc. VI da Constituição Federal, de
intolerância religiosa.

A discussão da importância das religiões de matriz africana não significa a promoção


de uma determinada crença, nem uma forma de impor as religiões de matriz africana como
crenças a serem seguidas. A discussão ocorrer a partir de sua importância sociocultural
para aquele determinado povo e como ela, a religião, possibilita um fortalecimento
identitário para a noção de nação.

4.1. Formas de resistência histórica existentes nos terreiros


Os negros africanos que chegaram ao Brasil como escravos trouxeram consigo uma
série de produções culturais – pois, conforme já visto na disciplina de Fundamentos

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Sociológicos e Antropológicos da Educação, a cultura é tudo aquilo produzido pela


sociedade, como as suas línguas, vestimentas, culinárias, costumes e religiosidades.

Enquanto trabalhavam nos engenhos de cana e nas lavouras, foram introduzindo


seus costumes e trazendo os significados de suas tribos para aquelas regiões em que
trabalhavam como, por exemplo, utilizando nomes de divindades e ervas específicas para
manifestações religiosas. Justamente por isso que a umbanda e candomblé são religiões
de tradição oral, havendo mudanças e diferenças em cada terreiro de cada cidade e estado.
Uma das características de qualquer manifestação cultural imaterial, passada oralmente, é
o poder de ressignificação ao longo do tempo e para cada região.

A questão da africanidade nas diásporas está relacionada à questão das


resistências culturais, que por sua vez desembocaram em identidades culturais de
resistências em todos os países do mundo, beneficiados pelo tráfico negreiro. O
Brasil é um deles, ou melhor, é o maior dos países beneficiados pelo tráfico
transatlântico e aquele que oferece diversas experiências da africanidade em todas
as suas regiões, do norte ao sul, do leste ao oeste. (Munanga, 2007: 12)

A tradição oral da religiosidade afro se dá por advirem de tribos, famílias e regiões


específicas. Da mesma maneira que não temos uma única identidade negra, também não
temos uma única religiosidade afro: temos diversos segmentos de candomblé, de umbanda,
de tambor de mina, malunguinho, etc. A sua religiosidade é tão rica quanto o seu povo.

Falar sobre as religiões afrodescendentes é reconhecer que é uma expressão


religiosa que foi historicamente marginalizada por
se contrapor ao sentimento daquilo que se
compreendia enquanto religião “correta” a ser
seguida desde o Brasil Colônia (o cristianismo). A
partir deste momento ela passou a ser demonizada
e alguns de seus significados modificados – a
exemplo disso, podemos citar os Exus, que no
candomblé são os guardiões dos caminhos aos
Orixás e na Umbanda são divindades com outro
propósito.

Educação das Relações Étnico-Raciais 16


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Portanto, para abordar as questões das religiões afro-brasileiras, deve-se partir do


caráter sócio-histórico-cultural existente nestas manifestações religiosas, e não de forma
confessional. Afinal de contas, o ensino se baseia na (teórica) laicidade estatal.

4.2. Abordagens teórico-metodológicas para uma escola não racista


Passar do livro didático escolar ao documentário no YouTube, ao convite que pode
ser feito a representantes religiosos para ministrar palestras e compartilhar seus
conhecimentos são algumas das infinitas possibilidades para debater a temática em sala
de aula para uma escola não racista – ou, melhor dizendo, para uma escola que forme seus
alunos para não serem racistas e nem intolerantes.
Milton Santos (2000), afirma que:

Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A
chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em
baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo
haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida". (p. 4)

Para aquelas escolas que não têm a possibilidade de fomentar uma palestra, uma
visita a um terreiro ou qualquer coisa do gênero, recomenda-se a utilização do Skype para
que os alunos possam conversar com pessoas que frequentam a religião de matriz africana
e conhecer um pouco mais sobre esta rica diversidade. Obviamente, cada faixa etária
requer uma abordagem metodológica específica, mas todas as faixas etárias estão
preparadas para aprender o valor do respeito ao próximo. Afinal de contas, é para isso que
serve uma escola.

A temática pode ser trazida nas mais


variadas disciplinas escolares, como a
oralidade por meio da língua portuguesa, os
costumes por meio da história, as regiões
dos terreiros por meio da geografia, a
valorização da vida por meio da filosofia, e
tudo isso sem se debruçar, de fato, sobre a
religiosidade em si. Apenas sobre as suas
manifestações culturais e, havendo qualquer manifestação de intolerância por parte
discente, responsáveis discentes, docentes e/ou gestora escolar, lembrá-los que isto faz
parte do disposto em uma Lei Federal.

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Seguindo a lógica dos PCNs de 1997, e o próprio texto da Lei 10639, a temática
étnico-racial deveria ser abordada de forma transversal, ou seja, perpassando o
currículo escolar como um todo, não sendo de responsabilidade de uma única área
do conhecimento. (BAKKE, 2011: 158)

Há uma infinidade de livros recomendados pelos MEC, ancorados nos PCNs, que
abordam as questões étnico-raciais na escola, discorrendo não apenas sobre as
religiosidades, mas também sobre as abordagens metodológicas recomendadas para cada
nível de série. Munanga e Gomes (2006) discorrem em O negro no Brasil de hoje sobre
como a cultura brasileira é rica em virtude da influência das mais diversas culturas trazidas
pelas tribos africanas durante o período da escravidão.

Com o objetivo de deixar ainda mais clara a importância de abordar a religiosidade


africana no Brasil, Lopes (2008) fala que a temática é a forma mais sólida que se tem sobre
a diáspora africana ao Brasil, presente há mais de 500 anos, desde quando foi invadido por
Portugal e os negros foram sequestrados e trazidos para cá.

Trabalhar as temáticas das religiosidades de matriz africana é de extrema


urgência. Não obstante, foram criadas uma legislação específica e Diretrizes
próprias para a temática. Tais criações são fruto de demandas da sociedade civil
organizada e de representantes destas religiões. A escola deve ser plural e
democrática, valorizando as diferenças e fomentando a cultura.
A religiosidade de matriz africana faz parte da História do Brasil e é um locus onde
a cultura afro-brasileira está ancorada sendo, assim, de extrema importância
socializar tais conhecimentos e culturas no ambiente escolar. Sobretudo em
tempos onde diversos terreiros de umbanda e candomblé estão sendo
apedrejados nos mais diversos Estados brasileiros.
Trabalhar a temática em sala de aula é seguir a legislação vigente, nada mais.

