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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia Matutino – BIBM 2020.1


Maria Carolina Mattos Macêdo
Disciplina: Introdução às Ciências Sociais – T.BIBM1
Profa. Teresinha Martins dos Santos Souza
“Fahrenheit 451”

Fahrenheit 451 tem lugar em uma cidade que se apresenta, desde as


primeiras cenas, por imagens de uma profusão das mais diferentes antenas nos
telhados de todas as casas, em contraste com o fundo em cores fortes, como saídas
de telas de TV, misturando como resultado um cenário árido que se exprime em
diversos aspectos do filme, tanto nos gestos, feições e olhares dos personagens,
quanto nos traços retos das construções e dos carros.
A sociedade se define pelo totalitarismo cultural, que associa o conhecimento
e o livre pensar a uma praga que se alastra através de um vírus letal que seriam os
livros, objeto proibitivo a todo e qualquer indivíduo; tido como algo que, além de inútil,
desestabiliza o sujeito, provocando-lhe emoções com as quais não estaria preparado
para controlar, o que denotaria para si e para os outros fraqueza, submissão ou, pior,
capacidade de mudança de postura frente ao já habitual entorpecimento causado seja
pelos ininterruptos e inebriantes programas televisivos, seja pelos comprimidos
tomados como drogas lícitas.
A violência é uma constante, onde carros passam pelas ruas em alta
velocidade, atropelando as pessoas de forma inconsequente, e a ordem é mantê-la à
custa da delação daqueles que não obedecem ao padrão, observado nos mínimos
detalhes a qualquer desvio facilmente perceptível pelo comportamento de um vizinho,
da aparência de sua casa ou de seus costumes.
Nesse cenário distópico, Montag, um bombeiro que cumpre suas funções no
quartel onde não se apaga fogo, pois nem ele sabe que um dia já foi possível tal inútil
tarefa, uma vez que todas as casas da cidade são a prova de fogo e a função
primordial da corporação é atear fogo aos livros – instrumento pernicioso ao extremo
em uma sociedade tão organizada sob os mais rígidos patamares de sobriedade e
obediência – leva sua vida de forma ordeira junto a Linda, sua mulher, que se
comporta como toda dona de casa, ocupando-se de coisa alguma além de assistir TV
e receber suas amigas para, junto com ela, de forma bastante familiar, interagirem
com as “primas”, como são chamadas as apresentadoras dos programas femininos
que assistem juntas, pois a programação forma uma espécie de “confraria” a qual
todas pertencem. Além dessa programação, o mais excitante é quando o papel de
uma peça é distribuído aleatoriamente e há a participação interativa da moradora com
uma fala qualquer, como se, de fato, tivesse alguma importância sua interferência,
coisa que flagrantemente se percebe que não acontece!
O cotidiano parece quase normal, quando o homem chega em casa e pega seu
jornal na entrada e se senta para fazer sua leitura enquanto a esposa assiste à TV,
não fosse pelo fato de que o jornal em questão é feito de quadrinhos sem balões
escritos, pois não há palavra escrita de nenhuma espécie, nessa sociedade, pelo
menos legalmente, iletrada.
Toda essa apatia começa a ruir quando Montag é encontrado na volta para
casa no trem por Clarisse, a primeira personagem a surgir com expressão, vontade
própria e atitude no filme! No transporte em que todos olham para o nada com seus
olhos vazios, ela se dirige a Montag e imediatamente fala com ele, que não apenas
se surpreende (embora seu rosto não aparente surpresa, como sempre), como
responde francamente que ela pode falar ainda que ele, de antemão já saiba que “não
conseguirá pensar no que poderá lhe responder”, fato, uma vez que não está
acostumado a pensar por si mesmo pois nunca foi provocado a nenhuma reação que
não estivesse preparado para reagir.
Clarisse tem dúvidas e essas demandam respostas não prontas, pois a
capacidade de resolver alguma coisa através da razão (conceito de raciocínio), não é
uma atribuição dada àqueles que são privados pelo poder do despertar da
consciência, que nos é dada pela leitura e pela conquista do conhecimento através da
troca, do diálogo, da compreensão do que se lê.
Os repetidos encontros com Clarisse provocam em Montag uma mudança de
postura que começa pela curiosidade pelos livros, e a começar a esconder alguns
exemplares em cada incursão nas casas em que vai queimá-los, tarefa que também
passa a incomodá-lo, o que o leva a atritos em casa com sua esposa e suas amigas,
chegando a ler um trecho de um livro, que provoca emoção em uma das mulheres,
fazendo-a chorar, chocando o grupo e causando não apenas sua separação como a
denúncia “anônima” de sua atitude por sua esposa, o que o leva a uma armadilha em
sua própria casa, no incidente em que ateia fogo ao capitão ao encontrarem livros em
sua residência e passa a ser um foragido.
Clarisse já havia fugido por ter sido denunciada pela vizinha, já que,
estranhamente, na casa em que morava com seu tio, exceção feita a todas da
redondeza, não havia uma antena, e é para lá que ele é levado por ela para buscar
um importante documento, em que constam os nomes de todos os amigos do tio e
que precisa ser destruído. Nesse encontro ela confidencia a ele para onde vai; um
lugar que o tio lhe havia instruído, a cidade dos homens livro: lugar para onde cada
homem que decorou um livro fugiu, para que, assim que possível, um dia pudesse
ditar seu conteúdo para que fosse impresso e lido por todos que não tiveram a
oportunidade de ter toda a biblioteca destruída pelos bombeiros em mãos, como a da
mulher que preferiu ser queimada viva com a sua, do que entrega-la ao poder dos
“homens de bem” para fazerem-lhe mal.
Antes de partir Montag passa por cada bombeiro e deixa um livro, a fim de que
todos sejam incriminados, e só então pega a mesma trilha que lhe foi indicada por
Clarisse e chega à cidade dos homens livro, onde já é esperado como um herói! Leva
consigo um livro que também vai decorar a fim de participar do futuro da nova
sociedade do futuro, uma sociedade barulhenta e movimentada, aonde idas e vindas
de conversas e histórias, conhecimentos, filosofia, história, poesia, romances e toda
sorte de Literatura abre mentes e ideias, criando o futuro a partir de gerações, mesmo
aquelas Línguas que vão morrendo, como o avô que ensina o neto na beira do rio/leito
de morte, para que se perca nenhum saber.
Em Fahrenheit 451 o contexto político do período está diretamente ligado ao
poder que é extirpado com a destruição dos livros e sua capacidade de ampliar o
conhecimento através da multiplicidade de ideias, sentimentos, criatividade, filosofar
sobre o ser e o estar no mundo; e o grupo que hegemonicamente detém o poder fez
desse instrumento sua arma de dominação daqueles que subjugou, mesmo os que
não sabiam a razão de sua cega obediência em sua ingenuidade, como é o caso de
Montag, que obedece de forma legalista, obedece porque é lei, “corta a grama porque
é permitido cortar a grama, pois se fosse proibido cortá-la ficaria observando-a
crescer”, como respondeu ao capitão, quando assim foi perguntado.
A mesma ingenuidade de Clarisse, que, em sua simplicidade, duvida, porque
assim aprendeu com seu tio; não a não ser ingênua, mas a duvidar porque é bom
pensar, e raciocinar faz crescer antenas invisíveis onde não se tem os limites de uma
TV de plasma como totem na parede da sala ininterruptamente ligada e as páginas
dos livros têm movimentos muito mais interessantes desobedientes.

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