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Negro em Preto e Branco Historia Fotogra
Negro em Preto e Branco Historia Fotogra
ORGANIZAÇÃO
NEGRO
em Preto e Branco
História Fotográfica
da População Negra de Porto Alegre
2005
© 2005 - Irene Santos
Todas as imagens e os textos foram gentilmente cedidos para esta obra e só podem ser reproduzidos, total ou parcialmente,
com a autorização expressa da autora, conforme a legislação vigente.
184p.:il
ISBN 85.905353.1.2
DISTRIBUIÇÃO
Irene Santos
Rua Vasco da Gama, 187 - Bom Fim - CEP 90420-111 Porto Alegre/RS
051.3533.2781
irenesantos@terra.com.br/ www.irenesantos.fot.br
FINANCIAMENTO
Irene Santos
ORGANIZAÇÃO
NEGRO
em Preto e Branco
História Fotográfica
da População Negra de Porto Alegre
2005
Texto para uma foto
Oliveira Silveira
O açúcar, o algodão
dos cabelos
Montanha com túneis de mina.
O eito,
as vergas e leivas da testa.
O charque do tempo no rosto.
Para
Fabia e Otelo Santos
e para todos os negros e negras
que já concluiram sua luta
por afirmação e reconhecimento
Para
Ricardo Costa e Juliano Barcellos Costa
e para os negros e negras
de todas as cores e etnias,
que enfrentam desafios diários
para manter sua dignidade e cidadania
Irene Santos
Para
Mariana Abreu Marmontel
e para todos os negros e negras que
ainda estão aprendendo a enfrentar as
lutas diárias e os desafios futuros
Silvia Abreu
Agradecimentos
FUMPROARTE
Memorial do Rio Grande do Sul/ Arquivo Histórico
Museu Joaquim José Felizardo/ Fototeca Sioma Breitman
16 - NEGRO em Preto e Branco
OS OLHOS DE
Acervo Renato Costa
ANASTÁCIA
Anastácia viveu escravizada na Bahia na primeira metade do
século 19. Inconformada, lutou como pôde contra sua situação.
Aos seus irmãos negros, também escravizados, falava sempre,
estimulando-os a lutar contra a humilhação e a injustiça. Deve ter
sido uma oradora brilhante pois seu discurso incomodou tanto seus
algozes que a decidiram calar à força. Colocaram-lhe uma mordaça
de folha-de-flandres e uma coleira de ferro, tão pesada, que
dificultava, até, seus movimentos. Não adiantou. Anastácia continuou
a transmitir sua revolta e a exortar à luta pela liberdade e pela dignidade,
através da força do seu olhar.
Irene Santos
Índice
Os Primeiros TTempos
empos - Guarani Santos ............................................. 24
Índice - 19
20 - NEGRO em Preto e Branco
PREFÁCIO
Marilene Leal Paré
“[. . .] o negro brasileiro sofre uma violência racista exercida pela tendência
a destruir a identidade do sujeito negro. Este através da internalização
compulsória e brutal de um Ideal de Ego branco, é obrigado a formular para si
um projeto identificatório incompatível com as propriedades biológicas de seu
corpo. Entre o EGO e seu IDEAL cria-se, então, um fosso que o sujeito negro
tenta transpor às custas de sua possibilidade de felicidade, quando não de seu
equilíbrio psíquico” (SOUZA, 1983, p.03).
A auto-estima depende da qualidade das relações existentes entre a
criança e os que desempenham papéis importantes em sua vida. Embora
haja valorização da criança na família negra, ela se defronta com uma
batalha de autovalorização interna proveniente das relações adversas que
encontra fora dela. A família negra brasileira constitui-se provedora de
afeto, principalmente na presença da figura feminina da mãe que protege,
como observamos no texto sensível de Vera Daisy Barcellos; é ela que vem
dando sustentabilidade emocional à comunidade afro-descendente. De
nossas infâncias negras comuns na dor da pobreza material, a riqueza do
afeto das mulheres mães-avós-negras guerreiras a abarcarem os filhos(as)
de todos(as)...herança africana...
Salve Irene, que tal qual Mamãe OXUM, generosa, nos presenteia com
esta obra, resgatando e publicando o quanto nós nos gostamos,
mostrando nosso valor e amor próprios, ainda tão invisíveis para a
comunidade brasileira em geral, contribuindo, assim, no reforço positivo
à auto-estima da população negra de Porto Alegre!
Irene Santos
Prefácio - 21
22 - NEGRO em Preto e Branco
Eu era criança. Não morava com a minha mãe. De tempo em tempo me levavam
para visitá-la. Mas me lembro bem daquela casa pequena e apertada que zombava da
lei da física por sua inclinação indevida. O quarto, a sala, e um arremedo de cozinha.
Uma “meia aba”, assim diziam. No pequeno espaço do pátio, uma fileira de vasos de
argila e latas de banha de côco com espadas de São Jorge, arrudas, dálias vermelhas
cor de sangue e amarelas, e copos de leite, suas flores favoritas. No ar, o cheiro das ervas
pulverizado.
E naquele espaço, além dos meus irmãos e irmãs, minha mãe acolhia os filhos dos
outros, afilhados, sobrinhos, enfim uma multidão para os meus olhos infantis. Criei-me
vendo aquela casa sempre cheia. “Onde comem cinco, come mais um”, dizia, com
sabedoria, minha mãe sempre disposta a partilhar sua mesa tosca coberta por uma toalha
essencialmente branca, engomada e passada com pesado ferro à carvão.
A humilde casa de minha mãe, que pela solidariedade ampliava suas paredes, tinha
constante mesa farta. Adepta do ditado “de quem convida dá banquete”, os aniversários
eram regados à grande quantidade de comida. Cozinheira de mão cheia e doceira, a
“velha” Eva se empenhava. “Pode sobrar, mas comida não pode faltar”. Uma tirada, fruto
do inconsciente coletivo, para superar os tempos de apenas sobras e pouca comida nas
senzalas da casa grande. Dessa forma, múltiplos pratos se expandiam pela mesa e as
sobremesas marcadamente divinas, do pudim de leite ao sagú com creme, complementado
com o bolo com merengue e confeitos de prata.
Arquivo Particular
V.Calegari/M.J.J.Felizardo/Fot.S.Breitman
Os primeiros tempos - 25
26 -NEGRO em Preto e Branco
Desenhos de Rugendas
Hugo de Biasi / Memorial RS
Engel Jr / Memorial do RS
Irene Santos
Guarani Santos
Professor e Historiador
LIVROS PUBLICADOS:
- A violência branca sobre o Negro no RGS
- A Epopéia do Quilombo dos Palmares, 1987
- O Negro e a Constituinte, 1986
- O quê ler sobre o Negro no RS, 1984
Os primeiros tempos - 27
28 - NEGRO em Preto e Branco
Lunara /Acervo Museu JJosé Felizardo - Fototeca Sioma Breitman
1822 - em 14 de novembro a
Vila ganha a denominação
de Cidade de Porto Alegre.
Vista da
Cidade Baixa
Durante a administração de no século 19
José Marcelino de
Figueiredo a cidade foi
dotada de fortificações que a
Porto Alegre-Biografia de uma cidade
preservassem de investidas
armadas. A entrada para a
povoação foi fixada num
só ponto sendo praticada por
um portão. Dito portão
ficava na atual praça
Conde de Porto Alegre, por
muito tempo chamada de
Praça doPortão.
(FORTINI,1962)
Aguadeiro
1826 - Inauguração da
Santa Casa de Misericórdia. no final do século 19
1835 - Em 20 de setembro
um enfrentamento entre
tropas governistas e
Solar da família de Bento Gonçalves em Camaquã
rebeldes gaúchos, nas
proximidades da ponte da
Azenha, iniciou a Revolta
Farroupilha. A cidade era
constantemente sitiada e os
farrapos procuraram
isolá-la ao máximo.
Hugo de Biasi / Memorial do RS
1841 - A resistência aos
vários cercos que sofreu no
período da Revolta dos
Farrapos valeu à cidade o
título, dado pelo Imperador,
de “mui leal e valerosa”.
1842 - Por um convênio
especial, a Santa Casa de
Misericórdia tomou a si a
sustentação dos filhos
abandonados, criando a
“Roda dos Expostos.”
Os primeiros tempos - 31
32 - NEGRO em Preto e Branco
Voluntários do Brasil
Praça da Matriz em
1864. Soldados em
formação de
despedida na manhã
da partida para o front
da Guerra do Paraguai
Os primeiros tempos - 35
TERRITÓRIOS NEGROS
Iosvaldyr Carvalho Bittencourt Jr
Arquivo Tição
Territórios Negros - 39
40 - NEGRO em Preto e Branco
Memorial RS
do herói negro Zumbi dos Palmares, atualmente consolidada,
também, como o Dia Nacional da Consciência Negra.
