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EXATIDÃO

ti
^_precisào prra os antigos cgípcios era simbolizada por
-É\
uma plnma que servia de peso num dos pratos da balança em
qlte se pesavam 2is almas. Essa pluma levíssima tinha o nome
de Maat, deusa da balança. O hieróglifo c1e Maat inclicava
igualmente a unidade cle comprimento os 33 cm clo tijolo
unitário
-
e também o tom fundamental da flauta.
-
Essas informaçÕes provêm de uma conÍêrência de Giorgio
cle Santillana sobre a precisão dos antigos no observar clos fe-
nômenos celestes, conferência que ouvi na ltâlia em 1963 e
que exerceu sobre mim profunda influência. Desde qtte aclui
cheguei, tenho pensaclo frecluentemente em Santiliana, por ter
sido ele meu cicerone em Massachusetts quando de minha
primeira visita a este país em 1960. Em lembrançzr de sua ami-
zade, abro estzr conferência sobre a exatidão na literatura invo-
cando o nome de Maat, a der-rsa da balança. T2rnto mais que
Balança é meu signo zocliacal.
Antes de mais nada, procurzrrei definir o tema. Ptra mim,
exatidão quer clizer principalmente três coisas:

1) um projeto de obra bem definido e calcr.rlaclo;


2) a evocaÇão cle imagens visuais nítidas, incisivas, memo-
r/rveis; ternos em italiano um adjetivo que não existe em inglês,
"icasticcr", do grego eltrcao:*róç;

/-)
I
I

J SEIS PROPOSTAS., .
i
axlrtoÃot

3) uma linguagem que seja a mais precisa possível como ' Gostaria de acrescentar não ser apenas a linguagem que
léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensa- me parece atingida poÍ essa pestilência. As imagens, por exem-
mento e da imaginaçào. i plo, também o foram. Vivemos sob uma chuva ininterrupta de
imagens; os media todo-poderosos não fazem outra coisa se_
Por que me vem a necessidade de defender valores que a , não transformar o mundo em imagens, multiplicando-o
numa
muitos parecerão simplesmente óbvios? Creio que meu pri- fantasmagoria de jogos de espelhos imagens que em grande
meiro impulso decorra de uma hipersensibilidade ou alergia parte são destituídas da necessidade-interna que deveria catac-
pessoal: a linguagem me parece sempre usada de modo apro- terizar toda imagem, como forma e como significado, como
ximativo, casual, descuidado, e isso me causa intolerável repú- , força de impor-se à atençà.o, como rique za de significados pos-
dio. Que náo vejam nessa reação minha um sinal de intolerân- síveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve ime-
cia para com o próximo: sinto um repírdio ainda maior quando ' diatamente como os sonhos que não deixam traÇos na memó-
I

me ouÇo a mim mesmo. Por isso procuro falar o mínimo pos- ' ria; o que não se dissolve é uma sensação de estranheza e
sível, e se prefiro escrever é que, escrevendo, posso emendar mal-estar.
,i cada frase tantas vezes quanto ache necessário para chegar, Mas taLvez a inconsistência não esteja somente na linguâ-
não digo a me sentir satisfeito com minhas palavras, mas pelo gem e nas imagens: está no próprio mundo. O vírus ataca a
menos a eliminar as razões de insatisfação de que me posso vida das pessoas e a história das nações, torna todas as histó-
dar conta. A literatura quero dizer, aquela que responde a rias informes, fortuitas, confusas, sem princípio nem fim. Meu
essas exigências
-
é aTerra Prometida em que a linguagem se mal-estar advém da petda de forma que constato na vida, à
-
torna aquilo que na verdade deveria ser. qual procuro opoÍ a única defesa que consigo imaginar: uma
As vezes me parece que uma epidemia pestilenta tenha ideia da literatura.
atingido a humatidade inteira em sua faculdade mais caracte- Posso, pois, definir também negativamente o valor que me
rística, ou seja, no uso da palavra, consistindo essa peste da proponho defender. Resta ver se com aÍgumentos igualmente
linguagem numa perda de força cognoscitiva e de imediatici- convincentes não se possa também defender a tese contrâria.
dade, como um automatismo que tendesse a nivelar a expres- Por exemplo, Giacomo Leopardi sustentava que a iinguagem
são em fórmulas mais genéricas, anônimas, abstratas, a diluir será tanto mais poética quanto maisvaga e imprecisa for.
os significados, a embotar os pontos expressivos, a extinguir (Quero observar de passagem que o italiano, tanto quanto
toda centelha que crepite no encontro das palavras com novas sei, é a única língua em que "vago" significa também gracioso,
circunstâncias. atraente; partindo do significado original (utandering), a pa!a-
Não me interessa aqui indàgar se as origens dessa epide- yta "yago" traz consigo uma ideia de movimento e mutabili-
mia devam ser pesquisadas na política, na ideologia, na unifor- dade, que se associa em italiano tanto ao incerto e ao indefi-
midade burocrática, na homogeneizaçào dos mass-meclia ot nido quanto à graça e ao agradâvel.)
na difusão acadêmica de uma cultura média. O que me inte- Para pôr à prova meu culto à exatidão, quero reler, mais
ressa são as possibilidades de salvaçáo. A literatura (e talvez paru mim mesmo, as passagens do Zibaldone em que Leopardi
somente a literatura) pode criar os anticorpos que coíbam a faz o elogio do "vago'1 Ouçamos Leopardi:
expansão desse flagelo linguístico.

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I SEIS PROPOSTAS.,, l:,\,1't'1t).,i() a