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5. POR UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Objetivo:
Partir do reconhecimento que a promulgação de uma lei não é o suficiente para que
todas as práticas racistas existentes no cotidiano escolar e social sejam eliminadas de um
dia para o outro, sendo necessário que a escola crie projetos específicos que mitiguem a
sua existência e cutive novas relações entre os sujeitos a partir do respeito às diferenças.

Introdução:
Uma das formas que podemos analisar para evitar a propagação de expressões
racistas no cotidiano escolar, da mesma maneira que devemos nos atentar a outras práticas
que envolvam formas diversas de racismo e as quais muitas vezes não percebemos,
legitimando involuntariamente esta prática, é a atenção aos conteúdos disciplinares. A
exemplo disso, cita-se a linguagem.

Afinal de contas, que nunca ouviu expressões como “aquele fulano é tão bonzinho
que tem alma branca”, crianças que pegam o lápis “cor de pele” se referindo ao bege e não
ao lápis preto, pessoas que vão à praia e ficam “da cor do pecado” por estarem escuras por
conta do sol, ou quando algo é muito bagunçado e parece um “samba do crioulo doido”,
“cabelo ruim”, “pé na cozinha”, “a coisa tá preta”, “inveja branca”, “vai lá com as tuas
negas/não sou tuas negas”, “denegrir” alguma pessoa ao falar mal dela, dentre outros.
Acredito que se fôssemos elencar as expressões racistas que usamos em nossos
cotidianos, ficaríamos até 2020 por conta de sua grande quantidade.

Será justamente a partir deste ponto, dos racismos naturalizados e velados em


nossos cotidianos, que discorreremos neste capítulo para pensar em uma educação
antirracista e, assim, analisar as nossas práticas docentes, possibilitando a construção de
outras relações para com os sujeitos, com as diferenças e em consonância com as
demandas identitárias dos movimentos sociais contemporâneos que não aceitam mais ser
tratados motivo de escárnio social.

5.1. A linguagem cotidiana


Em outros tempos, a linguagem não era algo que exigia atenção na sociedade;
falava-se e não se atentava, aceitavam as palavras e não se preocupavam com os seus

Educação das Relações Étnico-Raciais 19


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sentidos. Hoje, em tempos atuais, reconhece-se que as palavras têm sentidos para além
delas em si, que têm mensagens, reconhecimentos e intenções. A linguagem é intencional.

Falar é mais do que um ato de comunicação, é um ato de transmitir palavras, ideias


e pensamentos. Durante muitas décadas, legitimamos práticas altamente racistas e
discriminatórias sem que houvesse uma resistência à altura destas violências – o que hoje
ocorre sistematicamente e é denunciado a todo instante.

Nesse sentido é que militantes, pesquisadoras e pesquisadores da questão racial


têm trabalhado com vistas a destituir o termo negro dessas acepções pejorativas e
preconceituosas, por entenderem-no como essencial para o resgate da história, da
autoestima e da cidadania do povo negro brasileiro. (SOUSA, 2005: 107)

Usar “negro” associando àquilo que há de ruim, como foi citado anteriormente na
introdução, influencia negativamente a autoidentificação das pessoas negras como
“negras” em virtude dos racismos interiorizados no cotidiano social. A partir do momento
em que a escola cria projetos específicos que combatam as discriminações e elevem o
orgulho étnico-racial, a juventude passará a se empoderar ainda mais.

O empoderamento é positivo para que todos os sujeitos passem a ter orgulho de


suas histórias, de suas trajetórias e de todos os valores que os alicerçam em suas vidas.
Olhar para o seu passado, para a sua raiz, para seus antepassados e compreender todos
os processos violentos aos quais foram submetidos e que vivenciaram e, ainda assim,
reivindicar para si uma nova forma de fazer sua própria história é algo digno de ser
valorizado na escola e na sociedade.

Por outro lado, a promoção de uma educação antirracista exige da parte dos
professores o compromisso individual/profissional de reconhecerem que estamos
todos inseridos numa estrutura social racista. Essa estrutura, contrapondo-se ao
“mito da democracia racial”, gera o racismo, o preconceito e a discriminação, bem
como muitas das desigualdades socioeconômicas na sociedade brasileira. (Leite;
Barduni Filho, 2013: 53)

A partir do momento em que reconhecemos as diversas formas como cometemos


racismo – não que sejam propositais, mas por estarmos inseridos numa sociedade racista
e, consequentemente, sejamos subjetivados por ela – e buscamos dispositivos específicos
para resistir às suas práticas, podemos pensar em uma escola que possibilite a
emancipação de seus alunos, sobretudo aqueles estigmatizados historicamente. Pensar a
escola é pensar em todas as suas pluralidades e diferenças.

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5.2. Quatro possibilidades metodológicas de combate ao racismo


Abordaremos brevemente as possibilidades metodológicas de combate ao racismo
para a Pré-Escola e para as séries iniciais do Ensino Fundamental I neste subcapítulo, a
partir de livros, músicas, teatro e vídeos no YouTube pois, na videoaula referente a este
capítulo, explanarei mais detalhadamente sobre estas possibilidades com indicações a
partir daquilo referenciado pelo MEC.

Livros como Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, trabalham
positivamente as diferenças étnico-raciais com o objetivo de que as crianças não apenas
reconheçam a pluralidade existente entre os sujeitos, mas também que as crianças negras
tenham orgulho de suas cores, combatendo quaisquer possibilidades de discriminação.
Uma narrativa quando bem estruturada, com ilustrações, contação de histórias com pausas
nas falas, explicações das ilustrações e participação das crianças ouvintes possibilita que
elas entrem na história e se sintam partícipes destas.

