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Um roteiro de
Matheus Magre
Tratamento Datado de
26/07/2022
ANA ADULTA(OFF)
A morte...acontece não uma, mas muitas
vezes, em muitas vidas e em muitos
tempos...
Uma imagem se forma nos seus olhos, até mesmo naquele vazio:
uma criança, igual ela. Com a pele ressecada e um aspecto
febril. É a ANA FANTASMA
CORTA PARA
ANA ADULTA(OFF)
...sempre morrendo, e sempre nascendo
de novo. Por motivos e de maneiras
diferentes.
CORTA PARA
CRÉDITOS INICIAIS
CORTA PARA
ANA ADULTA
Não consegue dormir?
CARLOS
Não senhora.
ANA ADULTA
Está pensando em alguma coisa?
CARLOS
Em...uma menina. Ela não tem um dos
olhos, igual você.
ANA ADULTA
Onde você viu essa menina, Carlos?
CARLOS
Ela aparece...e some. Eu a vejo aqui
em casa às vezes, ela nunca faz nada.
Ela só...parece estar com dor.
CARLOS
Você...acredita em mim?
ANA ADULTA
Eu acredito em você. Sabe, havia uma
princesa que, numa noite como essa,
também via coisas assim.
CARLOS
Que princesa?
ANA
Uma princesa que via fantasmas...
CORTA PARA
PAI DE ANA
Hora de dormir, Ana. Termina de
escovar os dentes e ir pra cama.
ANA CRIANÇA
Mas eu queria ver o filme!
PAI DE ANA
Nada disso, você é muito nova pra
esses filmes e já são dez horas. Pra
cama, vamos. E coloca essa gata pra
fora.
ANA CRIANÇA
É Duquesa!
A garota olha para ter certeza que ele não está olhando e
pega o controle da televisão e liga. Ela coloca uma fita no
videocassete e aperta um botão: aparece que está gravando.
CORTA PARA
ANA CRIANÇA
Mãe, por que sou muito nova pra esses
filmes?
MÃE DE ANA
Princesa...esses filmes tem muita
maldade. Você é muito nova pra ver
essas coisas.
ANA CRIANÇA
Maldade? O que é maldade?
MÃE DE ANA
Durma bem, meu amor.
PAI DE ANA
Boa noite, princesa.
CORTA PARA.
CORTA PARA
CORTA PARA
CORTA PARA
COSTUREIRO (OFF)
Ana...venha até mim.
COSTUREIRO
Saia...apareça para mim...
ANA CRIANÇA
Eu não...vou sair...você não...pode
encostar...em mim...
COSTUREIRO
Eu não preciso. Você mesma vai se
oferecer pra mim.
ANA CRIANÇA
Quem...é você?
COSTUREIRO
A razão para as crianças terem
pesadelos. A razão para o coração
delas apodrecer. A razão para terem
vergonha, e a razão para temerem o
escuro. Em todas as histórias de
monstros debaixo da cama, à espreita
no escuro, rondando a noite...eu sou
todas estas histórias.
ANA CRIANÇA
Por...que...?
COSTUREIRO
Ah! Por que eu posso.
ANA CRIANÇA
Você...não pode passar pelo
cobertor...
COSTUREIRO
Então eu vou fazer uma visitinha aos
seus pais...você não se importa, não
é?
ANA CRIANÇA
Espera...espera...vamos trocar...
O COSTUREIRO ri.
COSTUREIRO
O que você poderia me oferecer além de
si mesma, criança?
ANA CRIANÇA
A...Du...quesa...
COSTUREIRO
Ah! Uma alma inocente...por outra.
O espectro sorri.
CORTA PARA.
MÃE DE ANA
Vai beber café, princesa?
ANA CRIANÇA
Quero ficar acordada.
MÃE DE ANA
Seu rosto está horrível, demorou a
dormir? Eu sabia que ia ficar assim
com aquele filme...
ANA CRIANÇA
Não foi o filme mãe, foi um monstro,
estava no meu quarto ontem...
MÃE DE ANA
Não, não. Você está proibida de ver
esse tipo de filme, fala com ela...
PAI DE ANA
Você já está muito velha pra isso
filha, e bicho-papão não existe.