Le parole lontano, afitico, e simili sono poeticissime e pittceuoli, per- tttttttt'cirtttsltttt.zc .qittttgotto ttlltt tto.stttt t'tr1zl, rrclit<t t,t'. i.tt tttttltt itt-
cbé d.estano idee uaste, e ind.efiníte... (25 Settembre 1.821.). Le
parole ccrl(). ttt(.tl tli.slírtto, itrtltt'r.'fi'tÍo. itrt'otttTtlcto. o.f)ror tlcllltt't/íttrrt'io cc.
notte, notturno ec., le descrizioni clella notte sono poeticissime, per-
cbé la notte confondendo gli oggetti, I'animo non ne concepisce cbe ... lt ltrz rkrs.l .tr tl:t ILlr. r,rsle rrunt lrrglu-rlr,nck'alra st,P,sst r.ê
un'immagine uaga, indistinta., incompleta, si di essa cbe di quanto Ios ou nllt st l)()ss:l cltsc.oltrir.e lirntc Itulitros:r; trlt luglrr s()nl(,11t(,
essa. contiene. Cos) oscurità, profondo, ec. ec. (28 Settembre 1821). rir l)rrl('iltrrrrinlrclo l)()r c'sslr lrrzl ti |r'llrxo tlcsse luz. r ris r':ir-ios
clt'itos nr:rtclilris rltrr tir'llr rt'srritlurrl () 1)L,r)(,lr'1lr tlcsslr lrrz crn lrrg:Lr.t-s
As palavras "1onge", "antigo" e similares são muito poéticas e agradâ- ritlilc'cllL s('t()tltt ititctllt t irrpt'cliclu. ('t)llll se ltosslr clislrngrri 1e.
veis porque despertam ideias vastas e indefinidas... [...] As palawas cllttltl:ttl-ltvts clt'ttrtt clttt:rviltl. trrrlt llorcstlr. ul)x 1)()t-t1l tlc rtr:rntllr
"noite", "noturno" etc. e âs descrições da noite são muito poéticas por- t'tlltt'ltllcl'(lt c1(. ('1c.: lr tlitlt ltrz vistlr rrtnr llrutrlotr soltrc rrnt oltjclo
que a noite, confundindo os objetos, só peÍmite ao espírito conceber tt(. elll clrtc'clll tllto ctttrt ntrr iltr'icl:r clircllunc'rrtc. nllls (lLlt, lrí srrlj:r
uma imagem vaga, indistinta; incompleta, tanto delâ qlrânto das coisas clrlirslr oLr rcblrtirl:r. rinrllr ilt'otrrrrr lrr!:u otr clt,rrnr olrie,to <;uulrlLrt,r-
que ela contém. Da mesma forma "obscuridade", "proftindo" etc. ('t('. (nt rltrt,t,le st,lcnltr rel'[,tickr; nrrlt vtslílrrrkr. r'is1o rl9 r,xtt,r-i6r.
orr rk'clcnllr. otr lrincllr rtrnl:rlltcnclr.c (,1(.., 1(xl()s L'sscs lugllr(,s (,nt
As razões invocadas por Leopardi encontram perfeita ilus- tltrt'lr ltrz st'conftrnrlc'r'1(. r't(. (()nl lls sornlrllrs. torrro solr rrrn lrrir
traçáo em seus versos, o que thes confere a autoridade dos fatos tico, trnlr vlrlrnclll tlt'r':tcl:r t'1ri'nsrl. r'nt rrtcio lrrs pt,nlltscos c clcspl'
comprovados. Continuando a folhear o Zibalcíone à procura de tlltltclt'iros, ()tl Ittlr)l Iltlc. solrtc lrs co]inlis risllrs cl:t yr:rllt'c1:r sontltrlr.
outros exemplos de sua paixáo, eis que encontro uma.nota mais clt'rrriirl. lr <ltrt,r,slt,jltnt ckiLrrltrkrs.s r.irrros: () l-(,flr,\() <lrrr,1trr>tltrz.
Ionga que de hábito onde há um verdadeiro elenco de situações lror t'rt'rrpkr. Lrrtt r irlrrr iokrljtIr solrlr' os ()l)jr.t()s (,nr (lu(, st, rcllillrrrr
propícias a suscitar no espírito a sensaÇão do "indefinido": os |lrios (lU('l):r sllill:ll|ll\cs (l(,sst,nl(,sln() tirlrrrl torkrs (,sscs ()l)j(,t()s.
('nr sLInlr. (lr.rL' l)()r' rliVt'rslrs t ir.Cttnstint ilts nllrl(.r-i:ris c ínlirtLrs st,
... la luce del sole o d.ella luna, ueduta in luogo clou'essi non si ue- lrl)l('sLnlillll lr rrosslr tisl]. Ottt'itkt clt. clt'rtLrnt,if:l in((,flll. irrrlrt,r.li'it:r,
dano e non si scopra la sorgente della luce; un lwogo.solamente in ilt'ontltlcl:r otr lirlll tlo orrlinlu.io clr..
parte illuminato da essa luce; il riJlesso di cleaa luce, e i uari effetti
mate4ali cbe ne deriuano; il penetrare di detta luce in luogbi dou'ella Iiis. rlLrc L..ytlrrcli .xigc clc ..s prrnr 1t.cler,t.s.1tr-c,ci.t-rr
dioenga incerta e impedita, e non bene si d.istingua, come attrauerso lrc'lczl clo r''ago c clo inclt'lcrnrinll(l()l I):rllr sc lll(.lncllr':r inryrlt'
un canneto, in una selua, per li balconi soccbiusi ec. ec.; la detta luce I t'islO clc'.scjrrrlrt, é nc'tcssliriO lr 1rtclr('lr() cxt|cnllrllrcntt'1r|t,t.islr C
ued.uta in luogo, oggetto ec. dou'ella uenga. a battere; in un anclito nreti(ul()sll clrrc t'le lrl)li(l nil c'onr1-rosiç'ri«r clc c'lrcllr irrrlrgt'rn. nlr
ued.uto al di d.entro o al clifuori, e in una loggia parimente ec. quei clrrfinic llo nrinLr('i()sa clos clctullres. nrr escollrlr clr>s olrjt,1.s. clrr
luogbi doue la luce si confonde ec. ec. colle ombre, come sotto un ilLtnrinacllo. cllr:rtrnoslclrL. Âssin'r [.coplrrcli. (lr.lc cu lrrn,ilr csr.<r
portico, in una loggia eleuata e pensile, fra le rupi e i burroni, in una lhiclo ionro ('()nlmclit()r' iclc'll clc nrinllr lrlrologilr rl:r t,xrrliilrlo.
ualle, sui colli ueduti dalla parte dell'ombra, in mod.o cbe ne sieno ltcltblt sc rcvcllrnrlo Llnrll tcstcrllunltlt clccisi\'11 1l nr('u lrrvor'... ()
ind.orate le cime; il riflesso cbe produce, per ese?npio, un uetro colo-
1>octlr clo r,'lrgo s<i lrorlr scl'() lx)r't1r cla pr.ccisào, rltrc slrlrr'c.o-
rdto su quegli oggetti sw cui si riÍlettono i raggi che passdno per detto Ilrcr-rt scr-rslrc'ào nuris sulil c'onr olhos. orrvitlos c nrlros l)r()nt()s
üetro; tutti quegli oggetti insommd. che per diuerse materiali e nte- (] s(fgllr().s. \irrltt lt llcn:t continullr l('n(l() ('st1l n()tll cl<> Zibu.lrlottt,

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a .\tit.\' l)R( )t)().\'7:.1.\. . .
EXATIDÃO.

