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Sapientia Fidei (2010, vol. 1, n. 2, pp.

55-75) ISSN
www.sapientiafidei.com.br

A PARTICIPAÇÃO DOS FIÉIS LEIGOS NA IGREJA

Prof. Dr. Ivanaldo dos Santos∗

Resumo: Atualmente, a democracia é posta como grande paradigma político da sociedade.


Por causa disso, a Igreja – enquanto instituição que vive na sociedade – também é encorajada
a se integrar dentro desse paradigma político. Neste sentido, emerge a discussão da
participação dos fiéis leigos dentro da Igreja. A participação dos leigos na Igreja é uma
questão que tem sido muito debatida e não é intenção desse artigo dá uma resposta definitiva,
mas apenas, de forma introdutória, realizar cinco reflexões: 1. A democracia, 2. Diferença
entre laicidade e laicismo, 3. Diferença entre o sacerdote e o fiel leigo, 4. Formas de participar
da vida da Igreja, e por fim, 5. Lugar de participação do fiel leigo na Igreja. Por fim, afirma-
se que a Igreja com a ajuda dos leigos, poderá encontrar os caminhos e as palavras mais
pertinentes para o diálogo com a sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Democracia – Fiel – Leigo – Igreja e Participação

Abstract: Today, democracy is put as great political paradigm of society. Because of this, the
church, as an institution that lives in society - is also encouraged to join in this political
paradigm. In this sense, it has emerged the discussion of the participation of lay faithful
within the Church. The involvement of laity in church is an issue that has been much debated
and it is not the intention of this article gives a definitive answer, but only to hold five issues
in an introductory way: 1. Democracy, 2. Difference between laicism and laicity, 3.
Difference between the priest and the lay faithful, 4. Ways to participate in the life of church,
and finally, 5. Place of participation of lay faithful in the church. Eventually, it is said that the
church with the help of the laity, you will find the ways and words most relevant to the
dialogue with contemporary society.

Keywords: Democracy – Faithful – Laity - Church Participation

Introdução

De acordo com Hull (2004a, p. 46), atualmente a “democracia


é posta como grande paradigma político da sociedade. Ela é louvada


Doutor em estudos da linguagem, professor do departamento de filosofia e do
Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio

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como o grande sistema libertador do ser humano”. Ora, se a


democracia liberta o ser humano de seus transtornos (políticos,
econômicos, ideológicos, etc), por que então não colocá-la em prática
no seio da Igreja? Essa é uma pergunta que os meios de comunicação
e a comunidade acadêmica muitas vezes realizam. Dentro dessa
pergunta entra outra questão, a qual é a participação dos fiéis leigos na
Igreja.
Como afirma Tepedino (2004, p. 129-130), em virtude da
fórmula batismal contida em Gl 3, 281, que proclama a igualdade de
todos no Cristo Senhor, e em consequência do sacramento do batismo,
que introduz o cristão, na vida eclesial e que o torna participante no
tríplice modo de Cristo: profético, sacerdotal e real. Portanto, os leigos
também podem e devem participar nas decisões organizacionais e
doutrinais, que afetam a vida e missão da Igreja, pois todos os cristãos
recebem o selo impresso pelo Espírito Santo. Espírito (Jo 14, 16) que
está entre os membros da Igreja e com eles permanecem para sempre.
Realizada essa consideração inicial, pode-se pensar que a
Igreja é um partido político, um sindicato ou outra organização que se
enquadre na categoria de democrática. Entretanto, há um problema a
ser observado: a Igreja é uma organização de origem divina e, por
conseguinte, religiosa. Nesta perspectiva, há crenças e preceitos, de

Grande do Norte (UERN). E-mail: ivanaldosantos@yahoo.com.br.

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origem divina, que uma assembléia democrática não pode mudar. Por
exemplo, do ponto de vista estritamente religioso não se pode mudar a
crença de que Deus criou o mundo, de que a salvação é dada
unicamente por Jesus Cristo e que este nasceu da Virgem Maria.
Então não há espaço para a participação dos fiéis leigos na Igreja? A
participação dos leigos na Igreja é uma questão que tem sido muito
debatida2 e não é intenção desse artigo dá uma resposta definitiva,
mas apenas, de forma introdutória, realizar cinco reflexões. Sendo
elas: 1. A democracia, 2. Diferença entre laicidade e laicismo, 3.
Diferença entre o sacerdote e o fiel leigo, 4. Formas de participar da
vida da Igreja, e por fim, 5. Lugar de participação do fiel leigo na
Igreja.

