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1 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:

Emerson Luiz Galindo Almeida


Emerson Luiz Galindo Almeida

UMA HISTÓRIA VENTUROSA:


Da vila à emancipação da cidade!

Venturosa
2013
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Emerson Luiz Galindo Almeida

Quando se gosta da vida, gosta-se do passado,


porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória
humana.

Marguerite Yourcenar
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Ai, cuma é bom recorda,


Quem tem aima é pra sinti
Se deitace pra drumi
Drumi prá mode sonhá.
Sonhá com os tempo passado
Cuma uns quadro bem pintado
Qui os ano veio e pintaro
Mostramo cuma umas tela
As fantasia mais bela
Qui os ói da gente avistaro.

Diniz Vitorino
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Apresentação

Uma das coisas que aprendi enquanto cursava o


Ensino Superior foi que a memória deve ser preservada.
A paixão pela História me guiou até o Centro de Ensino
Superior de Arcoverde, onde entre professores e amigos
aprendi que o historiador escreve e que a famosa
neutralidade científica é um mito. É impossível ser neutro
quando falamos daquilo que nos desperta algum
sentimento. Além do que, escreve-se a partir do que se lê.
Sempre gosto de citar Paulo Freire quando o assunto é
escrita ou leitura. Foi ele que disse que “a leitura do
mundo precede a leitura da palavra”.

Na faculdade deparei-me com uma triste realidade,


a cidade que me nutriu não possuía registros de sua
história, ou melhor, possuía, mas não havia nada que os
organizasse e os apresentasse aos seus filhos. Cresci
conhecendo pedaços da história de Venturosa, e pedaços
que nem sempre se encaixavam.

Quando conclui o curso de História escrevi sobre


os poetas venturosenses, tendo como figura central de
meu trabalho de conclusão a figura do ilustre Lorinaldo
Vitorino. Ali começava a juntar algumas peças do quebra-
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cabeças, pois antes de escrever sobre os homens eu
pesquisei sobre o lugar. Encontrei um ótimo trabalho
acadêmico elaborado pelo professor Almir Bezerra de
Almeida intitulado resquícios coronelísticos de Venturosa.
O professor Almir é uma figura proeminente em
Venturosa, fui seu aluno durante o Ensino Fundamental e
parte do Ensino Médio. Gestor da Escola de Referencia
em Ensino Médio Quitéria Wanderley Simões, o
professor Almir Bezerra foi, talvez, o primeiro a delimitar
onde se localizaria o marco zero da sede do município.

Vasculhando as memórias da infância lembrei de


uma cartilha elaborada em 1997-1998 quando minha mãe
trabalhava no departamento de turismo do município de
Venturosa. Nela havia informações preciosas a respeito da
cidade, mas infelizmente fazia parte da cultura local não
perpetuar o trabalho de um governo quando outro se
iniciava e não foi encontrado nenhum dos exemplares
produzidos naquela época. Parti, então, para o registro de
memórias de pessoas que acompanharam a passagem do
distrito de Boa Sorte para o nascente município de
Venturosa. Aqui agradeço a todos: Seu Ramiro, Rui
Quirino dos Santos, Clarice Xandú e João Bosco Morais
de Oliveira. Figuras que constituem a memória viva da
cidade. Essas entrevistas foram acompanhadas e
enriquecidas com a presença de meus ex-alunos da escola
Quitéria Wanderley Simões. Também registro aqui
minhas homenagens a Maria das Dores Galindo
Alexandre, chamada por todos carinhosa e
respeitosamente de Dona Dorinha, e Josefa Tomás de
Aquino, conhecida como Dona Lalita. Grandes mulheres
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que se destacaram na educação, cultura e no amor por
Venturosa. Pude, com alguns grandes amigos,
homenagear Lalita enquanto ela estava entre nós, mas a
partida de Dona Dorinha veio sem aviso e pegou a todos
de surpresa. Dona Dorinha já havia confirmado sua ajuda
nesse trabalho, tanto com seu depoimento quanto com
imagens de época, algumas já expostas na secretária de
ação social que ela presidia. Infelizmente ela não pôde
enriquecê-lo com seu depoimento ou vê-lo em sua fase
final. Levada de nós por uma enfermidade ela hoje nos
observa de longe, quem sabe de uma frondosa janela na
casa do Pai.
Entre idas e vindas e atribulações da vida o projeto
caiu no esquecimento. Em 2011 a secretária de educação
Sônia Regina pediu para que elaborasse uma revista sobre
a história do município. Ela me deu acesso a uma cartilha
elaborada por Maria Nailda Alexandre e Genilda Correia
Alexandre em 1994. Esse material, embora
confeccionado com parcos recursos gráficos, continha
dados valiosíssimos que dificilmente seriam obtidos hoje a
não ser com um esforço hercúleo. Costumo colocar em
meus escritos que boas histórias insistem a ser contadas.
Na proximidade do aniversário da cidade de Venturosa,
conversando com a amiga Leane Alves de Macena fui
brindado com algumas fotos antigas de nossa cidade
recolhidas por ela para um projeto em uma escola que
leciona. O que faltava então?
Um fio que unisse tudo e lhe desse sentido. Então
retornei ao seio da minha família materna e ao legado da
minha avó, a senhora Maria José Bezerra, Dona Marica.
Minha avó herdou do seu pai, Marximino Bezerra, o
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hábito de guardar recordações. Nesse caso eram uma
série de documentos oficiais e cartas de quatro gerações
da família, voltando até os tempos de Aniceto Antunes
Bezerra e José Antunes Bezerra, até os longos anos
passados a partir de 1846! A trilha a ser seguida estava se
descortinando. Agora era possível reconstituir com certa
precisão o desenvolvimento dessa localidade até a
fundação de Boa Sorte e daí até a sua elevação à cidade
de Venturosa.
Como disse antes, o historiador escreve. E escreve
sem neutralidade. É a escrita de um filho de Venturosa
sobre Venturosa a partir das experiências narradas por
outros filhos e filhas de Venturosa, mas nem por isso
deixa de ser uma escrita com veracidade factual. Os
documentos citados são reais e a intenção de quem
escreve também.
E embora esteja me policiando ao máximo para não
poetizar esse escrito nem supervalorizar ou menosprezar
pessoas, fatos e acontecimentos, sei que não agradarei a
todos e que é possível que alguns erros sejam cometidos.
E isso é bom. Os próximos a escreverem sobre a história
da cidade hão de corrigir minhas possíveis falhas
Por fim, quero agradecer a todos aqui citados,
incluindo na lista meus pais: Eraldo Galindo Almeida e
Maria Marlene Bezerra. Eles me transmitiram o amor que
sentem por essa cidade e sua gente. Também meus
eternos professores Carlos Alberto Miranda e Cirzinande
Ferreira e um de meus mais sábios amigos, o padre e
irmão espiritual Fábio Pereira dos Santos, que ao resgatar
a história da Paróquia de São José ajudou a escrever sobre
a história de Venturosa.
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Pesqueira, a Atenas do Sertão, julho de 2013.

