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Maria Penedo

MARIA DO CARMO MARINO SCHNEIDER

MARIA PENEDO
vida e obra

Vitória, 2015
© FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO

Governador do Estado do Espírito Santo


PAULO CESAR HARTUNG GOMES

Vice-Governador
CÉSAR ROBERTO COLNAGHI

Secretário de Estado da Educação


HAROLDO CORREA ROCHA

Faculdade de Música do Espírito Santo - Direção Geral


PAULO HENRIQUE AVIDOS PELISSARI

Capa, Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica


SÉRGIO RODRIGO DA S. FERREIRA

Impressão e Acabamento
DIO - DEPARTAMENTO DE IMPRENSA OFICIAL - ES

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Biblioteca da Faculdade de Música do Espírito Santo

XXXXx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx.


XX XXXXXxxxxxxxxx XXXXXXXXxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Vitória: Facul-
dade de Música do Espírito Santo Maurício de Oliveira, 2014.
Xxx p. il.

ISBN 978-xx-66xxx-xx-x

1.Biografia - música. 2.Música popular brasileira. 3.xxxxx. I.Título.

CDD. xxxxx

Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” (FAMES)


Praça Américo Poli Monjardim - 60 - Centro - Vitória-ES - Cep: 29010-640
Tel: 27 3636-3600 - www. fames.es.gov.br/
A música é uma outra vida dentro da Vida!
Quando tudo que agora tens
Não o tiveres mais,
Terás a música dentro de ti
Que não perece jamais.
Maria Penedo: vida e obra

PREFÁCIO

Um prefácio deve ser como uma pequena gota de orvalho que


antecipa a chegada do dia. Nunca será o arquétipo da luz que inunda a
manhã. Este prefácio, então, serve apenas, para dar uma pálida cintilação
ao assunto que ilumina este livro: “Maria Penedo – Vida e Obra”, de Maria
do Carmo Marino Schneider.
Quem conheceu dona Maria Penedo saberá que não existem
adjetivos suficientes para descrevê-la. Pode-se dizer que era uma figura
intensa, definida, impossível de passar despercebida. Que era esguia
e elegante em sua sobriedade de andar e vestir. Que era direta e sem
subterfúgios em seu jeito de falar a crianças, jovens e adultos. Que era
doce, suave e compreensiva em seu envolvimento com quem quer que
dela se aproximasse.
Pode-se dizer também que era um ser musical. Que sabia lidar
com os conhecimentos, na escola. Que inventava a magia de cristal do
canto, através das vozes de seu coral orfeônico.
Pode-se dizer, enfim, que era alguém que se destacava, de
imediato, aos olhos, aos ouvidos, à alma e ao coração.
É imensamente proveitoso e é justo que, para as gerações de
hoje, se desvendem criaturas como ela, que nasceram e viveram em
terras capixabas, deixando para os pósteros um exemplo de dignidade,
criatividade, beleza, amor e respeito. No entanto, estará fadada ao
insucesso qualquer tentativa de dar forma total e completa ao que dona
Maria Penedo representou para a cultura do Espírito Santo, e para quem
teve a oportunidade preciosa de partilhar com ela seus dias, suas aulas
e seus ensinamentos.
Por essa razão, neste livro, os leitores vão reconhecer o cuidadoso
e minucioso trabalho da autora, que o teceu como se fosse uma renda
feita de fotografias e depoimentos, imagens e palavras. E fez isso
com tanta delicadeza, que os capítulos deixam passar os detalhes, os
acontecimentos e os fatos biográficos, sutilmente, por entre os finos fios
do texto. De modo que mesmo aqueles que não tiveram o privilégio de
conviver com a biografada podem exercitar, sobre a existência dela, as
maravilhas do pensamento e da imaginação.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Pois que dona Maria Penedo pode ser pensada e imaginada,


agora, como uma criatura que tinha a certeza da transitoriedade de tudo.
E que, nesse efêmero universo de coisas e ações, escolheu a música,
como forma de expressão capaz de transcender a finitude do mundo e
dar corpo a sua confessada aspiração de ser professora e ensinar.
Aqui, estão seis capítulos que retratam a vida e a obra, dessa
mulher magnífica: Suas origens; Nasce uma alma musical; Sua
contribuição à educação musical no Espírito Santo; A divulgadora do
folclore capixaba; Merecidas homenagens; Depoimentos vivos. Em
cada um desses capítulos, Maria do Carmo Marino Schneider põe um
pouco de seu próprio talento de escritora, de sua própria alma artística,
desdobrando para nós, ao final, um inventário riquíssimo.
Nada mais me resta acrescentar neste breve prefácio, feito à
guisa de apresentação. A não ser reiterar que as palavras são frágeis, as
imagens são frágeis. Mas que são tudo o que temos, quando se trata de
fixar os lampejos de uma vida ilustre que surge, passa e se vai, engolida
pela areia movediça do tempo.
E é assim, com imagens e palavras, que, neste livro, se vai fixando,
desenhando e sonhando o perfil de dona Maria Penedo. Brilhando como
as águas de um rio que entra pela memória adentro.

Bernadette Lyra
São Paulo, outono de 2014.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO, 07

CAPITULO 1: Suas origens, 13

CAPÍTULO 2: Nasce uma alma musical, 19

CAPÍTULO 3: Sua contribuição à Educação Musical no ES, 31

CAPÍTULO 4: A divulgadora do Folclore Capixaba, 47

CAPITULO 5: Merecidas homenagens, 59

CAPITULO 6: Depoimentos vivos, 75

REFERÊNCIAS, 97

AGRADECIMENTOS, 99
Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 1
Suas origens

As origens de Maria Penedo remontam à segunda


metade do século XIX, quando seu pai, Antônio Moreira
Penedo, nasce nas ilhas de uma colônia portuguesa, filho
de Luísa Moreira Penedo e José Joaquim Ferreira Penedo.
Casado com Maria Magdalena Pazzi Penedo, tiveram
numerosa prole constituída de sete filhos.
• Antônio Ferreira Penedo era o mais velho, nascido em
12/02/1871, em Cobiça, Cachoeiro de Itapemirim. Teve dez
filhos;
• José Ferreira Penedo, nascido em 16/09/1872, casado com
Rita Prates Penedo, com sete filhos;
• Francisco de Assis Ferreira Penedo, casado com Dalila, um
filho;
• Hermogenea Ferreira Penedo, nascida em 13/04/1875,
casada com Augusto Silva, três filhos;
• Almerinda Ferreira Penedo, casada com Luis Alves de
Oliveira, quatro filhos;
• Merandolina Maria Ferreira, nascida em 13/07/1877,
casada com Manoel Francisco da Silva, e cujos filhos não
são conhecidos e,
• Emerentina Ferreira Penedo, nascida em 22/10/1880,
casada com Antônio Mendes, dos quais nada se sabe
sobre os filhos.

Antônio Ferreira Penedo, pai de Maria Penedo, nasceu


em Cobiça, Cachoeiro de Itapemirim, em 12 de fevereiro de
1871. Contraiu matrimônio com Nívea Estella Bittencourt

13
Pinheiro, em 28 de junho de 1902, no oratório da Fazenda
Coroa da Onça, na Freguesia de Nossa Senhora do Amparo,
em Itapemirim. Em virtude de Nívea ter apenas 17 anos, à
época, este casamento teve que ter o consentimento, por
escrito, do pai dela, registrado em cartório.
Nívea nasceu no município de Itapemirim, filha de
Francisco Gomes Pinheiro da Silva, neto do capitão José
Gomes Pinheiro, casado com Maria Joaquina da Silva Lima,
filha do Barão de Itapemirim, e Maria Francisca Bittencourt
Pinheiro, neta do coronel João Nepomuceno Gomes
Bittencourt, o “Moço da Areia”.

Foto: Antônio e Nívea, pais de Maria Penedo. Fonte: Acervo da família Penedo.

Nos anais da história de Itapemirim está registrada


a famosa rivalidade irreconciliável entre as duas mais
Maria Penedo: vida e obra

importantes famílias da região à época: de um lado, a


família capitaneada pelo comendador João Nepomuceno
Gomes Bittencourt e seus irmãos, conhecidos como “Moços
de Areia”, grandes fazendeiros da região, proprietários das
fazendas “Areia e “Coroa da Onça”; do outro lado, o Major
Joaquim Marcelino da Silva Lima, o “Barão de Itapemirim”,
proprietário das terras do lado Sul do rio Itapemirim, sendo
o homem de maior fortuna de Itapemirim naqueles tempos.
Apesar desse grande poderio econômico, eram os “Areias”
que dominavam politicamente a região1.

Foto: Autorização para casamento de Nívea com Antônio. Fonte: Acervo da família
Penedo.

1 NOTA: Os dados relativos às origens de Maria Penedo tiveram como fontes o


livro Trajetória da família Nívea Estella Bittencourt Pinheiro e Antônio Ferreira Penedo,
escrito com a colaboração da família Penedo, com organização de João Zuccaratto e a en-
trevista que elaboramos com a Sra. Maria Ignez Rebello Santana, sobrinha da biografada
e guardiã de seu acervo.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Nívea nasceu, assim, dentro dessa forte disputa


familiar, bisneta por parte de mãe, do comendador João
Nepomuceno Gomes Bittencourt, conhecido como “Moço
de Areia”, e bisneta, por parte de pai, de Maria Joaquina da
Silva, filha do Barão de Itapemirim, conhecidos arquirrivais.
Do matrimônio de Antônio e Nívea originou-se uma bela e
numerosa prole, constituída de dez filhos:
• Maria, a primogênita, nascida em 17/05/1903, no município
de Cachoeiro de Itapemirim;
• Dairon, nascido em 13/10/1904;
• Almerinda, nascida em 14/04/1906;
• Izilda, nascida em 05/06/1907;
• Dalton, nascido em 21/01/1909;
• Lélia, nascida em 01/07/1911;
• Dylio, nascido em 01/01913;
• Nívea, nascida em 16/06/1914;
• José, nascido em 18/12/1915 e
• Francisco, nascido em 30/03/1917.

Foi no chamado“Casarão da Chácara”, cuja construção


foi concluída em 1916, que Antônio e Nívea criaram seus 10
filhos e, depois, três netos. O casarão foi edificado num dos
pontos mais altos da cidade de Cachoeiro de Itapemirim,
rodeada por verdejante paisagem e com vista privilegiada
para o rio Itapemirim. Ali a família viveu momentos de
inebriante felicidade, sob a proteção e carinho dos pais
cuidadosos e atentos quanto à educação e o bem estar dos
filhos.

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Maria Penedo: vida e obra

Foto: A família Penedo no Casarão da Chácara. Fonte: Acervo da família Penedo.

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Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 2
Nasce uma alma musical

Maria Penedo nasceu na propriedade Cachoeirinha,


no município de Cachoeiro de Itapemirim, em 17/05/1903,
recebendo o nome de Maria da Penha Penedo, nome esse
que foi retificado em cartório, em 17/12/1969, passando
a chamar-se Maria Penedo. Desde a mais tenra idade
manifestou pendores para a música. Embora não tivesse
ninguém na família que fosse músico, teve um pai atento
que percebeu a sua tendência artística e permitiu que
estudasse música, apesar de achar que ela deveria seguir
estudos que possibilitassem, futuramente, ter uma carreira
mais promissora e rentável.
Seus primeiros estudos de piano foram realizados em
Cachoeiro de Itapemirim, com a professora Graça Guárdia,
tia do poeta Rubem Braga, e com o professor Quintiliano de
Azevedo. Assim, suas primeiras emoções propiciadas pelo
teclado, ela as colheu em sua terra natal, em meio ao carinho
daqueles que vislumbravam na sua alma juvenil o emergir
de um grande talento como concertista.
Orgulhoso do talento da filha, o pai autoriza a sua
ida para o Rio de Janeiro para aperfeiçoar-se nos estudos
de Chopin, Mozart, Liszt, Wagner, Beethoven, Tchaikowski
e tantos outros nomes gloriosos da música erudita. Nesse
período, morou com sua tia Almerinda, irmã de seu pai,
que lá residia, onde permaneceu até a conclusão de seus
estudos, que foi caracterizado por brilhantismo e digno dos
maiores elogios não só por seus professores como também
pela crítica musical à época.
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Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Certidão com o nome de Maria da Penha Penedo. Fonte: Acervo da família Penedo.

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Maria Penedo: vida e obra

Foto: Certidão de retificação de nome para Maria Penedo. Fonte: Acervo da família
Penedo.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Maria Penedo como estudante no Rio de Janeiro -1924. Fonte: Acervo da família
Penedo.

Concluiu seus estudos com brilhantismo na Escola


Figueiredo Roxo, tendo como principais mestres Oscar
Lorenzo Fernandez e Suzana Figueiredo. Formou-se,
também, em Teoria Musical, no Conservatório Brasileiro de
Música.
Sobre seu sucesso nos cursos realizados, cumpre
ressaltar a publicação do jornal A Noite, de 21/12/1926:
Após uma linda e ininterrupta serie (sic) de notas, todas as
mais distinctas (sic), terminou, também, entre louvores, o curso
de piano na Escola Figueiredo Roxo, a senhorita Maria Penedo,
Natural da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, onde iniciou os
seus primeiros estudos de piano, veio a talentosa diplomandade
agora cursar aquella (sic) renomada escola de cultura musical.