Nesses territórios, por meio das relações socioculturais,
os negros não somente realizam, até hoje, uma inscrição
com acento étnico-cultural afro-brasileiro, com um ethos
singular, como imprimem uma específica subjetividade, um
estilo de vida social multifacetado.
Praça da Matriz em 1940 Assim, os valores culturais, estéticos, éticos, sociais e
lúdicos são vivenciados pelos negros, que afluem ao centro
F.Engel Jr/ Memorial RS da cidade, valendo-se de um modo afirmativo da cultura afro-
brasileira. Muitos segmentos que surgiram persistem até os
dias atuais, enquanto outros desapareceram para dar lugar a
outros desejos, outras reivindicações políticas, outras
demandas sociais ou lúdicas, consolidando uma dinâmica
sociocultural na ocupação desta parte da cidade
Cito como exemplos os seguintes pontos de encontros: a
Esquina do Zaire, que foi ocupada pelos integrantes do
O Mercado e a antiga doca no século 19 Movimento Negro, adolescentes e carnavalescos negros; à
frente da Confeitaria Matheus, pelos antigos carnavalescos; os
Memorial do RS
Negros da Masson, na esquina da ex-Casa Masson; os
pagodeiros e sambistas que eram freqüentadores dos antigos
bares, situados nas ruas Riachuelo, Andrade Neves e José
Montaury; os DJs, MCs, rappers, funkeiros, dançarinos e
donos de equipes de som que se reuniam na Rua dos
Andradas, Galeria Chaves e no Shopping Rua da Praia; na
Galeria Luza; Lojas Guaspari, Mercado Público, em frente da
Galeria Malcon; no antigo Rian (lancheria) e à frente da Panvel;
Vista do Centro em 1940
Irene Santos
Territórios Negros - 41
42 - NEGRO em Preto e Branco
Museu J.J.Felizardo - Fototeca Sioma Breitman Irmãos Ferrari /Museu J.J.Felizardo - Fotot. Sioma Breitman
Territórios Negros - 43
44 - NEGRO em Preto e Branco
Arquivo Imágica Acervo Carlos Alberto Brito
Territórios Negros - 45
46 - NEGRO em Preto e Branco
Acervo Manoel F.Rosa e Silva
Arquivo Imágica
Arquivo Imágica
Territórios Negros - 47
48 - NEGRO em Preto e Branco
Domingo no Parque
Acervo Antonio C.Côrtes
Considerado o
“pulmão verde” da
área central de Porto
Alegre, o Parque
Farroupilha tem uma
longa história,
reveladora das muitas
etapas do crescimento
da Cidade.
1807 - em 24 outubro
essa área,
inicialmente com 69
hectares, localizada
nos arrabaldes da
antiga cidade foi
doada pelo
governador Paulo
Gama, para fins de
conservação do gado
destinado ao abate. Acervo Osvaldo F. Reis Acervo Antonio C. Côrtes
Por isso ficou
conhecida como
Potreiro da Várzea,
ou ainda Campos da
Várzea do Portão.
1870 - em 26 de abril,
a Várzea passou a
denominar-se
Campo do Bom Fim,
em decorrência da
proximidade com a
recém construida
capela do Senhor Revista do Globo - 8/ 11/ 1947 Acervo Maria Isabel Ribeiro da Silva
do Bonfim .
1884 - em 7 de
setembro, a Câmara
Municipal propôs
a denominação de
Campo da Redenção,
celebrando o
movimento popular
que libertou os
escravos de
Porto Alegre.
Acervo Manoel F.Rosa e Silva Acervo Valdemar Brum
1935 - o parque
serviu à instalação
de exposição
comemorativa do
Centenário da
Revolução
Farroupilha. Em 19
de setembro , por
Decreto Municipal,
o Campo da
Redenção passou a Acervo Osvaldo F. Reis
ser denominado
Parque
Farroupilha. Mas
o nome Redenção
continua firme na
memória do povo
e, na maioria das
Acervo M.Noelci Homero
vezes, se sobrepõe
à denominação Acervo Antonio C.Côrtes
oficial.
Territórios Negros - 49
50 - NEGRO em Preto e Branco
Territórios Negros - 51
52 - NEGRO em Preto e Branco
Acervo Osvaldo F. Reis
Territórios Negros - 53
54 - NEGRO em Preto e Branco
Territórios Negros - 55
56 - NEGRO em Preto e Branco
A Rua da Praia é a
mais antiga de
O “footing” na Rua da Praia
Porto Alegre.
1799 - data provável
e na Galeria Chaves
Acervo Carmen Amora Acervo Alpheu C.Battista Jr
do primeiro
calçamento da rua,
no trecho que vai do
início até a Rua
General Câmara.
Deste ponto em
diante era
denominada Rua
da Graça.
1820 - viajantes
europeus como
Saint-Hilaire e
Nicolau Dreys
mencionaram a Rua
da Praia como a
única via comercial
“extremamente
movimentada,” a rua
Arquivo Imágica
mais extensa e a mais
importante em
respeito ao comércio
e à população.
Acervo Julio J.Nunes Acervo Odyla Junqueira
1843 - as ruas da
cidade receberam
placas pela primeira
vez, predominando a
denominação de Rua
da Praia
desaparecendo
definitivamente a
Rua da Graça. Acervo Najara S Silva
1865 - em 17 de
agosto, a Câmara
Municipal resolveu
comemorar o
aniversário da
Independência
trocando o nome da
Rua da Praia para
Rua dos Andradas.
Acervo Julio J.Nunes Acervo Alpheu C.Battista Jr Acervo Antônio C.Côrtes
1885 - o calçamento
de pedras
irregulares é
substituído por
paralelepípedos.
1913 - iniciou-se a
construção
intensiva de
esgotos em Porto
Alegre, sobretudo
no centro da
Cidade, atingindo a
Rua da Praia.
Como a obra
Acervo Amara Lopes da Rosa Acervo Odyla Junqueira
implicava “o
revolvimento do
solo”, a Intendência
Municipal
aproveitou para
trocar o calçamento
das ruas em
grande escala.
1923 - o trabalho
finalmente foi
concluído com o
requinte do
calçamento de
parelelepípedos
de granito em
mosaico.
1930 - inaugurado
o edifício Chaves
Barcellos com a
primeira galeria
Arquivo Imágica Acervo Dirney A.Ribeiro Acervo Vera Lúcia Lopes
comercial da
Cidade.
Territórios Negros - 57
TRABALHO DE NEGRO
Antônio Carlos Santos Rosa
Irene Santos
Trabalho de negro - 59
60 - NEGRO em Preto e Branco
Pegando no pesado...
“Aqui - prestem bem atenção porque vale a pena - como em todas as possessões espanholas
e portuguesas os negros e mulatos são OPERÁRIOS, quer dizer, homens esforçados,
trabalhadores, aqueles que têm necessidade de exercitar mais a inteligência, mas têm a
desgraça de serem escravos e, sobretudo, de serem negros.”
ARSÈNE ISABELLE, viajante francês que percorreu o Rio Grande do Sul nos idos de 1830
Lavadeiras
na Praia do
Riacho no
final do
século 19
Babá
Soldado
Acervo M.Noelci Homero Revista do Globo/PoA
Estivador
Engraxate
Trabalho de negro - 61
62 - NEGRO em Preto e Branco
1928 - As duas moças, empregadas domésticas, faziam suas próprias roupas, costurando à mão
durante dois meses para aprontar um vestido
Arquivo Imágica
Motorista
Virgilio Calegaria/ Memorial do RS
Serviço de Assistência Pública inaugurado em 1901 pelo Intendente Municipal José Montauri
Trabalho de negro - 63
64 - NEGRO em Preto e Branco
Jacob Prudêncio Herrmann/Acervo Bruno Herrmann
Acervo Najara Santos da Silva Acervo Julie Jorge Acervo Oliveira Silveira
Soldados em 1932
Professora Celestina Rosa e Silva com suas 1940 - Dona Joana Pires, empregada doméstica
alunas do Curso de Magistério
Trabalho de negro - 65
Julinho Alfaiate
Trabalho de Negro - 67
AS CARAS PRETAS
Antônio Carlos Côrtes
Arquivo Imágica
Arquivo Imágica Acervo M.Noelci Homero Acervo Nádia A.Freitas Acervo M.Noelci Homero Acervo M.Noelci Homero
Acervo Antonio C Côrtes
O Negro em Movimento é a forma que melhor explicita a
dinâmica de um grupo social ajustado à sua verdadeira história
real e não à oficial e duvidosa.
Meu saudoso pai, Egydio Ribeiro Côrtes, no final dos anos
50 e início dos 60, ao ler os jornais da época, Correio do Povo,
Diário de Notícias, Folha da Tarde e A Hora, demonstrava
indignação pelo modo como eles tratavam os negros. Eis que
na crônica policial, escreviam: “eram quatro assaltantes, um
Acervo Valdemar Brum negro”. Não diziam a etnia dos demais. Quando todos eram
brancos, os jornais não destacavam isso para identificação da
matéria. Era flagrante aí o preconceito.