Emerson Luiz Galindo Almeida

Dedico esta obra, assim como todas as outras, à


minha esposa. Edilma Gonçalves.
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Capítulo I

- O lugar
- As condições naturais do Agreste
- Os danos causados pelas secas

A primeira vez que me debrucei sobre Os Sertões,


de Euclides da Cunha, fiquei curioso a respeito dos
motivos que o levaram a descrever tão detalhadamente o
sertão baiano. Depois me dei conta que, como repórter,
ele apresentaria o conflito de Canudos a pessoas que
nunca pisaram ou pisariam em um dos estados
nordestinos, que talvez jamais soubessem o que é o
fenômeno da seca ou que o nordestino é antes de tudo
um forte.

Para ele, antes de narrar o conflito ou as suas causas


era preciso apresentar o seu leitor ao ambiente onde a
historia estava se desenrolando.

Então, para iniciar um relato sobre a história do


município de Venturosa, é preciso apresentar antes o
lugar que ocupa no espaço, suas particularidades e como
interfere ou molda a vida das pessoas.
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Numa descrição tecnicista o município de
Venturosa está localizado na mesorregião Agreste e na
Microrregião Vale do Ipanema do Estado de
Pernambuco, limitando-se a norte com Alagoinha, a sul
com Caetés, a leste com Pesqueira e Alagoinha, e a oeste
com Pedra. A área municipal ocupa 324,7 km2 e
representa 0.33 % do Estado de Pernambuco i.

O Nordeste brasileiro é imenso. Trata-se de uma


região que compreende nove estados. São eles: Alagoas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte e Sergipe numa área de 1.660. 359
km², o que equivale a quase 20% do território do Brasil.
Para se ter uma ideia só o Nordeste tem uma área
semelhante ao de um país como a Mongólia e um Índice
de Desenvolvimento Humano semelhante a de países
africanos. Sim, a maior taxa de pessoas vivendo em
condições precárias está localizada no Nordeste. Então
não podemos tratar essa região de forma homogênea.

Para melhor compreender os acadêmicos


costumam delimitar seus estudos. O Nordeste foi dividido
em quatro regiões naturais: Zona da Mata, Agreste, Sertão
e Meio Norte. Os geógrafos costumam caracterizar o
Agreste como sendo uma zona de transição entre a Zona
da Mata e o Sertão. De certo as terras mais próximas à
Mata tem clima e vegetação semelhantes entre si,
enquanto quanto mais se aproxima do Sertão, mais
tortuosa se torna a vegetação, mais pedregoso e árido o
solo e mais quente o clima.
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Grandes são as semelhanças entre o Agreste e o
Sertão. Ambos possuem um clima tropical semiárido,
ocupam 60% do território nordestino e são atingidos
periodicamente pelo fenômeno natural da seca.

Venturosa se encontra em uma depressão sertaneja,


distante da Mata e próxima à “Porta do Sertão”, como é
chamada a cidade de Arcoverde. Sua vegetação natural é a
caatinga, formada por plantas Xerófilas, ou seja, as que se
adaptaram a sobreviver às duras condições climáticas da
região, muito calor e pouca água. Compõe a sua flora,
entre outros espécimes: o angico, o alecrim, o aveloz, a
baraúna, a catingueira, o faxeiro, o juazeiro, o mulungu, o
mandacaru, a macambira, o rabo de raposa, etc.

Estando a uma altitude média de 530 metros, seu


clima é semiárido. É cercaada por serras e morros. As
serras do Bocú, Caco, Macaco, Mijo de Onça, Redonda,
Tará e Totel estão entre elas, assim como os morros do
Araçá e dos Ossos. O município está inserido na unidade
geoambiental do Planalto da Borborema, uma imensa
formação que se estende por cerca de 250km e localiza-se
nos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio
Grande do Norte. A cidade de Garanhuns, por exemplo,
está situada no Planalto da Borborema, numa área que
ultrapassa os 800 metros de altitude. Em altitudes
elevadas como a Serra do Ororubá em Pesqueira,
também inserida no Planalto, estão localizadas as
nascentes dos rios, que em quase toda a região são
temporários, isto é, permanecem secos fora do regime das
chuvas.
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Venturosa encontra-se nos domínios da Bacia


Hidrográfica do Rio Ipanema. O município tem como
principais rios o rio Ipanema, rio dos Bois e Cordeiro e
os riachos do Meio, da Carrapateira, da Luiza, das
Cabeceiras, Chã de Souza, Pedra Fixe e Simeão. O
principal reservatório de água é o açude de Ingazeira ou
como é chamado pelos munícipes: “a barragem da
Ingazeira”.

Alguns querem dizer que os primeiros povoadores


dessa região foram os criadores de gado. Isso só seria
aceito como verdade inquestionável caso esquecêssemos
da grande quantidade de pinturas rupestres encontradas
em seu território, prova de que homens pré-históricos
ocuparam essas terras muito antes dos portugueses
imaginarem ser possível cruzar as águas do Atlântico. Os
primeiros povoadores dessa região foram os povos
nativos, posteriormente apontados como ancestrais des
povos indígenas como Xukurús e Paratiós.

Venturosa também se encontra dentro do polígono


das secas. Para o escritor Carlos Garciaii “o Polígono das
Secas foi criado por burocratas que, sobre o mapa do
Nordeste, traçaram linhas imaginárias determinando que
fora dos seus riscos não haveria seca”. O Polígono das
Secas foi criado em 1946 e sofreu alterações sucessivas até
o ano de 2005. Ele abrange 1.348 municípios
pertencentes a 8 estados nordestinos, a saber: Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais.iii
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Nessa imensa área conhecida como Polígono das


Secas a precipitação pluviométrica anual, o índice de
chuvas, é inferior a 800 milímetros e o risco de secas
chega a 60%. A seca é um fenômeno que produz graves
consequências sociais e econômicas. A ausência de chuvas
por um longo período aliada ao clima semiárido e a baixa
humidade provocam a escassez de água, a perca das
lavouras e a morte dos rebanhos, gerando problemas
como o êxodo rural e alimentando oligarquias que se
aproveitam da miséria das pessoas simples para obter
privilégios ou aumentar sua influência. Essa é tão
conhecida indústria da seca, comum nos pequenos
municípios nordestinos até os dias atuais.

A imagem popularizada do Nordeste em períodos


de seca é o da miséria extrema, acompanhada por fome,
doenças e morte. De fato a região registra grandes
períodos de estiagem desde o ano de 1583.

Entre os anos de 1692 e 1693 outra grande seca


atinge o sertão. A peste atinge toda a capitania de
Pernambuco. De acordo dom relatos do historiador Frei
Vicente do Salvador, os índios que haviam fugido dos
colonizadores portugueses em direção as serras formaram
grades grupos e avançaram sobre as fazendas em redor
com grande violência.

Outra grande seca atinge a região entre os anos de


1723 e1727 dessa vez atingindo os engenhos e
convertendo-os em ruínas. Autoridades chegaram a pedir
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ao Rei de Portugal que enviasse escravos para a colônia,
pois os que aqui existiam haviam perecido devia a grande
fome.

Em 1808, ano em que a Família Real Portuguesa


chega ao Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte uma
grave seca atinge a região do São Francisco, em
Pernambuco, onde 500 pessoas morreram devido aos
seus efeitos.

Entre 1844 e 1846 a grande seca provocou a morte


do gado e espalhou fome entre os nordestinos. No auge
da crise onde lavouras já haviam sido quase que
totalmente perdidas, um saco de farinha de mandioca
poderia ser trocado metais preciosos como o ouro e a
prata.