Clara Nunes, com Brasil mestiço santuário da fé, trouxe as mais diversas
manifestações culturais de resistência negra em uma única letra. Ela fala dos chicotes dos
senhores de escravos, da musicalidade oriunda do samba, do maculelê, dos atabaques, o
jongo e maracatu – uma ampla e enigmática quantidade numa única letra de música,
possibilitando que o professor trabalhe todas estas em sala de aula por meio de fotos e
vídeos, mostrando aos alunos toda essa riqueza existente num único povo e sua influência
em nosso cotidiano.

O teatro é outra manifestação artística que pode ser utilizada como forma de abordar
as discriminações raciais existentes na sociedade, bastando a/o docente responsável
buscar uma situação que tenha acontecido na escola ou na própria sociedade e encená-la,
criando uma performance artística. Lembramos que o black face (pessoas brancas pintando
os rostos de preto por ser uma prática racista que é criticada pelos movimentos identitários)
deve ser evitado.

Por fim, outra possibilidade é trazer vídeos do YouTube que explorem aquilo que não
seja possível executar na escola. Ou seja, se a escola tem um local (quadra, quintal, sala
de aula, corredor, etc.) para encenar uma peça, encene. Se tem local para um recital, recite.
Se tem local para uma música, cante.

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As artes constituem modos específicos e diferenciados de produção de


conhecimento, abarcando diversas linguagens e formas sensoriais, além de uma
expressão característica de cada abordagem artística. Escultura, dança, música,
pintura, circo, cinema, teatro, entre outras, performam distintas linguagens e meios
de expressão, com variantes internas, inerentes a cada uma delas, possibilitando
tratamento em separado, conforme suas singularidades. (Marques, Souza, Zico,
2017: 690)

Aproveite tudo o que for possível de executar na escola, recorra ao YouTube quando
não houver possibilidade ou, então, utilize a ferramenta como suporte à atividade prática
realizada em sala de aula. Nada melhor do que inserir os alunos em práticas educacionais
contemporâneas, diferentes e que fujam do ensino tradicional, colocando o aluno como
partícipe da construção do conhecimento.

Olhar para nós mesmos e reconhecer as formas como cometemos racismo, como
interiorizamos e naturalizamos tais práticas, é essencial para que sejamos críticos
conosco e, assim, para que sejamos também melhores sujeitos para com o outro.
Reconhecer a nossa limitação é essencial para a nossa melhoria pessoal e
profissional. Nós ganhamos com tais melhorias, nossos alunos ganham, a escola
ganha e todos ganham.
Mudar a linguagem é essencial para evitarmos discriminar sem perceber, analisar
criticamente nossas falas é uma forma ficarmos sempre atentos. Quando houver
dúvida, deveremos procurar um profissional, alguém de um movimento social,
uma ONG, etc. que seja capaz de sanar tal dúvida. Assumir nossos próprios limites
é extremamente necessário e positivo para que possamos evoluir.
Metodologias diferenciadas possibilitam que a escola seja mais dinâmica e
interessante, que os assuntos abordados sejam facilmente compreendidos e que
todos aprendam com outros olhares.

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6. MOVIMENTOS SOCIAIS IDENTITÁRIOS CONTEMPORÂNEOS

Objetivo:
Analisar as demandas contemporâneas dos movimentos sociais das negritudes a
partir da comparação com os anos 90, marcados pelos alisamentos de cabelo à base de
formol e cirurgias estéticas para afinamento de nariz (“igual ao da Barbie”), frente à atual
disseminação do uso de cabelos cacheados e crespos, turbantes, roupas e batons
multicoloridos. Novos tempos, novas perspectivas, novos olhares, novas demandas.

Introdução:
A internet nunca esteve tão permeada de discussões identitárias como temos visto
nestes últimos anos. Não obstante os motivos que influenciaram tais discussões como, por
exemplo, o Governo Federal assumindo as questões raciais enquanto uma agenda política,
o aumento do uso da internet no Brasil, as campanhas contra o assédio às mulheres no
mundo inteiro, a eleição da palavra “feminismo” como a “palavra do ano” de 2017 para o
dicionário Merriam-Webster's, dentre outros, não há como negar que tivemos uma grande
mudança nas perspectivas mundiais frente à temática nestes últimos anos.

Poucos são aqueles que não se depararam nas últimas semanas com as expressões
“respeite meu turbante”, “tombei”, “lacrei”, “empoderamento”, “fortalecimento”, “respeite as
manas, as minas e as monas”, etc. As mulheres afirmam que não voltarão mais para a
cozinha, os negros falam que não voltarão mais para as senzalas e os LGBTIQ afirmam
que não voltarão mais aos seus armários. Os tempos são outros. Hoje em dia, os
movimentos sociais identitários fortaleceram as diferenças, tensionaram aquilo que era
compreendido como o correto e passaram a reivindicar direitos que outrora eram
inexistentes.

Não há como negar: afirmam que não aceitarão nenhum direito a menos e que as
suas lutas e suas pautas vieram para ficar. Estão nas ruas, nos bares, nas famílias e
também na escola. A instituição escolar é uma extensão de toda a estrutura social e
consequentemente tais assuntos estão presentes em salas de aula, bastando nós,
professoras e professores, estarmos preparados para lidar com estas demandas.

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6.1. O cabelo crespo, o turbante e a hipersexualização da mulher negra


O fortalecimento identitário no Brasil é uma pauta mais do que antiga do movimento
negro. A exemplo disso, cito contemporaneamente o Geledés – Instituto da Mulher Negra,
que existe desde 1988 e se dedica às questões raciais no Brasil. Debate-se gêneros,
sexualidades, classes, direitos humanos, genocídio da juventude negra. Debate-se tudo,
sempre em perspectiva racial.