Ao deixar em relevo seu desconforto, meu pai ensinava a
mim e aos meus irmãos Egydio Filho e Elias, as primeiras
lições de luta pela dignidade da cidadania: que era um
orgulho ser negro e que nossos antepassados, rotulados de
escravos, haviam construído esta nação.
Acervo M.Noelci Homero Lembro que o pai desligava o rádio quando tocava a música
Mulata Assanhada cantada pelo Miltinho, cuja letra dizia. Ah! meu
Deus que bom seria se voltasse a escravidão, eu comprava esta
mulata e prendia no meu coração. O pai bem avaliava as agruras
de uma escravidão e ainda que fosse em música, não gostava que
sequer se cogitasse de uma volta à senzala.
Meus ouvidos ainda guardam a voz do pai, recomendando a
mim e meus irmãos, quando saíamos: - Levem a Carteira de
Identidade! O pai era contínuo do Departamento da Loteria do
Acervo M.Noelci Homero Estado, mas embora transitasse pelo inglês, italiano e espanhol,
possuindo ainda sólidos conhecimentos de português, mais o
curso de datilógrafo e caligrafia exemplar, não era valorizado por
seus chefes. Hoje, compreendo os motivos que o levaram, a certa
altura da vida, a experimentar depressão.
Em 1966, contando 18 anos, chamou-me a atenção o enredo
Trevo canta Zumbi, todos vestindo branco e pés descalços,
descendo a Avenida Borges de Medeiros. Nasciam em mim duas
paixões: Trevo de Ouro, campeã naquele ano, e o despertar pela
Arquivo Imágica saga de Zumbi.
Nos anos 70, me vejo em meio aos militantes negros em
movimento: Roberto Rodrigues, Luiz Paulo Assis dos Santos,
Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô), Ilmo Silva, Vilmar
Nunes, Dirney Alves Ribeiro, Luiz Carlos Barcellos, Sílvio
Almeida e Oliveira Silveira. Local: Rua da Praia. Esquina com a
Borges de Medeiros,Porto Alegre. Hoje, Esquina Democrática. Nós,
sem saber, antecipávamos o nome pelo qual ficaria conhecida,
As Caras Pretas - 69
70 - NEGRO em Preto e Branco
Acervo Luis Flavio Nascimento Acervo Oliveira Silveira
Arquivo Imágica Ali discutíamos por horas a fio. Como rato da Biblioteca
Pública, descobri o livro do Edison Carneiro - O Quilombo
dos Palmares , o qual indiquei para Oliveira Silveira,
consoante ele mesmo registrou em bilhete manuscrito. Foi
inspiração para em 20 de julho de 1971 iniciarmos o
Grupo Palmares , ao lado de Vilmar Nunes, Oliveira
Silveira e Ilmo Silva. Este o real motivo porque passamos
a dizer NAO ao 13 de maio, da Princesa Isabel, que
assinou um ato burocrático formal, e SIM ao 20 de
Arquivo Imágica novembro de Zumbi dos Palmares (data da morte do líder
negro). Não admitíamos uma data imposta.
Avançamos na história, sem olhar pelo espelho
retrovisor. Guiamo-nos pela luz dos Orixás seguindo a
trilha dos nossos antepassados. Guerreiros. Heróis.
Dignos. A vanguarda apenas lançou uma semente de
mostarda, cuja árvore nasceu frondosa para proporcionar
sombra e abrigar irmãos sofridos.
Irene Santos
Advogado criminalista com atuação na área dos direitos civis. Radialista e apresentador
de televisão. Pesquisador da Cultura Negra, painelista e conferencista.Foi Secretário
Geral da Junta Comercial do RS- JUCERGS. Professor da disciplina Estado e Segurança
Pública, na Secretaria da Justiça e da Segurança Pública.-Academia de Polícia, em
2002/03. Foi Conselheiro Fiscal da Associação Riograndense de Imprensa. Foi presidente
da Sociedade Floresta Aurora.
As Caras Pretas - 71
EDUC AÇÃO
DOS NEGROS E DAS NEGRAS
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Irene Santos
O Asilo São Benedito foi fundado em 12 de Muitos anos depois, o Asilo virou Instituto
maio de 1912, destinado a atender crianças e passou a ter sua base de atendimento no
negras, especialmente meninas, órfãs e Bairro Belém Velho. Foi também alterado o
desvalidas, com o objetivo de serem amparadas regime de internato para semi-internato a fim
e educadas. Funcionou no Centro de Porto de manter as crianças mais ligadas à família.
Alegre, na Rua da Praia, depois na Rua Avaí e,
Atualmente, o Instituto São Benedito
mais tarde, na Rua Ramiro Barcelos. Era
acolhe crianças e adolescentes de famílias
mantido por donativos da comunidade e
pobres, de 4 a 14 anos de idade, que
dirigido pela Congregação das Irmãs do
permanecem na instituição, diariamente,
Imaculado Coração de Maria.
enquanto seus pais trabalham. Recebem três
As asiladas, desde cedo, mesmo brincando refeições diárias, reforço escolar, formação
com suas bonecas, aprendiam a cozinhar, religiosa e pedagógica, atividades esportivas,
bordar e costurar. Também recebiam aulas de recreação, clube da árvore, trabalhos
música e “um curso básico de letras primárias manuais, aulas de culinária e oficinas
e rudimentos em geral”. As meninas ali cresciam. (artesanato, pintura em tecido, dança, canto,
Adolescentes,”eram encaminhadas a casas de teatro, iniciação à informática e língua inglesa).
famílias, aptas a tomar conta dos serviços Contam, ainda, com atendimento psico-
domésticos”, escreveu o jornalista Carlos pedagógico, dando ênfase a um trabalho
Reverbel em 1948 para a extinta Revista do preventivo junto às famílias, para que as
Globo. Muitas casavam na Igreja das Dores, mesmas tenham condições de se estruturar
tinham filhos e trilhavam outros caminhos bem e assim, alcançar melhor qualidade de vida.
longe do Asilo.
Formanda de Contabilidade
Acervo Neura Santos da Silva
Arquivo Imágica
Formando de Administração
de Empresas
Irene Santos
Irene Santos
Irene Santos
Edilson Nabarro
Cobrando a Dívida - 81
Carlos Santos
COBRANDO A DÍVIDA
Edilson Nabarro
Irene Santos
O logradouro situado na
Avenida Ipiranga com São
Manoel, recebeu a
denominação de
Esplanada Deputado
Carlos Santos, em 2004,
como homenagem da
Prefeitura de Porto Alegre
ao ilustre homem público
no ano do centenário de
seu nascimento
Cobrando a Dívida - 83
84 - NEGRO em Preto e Branco
Alceu de Deus
Fui o primeiro negro a chegar à Prefeitura de Porto Alegre
e ao governo do Rio Grande do Sul. O povo gaúcho depositou
em mim, filho de um negro analfabeto e de mãe índia, a
confiança para administrar este Estado e sua Capital.
Fui uma exceção.Tive forças para superar todas as
dificuldades e, durante quase cinqüenta anos, acordei às quatro
horas da manhã para estudar e ter condições de competir.
Não quero ser exceção. Quero ser uma regra.
Nós, negros, somos discriminados porque não recebemos
oportunidades iguais. Eu poderia dizer que não há racismo, mas
ele existe . Temos que reivindicar nossos direitos. Outras etnias
vieram ao Brasil por livre e espontânea vontade. Os negros, não.
Foram atirados em porões de navios imundos, tiveram suas
famílias separadas e enfrentaram o horror da escravidão.
Não somos superiores, nem inferiores. Somos iguais. Não
queremos enfrentamento com pessoas de outras raças mas é
preciso entender que o Brasil tem uma dívida social com os
negros.
http://www.collaresonline.com.br
Ser um político negro
Falar sobre esse assunto, sobre nossa trajetória e sobre a
importância de “ser um parlamentar negro no Brasil”,
representa para nós, afro-brasileiros, um motivo de alegria.
Não apenas por termos nosso trabalho reconhecido, mas,
principalmente, por considerarmos as conquistas de cada um
dos negros de nosso País como grandes vitórias.
Cobrando a Dívida - 85
CABELO BOM
Isete Maria do Nascimento
Arquivo Imágica
Acervo Marilene Paré Acervo Maria H.Ancrade Acervo Manoel F.Rosa e Silva
Cabelo Bom - 87
88 - NEGRO em Preto e Branco
Irene Santos
Cabelo Bom - 89
90 - NEGRO em Preto e Branco
Cabelo Bom - 91
92 - NEGRO em Preto e Branco
Georgina Pinto
Penteados da moda
dos anos 50
Cabelo Bom - 93
94 - NEGRO em Preto e Branco
A bela Olivia
PERNAS
FAZEM PERDER A CABEÇA...