O Brasil deixou de ser Império e tornou-se


república em 1889. Enquanto as elites ainda pensavam
em como conduzir a nova nação uma grande seca atinge
as províncias de Pernambuco e Paraíba, destruindo
lavouras e forçando a população a abandonar muitas vilas.
Essa seca duraria até o final de 1900, sendo que nesse ano
apenas o estado de Pernambuco foi afetado pelo
fenômeno.

Pode-se perceber que as longas estiagens são


cíclicas. As mais recentes foram registradas em 1932,
1945, 1951-1953, 1966, 1970, 1979 -1984 (Essa com
registros de saques orquestrados pela população faminta e
milhares de crianças mortas vítimas de desnutrição
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aguda), 1993 (Pernambuco possui grande número de
trabalhadores rurais alistados nas chamadas Frentes de
Emergência já que os mesmos tinham perdido
completamente suas lavouras), 1998 (Mais uma vez
ocorrem saques a mercados e feiras populares e mais de 5
milhões de pessoas espalhadas por 8 estados nordestinos
são afetadas pela seca. Venturosa é abastecida por água de
carros pipas), 2001 e 2012 -2013 (Essa classificada como a
pior seca dos últimos 30 anos).

Mas por que ocorre a seca?

Há alguns anos se atribuía a existência das secas


pela presença do Planalto da Borborema. A justificativa é
que sua presença impedia que as nuvens de chuva
chegassem até o Agreste e o Sertão. Hoje se sabe que isso
é pouco provável. A seca é um fenômeno natural gerada
quando a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) não
consegue se deslocar até a região Nordeste no período
verão-outono no Hemisfério Sul.

Muitos políticos usam da demagogia para dizer que


é necessário “enfrentar a seca”. Não é comum ouvirmos
canadenses afirmarem que vão vencer a neve ou árabes
jurarem que derrotarão o deserto. É necessário ao ser
humano aprender a conviver com o semiárido e explorar
seus recursos de forma racional e ecologicamente correta.

Localizada numa depressão sertaneja ou “depressão


semiárida”, Venturosa sempre esteve sujeita a problemas
de ordem ambiental como chuvas concentradas num
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curto período do ano, secas prolongadas, altos índices de
evaporação e a salinização de suas águas e de seu solo.
Então, como um lugar com essas condições naturais
recebeu o nome de vila de Boa Sorte e posteriormente o
seu sinônimo, Venturosa? Antes de responder a essa
questão devemos conhecer um pouco mais sobre os
primeiros habitantes e os desbravadores da terra.
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CAPÍTULO II

- Os Primeiros Habitantes Da Terra


- Os Sítios Históricos
- As Pinturas Rupestres

Nos antigos manuais e livros didáticos de História


era ensinado às crianças que o Brasil nasceu no exato
instante em que Pedro Álvares Cabral chegou com sua
esquadra às praias brasileiras. Como que a história
nacional fosse inaugurada pelos europeus. Não podemos
corroborar com esse pensamento. Da mesma forma não
podemos perpetuar a ideia de que nada aconteceu nessas
terras até a chegada dos criadores de gado.

O sinal mais visível de uma ocupação mais antiga,


ou se preferir, da passagem do ser humano pelo Agreste
pernambucano, ou ainda, da presença de povos pré-
Coloniais, é a grande quantidade de pinturas rupestres
encontradas em seus municípios.

Essa forma de arte é a mais antiga representação


artística conhecida pelo ser humano e é geralmente
encontrada nas paredes ou tetos rochosos de cavernas ou
abrigos, também sendo vistas em formações rochosas ao
ar livre, como é o caso das pinturas observadas em Pedra
– Furada, Sítio Peri-peri (Morro dos Ossos) e Pedra da
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Buquinha, todas localidades rurais do município de
Venturosa.

Os estudos de fósseis humanos no Brasil foram


iniciados durante o século XIX, nas escavações nas grutas
existentes em Lagoa Santa no Estado de Minas Gerais.
Como resultado do trabalho arqueológico foram
encontrados ossos de animais há muito extintos, além de
ossadas de trinta seres humanos, todos próximos a
machados, pontas de flecha e outras ferramentas
fabricadas com pedra lascada. Com a continuidade da
atividade, foram descobertos posteriormente um conjunto
de sepulturas com mais de duzentos esqueletos, sendo
que o de uma mulher, batizada de Luzia, obteve mais
destaque devido as conclusões polêmicas que surgiram
após o seu estudo.

No sítio de São Raimundo Nonato, no Estado do


Piauí, as escavações resultaram na descoberta de centenas
de artefatos de pedra lascada e vestígios de carvão e
madeira no sítio arqueológico conhecido como
Boqueirão da Pedra Furada trata-se de um abrigo
rochoso, cujas paredes estão repletas de figuras de arte
rupestre. Os vestígios aí encontrados datam de mais de 50
mil anos, e caso houvessem sido aceitos plenamente pelos
arqueólogos constituiriam as provas mais antigas da
presença da espécie humana na América Latina.

Venturosa também possui um parque chamado de


Pedra Furada. Trata-se de uma composição rochosa
maciça, situada em uma elevação com duzentos metros de
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extensão por quinze de largura e cinquenta de altura. Mas
se por algum tempo essa riqueza histórica foi desprezada
pelos filhos da terra esse lapso não foi repetido por
pesquisadores. Uma equipe coordenada pela arqueóloga
Gabriela Martin realizou estudos em Pedra Furada e
outras localidades do município. A autoria das obras
rupestres pertence a grupos de povos coletores e
caçadores, constituído por grupos de figuras com motivos
naturalistas:
“As pinturas naturalistas são extremamente
esquemáticas, apresentando detalhes essenciais que
geralmente permitem a identificação do ser representado. Há
predominância de figuras humanas e zoomorfas, enquanto as
fitomorfas são raras. Os personagens humanos, às vezes
isolados, também aparecem agrupados formando cenas de
caça, guerra, religião, relações sexuais, partos e outros temas”
(PILETTI, Nelson. História do Brasil: da pré-história do
Brasil aos dias atuais. 13ª ed. São Paulo: Ática, 1992. p 10).

Nas figuras encontradas em Pedra Furada além das


representações de seres humanos, podem ser detectadas
cenas de animais e utensílios de caça. As mulheres
representadas podem ser identificadas pelo ventre
proeminente, sinal de gravidez. Com as semelhanças
encontradas entre essas gravuras e algumas das
encontradas em Lagoa Santa, é possível afirmar que as
obras de arte, pintadas ou gravadas, provavelmente
possuíam uma visão mágico-religiosa e poderiam
transmitir a visão cosmológica de seus criadores.
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Enquanto as pinturas rupestres de São Raimundo
Nonato datam de 32.000 anos, restos de fogueira
encontrados em Venturosa geraram duas datações, uma
de 1760 e outra de 2030 anos BP, configurando a
primeira datação de registros rupestres em Pernambuco.iv

O arco da Pedra Furada, formado pelo processo de


erosão é local mais frequentado por turistas e é onde as
pinturas foram mais agredidas. Na parte inferior da base
do arco, encontram-se alguns exemplares intactos,
retratando alguns animais e trazendo nas paredes
rochosas várias marcas de mãos. Não é nosso objetivo
discutir a interpretação dessas imagens, coisa que somente
os especialistas podem fazer, mas, baseados em bons
estudos já publicados, apresentar como viveram as
comunidades que as produziram.