1. A democracia

Segundo Hull (2004b, p. 3) há uma forte tendência


contemporânea ao igualitarismo, à democracia. Esse igualitarismo
sustenta que os princípios da teoria política, neste caso democrática,

1
“Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e
mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gl, 3, 28).
2
Com relação ao fato dos fiéis leigos participaram da Igreja, Tepedino (2004, p. 129),
afirma que desde o Concílio Vaticano II e, especialmente, com a Lumen Gentium (LG) os
fiéis leigos são convocados a co-responsabilidade eclesial. Sobre este mesmo tema,
Pereira (1981) realiza uma sucinta apresentação da literatura filosófico-teológica
disponível.

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se aplicam não somente no âmbito político, mas em todos os âmbitos,


inclusive a Igreja.
Aparentemente a democracia é o regime perfeito para a
organização da sociedade. Desde o século XVIII que, lentamente, a
democracia vem sendo implantada no Ocidente e no pós-segunda
guerra mundial ela tornou-se o grande paradigma político de quase
todo o planeta. Entretanto, há uma questão que deve ser posta em
relevo. É o fato da democracia ser a grande ideologia da sociedade
contemporânea, sem, no entanto, conseguir atingir seus reais
objetivos. Para Hull (2004a, p. 47) a democracia esta fundada nas
estatísticas, na análise do comportamento da massa e não na pessoa
humana com seus respectivos valores e necessidades.
Chomsky (2003) é mais radical que Hull. Segundo Chomsky
(2003, p. 227) isso que o cidadão comum classifica de “democracia”
não passa de uma farsa, pois o que prevalece nas decisões
institucionais nunca é a opinião ou a vontade dos indivíduos, mas
unicamente os interesses econômicos. Para ele, atualmente, vive-se a
plenitude global da narcotização da consciência dos indivíduos.
Narcotização realizada pela mídia.
Vale ressaltar que a tese de que a mídia aliena, narcotiza, os
indivíduos já havia sido exposta, desde 1947, por Theodoro Adorno e
Max Horkheimer no livro A dialética do esclarecimento. O que
Chomsky apresenta é a radicalização da tese de Adorno e Horkheimer,

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pois, segundo ele, tudo na sociedade contemporânea é promovido e


distribuído pela mídia. A mídia promove e distribui desde a
comercialização dos mais variados objetos, passando pela dinâmica
das mais variadas instituições até pelos sentimentos e emoções
humanas. Dentro desde quatro, a democracia não é excluída. Ela é
uma hábil desculpa apresentada para as massas, pois quem de fato
controla as ações e decisões políticas são os marqueteiros,
publicitários, jornalistas, economistas, administradores de empresas,
grandes empresários e banqueiros. O povo é um mero figurante dentro
da democracia.
De pose das reflexões realizadas por Hull (2004a) e Chomsky
(2003), afirma-se que é preciso ter muita cautela diante da afirmação
do triunfo da democracia e que cabe a Igreja se curvar, docilmente, a
esse triunfo. A Igreja e, por conseguinte, os fiéis leigos podem ser
vítimas da farsa conhecida como democracia, tal como descreve
Chomsky, ou se tornar apenas um número dentro das estatísticas
apresentadas por outras instituições como descreve Hull.

2. Diferença entre laicidade e laicismo

Segundo Rouco (2004, p. 28) a laicidade é a condição natural


do fiel leigo na Igreja. Esta condição é uma vocação, dada por Deus,
para que o fiel leigo viva no mundo, isto é, no seio de todos os

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indivíduos. E viva cada uma de suas atividades e profissões, e nas