ltlé o Ílrnl u pr()cr.rm clo inclctclrnineclo sc transfirrnur crn olrscr'- Essa mesma htz é cheia de atrativo e sentimentalismo quando vista
vu('u«r cla urultil>liciclucle . ckr fcrr,illiar. rlu prrlr,-cnriênc.ia... nas cidades, onde se apresenta retalhada pelas sombras, onde a
escuridão conúasta em muitos lugares com o claro, onde a luz em
à píaceuolissima e sentintentalissima la
luce ueduta nelle città,
stessa muitas pârtes se degrada pouco a pouco, como sobre os telhados,
d.ou'ella à frastagliata dalle ombre, doue lo scuro contrasta in tnolti onde alguns lugares recônditos ocultam a vista do astro luminoso
luogbi col cbiaro, doue la luce in molte parti clegrada appoco ap- etc. etc. A esse prazer contribuem avariedade, a incefieza, o não se
poco, come sui tetti, d.oue rslcwni luoghi ríposti nascondono la uista ver tudo, e poder-se no entanto dar uma latitude à imaginação com
dell'astro luminoso ec. ec. A questo piacere contribuisce la uarietà, respeito àquilo que não se vê. Da mesma forma refiro_me aos efei_
I'incertezza, il non uecler tutto, e il potersi perciõ spaziare coll'imma- tos similares que produzem as árvores, os alinhamentos, as colinas,
tilff
ginazione, riguarolo a ciõ cbe non si uede. Similmente dico dei siruili os parreirais, as choupanas, as palhoças, as desigualdades do solo
eÍíetti, cbeproducono glí alberi, ifilari, i colli, ipergolati, i casolari, etc. no campo. Inversamente, uma vasta planura uniforme, em que
pagliai, le ineguaglianze d.el suolo ec. nelle camp(ngne. per lo con-
i a luz se espraia e difunde sem variedades ou obstáculos, onde a
trario una ua.sta e tutÍa uguale pianurí4 doue la luce si spazi e dif_ vista se perde etc. é igualmente agradabilíssima, pela ideia de ex_
fonda senza diuersità, né ostacolo; doue I'occhio si perda ec. à pure tensão indefinida que tal vlsta proporciona. Da mesma forma, um
pi{,tceuolissima, per I'idea indefinita in estensione, cbe deriua de tal céu sem nuvens. A esse propósito observo que o prâzer da varie_
ueclutct. Cosi un cielo senza nuuolo. Nel qwal proposito osseruo.cbe il dade e da itcerteza prevalece sobre o da aparente infinitude e o da
piacere della uarietà e clell'incertezza preuale a quello cteil,appa_ imensa uniformidade. Daí que um céu variadamente esparso de
rente inÍinità, e dell'immensa uni,formità. E quinrli un cielo uaria- pequenas nuvens será talvez mais agradável de se ver que um céu
mente sparso di nuuoletti, à forse pià piaceuole di un cielo alfatto completamente limpo; e a vista do céu terá talvez menos encanto
puro; e la uistlt del cielo à forse meno piaceuole di quella della terra, que a da terra, do campo etc. porquanto menos variada (e também
e delle compagne ec. perché meno uaria (ecl ancbe rneno simile a menos semelhante a nós, menos íntima, menos ligada às nossas
noi, meno propria di noi, meno ótppctrtenente alle cose nostre ec.). coisas etc.). Na verdade, se vos estirardes de costas de modo a que
InÍatÍi, poneteui supino in modo cbe uoi non ued.iate se noh il cielo, não possais ver senão o céu, separado da terra, provareis uma sen_
sep,traÍo dalla terra, uoí prouereÍe una sensazione molto meno piót_ sação muito menos agradável do que se estivésseis contemplândo
ceuole che considerand,o unít. campagna, o consiclerando il cielo um campo, ou considerando o céu em sua correspondência e rela_
nella sua corcispondenza e relazione colla tena, ecl wnitamente ad ção com a teÍrà; e a ela unido num mesmo ponto de vista.
essa in un punto di uistd.
medesimo Cheia de encanto igualmente, pela razáo sr_rpradita, é a vista
à piaceuolissim(tr ancorct, per le sopradclette cagioni, la uista di qt-re se tem de uma profi;são inumerável, de estrelas, por exemplo,
una moltitudine innumerabile, come delle stelle, o cli persone ec. un ou de pessoas etc., agitadas num movimento variado, incerto, con_
moto moltiplice, incerto, confuso, iregoletre, disordinato, un ondeg_ fuso, irregular, desordenado, uma ondulação vaga etc. que o espírito
giamento u6tgo ec., cbe l'animo non possc cleterminare, né concepire não pode determinar nem conceber de maneira clistinta ou definicla
clefinitamente e distintamente ec., come quello di unafolla, o tli un etc., como o de uma multidão, ou de um formigueiro, ou de um mar
gran numero diformicbe o d,el mare agit;tto ec. Similmente una mol_ agitado etc. Da mesma forma, uma profusão de sons irregularmente
titudine di suoni irregolarmente mescolati, e non clistinguibili |uno combinados e não distinguíveis uns dos outros etc. etc. etc.
dell'altro ec. ec. ec. (20 SemembÍe 1821).

79
ÍixATU)À()a
. SEIS PROPOSTAS..,

Tocamos aqui em um dos núc1eos da poética de Leopardi'


o de L'infinito, um de seus mais belos e famosos poemas'
Protegiclo por uma sebe que não deixa ver senão o céu' o
Exatidão e indeterminaçáo são igualmente os polos entre
poeta sente ao mesmo tempo medo e ptazÜ ao imaginar-se os quais oscilam as conjecturas filosófico-irônicas de Ulrich, no
nos espaÇos infinitos. O poema está datado de 1819; as notas imenso e mesmo assim inacabado romance de Robert Musil,
Der Mann ohne Eigenscbaften [O homem sem qualidades]:
do Zibaldone que acabei cle ler foram escritas dois anos mais
tarde e provam que Leopardi continuava refletindo sobre os
... nun d.as beobacbtete Element die Exaktbeit selbst' bebt man es
problemas que a composição de L'infinit(t havia suscitado Ist
beraus und lasst es sicb entaickeln, betracbtet man es als Denkge-
nele. Em suas reflexões, dOiS termos aparecem continuamente
wobnbeit wncí Lebensbaltung und ltisst es seine beispielgebende
postos em confronÍo: inclefiniclo e inÍinitct. Para um hedonista
Kraft auf alles awsutirken, zDas mit ibm in Berübrung kommt, so
infeliz, como eta Leopardi, o desconhecido é sempre mais
wirtl man zu einem Menscben gefúbrt, in d.em eine parad'oxe Ver-
atraente que o conhecido; só a esperanÇa e a imaginação po-
bind.wng uon Genauigkeit und tlnbestimmtbeit stattfindet' Er besitzt
dem servir de consolo às dores e desilusões da experiência' O
jene unbestecbliche gewollte Kaltblütigkert, clie das Temperament der
homem então projeta seu deselo no infinito, e encontra prazer
Exaktbeit clarsl:ellt; über diese Eigens-chaft hinaus ist aber alles am
apenas quando pode imagináJo sem fim' Mas como o esOírit1
conceber o infinito, e até mesmo se re- dere wnbestimmt. (cap. 67)
humano e incapaz oe
é lncepaz de con
t1.1li Ltsl)lntuclo cliuntc clu sinlllles iclcilt, tllto llte rcstlt
sctti<l
'contentar-se com o indefinido, com as sensações que, mes- ... Se o elemento observado for a própria exatidão, se o isolarmos e o
dekarmos desenvolver, se o considerarmos como um hábito do pen-
clando-se umas às outras, criam uma impressão de ilimitado,
samento e uma atitude de vida, e permitirmos qlle slla força exem-
ilusória mas sem dúvicla agradâvel. "E il naufragar m'à doice ín
plar aja sobre tudo o que entra em contato com ele, cheç4aremos en-
questo mare" ["E doce é nattfragar-me nesse mal'1" náo é ape-
tão a um homem no qual se opera uma aliança paradoxal de precisão
nas no célebre verso final de L'infinito que a doçura prevalece
e indeterminação. Ele possuirá esse sangue frio delíberado, incorrup-
sobre o espanto, pois o que os Yersos transmitem attavés da
tíve1, que é o próprio sentimento da exatidão; mas, afora tal quali-
música clas palavras é sempre um sentimento de doçura,
dade, todo o resto será indeterminado.
mesmo quando descrevem uma experiência angustiosa'
Ocorre-me estar explicando Leopardi apenas em termos
de sensações, como se aceitasse a imagem que ele pretende O ponto em que Musil mais se aproxima de uma proposta
dar cle si mesmo: a de um sensualista do século xuII Na Yer- de solução é quando recorda a existência de "problemas mate-
máticos que não admitem uma solução geral, mas antes soluções
dade o problema que Leopardi enfrenta é especulativo e meta-
particulares que, combinadas, se aproximam da solução geral"
físico, um problema que domina a história da filosofia desde
(cap. 83), e admite que tal método poderia ser aplicado à vida
Parmênides a Descartes e Kant: a telaçáo entre a ideia de infi-
nito como espaÇo absoluto e tempo absoluto, e a nossa cogni- humana. Muitos anos mais tarde, outro escritor em cuja mente
parte, pois, do coabitavam o demônio da exatidão e o da sensibilidade, Roland
ção empírica do espaço e do tempo. Leopardi
rigor abstrato cle uma ideia matemática de espaço e de tempo Barthes, indagaria sobre a possibilidade de concebermos uma
ciência do único e do irrepetível (La cbambre clairé): "Pourquoi
e a confronta com o indefinido e vago flutuar das sensações'
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a .\i t : I.\' PROP( ).\'t',;1.1. . .