A região dessa depressão sertaneja produziu vales


com grande diversidade de fauna e flora no estreito do
Ipanema. Em épocas antigas temperaturas mais amenas e
chuvas mais frequentes poderiam fornecer grande
quantidade de recursos naturais além de caça abundantev.
Alguns estudos levantam a hipótese de alguns locais terem
sido ocupados por povos coletores e caçadores, daí que a
arte rupestre encontrada estaria em antigos locais de
abrigo, já que os povos coletores e caçadores em sua
grande maioria eram nômades, não possuíam moradia
fixa e mudavam constantemente de lugar em busca de
caça, frutas, raízes, etc.
21 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
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É interessante, porém, a constatação feita em um
artigo escrito por André Luiz Proença de que há
evidências de uma permanência mais prolongada no Sítio
Barbado devido a existência de água mesmo em períodos
de seca.

No mesmo artigo ainda são apontadas evidências de


que a Pedra Furada e a Pedra Fixe teriam a presença de
sítios cemitério, o que indicaria uma identificação de
gerações desses grupos com esses locais. A distância entre
um sítio e outro também sugere a grande mobilidade
desses grupos em um amplo território, não dependendo
de recursos específicos de determinada localidade e sim
da grande variedade destes.

Essas figuras também podem nos mostrar o quanto


temos contribuído com o processo de desertificação do
semiárido. Hoje os rios existentes são em sua totalidade
perenes, mas há milhares de anos atrás a realidade
encontrada pelos povos nativos ou pré-Coloniais era
diferente. A figura de um homem pescando encontrada
no Sítio Peri-peri poderia indicar que naquele tempo a
pesca era um recurso da região, ou seja, os rios
mantinham-se mesmo fora dos períodos chuvosos.

A arte rupestre também nos dá exemplos da dieta


desses povos. Eles poderiam ter como alimento a carne
de veados, tatus, tartarugas, onças, capivaras entre outros
animais. Ossos encontrados apontam para o consumo de
pombas-rola, preá, jacú, codornas, cutias e pacas, ainda
hoje degustadas pela população do Agreste rural.vi
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As pinturas rupestres encontradas em Venturosa


pertencem a Tradição Agreste e apresentam estilos de
grafismo puro, cariris velhos e geométrico elaborados.
Podemos arriscar que durante muito tempo esses povos
coletores e caçadores se converteram em povos indígenas.
Há indícios que o povo Xukuru teria povoado uma
grande extensão de terra que iria de Brejo da Madre de
Deus até Arcoverde, tendo passado por onde hoje se
localiza a cidade de Venturosa.

A bibliografia sobre história local ainda não é


precisa, mas todos sabem o que houve com os povos
indígenas com a chegada dos portugueses ao continente.
Quaisquer que tenham sido os descendentes dos
primeiros povoadores da região eles foram assimilados ou
dizimados com a chegada do elemento europeu.
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CAPÍTULO III

- As Causas da Ocupação
- Atividades Econômicas no Período
- As primeiras Fazendas

Para assegurar a posse das terras d’além mar, El Rey


de Portugal, Dom João III criou em 1532 a capitania
hereditária de Nova Lusitânia, posteriormente chamada
de Pernambuco, por meio de uma Carta de Doação dada
a Duarte Coelho Pereira. O povoamento efetivo dessa
capitania foi iniciado após a chegada do donatário (o que
recebia do rei a capitania e assumia o dever de protege-la,
povoá-la e pagar tributos à coroa.)

Duarte Coelho se ocupou apenas a estabelecer


povoações na região litorânea e dominar os índios até as
margens do rio São Francisco. Pernambuco ainda
enfrentaria a invasão holandesa e passaria por um
desmembramento até iniciar a consolidação de suas
terras.

A penetração pernambucana para o interior foi feita


seguindo a margem esquerda do rio São Francisco,
contornando o maciço da Borborema e logo após para o
norte, seguindo os afluentes desse grande rio. Essa
estratégia de penetração foi iniciada pelo interior,
seguindo posteriormente para o Sertão e, por fim,
chegando ao Agrestevii.
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Carlos Garcia (2005) afirma que “os primeiros


ocupadores foram os criadores de gado”. Mas, no século
XVIII, mesma época em que se iniciou o cultivo de
algodão no Nordeste, o governo de Pernambuco já havia
iniciado a distribuição de grandes lotes de terra visando a
produção de gêneros agrícolas, as chamadas sesmarias. O
regime das sesmarias foi muito usado por Portugal. Em
seus primórdios o reino português, recém convertido em
Estado, não possuía meios para produzir alimentos para
todos e passou essa função a particulares. No Brasil, a
maior das colônias portuguesas, esse sistema foi
implantado com algumas adaptações. Há quem diga, e
com razão, que o sistema de doação de terras para cultivo
as ricas famílias que viriam a concretizar a colonização do
país deu origem aos graves problemas relativos a reforma
agrária que sofremos hoje.

No século XVIII já estavam distribuídas as


sesmarias do Agreste, sobre a Borborema, e estavam
abertos os seus caminhos. A prova disso é que por volta
de 1700, pouco após a destruição do Quilombo dos
Palmares onde o sonho de liberdade dos que foram
escravizados foi duramente destruído, era fundado nos
Campos do Garanhuns um distrito judiciário chamado de
Capitania de Ararobá, uma imensa área com cerca de
30.000 km, englobando o que hoje são os municípios de:
Águas Belas, Angelim, Arcoverde, Brejão, Buíque,
Canhotinho, Correntes, Custódia, Pedra, Pesqueira,
Quipapá, Sanharó, São Caetano, e parte de Caruaru.
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Bem antes disso, em 1659, foi fundada pelo padre
João Duarte do Sacramento uma missão da Congregação
do Oratório junto a uma tribo cariri denominada de
Xukuru que vivia na serra do Ororubá ou Ararobá. Com
a fundação da Vila de Cimbres em 1762, Santo Antônio
do Ararobá (Garanhuns) perderia temporariamente a
condição de sede da capitania.

Bandeirantes, missionários católicos e vaqueiros


foram os desbravadores do sertão e responsáveis diretos
pela fundação de vilas, abertura de estradas e surgimento
das primeiras fazendas e rotas de comércio. De certo que
os mais prejudicados por esse contato foram os povos
nativos que foram subtraídos de suas terras, costumes,
crenças e dialetos.

A principal atividade econômica dessa região era a


pecuária. Isso se explica porque no auge da produção de
açúcar nos engenhos pernambucanos, em 1701, Portugal
proibiu a criação de gado até 80 km da costa da capitania,
então os criadores de gado rumaram em direção à região
da caatinga. As terras utilizadas eram invadidas e
geralmente tomadas dos nativos após violentos conflitos.