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Maria Penedo: vida e obra

Desde então, começaram as suas mestras a verificar as


invulgares aptidões dessa discípula que deixava antever um
bellíssimo (sic) futuro para sua arte.
Hontem (sic), submetida a concurso final e interpretando
impecavelmente a “Appassionata” de Beethoven, e o “Estudo
numero (sic) 10 de Chopin, a senhorita Maria Penedo
demonstrou possuir um alto gráo (sic) os requisitos exigidos
pela “virtuosidade” de moderno pianista. Tanto na parte
puramente dynamica (sic), no mecanismo do teclado, como no
effeito (sic) de sonoridade, na limpidez de sons e na bravura
ou antes, no modo de sentir e interpretar os diversos autores
classicos (sic) ou modernos _ a jovem artista houvesse (sic)
de modo a contentar os mais exigentes criticos (sic) de piano.
Deste modo, obteve por unanimidade, o mais alto gráo (sic) do
concurso, a “medalha de ouro” do curso2.

Ao retornar a Cachoeiro, seu pai, orgulhoso do sucesso


da filha, importou, em 1926, da Áustria, um maravilhoso
piano de cauda, negro, da marca Bösendorfer, que chegou à
cidade de Vitória de navio, seguindo para Cachoeiro no trem
da Estrada de Ferro Leopoldina.
Começaram, então, suas apresentações em recitais
desse instrumento, principalmente em Cachoeiro de
Itapemirim e em Muqui.
Iniciou, também, a ministrar cursos particulares de
piano a jovens da sociedade de Cachoeiro de Itapemirim
e de Alegre e, posteriormente, em Vitória. Esses jovens,
alunos e adolescentes, não só estudaram piano com a
jovem e dedicada professora, como também abrilhantaram
apresentações em múltiplos recitais organizados por ela.
Dentre os alunos de Cachoeiro de Itapemirim
destacam-se: Aloisio Sobreira Lima, Beatriz Vivacqua,
Cândida C. Barbosa, Claudia Lemos, Carmen Gonçalves,

2 “Maria Penedo”. In jornal A Noite, Rio de Janeiro, 21/12/1926.


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Maria do Carmo Marino Schneider

Corina Caiado, Danilo Marcondes, Dayl Athayde, Eli Mendes,


Eliane Farias, Fernando L.Vieira, Gilda Gonçalves Moreira,
Helena Gonçalves, Isis Costa Alves, Ivone Medeiros, Jandira
Tavares, José Augusto Pereira Lima, Julita Herkenhof, Laura
Emery, Léa Emery, Leda Grafanassi, Lia de Freitas, Linda
Madureira, Maria Augusta Almeida Prado, Maria Borelli, Maria
Estela Lustosa, Maria Ignez Rebello, Maria Helena Gonçalves,
Maria de Lourdes Campos, Maria de Lourdes Barde, Maria
de Lourdes Machado, Maria Luiza C. Imperial, Maria Luiza
Penedo Rebello, Maria Vieira, Maria Vivacqua Vieira, Marialva
Casotti, Odnéa de Oliveira, Regina Gonçalves Moreira, Ruth
Moreira Rodrigues, Ruth Vivacqua Vieira, Suzana Bandeira de
Mello e Threrezinha Paraíso.
Em Vitória, jovens que, hoje, como adultos, se
destacam na cultura e na sociedade capixaba, também foram
despertadas para o amor à divina arte da Música pelas mãos
prodigiosas de Maria Penedo. Dentre eles destacam-se: Alice
Araújo, Aloir Freitas, Azalea Leal, Bernadete Loureiro, Camilla
Abreu, Carmen Gonçalves, Carmen Lamournier, Carmen
Vieira, Carmy Portugal, Cecília Monteiro, Celeste Lima Cezar,
Circe da Silva Rego, Dayse Moreira, Dionée Ribeiro, Dilio
Sergio Penedo, Dirce Bustamante, Dulce Tannure, Elyane
Farias, Elyane de Freitas, Elza Ribeiro, Elza Faria de Oliveira,
Elza Mary Brown, Elza Zambelle, Elisa Paes Barreto, Elza
Ribeiro, Emília Barreto, Eris Moreira, Etel Bessa, Euclides
Borges, Eunice Paes Barreto, Francildes Leite, Geny Figueiredo
do Valle, Glauro R. Borgles, Gerusa Fontenelle, Gilda Júdice
Benezath, Gilda Moreira, Glória Pinto Rabello, Haydée
França, Helena Guimarães, Helena Rabello, Helida Scwab
Pinto, Helena Guimarães, Heloisa Pinto, Jerusa Bessa, Judith
Cardoso, Hercília Valle, Ilana Kammetz, Judith Rezende, Laila
Moysés, Leda Brambate, Leda Mascarenhas, Leda Monteiro
Bastos, Leonor Cavalcanti, Letícia Moraes, Lourdes Machado,
Lourdes Mesquita, Lourdes Pinheiro, Lourdes Ximenes,

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Maria Penedo: vida e obra

Luiza Helena Sarlo, Luiza Melidieri, Marília Cabral, Marialice


Soares Pinto, Magdalena Neiva de Aguiar, Maria Augusta
Prado, Maria Ballard Braga, Maria Clara Rezende, Maria do
Carmo Schwab, Maria Camargo, Maria José Aboudib, Maria
de Loudes Campos, Maria de Lourdes Sarlo, Maria Luiza
Azevedo, Maria Luiza Guimarães, MariaCecília Nascif, Maria
Eugênia Cunha, Maria Helena Espíndula, Maria Ignez Penedo
Rebello, Maria Eugênia Durão Cunha, Maria Estela Martins,
Mariana Lofego, Moema Oliveira, May Atlee.,Nancy Marques,
Mercedes Gross, Nadile de Barros, Nice Oliveira, Noemita
Silva Carneiro de Mendonça, Olinda Capelli, Odila Gomes,
Odila Maria Pinto, Regina Maria Leal, Renato Santos, Ruth
Mesquita, Ruth Maria Vieira, Ruth Rodrigues, Tânia Pessanha
Negri, Therezinha Paraiso, Therezinha Saade, Stela Melidieri,
Therezinha Portugal, Zuleika Rocha Leite.

Foto: Maria Cecília Nascif com Maria Penedo -1949. Fonte: Acervo de Maria Cecília Nascif.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Buscando elevar o nível intelectual e artístico


de seu povo, promoveu, anualmente, e com sucesso,
audições públicas de seus alunos. Muitas gerações de
vocações artísticas passaram por suas mãos. Muitas foram
despertadas e desenvolvidas pela professora amorosa,
dedicada e paciente. Os recitais que organizava com os seus
jovens alunos recebiam os aplausos calorosos da sociedade
capixaba que prestigiava a iniciativa e a extremada dedicação
da incansável mestra.



Foto: Com grupo de alunos em Cachoeiro – 1936. Fonte: Acervo da família Penedo.


Dois anos após seu regresso a Cachoeiro, foi
surpreendida com o falecimento de seu pai, em 31/01/1928.
Foi preciso modificar o rumo de sua carreira e
redirecionar seus objetivos de vida. Começou a lecionar, pois
assumiu o comando da casa, como filha mais velha, cuidando
da educação e da orientação de seus irmãos menores, que
eram muitos. Fez-se chefe de uma família numerosa em que

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Maria Penedo: vida e obra

se contava a mãe e nove irmãos. O seu senso de dever falou


mais alto. Tornou-se a guardiã extremosa de toda a família,
amparando os irmãos e orientando-lhes os passos até a
formação de cada um, segundo suas inclinações. Às irmãs,
coube-lhe, com carinho e judiciosa atenção, prepará-las,
segundo orientação cristã, para uma vida futura responsável
como futuras mães e guardiãs do lar.
Sua vida foi sinônimo de doação, não só em prol de
seus familiares, como de todos aqueles que a buscavam:
parentes, amigos e alunos, aos quais doou o melhor de si
mesma. Até o final de seus dias, Maria Penedo foi o ombro
amigo e a cuidadora fiel de seus tutelados, símbolo de
abnegação e desprendimento dos valores materiais. Sua vida
foi marcada pela simplicidade e humildade, exemplificada
em seus gestos e atitudes.

Foto: Piano Bösendorfer, de Maria Penedo - 1926. Fonte: Acervo de Maria Ignez Rebello
Santana.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Maria Penedo e sua filhada Ana Maria Soares- jan.1929. Fonte: Acervo pessoal de
Ana Maria Borgo.

Foto: Certificado do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico.Fonte: Acervo de Maria


Penedo.

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Maria Penedo: vida e obra

Dairon Almerinda Penedo Izilda Penedo

Dalton Penedo Lélia Penedo Dylio Penedo

Nívea Penedo José Penedo Francisco Penedo

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Maria do Carmo Marino Schneider

Diplomando-se em Teoria Musical pelo Conservatório


Brasileiro de Música, passou a lecionar no então Ginásio
“Pedro Palácios”, em Cachoeiro de Itapemirim. Lecionou,
também, na Escola Normal, depois Liceu Muniz Freire.
A par de seu imenso talento como musicista,
Maria Penedo nasceu para ser mestra e educadora, o que
demonstrou ao longo de sua brilhante carreira. Certa
feita, ao ser entrevistada pela escritora Arlete Cypreste de
Cypreste sobre o seu talento para o magistério, respondeu:
“Nasci para ser mestre. E recordo D. Pedro II, quando certa
vez, respondendo a uma pergunta semelhante, asseverou _
‘se eu não fôsse (sic) imperador, seria professor’.”
Em 1944, quando lecionava Teoria Musical na Escola
Normal, o então Secretário da Educação, o Sr. Eurico Salles,
reconhecendo-lhe os méritos, ofereceu-lhe uma bolsa de
estudos de quatro meses no Conservatório Nacional de
Canto Orfeônico, no Rio de Janeiro, dirigido pelo gênio
brasileiro Villa-Lobos.
Ao retornar desse curso, a convite do Governo
Estadual, ministrou um curso elementar de canto orfeônico
para professores estaduais. Esse curso funcionou nos anos
de 1944 e 1945. Foi o seu primeiro contato com a cultura
musical de Vitória.

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Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 3
Sua contribuição à educação musical
no Espírito Santo

A concertista, aos poucos, dá lugar à educadora. Ela


descobriu, no magistério, a sua vocação. Não que a música
ficasse relegada a segundo plano. Ela será, ao longo de toda
sua vida, a sua aliada para concretizar o sonho de levar a
cultura musical aos jovens, dando-lhes uma educação mais
aprimorada.
Em 13/03/1945, é nomeada como professora de
Canto Orfeônico na então Escola Técnica de Vitória, onde
cria, anos mais tarde, em 1947, o Orfeão “Lorenzo Fernandez”.
Compunha-se de rapazes, alunos da própria Escola, e moças
dos diversos estabelecimentos de ensino da Capital. Tinha
como finalidade levar a todos, em suas apresentações,
um pouco de alegria por intermédio da música e também
colaborar na educação dos alunos, cumprindo a filosofia do
velho aforisma Mens sana in corpore sano. Sempre contou
com o apoio da direção da Escola no desenvolvimento de
suas atividades. Suas apresentações sempre foram coroadas
de êxito, através das músicas sacras, folclóricas e profanas.
A dedicação de todos os membros consagrou o sucesso do
“Lorenzo Fernandez”.
Pertencer ao “Orfeão” era privilégio e motivo de
vaidade. Maria Penedo assim o retratava: “O meu Orfeão é um
tesouro; e que lindo e rico tesouro! Suas joias são caríssimas
moças dos colégios de Vitória e rapazes da E.T.V. A chave
desta propriedade é a coisa mais fácil de ser encontrada;

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Maria do Carmo Marino Schneider

não é de ouro, nem de prata; é moldada com matéria mais


rica: amor, carinho, ternura e dedicação para as joias que
compõem esse tesouro.”
Maria Penedo foi realmente a chave desta riqueza e
o Orfeão “Lorenzo Fernandez”, parte de sua vida, continuou
a ser lembrado e admirado através do Coral “Maria Penedo”,
como passou a ser conhecido a partir de 04/12/1974, ano
de seu falecimento. A mudança de nome ocorreu pela
Resolução nº 70, art. 1º, do Conselho de Representantes,
numa homenagem de reconhecimento ao muito que a
ETEFES recebeu dessa baluarte em prol da educação musical
em nosso Estado.
Sua atuação como professora de Canto Orfeônico
pautou-se nas orientações do seu mestre Villa-Lobos que,
apoiado pelo Estado Novo, desenvolveu um amplo projeto
educacional em que teve papel de destaque o Canto
Orfeônico, e que resultou na compilação de um Guia Prático
(com temas populares harmonizados). Trata-se de uma
coletânea de 137 arranjos para a música folclórica brasileira.
Villa-Lobos foi nomeado diretor da SEMA – Superintendência
Educacional e Artística, criada em 1933, e implantou um
projeto de Educação Musical, baseado na prática de Canto
Orfeônico, de modo a torná-la disciplina obrigatória no
currículo das escolas de ensino regular brasileiras, de
acordo com decreto de nº 19890, de 18/4/1931 e o decreto
nº 24 794, de 14/7/1934, que estendia o ensino a todos
os estabelecimentos primários e secundários do país,
permanecendo, assim, até a promulgação da lei nº 5692, de
1971.
Em 1943, Villa-Lobos deixou a Superintendência e
fundou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, com
o objetivo de formar professores e de orientar o ensino
musical de todo o país.

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Maria Penedo: vida e obra

Segundo Villa-Lobos, atenuar as diferenças sociais e


aprender a viver em sociedade passava a ser um dos
grandes objetivos do Canto Orfeônico nas escolas. O
convívio entre classes também pode ser averiguado em
alguns projetos do maestro Villa-Lobos no período anterior
a 1946, quando procurava atrair diferentes classes sociais
para as concentrações orfeônicas. A partir da legislação de
1946, nota-se uma maior organização das finalidades do
Canto Orfeônico, já que passaram a ser expostas em forma
de tópicos3.
Em suas atividades diuturnas na Escola Técnica de
Vitória, como professora de Canto Orfeônico, tinha em
mente as palavras de seu mestre ilustre:
O Brasil precisa de educação, de uma educação que não seja de
pássaros empalhados em museus, mas de voos amplos no céu
da arte (Villa-Lobos).