EXATIDÃOI

n'y alrruit-il pas. en (llrclqlrc s()rtc, rlnc sciel-]cc rl()Ll\.ellc par ol)-
se ilumina... É muito estranho. De repente, vejo em mim... distingo a
jet!' trrre ,l,ktlbesis sirt,gttk,tris (ct n<;r-i y>lus ttrtiuersrzll.s)?,,[Por r|.re
profundidade de certas camadas da minha carne; identifico as zonas
nlio havcria, cle- ccrtzr firln.ur, Lrnru ciência n()\/a parr cacla objeto?
dolorosas, os círculos, os polos, os nódulos de dor. Estão vendo es-
Lllnlr Mathesis sírt.qr.tlctt is (c t-uio nt.rrs tutir.rtrsalis?)1.
sas figuras vivas? essa geometria do meu sofrimento? Há reiâmpagos
sc tllricir I.g. sc lrx)strll rcsignuckr cliantc clas clerr.tas que parecem de fato ideias. Permitem compreender, daqui, até
l)ara :ls cyr-rais seu am<tr I't exaticlt-ro nccessuLi.rrrtrnt(,o err.estlL, iír
-
ali... E no entanto me deixam incerto.Incerto não é bem a palavra...
()utr() grencle 1>ersonagerr-r intelcctrral cle nossa époc:..r, ,l[ctrt-
Quando a coisa estâ para vir, sinto em mim algo de confuso e difuso.
siatrr'lbste. cle l)atrl Valéry, nl-ro tenr chiviclas (lLrant() ai> futo cle
Criam-se no meu ser certos 1ocais... sombrios, há certas extensões
cluc O espírito irrrrl}ano se lx)ssír realizlrr clrr fi»-nra muis e.xata e
que se delineiam. Então extraio da memória alguma indagação, um
rig<>rosa possír,el. E sc Lcoparcli, pocta cla cl<l-clo viver. clli pro_
problema qualquer... e nele me aprofundo. Conto grãos de areia...
vus clA rnlixinrr cxaticla<.r clrrencl<> clcsignu as scr-rsuc<'jes inclefini-
tantos quanto consigo... Mas a dor que aLlmenta exige toda a mi-
clas clrrc (allsam Í)rxzer, valéry, poeta cl«r rigor irnpassír,cl clu -
nha atenção. Concentro-me! Fico só à espera do gemido... e, logo
mcrntc, clli provas cla n-rírxi[ra eraticlu<> colocanclo scrl pcrs()na- -
que o ol1ço o objeto, o terrível objeto, toff\afido-se menor cada
genr clianle cla clr>r e lirzcnclo o cornl;zrtr-r' o s<ifrin.rcr-rt<; l,ísic<r -
vez mais, aca.ba por desaparecer de minha visão interior...
pol rucio cle erxcr-r.ícios clc ul>.straçuo geortrítlr.ica.
Paul Valéry é a personalidade que em nosso século me-
./ tti, clí.r'i|.... grattr.rd cltrsa../ tti... tttt dit'ii,tt' tlc sccrttrla rlrri st,
sttt.s thor definiu a poesia como tensão para a exatidào. Refiro-me
il't()1tlrc...,1tÍr,rrrlez... Il.l'tt t/t's iilstLtttls rrit ntr»t cttrps s íllttrttÍrte,. ..
principalmente à sr-ra obra de crítico e ensaísta, na qual a poé-
a i's1 /1a' ctrriLtr.r../'-y' tttis trtrrt it L'()ttp (,n ntrti....ft' tlisri.trgttt, les ytxtlittt-
tica de exatidão segue uma linha que de Mallarmé remonta a
dettrs tlt's rrtttc:/:tts dc tntl cltuir. at .fc s('ns tras zottts tlt,tlotrlçttt.. tlas
Baudelaire, e de Baudelaire a Edgar Al1an Poe.
dnncdu..\'. tlts pítlt:s. tlcs rri.gtt'ilcs tla dotrlatrr. l.it.,t7_,r,,,, c.es igtuvs
.f Em Edgar Allan Poe, no Poe visto por Baudelaire e Mallarmé,
t'etÍt,.qútntatriL'tlL: ntu sttttff)tyt.ce1 ll .1, tt tlt,c<,s tic/u.irs tltri 1,s
t'it.,t,s?
Yaléry vê "le démon de la lucidité, le génie de l'analyse et f in-
sen'th/att.t rottr ,t.fatit tr tlcs idtjt,s. Ils.litrtt c:ttrttptt,tttlt.c. d ít:i..it,rst1trc
- venteur des combinaisons les plus neuves et les plus séduisantes
là... lit TxttrrÍourt ils nr<'lrrisst,ttt inccr'luin. htt:t,rtuitt )t .r pu.\ lL' trtrt...
de la logique avec l'imagination, de la mysticité avec le calcul, le
Qtt,ttt.l cclu ru t't'nir. ft, Ít'()1il'? cil ntti tlttt'L1ttc c'hrsc tl<: cottfits ott dt psycologue de l'exception, f ingénieur littéraire qui approfondit
tlíl/irs. Il sa.làil durts ntott OÍrc tl<:s t,trtlntils...ltt.t.rnrt,tr.r-, il t,. r.1r,, Uro,,,-
1., et utilise toutes les ressources de l'art..." [o demônio daltrcidez,
tlrtt's rltrí.firttt lt'ttt'a|t/turítíort. Álors..it,ytrt,tuls dtuts ntr ltrtntçín, urtt,
o gênio da artâlise e o inventor das mais novas e sedutoras com-
(lttcslÍ()il, trtt 1ttrlilàtnc r1trt,lcottr1ttt,..
./c nt.1.'<tttfitrtt'( .fc (:ottu)r(, (l('s binações dalógica com a rmaginaçáo, do misticismo com o cál-
gtrtirts tlc suhlc... t,t. tLutt qLte j( /r,.s r.,(,À... ,lÍu tkttrlt,t u.,qrrr.ssi.xairl<, culo, o psicólogo da exceção, o engenheiro liqerário que apro-
-
ttt<,.fitrc<: it lltbst,nvr. trtartx,.r -le n dlt(,u(ls t1ttt, ttt.rttt r.r.i.. ...t,1 rlàs
./'.1,
- funda e :;.tíIiza todos os recursos da arte...).
tltrc le l'ui <'trtt,tttlrt /'.lrjc.t. le tL,n'iltla t,,,1tt. tlcr?rrunt pltL\ fx,tít. (t
- Assim se exprime Valéry no ensaio Situation d.e Baud.e-
t,t t tt trt' f I t s f ttt i t. sc t llx tl.x, à tt t t t,t tt, i t r lt; rit,t u t,...
t r
laire, que tem para mim o valor de um manifesto poético,
juntamente com outro ensaio seu sobre Poe e a cosmogonia, a
(JLrc sinl.i tlissc r'r:rrlu c1c g'r'r,. Si.t.... rrrnr <lt1c.irrr. clr st, propósito de Eureka.
- -
gtrntlo urtr:t prcscn('1r... I,ispcr:t lrí... I Ili insLlrntc,s crll (11(, 11(,il (.()rl)()
Em seu ensaio sobre Eureka, de Poe, Yaléry interroga-se