circunstâncias ordinárias da vida familiar e social. Deus convoca o fiel
leigo a contribuir, através do cumprimento da sua vocação específica,
para manifestar Cristo aos demais leigos e, por conseguinte, a toda a
sociedade. Esta contribuição dada pelo leigo é guiada pelo Espírito
Santo.
O próprio Rouco (2004, p. 32-33) esclarece que o laicismo é a
condição do indivíduo sem fé em Deus que vive, muitas vezes,
perdido dentro de um universo de modismos e novidades. O laicismo
é o relativismo moral, segundo o qual se deve renunciar a qualquer
reconhecimento da verdade moral e religiosa para poder viver em
harmonia dentro de uma sociedade que aparentemente é plural.
A sociedade está repleta de laicismo. Existe laicismo na
política, na arte, no esporte e em outras atividades. Rouco (2004, p.
28) afirma que um indivíduo pode fazer parte de um grupo laicista e,
no entanto ser uma pessoa decente, honesta e praticar uma atividade
social saudável.
O problema, segundo Sodano (2004, p. 11), é quando o
espírito do laicismo entra na Igreja. O laicismo é marcado pelo
efêmero, pelo passageiro, pelo transitório e por modismos que, muitas
vezes, não contribuem para melhorar o caráter e a dignidade humana.
A Igreja, por sua vez, é constituída pelo eterno, pelo divino, e deve
apresentar ao ser humano o que há de mais nobre e absoluto nos

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valores morais. Se o laicismo entra na Igreja, ela vai, lentamente,


perdendo sua identidade e tornando-se qualquer outra instituição
menos o corpo místico de Cristo.
Sodano (2004, p. 12) alerta para esse perigo e afirma que há
muitas tentativas do laicismo entrar na Igreja. Seria demasiado
cansativo realizar uma síntese dessas tentativas. Entretanto, apresenta-
se apenas uma delas. Essa tentativa é conhecida, no Brasil e em boa
parte do terceiro mundo, como Teologia da Libertação (TL)3.
A Teologia da Libertação inspira-se no argumento marxista
que afirma que a Igreja é um partido político4. Essa afirmação, de
cunho laicista, tem suas consequências, pois, de acordo com Boff
(1982, p. 150) a Igreja é uma “religião dominante que se articula num
discurso ideológico totalizador” e o cristianismo é “tão sincrético
como qualquer outra religião. O Antigo e o Novo Testamento se
constituem igualmente em escritos sincretistas” e os religiosos, os
ministros ordenados e consagrados, de acordo com o próprio Boff

3
A expressão teologia da libertação é um tanto quanto equivocada, pois, como afirma
Boff (1982, p. 43), não se pode negar que enquanto expressão da revelação divina a
teologia da libertação, de fato, “liberta o ser humano de uma situação escravizadora”,
entretanto, desde o primeiro século do cristianismo, Deus vem suscitando expressões
teológicas que também libertam o ser humano de variadas formas de escravidão. Entre
essas expressões teológicas cita-se, como exemplo, a teologia beneditina, a teologia
franciscana, a teologia carmelita e a teologia jesuítica. Para ser mais fiel a seu ideário
pastoral, a teologia da libertação deveria se chamar teologia política ou simplesmente
análise cristã da conjuntura social.
4
Nas palavras do filósofo marxista Gramsci (1991, p. 346): “A Igreja Católica é um
partido político conservador”.

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(1982, p. 82), não passam de um “corpo de peritos em questões


hierárquicas”.
Essa posição laicista é desmentida pela tradição apostólica.
Segundo Rops (1988), o cristianismo não é uma mera doutrina
política5 nem muito menos um sincretismo6, mas a revelação viva de
Deus ao ser humano. Do mesmo modo, para Rops (1988, p. 63), os
sacerdotes, os consagrados, vivem o “respeito apaixonado pelas coisas
divinas, a submissão total à providência e o desejo constante de viver
conforme a palavra de Deus”.
O problema é que se dentro da Igreja há uma perda da
consciência de sua própria missão dada por Deus, então como viverá o
fiel leigo dentro da própria Igreja? Se a Igreja é apenas um mero
sincretismo e um partido político como qualquer outro, por que então
o leigo deve desejar participar da vida da Igreja?
A perda da consciência do que é e qual sua função, faz com
que a Igreja se confunda com qualquer outra organização social

5
Sobre a questão do cristianismo não ser uma doutrina política, Rops (1988, p. 134)
afirma: “O cristianismo não é em si uma ‘força revolucionária’, no sentido político-social
que hoje se dá ao termo. Não é nem uma doutrina social nem uma doutrina política. [...].
O Cristianismo não é nada menos do que a Revelação da verdade eterna e total, por meio
dos ensinamentos, do exemplo, da morte e da ressurreição de Jesus, Deus feito homem.
Mas, ao mesmo tempo, simplesmente porque Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, faz
desabar ao seu contato tudo aquilo que no mundo é erro, fingimento e matéria morta”.
6
Com relação ao fato do cristianismo não ser um sincretismo, Rops (1988, p. 144) afirma:
“O cristianismo não é um sincretismo, mas uma síntese, uma síntese que jamais se poderá
fazer sem a ação de um elemento absolutamente novo, de um conhecimento que não é
uma resultante dos sistemas religiosos anteriores [...] Jesus de Nazaré”.