Linha 74 -Glória
“Na esquina da Av Borges de
Medeiros com a Rua dos Andradas,
manequins estavam desfilando na
passarela armada pela Casa Louro, na
sobreloja, para o público. O motorista
do ônibus número 113, da Glória, não
se conteve ante o espetáculo. E com o
veículo cheio de passageiros, uma das
mãos no volante, o resto do corpo para
fora, procurou observar melhor as
jovens que desfilavam acima
de sua cabeça.”
(Folha da Tarde, 05/11/1970)
Beleza Pura
A Canela Preta- 99
100 - NEGRO em Preto e Branco
Arquivo Tição
Como seria a zaga do Canela? Com Aírton e Florindo? Quem
treinaria a seleção da Canela? Quem sabe o senhor desta foto?
Chama-se Cândido José dos Santos, o Bataclã. Reparem a
simetria dos braços em meio a um exercício físico, dos tantos
que fazia pelas ruas da cidade. Pelo rigor do rosto, é ele o
indicado ao comando deste time.
Já podemos devolver as fotos à caixa de sapatos.
Bataclã
Irene Santos
LIGA D
DAA CANELA PRET
PRETAA
1910 é a data provável da criação
da Liga Nacional de Football Porto-
alegrense, apelidada Liga da Canela
Preta, que concentrou, inicialmente, os
seguintes clubes: Primavera, Bento
Gonçalves, União, Palmeiras, Primeiro
de Novembro, Rio Grandense, 8 de
Setembro, Aquidabã e Venezianos.
Everaldo
Jogadores do Grêmio e do
Internacional, posando
juntos para uma foto rara
Osmar Fortes
Barcelos,
Te s o u r i n h a ,
ponta-direita,
assinou o seu
primeiro contrato com
o Internacional em
1940. Dois anos
depois, o Vasco da
Gama, o levou para o
Rio de Janeiro. Foi
considerado o jogador Flávio Pinho - Florindo - também conhecido como
mais completo pela Gigante de Ébano, (à esquerda na foto) nasceu em 1929,
velocidade que em Nova Friburgo/ RJ. No campo atuava como zagueiro.
impunha em suas A torcida e a mídia o reverenciavam pelas jogadas fortes
jogadas e pelo drible e combativas, capazes de parar um dos melhores centro-
desconcertante que avantes da época: o gremista Juarez (a direita na foto).
aplicava em seus O catarinense Juarez Teixeira começou a jogar
adversários. no Grêmio em 1955, onde ficou até 1962. Tanque e
Leão do Olímpico foram dois apelidos marcantes do
lendário penta-campeão gaúcho (1956/1960). Entrou
para a história do Grêmio por ser o primeiro jogador negro
Acervo José Tarciso de Souza a integrar o Conselho Deliberativo.
Atletismo
Elza Ferreira Alves começou no esporte
defendendo a equipe de vôlei do Clube Náutico
Marcílio Dias, clube fundado por negros. Nos
anos 1957 e 1958 o Marcílio se destacava nas
competições de vôlei, basquete, atletismo e
remo.
Elza foi a primeira atleta negra a competir
pela Sogipa. Esteve também no Grêmio e no
Internacional. Sua especialidade no atletismo era
o heptatlo.
Irene Santos
Correntes da Fé - 109
110 - NEGRO em Preto e Branco
Museu J.J.Felizardo - Fototeca Sioma Breitman
Festa dos
Navegantes
Acervo Lucia Regina Brito
Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes em 1918 Grupo na festa da melancia nos anos 70
Acervo Osvaldo F. Reis
Irene Santos
Mãe Rita
(Museu J.J.Felizardo-Fototeca Sioma Breitman)
A fundação de grandes charqueadas de nível industrial, nos finais dos anos 1700, em Pelotas,
foi a razão principal para a importação de escravos negros para o Rio Grande do Sul.
A maior parte deles foi trazida de outros locais do Brasil, destacando-se o Rio de Janeiro,
mas é possível que alguns tenham vindo diretamente da África. Da mesma forma como ocorreu
em todo o País, cerca de 70% dos cativos eram bantos (do antigo Congo, Angola e Moçambique),
e 30% sudaneses (Nigéria e Benin).
Para se ter uma idéia da importância do charque, em 1833, em Pelotas, havia 5 mil escravos,
além de pardos e livres. Graças à atividade charqueadora, também, quase um terço dos 285
mil habitantes da população rio-grandense, em 1858, era composta por tais categorias.
Correntes da Fé - 111
112 - NEGRO em Preto e Branco
Correntes da Fé - 113
PALAVRA DE NEGRO
Oliveira Silveira
Oliveira Silveira
Jornal Tição
Tição, publicado em 1980
Redação:
Carmem Marilu, Ceres Santos, Edilson Nabarro,
Emilio Chagas, Helena Machado, Jones Lopes,
José Vainer, Jorge Freitas, Maria Lucia, Nelcira
Nascimento, Oliveira Silveira
Arquivo Tição
Teatro e Carnaval
Waldemar Pernambuco Moura Lima
O teatro, como arte, expressa os sentimentos mais ecologia, da fauna, da flora e falam das lendas, das
íntimos dos seres humanos. Sua origem, remonta aos glórias e derrotas das grandes nações indígenas.Estas
primórdios das civilizações.As liturgias religiosas, os encenações burlescas, realizadas pelas tribos
momentos de conquistas e perdas, alegrias e tristezas, carnavalescas, passam a ser a expressão mais pura
foram e são as matérias primas na construção do drama, dos sentimentos dos negros que usam as tribos e o
da comédia, da tragédia humana.A arte teatral tem, carnaval como meio de se auto afirmar e, de uma forma
portanto, o compromisso de expressar o que vem da concreta, demonstrar, sua capacidade inventiva, sua
alma simples do povo e, mesmo os autores clássicos, criatividade, seu senso estético, sua dança, sua música
renomados internacionalmente, trabalham com estes contagiante.O sucesso das tribos carnavalescas junto
sentimentos humanos para produzir suas obras de arte. ao povo, que delirava com as músicas, as danças e
A comunidade negra de Porto Alegre não poderia ficar encenações as quais, só ocorriam na época do
omissa, fora do seu processo histórico, sem desenvolver Carnaval, fez com que alguns dirigentes destas
ações ligadas ao campo da dramaturgia, da arte teatral. agremiações promovessem Festivais de Arte Popular.
As primeiras informações que nos chegam, nos dão Estes Festivais, aonde as tribos apresentavam suas
conta da presença do poeta, artista, agitador cultural e peças teatrais, com um formato de grandes shows
teatrólogo, negro Solano Trindade, criando aqui em musicais, tinham um apelo muito forte e a comunidade
Porto Alegre um grupo de ativistas culturais negros, que negra porta-alegrense participava em massa destas
iniciam apresentações de recitais poéticos em saraus nas tardes festivas que ocorriam aos sábados ou domingos
casas de família ou nas sociedades negras da época.Os no então Cinema Castelo. É importante lembrar que estas
encontros culturais tinham, como não podia deixar de tribos carnavalescas surgiram nas Casas de Religião Afro
ser, uma proposta clara de incentivar a auto-estima dos e tinham tudo a ver com o sincretismo religioso africano
negros porto-alegrenses, mostrando para a sociedade que deu origem, aqui, a umbanda.Paralelamente a estas
em geral, porém, mais especificamente para os próprios ações culturais de cunho estritamente popular, temos
negros, sua competência criadora, seu espírito informações de grupos teatrais que encenavam peças e
combativo. Usando, desta forma, a arte como meio de pequenos esquetes nas sociedades beneficentes e
contextualizar o entorno social em que viviam. bailantes da época.
Com o passar dos anos e a própria evolução da Podemos registrar, também, a tentativa de
sociedade, a ação teatral patrocinada pela comunidade profissionalização de um grupo, através da criação do
negra porto-alegrense, antes limitada aos pequenos Teatro Infantil, onde se formou uma troupe de músicos,
encontros culturais, toma uma outra dimensão e ganha bailarinos, bailarinas e cantores que partiram em
as ruas.Surgem as Tribos Carnavalescas, cujos temas excursão para os países vizinhos, Uruguai e Argentina.
enfocam os conflitos entre as diversas nações indígenas,
os casos de amor entre pajés e índias de tribos rivais.
Teatralizam, cantam, e dançam também em defesa da
Irene Santos
Programa e parte do elenco da peça Orfeu da Conceição montada pelo Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora em 1969
Aplausos
em cena
aberta
Os Prediletos com seu estadarte no carnaval de 1937.Na segunda fila, o quinto da esquerda
para a direita é o Dr. Veridiano Farias, mestre ensaiador do grupo.
Arquivo Imágica
Rainha do Carnaval
de 1936
Baile Carnavalesco na sede da Floresta Aurora ainda no Bairro Cristal Grupo na sede campestre do Cristal nos anos 50
Carnaval de 1973
Irene Santos
Logomarca da Associação
Satélite Prontidão
Arquivo A.Satélite Prontidão
Integrantes dos Turunas nos anos 30 1954 - Bloco Não Vai Prá Ti
Acervo Irma Nascimento
Compadre, laroie.