ô)
I SEI,' I'ROPOS'IAS- .. EXATIDÃOA

sobre a cosmogonia, gênero literário mais que especulaq:ão que não sei como resolver e qLIe tipo de coisa eles me levarão
cientílica, e reali'za uma brilhante reftrtação da ideia do uni- a escrever... Às vezes procuro concentrar-me na história que
verso, que é igualmente urna reafirmação da fbrça mítica que gostaria de escrever e me dou conta de que aquilo que me inte-
toda irnagem clo universo traz em si. Também há zrqui, cornc> ressa é uma outra coisa diferente, ou seia, não uma coisa deter-
em Leopardi, a atração e repulsão pelo infinito... Também há minada mas tudo o que fica excluído daquilo que deveria es-
* aqui as conjecturas cosmológicas promovidas a um gênero li- crever: a relaçào entre esse argumento determinado e todas as
F-
suas variantes e alternativas possíveis, todos os acontecimentos
&tp terário,
qr-re Leopar-cli se clivertla a praticar em certos ensaios
"apócrifos" como o Frammento apocrifo di Strc.ttctne da Lamp- que o tempo e o espaÇo possam conter. E uma obsessão devo-
farrp saco ("}-ragmento apócrito c1e Estr/rtão de Lampszrco"), sobre a rante, destruidora, suficiente para me bloquear.Para combatê-la,
,§X'l$ origem e principalmente sobre o fim clo globo terrestre, que, procuro limitar o campo do que pretendo dizer, depois dividi-lo
P6tfrS clepois cle se achatar e csyazier-sc como o anel de Saturno, em campos ainda mais limitados, depois subdividir também es-
4 .r"1x4.1- percle-se no espaÇo e vai incencliar-se no Sol; oll no apócrifo tes, e assim por diante. Uma outra vertigem então se apodera
,m"4 talmúdiccr, o Cctnticct del gallct siluesh'e, em quc o universc., in de mim, a do detalhe do detalhe do detalhe, veio-me ttagado
teiro se extingue e desaparece: "tln silenzio nuclo, e una qr-riete pelo infinitesimal, pelo infinitamente mínimo, como antes me
altissima, empieranno Io spazio immenso. Cosi qlresto arcano dispersava no infinitamente Yasto.
'',, r

n-rirabile e spaventoso dell'esistenza universale, lnnanzi di es- A afirmação cle Flaubert, "Le bon Dieu est dans le détail",
sere dichiarato né inteso, si clilcguerà e perderassi" [Um silên- eu poderia explicar à luz da filosofia de Giordano Bruno,
cio nu e a paz mais profuncla encherão o espaÇo imenso. E grande cosmólogo visionário, que vê o universo como sendo
assim, o admirável e terrificante ercano da cxistência universal, infinito e composto de inumeráveis mundos, embora não
longe cle ser n'ranifêsto e cumprido, se clesvanecerá e perder- possa afirmar que ele seja "totalmente infinito" porque cada
-se-á1. Donde se vê que o terrificante e inconccbível se aplicarn um cleles é em si fintto; iá. "totalmente infinito" é Deus, "porque
não ao vácuo infinito, mas à existência universal. está totalmcnte presente no mundo inteiro. e inlinita e tofal-
mente em cada uma de suas Partes".
Entre os livros italianos destes últimos anos, o que mais
Esta confêrência não se deixa conduzir na direção que me li, reli e sobre o qual mais meditei foi a Breue storia cíell'infinito,
havia proposto. Eu me propunha falar da exatidão, não do infi- de Paolo Zellini (Adelphi, Milão, 1980), que abre com a fa-
nito e do cosmo. Queria thes falar de minha predileção pelas mosa invectiva de Borges contra o infinito, "conceito que cor-
fblmas geométlicns, pclas sirnctrias, pclas sóries, pcla aná1ise rompe e altera todos os demais", e prossegue passando em
combirratória, pelas proporções nr:méricas, explicar meus escri- revista toclas as argumentaÇÕes sobre o tcma, para chegar fi-
tos em função cle minha fidelidaclc a Llma icleia cle limite, de nalmente a uma inversão do infinito, cttja extensão se dissolve
I
mecliclzr... Mas qucm sabc não será precisamente essa ideia * na clensidacle do infinitesimal.
de limite que srrscita a ideia das coisas que não têm fim, como Essc liame entre as escolhas fbnnais cla composiÇào literá-
zr sucessão dos númcros inteiros oLr as retas euclidianas'/... Em ria e ur necessidaclc cle utl moclelo cosmológlco (ou, antes, de
vez de lhes contar como escrevi aquilc> que escrevi, talvez fbsse um quaclro mitológicct geral), creio que se encontrzl presente
mais interessante falar clos prolrlelras qlle aincla não resolvi mesmo nos aLttores qttc não o cleclzrram explicitamente O gosto

81 ,95
. SEIS PROPOSTAS,,,
nxernÃot

da composição geometrizante, de que podemos traçar uma his_


dos seres vivos são "de um lado o cristal (imagem de invariân-
tória na literatura mundial a partir de Mallarmé, tem como fundo
cia e de regularidade clas estruturas específicas), e de outro a
a oposição ordem-desordem, fundamental na ciência contem_
cbama (imagem cla constância de uma forma global exterior,
porânea. O universo desfaz-se numa nuvem de calor, precipita_
apesar da incessante agitaÇão interna)". Extraio esta citação do
-se irremediavelmente num abismo de entropia, mas no interior
prefácio de Massimo Piattelli-Palmarint. ao livro do debate en-
desse processo irreversível poclem aparecer zonas de ordem,
tre Jean Piaget e Noam Chomsky, no Centre Royaumont (.'théo-
porções do existente que tendem para uma forma, pontos privi_
ries du language Tbeories de t'apprentissctge, Éd. du Ser,ril,
Iegiados nos quais podemos perceber um desenho, uma pers_ -
Paris, 1980). As imagens contrapostas, da chama e do cristal,
pectiva. A obra hterâria é uma dessas mínimas porções nas quais
foram usadas para visualizar as alternativas que se apresentam
o existente se cristaliza numa forma, adquire um sentido, que
à biologia, passando-se daí às teorias sobre a linguagem e so-
não é nem fixo, nem definido, nem enrijeciclo numa imobili_
bre o processo de aprendizagem.
dade mineral, mas tão vivo quanto um organismo. A poesia é a
Vamos deixar de lado, por enquanto, as implicações que
grande inimiga do acaso, embora senclo ela também fiiha do
possa haver para a fiiosofia da ciência tanto das posições de
acaso e sabendo que este em última instância ganhará a partida:
Piaget, parltdârio do princípio da "ordem do rllmor", ou seja, da
"Un coup de dés jamais n'abolira le hasarcl,, [Um lance de daclos
chama, e as de Chomsky, pafiidfuio do "seif-organizing-system",
jamais abolirâ o acasol.
ou seja, clo cristal.
É nesse quadro que se inscreve a revalorização dos pro-
O que me interessa aqui é a justaposição dessas dr,ras figu-
cessos lógico-geométrico-metafísicos que se impôs nas artes
ras, como num daqueles emblemas do século xu, de que lhes
figurativas dos primeiros decênios do século, antes de atingir a
falei na conferência anterior. Cristal e chama, dtias formas da
literatura: o cristal poderia seruir de emblema a uma constela-
beleza perfeita da qual o olhar não consegue desprender-se,
ção de poetas e escritores muito diversos entre si como paul duas maneiras de crescef no tempo, de despender a matéria
Yaléry na Ftança, §íallace Stevens nos Estados Unidos, Gott_
circunstante, dois símbolos morais, dois absolutos, duas cate-
fried Benn na Alemanha, Fernando pessea em portugal, Ra-
gorias para classificar fatos, ideias, estilos e sentimentos. Fiz
món Gómez de la Serna na Espanha, Massimo Bontempelli na
menção aindthá polrco a um partido do cristal na literatura de
Itália, Jorge Luis Borges na Argentina.
nosso século; creio que se poderia organizar iguaimente uma
O cristal, com seu facetado preciso e sua capacidade de lista dos partidários da chama. Quanto a mim, sempre me con-
refratar a 7uz, é o modelo de perfeição que sempre tive por
siderei membro do partido dos cristais, mas a página que citei
emblema, e essa predileção se torna ainda mais significativa
não me permite esquecer o valor da chama enquanto modo de
quando se sabe que certas propriedacles cla formação e do
ser, forma de existência. Assim também gostaria qtie todos os
crescimento dos cristais se assemelham às dos seres biológicos
que se consideram sequazes da chama não perdessem de vista
mais elementares, constituindo quase Llma ponte entre o
a serena e difícil 1ição dos cristais.
mundo mineral e a matéria viva.
Outro símbolo, ainda mais complexo, que me permitiu
Num desses livros científicos em qlle costumo meter o
maiores possibilidades de exprimir a tensão entre racionali-
nariz à procura de estímulos para a imaginaçào, aconteceu_me
dade geométrica e emaranhado clas existências humanas, foi o
ler recentemente que os modelos paru o processo de formação
da cidade. Se meu livro Le città inuisibili conÍinta sendo para

