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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia Matutino – BIBM 2020.1


Maria Carolina Mattos Macêdo
Matrícula: 20201331015
Fundamentos teóricos da classificação¹ – Fichamento
Disciplina: Organização do Conhecimento I

O texto tem epígrafe de “o idioma analítico de John Wilkins”, de Jorge


Luís Borges, que motivou à reflexão Michael Foucault na introdução de seu livro
As palavras e as coisas, pelo confronto de “classificações insólitas,
completamente estranhas às categorias do nosso pensamento” (POMBO, p. 1)
a, através do estranhamento, declarar ter seu livro ter nascido do riso provocado
por esse fragmento. Alusivo à classificação, o título de sua obra também lembra
uma classificação que categoriza o mínimo do intelecto para sua definição,
“coisas”, ao máximo da complexidade do sentido nela significante, “palavras”,
conforme convenção de cada idioma.
É natural que o homem queira classificar os entes, os fatos e os
acontecimentos em que está inserido.

Principais campos da classificação


Diemer (1974, p. 145)²
a) Orientação ontológica – Classificação dos seres
Corresponde o problema da classificação nas ciências desde Aristóteles até
os nossos dias, interessa fundamentalmente aos lógicos e aos cientistas
ligados a domínios em que a classificação em um papel importante, tais como
a biologia, a geologia, a cosmologia, a antropologia ou a tipologia psicológica.
b) Orientação gnosiológica – classificação das ciências
Problema da classificação das ciências, problema que sempre interessou aos
filósofos e todos aqueles que procuram pensar a ciência e os produtos da
sua atividade. Embora seja possível recuar até ao Renascimento e ao sec.
XVII, é fundamento no séc. XIX (Biologia, Sociologia e a Psicologia). A
filosofia da ciência, relação entre as várias ciências; atividade filosófica
autônoma; conquista de uma mais rica compreensão das relações entre os
saberes (Augusto Comte, Ampère e Spencer). No séc. XX perde o estatuto
de centralidade no interior da filosofia das ciências (Peirce, Kedrov, Piaget,
Foucault).
c) Orientação biblioteconômica – classificação dos livros Ciência da
Classificação
d) Orientação informacional – classificação das informações
Novo domínio científico que tem por tarefa o estudo de todos os possíveis
sistemas de classificação; objeto de análise é o conceito de classificação na
sua idealidade e abstração máxima; o objetivo, a constituição de uma teoria
da classificação que estude a totalidade dos possíveis sistemas de
classificação e determine os meios de sua realização (classificacionistas).
Colaboração dos filósofos para sua fundamentação e experiência no
tratamento dos problemas do conhecimento e da classificação das ciências,
adquirindo importância. DIMER (1974, p. 158) chega a considerar que “a
filosofia é a alma do projeto de constituição de uma ciência da classificação”.

Conceito de classificação

Escola de Bruxelas – Caim Perelman e, principalmente, Leo Apostel.

Apostel faz distinção entre Classificação Ideal e Classificação Real:

Classificação ideal – hierarquia finita e progressiva de divisões sucessivas;


deve comportar um número finito de divisões e um número finito de classes
dentro de cada divisão (finitude da classificação); não devendo comportar
conjuntos idênticos a outros conjuntos de níveis anteriores (progressividade da
classificação). Tais divisões nunca devem ser vazias nem sobreponíveis (total
ou parcialmente) e devem ser exaustivas, isto é, cobrir toda a extensão do
domínio a classificar.

Classificação real – Classificações científicas, como aparecem nas ciências


empíricas, é necessário introduzir “aproximações enfraquecidas” na definição
previamente estabelecida de classificação ideal para procurar o “modo de
desvio” das classificações reais às classificações ideais; não de modo a assinalar
imperfeições, mas sim para procurar “uma sistemática escondida no interior das
anomalias assinaladas”. A história das classificações consiste, antes, na
elaboração de sistemas de designações que satisfaçam a essas exigências.
Segundo Leo Apostel há cinco características gerais de toda a classificação real.

a) Mecanismo classificador – executa, melhor ou pior, as operações


necessárias à classificação
b) Multiplicidade de fins – que vai determinar de forma mais ou menos
sistemática sua estrutura
c) Domínio da realidade – que cada classificação exerce sobre si e que
facilita mais ou menos as operações necessárias à classificação
d) Classificações precedentes – historicidade das classificações do mesmo
domínio, da qual os domínios classificados podem ser modificados, as
divisões podem ser completadas, novos critérios de classificação podem
ser acrescentados
e) Produto externo da atividade classificadora – existe para cada
classificação, e se apresenta como uma árvore genealógica mais o menos
regular, isto é, toda classificação supõe uma dupla operação: o
estabelecimento de equivalências entre classes do espaço global e o
estabelecimento de hierarquias entre subclasses no interior das classes
previamente estabelecidas.