Irene Santos
Claudinho Pereira
Pobre carnaval...
O tempo passa, a luta é constante como
a própria realidade da qual participa. A
classe dominante é camaleônica,
ideologicamente, e impõe seus interesses.
Sempre foi assim ao longo dos anos. O
estudo do Carnaval nos propicia o
aflorar de passagens e trajetórias da
etnia negra em nossa Cidade.
Arraiais diversos, ligados ao Carnaval, mostram,
geograficamente, o seu território urbano. A Colônia Africana, hoje
bairro Rio Branco, o Caminho do Meio, hoje bairro Bom Fim, a
Cidade Baixa e a Ilhota, hoje Areal da Baronesa; Joaquim Nabuco,
Venezianos, Praça Garibaldi e, mais recentemente ,os bairros
Santana, Partenon, Cavalhada, IAPI, Mont’Serrat, São José, Jardim
Botânico organizavam os coretos.
Mas tudo começou com a etnia branca, principalmente,
quando os açorianos vieram florescer o Porto dos Casais. Na sua
bagagem trouxeram, também, um belíssimo tesouro cultural: o
Entrudo. Um legado que cresceu, dividiu opiniões e cooperou
para que em 1837 ocorresse sua proibição.
Por volta de 1875, um Carnaval requintado e luxuoso
Acervo Nilton V .Amaral deslumbrava e alcançava seu apogeu. Sociedades carnavalescas
- Esmeralda e Venezianos -, cada uma delas com mais de 25
carros enfeitados e cenografados, desfilavam nas ruas ornamentadas
de flores e lanternas de papel. Este foi, com certeza, um evento
majestoso e de imaginável alegria. Em 1886, manchetes de
revistas, jornais e folhetins da época retratam a anemia folieira do
Carnaval, com os seguintes dizeres:
“Forças ocultas levam a um visível declínio o Carnaval porto-
alegrense. Os conservadores acabam com o Carnaval”.
No final do século desaparecem as sociedades carnavalescas.
É preciso, também, pinçar da memória o século XX. Mais
precisamente 1939, quando da fundação da primeira escola de
samba em Porto Alegre denominada “Loucos de Alegria”. A idéia
trazida do Rio de Janeiro por Nelson Lucena (violonista) e seu
irmão Joaquim Lucena Filho. Juntaram-se a estes: Valdemar
Lucena, Oswaldo e Mário Barcelos e Heitor Barros. No ano
seguinte, 1940, a família Lucena deixa esta Escola e funda uma
outra, a Escola de Samba “Gente do Morro”. A “cariocarização”
do nosso Carnaval tinha seu início, mas entremeando esse
período, ali pelos anos 40, surgem as tribos carnavalescas que
tiveram na década de 60 um esplendor esfuziante.
A Academia de Samba Praiana no Carnaval de 1961 traz
inovações de desfile inspirado na folia do Rio introduzindo no
Carnaval gaúcho a estrutura de uma escola de samba. Em 1972 a
Academia de Samba Relâmpago, idealizada por Joaquim Lucena
Neto, é uma escola igual às do Rio de Janeiro. Traz para Porto Alegre
um novo ritmo, introduzindo o repenique e o maracanã e propondo
diversas modificações para o nosso Carnaval: direção empresarial,
quadras de ensaio, gravação de samba-enredo, retirada dos
instrumentos de sopro, grandes bailes e participações em projetos
sociais. Essa escola fez um grande evento com as escolas cariocas
Mangueira, Portela, Império Serrano, Imperatriz e Salgueiro que a
batizam no estádio Olímpico. Em 1973, a Relâmpago vai ao Rio de
Janeiro, apresenta-se no programa Flávio Cavalcanti e recebe as
bandeiras das escolas co-irmãs cariocas.
Ao final do século XX, Bambas da Orgia e Imperadores polarizam
a preferência popular. Enfim, vamos viver o presente século XXI.
Vamos voltar à alegria de outrora de um carnaval pomposo, vamos
construir a pista de eventos (sambódromo). Envaideço-me, lacrimejo
de alegria, mas, é no Porto Seco... lacrimejo de tristeza. Lampejos
na memória lembram a religião afro perseguida e, depois, por
interesses políticos, sendo liberada. Nessas casas, o samba era
acolhido e fortificou-se na clandestinidade. Era difícil para as
autoridades perseguidoras dos sambistas diferenciá-los na roda de
samba ou nas rodas de orixás.
Primeiro titulo dos Acadêmicos da Orgia em 1971. À esquerda Joaquim Lucena Filho
Irene Santos
1959 - Ranha do
Carnaval da Rua
Leopoldo Bier com
Coreto e Rainha do Carnaval de rua na Mariland em 1964 São Manoel
Acervo M.Regina B.Pinto Acervo M.Helena Montier
Alegoria e integranes do Aí Vem a Marinha 1967 - Trevo de Ouro desfila com enredo Brasil Império
Lista das ruas onde aconteceram os desfiles do Carnaval de Porto Alegre, na memória do
carnavalesco Érico Rosa Machado, da Academia de Samba Praiana:
1949 - Praça Senador Florêncio (Praça da Alfândega)
1953 - Rua General Bento Martins esquina com Rua Fernando Machado
1955 - Praça da Alfândega
1960 - Avenida Borges de Medeiros esquina com a Rua da Praia (Esquina Democrática)
1962 - Avenida Presidente Franklin Roosevelt
Irene Santos
Silvia Abreu
Álbum de retratos
Jazz em porto Alegre/ H.Vedana
JAZZ BAND ESPIA SO
O Regional Espia Só, que depois seria a Jazz Band Espia Só,
foi a primeira banda de jazz a surgir em Porto Alegre, em 1923,
em plena febre das jazz bands. Liderado pelo flautista Albino
Rosa, o grupo era formado apenas por músicos negros.
Integraram a banda, Veridiano Farias, Binga, Severo, Heraldo
Alves, Marino dos Santos e Paulino Mathias. A Jazz Band Espia
Só era presença marcante nas festas dos clubes Satélite e
Prontidão e ainda animava bailes no Interior. Manteve-se em
atividade até o final de 1932.
1959 - Conjunto Vocal Coringas do Ritmo em apresentação no Salão Modelo Branca de Neve
Acervo Lourdes Rodrigues
L OURDES R ODRIGUES
Lourdes Rodrigues é uma casa cheia! E quando canta,
todos os santos descem para lhe fazer coro. Foi sempre
assim, desde pequena. Aos 10 anos, ela já encantava
parentes e amigos, cantando nas escadarias da João
Manoel com a Fernando Machado, no Alto da Bronze, ao
estilo das divas que admirava, como Dalva de Oliveira e
Carmem Miranda. Cantar seria o seu sacerdócio e,
mesmo hoje, passados mais de cinco décadas de
dedicação ao palco, continua a professá-lo, toda a vez
que sua voz se derrama generosamente sobre a platéia.
Lourdes Rodrigues nos ano 50
GELSON OLIVEIRA
No início dos anos 70, Gelson Oliveira era um tímido anos. Quando retornou, gravou seu primeiro disco,
observador da cena musical de Porto Alegre. Nesta “Terra”, em dezembro de 1983, em parceria com o
época, ele morava em Gramado, onde trabalhava como baterista Luiz Everling. “O disco tocava direto na Rádio
artesão e, nos finais de semana, como músico de baile. Band FM. Os shows lotavam. Era popular e sofisticado;
Na Rádio Continental, ouvia Giba-Giba, Nelson Coelho tinha jazz, samba e sotaque gaúcho”. Em 1993, lançou
de Castro, Jerônimo Jardim, Fernando Ribeiro, Hermes “Imagens das Pedras”, com participação de Gilberto Gil
Aquino, Carlinhos Hartlieb, músicos que, direta ou e Paulo Moura, disco com o qual ganhou o Prêmio Sharp
indiretamente, o incentivaram a vir morar na Capital para de Artista Revelação em MPB. Depois viriam “Tempo ao
aprimorar-se como compositor. “Era uma época de muitas Tempo (1977) e “Júlio Rizzo & Gelson Oliveira” (1999).
mostras e apresentações. Em todos os bares havia Músico consagrado, apresentou-se pela Europa e é hoje
artistas tocando. Ocupávamos todos os espaços, uma referência como cantor, compositor, arranjador e
inclusive os DCEs (Diretórios Centrais de Estudantes) diretor musical.
das universidades “, relembra.