B6
f SEIS PROPOSTAS,-.
EXATIDÀO'

mim aquele em que penso haver dito mais coisas, serâ talvez
nodo appena accennato: un6. gemma tentõ cli spuntctre in um giorno
porqlle tenha conseguido concentÍar em um único símbolo
di primauera precoce, tna l.a brina clella notte l'obbligõ a desistere
todas as minhas reflexÕes, experiências e conjecturas; e tam- -.
IlGran Kan non s'era.fin'allora reso conto cbe lo straniero sapesse
bém porque consegui construir uma estrutura facetada em
esprimersiflx,Lentenxente nella sua lingua, ma non era questo ít stu-
que cada texto cltrto está próximo dos or:tros numa slrces.Jào que
pirlo Ecco un poro pià grosso: íorse à stato il niclo d'una larua;
não implica Llma consequencialidade ou uma hierarquia, mas -
non d'tLn tarlo, percbé appena nato aurebbe continuc]to a scauare,
uma rede dentro da qual se podem traçar múrltiplos percursos
ma. d'rm brttco cbe rosiccbiõ lefoglie efw k;t causa per cui l'alberoJu.
e extrair conclusões multíplices e ramificadas.
scelto per essere abbattuto... Questo marginefu incisct dall'ebanistct
Em Le città inuisibili cada conceito e cada valor se apresenta
cctn la sgorbia percbé aclerisse al quadrato uicino, piit sporgente...
c1úplice aÍé mesmo a exatidão. A certo momento Kublai Cã
-
personifica a tendência racionalizante, geometrizante ou algebri-
Lót qudntità di cose che sipoteuano leggere in unpezzetto di legno
líscio e üuoto somnxergeua Kublai; già Polo era uenuto a parlare dei
zante do intelecto, e recluz o conhecimento de seu império a
boscbi d'ebano, delle zattere di troncbi cbe discendono i.fiumi, degli
uma combinatória das peças c1e urn tabuleiro cle xadrez; as cicla-
íipprodí, clelle donne alle fínestre...
des que Marco Polo lhe descreve com grancle abr_rnclância cle
detalhes são representadas por ele como tal ou qual clisposição
... O Grão Cã procurava concentrar-se no iogo, mas egora era o
clas torres, bisp<ts, cavalos, rei, rainha, peões sobre as casas bran-
porqr-rê do jogo que ll-re escapava. O fim de cada partida era a vitó-
cas e pretas. A conclusão final a qlte o leva essa operaçào é qrre
ria ou a derrota, mas de quê? Qual era a verdadeira aposta? Ao xe-
o objeto de suas conquistas não é outro senão o quadraclo de
que-mate, sob os pés do rei arrebatado pelas mãos do venceclor,
madeira sobre o qual cada peÇa repollsa: Llm emblema clo nacla...
restava o nada: r-rm quadrado branco ou preto. À força de desincor-
Mas nesse momento ocorre um lance teatral: Marco polo convida
porar suas conqliistas paru red:uzi-las à essência, Kublai havia che-
o Grão Cã a observar melhor aquilo que the perece o nacla:
gado à operação extrema: a conquista definitiva, da qual os tesou-
ros multiformes do impér'io não passavam de invólucros ih-rsórios,
...11Gran Ka,n cercaua cJ'imntedesim,arsi nel gioco; ma aríesso eru.t il
reduzia-se a uma peÇa de madeira torneadâ.
[.terché clel giocct a sfúggirgli. Il .fine r]'ogni partiÍd à una uincita o
Então Marco Polo ciisse: Vosso tabr.rleiro, Majestade, é um con-
una perditd; rna di cctsL? Qu.ctl era la uera posta.? Allo scacco matto, -
junto de incrustações de duas macleiras: borclo e ébano. A casa so
sotto il pierle del re sbalzottct uia clalla mano riel L)incitore. res[a il
bre a qual o vosso olhar iluminado se fixa foi retalhada de uma ca-
nulla: urt quadrato nero o bianco. AJbrza rli scorpctrare le sue con_
mada de tronco qLle se formou nLlm ano de estiagem: vedes como
per riclurle all'essenza, Rublai era ctrrirtato all,ctperazictne
qu.íste
as fibras se dispõem? Percebe-se aqui um nó apenas esboÇado: um
estrema: la conquístct, clelinitiua, di cui i mwltfôrmi tesc.trí clell'im
rebento qlle tentoLr brotar num dia de precoce primavera, rras l
pero non erano cbe inuolucr,i illusori, si rích,Lceua a un tassello rJi
geada noturna o obriS;ou a deslstir O Grão Cã não se dera conta
legno pialldto. -.
até então de como o estrangeiro se exprimia fluentemente em sLra
- Ia tua scacchíera, sire, à un intarsio
Alktra Marco Polo pailõ;
1íngua, mas não era propriamente c11sso que se admirava. Eis
di dtte legni. ebano e acero. Il tassello su,l qu,ale si .físsa il tuct sguarclo -
aqui um poro mais grosso: talvez tenha sido o ninho de uma larva;
illuminato .lu taglic,ttc,t in uno strato
clel troncct che crebbe in rtrt
não de um camncho, pois assim que nascesse teria continuado a
r,tnno cli siccità; uecli come si dispongono le./i,bre? e.ui si scorge un
escaval', mas de uma lagarta que roeu as folhas e deu causa a que