PAI DE ANA
Eu botei ela pra fora ontem, como ela
entrou? Ana já falei que não é pra
deixar ela dentro de casa.
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA
Tem que ter alguma coisa por aqui...
ANA CRIANÇA
Não acredite no que ele diz, nem nas
promessas que ele faz. Pois o
Costureiro é a razão para as crianças
terem medo do escuro.
CORTA PARA
12 MONTAGEM. 12
ANA CRIANÇA(OFF)
O verdadeiro nome do Costureiro se
perdeu com o tempo, até ninguém mais
saber diferenciar o que é real e o que
é lenda em sua história...
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA(OFF)
A muito tempo, um casal muito rico e
poderoso do Rio de Janeiro, teve um
filho. Ao nascer, a criança fraca e
magricela, foi rejeitada pelo pai que
buscava um herdeiro forte e valente.
Também foi rejeitado pela mãe, que
nunca quis um filho, muito menos de
seu marido.
Ao lado da foto, uma outra, de uma criança, com não mais que
dez anos, vestindo um terno, com o rosto borrado.
ANA CRIANÇA(OFF)
Sobrevivendo sem amor, a criança
matava pequenos animais do bairro para
se divertir. Mas o que ela preferia
mesmo era machucar outras crianças.
ANA(OFF)
Anos depois, a doença levou sua mãe. A
criança que tinha crescido e virado
Costureiro envenenou seu pai para
ficar com a riqueza da família.
Histórias de uma fera que atraía
crianças para nunca mais serem vistas
eram escutadas. De um lado e do outro
contavam que o homem da agulha era
culpado, mas como ele era rico
fingiram não ver.
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA(OFF)
Um dia, uma criança conseguiu fugir. O
Costureiro a perseguiu pelas ruas, mas
foi atropelado por uma carroça. Quando
acordou, já estava morto. Seu corpo
quebrado se tornava cada vez menor,
enquanto uma força o puxava para além
das nuvens. Chegando no Céu, o
Costureiro viu um portão, e quando
tentou abrir, foi atirado até um lugar
vermelho e muito quente. O Inferno.
Mas ele não ficou lá por muito tempo.
Enganando o próprio Diabo, O
Costureiro voltou, das entranhas da
terra.
ANA CRIANÇA(OFF)
Como um morto-vivo sem lugar no Céu e
precisando se esconder do Inferno, o
Costureiro voltou a matar crianças
para costurar sua capa feita de
inocentes, que engana os demônios
atrás de sua alma.
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA
Aqui! Para salvar-se do costureiro, a
criança precisa arrancar sua capa!
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA(PRINCESA)
Oh, nobre cavaleiro, um dragão está
atacando a vila e eu devo me entregar
para ele.
ANA CRIANÇA(CAVALEIRO)
Um dragão?
ANA CRIANÇA(PRINCESA)
Sim, um dragão horrível! Você acredita
em mim?
ANA CRIANÇA(CAVALEIRO)
Mas é claro princesa! Não se preocupe,
eu matarei esse dragão!
CORTA PARA.
ANA CRIANÇA caminha até o portão. Pela grade alta, ela olha a
rua, enquanto seu rosto é iluminado pela luz dourada. Ela
assiste com atenção o pôr do Sol.
CORTA PARA.
COSTUREIRO
E o animal?
pavor, até que tomba no chão. Uma luz vermelha surge pela
fresta da porta e pelo buraco da fechadura. A porta começa a
abrir, e a luz vermelha consome o quarto, seguida por vapor.
Um ser, alto, de pele vermelha e uma coroa de chifres entra
no quarto. Ao caminhar em direção ao COSTUREIRO, o relógio da
parede, úmido, derrete.
CORTA PARA.
Uma imagem se forma nos seus olhos, até mesmo naquele vazio:
uma criança, igual ela. É ANA FANTASMA.
ANA ADULTA(OFF)
E naquele momento, a princesa passaria
a ver um fantasma, onde quer que
fosse. Um fantasma que nasceu naquele
momento de dor e que se prolongou no
éter...
CORTA PARA
ANA ADULTA
Ela passaria a ver o que acontece com
as nossas partes que são mortas.