Foi em uma destas mostras universitárias que conheceu,
em 1978, o cantor Nei Lisboa, que também iniciava sua LUCIA HELENA
carreira. Juntos, estrearam, em 1979, “Lado a Lado”, seu Sua vocação para o canto se manifestou ainda nos pátios
primeiro show em teatro, no Clube de Cultura. Um grande escolares, onde cantava para as colegas. O início da
sucesso. “Foi meu primeiro show profissional e com ele sua profissionalização se deu em 1970, aos 15 anos,
inaugurei minha carreira”, comenta. Logo depois, conheceu quando participou de um festival de música, em Bento
o maestro Paulo Moura, que lhe fez o convite para estudar Gonçalves. Lá, conheceu Luiz Coronel, Marco Aurélio
Música na Escola Villa-Lobos, onde permaneceu por dois Vasconcelos, Jerônimo Jardim, Ivaldo Roque e Mauro
Acervo Lucia Helena
Marques, artistas que viriam a despertar
seu interesse pela música do Rio
Grande do Sul. Nessa época, fazia
aulas de canto. Aos 16 anos, participou
da coletânea “Porto do Sul”. Para
satisfazer a família, que a queria
médica ou advogada, Lúcia Helena
chegou a cursar Direito, mas, aos 20
anos, abandonou o curso para se
dedicar exclusivamente à música. Foi
cantar no “Emboscada”, entre as ruas
João Alfredo e Venâncio Aires. Eram
os “anos de chumbo” e cantar certas
canções era perigoso. O local começou
a chamar a atenção pela proposta
musical.
O samba-canção e o estilo dor-de-
cotovelo, que imperavam nas casas
noturnas, deram lugar à modernidade,
representada pelas letras engajadas de
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico
Buarque de Holanda, alternados com
canções em francês, italiano e inglês.
Lúcia Helena teve destacada participação 1973 - Lucia Helena na Califórnia da Canção. À direita, Ivaldo Roque
em inúmeros festivais.
Na Califórnia da Canção Nativa de Neguinho da Beija Flor, Bebeto e
Uruguaiana, em 1972, defendeu um conjuntos como os Originais do Samba.
dos clássicos do cancioneiro gaúcho: Suas atuações como compositor e
“Gaudêncio 7 Luas”, de Marco Aurélio percursionista se dividam entre Porto
Vasconcelos e Luiz Coronel. Participou Alegre e São Paulo e foi assim por um
também da 3ª Califórnia, com Jerônimo longo tempo.
Jardim e o grupo Pentagrama. O carnaval foi também uma paixão
Na década de 1980, lançou seu dividida entre os Acadêmicos da Orgia,
primeiro LP “Lúcia Helena”, pela Imperadores do Samba, Garotos da Orgia
gravadora Velas. Nos anos 1990, foi e Areal da Baronesa.
morar no Rio, onde permaneceu por Ao morrer, em 1999, deixou uma extensa
cinco anos atuando no meio musical. obra musical e uma discografia que
Em 2001, lançou seu primeiro CD, “Foi precisa sempre ser constantemente
a Noite” (Velas). Recebeu vários ouvida para se entender porque Bedeu
prêmios ao longo de sua carreira, foi predestinado.
entre eles o Açorianos de Música em
1996 e em 2001.
Ivaldo Roque Loma no 60 Festival Terra & Cor de Pedro Osório, no final dos anos 70
marco de sua carreira artística, no urbana”, resume. Em poucos anos de ritmo genuinamente africano e que
entanto, tem como referencial o carreira, firmou-se a ponto de ser mantém suas características originais.
show “Rio Grande do Som”, num apontada pela imprensa gaúcha Hoje, integra o Grupo “Cantadores do
encontro marcado com Luís Coronel, como a melhor cantora em três anos Litoral”, ao lado de renomados e
Jerônimo Jardim e Mutinho. Logo consecutivos: 1978, 1979 e 1980. talentosos músicos e compositores
depois, intensifica uma aliança criativa No início da década de 80, já em nativos do litoral gaúcho.
com o compositor Jerônimo Jardim carreira solo, parte para o Rio de
e dá um salto de qualidade na sua Janeiro. Lá, apresenta-se ao lado de
carreira musical. A Califórnia da Canção artistas renomados como Amelinha e
Nativa de Uruguaiana e as Cirandas de Zé Ramalho, e participa de gravações
Taquara são cenários, onde suas canções de discos de Alceu Valença, Elza
ganham projeção. . Em 07 de abril de Soares, Cristina Buarque, Gilberto Gil,
1986, Ivaldo Roque morre, deixando Monarco e a Velha Guarda da Portela.
para todos um inventário musical que o Em 1983, lança seu primeiro disco,
tempo não apaga. “Loma”, considerado pela crítica
como o melhor LP do ano.
A partir de 1985, volta a fixar-se no
Rio Grande do Sul. Lança um novo
LOMA trabalho, “Toda Mulher”, e ao fim de
1989 é eleita pela crítica especializada
Loma descobriu-se cantora nos
e por representantes de entidades de
terreiros de umbanda e foi aprimorar
produção musical e de produção
sua arte, a partir dos 12 anos, no
cultural “a Melhor Cantora da Década”.
coral da escola. Aos 14 anos já
Em 1992, lança seu terceiro disco,
trabalhava na produção do programa
“Um Mate por Ti”, e é indicada ao
Vovô Bicudinho, na TV Gaúcha.
prêmio Sharp na categoria Cantora
Também atuou na TV Piratini, onde
Regional. Já por essa época acumulava
participava do programa de Antônio
aproximadamente 30 troféus de Melhor
Gabriel nas manhãs de domingo.No
Intérprete, conquistados em festivais de
início de sua carreira, na década de
Música realizados no Estado.
70, atuou na publicidade e sua voz
Em 1999, lançou “Além-Fronteiras”,
embalou vários jingles de sucesso.
que lhe conferiu o Prêmio Açorianos
Em um destes trabalho, conheceu
de Melhor Intérprete e Melhor CD da
Jerônimo Jardim, que a convidou
categoria MPB. Neste trabalho, sua
p a r a i n t e g r a r, c o m o v o c a l i s t a , o
versatilidade e força interpretativa se
Pentagrama, em 1973. O grupo foi
manifestam na forma de sambas,
um dos principais responsáveis pelo
salsas, maçambiques, maracatus,
movimento renovador da música Capa do LP: O samba e suas Origens
maxixes, carimbós e músicas do
produzida no Rio Grande do Sul e do conjunto Pau Brasil nos anos 70
cancioneiro gaúcho.
que projetou nacionalmente vários
A partir da década de 80, Loma passa
compositores e intérpretes radicados
a divulgar a cultura afro-litorânea,
em Porto Alegre.
representada pelas composições de
“Fazíamos um trabalho de fusão da
Carlos Catuípe e Ivo Ladislau, com o
expressão campeira com a linguagem
objetivo de divulgar o maçambique,
Acervo Julio Ferreira Acervo M.Helena Montier
MARIA HELENA
ANDRADE, A ETERNA
RAINHA DO RÁDIO
Orgulhosa, ela abriu a caixa do
tempo. E dali guardadas, com presente
carinho, saíram todas as glórias do
passado: a faixa bordada, a coroa de
ouro e pedras semipreciosas, as fotos
Maria Helena no programa Rádio Seqüência
de uma época e os recortes de
jornais.
São tesouros que atestam uma de Dalva de Oliveira. A aprovação foi A carreira foi interrompida, mas o
suas maiores conquistas: o título de imediata. Ao ouví-la, Nelson ficou canto não. A voz, que encantava a
Rainha do Rádio de 1957. Aliás a encantado, não resistiu e passou a multidão dos auditórios, passou a
eterna, porque depois de Maria chamar outros músicos para apreciá- e m o c i o n a r uma outra platéia. As
Helena Andrade, ninguém mais ... la. Com a aprovação de todos, o cerimônias de casamento, os jantares
“é um título que guardo com muita primeiro contrato foi a s s i n a d o e de casais, as festas de aniversário e
honra, afinal eu fui a mais jovem Maria Helena passou a ser a eventos especiais em clubes da Cidade
rainha do rádio do Brasil, tinha sensação musical da Cidade. servem, ainda hoje, de palco para
apenas 15 anos”. As apresentações no Cine Castelo e a arte de Maria Helena Andrade. A
A fase de ouro do rádio gaúcho foi nos programas de auditório da Rádio música romântica tem sido pauta no
marcada pelos programas de auditório Farroupilha deram-lhe, também, o repertório que aquece os corações
lotado, ao meio-dia na Rádio Farroupilha apelido de Sapoti do Sul. “Eu era fã apaixonados. “Sou uma romântica
- “Rádio Seqüência”- e nas tardes de de Ângela Maria - que tinha o apelido incorrigível ”, afirma Maria Helena,
sábado, os concursos de calouros do de Sapoti - e cantava a muitos dos enquanto rememora momentos do
Clube do Guri. Foi neste cenário que seus sucessos , principalmente Orgulho, passado através das muitas fotos e
Maria Helena brilhou. No centro do País uma música lindíssima. Eu não recortes de jornais de um tempo em que
- Rio e São Paulo – o público suspirava imitava a Ângela, mas meu timbre de uma menina simples e elegante subiu
ao ouvir as divas do cancioneiro voz era muito semelhante”. ao estrelato do rádio gaúcho.
nacional: Ângela Maria, Nora Nei, A carreira de Maria Helena se
Elisete Cardoso, Dalva de Oliveira, expandiu por um período de cinco
Emilinha Borba . Um seleto grupo de anos. “Foram momentos especiais.
musas inspiradoras de Maria Helena O Cinema Castelo era o termômetro
Andrade. Nascida em Rio Grande sob do sucesso, assim como te elevava,
o signo da música e embalada pelo o público te derrubava. Felizmente
som dos discos de 78 rotações, aos eu me saí bem”. A crítica da época
nove anos já soltava a voz, cantando a e l e v a v a . Em seis meses, Maria
nos programas das rádios Cultura Helena assinalou um recorde de
Riograndina e Minuano. sucesso e prestígio no r á d i o . F o i
A cidade natal logo ficou pequena contratada pela Rádio Farroupilha
para o grande talento que emergia. e pela gravadora Mocambo, onde
Aos 14 anos, acompanhada da mãe gravou um disco de 78 rotações.