Cada vez mais vemos, nos grandes centros urbanos e subúrbios brasileiros, a
utilização do cabelo crespo por mulheres e homens, meninas e meninos. Ao ligarmos a
televisão, vemos propagandas de produtos de beleza para o cabelo crespo, discursos para
que assumam seus cachos e tenham orgulho de suas raízes – aqui, com direito ao duplo
sentido, de raiz capilar e étnica. O capital se apropriou das demandas e viu neste nicho
uma possibilidade de vender seus produtos, como já era de se esperar. Chaves (2008)
afirma que “sendo a mídia privilegiadamente considerada um ‘estado de opinião’, e
observando-se que é mínima, ou até mesmo nula, a presença dos negros nos meios de
comunicação no Brasil, nota-se que ainda vivemos o Mito da Democracia Racial” (p. 17)

Paralelamente ao incentivo do uso de


seus cabelos crespos, vemos um
fortalecimento do uso de turbantes enquanto
forma de reivindicação de origens e raízes
culturais – turbante este, motivo de muito
debate sobre a utilização por pessoas
brancas, possível ‘esvaziamento cultural’ em
sua utilização por não negras, dentre outros debates que costumamos ver no Facebook.
Em que pese a discussão sobre o “fazer cultura” e as formas como ela se adequa às mais
diversas sociedades por não ser algo estático num determinado tempo-espaço, há de se
reconhecer que é uma discussão que também está presente não apenas na internet, como
também em sala de aula.

Outro ponto histórico da discussão sobre as negritudes é a hipersexualização da


mulher negra, que as acompanha desde a época do período escravagista brasileiro, onde
as negras escravas eram estupradas sistematicamente detentores, sendo conhecidas
historicamente como “mucamas”, e até hoje têm seus corpos sexualizados em expressões
como a “mulata sensual”.

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A exemplo das consequências destas demandas, a própria vinheta da Globeleza,


uma morena hipersexualizada, deu espaço à uma nova vinheta mostrando as diversas
manifestações étnico-culturais carnavalescas do Brasil, não mais centrando na escola de
samba com a morena sensual sambando, mas mostrando o maracatu do baque solto, o
maracatu do baque virado, o frevo, a festa do boi e diversas outras festas regionais.

6.2. Produção acadêmico-cultural negra


Cada vez mais vemos participantes de eventos acadêmicos reivindicando
pesquisadoras e pesquisadores negras/os em suas mesas de debate com o intuito de
mostrar como a academia é permeada por pessoas brancas, havendo, assim, a
necessidade de criarem movimentos denunciando o embranquecimento acadêmico
brasileiro. O resultado é notório: começamos a ver estas/es pesquisadoras/es ocupando
tais locais de poder, mostrando as suas pesquisas e, sobretudo, a importância do olhar de
uma pessoa negra quando fala sobre as questões raciais no Brasil – visto que somos
subjetivados e tais marcadores de classe, raça, etc., possibilitam vivências (e privilégios)
distintos.

A denúncia do embranquecimento da academia se dá por diversas formas, não


apenas pela internet. Movimentos estudantis, movimentos identitários, grupos de estudos
das questões étnico-raciais, dentre outros, organizam-se e propagam suas ideias,
sobretudo no que se refere à ausência de teóricas/os negras/os em seus currículos. Este
embranquecimento curricular faz com que haja uma dificuldade em representatividade e
autoidentificação.

Apesar das especificidades do modo como é representada, a realidade racial da


academia não difere muito da realidade racial vigente em outras áreas da
sociedade, mormente no que tange às estratégias utilizadas para a sua reprodução
“informal”, que seria uma das características principais do estilo de racismo
brasileiro. No caso da academia, os mecanismos mais comumente ativados que
acabam por dar continuidade à prática da segregação racial são: a postergação da
discussão, o silêncio sobre os conflitos raciais, a censura discursiva quando o tema
irrompe e o disfarce para evitar posicionamentos claros. (Carvalho, 2006: 95)

Tendo o IBGE como base (54% da população brasileira é negra), devemos nos
perguntar:
• Quantos professores negros tivemos?
• Quantos teóricos negros estudamos?
• Quantos gerentes de banco, de empresas, presidentes e profissionais em cargos
de poder foram/são negros?

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Olhar para a nossa classe exige que reconheçamos esta discrepância não só de
raça, como também de classe. Uma sala de aula de escola privada tem a mesma
quantidade de alunos negros que uma sala de aula de escola pública? O bairro periférico é
permeado pela mesma quantidade de negros do bairro da elite econômica local?

Ao negro são
associados o samba, o funk, o rap.
Às produções culturais que exigem
elevado grau de formação e
instrução como a literatura, a
pintura, as músicas clássicas, dentre
outros, logo são associadas ao
branco. É necessário reconhecer
como a sociedade e os espaços públicos e privados são racializados para que possamos
pensar em outras possibilidades na construção das relações sociais – a exemplo, disso
pode-se citar os “rolezinhos”, fenômeno ocorrido em 2014, onde jovens periféricos se
organizavam para realizar passeios aos shoppings center das cidades e eram impedidos
pelos seguranças de entrar nos estabelecimentos comerciais e, em muitas cidades, a
polícia local reforçava a vigilância.

É de extrema urgência que analisemos os processos racializantes em que a sociedade


brasileira está inserida desde a sua formação, ou seja, desde a vinda dos brancos
colonizadores e do sequestro dos negros africanos. Estes espaços, sejam eles
públicos ou privados, fazem parte de nossos cotidianos, e devemos olhar para o
nosso entorno e pensar em possibilidades de mudanças.
Buscar formas de inserção de povos estigmatizados, invisibilizados e subalternizados
é de grande responsabilidade nossa, não apenas enquanto professores, mas também
enquanto sujeitos. No entanto, reconhece-se que, enquanto professores, temos o
dever moral de pensar nas discriminações sociais existentes na escola e buscar
formas de mitiga-las.
Fomentar o reconhecimento de como a cultura negra está inserida em nosso
cotidiano e em quais locais ela não consegue permear são formas de trazer o debate
para a sala de aula com o intuito de que todos participem da construção desse
conhecimento e, assim, possa ser desenvolvido um projeto específico para mitigar
quaisquer ocorrências de discriminações raciais em seu cotidiano.

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7. ESTEREÓTIPOS, DISCRIMINAÇÕES RACIAIS E SUAS


CONSEQUÊNCIAS

Objetivo:
Partir do reconhecimento de que a população negra foi historicamente marginalizada
na sociedade brasileira desde o período escravocrata até os tempos atuais, e analisar as
consequências destas marginalizações em seus cotidianos sociais.