Mestre Villa-Lobos.

3 ARRUDA, Yolanda de Quadros. Elementos de Canto Orfeônico, 33. ed., Rio, 1960,
p.153.
33
Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Decreto de nomeação como professora da E.T.V.. Fonte: Acervo da Escola Técnica de
Vitória

Seus objetivos como professora eram os mesmos


que, graças a ele, foram fixados na portaria ministerial no
300, de 7/5/1946, referentes às finalidades do ensino de
canto orfeônico nas escolas secundárias do país:

I – O ensino de Canto Orfeônico tem as


seguintes finalidades:

a) Estimular o hábito de perfeito convívio cole-

34
Maria Penedo: vida e obra

tivo, aperfeiçoando o senso de apuração do bom


gosto.
b) Desenvolver os fatores essenciais da sensibi-
lidade musical, baseados no ritmo, no som e na
palavra.
c) Proporcionar a educação do caráter em rela-
ção à vida social por intermédio da música viva.
d) Incutir o sentimento cívico de disciplina, o
senso de solidariedade e de responsabilidade no
ambiente escolar.
e) Despertar o amor pela música e o interesse
pelas realizações artísticas.
f) Promover a confraternização entre os escola-
res.


Atenta a estas diretrizes, cria, assim, em 1947, na
Escola Técnica de Vitória, o Orfeão “Lorenzo Fernandez”,
que viria a destacar-se no Espírito Santo, por inserir em suas
apresentações, além do folclore nacional, o desconhecido
folclore capixaba, já que era também pesquisadora e
membro da Subcomissão Espírito-santense de Folclore,
criada em 1948, tendo como secretário geral o Mestre
capixaba Guilherme Santos Neves.

Foto: Álbum do Orfeão “Lorenzo Fernandez”. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória

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Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Orfeão “Lorenzo Fernandez” em Campos– RJ, 1960. Fonte - Acervo da


Escola Técnica de Vitória.

A partir de 1958, sucedem-se as apresentações do
Orfeão “Lorenzo Fernandez”, ganhando a admiração local e
de outros estados além fronteira. Levou o Orfeão “Lorenzo
Fernandez” a várias cidades Espírito-santenses, dentre as
quais Cachoeiro de Itapemirim e Colatina. Em uma viagem
a Campos, cidade fluminense, após uma apresentação em
30/10/1960, o jornalista Newton Perissé Duarte escreveu
em Reportagem, jornal campista, referindo-se ao Orfeão
“Lorenzo Fernandez”4:

O trabalho que o Orfeão Lorenzo Fernandez está realizando no


Espírito Santo é uma dessas obras gigantescas, que crescem à
medida que o tempo corre. Estamos certos de que o Governo

4 DUARTE, Newton Perissé. “Orfeão Lorenzo Fernandez”. In Reportagem, jornal de


Campos, 31-10-1960

36
Maria Penedo: vida e obra

do vizinho Estado há de oficializar o seu brilhante conjunto,


envidando todos os meios para prestigiar e alargar o seu
raio de ação. Campos foi, ao que sabemos, a segunda cidade
visitada. Aqui veio o Lorenzo Fernandez a convite do Santa
Cecília. Deverá, agora, percorrer outras cidades, insistindo
muito nas do interior do Espírito Santo, para levar até todos os
municípios tanto a beleza da arte como o estímulo para que o
exemplo frutifique.
Não pode também o Lorenzo Fernandez deixar de excursionar
pelos grandes centros, a fim de mostrar nos mesmos o de que é
capaz o operoso povo capixaba. Terminado o concerto, depois
de terem sido bisados vários números, retiramo-nos todos
saudosos. Os ouvintes, com as deliciosas melodias cantando
dentro do coração; os orfeonistas e sua Regente, com a alegria
própria de quem proporciona felicidade aos seus semelhantes.

Foto: Apresentação do Coral na Escola Técnica de Vitória-1950. Fonte: Acervo da


Escola Técnica de Vitória.

37
Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Regendo o Coral na ETV- 1950. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória.

Foto: Regendo o coral na ETV, em 1956.Fonte: Acervo da Escola Técnica de


Vitória.

38
Maria Penedo: vida e obra


Foto: O “Lorenzo Fernandez” no Teatro Carlos Gomes - 1958. Fonte: Acervo da
Escola Técnica de Vitória.


Por ocasião da apresentação do coral “Lorenzo
Fernandez”, na cidade fluminense de Campos, credenciado
professor de música cumprimentou-a, afirmando que o
Orfeão é “um colar de pérolas preso por um fio de ouro”.
Em 1960, o Orfeão “Lorenzo Fernandez” já estava
consagrado pela crítica capixaba. As apresentações em
Cachoeiro de Itapemirim, nas dependências do Clube
Caçadores, e em Campos, no Automóvel Club Fluminense,
mereceram os mais entusiásticos aplausos. O sucesso do
Orfeão devia-se, sobretudo, ao bem elaborado programa
organizado pela professora Maria Penedo. Os programas
de suas apresentações eram criteriosamente preparados,
mesclando músicas clássicas às músicas do folclore nacional
e do folclore capixaba. Isso mereceu destaque em um artigo

39
Maria do Carmo Marino Schneider

publicado em Reportagem, jornal de Campos, datado de


31/10/1960:

I PARTE _ Silva Novo - Deus; A. Strutt – Ave Maria; Popular


capixaba - Dói coração; Guy Lafarge - Rio Itapemirim; Popular
- o Gondoleiro; W. Henrique - Foi Bôto, Sinhá; Fabiano Lozano –
Cascata de Risos; Andrelino – Pregões Sancarlienses.
II PARTE – A.C. Bixio – Fala-me de Amor, ó Mariu. Solista: Manoel
Carlos Queiroz; A. C. Bixio – Violino Cigano. Solo de M.C.
Queiroz; Rudolf Friml – Canção Indu. Solistas: Flora Nascimento
e M.C.Queiroz.
III PARTE – Lorenzo Fernandes – Marcha Triunfal; Fabiano Lozano
– Canta, canta, coração; Popular capixaba – Que é de Valentim;
Fabiano Lozano - Bandinha da Roça; Popular capixaba – Suite;
Popular – Izzo – João Balalão; Silva Novo – Dança dos Ventos;
Popular campista – Deolinda. Orfeonização de Newton Perissé
Duarte; Villa-Lobos – Canto do Lavrador


Comemorando o que denominou “Ano de ouro”
para o Orfeão “Lorenzo Fernandez”, Maria Penedo encerrou
as atividades letivas do ano de 1960 no Preventório “Alzira
Bley”, proporcionando momentos de rara felicidade aos que
nele residiam.
Depois da fala de vários alunos que ressaltaram
a amizade, o carinho e a dedicação daquela a quem
consideravam uma mãe, a homenageada agradeceu
afirmando que seus esforços “não passavam dos misteres de
uma professora consciente de suas obrigações de conduzir
seus alunos.”
Agradeceu o apoio que a direção da Escola Técnica
de Vitória proporcionara, referindo-se às alegrias que
redundaram nos sucessos do ano de 1960, em que o
Orfeão “Lorenzo Fernandez”, inclusive, se projetou além das
fronteiras estaduais.

40
Maria Penedo: vida e obra

Constituíram o Orfeão “Lorenzo Fernandez” no decorrer de


1960, os seguintes membros: Ana Maria Amon, Dilcéia Vieira
Cunha, Flora Emília do Nascimento, Ivana Pretti Bortolini, Isa
Maria Ferreira, Laila Moisés, Marcia Provedel, Maria Aparecida
Barcellos, Maria Cândida Guzzo, Maria da Conceição Tavares,
Maria Jenedir Nogueira, Marilena Machado Ramos, Maria da
Vitória Ribeiro Albuquerque, Ronilza Gordino de Oliveira,
Samira Moisés, Sandra Amorim, Tereza Borges de Oliveira,
Aélio Rodrigues Nogueira, Almir Cordeiro de Oliveira,
Augusto Moreira Assis, Eldo Valneide Vichi, Helien de Jesus
Filho, Inimar Tostes Manhães , Jair de Oliveira, José Peixoto
Camissaça,
Josemair Fonseca Peçanha, Lívio Bettero, Manoel Carlos
Dutra de Queiroz, Mário dos Santos, Maurício Soares Barbosa,
Percy do Nascimento e Sálvio Von Randow.

Foto: O Orfeão no Festival de Música Brasileira-1960. Fonte: Acervo da Escola


Técnica de Vitória.

41
Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Letra da marcha E.T.V.. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória.

Além do Orfeão “Lorenzo Fernandez”, Maria Penedo


realizou outras obras de importante significado como
professora da E.T.V. A ideia de compor uma marcha para
enriquecer os símbolos da escola foi carinhosamente
alimentada por ela que, com a colaboração do aluno Jair
Marino, conseguiu solidificá-la. Em 1946, foi cantada pela
primeira vez, com uma poesia simples, onde Jair exprime

42
Maria Penedo: vida e obra

toda a ufania do eteviano, todo o amor e reconhecimento


à sua Escola. A música, alegre e descontraída, transmitindo
entusiasmo e vibração, linda e melodiosa, foi feita pela
dedicada mestra.
Não houve preocupação literária na sua confecção.
O autor deixou que a sua pena modesta e sincera traduzisse
apenas os seus sentimentos, a sua exaltação, a sua gratidão,
o seu orgulho de eteviano.
Cantavam-na não só dentro da Escola, mas também
nas suas casas, onde já a aprendiam os irmãos menores, e
em todas as oportunidades que se lhes ofereciam. Os ex-
alunos não a esquecem. A recordação dos dias de convívio
com os colegas, com os seus mestres, com as suas máquinas,
com seus livros, com os seus jogos, será sempre renovada
aos acordes inesquecíveis da marcha E.T.V., e por eles
alimentada.

Foto: Marcha E.T.V de Maria Penedo e Jair Marino. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória

43
Maria do Carmo Marino Schneider

Outra contribuição importante foi o Hino do Grêmio


“Rui Barbosa”, com letra do aluno Avary Prado. Esse hino foi
oficializado por ato do Sr. Diretor da E.T.V.

Foto: Hino do Grêmio “Rui Barbosa”. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória.

Maria Penedo foi fundadora da Associação dos Ex-


alunos da E.T.V, alunos que a amavam tanto quanto os alunos
a quem ensinava regularmente, que a elegeram Presidente
de Honra da associação.
Sua doação como mestra e como professora era
como a de uma segunda mãe e o carinho e a admiração
que os alunos tinham por ela se refletiram na homenagem
que lhe prestaram, elegendo-a por duas vezes como a “Mãe

44
Maria Penedo: vida e obra

eteviana”, na comemoração do Dia das Mães.

Foto: Homenagem como “Mãe eteviana”. Fonte: Jornal O Eteviano, 1960.

Participava ativamente da vida da escola em festas,


comemorações cívicas e compromissos como docente.

Foto: Em desfile do dia 7 de setembro de 1958. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória.

45
Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Conselho de Professores – ETV. Fonte: Acervo da Escola Técnica de Vitória.

Aposentando-se em 14/09/1967, prosseguiu atuando


profissionalmente através de contratos, regendo as aulas de
Práticas Educativas nos cursos de Aprendizagem e Ginásio
Industrial da Escola Técnica Federal do Espírito Santo.
Cumpre acrescentar a esse trabalho, o ensino de
canto orfeônico no Colégio do Carmo e as inúmeras palestras
em agremiações culturais e clubes de Vitória. No Centro de
Treinamento de Magistério de Colatina, coordenou, por
diversas vezes, os cursos de Supervisores de Ensino no
Convênio MEC/UNICEF/ UNESCO/ ESPÍRITO SANTO.
Uma das fundadoras da Escola de Música do Espírito
Santo, foi contratada em 10/10/1956 para a regência da
cadeira de Canto Coral, permanecendo nessa função até
31/12/1963. A partir de 1964, passou a atuar como regente da
cadeira de Transporte e Acompanhamento, até 31/12/1970.
Em 1971 foi contratada para o cargo de Professora de Música,
permanecendo em sua função até o fim de sua vida, quando
falece, em Vitória, em 21/11/1974, vitimada por um câncer
na coluna.