Enedina, Maria Helena veio para Escolhida candidata a Rainha do
Porto Alegre. As indicações a Rádio foi apontada como a maior
levaram à Rádio Farroupilha. Lá foi revelação do rádio sulino.Aos 19
ouvida por Nelson Silva, cantor, ator anos, o casamento e a opção de
e autor do Hino do Inter. No teste, parar em 1961. “ Parei porque quis,
Maria Helena cantou “Ave Maria do ninguém me pressionou”. 1958 - apresentação ao vivo no Grande
Morro”, um sucesso da consagrada Show Wallig, da TV Piratini
Acervo Zilah Machado
Elis Regina. Apresenta-se no Clube
dos Cozinheiros, casa de shows de
Lupicinio e Rubens Santos e em
programas de auditório.
Em 1971, Zilah vai tentar a sorte no
Rio de Janeiro, cantando em casas
noturnas e programas de rádio e TV.
Lá permanece até 1982. Reveza-se
entre o trabalho como diarista e as
gravações para a Odeon e CBS, como
integrante de coro. Em 1980, lança seu
primeiro LP,, ““Já Já se Dança Samba
como Antigamente” (CBS).
No Rio, cantou ao lado de Cauby
Peixoto, participando também de
musicais de Sargentelli, no Hotel
Nacional, e na Rádio Globo. Atuou
como atriz de teatro, cinema e rádio.
Participou dos filmes “Quem Matou
Pacífico?”, “As Manicures” e “Lúcio
Flávio, Passageiro da Agonia”. No
teatro, atuou nas peças “A Volta do
Apresentação ao vivo na televisão nos anos 50 Araraí” e “Sem tua Presença” e
i n t e g r o u o e l e n c o d a n o v e l a “A
Z ILAH M ACHADO Cabana do Pai Tomaz”, exibida no
Canal 5, em Porto Alegre. Em 1988,
Em sua modesta casa, na Rua São dos Sonhos”, lançado em 2000 pela
já em sua terra natal, lança seu
Francisco, no bairro Partenon, Zilah Prefeitura de Porto Alegre, referiu-se
segundo LP, “Lupiciniana” (CBS)
Machado faz planos para o seu a ela como “pérola escondida no Sul
e é homenageada pela Prefeitura
próximo disco, o quarto de sua do Brasil”. A convite dele, presentou-
Municipal com a Medalha Cidade
carreira. Sua intenção é realizar um se, em janeiro de 2004, no Sesc-
de Porto Alegre.
trabalho que evoque suas raízes, Pompéia, em São Paulo, no projeto
as lembranças familiares, os cantos “Sotaques do Samba”, ao lado de 14
primitivos legados de mãe para expressões nacionais do gênero.
filha, geração após geração, e que Zilah Machado nasceu em 13 de abril
ela, ainda hoje, entoa durante as de 1928 e foi criada na Ilhota, em Porto
obrigações religiosas. Alegre. Sua mãe, que era lavadeira,
Silva Abreu
Não será, contudo, passadista. Zilah morava ao lado da casa de Lupicínio
está sempre sintonizada com seu Rodrigues, que muitas vezes a pegou
tempo. Afinal, poucas carreiras têm no colo. “Essa menina vai ser cantora
tamanha longevidade. porque já chora afinado”, vaticinou ele,
A veia poética, revelada na maturidade, contrariando o desejo da mãe, que
se manifesta nas canções que queria que sua única filha fosse
compõe cotidianamente, e que, a professora.
despeito de revelar a influência do Aos três anos de idade, Lupi lhe
mestre Lupicínio, seu padrinho musical, ensinou a “Marcha do Jacaré”, uma
identificam um estilo muito particular. marchinha de Carnaval. Estudou no
Além de compositora e intérprete, Zilah Colégio Paula Soares, onde participou
também produz quadros de motivos do coro orfeônico. Como gostasse
afro, elaborados com desvelo. Zilah não muito de samba e seresta, sua mãe
têm a preocupação de exibí-los ao público. tentou dar outro rumo à vocação da
São, antes, mais uma manifestação da filha, colocando-a para estudar canto
vocação sensível da artista. lírico com o maestro Roberto Eggers,
Outro talento da cantora está nos com quem permaneceu durante onze
tambores que confecciona. Zilah anos.
ocupa-se de tudo: da escolha das Em 1962, abandona definitivamente
peças ao acabamento, com pintura o canto lírico e embarca para a
caprichada, em que predominam Argentina para uma temporada de
cores fortes e contrastantes e desenhos três meses com a orquestra do Zilah Machado com seus tambores
de motivo tribal. Mais um capricho Maestro Délcio Vieira. É o início de
para o seu próprio deleite. Zilah toca uma carreira internacional, que a
os tambores para evocar os santos levaria até o México.
e, também , sempre que compõe. . De volta a Porto Alegre, passa a
O crítico Carlos Callado, ao ouvir seu cantar na Rádio Gaúcha, quando
último disco, “Passageira da Nave vence um concurso para substituir
ARTE
Renato Rosa
EM PRETO E BRANCO?
A jornalista Silvia Abreu me comunica, via e-mail, em expressão artística conhecida como erudita, por ser um
função do presente volume que “No capítulo sobre arte, trabalho com um matiz mais intelectualizado e sofisticado,
incluímos pequenas biografias e fotos de trabalhos de apesar da alta carga de dramaticidade que o trabalho dela
Wilson Tibério, Magliani, Djalma do Alegrete, Paulinho encerra. Djalma e J. Altair - este talvez por ser um artista naïf
Chimendes e Pedro Homero. Então, acredito que está tudo e também pai de santo - aventuraram-se em suas raízes
resolvido. De certa forma esta é quase a real ordem de afro-descendentes, utilizando os deuses africanos como
entrada em cena. Wilson Tibério efetivamente precede referência em muitas passagens de suas obras.
Magliani (Maria Lídia dos Santos Magliani) mas o mesmo
não ocorre em relação a Djalma do Alegrete (Djalma Outros artistas que enveredaram por esse caminho
Cunha Santos). Mais jovem, Magliani situa-se entre os foram Jaci Santos na escultura em pedra e madeira e Afro
dois, mas entre esses pintores e ela, interpõem-se o nome Marco (Marco Antônio Lopes), este influenciado pelo
de J. Altair (João Altair Barros), autodidata, que começou entalhador pernambucano Maurício Pacheco, um dos
a pintar em 1950. Wilson Tibério, nascido em 1923, é o poucos casos de artista negro, vindo de outra região, que
mais velho dos artistas citados, saiu do Brasil em 1943 e se instalou em Porto Alegre nos anos 70. Afro Marco
sua trajetória é inteiramente desconhecida no País. Uma dedica-se ao entalhe em praça pública, no Brique da
clara desatenção das pessoas que lidam com a questão Redenção e Jaci Santos teve uma morte estúpida após
da memória no Brasil, sinalizei esse fato, em co-autoria longo encarceramento em sítios prisionais. Começou
c o m D e c i o P r e s s e r, e m n o s s o d i c i o n á r i o d e a r t e s garoto, guiado pelas mãos dos professores do Atelier
plásticas, um verbete redigido em 1996. Até hoje a Livre e ainda adolescente, chegou a inaugurar, com
situação de Tibério permanece a mesma: um verbete exposição individual, a sala de exposições da sede
aparentemente imutável porque esconde a desatenção provisória na rua Lobo da Costa. De Pedro Homero, artista
citada. Pode-se fazer múltiplas leituras desse fato. de extração mais recente, nada posso acrescentar porque
desconhecia sua atuação até o presente momento, uso
No início de sua carreira, em Porto Alegre, nos anos palavras da jornalista Silvia Abreu: “...posso dizer que,
50, Djalma Santos agregou o nome da terra de nascimento a n t e s d e s e r p i n t o r, e l e e r a m ú s i c o . C o n s i d e r a d o
a seu prenome, para diferenciar-se do grande esportista primitivista, desenvolve seus trabalhos tendo como base
campeão do mundo da seleção de 1958, seu homônimo a religiosidade de matriz africana. “Minha arte é o meu
Djalma Santos. Ele representou, até as últimas conseqüências, referencial e a forma de eu viver o mundo negro em todos
e de modo exacerbado, a tragédia do artista/negro/ os sentidos”, afirma ele. Seus trabalhos têm percorrido o
brasileiro/marginal/homossexual, usou e abusou e pirou em mundo. Sua última série sobre os orixás chegou até à
sua liberdade individual sem poupar-se, sem medir Bélgica, na forma de cartões postais. Ele foi citado na
esforços. Imolou-se em vida, tornou-se um herói de si revista norte-americana “Callaloo”, editada por Steven
mesmo. Morreu pobre, desamparado, vitimado pelo mal do White, e recebeu, em 2001, elogios do artista plástico
final do século passado: Aids. Uma pena. Mesmo assim, francês Jean Durin.”