Introdução:
Será a partir do não-reconhecimento do negro enquanto sujeito de direitos que as
discriminações estarão ancoradas e, justamente por isso, a escola necessita pensar em
projetos educacionais que fomente a compreensão do valor do outro, das diferenças e das
especificidades em si. Este não reconhecimento não é atual e muito menos recente, origina-
se em toda a história brasileira quando o negro era tido como objeto de trabalho para a
Casa Grande.

Mantém-se, portanto, o entendimento dos negros enquanto sujeitos com menos


direitos que os brancos por inúmeros motivos – todos eles são apenas desculpas
esfarrapadas para que se faça a manutenção dos privilégios sociais. Dentre eles, podemos
citar as justificativas por suas baixas escolaridades, moradores das periferias, maior
população carcerária, etc. Mas muito raramente vemos projetos educacionais que busquem
analisar os motivos destas realidades permearem mais a população negra do que a branca.

Como já pudemos ver ao longo desta disciplina, a questão racial não é uma página
virada na democracia brasileira e devemos olhar para ela compreendendo todo o processo
de exclusão que foi imposto à marginalizada população negra. A escola tem um grande
papel nesta função e precisa reconhecer tais processos históricos para pensar em ações
afirmativas, projetos educacionais e possibilidades para empoderar a juventude negra com
o objetivo de fazê-los sentir orgulho (e conhecer!) de suas raízes e histórias.

7.1. Mito da democracia racial


Já ouvimos as mais diversas justificativas para que as discriminações sejam
mantidas no cotidiano social brasileiro e, justamente por isso, devemos compreender o que
vem a ser a discriminação, quais mecanismos são acionados para a sua manutenção e
como a sociedade legitima tais violências. As discriminações têm como objetivo

Educação das Relações Étnico-Raciais 27


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deslegitimar e diferenciar um grupo do outro, seja por meio da privação de direitos,


dificuldades impostas para a ascensão social, etc. O Programa Nacional de Direitos
Humanos (Brasil, 1998) afirma que a discriminação é “uma prática, uma ação, um ato de
alguém subalternizar o outro”.

Já percebemos, ao longo da disciplina, que vivemos no mito de uma democracia


racial, onde todos têm os mesmos direitos e privilégios. Compreendemos também que a
sociedade faz a manutenção dos privilégios de uma determinada parcela da sociedade por
meio da marginalização da outra. O conceito de “democracia racial” foi ancorado no
pensamento de Florestan Fernandes que, ao analisar a questão racial no Brasil, viu que
não havia uma harmonia conforme afirmado por Gilberto Freyre, em Casa Grande e
Senzala (1933).

Na ânsia de prevenir tensões raciais hipotéticas e de assegurar uma via eficaz para
a integração gradativa da “população de cor” fecharam-se todas as portas que
poderiam colocar o negro e o mulato na área dos benefícios diretos do processo de
democratização dos direitos e garantias sociais. Pois é patente a lógica desse
padrão histórico de justiça social. Em nome de uma igualdade perfeita no futuro,
acorrentava-se o “homem de cor” aos grilhões invisíveis do seu passado, a uma
condição sub-humana de existência e uma disfarçada servidão eterna (Fernandes,
2008: 309).

Sob a égide da Democracia Racial, Fernandes compreende que o branco foi


desresponsabilizado de qualquer culpa ao longo do processo histórico que discriminou,
subalternizou e marginalizou o negro. Não obstante, acostumamo-nos a assistir nos meios
de comunicação que o Brasil é um país tolerante, que não discrimina e nem tem preconceito
com seus diferentes sendo, assim, um povo acolhedor. Este entendimento de “Homem
Cordial” foi amplamente analisado por analisado por Sérgio Buarque de Holanda, em
Raízes do Brasil (1936) que também desmistificou esta tal “cordialidade brasileira”.

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7.2. Genocídio da juventude negra


De acordo com o Atlas da Violência (IPEA, 2017), “de cada 100 pessoas que sofrem
homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo
assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra.” (p. 30). É
necessário analisarmos os diversos dados publicados ao longo das últimas décadas e nos
sensibilizar com a quantidade de jovens negros assassinados.

Não podemos olhar estes


índices e compreendê-los como uma
ocorrência “normal” de qualquer sociedade
sem analisar motivos que estão por trás
desse extermínio da população negra,
sobretudo periférica, que tem sofrem mais
diversas dificuldades para viver dignamente.
Como exemplo disso, podemos citar a ausência de escolas públicas de qualidade no
entorno de seus bairros, a inexistência de espaços coletivos para a promoção de esporte,
lazer e entretenimento em geral, etc. Estas ausências e inexistências influenciam
diretamente no cotidiano destes jovens que, com dificuldade de acesso aos serviços, têm
suas trajetórias entrecruzadas por outros marcadores de vulnerabilidade social.

Os dados mais recentes da violência letal apontam para um quadro que não é
novidade, mas que merece ser enfatizado: apesar do avanço em indicadores
socioeconômicos e da melhoria das condições de vida da população entre 2005 e
2015, continuamos uma nação extremamente desigual, que não consegue garantir
a vida para parcelas significativas da população, em especial à população negra.
(IPEA, 2017: 33)

Quanto o marcador racial foi entrecruzado pelo de gênero, houve a necessidade da


criação de uma legislação específica para proteger as mulheres (Lei 13.104/15 – conhecida
como Lei do Feminicídio) que, “ainda que a taxa de homicídio de mulheres tenha crescido
7,3% entre 2005 e 2015, [verifica-se uma diminuição de] 1,5%, entre 2010 e 2015, e sofrido
uma queda de 5,3% apenas no último ano da série”.

Ou seja, compreende-se a emergência de leis específicas que atendam às


precariedades e vulnerabilidades sociais com o intuito de proteger estas parcelas
populacionais e, assim, conceder a elas o mesmo direito de viverem suas vidas, diminuindo
o risco de serem assassinadas.