No princípio, o objetivo dos pecuaristas seria


fornecer carne e animais que seriam usados como força
motriz dos engenhos, movendo as suas grandes moendas
para a produção de açúcar. Com a descoberta e
decorrente exploração do ouro em Minas Gerais entre
1693 e 1695, a criação do gado bovino passou a atender
as necessidades das regiões auríferas, ampliando bastante
26 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
esse mercado. Do Nordeste saíam charque, carne fresca e
couro que eram comercializadas em outras regiões da
Colônia. O Grotão (hoje distrito de Venturosa), situado
em região mais elevada, surgiu a partir da trilha de
homens que levavam gado e algumas mercadorias nesse
mesmo sistema de comércio. A professora Leda Araújo
historiou o surgimento dessa vila em um trabalho de
conclusão de curso bastante interessante. O distrito do
Grotão já foi uma importante centro comercial, munido
de mercado e grade feira livre. Seu desenvolvimento foi
estagnado quando estradas foram abertas fora de sua rota,
ligando Garanhuns à Rio Branco (Arcoverde).

A pecuária do Nordeste sofrerá um declínio


quando Minas Gerais passar a abastecer as regiões onde
ficavam localizadas as minas de extração do ouro, uma
situação que será ainda mais agravada com as grandes
secas de 1791 e 1793.

Em 1761, antes do colapso da atividade pecuária


para abastecimento do mercado interno, o senhor João
Antunes Bezerra adquiriu uma vasta propriedade repleta
de lagoas naturais e que em virtude delas foi chamada de
Alagoinhas. Essas terras faziam parte de uma sesmaria
doada por Portugal mediante Fernão de Souza Coutinho
que era governador da capitania de Pernambuco aos
portugueses Bernardo Vieira, Antônio Pinto e Manuel
Vieira.viii

Com sua esposa e dez escravos de sua posse João


Antunes Bezerra sai do Tará (sua terra natal e hoje
27 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
distrito de Venturosa) para Tingui, na encosta sul do
município de Alagoinha. É interessante ver que Tará e
Grotão são anteriores ao surgimento da vila de Boa Sorte,
que se transmutaria na cidade de Venturosa. O estudo da
história de Alagoinha contribui para a compreensão da
formação e desenvolvimento de Venturosa, assim como o
estudo da história da cidade de Pedra, da qual já foi
distrito.

É importante reconhecer que várias fazendas foram


instaladas no Sertão e Agreste pernambucanos. Distantes
uma das outras essas propriedades não contribuíram para
aumentar a densidade demográfica dessa região, até
porque não precisavam de mão de obra em grande
quantidade para serem mantidasix. A instalação de algumas
famílias nas cercanias da freguesia do Ararobá,
precisamente nas terras que formariam a cidade, é sentida
na formação de comunidades e fazendas que foram
batizadas de acordo com suas características, como a
existências de olhos d’água ou a predominância de
determinadas espécies da flora local. Assim nasceram os
nomes dos sítios: Angico, Araçá, Barbado, Barro Branco,
Campo Grande, Carrapateira (a carrapateira era como se
chamava a mamona, fruto da mamoneira) e Olho d’Água,
por exemplo.

Em “Conhecendo o município de Venturosa”, uma


cartilha elaborada pelas senhoras Maria Nailda Alexandre
e Genilda Correia Alexandre em 1994 para o
Departamento Municipal de Educação, lemos claramente
que a cidade teria se originado a partir da influência de
28 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
uma fazenda de propriedade do Sr. José Antunes
Bezerra, por volta de 1878. Não podemos negar a
importância dessa fazenda, mas durante a pesquisa que
culminou nesse trabalho, percebemos que várias outras
fazendas foram fundadas nessa região e também
desempenharam papel como agente de fixação de novos
habitantes e contribuíram significativamente na história
municipal.

Manoel Antunes Bezerra já morava na fazenda


Buqueirão em 1844, onde comprou a João Antunes uma
parte de terra que este e sua esposa possuíam em Bucá,
no Brejo da Madre de Deus. Os membros da família
Antunes Bezerra deram início a formação dessas fazendas
e se mantiveram relativamente próximos uns dos outros.
Os hoje sítios Buqueirão e Barbado, sedes das
propriedades de Manoel Antunes Bezerra e José Antunes
Bezerra são limítrofes,

Em “Resquícios coronelísticos” o professor Almir


Bezerra levanta um ponto interessante. Afirma que o local
onde hoje se encontra a sede administrativa do município
foi antes um local de pouso, um rancho onde os
almocreves paravam para se alimentar e descansar em
suas jornadas. Os almocreves eram comerciantes que
transportavam mercadoria no lombo de burros e foram
muito importantes na história do país. Alguns
transportavam peixes do litoral para o interior e na volta
traziam frutas, verduras e outros itens. Num Brasil sem
muitas estradas eles foram essenciais para a comunicação
entre as províncias e para o abastecimento de pequenas
29 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
vilas. Virgulino Ferreira, que se tornou o mitológico rei do
cangaço sob o nome de Lampião, foi também um
almocreve antes de se insurgir e escrever seu nome na
história.

Nesse local de pouso surgiu um tipo de pousada de


propriedade de uma senhora chamada de Janoca, que
desenvolvia uma atividade comercial vendendo, entre
outros itens, cocada de facheiro, doce de leite e água para
aliviar a sede dos viajantes. Essa choupana ficava onde
hoje está situada a casa do falecido Delmiro Alexandre,
na Avenida Capitão Justino Alves. Um observador atento
pode perceber que a grande reta em que as casas
construídas seguem o sentido, a proximidade do açude
(que infelizmente teve suas águas poluídas), a localização
da capela, sugerem que antigamente aquela seria a ligação
entre as diversas fazendas existentes e as cidades de
Garanhuns e Buíque. Arcoverde – antiga Rio Branco - e
Pedra, por muito tempo foram distritos de Buíque.

Prova disso são os impostos pagos pelo senhor


Aniceto Antunes Bezerra no valor de 2.000 contos de
Réis em 1865 à coletoria relativos à posse de 106 braças
de terra da propriedade de Cacimbas, no distrito do Tará,
município de Buíque. Antes disso encontramos o pedido
de dispensa para contrair matrimônio feita pelos noivos
Nicolau Francisco Bezerra e Anna dos Anjos Bezerra, no
de 1846. Os dois eram primos e já haviam requerido a
dispensa do impedimento por consanguinidade, já que a
Igreja Católica desde o Concílio de Trento, iniciado em
1545 e concluído em 1563, fez valer uma antiga
30 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
determinação na tentativa de impedir casamentos entre
parentes até o quarto grau de consanguinidade para evitar,
ou melhor, diminuir o nascimento de crianças com
problemas genéticos comuns pela proximidade sanguínea
dos noivos.

Veja que as pessoas que viviam nessa localidade as


vezes tinham que se deslocar até Buíque para resolver
questões jurídicas e eclesiásticas. A Freguesia de Pedra só
seria criada em 6 de maio de 1863 e passaria a categoria
de vila em 1881.

Há evidências de que os grandes fazendeiros dessa


parte do Agreste pernambucano eram possuidores de
escravos. Além do já citado João Antunes Bezerra,
encontramos o registro de uma escrava chamada Faustina,
sem profissão, matriculada sob o número 805 no registro
geral do munícipio de Buíque e que pertenciam as órfãs
Maria e Santina feita pelo tutor das mesmas, o senhor
Aniceto Antunes Bezerra. A escrava tinha uma criança de
colo de cor parda, do sexo feminino, batizada por Maria.
Esse documento foi registrado na Província de
Pernambuco, Município de Buíque, Paróquia de Pedra
em 30 de outubro de 1873. A escravidão só seria abolida
no Brasil em 1888.