➢ Em interação constante, essas características aplicam-se a todas as


Classificações Reais, portanto, também às classificações das ciências
historicamente produzidas.
▪ Toda classificação das ciências supões um agente classificativo
▪ Cada classificação das ciências tem por detrás um determinado
mecanismo classificador
▪ Toda a classificação das ciências supõe um princípio de
classificação
▪ Toda classificação das ciências persegue uma multiplicidade de
fins
▪ A classificação das ciências se exerce sobre um conjunto de
elementos finitos, não sobre todo o conjunto das ciências
possíveis, mas tão só sobre o conjunto das ciências constituídas
numa determinada época ou nela já previsíveis (Comte, Spencer,
Wundt). Cobertura global das ciências do seu tempo, algumas
preveem mecanismos de abertura a ciências ainda não
constituídas.
▪ Cada classificação das ciências se constrói no contexto das
classificações precedentes
▪ Para cada classificação das ciências existe um produto externo da
atividade classificadora, tanto em termos da constituição da
nomenclatura, quanto da produção de sistemas diagramáticos de
articulação das ciências. Estrutura hierárquica (St. Agostinho, S.
Boaventura); árvore genealógica (Lull); quadro sistemático
(Peirce); polígono (Kedrov); círculo (Piaget); poliedro a três
dimensões (Foucault).

Tipos fundamentais de classificações

Perelman

1) Dicotomias – baseadas na presença ou ausência de uma propriedade


“classificações logicamente satisfatórias” (1963, p. 232) – nelas o espaço
classificatório é sucessivamente dividido em dois subconjuntos
simultaneamente exclusivos e exaustivos. Ex. Árvore de Porfírio.
2) Baseadas numa propriedade qualificada como diferença específica –
propriedade “incompatível com todas as outras propriedades situadas no
mesmo nível da classificação” (Perelman, 1963, p. 232), sua dificuldade
é tanto maior quanto maior é o número das várias propriedades que
podem desempenhar a função de diferença específica. Classificar é então
escolher uma entre outras classificações logicamente possíveis
procurando encontrar, para a escolha feita, um conjunto de razões
suficientes.

NATURALIDADE x ARBITRARIEDADE da Classificação – se faz em função da


maior ou menor atenção às afinidades que devem permitir reunir em classes as
diversas realidades a classificar
“nas classificações naturais, os elementos que têm maiores afinidades entre si
deveriam estar mais próximos no espaço classificatório do que aqueles que têm
menores afinidades” (PERELMAN, 1963, p. 232)

Buffon

“percorrendo sucessivamente e por ordem os diferentes objetos que compõem


o universo e colocando-se na perspectiva de todos os seres criados, o homem
verá com espanto que é possível descer, por degraus quase sensíveis da
criatura mais perfeita até a matéria mais informe; do animal melhor organizado,
até o mineral mais bruto; o homem reconhecerá que estas nuances
imperceptíveis são a grande obra da Natureza” (BUFFON, 1743, p. 3)

Erro metafísico procurar um sistema de classificação fundado nas ideias de


gênero e espécie [...] “é impossível dar um sistema geral, um método perfeito,
não somente para a totalidade da história natural como mesmo para um só dos
seus ramos pois, para fazer um sistema, um arranjo, numa palavra, um método
geral, é necessário que todo esteja aí compreendido; é necessário dividir esse
todo em espécies, e tudo isso seguindo uma ordem na qual entra
necessariamente o arbitrário. Mas a natureza caminha por gradações
desconhecidas e, por consequência, ela não se pode prestar, totalmente a essas
divisões, uma vez que ela passe de uma espécie a outra, e, muitas vezes de
um gênero a outro, por nuances imperceptíveis, de tal forma que se encontra um
grande número de espécies intermediárias e de meios-objetos que não sabemos
onde colocar e que perturbam necessariamente o projeto de um sistema geral”
(BUFFON, 1749, p. 3)

“a “classificação mais natural” só pode ser aquele em que o homem ocupe o


centro. O ponto de vista do homem é o único princípio a partir do qual a
classificação se pode estabelecer.[...] julgar os objetos da história natural pelas
relações que eles têm com o homem (BUFFON, 1749, p. 4)

▪ Nenhuma classificação natural é possível; qualquer classificação


implica uma irredutível arbitrariedade, tendo por base o
estabelecimento de classes e suas fronteiras. A classificação não
faz mais do que quebrar, violenta e arbitrariamente, a cadeia de
imperceptíveis nuances, que liga os seres entre si.
▪ No mundo da vida há uma plasticidade, uma diversidade, um tecido
excessivo de imperceptíveis “nuances” que é irredutível ao frio
procedimento da divisão de classes.
▪ A multiplicidade dos seres só pode ser unificada e submetida a
partir da relação que o homem estabelece com esses seres.