46
Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 4
A divulgadora do Folclore Capixaba

Maria Penedo integrou o grupo de membros


da Comissão Espírito-santense de Folclore, desde sua
organização, em 23/05/1948 (então Subcomissão Estadual),
prestando a colaboração eficiente e valiosa de sua cultura
e inteligência, muito particularmente no campo da
música folclórica do Espírito Santo, fixando-a em pauta e
divulgando-a no Estado, ou fora dele, através do excelente
Orfeão “Lorenzo Fernandez”.
Por volta de 1949, na praia de Marataízes, Odete
Santos, de tradicional família de Itapemirim, recolheu, da
via oral popular, algumas toadas folclóricas (letra e música),
entre elas: “Roda Morena”, “Líro chora, Mano chora”, “Ai
xodó”, “Deixa a trança balançá” e “Alevanta o catambá”.
Essas melodias foram depois oferecidas à professora Maria
Penedo, que teve a oportunidade de difundir, em Vitória,
através do Orfeão “Lorenzo Fernandez”, que dirigia, as
bonitas cantiguinhas da “Roda Morena”.
Cumpre ressaltar o eficiente trabalho de difusão
da nossa música folclórica levado a bom termo,
incansavelmente, pela professora Maria Penedo, a única
folc-musicista da Comissão Espírito-santense de folclore.
Deve-se a ela a fixação da música de dezesseis cantigas de
roda e jonguinhos com que a referida Comissão ilustrou e
valorizou o trabalho sobre o nosso “Cancioneiro do mar”,
apresentado, em 1957, ao III Congresso Brasileiro de Folclore,
realizado em Salvador, na Bahia. São elas: “Noite bela”,

47
Maria do Carmo Marino Schneider

“Marinheiro encosta a barca”, “É caravela”, “Iaiá eu vi sereia”,


“A maré encheu”, “Clareia o dia”, “Serená”, “Vamos tirar areia”,
“Eu passei na ponte”, “Ô sali, saliça”, “Marinheiro novo”, “Ponte
da linhaça”, “Pobre barqueiro”, “Eu fui no mar”, “Peixinhos da
Guiné” e “Olha o tombo do mar” (roda e jonguinho)5.
Mais tarde, Maria Penedo registrou para o livro então
Inédito Folclore Capixaba, do folclorista Fausto Teixeira, as
melodias de vários romances ou historinhas populares,
entre outras: “Dalira”, “Morena”, “Enília” e “Grináuria.
Das alunas do Colégio do Carmo, recolheu as
músicas de outros romances, como “Juliana e Dom Jorge”,
“Antoninho”, “O ceguinho” e “Filha do rei da França”.
Dentre outras músicas folclóricas divulgadas por
ela, citem-se: “Periquito maracanã”, “Que é de Valentim”
“Bela Condessa”, “Dói, coração”, cantigas de roda; “Nau
Catarineta”, romance tradicional; “Liro chora, Mano chora” e
“Roda Morena”, toadas de Marataízes. Registrou, também, o
romance “Juliana e Dom Jorge”, o mais conhecido em terras
do Espírito Santo, uma vez que existe mais de 50 versões,
recolhidas em Vitória, São Torquato, Paul, Aribiri, Vila Velha,
Araçatiba, Cariacica, Itarana, Viana, Timbuí, Itapemirim,
Alfredo Chaves, Alegre, Afonso Claudio, Muniz Freire,
Colatina, Linhares, São Mateus, Conceição da Barra, etc.
Todas as versões são cantadas, e a melodia é quase a mesma,
com ligeiras diferenças.
Sua dedicação sem limites foi reconhecida pela
Comissão, que outorgou-lhe a Medalha Silvio Romero,
instituída pela Prefeitura do Distrito Federal, “como honrosa
condecoração que visa “galardoar os serviços de quantos,
pelos seus estudos e atividades, têm cultivado o folclore

5 NEVES, Guilherme Santos. Coletânea de Estudos e Registros do Folclore Capixaba


(1944-1982). Vitória: Centro Cultural de Estudos e Pesquisas do Espírito Santo, 2008, p. 323.

48
Maria Penedo: vida e obra

brasileiro”.
Em 12/10/1950, a Subcomissão Espírito-santense de
Folclore inaugurou, na PRI-9, Rádio Espírito Santo, a “Voz de
Canaã”, um programa de divulgação das nossas tradições
populares, sob a direção do prof. Guilherme Santos Neves.
Desse programa participou, preenchendo a parte musical,
o Orfeão “Lorenzo Fernandez”, dirigido por ela, membro
da Comissão, e composto por alunos da 4ª Série do Curso
Industrial da Escola Técnica de Vitória e de alunas de vários
estabelecimentos de Vitória.
A esse trabalho ativo em prol do nosso folclore,
acrescente-se a dramatização do episódio da “Nau
Catarineta”, que ela levou a efeito em 1949, com um grupo
de alunos da Escola Técnica de Vitória, além de sua judiciosa
colaboração no julgamento dos Concursos de Cantigas de
Roda e Bandas de Congo, realizadas por ocasião dos festejos
do IV Centenário de Vitória, em 1951. À frente do Orfeão
“Lorenzo Fernandez”, assumiu o encargo de divulgar, por
essa forma tão eficaz, numerosas peças do folclore capixaba
e nacional, incluídas no repertório de suas apresentações:

1 - Noite Bela (Acioli, Fundão, Linhares): “Ó Que noite bela e tão boa,/ Tão boa de se amar!/
Vamos dar um passeio na praia, ô lê lê /Proveitar a fresca do mar”.

49
Maria do Carmo Marino Schneider

2- Marinheiro encosta a barca (Vitória, Linhares, Santa Leopoldina): “Marinheiro encosta a


barca/ Qu’esta moça quer saltar./ Ela me disse ai ai/ Não sou daqui, ai,ai /sou do Pará.”

3- Serená (Guarapari, Viana, Campo Grande, Cariacica: “Eu falei com meu bem, Serená, /
Que não fosse pro mar, Serená,/ Ele foi e ficou, Serená,/ Ele gosta de lá...

4- A maré encheu (Cariacica, Vitória, Santa Teresa): “A maré encheu/ Mas não quis vazar, /
Está chegando a hora do vapor chegar.”

50
5- Clareia o dia (em todo o estado): “Clareia o dia, clareia, / Clareia o dia no mar./ Clareia o
dia, clareia/ Deixa o dia clarear.”

6-Marinheiro novo (Cariacica, Itaguaçu): “Marinheiro novo,/ Quando for me leva/ Pra
estrada nova/ Ou pra linha de ferro...”

7- Meu barco é veleiro: “Meu barco é veleiro, / É veleiro das ondas do mar, / quando me
lembro da casinha de Olinda/ e o luar da noite linda de Olinda/ tomando banho de mar.”


Maria do Carmo Marino Schneider

8- Ora vamos tirar areia (em todo o estado): “Ora vamos tirar areia, / Areia no fundo do mar,
/ Areia, areia, areia, no fundo do mar.”

9- Peixinhos da Guiné (Cachoeiro de Itapemirim); “Eram quatro peixinhos/ Todos quatro da


Guiné,/ Gostavam da folia/ E dançavam o siriricoté...”

10- Ô Sali-Sali-çá (Vitória, Santa Leopoldina, Colatina): “Eu vi, morena, eu vi, / Eu vi quando
ele apitou, / Meu amor é marinheiro, morena, / Eu vi quando ele embarcou,/ Ô Sali-Sali-ça,
Ô meu bem, vem cá./ Ô Sali-Sali-ça,/ Ô meu bem, vem cá.”

52
Maria Penedo: vida e obra

11- Pobre barqueiro (Colatina): “Eu sou filha de um pobre barqueiro./ Fui criada nas ondas
do mar./ O meu berço é a proa de um barco /navegando de noite ao luar,/ a remar, a remar,
a remar.”

12- Roda Morena (música folclórica do Espírito Santo: “Roda morena tenho que mandar
buscar, / Roda morena tenho que mandar buscar/ Tenho um lampeão de vidro, maxam
bomba de engomar, / nos braços da moreninha, eu vou chorar”.


No Romanceiro Capixaba6, do Prof. Guilherme Santos Neves,
encontramos a participação de Maria Penedo na fixação da
cantiga de dois romances. O primeiro deles é o Romance da
Barca Nova, que possui diferentes versões, sendo a fixada
por Maria Penedo aquela que se encaixa na Parte de Mouros
da Marujada São Paulo, do Morro dos Alagoanos (Vitória).

6 NEVES, Guilherme Santos. Romanceiro Capixaba. Vitória: Fundação Ceciliano


Abel de Almeida. Coleção Estudos Capixabas, vol. 5, 1963.

53
Maria do Carmo Marino Schneider

13 - “Vamos, ó maninha vamos, / Vamos à praia brincar, / Vamos ver a Barca Nova/ Que do
céu caiu no mar./ Traz Nossa Senhora dentro/ Com seus anjinhos a remar,/ São Francisco
por piloto/E o bom Jesus por General.”

14- Romance de Juliana e Dom Jorge (versão de São Mateus): “O que tens, ó Juliana,/
Qu’estás tão triste a chorar?/ _Minha mãe, eu soube ontem/ Que Dom Jorge ia se casar./ _
Minha filha, eu bem te disse/Mas você não quis acreditar/ Que Dom Jorge tinha o costume/
De toda moça enganar./_Ó mamãe, lá vem Dom Jorge,/ Montado no seu cavalo/_Boa
tarde, ó Juliana,/ Como vai, como tem passado?/ _ Boa tarde, ó meu Dom Jorge,/ Soube
ontem que vais casar./ É verdade, ó Juliana,/ Vim aqui para te convidar./ _Espere um pouco,
ó Dom Jorge,/ Enquanto vou ao sobrado/Buscar um cálice de vinho/ Que para ti tenho
guardado/ _Que puseste, ó Juliana,/ Neste cálice de vinho?/ Estou com a vista escura/ Não
enxergo mais o caminho./_Bate o sino na matriz,/Ninguém sabe quem morreu./_ Foi Dom
Jorge, aquele ingrato./ Quem matou ele foi eu./ _Foi veneno, minha mãe,/Que eu dei e ele
bebeu./ Todo o céu cobriu de luto./Toda a terra estremeceu/ Quando souberam a notícia/
Que meu Dom Jorge morreu.”

O segundo romance, possui várias versões capixabas,


também fixada por Maria Penedo, é quase a mesma em
todas as variantes, uma toada lânguida, sendo bisado todos
os grupos de dois versos. A versão fixada é a de Vitória, cujas

54
Maria Penedo: vida e obra

informantes foram as alunas do orfanato do Colégio do


Carmo:

15- “Toc, totoc./ _ Quem bate aí?/ _É um pobre ceguinho/ Que canta a pedir./ _Vai
Helena,/ Lá no armarinho./ Panhar pão e vinho/ Pra dar ao ceguinho./ _Eu não sou cego/
E nem quero ser./ Eu finjo de cego/ Pra roubar você./_ Adeus, minha irmã,/ Adeus, meu
jardim./ Adeus, minha mãe, / Que foi falsa pra mim.”

Um belo pronunciamento de reconhecimento


público ao trabalho da professora Maria Penedo em prol do
folclore teve lugar por ocasião das comemorações do “Dia
de Cachoeiro”, no discurso proferido pelo prof. Guilherme
Santos Neves7:
Quem desconhece, no Espírito Santo, o infatigável e beneditino
esforço que, quase anonimamente, vem desenvolvendo a favor
do nosso folclore a ilustre professora Maria Penedo que hoje,
em sua terra natal, recebe a merecida homenagem, distinta
e cativante, como a Cachoeirense Ausente deste ano? Sua
dedicação incomum à difusão da música do folclore capixaba;
as várias excursões (que sabe Deus, como!) anualmente
promove, a diversos pontos do Estado e fora dele, divulgando,
com a harmonia do seu conjunto de vozes adolescentes,
a riqueza de nossa música, tudo isso faz que à Dona Maria
Penedo fique devendo o Espírito Santo um trabalho que,
em outras plagas, certo teria a projeção, o ressalte e, mais do
que isto, o apoio interessado e a consideração dos poderes
públicos, geralmente omissos, porque, em caso de propagação
da cultura do povo.

7 NEVES, Guilherme Santos. “Poesia e Música”. In A Gazeta, Vitória, 8/12/1974.

55
Maria do Carmo Marino Schneider

A professora e escritora Bernadete Lyra, uma das


jovens integrantes do Orfeão “Lorenzo Fernandez” e
colaboradora no recolhimento dos registros folclóricos
de Conceição da Barra, dá um singelo depoimento sobre
o Orfeão, em uma de suas crônicas publicada em maio de
19688.

“Eu me lembro, eu me lembro...” Uma vez o doutor, o magnífico


doutor Renato Pacheco, em sendo Juiz nesta terra, onde bem
que tentou sacudir a poeira de algumas consciências, inventou
uma festa. Congregou os colegas do Norte. E jamais a cidade
vira tanto Magistrado, tanto Promotor.
E o doutor Renato quis mostrar o que havia de bom. Saiu até
exposição dos Renoirs e Rubens caboclos.
Se a memória não falha, contribuí com um quadro que causou
um “suspense” e um escandalozinho. Uma índia vestida de um
colar e de um pote. A gente pensou em formar um Orfeão.
Dá uns ares, uma Noite de Gala com música. Moças, moços do
ginasiozinho local convocados. Os rapazes envergonhados. As
meninas radiantes. Que achado para exibir vestidos!...Muita
pastilha Valda. Muito ensaio. E o Orfeão saiu.
Saiu bonito! Atacou o Canto do Pajé e mais de um distinto
limpa lágrima furtiva de praxe. Esta professorinha, metida a
cronista, fora aluna (graças a Deus!..) do “Lorenzo Fernandez”
de Maria Penedo. E guardava, com carinho, no baú da cachola,
as canções. E assim, pôde ensiná-las. Para gáudio geral...
Quem não conhece dona Maria Penedo não sabe o que perde.
Vale um teste.
Se você conseguir enfrentar-lhe o olhar de cristal (corta
fundo, hein!) considere-se uma alma em estado de graça. Sem
pecadilho algum. Ela o é.
No “Lorenzo Fernandez” rememoro a turminha, minha turma
do Carmo. E os garbosos da Escola Técnica. A excursão a
Cachoeiro, “perdida no tempo e na distância”, que fez dona
Maria chorar. De verdade. Com um ramo de rosas vermelhas
consubstanciando sorrisos nos braços.

8 LYRA, Bernadete. O “Lorenzo Fernandez”. In Jornal A Gazeta, maio de 1968.

56
Maria Penedo: vida e obra

O Orfeão daqui não sobreviveu. Acabou... Mas além da lição


de unidade e de vida, dada a nós, seus alunos, o Lorenzo
acrescentou um bem: tornou esta cidadezinha mais feliz e
brilhante, Uma noite.
(Conceição da Barra, maio de 68).

A obra da professora Maria Penedo, pelo seu alcance


social, sempre foi digna dos maiores elogios, porque idealista
e de sentido profundamente patriótico, procurou, acima de
tudo, divulgar a beleza do nosso folclore, colocando-o em
primeiro plano, dando ensejo a que todo capixaba fosse um
conhecedor de seus próprios costumes, através da beleza
da arte musical, para cuja divulgação contribuiu ao longo de
toda sua vida como educadora.