,99
I J7r,ç 1')1i( )/')(),17;'1,s. EXATIDÃOI

csc()lh(.sse11 cssll Ír\,()1'c pllfll xl)xtê llt... Ilstlt lrolcle:ttltri liri trrlhlrtle nestes úrltimos anos tenho alternado meus exercícios sobre a
pekr clteniste cont r g<.)jvlt clt tttoclo lt tltelhot- ltjttstltr se 1lo (lLlll- estrutura do conto com o exercício de descrições, esta arte
rlrtckr scgttit'ttc. llltis selicnte... hoje em dia tào negligenciada. Como um escolar que tivesse
A (lLtlrnti(lll(le clc t:oisls ([tle Sc lroclilttr] ]tt'nLttlt rctelllo tle lltlt por tema de redação "Descrever wa girafa" ou "Descrever
rleira lis<t c vlrzio abisrnavl Kubluit c já Nllrltrr I)olo csll|n'lt e lltlltr cllts um céu estrelado", apliquei-me em encher um caderno com
n)lrtas clc élrano. cl:rs ltelsas rlc ttrrnc«rs tltlt cltscilttrl os tios. clos esse tipo de exercícios, deles extraindo depois a matéria de
clesertrltarceclotttos, tlts tllr-tlhtlres nlts j:ttlt-l:ts' um livro. Esse livro se chama Palomar, e saiu agora tradüzido
em inglês; é uma espécie de diário sobre os problemas do
A partir cl() lll()mcnt() Llll) (lllc cscrcvi clste pílgiÍllt pcrccbi conhecimento minimalístico, sendas que permitem estabele-
Claruntclttc clltc lltitlha httsca cllt Cx2tticlilo se llifttrcava elll ClLtaS cer relações com o mundo, gratificaÇões e frustraÇões no uso
clircÇ-Õcs. I)c lrnt laclo. a recllrç.i() clcts acontec'itllct-ttos c()ntin- da palavra e do silêncio.
gentcs a csqLlclllas el)stfat()S (llle l)L'flllitisscrlll () círlcltlo e a Ao explorar essa via, senti-me muito próximo da experiên-
(lcpr()nstra(.ir9 rlc te()l'ctlltes; cl() ()Lltll(), () csfi)rç() clas paleyras cia dos poetas; penso em síilliam Carlos Williams descrevendo
11rr.a cllt.c()nta. c()11 1l ltai6r
prccis-19 prlssívcl, cirl lts;rcctg setr- tão minuciosamente as folhas do ciclâmen, o que faz com que
sívt'l clas coisas. a flor tome forma e desabroche nas páginas em que a descreve,
Na verclade, minha escrita sempre se clefrontou coln dllas conseguindo dar à poesia a mesma leveza da planta; penso em
estraclas clivergentes que correspondem a dois tipos diversos de Marianne Moore, que ao clefinir seus pangolins, seus náutilos e
conhecimento: uma ql-le se move no espaço mental de uma ra- todos os outros animais de seu bestiário pessoal, alia a terrnino-
cionaliclade clesincorporac'la, em que se podem traçar linhas que logia científica dos livros de zoologia aos significados alegóri-
coniugam pontos, projeções, formas ebstratas, vetores de forças; cos e simbólicos, o que faz de cada um de seus poemas uma
outra que se move nLlm espaÇo repleto de obietos e busca criar fábula moral; e penso em Eugenio Montale que, pode-se dizer,
um equivalente verbal daquele espaÇo enchendo a pílgina com efetuou a síntese de ambos em seu poema L'anguilla [A en-
palavras, num esforÇo de adequação minuciosa do escrito com o guia], poema composto de uma única e longuíssima frase que
não escrito, cla totalidade clo clizível com o não dizível. são duas tem a forma de uma enguia, como que acompanhando a vida
pulsões clistintas no sentido da exatidão que jamais alcançam a da enguia e fazendo dela um símbolo moral.
satislaÇão absoluta: em primeiro lugar, porqr-re as línguas naturais Mas penso sobretudo em Francis Ponge, que com seus pe-
dizem sempre algo mais em relação às linguagens formalizadas, quenos poemas em prosa criou um gênero único na llteraítra
comportam sempre uma qttantidade de rumor qLle perturbe a contemporânea: exatamente o "caderno de exercícios,, de um
essencialiclacle cla informação; em segundo, porqlte ao se dar escolar que comeÇa a exeÍcitar-se dispondo suas palavras sobre
conta da densidade e da continuidade do munclo que nos ro- a extensão dos aspectos do mundo e consegue exprimllos após
cleia, a linguagem se revela lacunosa, fragmentária, diz sempre uma série de tentativas, rascunhos, aproximaÇões. ponge é para
algo menos com respeito à totaliclade do experimentável' mim um mestre sem igual porque os textos cultos de Le parti
Oscilanclo continuamente entre esses clois ceminhos, pris des cboses e de outras coletâneas suas orientadas na mesma
quando sinto haver exploraclo ao máximo as possibilidades direção, falem eles da creueÍte, do galet ou do sauon. represen-
cle um deles, logo me atiro ao outro e vice-versa. Assim é que tam o melhor exemplo de um poeta que se bate com a lingua-

90 91
tx,gnÃot

sível, à coisa ausente, à coisa desejacla ou temicla, como Llma


gem pera transformá-la na linguagem das coisas, que pafie das
frágil passarela improvisada sobre o abismo.
coisas e retofna a nÓs ffazendo consigo toda a carga humana que
Por isso o jllsto empreÉlo da linguagem é, para mim,
nelas havíamos investido. A intenção declarada de Francis Ponge
aquele que permite o aproximar-se clas coisas (presentes ou
foi a cle compof, por meio c1e seus textos curtos e cle suas varian-
ausentes) corn discrição, atenção e cauteia, respeitando o que
tes elaboraclas, um novo De natura rerum; creio que podemos
as coisas (presentes ou ausentes) comunicem sem o rccursc)
reconhecer nele o Lucrécio de nosso tempo, que reconstfói a fisi-
das palrvras.
ciclacle do mundo por meio da impalpável poeira das palavras.
, Entenclo que a experiência de Ponge deva ser posta no
mesmo nível da cle Mallarmé, embora numa direção divergente
O exemplo mais significativo de r-rm combate com a lín-
e complementar: em Mallarmé a palavra atinge o máximo de
gua nessa perseguição de algo que escapa à expressão é Leo-
exatidão tocanclo o extfemo da abstração e apontanclo o nada
nardo da Vinci: os códices de Leonardo são um documento
como substância última do mundo; em Ponge o mundo tem a
extraordinário de uma batalha com a língua, uma língua hís-
forma das coisas mais humildes, contingentes e assimétricas, e
pida e nodosa, a procura da expressão mais rica, mais sutil e
a palavra é o meio cle clar conta da variedade infinita dessas
precisa. As várias fases do tratamento c1e uma ideia, que Fran-
formas irregulares e minuciosamente complexas' Há quem
cis Ponge acaba pr-rblicando uma em seguida a outra pois
achequeapa|awasejaomeiodeseatingirasubstânciado -
que a obra vercladeira consiste não em slla forma definitiva
munclo, a sub.stância útltima, única, absoluta; a palavre, mais
mas na série de aproximaçÕes para atingi-la são para o Leo-
do que representaf essa substância, chega mesmo a identificar- -
nardo escritor a prova do investimento de força que ele punha
-se com ela (logo, é incorreto dizer que a palavta é um meio):
na escrita como instrumento cognitivo, e do fato que de
hâapalavraquesóconheceasiinesma,enenhumoutroCo- -
nhecimentodomundoépossível.Há,noentanto,pessoas
todos os iivros a que se propunha escrever
-
lhe interessava
mais o pÍocesso de pesquisa que a realizaçtro de um texto a
.t
paraquelnousodapa|avraéumaincessanteperseguiçãodas
publicar. Até mesmo os temas são às vezes semelhantes aos de sfrâ{1"
coisas, uma aproximação, não de sua substância, mas de sua
Ponge, como na série de fábulas curtas que Leonardo consagra
infinita variedade, um roÇaf de sua superfície multiforme e ine- ?rao(e
a ohjetos ou animais.
xaurível. como clizia Hofmannsthal: "A profundidade está &6'sr
Tomemos por exemplo a fábula do fogo. Após um breve ?rít*i
esconclida. Oncle? Na superfície"' E' §Tittgenstein foi ainda além
resumo (o fogo, ofendido porque a água, na panela, está colo-
de Hofmannsthal qr,rando afirmava: "o que está oculto não nos
cada acima dele que é, no entanto, o "elemento superior", co-
intefessa".
meça a erguer cadavez mais aito as sllas chamas, até provocar
Não serei tão drástico: penso que estamos sempre no en-
a ebulição da âgua que, transbordando da panela, o extinÉIlre),
calçodealgumacoisaocultaoupelomenosPotencialotrhipo-
Leonarclo desenvolve o assunto em três versÕes sucessivas, to-
tética, cle que seguimos os traços que afloram à superfície do
das incompletas, escritas em três colunas paralelas, acrescen-
solo. creio que nossos mecanismos mentais elementares se
tando um detalhe de cada vez, descrevendo como c]e uma
fepetem através de todas as culturas da história humana, desde
pequenina brasa a chama começa a erÉluer-se em espirais por
os tempos c1o Paleolítico em ql.re nossos ancestrais se davam à
entre os interstícios da lenha até vir a crepitar e tomar corpo;
ca.Ça e à colheita. A palavra associa o traÇo visível à coisa invi-