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(partido político, sindicato, clube social, etc) e entre no perigoso


campo do laicismo. Esta perda tem por consequência a mistura, dentro
da Igreja, da laicidade e do laicismo. De um lado, há o leigo laicizado,
ou seja, o leigo que trabalha junto com a Igreja, tem fé e deseja
participar da vida religiosa, porque acredita que a Igreja, apesar dos
seus erros históricos, é o único instrumento de evangelização, um
depósito de solidariedade e uma possibilidade de construir uma
sociedade melhor. Do outro lado, há o leigo laicista, isto é, o leigo que
vive na Igreja, mas não tem fé e faz da igreja, enquanto templo, um
mero espaço para promoção dos mais variados valores sociais, tais
como: campanhas e ideologias políticas (a maioria dessas campanhas
e ideologias são desvinculadas da doutrina cristã), venda dos mais
variados produtos e objetos de consumo, subestrutura administrativa e
até repressiva do Estado ou de alguma empresa privada, espaço para
lançamento dos mais diversos tipos de modas (roupas, carros, jóias,
etc), de fofocas, de chantagens e da promoção de eventos que, na
maioria das vezes, só servem para aparecerem na mídia e promoverem
ideias que de cristãs têm muito pouco ou absolutamente nada. A
diferença entre o leigo laicizado e o leigo laicista é apresenta, de
forma mais didática, no Quadro nº 1, cujo título é Posição do leigo na
Igreja.

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Quadro nº 1
Posição do leigo na Igreja
Tipo do leigo Características Consequências
1. Leigo que Tem fé, deseja participar Positivas:
trabalha junto com da vida religiosa, porque 1. Abertura do leigo para todas
a Igreja (leigo acredita que a Igreja, as dimensões da condição
laicizado). apesar dos seus erros humana (moral, política,
históricos, é o único comunitária, etc).
instrumento de 2. Melhoria na evangelização e
evangelização, um na vida comunitária.
depósito de solidariedade 3. Melhoria na vida pessoal e
e uma possibilidade de familiar do leigo.
construir uma sociedade 4. Aperfeiçoamento das
melhor. atividades pastorais.

2. Leigo que vive Não tem fé e faz da Negativas:


na Igreja (leigo igreja, enquanto templo, 1. Fechamento do leigo para
laicista). um mero espaço para todas as dimensões da condição
promoção social dos mais humana (moral, política,
variados tipos, tais como: comunitária, etc).
campanhas e ideologias 2. Redução e até aniquilamento
políticas (a maioria da evangelização e da vida
dessas campanhas e comunitária.
ideologias são 3. Estagnação da vida pessoal e
desvinculadas da doutrina familiar.
cristã), venda dos mais 4. Estagnação e até a ruína das
variados produtos e atividades pastorais.
objetos de consumo,
subestrutura
administrativa e até
repressiva do Estado ou
de alguma empresa
privada, espaço para
lançamento dos mais
diversos tipos de modas
(roupas, carros, jóias,
etc), de fofocas, de

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chantagens e da
promoção de eventos que,
na maioria das vezes, só
servem para aparecerem
na mídia e promoverem
idéias que de cristã têm
muito pouco ou
absolutamente nada.

3. Diferença entre o sacerdote e o fiel leigo

Segundo Hull (2004a, p. 47) devido ao avanço do secularismo,


nas suas mais variadas formas, e da entrada dentro da Igreja do
espírito do laicismo, está se criando uma perigosa igualdade. Essa
igualdade é entre o sacerdote, o padre, e o fiel leigo. Atualmente,
existem padres que se portam como fiéis leigos e leigos que se portam
como se fossem padres. O fruto dessa igualdade é o perigoso processo
de secularização do clero e a clericalização dos leigos. Com isso,
ocasiona-se a perda da distinção entre o pastor e as ovelhas. Esse fato
conduz a uma falácia teórica: ou todos são sacerdotes ou todos são
fiéis leigos. Dessa forma, ninguém sabe qual a posição deve ocupar na
Igreja, nem o padre e nem o leigo. Obviamente, afirma Hull (2004, p.
48), não se pode esquecer que há uma identificação ente o sacerdote e
o fiel leigo na questão da salvação realizada unicamente por Jesus