Foto: O Orfeão “Lorenzo Fernandez” na PRI-9 - ES. Fonte: Acervo do Prof. Guilherme Santos
Neves.

57


Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 5
Merecidas homenagens

Como testemunho do reconhecimento público do


mérito dessa insigne mestra, foram-lhe tributadas várias
homenagens ao longo de sua profícua carreira.
Em 5/04/1924, uma primeira homenagem lhe foi
outorgada por suas amigas e admiradores, no salão do
Clube Atlético de Cachoeiro de Itapemirim. No convite da
solenidade festiva dessa homenagem constam os nomes de:
Álvaro Barde, José Corte, Dr. Jarbas de Athayde, Otília Rocha,
Etelvina Corte, Lelé Martins, Alfredo Garcia Rosa Junior, Mary
Silva, Gabriel Corte, Antônio S. Mello, Tita Finamore, Elvira
Souza, Hilma Garcia Rosa e Carly Rodrigues.
Em artigo publicado no Diário da Manhã, foi publicada
um notícia elogiosa a seu respeito, quando do seu regresso a
Cachoeiro de Itapemirim9:

Maria Penedo é uma das promissoras figuras da Arte no Espírito


Santo. A alumna (sic) do Instituto Nacional de Música do Rio de
Janeiro, ao regressar a Cachoeiro de Itapemirim, onde reside,
recebeu, da melhor sociedade, expressiva manifestação
durante a qual o deputado Fernando de Abreu pronunciou
eloquente discurso.

Em 17/05/1929, suas alunas de piano, agradecidas, a


homenageiam no dia do seu aniversário, com uma calorosa
recepção.

9 “No mundo da Arte”, nota publicada no Diário da Manhã de 31/10/1926.

59
Maria do Carmo Marino Schneider

Em 22/11/1958, A Sociedade de Cultura Artística de


Vitória, realiza o 52º sarau, Especial, no Teatro Carlos Gomes,
em homenagem à professora Maria Penedo, pelos 30 anos
dedicados ao ensino da Música.
Nesse sarau a SCAV prestou-lhe sua homenagem
sincera, não só pelo devotado amor à causa da Música,
mas também a uma sócia e amiga que soube reconhecer o
quanto a Sociedade de Cultura Artística realizou em prol do
desenvolvimento musical da terra capixaba. E, ao referir-se ao
trabalho da professora Maria Penedo, afirma no programa10:

Os jovens que hoje desfilam como executantes ao piano e


do Orfeão “Lorenzo Fernandes”, mostrarão aos associados
da Cultura o quanto vale um estudo aproveitado e bem
transmitido por uma professora da sensibilidade de Maria
Penedo cujo esforço, no setor musical, tem elevado de maneira
concreta o gôsto (sic) pela divina arte da música.
Não podia, pois, a Cultura Artística ficar alheia à data de hoje,
quando a padroeira da Música, que é Santa Cecília simboliza,
de maneira sublime êste (sic) dia.

10 SCAV - “Homenagem à Maria Penedo aos 30 anos dedicados ao ensino da


Música”, Vitória, 22/11/1958.

60
Maria Penedo: vida e obra

Deixamos consignado aqui o nosso maior apreço à Prof. Maria


Penedo já que suas ótimas realizações a colocam no pedestal
de nossa admiração, pelo denodado esfôrço (sic) de preparar
uma pleiada (sic) de jovens que deixarão nesta data, a melhor
impressão no auditório.
No sarau, na sua belíssima apresentação, apresenta-
ram-se as alunas de piano Laila Moysés, Maria Cecília Nascif,
Marianna Lofego, Maria Stella Camargo e Geny Figueiredo
do Valle, que apresentaram peças dos clássicos Beethoven,
Frontini, Mignone, Schubert, A. Nepomuceno, Rachmanni-
noff, Saint Saens, e Chopin.
Os alunos do Orfeão “Lorenzo Fernandez” apresenta-
ram canções folclóricas e populares brasileiras: “Noite Feliz”,
“Heranças de nossa raça”, “Feliz recordar”, “Foi Bôto, Sinhá”,
“João Balalão”, “Anoitecer”, “Roda morena”, “Cascata de risos”
e “Marcha Triunfal”.

Foto: SCAV – Homenagem a Maria Penedo. Fonte: Acervo de Maria Penedo

61
Maria do Carmo Marino Schneider

Em 16/05/1959, em solenidade realizada na E.T.V, a


professora Isaltina Paolielo, convidada especialmente pela
comissão de alunos, em nome dos professores, faz um sin-
gelo discurso em homenagem à Maria Penedo, que consta
do seu acervo pessoal.

Prezada Maria
Numa verdadeira identificação de sentimentos, os professôres
(sic) da E.T.V. compartilham das alegrias dêste (sic) momento
emocionante, que você, merecidamente, está vivendo.
Aquilo que damos, sempre o teremos. Esta festa de ternura,
que se reveste da frescura e da exuberância próprias de todo
movimento da mocidade, é uma resposta à sua atitude dentro
da E.T.V.
Guiada por um ideal superior no exercício de sua profissão,
tôda (sic) se absorve nela, consagrando aos alunos uma eleva-
da simpatia. Vivamente interessada na vida dêles (sic), você os
encoraja; desperta e orienta seus esforços. No seu trabalho diá-
rio, acende-se lhe no coração a chama do entusiasmo.
Fazer alguma coisa para aumentar a felicidade e a reflexão mo-
ral dos alunos é a elevada aspiração, a melhor esperança que a
sua alma alimenta.
Entusiasmo tomado na acepção etimológica do têrmo (sic),
contém um sentido profundo, fertilíssimo em suas consequên-
cias. Derivado do grego – en+theos – entusiasmo significa:
Deus dentro, ou: possuído do divino.
Para você, no seu entusiasmo, o tempo e a Escola são campos
de prova riquíssimos, em que você se prepara para o
céu e a eternidade. As alegrias de hoje – deliciosos acordes que
enternecem o seu coração – tomemo-las como uma par-
cela, antecipada, da recompensa divina pelo seu trabalho.
Parabéns, Maria!
16/05/1959

Em 26/06/1963, Maria Penedo foi agraciada com o
título de Cachoeirense Ausente no 1 de 1963, tornando-se a

62
Maria Penedo: vida e obra

primeira mulher a receber esse título. A cerimônia ocorreu


em palanque erguido na praça Jerônimo Monteiro, em
Cachoeiro de Itapemirim.
Na ocasião, o prof. Guilherme Santos Neves fez um
pronunciamento publicado no jornal Correio do Sul, de
Cachoeiro de Itapemirim, na edição de 29/06/196311:

O registro é simples e talvez se destinasse a provocar emulação,
mas o certo é que a publicação “Município de Cachoeiro de
Itapemirim – suas terras, suas leis, seu progresso e sua gente”,
elaborado pelo professor Domingos Ubaldo Lopes Ribeiro
e mandado editar em 1928 pelo honrado e saudoso prefeito
Francisco Athayde, entre os artistas e intelectuais da cidade, já
fazia uma afirmação incluindo o retrato de uma bonita moça,
cuja fisionomia doce servida por um sorriso de paz nunca
se alteraria. A legenda: “Senhorita Maria Penedo, musicista
conterrânea, professora de piano”.
Assim a conhecemos. Mas foram precisos muitos anos para
que a cidade tributasse à sua ilustre filha a homenagem que já
tardava e que ela tanto merece (...) E a escolha de uma mulher,
pela primeira vez, para simbolizar todos os cachoeirenses
ausentes, em se tratando de Maria Penedo, não poderia ter
sido mais feliz, ao quebrar a tradição de tantos anos.

E o mesmo jornal assim a descreve:


(...) Cabelos quase louros, olhos azuis e aquele constante sorriso,
Maria Penedo, vivendo cada dificuldade e cada conquista de
seus irmãos e sentindo a realização de objetivos de milhares
de alunos, encontra todo dia o estímulo para sua vida criadora
no respeito e no reconhecimento à irmã e mestra bondosa que
tão bem soube distribuir harmonia e encanto como se fora
uma compreensiva matriarca.
Tais são os Desígnios da Providência que tem na homenageada
deste ano uma leal servidora, discreta como se não desejasse

11 NEVES, Guilherme Santo. In jornal Correio do Sul, Cachoeiro de Itapemirim,


29/06/1963.

63
Maria do Carmo Marino Schneider

ofender ninguém com sua virtude (o que de resto é uma


característica de todos irmãos) mas firme como as montanhas
de granito que se desenham nos seus olhos grandes e claros
e povoaram suas primeiras imagens de menina na terra que
lhe serviu de berço, fazendo-a bem merecedora do sobrenome
ilustre com que se distingue sua gente.

Após ser saudada pelo prefeito Abel Santana, por


ocasião da tocante homenagem que lhe foi prestada pelas
autoridades e povo cachoeirense, proferiu o seguinte
discurso de agradecimento12:

A hora é de grande emoção e para exprimir o que me vai
n´alma, tôdas (sic) as palavras me parecem pobres. Gostaria que
fôsse (sic) poupado o dever de falar em público, mas aí está, no
rigor do programa impresso a ordem que me impõe êste (sic)
pequeno sacrifício, já que não disponho de dons oratórios.
Como todo cachoeirense que daqui sai em busca de campo
mais amplo para as suas atividades, finquei, ali, na nossa vizinha
capital, minha tendinha de amo ao magistério, aqui iniciada e
da que guardo imorredoura saudade.
Levando lá em Vitória uma vida es condida e modesta, jamais
pensei em receber as homenagens dêstes (sic) festejos. Se foi
grande a surpresa da notícia confortadora, menor não foi a
satisfação de quem lhes fala. Na escôlha (sic) dêste (sic) ausente
de 1963, sinto verdadeiramente uma reparação à mulher e à
cachoeirense, tão esquecida nestes vinte e cinco a nos de
risonhos festejos.
Cidade que me viu nascer, que embalou a minha infância,
que assistiu meus folguedos, aos estudos da meninice,
acalentou os sonhos da juventude e em cujo seio formei
minha personalidade temente a Deus. Retemperada no amor
ao trabalho e ao cumprimento do dever, eu te saúdo neste
grandioso dia e prometo guardar-te sempre bem fundo no
recesso do meu coração.

12 Discurso de Maria Penedo, publicado no jornal Arauto, Cachoeiro de Itapemirim,


ano XII, no 1622, de 4/07/1963.

64
Maria Penedo: vida e obra

Foto: Recebendo o título de Cachoeirense Ausente no 1 de 1963. Fonte: Acervo de Maria


Penedo.

Foto: Homenagem como Cachoeirense Ausente no 1, de 1963. Fonte: Acervo de Maria


Penedo.

65
Maria do Carmo Marino Schneider

Foto: Homenagem como Cachoeirense ausente no 1-1963. Fonte: Acervo da família


Penedo.

Foto: Homenagem como Cachoeirense ausente no 1 - 1963. Fonte: Acervo da família


Penedo.

Pela Resolução nº 1225, de 01/09/1964, a Câmara


Municipal de Vitória conferiu-lhe o diploma de “Cidadã
Honorária da Cidade de Vitória”, um preito de justiça
pelos brilhantes e incontáveis serviços prestados ao
desenvolvimento cultural da sociedade vitoriense. O ato

66
Maria Penedo: vida e obra

dos legisladores resultou da iniciativa do Vereador Arabelo


do Rosário, antes da proposição que foi aprovada por
unanimidade.
O título foi recebido em ato solene em 8/09/64, data
em que se comemorava mais um aniversário da Capital
capixaba.

Foto: Diploma de Cidadã Honorária da Cidade de Vitória. Fonte: Acervo de Maria Penedo.

Em 1976, os formandos da Escola de Música do


Espírito Santo, dão à turma o nome de Turma Maria Penedo,
em uma homenagem por sua abnegação, forjando, em cada
um de seus tutelados, na Sublime Arte, um filho do coração
e um brasileiro responsável.
Pela Lei no 2604, publicada no Diário Oficial de
01/02/1979, seu nome foi dado à Rua “A”, situada no
Bairro Segurança do Lar, em Goiabeiras, nesta Capital, que
passa frente às quadras I, II, III e VI do respectivo Plano de
Urbanização.
Duas escolas da grande Vitória receberam o seu
nome. Pela Portaria no 05 de 01/03/1974, uma Escola

67
Maria do Carmo Marino Schneider

Polivalente Estadual, de Itacibá, município de Cariacica,


passou a denominar-se “Escola Polivalente Professora Maria
Penedo”.

Foto: Homenagem da Escola de Música do Espírito Santo. Fonte: Acervo de Maria


Penedo.

Em Valparaíso, no município da Serra, pela Port. E
no 2519, de 29/11/1988, uma escola municipal criada como
unidade escolar para atender alunos do 1º grau, com séries
de 1ª a 4ª, recebeu o nome de “EEFM Professora Maria
Penedo”.
No ano de 1992, a Academia Feminina Espírito-
santense de Letras, conferiu à Maria Penedo, como uma
homenagem póstuma, o título de Patrona da Cadeira no 18.
As homenagens recebidas não se restringiram apenas
à professora e à incomparável musicista. Paralelamente
à sua profissão, Maria Penedo dirigiu, por vários anos, a

68
Maria Penedo: vida e obra

Ação Católica Arquidiocesana de Vitória, orientando com


sabedoria e profundo amor cristão, a juventude que,
com ela, aprendia a viver alicerçada pelo cumprimento
dos deveres cristãos e amor ao próximo. Ajudava,
silenciosamente, aos numerosos menos favorecidos que a
buscavam continuamente, recebendo dela amparo material
e espiritual. Católica praticante, a comunhão era seu hábito
diário e a ajuda ao próximo a sua bandeira.