para que não se acuse o mercado de arte, o artista recebia
apoio da galeria Edelweiss, espaço tradicional de Porto Dispo m o s t a m b é m d e u m a r t i s t a , c o m b r e v e s
Alegre, dirigido pela marchand Anne Lore Kley. Sou participações em Porto Alegre, nos anos 80, hoje é
testemunha do que afirmo. Djalma tentou a sorte no Rio de uma referência da arte em Portugal, chama-se Renato
Janeiro, onde conseguiu desenvolver um trabalho pioneiro Rodyner e sua formação ocorreu no Atelier Livre da
junto ao que hoje se convencionou chamar de comunidade Prefeitura Municipal de Porto Alegre. E agora um
de base, favelados, que – ironicamente – não moram na momento Caras: encontrei Renato em Paris, num
base mas nos píncaros dos morros da cidade, donos das vernissage (atenção, esta palavra não leva eme ao
vistas mais belas – essa posse talvez seja um dos motivos final!!) em 2001, na Galerie Debret. Alguns meses
de tensão entre os donos da terra na base. Como sabemos, depois, recebo de Lisboa, a Caras/Portugal, em cuja
todo preconceito é perverso e um de seus lados mais edição loiríssima star Vera Fisher ganhara quatro
manifesto brota na diferenciação econômica. páginas e ele, sete. Nessa proporção. Um vitorioso.
Outro artista que atua em Porto Alegre desde os anos
Paulo Chimendes representa a opção da permanência. 70/80 chama-se Carlos Alberto Oliveira, pintor. Uma
Talentoso, ainda é um jovem artista, não recebeu o verdadeira revelação. A primeira pessoa a defender
reconhecimento do público (por enquanto, forçosamente seu talento foi o renomado artista plástico Danúbio
terá sua hora e vez) mas seus pares e alunos o tratam com Gonçalves, uma autoridade, cuja opinião é indiscutível.
muita cortesia e veneração. Justo e merecido. Magliani e Carlos Alberto participou de diversas e importantes
Paulo Chimendes percorrem o caminho tortuoso da exposições coletivas e destacou-se numa das edições
do Salão do Jovem Artista da RBS e a seu favor conta- homem para contar sua história. É um modo de contar
se uma curiosidade, é o único que faz uma abordagem (marcar) sua presença na vida, sua individualidade, sua
social mais direta, retrata operariado calçadista e impôs- afirmação como pessoa e isso importa muito. É o começo
se num meio claramente germânico: Novo Hamburgo. da liberdade entre os iguais. Depois disso é que seremos
Seu trabalho apresenta características de um pintor um quando o outro nos considera.
primitivo mas não é, considerando a elaboração e
tratamento dispensados a seus temas. A pessoa, sim, um Então, ressalvando a dita etnia - pegando por esse viés
homem simples, do povo. político, de todos, a pintora Magliani é, sem dúvida, o artista
mais destacado do Rio Grande do Sul. Sua foto encontra-se
Destacam-se ainda Sérgio Vergara e Luiz Armando Vaz, em exibição permanente no Museu do Negro, situado no
fotógrafos, Grace Patterson com seus retratos em pastel seco Parque do Ibirapuera, São Paulo. Visitamos juntos esse
e pinturas em acrílica e o escultor Nilton Maia com suas museu em dezembro de 2004, uma criação e antigo sonho
mulheres brihantemente modeladas em terracota.Ocupando- do genial artista brasileiro Emanoel Araújo, um defensor da
se com a impressão serigrafica e litografica, tornam-se fortes afirmação do negro brasileiro. Magliani consta numa espécie
presenças os impressores Donato e Nelcindo da Rosa, este de Pantheon ao lado de Ruth de Souza, Milton Gonçalves,
no Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Outro Pixinguinha, Pelé, Leá Garcia e outras personalidades
valor da escultura em madeira chama-se Gutê (Carlos nacionais. Esse destaque foi pago com seu próprio sangue,
Augusto da Silva) artista que viveu um longo período na capital sua necessária luta, sua solidão, um talento enraizado e
paulista. Creio que esse panorama se completa com a citação entranhado, inabalável, porque apesar de todas as
de Miguel Barros(O Mulato) artista pelotense que, na década dificuldades que tenha enfrentado – e segue enfrentando –
de 40, foi aluno do genial João Fahrion em Porto Alegre e sem fazer concessões, soube colocar-se acima de todas as
que granjeou projeção fora do RS. bandeiras. Sua obra é apreciada em estados brasileiros
como São Paulo, Minas, Bahia e Rio de Janeiro. Sua obra
Por fim, dizer mais de artistas negros em Porto Alegre, tem significado no difícil mercado de arte nacional, isso é
de modo assim tão localizado é bastante delicado, raro, e mais ainda, é quase “impensável”, mesmo agora
primeiro porque nenhum usa, como vejo aqui no Rio, nessa entrada de século, quando o mundo teima em manter-
camisetas estampando “100% negro”, um meio válido se, por exemplo, ainda “masculino”, sem contar outros
de assumir-se já que, na outra ponta, contamos de preconceitos.
modo folclórico com Ronaldinho, o fenômeno, que
afirmou não ser negro, um engano de identidade que Ou seja: a luta continua.
– a meu ver – “mancha” uma biografia numa seara
onde Pelé é considerado “o orgulho da raça”. Da raça
humana espero. Negro é quem declara ser. Mas isso,
Rio de Janeiro, 29 de junho de 2005
aparentemente é outra questão, mas não é.
Irene Santos
Renato Rosa
Auto-retrato
Wilson Tibério: 1916 [Porto Alegre] ~ 2005 [França]
Irene Santos
Frente Negra de Arte: Silvia Viitória, Pelópedas Thebano, Pedro Homero, Tania Maria Borba, Américo Souza
Festa de aniversário
Irene Santos
Chef Jorge Nascimento tem reconhecida atuação no cenário nacional. Autor do livro
“OCASIÕES - Receitas práticas e dicas de culinária para todas as situações”. Professor do
Curso Superior de Gastronomia da Unisinos/RS, e do Curso de Hotelaria da PUC/RS.
Membro da Abaga (Associação Brasileira da Alta Gastronomia).
CARDÁPIO AFRO-GAÚCHO ou
comida de santo
na mesa de todo dia
Entradas
pipoca................................................................ Bará e Xapanã
amendoim .....................................................................Xapanã
acarajé............................................................................... Iansã
Refeições
sopa de legumes com carne de galinha ....................... Ibêji
peixe assado ......................................................................Bará
peixe ensopado com pirão.............................................. Bará
camarão frito ....................................................................Xangô
churrasco de costela acompanhado com farofa de mandioca
bem soltinha misturada com azeite de dendê ........... Ogum
galinha assada ............................................... todos os Orixás
carne de ovelha assada no forno ..............................Yemanjá
carne de carneiro assada no forno ...............................Xangô
carne de porco assada no forno, com farinha de mandioca
temperada.................................................................Odé e Odi
milho verde, cozido na água e sal ......Ogum e Nanã Boruku
caranguejo ou siri ......................................................Yemanjá
lingüiça com farofa .......................................................Ossâim
Sobremesas
canjica ...............................................................Oxum e Yemanjá
quindim ..............................................................................Oxum
pé-de-moleque ...............................................................Xapanã
pudim de leite ....................................................... Oxum e Ibêji
merengue grande ...........................................Oxalá e Yemanjá
laranja doce ou fruta .............................................................Obá
bananas ..............................................................................Ogum
cerejas ...................................................................................Oyá
bolos de farinha de trigo sem recheios ...........Xangô e Xapanã
doce de leite ..........................................................Oxum e Ibêji
doce de côco cozido com a casca .................Yemanjá e Oxalá
sagú com suco de uva .....................................................Oxum
salada de frutas .............................................bebida de Ogum
abacaxi...................................................................................Obá
Bebidas
cerveja ...............................................................................Ogum
champanha .........................................................................Iansã
vinhos ...............................................................................Xapanã
A grafia dos nomes dos Orixás está de acordo com o Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros
de Olga Gudolle Cacciatore
Irene Santos
FONTES CONSULTADAS
ACHUTTI,Luiz Eduardo R. Ensaios (sobre o) Fotográfico . Porto Alegre:
Prefeitura Municipal, 1998