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Cristo e ao chamado universal para a santidade e a evangelização, no


entanto há diferenças entre ambos.
Pereira (1981, p. 452-453) ressalta que à missão do povo de
Deus, incluindo o conjunto formado pelos sacerdotes e pelos leigos, é
a co-responsabilidade no processo de salvação e santificação das
almas. Porém, não de igual maneira, mas a seu modo, isto é, os
sacerdotes têm uma responsabilidade específica e qualificada: eles são
responsáveis não apenas com os leigos, mas, como representantes de
Cristo, são responsáveis pelo apostolado dos fiéis .
Para Hull (2004b, p. 4-5) a identidade sacerdotal está fundada
na configuração com Cristo Senhor, que é, ao mesmo tempo,
sacerdote, profeta e rei do universo. O sacerdote, a partir da
ordenação, está íntima e unicamente configurado com Cristo.
A ordenação sacerdotal confere um vínculo ontológico
específico que une o sacerdote com Cristo. O sacerdote se transforma
em Alter Christus (um outro Cristo). Devido a isso, é dever e direito
do sacerdote santificar (munus santificandi), ensinar (munus docendi)
e governar (munus regendi).
O sacerdote é quem, ao compartilhar o sacerdócio de Cristo,
oferece a Missa, estende o perdão e a paz aos pecadores na penitência
e unge o óleo da unção dos enfermos. É o sacerdote quem, por
compartilhar a missão profética de Cristo, fala em nome de Cristo e da
Igreja na pregação. Ele é quem, por compartilhar a realeza de Cristo,

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exerce o governo da Igreja. Seja esse governo o de uma área de


missão, de uma comunidade, de uma capela, paróquia e qualquer
outro forma de organização pastoral.
Quando se trata do fiel leigo, Tepetino (2004, p. 134), sem
desmentir as afirmações de Hull (2004b) e Pereira (1991), afirma que
nos últimos quarenta anos e, em grande parte, incentivado pelo
Concílio Vaticano II, tem se procurado superar o conceito negativo de
leigo (que afirma que é todo o indivíduo que não é padre) e
discriminador (o cristão de segunda categoria). Obviamente, ainda há
muito para se avançar com o intuito de se conseguir superar
totalmente o conceito negativo de leigo.
Segundo Tepetino (2004, p. 137) ser leigo é uma vocação na
Igreja, junto com as outras vocações como, por exemplo, ser padre,
freira, bispo e monge. O leigo não é um indivíduo que tem um papel
passivo de obedecer, principalmente ao clero, sem questionar, apenas
cumprindo ordens e colaborando financeira e administrativamente.
Ele vive no mundo, exerce uma profissão, tem uma vida familiar e
social, entretanto é guiado pelo Espírito do Evangelho para contribuir
para a santificação do próprio mundo. No entanto, é preciso frisar que
ele não pode dedicar-se às atividades sociais, profissionais, familiares
como se fossem separadas das atividades religiosas ou vice-versa. É
na vida concreta, cotidiana, que o fiel leigo sente os apelos do Espírito

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Santo e deve procurar demonstrar sua fé em Cristo Salvador e na


Igreja.
O conceito de fiel leigo apresentado por Tepetino não é um
conceito isolado na tradição da Igreja. Ele é alicerçado pelas
experiências de fé e vida fraterna expressada no Novo Testamento e
também pelo Código de Direito Canônico7. Com certeza, será muito
exaustivo apresentar todas as referências que o Novo Testamento8
realiza sobre a vida do leigo na Igreja, porém dar-se-á apenas quatro
exemplos ilustrativos.
1) Os fiéis leigos participaram do sorteio que escolheu Matias
como apóstolo (At 1, 23-26) e do primeiro concílio da Igreja realizado
em Jerusalém (At 15, 6-29).
2) Os leigos devem se responsabilizar pelos serviços pastorais
que não são exclusividade do sacerdote (I Ts 5, 12).
3) Os leigos devem contribuir para a paz e para a
conscientização mútua visando à santidade (Rm 15, 2).