Foto: Diploma de Patrona da Cadeira no 18 – AFESL. Fonte: Acervo de Maria


Penedo.

Ao falecer, em 24/11/1974, vitimada por um câncer


na coluna, deixou no coração de todos um profundo pesar e
uma saudade imorredoura.
Em sua missa de Sétimo Dia, celebrada por padre
Ayrola Barcelos, na Catedral de Vitória, foram essas as Preces
Comunitárias:

Rezemos como se cantássemos um hino de esperança –


melodias repetidas pelos anjos dos céus – por aquela que
tantas vezes fez a juventude cantar.
_ Rezemos ao Senhor.

69
Maria do Carmo Marino Schneider

Rezemos com alegria, por quem fez das alegrias alheias a razão
de seu viver.
_ Rezemos ao Senhor.
Rezemos por aquela que cantou o que é belo, compondo letras
alegres, acordes felizes, fazendo sua a festa dos outros.
_ Rezemos ao Senhor.
Rezemos com quem teve a esperança – sereno farol dos mares
– a serviço dos outros.
_ Rezemos ao Senhor.
Rezemos para que com ela encontremos rumos novos, mais
valiosos do que aqueles que parecem constituir a felicidade
terrena.
_ Rezemos ao Senhor.
Finalmente, rezemos para que se robusteça, por meio dos bens
espirituais, a união entre os que peregrinam neste mundo e os
irmãos que adormeceram na paz de Cristo.
_ Rezemos ao Senhor.

Na ocasião, a professora Maria Magdalena Pisa,


fazendo o histórico da vida de Maria Penedo assim se
pronunciou:
E foi assim que Maria Penedo viveu, guiada pelo ideal
superior no exercício de sua profissão de mestra e educadora,
interessada na vida de seu alunos, encorajando-os, despertando
e orientando seus esforços. No seu trabalho diário, acendia lhes
no coração a chama do entusiasmo que nunca morria: fazer
alguma coisa para aumentar a elevada aspiração, a melhor
esperança que sua alma alimentava. O tempo e a escola eram
para ela campos de prova riquíssimos.

Em nota publicada no jornal A Gazeta, o professor


Guilherme dos Santos Neves faz uma homenagem póstuma
àquela que foi um dos baluartes da Comissão Espírito-

70
Maria Penedo: vida e obra

santense de folclore13:

A poesia popular capixaba perde, agora, esses por centos de


sua parte sonora. É que Deus houve por seu bem levar para o
Céu a sempre querida professora Maria Penedo. É verdade que
grande parte dessa música do nosso povo está fixada em pauta,
graças ao desvelo, ao interesse e à colaboração, prestante,
sempre, de dona Maria. Parte dessa parcela valiosa, eu a tenho
em meus arquivos, colhida e registrada ali em sua casa, quando
a procurava para, cantando ou reproduzindo em gravação as
canções do nosso povo, pedir-lhe que as lançasse em pauta.
E dona Maria Penedo, sempre solícita, sempre paciente,
trauteando em seu piano amigo, ia registrando as notas que
ouvia. Depois, na mesma hora ou noutro dia, entregava-me
o registro onde fielmente fixara o texto ou textos que eu lhe
havia solicitado. Esses textos são um tesouro que guardo _
agora com muito mais cuidado _ pois são lembrança sonorosa
da querida professora.
Do rol precioso em meu poder, há toadas de congos, há o velho
lundu do negro, há a saborosa chula da cachaça (de que
Mário de Andrade também recolheu e registrou uma versão).
E há modinhas dos velhos tempos como aquela que assim
começa: Eu vi uma nuvem descer junto do mar... E também
a pauta de uma suave canção portuguesa que minha saudosa
mãezinha cantava, As Carvoeiras: “Quem embarca, quem
embarca, quem vem comigo, quem vem?
E por falar em barco e em mar: Quando apresentamos ao III
Congresso Brasileiro de Folclore, reunido em Salvador (1958),
nosso trabalho sobre o Cancioneiro do Mar, nele foram
incluídos _ valorizando-o _ quinze textos musicais fixados por
dona Maria Penedo, e entre eles Que noite bela e tão boa,
Olha o tombo do mar, O Sali, saliçá, Peixinhos da Guiné, Eu
fui no mar, eu fui tarrafear, Iaiá, eu vi sereia, Serená, Pobre
barqueiro, Ora vamos tirar areia, Eu passei na ponte...
Várias dessas canções, e mais É de Valentim, Clareia o dia,
Maré encheu, Meu barco é veleiro, Jonguinho _ foram,
com aquiescência de dona Maria, incluídos no livro Canções
Folclóricas Brasileiras, das professoras Maria Augusta Jopper
e Oscarlita Fontes Lima Vieira da Silva (Rio, 1967, edição das

13 NEVES, Guilherme Santos. “Poesia e Música”. In A Gazeta, Vitória, 8/12/1974.

71
Maria do Carmo Marino Schneider

autoras)
Dos velhos romances versificados _ correntes em terras
capixabas _ Maria Penedo, atendendo a nosso apelo, registrou
versões de Juliana e Dom Jorge. E também, incluída no rol,
aquela cantiguinha triste, triste, que se encastoa na conhecida
historinha do Capineiro de meu pai...
Das “incelências” (cantigas de velório) guardo aquela onde se
repete, várias vezes, Céu, Céu, Céu, o Céu, tão piedoso...
E por falar em Céu _ para onde ela se foi _ paremos por aqui o
desfilar dos textos da nossa poesia do povo simples.
Dona Maria Penedo se foi, sim, mas não de todo. Ela voltará
sempre à lembrança de todos nós, através dos belos exemplos
que semeou sempre com mão generosa de semear; através do
profundo sentido, cordial e humano que imprimira à sua santa
vida e aos seus atos de Guia, Irmã e Mestra. E também através
da música popular que ela fixou, preservando e enriquecendo
o acervo do nosso folclore capixaba.
Sim. Dona Maria Penedo se foi. Mas não de todo, graças a Deus
que a chamou e levou para o céu. Ela está e estará sempre e
sempre em nossa saudade.


Outra homenagem tocante foi a crônica da professora
e renomada escritora capixaba Bernadete Lyra, componente
do Orfeão “Lorenzo Fernandez” durante muitos anos,
discípula e ardorosa admiradora da mestra inesquecível,
divulgada no jornal A Gazeta14:

“Eu canto porque o instante existe”. Aquela – de quem falo –


cantava. Sua voz: quase rouca de se espedaçar em pedaços de
tantas outras vozes.
Seus olhos: diamantes a cortarem mais fundo. Sua alma: como
alguém que chegasse, de repente, e trouxesse uma festa.
“Sede assim:

14 LYRA, Bernadete. “Para Dona Maria, À Cecília (pequena elegia)” in jornal A


Gazeta, 3/12/1974

72
Maria Penedo: vida e obra

Qualquer coisa serena, isenta, fiel”. Aquela – de quem falo – era


assim qualquer coisa serena, tal um jeito de consolar amigo.
Era assim qualquer coisa isenta e fiel como onda que vai-e-
volta a uma praia.
“Eu não tinha este rosto de hoje assim calmo, assim triste, assim
magro
............................................................................................................
em que espelho ficou perdida a minha face?” Aquela – de
quem falo – me voltava rosto de calma triste, seu rosto uma
dor confessada por deixar seus motivos de vida, uma dor mais
doída e mais íntima, por sair do lugar que queria, o peso da
idade sobre ela, tão injusto, tal piano de cordas quebradas.
“Aquilo que ontem cantava já não canta.
Morreu de uma flor na boca: não do espinho da garganta”.
Aquela – de quem falo – cantava. Não canta. Como uma flor
de leve tocada por solidão de campo. Como uma tarde tênue
calada por um sopro de noite. Como alguém que chorasse por
dentro.
Aquela de quem falo tinha a magia mesma do Poeta.
Sofro sem saber de que arte se ocupam as pessoas mortas. Uma
lembrava a outra. Aquela que cantava não escuta o que canto,
está de olhos fechados, como a outra, de ouvidos fechados.
Aquela que morreu num domingo como inseto trincado por
máquina breve. Aquela de quem nunca se pode esquecer.
Dona Maria, aquela que tanto cantava, “longe, longe... Deus te
guarde sobre o lado direito”.
Novembro de 1974

73
Maria Penedo: vida e obra

CAPÍTULO 6
Depoimentos vivos

A formação de um ideal e a energia em realizá-lo,


apesar de todas as dificuldades, constituem o privilégio de
almas nobres.
Todas as vidas úteis são caracterizadas pela unidade
e pela continuidade do esforço. A humanidade reconhece,
assim, através das biografias, que o fruto do esforço não
se colhe imediatamente e que é necessário a tenacidade
prolongada para conseguir resultados importantes e
significativos.
Maria Penedo é uma dessas raras almas nobres que
veio ao mundo para exemplificar a bondade, a doação sem
limites, o amor ao próximo, o desprendimento dos bens
materiais e a humildade, deixando sua marca impressa nos
corações e nos caminhos que percorreu.
Os que tiveram o privilégio de conhecê-la e de
partilhar momentos de inenarrável felicidade ao seu lado,
aqui deixaram o seu testemunho sobre a inesquecível
mestra. São preitos de gratidão pelo muito que receberam
de suas mãos dadivosas; doces lembranças dos momentos
de encantamento e beleza que tiveram a oportunidade de
partilhar com ela; saudades pungentes que permanecem
no cadinho da alma e do coração, balsamizadas pela prece,
como velas votivas.

75
Maria do Carmo Marino Schneider

QUEM FOI MARIA PENEDO


Maria Ignez Rebello Santana

Não é fácil escrever algo sobre a figura ímpar de Maria


Penedo.
A beleza de sua vida tão atribulada e tão santa de filha
dileta de Deus Pai jamais caberia neste pequeno espaço. Ficaria
como uma tela de grande valor, porém inacabada, que um dia
seu autor tentou, inutilmente, retratá-la. Não sou escritora nem
tenho este importante dom. Sou apenas uma de suas muitas
sobrinhas orgulhosas da tia sempre querida e muito admirada.
Mas aqui estou eu, vivendo o grande desafio de escrever
sobre ela, sem a mínima pretensão de sequer pensar que,
com linguagem tão pobre, este depoimento possa chegar às
alturas, lugar onde ela sempre esteve. Vivendo do amor imenso
que dela recebi, registro aqui um pedacinho de sua vida.
Ainda bem jovem perdeu seu maior admirador – seu
querido pai. A partir de então, como primogênita de numerosa
família, assumiu a chefia da casa, trocando os sonhos da
mocidade pela responsabilidade de amar sua mãe e ajudar
na criação dos seus nove irmãos por quem trabalhou e lutou
muito, enquanto os encorajava a seguir pela vida afora em
busca da concretização de seus ideais. Alguns anos depois ei-
la, novamente, acolhendo com carinho sua irmã tão nova e já
viúva com três filhos órfãos de pai, ainda na primeira infância.
E assim que eu e meus dois irmãos, felizes, fomos criados
junto dela, podendo desfrutar e aprender do seu viver amigo,
dedicado, temente a Deus. Mais uma vez ela tomou sobre os
ombros o papel do pai amado que partiu muito cedo.
Mulher guerreira, desprendida de qualquer vaidade e
ambição, colocava seu sagrado dever acima de seus próprios
interesses e, bem dizendo, acima de sua própria vida. De

76
Maria Penedo: vida e obra

semblante calmo, tinha como farol a clareza de seus grandes


olhos azuis que não a deixava perder o rumo do dever a ser
cumprido. E o fez com a dignidade e a coragem que marcaram
seu caráter, onde de recursos que usava para atender seu
próximo menos favorecido, fazendo com que ele se sentisse
mais amado, mais feliz.
Sua vida foi como um brilhante valioso a espalhar
beleza e luz por onde fosse projetado. Sua querida família foi
a receptora primeira dessa luz que a acompanhou sempre nos
caminhos da vida.
Mestra amiga, tão “MÃE” dos seus alunos, fossem eles
do aprendizado do piano como tantos outros que com ela
aprenderam a arte de cantar. Foi curta sua passagem pela
terra, que ainda precisava de sua presença para melhorar e
encantar o mundo com sua arte e a arte com sua presença.
Destaco aqui, cheia de saudades, a incrível beleza de
suas mãos percorrendo, como que acariciando o teclado do
seu querido piano Bösendorfer. Às vezes leves como plumas
cheias de seu sentir e, logo depois, com firmeza e em pesadas,
debruçavam-se nos acordes que assim exigiam na execução de
uma polonaise.
De alma emotiva ela a colocava serenamente na
execução de seus prediletos compositores, com quem parecia
conversar. De preferência, era apaíxonada pela obra de
Beethoven, mas amava muito as peças de Lizt, Mozart, Bach,
Chopin, tanto nos temas românticos como noturnos, prelúdios,
improvisos, como também nos temas fortes e vibrantes dos
movimentos de uma sonata e gloriosas polonaises.
Foram estas mãos que segurando, carinhosamente, as
minhas ainda tão pequeninas, me levaram ao primeiro contato
com o teclado aprendendo, então o dó-ré-mi. E foi daí que num
crescendo de mecanismos, escalas e arpejos, valsas e sonatas,