Comte

“à teoria geral das classificações estabelecida nesses últimos tempos pelos


trabalhos filosóficos dos botânicos e dos zoologistas, permite esperar um
sucesso real neste trabalho de (classificação das ciências) [...] princípio
fundamental da arte de classificar que nunca, até aqui, havia sido distintamente
conhecido” (COMTE, 1830, I, p. 49)

Apostel

Concretiza três modos diferentes de classificação, tendo dado origem a


três diferentes tipos de classificações correspondentes:

1. Essencialistas – o reconhecimento desses dois tipos de caracteres


(naturalidade e previsibilidade) está na origem da constituição das
classificações.
▪ aquelas que tomam o indivíduo como base do espaço
classificatório; a naturalidade da classificação reside na existência
de um conjunto de “caracteres (dominantes) aos quais se ligam o
maior número de propriedades comuns (secundárias) aos
elementos de uma mesma espécie. (PERELMAN, 1963, p. 233);
▪ dotadas de previsibilidade, na medida em que a presença de
caracteres dominantes arrasta consigo a presença de secundários;
2. Estruturais – aquelas que elegem como critério de ‘naturalidade’ a
existência de relações constantes entre as propriedades comuns aos
elementos de uma mesma espécie; trata-se, num primeiro momento, de
captar a estrutura dessas determinações, as suas relações de
dependência, as usas influências recíprocas, o seu plano arquitetural.
Num segundo momento, importará “situar cada estrutura no sistema geral
de todos os seres caracterizados por estruturas variáveis” (PERELMAN,
1963, p. 234)
3. Evolutivas ou genéticas – consiste na consideração dessas
concretizações como “realizações que se sucedem efetivamente no
tempo” [...] “momento de uma história efetivamente
realizada(PERELMAN, 1963, p. 234)
▪ Cada estrutura aparece, então, como o que reforça sua localização
no sistema geral de todas as classificações possíveis.

CONJUNTO DE CATEGORIAS com aplicação direta à classificação dos


saberes:

➢ CLASSIFICAÇÃO DOS SERES – é possível encontrar os mesmos tipos


de classificações em diferentes ciências e diferentes tipos de
classificações numa mesma ciência
▪ Classificações morfológicas: mineralogia, cristalografia, mas
também à Biologia (Cuvier, Jeofroy de St. Hilaire) e na Linguística
(Sapir)
▪ Classificações genéticas – se constroem pela escolha de uma
dimensão dominante de natureza evolutiva relativamente à qual é
determinado o lugar dos objetos classificados, podem encontrar
essa dimensão na teoria da evolução (Biologia), nas afinidades das
línguas a partir da sua ascendência (Linguística), ou no grau de
desenvolvimento das nebulosas (Astronomia) (APOSTEL, 1963,
p. 200)
▪ Classificação das ciências – (classificações reais) Não escapam às
irregularidades e anomalias de que só as classificações ideais
estariam isentas; combinam diferentes tipos de procedimentos
classificatórios:
o Essencialista – pela determinação de caracteres comuns às
diferentes ciências, por exemplo, a natureza dos seus
objetos de estudo (Ampère) ou o fim a que se propõem
(Aristóteles)
o Estrutural – tomando por base articulações e influências
recíprocas das ciências entre si (Piaget) ou determinações
internas às próprias ciências (Bacon ou Diderot); outras
vezes de forma genética, tomando por base as ciências na
sua progressiva diferenciação (Comte); outras vezes ainda
de forma pragmática, tendo em vista a constituição de um
programa de estudos (St. Agostinho) a realização de uma
enciclopédia (Chambers, Diderot) organização de uma
biblioteca (Libniz).