Embora poucos tenham conhecimento disso,


durante o século XIX a maioria dos escravos
pernambucanos não estava na Zona da Mata, mas no
Sertão e no Agreste intermediário e, quase dois terços
destes, pertenciam a senhores que tinham entre 10 e 20
31 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
escravosx. Na década de 1870, após o fim do tráfico
intercontinental, o preço dos escravos estava em queda na
província de Pernambuco. A quantidade de escravos
encontrados nela também estava diminuindo com o
tempo. No ano de 1823 foram contabilizados 150.000
escravos e em 1872 esse número havia sido reduzido para
89.028xi. Mas possui-los ainda estava relacionado à ideia
de poder e riqueza.

É importante pensar no Brasil dessa época. O país


de proporções continentais, o quinto maior do mundo e o
maior da América Latina, havia rompido laços com sua
Metrópole há 51 anos, em 1822. Várias rebeliões foram
sufocadas para assegurar a unidade nacional. Um jovem
de 14 anos, D. Pedro de Alcântara, foi feito imperador
com o nome de D. Pedro II. Rebeliões e agitações
abalaram o país. Recife defendeu a limitação do poder
real, o voto livre e universal, a maior autonomia das
províncias e a liberdade de imprensa no Manifesto ao
Mundo, o programa da Rebelião Praieira. Infelizmente o
fim da escravidão não passou pela pauta dos grandes
proprietários de terra. Com os conflitos que sufocaram as
rebeliões as elites se unem e esquecendo velhas
rivalidades moldam o perfil administrativo do país
durante o Segundo Reinado. Os poderes estavam
concentrados em D. Pedro II, instituíram o
parlamentarismo e não permitiram a imensa maioria dos
brasileiros o direito de participar da vida política e criaram
o Exército e a Guarda Nacional. Trocando em miúdos: o
papel do Governo era o assegurar os interesses da elite
econômica.
32 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Como veremos a economia também estava em


processo de mudança. O café que começou a ser
cultivado em 1820 e se expandiu rapidamente no Vale do
Paraíba e no Oeste Paulista. Na década de 1821-1830 o
Brasil produziu 3.178 sacas de café. Entre 1861-1870 já
seriam 29.103xii, totalizando 1.746.180 kg, já que cada saca
possuía 60 kg desse grão. O café seria o carro chefe da
economia brasileira durante quase todo o II Reinado e
por toda a República Velha. A partir de 1840 seria
iniciado o surto industrial e as transformações econômicas
e sociais pelas quais o mundo passava incorreriam na
abolição da escravidão, no fim do padroado e no advento
da República.

Nessa região Agreste havia duas atividades


econômicas predominantes: a criação de gado onde
predomina o clima semiárido e o plantio de algodão e da
agricultura de subsistência onde o clima era mais ameno
ou menos frequentemente afetado pela seca. A pecuária
foi implantada primeiro, sendo responsável por sua
ocupação pelo elemento europeu e seus descendentes
nascidos no Brasil Colônia. Com a declínio dessa
atividade foi que se iniciou o plantio de algodão e outros
gêneros agrícolas. Isso porque no final do século XVIII o
Brasil passou a exportá-los para países em condições de
liberdade. O algodão foi cultivado primeiramente no
Maranhão e depois foi difundido para os atuais estados
do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e pequenas áreas dos estados da Bahia,
São Paulo e extensas áreas de Minas Gerais. O surto do
33 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
algodão provocou grandes lucros na década de 1870 e
continuou a ser cultivado por décadas no Agreste.

Em Venturosa há uma comunidade chamada de


Ouro Branco. Seria isso devido a ela ter se originado em
torno do plantio do algodão?

O algodão se adaptou bem as condições do Agreste


e do Sertão e resistia as intempéries das estiagens. Seu
plantio atraiu imigrantes e fez vir povoadores para as
encostas de serras e beiras de estradas ao longo do imenso
território do semiárido.

Para compreender o nascimento da vila de Boa


Sorte é importante conhecer o que ocorria no âmbito
regional. Os almocreves agora faziam a rota inversa,
Sertão com destino ao Agreste intermediário. O declínio
da pecuária e as duras secas fizeram que os sertanejos
viessem comercializar seus produtos e adquirir gêneros
alimentícios como feijão, farinha e doces como a rapadura
de facheiro e o doce de leite entre outras coisas. O surto
do algodão entre as décadas de 1860, 1870 e até meados
de 1880 que trouxeram mais povoadores e mão-de-obra
para a região e assim ampliavam as cidades existentes, o
fluxo de pessoas e mercadorias. Elementos que
permitiram que muitas vilas que se tornariam cidades
nascessem desse processo.
34 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo IV

- O nome
- As primeiras ruas
- A instituição familiar
- Atividades culturais
- Vida em comunidade

O nome Boa Sorte para designar esse lugarejo tem


duas versões. Em uma delas três grandes amigos que não
se viam há muito tempo se encontraram ali. Como cada
um vinha de um lugar diferente ficaram emocionados
com a afortunada reunião e um deles exclamou: Que boa
sorte, amigos, termos nos encontrado aqui depois de tanto
tempo! A sorte de um lugar de pouso entre a longa
viagem do Sertão ao Agreste, a sorte de poder
comercializar e voltar para casa com alimentos, a sorte de
reencontrar o tesouro de se estar entre amigos. O
sentimento de euforia teria se espalhado naqueles que
presenciaram a cena e a partir dali todos se referiam ao
local com o nome de Boa Sorte. Em outra versão
também muito conhecida é de que numa das grandes
secas que abateram a região, o fazendeiro José Antunes
Bezerra enfrentou-a sem passar por grandes danos.
Parentes haviam mandado se informar de como ele estava
e ele disse que estava muito bem e que teve sorte em ter
permanecido ali. Todos concordaram que seu êxito se
deu a sorte de estar em um lugar de boas condições. Daí
de essa região já ser chamada de Boa Sorte antes mesmo
35 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
dos almocreves percorrerem essa rota. Essas versões
também estão presentes nos depoimentos de Manoel
Ramos, o Ramiro, João Bosco Morais de Oliveira e Rui
Quirino dos Santosxiii. Todos eles crianças quando a
cidade ainda era distrito de Pedra e atendia pelo nome de
Boa Sorte. Rui Quirino chega a dizer: “Mesmo quando
tinha o rancho e os almocreves passava, mesmo antes
disso já era conhecido como Boa Sorte”.

A sede do município nasce nas terras que teriam


pertencido ao senhor Valeriano Santos. Entre 1874 e
1887 habitaram o que viria a ser a Vila de Boa Sorte o
comerciante de peles e animais João Laurentino de
Souza, o agricultor e dono de terras Quirino dos Santos, o
também dono de terras e comerciante Manoel Moreno e
o dono de terras e chefe político, Justino Alves.

Nessa época se registra a existência de outras


grandes propriedades rurais: a Fazenda Riacho do Meio
de propriedade do senhor Antônio Lourenço que
produzia rapadura, Fazenda Barro Branco pertencente a
Manoel Joaquim, a Fazenda Caatinga Branca do senhor
José Miguel e a Fazenda São Roque que pertencia ao
senhor Antônio Alexandre da Silva.

Tudo concorreu para a urbanização daquele lugar.