77
Maria do Carmo Marino Schneider

prelúdios e fugas, me apaixonei pelo toque ao piano, pelo


ouvir o piano. E ainda hoje_ quando do aparecimento de meus
cabelos brancos, quando já vivi tempos tão felizes e outros
não felizes, quando, confesso, tenho os dedos endurecidos
que não deslizam ligeiros como outrora e nem produzem sons
perfeitos_ sinto a mesma paixão despertada um dia em mim
pela querida tia. E lá vou eu, pretensiosamente, viver um pouco
do nosso passado aproveitando do valioso presente que dela
recebi e que conservo e trato como bem maior em minha casa_
o seu querido piano Bösendorfer. Às vezes, quase ouço a sua voz
terna e estimulante a me dizer: “Não pare não, vai em frente.”
Ali, muito saudosa, vejo como foi ela sua vida, vida dedicada à
música e boa música, sempre com todo amor.
Com o passar dos anos, já desgastada pelo uso intenso,
sua voz foi ficando um tanto rouca e assim mesmo ensinava
os jovens a cantar. Eram melodias ricas e ao mesmo tempo
tão simples do nosso cancioneiro popular e folclórico que se
harmonizavam perfeitamente com a simplicidade de sua vida.
Mostrava-se entusiasmada com o sucesso do seu coral sempre
tão aplaudido sob sua regência.
Sabemos que a simplicidade é a virtude dos fortes e,
então, a modéstia fez da professora Maria Penedo uma famosa
maestrina, a incansável e respeitada mestra que trazia no seu
próprio nome a firmeza do majestoso, imponente guardião de
nossa ilha – o penedo.
Confirmo, ainda aqui, o seu grande amor por Jesus
Cristo, a quem buscava todas as manhãs na Sagrada Eucaristia,
para lhe dar a força que precisava para vencer obstáculos que
surgiam a cada dia. De fé profunda, essa serva do Senhor criou
em Vitória o movimento nacional de Ação Católica, que, sob
sua direção, orientava moças da cidade para levarem sempre
uma vida honrada, santa e feliz.
Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, mas foi em Vitória

78
Maria Penedo: vida e obra

que, aos 24 de novembro de 1974, nos deixou para sempre. No


final de seus dias, sempre lúcida, mas debilitada pelo sofrimento,
chegou a dizer, bem baixinho, quase parando: ‘Estou chegando
ao fim’ e logo depois consertava acrescentando: ‘fim não, mas
ao começo da vida eterna’. E entregou sua bela alma a Deus,
que lá no céu aguardava sua chegada para reger o coro dos
anjos. O mundo ficou mais triste e o céu mais lindo porque ela
ali chegou.

79
Maria do Carmo Marino Schneider

PROFESSORA MARIA PENEDO


Maria do Carmo de Novaes Schwab

Final de 1946.
Piano fechado.
Magoada...
Mamãe, que nunca me dava razão para eu não ficar
com defeitos de “filha única”, sentida também estava e me
apoiava.
Difícil solucionar a situação.
Mas Deus não tarda...
Nos idos de 1945, Maria Penedo se mudara de Cachoeiro
para Vitória, onde veio morar e trabalhar.
Papai e Mamãe resolveram então conversar com ela.
Eram seus admiradores. Conheciam sua estória. Ela deixara de
se casar com um dos mais chegados grandes amigos do meu
saudoso Pai, que a ama verdadeiramente.
Ao perder o Sr. seu Pai, em 1928, como filha mais velha,
achou que o seu dever era exercer a direção da família, até que
todos se formassem, assumindo suas responsabilidades.
Foi então, nos anos 40, que conheci a grande Maria
Penedo, que se tornou uma das minhas maiores amigas.
Voltei a estudar o piano, com prazer, estudar as músicas
que desejava e já tinha capacidade, muitas delas apontadas
pela Professora Amália Fernandes Conde, irmã do Professor
Lorenzo Fernandez, que, periodicamente, avaliava o meu
progresso no estudo do piano, no Rio de Janeiro.
Maria era católica praticante, de comunhão diária,
piedosa, discreta. Fazia o bem com uma naturalidade única.
80
Maria Penedo: vida e obra

Era uma pessoa especial, simples, boa, desprendida, generosa.


Além dos nove irmãos, formou um Padre. E tudo fazia sem
alarde.
Era compreensiva, amiga sincera, correta, digna, uma
doce enérgica, pontual, leal. Difícil enumerar todas as suas
qualidades E, sem medo de errar, impossível fazê-lo. Ocupava
o seu tempo, nessa ocasião, dando aulas de piano, em sua
residência e aulas de canto orfeônico na Escola Técnica, onde
era muito respeitada. Na Escola Técnica de Vitória fundou o
Orfeão Lorenzo Fernandez, formado por seus alunos da Escola
e suas alunas particulares de piano. Assim, ela nos levou a
estudar também o Canto Orfeônico. Todos nós adorávamos os
ensaios e as apresentações do Coral. Íamos alegres, felizes! Ela
era realmente ímpar. Vivia Música. É a autora do Hino da Escola
Técnica de Vitória.
Fina, não esqueço, dela recebi as primeiras flores,
na minha vida. Mandou-me uma delicada corbeille, só de
pequeninos botões cor de rosa, numa data especial.
Maria era superior, prestigiava o trabalho dos colegas.
Lembro-me, perfeitamente, quando a pianista Edith Bulhões
Marcial chegou ao Espírito Santo e fundou a Sociedade de
Cultura Artística. Ela contou com o apoio de Maria, que nos
incentivava a comparecer aos concertos. Foram as primeiras
oportunidades que tivemos, aqui, de ouvir música erudita
tocada, por artistas estrangeiros, no Teatro Carlos Gomes.
Por exemplo, o português Sergio Varella Cid, classificado num
recente concurso internacional de piano, no Rio deJaneiro, veio
a Vitória e tocou a peça de confronto do referido concurso.
Ela deve estar num lugar muito especial, no CÉU.
Fui visitá-la no seu leito de morte, no Hospital da
Associação dos Funcionários Públicos do Espírito Santo.
Ela sofria dores terríveis, mas enquanto lá estive, de mãos

81
Maria do Carmo Marino Schneider

dadas, rezando, me despedindo, ela sequer gemeu. Quis me


poupar, sabia o quanto iria sentir percebendo o que ela estava
realmente sofrendo.
Grande Maria, inigualável!
Quisera ser ainda aquela Maria do Carmo que fui, para
descrevê-la de verdade e com muito amor. Obrigada pelo que
você fez por mim. Eternamente grata, sua grande amiga.

82
Maria Penedo: vida e obra

MARIA PENEDO
Leda Brambate Carvalhinho

Falar da querida mestra Maria Penedo é uma honra


para mim mesclada de uma eterna gratidão.
Aos dez anos de idade, vindo de Alfredo Chaves, onde
os primeiros ensinamentos de piano foram com minha mãe,
Alda Brambate, foi D. Maria quem deu continuidade aos meus
estudos.
Professora maravilhosa, enérgica e bondosa ao mesmo
tempo, foi ela quem me transformou na aluna talentosa que
brilhava em suas audições no auditório da Escola Técnica de
Vitória.
Aos quinze anos, também foi ela quem me preparou
para ingressar na Escola de Música do Espírito Santo.
Mais tarde, já professora de Canto Orfeônico, fui
convidada a trabalhar na Escola Técnica para ajudá-la.
Problemas com minhas cordas vocais me impediram de
também ficar trabalhando no Coral e, já nomeada, fiquei
lecionando música em salas de aula.
Tempo feliz ao lado da minha querida professora, a
quem muito agradeço.
No Coral Maria Penedo ela era a “Mãe” de todos
os alunos que faziam parte do mesmo e de todos os que a
procuravam para conselhos
Grande Mestra, nunca a esqueci e a senhora foi a grande
fomentadora da cultura musical do Espírito Santo.
Muitas palmas, palmas para você, minha querida.

83
Maria do Carmo Marino Schneider

MINHA MADRINHA MARIA PENEDO


Anna Maria Fernandes Borgo

Ela era linda, doce e carinhosa e uma exímia pianista


e, também, minha madrinha de batismo. Minha mãe contava
que eu fui batizada com uma linda camisola comprida e toda
bordada e ainda com uma toquinha que só deixava meu
rostinho de fora. Minha madrinha me segurava orgulhosa
e eu me comportava no colo dela. Fui crescendo e cada vez
me aproximando mais de minha madrinha que me tratava
mesmo como a princesa dela. Aos cinco anos, tive uma apatia
que preocupou médicos e meus pais, que pensaram em me
tirar do jardim de infância que frequentava para observar se
melhorava em outro ambiente. Tive dois lugares para escolher:
Anchieta, com meus avós, e Araraquara, com meu tio. Mas,
escolhi Cachoeiro de Itapemirim, o que espantou a todos. Ao
tomar conhecimento do assunto, minha madrinha veio me
buscar e todos rezavam para que o mal acabasse. Com uma
semana, contava minha mãe, que as notícias de Cachoeiro
eram incríveis: Vivi, Ana Maria está brincando, pulando corda
e não parece aquela que veio daí. Eu me lembro que era uma
casa grande, com muitas crianças, um quintal enorme e
todos me mimando muito. A família Penedo ficou na minha
infância muito presente e todos os irmãos da minha madrinha
me faziam muito feliz. Eles eram muitos, mas não me lembro
quantos. Quando chegou o momento de voltar, mamãe foi
me buscar e ela contava que eu abraçava minha madrinha
e as crianças chorando na despedida. Passaram-se os anos
mas sempre que podíamos estávamos nos encontrando para
abraços e beijos carinhosos. Foi uma alegria grande quando
ela se mudou para Vitória.
Ela tentou me ensinar a tocar piano mas eu achava que
nunca seria nem parecida com a pianista que ela era. Ficava

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Maria Penedo: vida e obra

feliz em ver aquelas lindas mãos deslizando seguras pelo


teclado. Foi então que conheci a inigualável pianista que me
encantava e sentia um orgulho enorme dela. Assim foi até o
meu casamento quando me chamou e me ofereceu uma joia
que havia recebido do seu ex-noivo, que foi meu tio. Eu a guardo
com amor pois ela me disse que era uma joia valiosa e só eu
a merecia. Penso que ela nunca me esqueceu como eu não a
esqueço. Em 1975, quando eu e Eloy perdemos um filho querido
em um acidente, resolvi escrever umas histórias sobre ele e, ao
procurarmos quem nos ajudasse, encontrei um sobrinho da
minha madrinha, Vicente de Paulo Penedo, que me entendeu,
entendeu minha alma, minha dor e meu desejo. Mesmo que
Eloy desejasse procurar outras ideias, sabia que Vicente Penedo
seria o meu escolhido e ele o fez, inclusive a capa do meu livro.

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Maria do Carmo Marino Schneider

MARIA PENEDO...
Laila Moysés (ex-aluna)

E aí? O que escrever?


- É apenas um depoimento, me disse sua sobrinha
Maria Ignez.
Como, em um espaço pequeno, descrever tudo que
tenho gravado no coração e na memória?
Ainda pequena, minha Mãe levou-me a tomar aulas de
piano com a tão conhecida e famosa no meio musical, Dona
Maria Penedo. Confesso que a princípio fiquei meio assustada
com aquela personalidade firme e marcante, de olhos claros e
cabelos grisalhos.
Logo, logo, diante de um abraço afetuoso e carinhoso,
o susto passou.
A convivência, quase que diária muito me aproximou
e, além de Mestra, se tornou uma grande amiga. Dona Maria
Penedo!
Dormia, acordava respirando as notas musicais.
Conseguia transmitir para nós, alunos, a vibração intensa de
um Beethoven, como a suavidade e docilidade de um Chopin.
Assim era ela.
Minha vida no mundo da música foi timbrada com o
selo do qual me orgulho “Aluna de Maria Penedo”.
Mestra Querida!
Esteja você onde estiver, tenha a certeza que também
está no meu coração, sentada numa cadeirinha de balanço.”
Com amor, Laila.

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Maria Penedo: vida e obra

TIA LIA
Álvaro Alberto R. Santana

Quando Tia Lia morreu, eu tinha apenas treze anos. Às


vezes me pergunto, como posso ter tantas lembranças dela? A
explicação está na personalidade forte, na presença marcante.
Minha mãe sempre dizia que ela tinha sido o pai que perdera
ainda no seu primeiro ano de vida, transmitindo-lhe segurança,
amor, carinho e o exemplo a ser seguido. Quem sabe eu,
inconscientemente, a via como um “avô”!
No centro da cidade, perto do antigo Colégio do Carmo,
na Rua Coutinho Mascarenhas Nº23, morava Tia Lia, a irmã
Almerinda que era minha avó e minha Tia Maria Luiza. Íamos
com muita frequência àquela casa, quase que diariamente. Isto
fez com que tivéssemos uma forte relação. Sempre alegre nos
recebia e a mim se dirigia “oi Vrinho”, era como me chamava.
Na sala, pedia que me sentasse em seu colo. Então minha mãe
falava:
- Ele é muito pesado, vai te machucar!
- Vai não Ignêz, deixa ele aqui comigo.
Eu era o caçula de três irmãos, sempre estávamos
fazendo uma arte qualquer, correndo pela casa, derrubando
coisas, mexendo no piano, virando os quadros dos grandes
compositores, que eram fixados em uma das paredes da sala
onde ficava o piano, de ponta cabeça. E minha mãe sempre
brigando, larga isso, não meche naquilo, fica quieto menino.
Tia Lia, sempre de um jeito calmo, sereno, com um olhar de
satisfação dizia: “deixa os meninos brincar, não faz mal não!”.
Certa vez, me deu um jogo de cartas que tinha a foto, o
nome completo e mais algumas informações sobre vários
compositores. Até hoje, sei o nome completo de vários deles.