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O primeiro passo para reconhecermos as discriminações raciais existentes no


Brasil se dará a partir do momento que olharmos para as nossas vidas e
reconhecermos quais privilégios vivenciamos cotidianamente para, então,
pensar em possibilidades de melhorias sociais. Reconhecê-las é compreender os
processos históricos existentes no Brasil e como fomos subjetivados por eles.
O mito da democracia racial, bastante debatido nesta disciplina, tornou-se
impossível de ser sustentado quando nos deparamos com uma série de
processos discriminatórios que a população negra brasileira vivencia desde a sua
formação. Mito este que ainda está inserido no senso comum e necessitamos,
enquanto docentes que somos (e seremos), pensar em metodologias específicas
e projetos pontuais que debatam as questões étnico-raciais no Brasil.
Não podemos, em hipótese alguma, tanto moral quanto legalmente,
silenciarmo-nos e fingir que não vimos alguma discriminação dentro de nossa
escola. Não podemos mais aceitar que tais processos violentos façam parte do
cotidiano de nossos alunos e, por isso, temos que compartilhar com todos os
envolvidos no processo educativo a necessidade de criar outras relações para
com a escola, com a comunidade local e com a sociedade.
Pensar em uma escola democrática e que respeite as diferenças é pensar numa
escola contemporânea, que atenda as demandas da juventude e, acima de tudo,
favoreça para que todos se formem com conhecimento, cidadania, empatia e
respeito ao próximo.

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8. PROMOÇÃO E VALORIZAÇÃO DAS ETNICIDADES E NEGRITUDES

Objetivo:
Valorizar o Dia da Consciência Negra não apenas como uma data comemorativa de
feriado nacional, mas também como uma data de amplitude de suas reivindicações,
demandas e de uma agenda política muito específica que busque atender as suas
necessidades a partir da valorização de suas diferenças.

Introdução:
A inexistência de um tipo de negro frente à grande quantidade de negros, de suas
expressões culturais e de suas manifestações cotidianas faz com que a escola olhe para
seus alunos compreendendo esta inexistência única para um entendimento de uma
existência múltipla. Desde as de cabelo cacheado e crespo, às de cabelo alisado e raspado,
das que usam roupas coloridas às que usam roupas monocromáticas, fazer parte das
diferentes negritudes não significa seguir um determinado padrão imposto ou construído.

Não devemos enquadrar uma raça a uma determinada expressão cultural e, muito
menos, deslegitimar uma pessoa que busca se expressar à sua maneira. Cabe à escola a
valorização destas multiplicidades culturais com o objetivo de deixá-las mais coloridas,
multiétnicas e multiculturais. Reconhecer suas demandas é o ponto de partida para que a
escola possa ser um local de acolhimento, e não de violência; de visibilidade, e não de
silenciamento.

Tirar o direito de conhecerem suas histórias, suas origens e seus antepassados é


violentar, ainda mais, uma parcela populacional que foi historicamente marginalizada. É
não permitir que tenham acesso ao conhecimento, é impedir que compreendam suas
histórias e passem a reivindicar para si o direito de contarem suas próprias histórias, a partir
da ótica de uma mulher negra, de um homem negro, e assim por diante.

8.1. Dia da consciência negra


Ainda que saibamos que todo dia é dia de debater diferentes formas de racismo,
discriminação e processos históricos de exclusões sociais que são impostos a povos
historicamente marginalizados, devemos reconhecer a extrema importância de uma data
específica para valorizar as negritudes brasileiras. Entretanto, a data merece ser sinônimo
de debate, de eventos escolares, de festas, etc. A escola precisa promover uma agenda

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muito bem definida acerca da festa, contemplando as demandas desta parcela populacional
e fazendo de seu espaço um local onde mesas de debates sejam realizadas, festas étnicas
promovidas e, sobretudo, que tenha seus pares representando e protagonizando o evento.

A própria questão da representatividade é uma demanda do movimento negro que


está cada vez mais presente nos debates acadêmicos, dos movimentos sociais e dos sites
de relacionamentos virtuais como o Facebook – este serviu, e ainda serve, como um grande
propagador dos ideais dos movimentos de representatividades negros. A exemplo disso,
podemos citar a página no Facebook Eu empregada doméstica, onde as pessoas que são,
foram ou têm parentes empregadas domésticas realizaram suas narrativas de vivências de
preconceitos e explorações que passaram e ainda passam nestes empregos. Segue a
íntegra de uma narrativa postada no dia 14 de novembro de 2017:

Boa noite! Acompanho a página, sempre que posso. Nunca imaginei que enviaria um
relato, mas hoje aconteceu! Trabalho como caixa em uma boutique, onde vão varias
madames da sociedade. Hoje uma dessas clientes, cheia da grana, conversando com
uma vendedora, (eu escutando por um acaso), disse que precisava despachar a
empregada dela. O motivo: a outra empregada que trabalhou a anos com ela, que era
de confiança, quis voltar ao antigo emprego. Até ai vai né.... O absurdo começou
quando ela começou a "descrever" as qualidades da tal moça... lá vai: Ela faz massa
de macarrão caseira.... ela chega as 7:30 e sai as 18... ela cozinha muito bem.... ela
até da banho nos meus cachorros... e o pior que eu escutei na minha vida: " ela é
neguinha, daquelas com o beiço virado" mas trabalha super bem! Nossa! Eu já tinha
nojo daquela mulher, depois disso fiquei com mais! Fiquei imaginando aquela pobre
trabalhadora, tendo que dar banho nos cachorros daquela mulher... talvez porque seja
uma ingênua.. ou talvez faça isso só para agradar aquela sinhá, no intuito de manter
o ganha pão. Minha bisavó é índia, minha avó negra, e minha mãe mestiça.. minha
mãe já lavou. privada de madame. E ouvir todas aquelas palavras me doeram na
alma... na ferida... um sentimento de revolta, nojo, raiva e pena. fico me perguntando,
se existe o mínimo de amor ao próximo no coração dessas sinhás. hoje eu tive certeza
que não. fiquei muito triste por ver como tem ser humano tão primitivo. em fim... quis
desabafar com vocês meninas... um beijo no coração de todas
#EuEmpregadaDoméstica

A escola precisa compreender este dia para além das festividades que podem ser
realizadas – ainda que se reconheça a importância e necessidade delas – para criar uma
agenda específica de debates, construção de ideias e desconstrução de estereótipos e
discriminações.