Estar entre uma rota de comercio, cercado por grandes
propriedades, possuir água e local para parada e descanso
dos viajantes e depois disso a doação de pequenos lotes
de terra, a vinda de novas pessoas que fugiam da seca e
procuravam trabalho, a abertura de estradas que ligavam
36 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Garanhuns à Buíque, passando por Pedra e Arcoverde
(antiga Olho d’água dos Bredos e Rio Branco).

Rapidamente nasceu a Vila de Boa Sorte. O modo


de vida de sua gente era simples. A alimentação não tinha
luxos. Feijão, farinha, carnes assadas na brasa ou com
banha de porco, sem iluminação elétrica e pouca mobília
no interior das casas, sendo esta composta por móveis
rústicos feitos à encomenda. Muitas casas não possuíam
roupeiro ou guarda roupa e as vestimentas eram
guardadas em grandes malas que eram empilhadas uma
sobre as outras. As camas eram reservadas muitas vezes
apenas para os pais, então, era comum casas onde só
havia uma cama, já que os jovens dormiam dependurados
em redes. Esse costume foi assimilado dos povos
indígenas. O divertimento eram as vaquejadas, os jogos de
cartas e as prozas com os amigos. Também era costume o
ler ou recitar dos cordéis que eram chamados de
romances. Poucos sabiam ler de fato, então, em vez de ler
os romances, os pais ou mães decoravam os versos e os
repetiam de cor para seus filhos.

As famílias eram numerosas já que ter muitos filhos


queria dizer possuir muitas mãos para auxiliar nos
trabalhos das fazendas e sítios e nos afazeres domésticos.
Uma família formada por pai, mãe e dois filhos era
considerada pequena. Muito comum era ver nos sítios,
vilas e cidades do interior famílias onde o casal havia
gerado dez, doze ou até mesmo quinze filhos.
37 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
O casamento podia ser um evento traumático para
as moças. Muitas foram dadas em casamento aos catorze
ou quinze anos de idade e passaram rapidamente do julgo
do pai para o do marido. Não havia uma preparação a
não ser a de que era dever da esposa obedecer ao seu
marido. O amor dos versos ditos pelos romances pouco
ou nunca era sentido na vida matrimonial pautada pela
rotina mecânica de conceber, nutrir e criar os filhos. Fotos
de época mostram o curto intervalo do nascimento entre
um filho e outro. A famosa escada formada do filho
menor para o maior até chegar na mãe e no patriarca da
família.

Outro costume encontrado em algumas famílias era


de que duas gerações da mesma família habitassem na
mesma casa. O entrelaçamento era tão forte que o sogro
podia ser tomado como padrinho dos netos e passava a
ser chamado de compadre. O nordestino leva o vínculo
estabelecido pelo sacramento do batismo com os
padrinhos que o sogro passa a ser compadre e não mais o
avô, deixando de ser tratado assim pelos netos para
assumir o papel de padrinho. Até entre irmãos isso
ocorria. A irmã mais velha ou mais nova passava a ser
comadre e os sobrinhos não mais tomavam a benção a
sua tia e sim a sua madrinha.

Um local determinante para o crescimento de Boa


Sorte foi marcado por um grande pau ferro localizado
onde hoje está a capela Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, na Rua São José, centro de Venturosa, foi lá que
ocorreram as primeiras feiras livres e até mesmo
38 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
celebrações religiosas e casamentos. Com o passar dos
anos as casas se aglomeram e nascem as duas primeiras
ruas. Essas ruas, a princípio, não tinham nome, mas uma
logo ficou conhecida como “rua do Alecrim”xiv. Nela havia
uma casa de má fama, onde mulheres vinham nos dias da
feira para se prostituir e trazer alegrias e dores aos
habitantes de Boa Sorte.

A sociedade contemporânea é marcada por uma


relativa liberdade em torno da sexualidade. Ninguém mais
censura namoros ou as relações sem compromisso, coisa
impensável no final do século XIX e início do século XX.
Os namoros eram permitidos já em vista de um
casamento próximo. Com a sexualidade reprimida e as
relações sociais duramente fiscalizadas pelos familiares e
membros da comunidade, a iniciação de muitos jovens se
dava nas famosas casas da luz vermelha, quando não em
relações atípicas. Homens casados também eram clientes
comuns dessas casas e eram atraídos pelos mais variados
motivos que iam desde o marasmo de suas relações
maritais à simples oportunidade de beber com os
companheiros.

As famílias nordestinas seguiam o molde patriarcal.


O pai era o líder, o chefe de família que jamais seria
questionado ou desafiado. Poucas instituições portuguesas
foram tão assimiladas no Nordeste como o morgadio. Em
Portugal o morgadio era uma forma de organização
familiar que instituía uma linhagem, designava sucessores
e regras de comportamento a serem seguidos. Criava-se
um vínculo com as posses da família com o objetivo de
39 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
perpetuar seu poder. O nordestino valoriza sua linhagem,
a honra e, sobretudo, o seu nome. Tanto que até hoje os
mais antigos quando conhecem alguém primeiramente se
interessam pelo seu sobrenome, assim estabelecem um
vínculo com o passado e conhecem a procedência do
indivíduo.

Então se você apresenta Francisco a um senhor de


80 anos certamente ouvirá dele: “Francisco de quê?”.
Francisco Gustavo de Oliveira. E então: “Ah, os Oliveira”.

No final do século XIX era impensável um filho


desafiar seu pai ou sua mãe ou chama-lo pelo primeiro
nome. O papel paterno nunca era esquecido. O pedido
de uma benção ao acordar, ao sair e antes de dormir
significava mais que um sinal de fé e carinho, era, em
algumas situações, reconhecimento de uma relação de
poder. Nas famílias humildes não se conhecia a transição
da vida infantil para a vida adulta chamada de
adolescência. Os filhos auxiliavam o pai nos lidos com
animais, com o plantio e desde cedo aprendiam a cumprir
com o seu papel. Nas famílias ricas os pais podiam
decidir até sobre o casamento dos filhos, quase sempre
visando aumentar a influência familiar e proteger ou
aumentar o patrimônio da mesma. Estes casos mais
comuns na Mata que no Agreste e Sertão, mas podendo
ser encontrados nelas também.

As mulheres estavam num estado de submissão aos


pais e posteriormente aos maridos. Não podemos
generalizar e imaginar que mulheres ricas e pobres eram
40 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
submetidas às mesmas condições. As ricas tinham acesso
à instrução e em geral eram preparadas para serem boas
esposas. Enquanto persistiu a escravidão a esposa rica
mandava nos escravos, com o fim desta passou a mandar
nos empregados. As mulheres pobres trabalhavam junto
aos maridos, podiam ser tanto roceiras como lavadeiras e
mesmo sendo indispensáveis não podiam questionar
nenhum ato dos seus companheiros. Aquelas que sabiam
das visitas à “Rua do Alecrim” só podiam resignar-se ou
descontar sua frustração nos filhos.