7
Com relação ao conceito de fiel leigo no direto canônico, Pereira (1987, p. 771) afirma:
“O Código de Direito Canônico afirma que o leigo não pode dedicar-se às atividades
sociais, profissionais, familiares como se fossem separadas das atividades religiosas ou
vice versa. O leigo é um fiel que tem sua vida indissoluvelmente unida a Cristo e a Igreja.
Este fiel vivi no cotidiano este vínculo de unidade”.
8
No tocante a relação entre o fiel leigo e o Novo Testamento, Pereira (1985, p. 678)
afirma: “No Novo Testamento a participação nas decisões da Igreja é posta em prática.
Ela surgiu da consciência de que a Igreja nasceu da convicção profunda de que Deus é
nosso Pai e que os cristãos são efetivamente irmãos”.

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4) Por fim,os leigos devem se auxiliar mutuamente e auxiliar


aos sacerdotes para que, ambos, não caiam na imoralidade (I Cr 10, 8)
e esperar, ansiosamente, a perfeição vinda do céu (I Cr 13, 10), trazida
por Jesus Cristo.

4. Formas de participar da vida da Igreja

Segundo Rouco (2004, p. 28- 29) a participação do fiel leigo


na vida eclesial é imprescindível para a existência da Igreja. Assim
como para sua própria identidade e missão como leigo.
Didaticamente, ele enumera seis formas do leigo participar da vida da
Igreja.
1) Participar ativamente na celebração dos sacramentos,
especialmente da Eucaristia.
2) Acolher, com coração obediente, o anúncio apostólico da fé
em Cristo e na vida eterna.
3) Perseverar no esforço de sua inteligência, com o objetivo de
compreender a doutrina da Igreja.
4) Dá testemunho da fé em Cristo e da doutrina da Igreja. Este
testemunho deve ser dado conforme inspirar o Espírito Santo, a
tradição apostólica e o magistério da Igreja.
5) Viver, de forma alegre, os dons e tarefas que o Espírito
Santo suscitar em seu coração.

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6) Estar presente no seio da sociedade (família, trabalho, lazer,


amigos, vizinhos, etc) imbuído do objetivo de levar Cristo aos
corações dos homens e de santificá-los.
Além dessas seis formas de participação apresentadas por
Rouco (2004), cita-se, fundamentado por Pereira (1985, p. 681),
outras duas formas do leigo participar da vida da Igreja. Sendo elas:
1) Todos os indivíduos estão sujeitos ao mesmo Senhor Jesus
Cristo e, por isso, devem prestar mutuamente um serviço fraterno.
Este serviço deve sempre buscar o aperfeiçoamento da comunidade
cristã e a salvação dos seres humanos.
2) Devido ao senhorio de Cristo e ao princípio de fraternidade,
todos os indivíduos são irmãos, não havendo, entre eles, outro senhor
a não ser Cristo Salvador.

5. Lugar de participação do fiel leigo na Igreja

Desde o final do século XIX, mas principalmente com o


advento do Concílio Vaticano II, o leigo é convocado a auxiliar os
sacerdotes na árdua missão de evangelizar. Ressalta-se que o leigo não
substitui o sacerdote. Em hipótese alguma o leigo é um padre sem

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paramentos litúrgicos, mas um cristão autônomo9 e consciente de sua


missão específica e espinhosa dentro da Igreja.
De posse dessas informações, apresentam-se, de forma sucinta,
possibilidades ou lugares que o fiel leigo tem a seu dispor para poder
participar da missão da Igreja. Entretanto, ressalta-se que essas
possibilidades ou lugares não retiram do sacerdote sua missão única e
particular dada pelo próprio Cristo, assim como não limita a ação
conscientizadora do Espírito Santo. Dessa forma, é preciso ficar claro
que por mais que haja possibilidades ou lugares de participação do
leigo na Igreja, sempre o Espírito Santo irá constituir novas e
desafiadoras possibilidades e lugares de participação. Essas
possibilidades ou lugares de participação do fiel na missão da Igreja é
apresentada em dois grandes blocos representados pelo pensamento de
Pereira (1981) e Tepedino (2004).
Pereira (1981, p. 444-451) coloca a participação de forma mais
abrangente, dividindo-a em dez espaços. Sendo eles:
1) Concílios ou Sínodos da Igreja universal.
2) Sínodos ou encontros do episcopado nacional.
3) Conselhos de pastoral diocesanos ou arquidiocesanos.