Para além das classificações essistencialistas, morfológicas e genéticas, que


Apostel qualifica como

o soluções intrínsecas (têm por base a natureza do domínio a


classificar; o conjunto de caracteres dominantes comuns aos
elementos de uma mesma espécie, a estrutura das duas
determinações e a sua determinação genética fundamental)
Classificação Pragmática – classificar em favor de uma perspectiva em
que este é considerado na sua relação com o uso que o classificador
pretende dar a esse domínio e com as ações que sobre ele se pretende
desencadear (APOSTEL, 1963, p. 199)
o Solução extrínseca – abandono ao isolamento do domínio a
classificar
▪ Classificação Documental e biblioteconômica (Pragmática).

Classificações das ciências = caráter especulativo, esquemas globais,


sistemas teóricos que não descem a detalhes nem se enredam com minúcias de
classificação de domínios restritos; classificações documentais e
biblioteconômicas = intuitos funcionais imediatos; propostas minuciosamente
elaboradas, em geral acompanhadas de um código em que cada classe é
designada por um símbolo (classificação decimal de Melvil Dewey).

Objetivo da Ciência da Documentação

Em termos genéricos, tentativa de construção de um sistema global de


classificação que permita a análise, organização sistemática, codificação,
arquivo e posterior disponibilização, consulta e utilização de todo tipo de
documentos e informações. Constituída como ciência no fim do século XIX com
Paul Otlet e Henri Lafontaine.
o Documentação – “processo pelo qual são reunidos,
classificados e distribuídos todos os documentos de todos os
tipos e de todas as áreas da atividade humana” (OTLET, 1934,
p. 8)
o Anos 1930 – Adquiriu dimensão mundial com a reunião em
1937 do 1º. Congresso Mundial de Documentação (Paris) e a
constituição, em Haia, da “Federação Internacional de
Documentação (FID)
o Anos 1940 – Documentação se articula com a “teoria da
informação” (The Mathematical theory of communication -1948)
de Claude E. Shannon, sua primeira formulação unificada.
Passagem da ficha manuscrita às fichas perfuradas de seleção
mecânica e à utilização das técnicas de microfilmagem e
seleção fotográfica.

As raízes da Documentação estão, porém, intimamente ligadas à


Biblioteconomia, disciplina que trata de todos os aspectos das operações
realizadas “na” e “pela” biblioteca e às remotas investigações na área da
organização das bibliotecas que estão na sua origem; implica na
elaboração de um conjunto de serviços de referência (catalogação,
indexação e constituição de arquivos) os quais implicam diretamente a
utilização de sistemas de classificação documental.

o Período pós-Guerra – Explosão documental; classificações


documentais e biblioteconômicas passam a ser elaboradas
tendo em vista facilitar a automatização das relações entre as
diversas classes de documentos
o Anos 1970 – Permitir informatização eletrônica do processo
documental
o Classificação documental e biblioteconômica é hoje um
conjunto de catálogos informatizados e interligados em rede
com base numa linguagem documental artificial (ex: Thesaurus
- processo de gestão de um estoque documental informatizado
e instrumento preciso da atual técnica documentalista, sistema
que traduz em linguagem codificada universal as noções da
linguagem natural, elimina os acidentes e reduz os termos
equivalentes ou sinônimos a uma lista finita de termos usuais,
desprovidos de ambiquidade); estrutura imaterial que conta
com um sistema gigantesco de centros de documentação de
caráter nacional e enciclopédico; internacional e especializado;
internacional e enciclopédico.

Mutação que vem acentuar ainda mais o caráter pragmático da


classificação documental: transferência para o computador das tarefas de
conservação, inventariação e catalogação; gestão; recepção e emissão
de documentos.

À apreciação do valor da classificação diferem do ponto de vista do


Filósofo (problema de adequação; conformidade ente a classificação e o
domínio de objetos classificados) e do classificacionista (utilidade prática;
rapidez, exatidão e facilidade da sua utilização).

À Filosofia compete, tanto a fundamentação da nova ciência numa


teoria crítica do saber, como a transferência de conhecimentos resultantes
de uma experiência gnosiológica e epistemiológica previamente
adquirida; dar um contributo reflexivo e dialógico às elaborações teóricas
e técnicas que forem sendo propostas por todos aqueles que se
disponham a trabalhar interdisciplinarmente na elaboração científica e
técnica de uma ciência da classificação. (LACHARITÈ, 1978, p. 507-512)

Referência:
¹POMBO, O. Da classificação dos seres à classificação dos saberes. Revista da Biblioteca
Nacional de Lisboa, v. 2, p. 19-33, 1988. Disponível em:
https://webpages.ciencias.ulisboa.pt/~ommartins/investigacao/opombo-classificacao.pdf Acesso
em: 20 ago. 2021.

²[Todas as obras citadas encontram-se referenciadas no artigo.]

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