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Maria do Carmo Marino Schneider

Lembro-me com muita clareza das suas mãos ao piano,


uma postura forte ao tocar! Ali, ela ficava mais séria! Tinha uma
amiga, que não sei o nome, uma violinista, que vez por outra
lá estava tocando junto com Tia Lia. Aquela era uma imagem
linda, ficava sentado vendo, mesmo sem entender muito, sabia
da importância daquele momento e tinha até medo de respirar
e fazer algum barulho que pudesse atrapalhar. Nossa! Que
oportunidade a vida me deu !!!
A missa de sétimo dia do seu falecimento foi rezada na
Catedral Metropolitana, pelo Padre Ayrola, que fez uma longa
fala a seu respeito e nela repetia, falar de Maria Penedo é...., falar
de Maria Penedo é.... Talvez ali, tenha tido a real dimensão de
quem era, para as outras pessoas, para a comunidade, aquela
minha Tia querida que só conhecia na intimidade de sua casa.
Disse então à minha mãe: “se algum dia tiver uma filha,
terá o nome de LIA, em sua homenagem”. Sim, minha filha mais
velha assim se chama e, como se numa feliz coincidência, tem
os olhos azuis como os dela.
Quanta saudade, quanta coisa deixei de viver ao seu
lado, quanta admiração, quem me dera pudesse ter um pouco
mais de convivência, porque se foi para mim tão precocemente!
Cada vez que alguém que a conhecia fica sabendo de ser eu seu
sobrinho, invariavelmente vem os elogios. Na Escola Técnica,
onde fiz o segundo grau, vez por outra, alguém fazia um relato
de suas atitudes. Talvez isso tenha ajudado a manter sempre
acesa a figura daquela admirável pessoa.

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Maria Penedo: vida e obra

MARIA PENEDO
Afonso Abreu

A pianista e professora Maria Penedo foi, como todos


dessa linda família, grande amiga de meus avós e meus pais.
Gente de Cachoeiro de Itapemirim, minha adorável terra,
irmã do saudoso médico Dr. Dalton Penedo, que fez o parto
de minha mãe em 18 de setembro de 1946, na Santa Casa de
Misericórdia, em Cachoeiro de Itapemirim, dando à luz: eu e a
Beatriz, minha querida gêmea.
Sempre, desde os 15 anos, em Vitória, eu já estava
ensaiando a minha música, no contrabaixo e, daí, sempre
tive o incentivo de Maria Penedo, minha amiga. Um pouco
mais tarde, lá pelo início dos anos sessenta, quando passava
pela rua Graciano Neves, centro de Vitória, encontrava ela e
vinha sempre o mesmo sorriso e a pergunta: “tá estudando o
contrabaixo, Afonso”? Eu respondia eu sim, mas não muito...
Uma vez ela me perguntou: “e o Mário Tadeu (Boreco), tem
jeito pra tocar bateria”? Tem, D. Maria... mas mentirinha não é
pecado. Boreco é mesmo um grande médico!
Muita saudade, D. Maria Penedo.

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Maria do Carmo Marino Schneider

PROFESSORA MARIA PENEDO


Geny Figueiredo Valle Vivacqua dos Santos

Professora de piano de grandioso talento, ministrava


suas aulas com muito amor, carinho e paciência. Era
considerada uma das professoras mais preferidas pelos pais
de seus alunos.No livro de Eurípedes Queiroz do Valle, cujo
título é “O Estado do Espírito Santo e os Espírito-santenses, o
autor relata o seguinte: “Pianistas – As dez mais conhecidas
e aplaudidas _ Professora Maria Penedo. Natural da cidade
de Cachoeiro de Itapemirim. Além de mestra acatadíssima de
Piano, foi também professora de Canto Orfeônico. Diplomou-
se no Rio de Janeiro, no Instituto Figueiredo Roxo. Professora
de música de estabelecimentos de ensino de sua cidade natal
e em Vitória, onde residiu. Lecionou Canto Orfeônico não só
na escola Técnica Federal como no Escola Oficial de Música, ou
seja, a EAMES. Foi também compositora de grande mérito.

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Maria Penedo: vida e obra

MEMÓRIAS DA TIA MARIA


Maria Heloisa Penedo (sobrinha e afilhada)

Tenho o nome de minha madrinha de crisma e creio


que herdei muitos dos atributos da querida tia.
Sou filha de Dylio, irmao de Maria, e nasci alguns anos
depois que ela foi trabalhar em Vitória, e morou um tempo
com meus pais. Eu era anjinho naquela época e quando nasci,
alguns anos depois, minha mãe Lea resolveu homenagear duas
irmãs queridas que não tinham filhos, Maria (irmã de Dylio) e
Heloisa (irmã de Lea) me dando seus nomes e as convidando
para madrinhas, de crisma e batizado, respectivamente; um
privilégio para mim.
Tenho uma admiração profunda pela tia Maria, que não
só virou chefe da familia Penedo cedo, renunciando à carreira
de pianista nata e seu noivado, mas que fez da renuncia um
benefício para o povo do Espirito Santo e sua família. Seus
irmãos e irmãs foram muito bem sucedidos na vida e, seguindo
o seu exemplo , foram ícones nas comunidadse onde viveram.
Tia Maria foi uma mulher pioneira e resoluta, e acredito que
inspirou meu pai a escolher minha mãe Lea como parceira,
outra pioneira em muitos aspectos, tanto na educação como
na comunidade. Ela e tia Maria trabalharam juntas na escola
Técnica de Vitoria, minha mãe como professora de matemática
e conselheira estudantil, e a tia na área musical.
Em retrospectiva, acho que herdei muitas das
características da tia:
… o espirito de aventureira, deixando o conforto da cidade
natal indo estudar fora, em busca de novos conhecimentos e
horizontes, numa época onde poucas mulheres o faziam (eu
também saí de Vitória para estudar no Rio, e depois para os

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Maria do Carmo Marino Schneider

Estados Unidos) ;
…a paixão pela profissão (sou cientista em computação, e
amo meu trabalho, na companhia Northrop Grumman nos
Estados Unidos ;
... pioneira em muitas áreas batalhando pela criação de coisas
novas enriquecidas na área musical, tanto para a escola como
o estado do Espírito Santo, que requerem marcantes mudanças
na cultura local (também trabalhei quase toda a minha carreira
trazendo novas tecnologias para minha companhia);
…o cuidado com os jovens que educamos ou guiamos (ver
jovens florescerem e atingirem seu potencial com nossa ajuda
é maravilhoso);
...o carinho e amor pela família e a preocupação (às vezes
talvez demasiada) com os familiares, correndo o risco de
ser interpretada como matriarca. Sempre me lembro dela
tomando decisões na sua casa para os que moravam com ela:
mãe, tia, irmã e sobrinhos;
…a determinação em cumprir o dever e chegar ao alto
da montanha sempre que possível, sem distrações, mas
apreciando a beleza do caminho;
…o gosto pela música e o canto (estudei piano e cantei em
corais quando jovem e recentemente me dei conta de que o
canto eleva meu espírito. Sou contralto como minha tia, com a
voz também um pouco rouca).
Para encerrar, quero compartilhar duas memórias
fortes da tia: a primeira, dela sentada na varanda da nossa
casa na praia do Canto quando de reunião familiar, de olhos
azuis (bem raro na nossa familia) e cabelos grisalhos, uma
presença forte, transmitindo saber, seguranca, tranquilidade
e paz. A outra memória é dos seus últimos dias. A tia sofreu
muito no final de sua vida com câncer ósseo na coluna. Eu

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Maria Penedo: vida e obra

estudava no Rio de Janeiro e vim vê-la no hospital.


Suas dores eram muito fortes e ela não conseguia
dormir, gemia muito. Eu segurei sua mão e fiz respiração yoga
com ela durante algum tempo; daí ela relaxou e finalmente
dormiu, então relativamente serena. Foi a últma vez que a
vi mas saí em paz do hospital por ter conseguido dar-lhe um
pouquinho de descanso. E a memória ficou, junto as outras
boas memórias do passado. 

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Maria do Carmo Marino Schneider

À QUERIDA PROFESSORA MARIA PENEDO


Maria Cecília Jahel Nascif

Convivi muito perto com a querida professora Maria


Penedo. Eu tinha apenas 05 (cinco) anos de idade quando
Mamãe me levou até a casa dela para que eu aprendesse a
tocar piano. O primeiro contato com aquela pessoa tão especial
me marcou para a vida inteira. Estudei com ela durante muitos
anos e só parei quando, já formada no curso superior e dando
aula na UFES, surgiu a oportunidade de fazer Pós-Graduação na
França. Ela foi a primeira a me incentivar. Estimulava de forma
precisa e carinhosa o desempenho de cada aluno. Logo no
começo do ano, já deixava antever a anual Audição de Piano
dos seus alunos, o que sempre acontecia no auditório da
antiga Escola Técnica do Espírito Santo. Era um evento que,
eu, ainda garota, achava uma coisa espetacular! Já pensou...
um Concerto de Piano com plateia cheia?? Era realmente
um sonho. Lembrou-me bem que, já na adolescência, mais
consciente da responsabilidade da apresentação, durante estes
concertos eu pedia a Dona Maria que ficasse me olhando lá da
coxia. Era como se ela estivesse segurando as minhas mãos
para eu não errar. Isto me dava segurança e eu tinha certeza
que não erraria nem esqueceria nada. Dona Maria Penedo foi
uma pessoa marcante na minha vida, não só como aluna de
piano, mas também na minha vida pessoal, orientando-me e
dando-me conselhos como uma verdadeira Mãe. Lembro-me
dela sempre como exemplo de pessoa e de carinho marcante
que deixou na minha vida. Continuo tocando piano, não
como na época em que eu era aluna, mas como apreciadora e
apaixonada pela música que ela me ensinou e transmitiu.”

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SAUDADES DA QUERIDA AMIGA MARIA PENEDO
Ignácia Nogueira (Cantora lírica)

Ela foi minha pianista acompanhadora logo no início da
minha carreira artística da cantora lírica. Fizemos muitas
apresentações. Segui seus conselhos e em um deles ela me
dizia: “Ignácia, nunca seja regente de coral para não ficar como
eu _ sem voz”.
Explicando: a maioria dos regentes de corais forçam
a tessitura vocal e cantam fora de seu registro vocal. Ela me
admirava muito como cantora e não permitia que eu cantasse
em qualquer lugar. Eu também a admirava muito, tanto é que
ela foi minha madrinha de casamento.
Grande pianista, maestrina de vários corais e fundadora
do Orfeão “Lorenzo Fernandez”, hoje Coral Maria Penedo, da
antiga Escola Técnica Federal, (atualmente Instituto Federal de
Educação do ES-IFES).


Maria Penedo: vida e obra

REFERÊNCIAS

DUARTE, Newton Perissée. “Orfeão Lorenzo Fernandez”. In


Reportagem, Campos, 31/10/1960.
LYRA, Bernadete. “O Lorenzo Fernandes”. In A Gazeta de maio
de 1968.
NEVES, Guilherme Santos e COSTA, João Ribas da. Cantigas
de Roda - Folclore Infantil I. Vitória, Espírito Santo, 1948.
_________________. Op. cit. II, Rio de Janeiro, 1950.
_________________. “Poesia e Música”. In A Gazeta,
Vitória, 8/12/1974.
NEVES, Guilherme Santos. Romanceiro Capixaba. Vitória:
Fundação Ceciliano Abel de Almeida/FUNARTE - Coleção
Estudos Capixabas, vol. 5, 1983.
__________________Coletânea de Estudos e Registros
Folclóricos Capixaba (1944-1982). Vitória: Centro Cultural de
Estudos e Pesquisas do Espírito Santo, 2008.
_______________. “Penedo vai, Penedo vem”. In Coletânea
de Estudos e Registros do Folclore Capixaba,
op. cit, p.323.
_______________. “Folclore – Contribuição de Cachoeiro ao
Folclore Capixaba”. In A Gazeta, de 29/06/1963, p.7.
ZUCCARATTO, João (Org.). Trajetória da família Nívea Estella
Bittencourt Pinheiro e Antônio Ferreira Penedo. Vitória, 2012.

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Maria do Carmo Marino Schneider

JORNAIS E PERIÓDICOS

A Gazeta, Vitória, maio de 1968.


________. Novembro de 1974.
________. 8 de dezembro de 1974.
Arauto, Cachoeiro de Itapemirim, ano XII, no 1622, 4/7/1963.
Correio do Sul, Cachoeiro de Itapemirim, Ano XXXV, no 3402,
de 29/06/1963.
Diário da Manhã, de 31/190/1926.
A Noite, Rio de Janeiro, 21/12/1926.
O Eteviano – E.T.V., ano XI, no 50, nov./dez de 1952, p.12.
O Eteviano – E.T.V., ano XIV, no 58, set/nov. de 1956, p.11.
O Eteviano – E.T.V., Ano II, no 3, mar./abril/maio de 1962.
O Eteviano – E.T.V., Ano XI, no 50, julho/set. de 1962, p.5.
O Visgo Eteviano - Escola Técnica Federal do Espírito Santo -
Ano XI, no 50, 1979, p. 23-23 e 46-47.

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Maria Penedo: vida e obra

AGRADECIMENTOS

Na Escola Técnica Federal do Espírito Santo, ao


Sr. Hudson Luiz Côgo, Diretor de Ensino da Escola, que
disponibilizou todo o acervo fotográfico e documental da
Professora Maria Penedo.
À Biblioteca Pública Municipal, no pronto
atendimento às solicitações referentes às pesquisas relativas
à atuação de Maria Penedo junto à Subcomissão de Folclore
do Espírito Santo.
A Maria Ignez Rebello Santana, sobrinha de Maria
Penedo, um especial muito obrigada, pela confiança e
gentileza ao me entregar todo o acervo de Maria Penedo,
sem o qual este livro perderia muito de sua validade.
A todos os ex-alunos, familiares, amigos e admiradores
que deixaram impressos os seus testemunhos de saudade,
respeito e gratidão à incomparável mestra.

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