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Fazer da escola um local de acolhimento que promova


o respeito, a empatia e a valorização das diferenças é fazer
com que ela seja um local positivo para todos que ali estiverem
e, assim, seja um local onde os preconceitos e as
discriminações não tenham vez e muito menos voz, não
ecoando em seus corredores um discurso de ódio e
intolerância. Afinal de contas, liberdade de expressão não é
sinônimo de liberdade de proferir discurso de ódio.

8.2. Ações afirmativas


As ações afirmativas são formas de reconhecimento dos processos de exclusão
social que os grupos minoritários sofreram na sociedade moderna e contemporânea.
Entende-se, ainda, “grupos minoritários” como aqueles não constituídos necessariamente
de minorias quantitativas, e sim a partir do processo histórico de exclusão que grupos
sociais específicos sofreram ao longo do tempo.

Para o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), do Instituto


de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, afirma-se que
as:
Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas
pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão sócio-econômica no
passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater
discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a
participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,
emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.
(http://gemaa.iesp.uerj.br/o-que-sao-acoes-afirmativas/)

A grande dificuldade para que a sociedade compreenda a importância e necessidade


das “Ações Afirmativas” se dá pelo fato de que elas são amplas, interseccionam com
questões estruturais da sociedade como as sociais, raciais, étnicas, religiosas, e cada país
que as adota tem um desenho muito específico de acordo com as suas respectivas
demandas. Afinal de contas, ao contrário do que muitos pensam, as ações afirmativas não
existem apenas no Brasil ou em países em desenvolvimento. Também existem cotas nas
mais diversas potências internacionais.

A sua importância se dá pelo reconhecimento de que os processos históricos de


formação das nações trouxeram dificuldades a parcelas sociais específicas em relação ao

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acesso aos bens de consumo e produtos diversos, da educação escolar básica até a
aquisição de produtos como moradia, produtos de linha branca como geladeiras, etc.

A partir deste reconhecimento, uma série de políticas públicas são desenvolvidas


para proporcionar o acesso à educação básica e superior, cursos profissionalizantes,
reconhecimento de suas identidades, etc., para o desenvolvimento de atividades e ações
específicas, dentre outros.

Falar de ações afirmativas é falar, obrigatoriamente, do reconhecimento das


especificidades de uma determinada parcela social para que ocorra uma política pública
específica que atenda às suas necessidades.

Não obstante, a ONU, em 2014, por meio de seu relatório do Índice do


Desenvolvimento Humano (IDH), afirmou que o Brasil era exemplo mundial no combate à
pobreza, ao retrocesso social e elogiou as ações sociais como o Bolsa Família enquanto
políticas públicas de transferência de renda para mitigar problemas sociais. Dois anos após
esta divulgação, já em 2016, o relator para a Pobreza Extrema, da ONU, criticou a PEC 55
que estava em tramitação no ano de 2016 e foi sancionada pelo Presidente Michel Temer.
A sua crítica se deu pelo fato de que esta lei congelará os investimentos nas áreas da
educação, saúde e assistência social pelos próximos 20 anos, a partir de 2018.

O Brasil é um país que ainda tem um grande abismo entre as classes sociais, entre
aquelas que moram nos bairros de luxo e aquelas que moram nas periferias, um
marcador social é visível a olha nu: o racial. Reconhecer este marcador é saber
que o processo histórico marginalizou uma parcela social muito específica em
nossa sociedade contemporânea e uma série de medidas precisam ser tomadas
com o objetivo de mitigar tais problemas sociais.
Ainda que haja um interesse em maquiar os racismos existentes no Brasil e criar
a sensação de uma democracia racial a partir de uma cordialidade, estudos
comprovam exatamente o oposto àquilo que o senso comum costuma afirmar: o
Brasil é um país racista que exclui os negros dos processos de ascensão social da
mesma maneira que privilegia os brancos. Tal reconhecimento não é negativo ao
país, muito pelo contrário. Reconhecer tais questões é viabilizar a criação de
outras possiblidades para com a sociedade.
Trazer à tona este debate permitirá que nossos alunos compreendam com
exatidão, e sem um véu encobrindo a realidade, todas as questões existentes em

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seu país, em seu estado e em seu município para que então a escola possa pensar
em possibilidades do debate da temática sem falsos moralismos e sem fugir
daquilo que é exigido pelos documentos oficiais educacionais brasileiros.

Fonte: https://www.instagram.com/kobrastreetart

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9. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO


DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA.

Objetivo:
Neste último ensaio será mostrado todo o referencial legal do Ministério da Educação
para a abordagem das temáticas referentes às questões étnico-raciais. Este capítulo foi
selecionado para encerrar a disciplina por ser mais teórico-legal e, portanto, servir como
referencial teórico-legal para subsidiar futuros docentes em relação à temática.

Introdução:
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana3 foi o documento oficial,
lançado em 2004, pelo Governo Federal, com o objetivo de normatizar a temática a ser
abordada obrigatoriamente no ensino básico brasileiro. Friso, mais uma vez, a
obrigatoriedade em abordar a temática na Educação Básica. Isto significa, portanto, que a
abordagem não é facultativa.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, afirma-se
que:
Todos estes dispositivos legais, bem como reivindicações e propostas do
Movimento Negro ao longo do século XX, apontam para a necessidade de diretrizes
que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e
cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como comprometidos com a de
educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir.
(Brasil, 2004: 09)

Por “dispositivos legais” entende-se, ainda de acordo com as Diretrizes em sua 9ª


página, os Art. 26 e 26 A da LDB, como os das Constituições Estaduais da Bahia (Art. 275,
IV e 288), do Rio de Janeiro (Art. 306), de Alagoas (Art. 253), assim como de Leis
Orgânicas, tais como a de Recife (Art. 138), de Belo Horizonte (Art. 182, VI), a do Rio de
Janeiro (Art. 321, VIII), além de leis ordinárias, como lei Municipal nº 7.685, de 17 de janeiro

3
Recomenda-se leitura na íntegra das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro -Brasileira e Africana:
http://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCN -s%20-%20Educacao%20das%20Relacoes%20Etnico -
Raciais.pdf

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de 1994, de Belém, a Lei Municipal nº 2.251, de 30 de novembro de 1994, de Aracaju e a


Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, de São Paulo.