9
Com relação ao conceito de autonomia do leigo na Igreja as Conclusões da I
Conferência Nacional dos Cristãos Leigos e Leigas do Brasil, nº 19, afirmam:
“Entendemos por autonomia a capacidade de autodeterminação, aliada à tomada de
consciência da própria identidade. O sujeito não só é autônomo para ser, mas precisa saber
que o é. O processo de construção da autonomia é o processo de construção da liberdade e
da responsabilidade”.

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4) Conselhos de pastoral paroquial.


5) Conselhos de pastoral de uma capela ou de uma região de
missão.
6) As pastorais setoriais, sejam paroquial ou (arqui)diocesana
(pastoral do batismo, pastoral do matrimônio, pastoral da juventude,
pastoral da liturgia, pastoral da criança, pastoral missionária, pastoral
do enfermo, pastoral dos encarcerados e outras).
7) Os movimentos de vida apostólica.
8) Os movimentos leigos (as antigas ordens terceiras) das
congregações religiosas.
9) As comissões especiais criadas pelo bispo ou pelo padre
responsável. Essas comissões devem discutir e, se possível, procurar
resolver algum problema da Igreja a nível local, como, por exemplo, a
imigração, a fome, a prostituição, o desemprego e outros.
10) As diversas atividades de evangelização e de liturgia da
Igreja. Sejam essas atividades no nível de uma simples área de missão,
na paróquia, na (arqui)diocese ou na Igreja universal.
b) Tepedino (2004, p. 143-150) coloca a participação do fiel
leigo à nível do Brasil. E dá ênfase a dois modelos de participação.
Vale ressaltar que esses modelos são bastante recentes, sendo
resultado das experiências pastorais realizadas logo após o Concílio
Vaticano II. Estes modelos são:

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1) Conselho Nacional de Leigos (CNL) que, a partir de 2002,


passou a se chamar de Conferência Nacional do Laicato do Brasil
(CNLB), com suas respectivas seccionais, ou seja, os Conselhos
Regionais de Leigos (CRLs) que funcionam nas (arqui)dioceses.
2) Comunidades Eclesiais de Base (CBEs).
Para Tepedino (2004, p. 144) estes dois modelos de
participação do fiel leigo na Igreja, colocam juntos, os leigos e os
ministros ordenados (sejam padres, bispos ou outro ministro) com o
objetivo de trabalharem unidos, numa grande integração, para
construírem o reino de Deus.

Consierações finais

Obviamente, que os modelos apresentados tanto por Pereira


(1981) como por Tepetino (2004) são passíveis de críticas e objeções.
Entretanto, não é esse o objetivo da presente discussão. Para concluir,
ressalta-se, juntamente com Rouco (2004, p. 29), que a Igreja com a
ajuda dos leigos, poderá encontrar os caminhos e as palavras mais
pertinentes para o diálogo com a sociedade contemporânea. De um
lado, a experiência do fiel leigo tornará mais fácil a percepção dos
problemas reais e dos obstáculos particulares que encontra na
transmissão da fé em uma sociedade concreta. Do outro lado, a
presença do fiel leigo é um testemunho fundamental – não é o único,

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mas é imprescindível – de um afeto real, de um amor lúcido pela


criação e pela sociedade, que com certeza é um pressuposto
importante para que o ser humano, atualmente, aceite um diálogo
verdadeiro e se abra ao caminho da evangelização.

Referências Bibliográficas:

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BOFF, Leonardo. Igreja, carisma e poder. 3 ed. Petrópolis: Vozes,
1982. (Coleção Teologia, 21).
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Brasileira, 1991.
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Igreja. IN: Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 41, fasc. 163, 1981, p.
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ROPS, Daniel. A Igreja dos apóstolos e dos mártires. Tradução
Emérico da Gama. Lisboa: Quadrante, 1988.
ROUCO, Alfonso Carrasco. O compromisso dos leigos: entre
laicidade e laicismo. IN: Sacerdos, Ano XI - nº 53 - setembro/outubro
2004, p. 28-33.
SODANO, Cardeal Ângelo. A civilização do amor (II Parte). IN:
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TEPEDINO, Ana Maria. Autonomia e comunhão: a participação
dos/as leigos/as na Igreja. IN: Atualidade Teológica, Ano VIII, nº 17,
maio/agosto, 2004, p. 129-151.

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