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O que é a verdade?

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Lúcio Jorge Hammes
Professor da UNIPAMPA
Acompanhamos ultimamente a retomada do debate sobre o conceito e o sentido da verdade. E
perguntamos novamente: “O que é a verdade?” Em tempos de fake news necessitamos conhecer melhor o
sentido que envolve esta questão, com base teórica e prática.
A busca pela verdade está na origem da filosofia clássica. Especialmente Sócrates tem a preocupação
junto aos seus interlocutores de encontrar a verdade, coerência entre ideia e prática a partir do princípio
básico: “conhece-te a ti mesmo”. Afirma que o conhecimento tem a ver com a ideia conectada à verdade,
com boas razões e evidências.
Conforme a filosofia socrática, “não pode haver opinião verdadeira sem conhecimento” e, o
conhecimento da verdade pode ajudar a agir corretamente. Ou seja, a busca do conhecimento pode ser o
“caminho para a perfeição humana”. A verdade como prática indica a coerência (entre teoria e prática) e a
autenticidade (viver o que afirma) das pessoas. Esta perspectiva fez com que Sócrates estabelecesse intenso
embate com os sofistas que não tinham um compromisso com a verdade, inclusive sendo condenado à morte
por poderosos que não aceitam esta da verdade, preferindo permanecer na mentira e na falsidade.
Mas, possivelmente é com Jesus de Nazaré que encontramos a melhor forma da união entre vida e
verdade. O povo que aguardava o Messias rezava: “A verdade é a essência da Tua palavra, e todas as Tuas
justas ordenanças são eternas” (Sl 119,160). Após o nascimento e o anúncio de Jesus, a comunidade cristã
afirma que a “Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus
Cristo” (Jo 1,17) que esclarece: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por
mim” (Jo 14,6).
Esta unidade entre aquilo que anuncia e vive é testada no cotidiano da vida de Jesus e das primeiras
comunidades, mesmo quando exige a separação da família, perda de trabalho e até do martírio. Na audiência
para o julgamento, Pilatos pergunta: “Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso
nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz” (Jo 18,37). Após isso, Pilatos ainda pergunta: “Que é a verdade?” (Jo 18,38). E, sem esperar a
resposta, “saiu novamente ao encontro dos judeus e disse-lhes: Não acho nele crime algum” (Jo 18,38).
A Igreja que nasce da experiência com o Jesus de Nazaré anuncia a Boa Nova de Jesus e pede a
conversão para uma vida nova, baseada no amor ao próximo. Esta mensagem hoje chega aos lugares mais
longínquos, mas para muitos perde sua capacidade de transformação. Inclusive, São Pedro alerta: “Houve
também falsos profetas no meio do povo. Assim também entre vocês vão aparecer falsos mestres,
introduzindo seitas maléficas. Renegando o Senhor que os resgatou, trarão rápida destruição para si mesmo.
Muitos vão seguir suas doutrinas dissolutas, e por causa deles o caminho da verdade será difamado. Por
cobiça de dinheiro, com discursos enganadores, vão procurar que vocês se tornem objeto de negócios. Mas o
julgamento deles já começou faz tempo, e a sua destruição não demorará” (2Pd 2,1-3).
São os falsos mestres que contribuem para que haja pessoas descomprometidas com a verdade e
autenticidade. Fazem de conta que seguem os ensinamentos de Cristo e se aproveitam da boa vontade das
pessoas para o proveito próprio ou para juntar rebanho para o seu grupo político. Dessa forma, justificam-se
atitudes como:
 Usar a Palavra de Deus e até os próprios Sacramentos (como o batismo e eucaristia) para angariar
simpatizantes que promovem o ódio na política, nas entidades empresariais ou sindicais.
 Em nome de Deus e da Igreja promover a discórdia, desunião, violência, guerra e morte entre as
pessoas.
 Citar frases da Bíblia para justificar ações injustas e beligerantes se colocando em atitude
arrogante diante dos outros.
A ética do cuidado exige a responsabilidade com o outro e o compromisso com uma política que
contribua para elaborar ações que favoreçam o bem comum. Tem por base a verdade, a justiça e o respeito
ao outro e ao meio ambiente.
Aos que citam a Palavra de Deus e recebem os sacramentos e não praticam a vontade de Deus ainda
cabe o chamativo de Jesus: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros

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Texto publicado pela Revista Integração . Junho de 2021, p. 13. Disponível em:
http://www.mitrascs.com.br/jornalintegracao/detalhe/72. Acesso em jul. 2021.
caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são
vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mt 23,27-28).
A teologia do seguimento de Jesus Cristo mostra que há responsabilidade de discípulo para os
cristãos que não podem coadunar com políticas e ações que promovem o ódio, a discórdia, a violência e a
morte... Estes são chamados para promover a unidade, a paz, a justiça e o bem. O seguimento tem por base o
mandamento do amor: “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”
(Jo 15,12). A Palavra pede o seguimento!

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