93
92
. SEIS I'ROPOSTAS-.. tx,1t-u»i()r

mas logo Leonarclo se interrompe, como se dando conta de pi-rc ter-rham pcrtenciclr) rl LlÍr ln()n.str() marinhO llnticliluviur-ro.
que não há limite à minúcia coln que se pode contar aÍé a Ncssc p()nto suu intaginuçuo cicvia estar fa.scir-iacla pcla visào
mais simples das histórias. Até mesmo o relato da lenha que se clo inrcl-rso anirrxr] n()s tclllx)s cr]r clLlc clc lrincllr nlrluva entrcr
acende no fogão <1a coztnha pode crescer de seu nÚrcleo para lus onclas. O futo i: rltrc voltlr :r ;ritgina e pr()crurlt fher a intagcrrr
se tornar infinito. clc> lrnirtral, tentanclo 1>or três \rczcs urnu lt.a.sc ca1-laz clc r.epr<r
Leonardo "s11s sanza lettere" lhomem sem letras], como clttzir tr>cla a r-uurn,ill'ra cla ev«x:lr'ào:
se definia
-
tinha um relacionamento difícil corn a palavr:a es-
-
crita. Ninguém possuía sabedoria igual no mundo em que viveu, () qltdlttc t,olte.Íi.tsÍi ttr ttt'tlttto irt.fit l\tntlL' tlal ,qtrtf:iut.rt e
,qrrntd<t
mas a ignorância do latim e da gramática o impeclia de se comu- o(:e(lno. col setoluto t: ncxt tfu»srt, tt ,qttist.t tlí ntort.ktgtttt c (olt .qtztttt, (,
nicar por escrito com os doutos de seu tempo. Sentia-se sem st t.parht d t t da ni.e rt[o./
dúvida capaz de expressar pelo desenho, melhor do que pela
palavra, uma larga parte de seu conhecimento. ("O scrittore, con () cltrentlts riczcs lrrs[e r isr, tntrc .Ls ,ntl.rs cnÍ'unerlrts clc> firri<.rs<r
quali lettere scriverai tll con tal perfezione la intera figurazione ()('elln(). cortr o cctclos() e ncgl'() cklr-so à gUisl clc iltontltnltlt. rrr<r
qual fa qui il clisegno?" [ Ó escritor, com que letras conseguirias vcnrkr st ('()tll gr:r\;t c: solrcrlto :rncllrttcr.rto!
relatar a perfeição deste conjunto expresso aqtti pelo desenho?1,
arrotava em seus cadernos de anatomia.) E não era apenas a ciên- Er] segtricla. pr()Lur;l lD()\-il)tcntiu o dn.dünlento çlc» rI()ns-
cia, mas igualmente a filosofia que e1e estava seguro de poder tr(), intr(xluzinclo o t,cfl><t txtl.leiar;
melhor comunicar pela pintura e o desenho. Mas havia nele
também Lrma necessidade imperiosa de escrever, de usar a es- í.\p{r.r.sc ttite L,ri t,t'thrtu írt..lt'cL lltnr.le dcl ,qrrt/'ittkt egrotttlr: o(-.cdno. ()

criÍa para explorar o mundo em suas manifestaçÕes multiformes, tttl strparho krdt)( t'ilok) girutltqqqit.trttlo ilt.litt la nurinr: u.<.t1t.rt,. li
e
em seus segreclos e ainda para dar forma às suas fantasias, às con. sekitllct e ttt'ro dosso. u gttistt dí ntottlctgtttt, rluelle t,ittt.t,rL,e so
suas emoções, aos seus rancores. (Como quando investe contra ltraf/àx:!
os literatos, só capazes, segundo ele, de repetir aquilo que leram
nos livros alheios, diferentemente de alguém que, como ele, fa- E erllittclltclls vczes firstc visto cntre:rs onclus enlunlrcllrs rkr Íirrioso
zia parte clos "inventori e interpreti tra la natuÍa e li omini" [in- ()ccllll(), lt t'oltcjltr conr sOherlt<t c gl-xVC 1ll()\'inlcnt() entrt lts ttLu.i-
ventores e intérpretes entre 'à r}atLueza e os homens].) Por isso nlus águes. ll cont o ('('r(l()s() (t ncgl'() clrtrso lr grrisl clc ntonttnhe. lr
escrevia cadavez mais: com o passar dos anos tinha parado cle venc ê-lus c sLrbyugir-lus.
pintar, mas pensava escrevendo e desenhando, e, como qLie
perseguindo um útnico discurso com desenhos e palavras, en- Mas o utlte.fcrr parece-llte utenLtltr a irnpr-essã<t de intpo-
chia seus cadernos com sua escrita canhota e especular' nência e lllaiesllrclc <1rre cieseja cvocltr. Escolltc entljo o r,'crlt<r
No fólio 265 do Códice Atlântico, Leonardo comeÇa arro- sulcrtr e c'olrige tocla a constn-rçiro ckr trcchc.r clancl«r lhc- consis-
Iando provas para demonstrar a tese do crescimento da terra. tênciu c t'itrno, coltl licgLtr() scnso litcrírrio:
Depois de exemplificar com as cidades sepultas que foram
tragadas pelo solo, passa aos fósseis marinhos encontrados no () (ltt(t.)t.lc t.\)lte.litsti tt.r t;er:ltrtrt ítt..fi-u. l rttrtla del gortf-iuto L, ,qru.ntlc
alto das montanhas, e em particulat a certos ossos que se su- ()cedlt(). tt gt.risu rli nxtntagtttt tltrellt: t,ittccrt, t'x4trctffàrt,. t,«tl .sL,to-

94 95
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untlunrcrtÍo!

Ó quantas vezes foste visto entre as ondas enfunadas do furioso


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oceano, a vencê-las e subiugálas, e, com o cerdoso e negro dorso à
guisa de montanha, a sulcar com soberbo e grave andamento entre VISIBILIDADE
as marinhas águas!

A sequência dessa aparição que se apresenta quase como


um símbolo da força solene da natureza abre-nos uma fresta
pata o funcionamento da imaginação de Leonardo. Ofereço-
-lhes esta imagem como fecho de minha conferência, para que
possam conservá-la na memória o maior tempo possível em
toda a sua limpidez e em seu mistério.

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