9.1. Para além do tradicional ensino eurocêntrico: políticas que possibilitem


formas diversas de reparação e reconhecimento.
Dentre os diversos objetivos existentes nestas Diretrizes, podemos citar a sua
importância pelo fato de olhar para as questões raciais brasileiras para além do já tradicional
ensino escolar influenciado pelo olhar do colonizador. Ou seja, do homem branco. Busca-
se, portanto, olhar para as questões africanas, as suas culturas e diversidades enquanto
forma de fortalecimento identitário a partir de antigas reivindicações sociais.

Ainda na escola, muitos de nós aprendemos sobre os negros no Brasil a partir da


escravidão como se não houvesse uma cultura própria anterior a ela, como se os negros
sequestrados e trazidos ao Brasil fossem originários de uma única tribo africana, com uma
única etnicidade e uma única identidade quando, na verdade, as mais diversas tribos com
as mais diversas manifestações culturais (idioma, música, dança, etc) foram sequestradas
e trazidas para cá.

É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros se
reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias,
manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. [...] Estas
condições materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis
para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e
valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de africanos. (Brasil,
2004: 11)

A partir do momento que o Estado brasileiro reconheceu tal silenciamento e criou


diretrizes específicas para a abordagem da temática, trouxe à tona uma série de
problemáticas que envolvem a questão racial no Brasil, conforme já visto nos ensaios
anteriores. A sua importância se dá pelo fato de que tal reconhecimento parte do
entendimento de que o Estado brasileiro necessitava assumir a responsabilidade pelas
exclusões, silenciamentos e insivibilizações que impôs aos negros e negras brasileiras em
toda a sua formação colonial, imperial e republicana.

As Diretrizes foram embasadas a partir do Art. 205 da Constituição Federal, que


discorre sobre a obrigatoriedade do Estado em garantir, por meio da educação, iguais
direitos à toda parcela populacional, não privilegiando uns em detrimento de outros. Ou
seja, o Estado reconheceu que uma parcela populacional teve acesso à educação enquanto

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outra continuou às suas margens e periferias. Para tanto, ao pensar e publicar tais
Diretrizes, um amplo e denso estudo foi proposto por especialistas das áreas educacionais
do MEC e das mais diversas Universidades brasileiras.

9.2. Educação das relações étnico-raciais


A temática surgiu a partir do momento em que o Estado percebeu que precisava
promover a valorização sociocultural das identidades negras, em suas pluralidades e
diversidades com o objetivo de que as histórias étnico-raciais valorizassem as etnicidades
brasileiras e, consequentemente, as pessoas que outrora negavam suas raças, por motivos
diversos, pudessem se sentir contempladas pelo ensino.

Afinal de contas, ao olharmos para o nosso passado de quando éramos alunos e


lembrarmos tanto das aulas de História, de Geografia como também das bonecas que
tínhamos durante o nosso ensino infantil, quantos personagens negros fizeram parte de
nossa trajetória escolar? Quantas bonecas negras tinham na escola em que estudamos? E
quanto aos brancos, quantos personagens e bonecas brancas fizeram parte de nossa
trajetória escolar? Justamente por isso, o Governo Federal criou uma lei obrigando que as
escolas se dedicassem às questões étnico-raciais.

A questão racial sempre esteve presente em nosso cotidiano, principalmente


quando, enquanto dispositivo de controle, a educação brasileira a manteve às margens,
invisíveis e silenciadas durante o cotidiano escolar.

Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e


africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da
cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de
acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias,
desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário
étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes europeias
da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a
africana, a asiática. (Brasil, 2004: 14)

Para tanto, com as históricas reivindicações dos movimentos sociais negros perante
a ausência de suas Histórias, uma série de estudos e debates públicos ocorrera durante o
início do Governo de Luís Inácio Lula da Silva até a sua promulgação, em 2004, atendendo
a esta parcela populacional. Vale lembrar ainda que, ainda que mais da metade da
população brasileira seja negra, o poder ainda se concentra nas mãos dos brancos. Por

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exemplo, profissões que exigem alto grau de instrução como professor, médico, juiz,
dentista, dentre outras, são formadas majoritariamente por brancos – fato esse que vem
mudando desde a adoção das cotas raciais nas universidades públicas, favorecendo e
possibilitando que pessoas negras ascendam ao ensino superior.

Afirma-se, ainda que ”para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é


necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que
o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E
então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente” (Brasil, 2004: 14).

Combater o racismo é reconhecer que a história marginalizou e subalternizou os


negros no Brasil, que os sequestrou de suas tribos africanas, impossibilitou sua
ascensão social e que o racismo ainda está inserido em nosso cotidiano, mesmo
que sutilmente silenciado.
Olhar para a sala de aula em sua diversidade, suas cores, suas raças, suas
etnicidades e suas diferenças, é olhar para uma sala de aula que representa o
Brasil, que tem história, que tem vida, que tem brio. Na sala de aula, podemos
construir outra relação com o mundo, possibilitar que aqueles que foram
silenciados reivindiquem a si os seus direitos à fala. Não buscamos dar voz a
ninguém, porque todos têm suas vozes, buscamos apenas democratizar o direito
à fala, à expressão e a ser quem, de fato, são.
A legislação específica se faz necessária para que estas parcelas sociais ora (e
ainda!) estigmatizadas possam gozar dos mesmos direitos e privilégios daquelas
que não são estigmatizadas. Justamente por falarmos sobre direitos e privilégios
que esta Diretriz Curricular ainda sofre resistência nos meios escolares: poucos
são aqueles que aceitam perder seus privilégios perante outros.

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