Seguros de sua posição dominante alguns homens


mantinham mais de uma família. Com o crescimento da
pequena vila era possível manter uma mulher no sítio e
outra na rua, como era chamada a área urbana incipiente.
E embora a infidelidade masculina fosse algo tolerável, a
feminina era imperdoável e punida com a morte,
geralmente do homem que se aventurou em terrenos que
por direito pertenciam a outro. O forte sentimento
religioso podia ser usado como subterfúgio, já que a lei de
Deus não admitia o divórcio, mas o machismo e o
orgulho ferido eram os grandes motivadores dos crimes
passionais ou da limpeza da hora como eram chamados
os possíveis assassinatos cometidos na época. Mas se o
mundo fechava os olhos para as transgressões masculinas,
triste daquela mulher que fosse abandonada por seu
marido. A mulher desquitada era apontada nas ruas,
impedida de comungar, tratada sem respeito por outros
homens e seus filhos passavam a ser chamados de ‘filho
de mulher separada’ e muitas vezes sofriam de exclusão.
41 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
E o que acontecia com aquelas mulheres que não
aceitavam sua sina? Numa história que poderia ser a de
um bom romance conta-se que em Buíque uma filha
tentou fugir da casa do pai para viver um amor proibido.
Ela teria se enamorado por um dos vaqueiros a serviço do
seu pai e resolveu ir embora para casar com ele. Os dois
partiram tendo a lua e as estrelas como testemunhas.
Quando o patriarca se deu por conta do que ocorria
desceu a serra em companhia de seus homens e alcançou
os dois em meio a mata. O final sempre assustou os
ouvintes. O pai executou o vaqueiro e a própria filha para
mostrar que sua vontade era lei. Essa e outras histórias
permeiam o imaginário popular dos nossos anciãos até os
dias hoje.

Ao que indica Boa Sorte não registrou atos tão


bárbaros em sua origem. Todos aqueles que forneceram
material para este estudo relatam relativa calmaria nos
“anos áureos” da comunidade. Mas também são contadas
histórias dos homens de valor, aqueles que não levavam
desaforo e tinham a fama de “cabras valentes”, “machos
de verdade” ou que “tinham sangue no olho”.

Uma rota de comércio e um lugar beneficiado em


sua localização. Um rancho acolhedor e choupanas que
deram origens a um pequeno povoado. Grandes e médios
fazendeiros vivendo em seu entorno. Secas que fazem os
nordestinos subirem ao Agreste. Um encontro inusitado e
um sinal de boa sorte! Unir tudo isso parece improvável.
Mas o improvável só permanece assim até que a vida e a
história se encarreguem de seguir seu curso.
42 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Casas começavam a ser construídas e logo, logo, o


lugarejo começou a tomar a forma de uma pequena vila.
O nome Boa Sorte foi gravado no nome das pessoas e
começou a uni-las em torno de uma identidade. O grande
pau ferro foi o marco das manifestações que marcariam
sua vocação de crescimento: a feira e a celebração da
Missa. Depois, as festas. Pouco tempo depois foram
organizadas corridas de cavalos e jumentos, chamadas
prados, realizadas em local mais distante, mas na mesma
reta. Não se pode conceber a vida em comunidade sem
laços que a unam: a vivência da religião, as atividades
comerciais, o trabalho e o lazer.

Faltava ainda uma coisa que impulsionasse a sua


vocação. O que os italianos chamam de fortuna e o que
nós, latino-americanos costumamos atribuir ao destino ou
a intervenção da divindade: o surgimento dos líderes.
43 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo V

Escritos a quatro mãos


Um hábito pode fazer História
Cotidiano Rural
Encontros e desencontros, Versos amorosos
Devoções

A senhora Maria José Bezerra faleceu em 04 de


outubro de 2008, por volta das 8h35 da manhã. Lembro
de estar presidindo os trabalhos da 33ª seção da 120º
Zona Eleitoral, nas eleições municipais daquele ano.
Meu pai, Eraldo Galindo Almeida, que era delegado do
PR, entrou um pouco nervoso e foi até onde eu estava.
Nunca houve mentira entre nós, e assim que o olhei nos
olhos soube que algo estava errado. Ele tomou fôlego,
como que para preparar-se para transmitir a notícia. Sem
muitos floreios ele anunciou que minha avó materna
acabara de falecer.

Estranho como a morte as vezes é percebida e em


outras não. A cidade estava concentrada em eleger seu
prefeito, os cabos eleitorais corriam atrás dos últimos
votos, os articuladores enviavam carros não cadastrados
para os sítios e os homens acostumados ao trabalho
garimpavam eleitores para consagrar a vitória ou tentar
diminuir a diferença. Apenas os familiares e os mais
amigos se enlutaram naquele dia. E enquanto buscava
44 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
forças que não sabia possuir para dar a notícia do
falecimento aos meus tios em São Paulo e Mato Grosso
do Sul, onde na época também estava a minha mãe,
Maria Marlene, um filme passava em minha cabeça.

Ouvindo o choro apertado de uma tia que estava


próxima a mim e olhando para a cadeira de balanço onde
minha avó costumava ficar por longas horas procurava
uma imagem sua em minha mente. O lenço preso na
cabeça, o olhar terno e a voz suave já cansada pelos anos,
e o sorriso que ela dava quando beijava os netos. O
primeiro número que disquei foi o do meu tio Edival, e
enquanto a operadora completava a ligação eu olhava
para um enorme quadro do Cristo.

Foi difícil transmitir a notícia. Por não ter


presenciado sua partida creio que meu subconsciente de
algum modo anestesiava minha dor, mas à medida que
comunicava a perda da minha avó minha mente ia
aceitando sua morte e minha voz ia embargando. Desviei
o olhar da cadeira para o móvel onde estava o aparelho
telefônico e num porta retrato antigo, em formato de
árvore, os retratos de todos os meus tios e tias estavam
pendurados em seus galhos. Dona Maria José Bezerra
sem dúvida alguma foi o tronco daquela família,
responsável pela sua união e por guardar importantes
peças que permitiram o resgate da história da cidade.

Sepultamos minha avó, mas a sua memória


permaneceu como importante fonte histórica. Em seu
45 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
quarto um grande e antigo oratório ensina sobre a fé de
uma geração, e em suas gavetas fotografias, santinhos,
livros de cordel, cartas e documentos nos dão passagem
livre ao seu passado e sua vida, a vida de outras pessoas
também, e ao conhece-las, a oportunidade de também
conhecer um pouco sobre nós mesmos.

Numa caderneta onde um romance fora escrito a


mão, encontra-se os dados relativos a uma geração da
família Bezerra. Como era costume na época, os casais
geravam muitos filhos e costumavam manter em um
caderno o nome e a data de nascimento de cada um
deles. A caderneta pertencia ao senhor Marximino
Bezerra, onde ele registrou o dia de seu casamento – 04
de março de 1905 – e em seguida as informações de sua
prole: “Nasceu Maria em 26 de fevereiro de 1906,
segunda-feira; José a 25 de junho de 1907, quinta-feira,
Alexandrina a 24 de Agosto de 1909, terça-feira;
Quitéria a 07 de junho de 1913, sábado; Gercina a 14 de
outubro de 1916, sábado; Onézia a 21 de abril de 1920,
quarta-feira e Maria a 13 de junho de 1923, terça-
feira.”

Isso permitia ao patriarca da família não apenas a


lembrança de um aniversário, mas a memória para o
registro de documentos, como o batistério, por exemplo.
Pode parecer estranho, mas ainda hoje as secretarias das
paróquias são acionadas para consulta antes da emissão
de documentos civis, pois muitos pais não lembram
quando os filhos nasceram.
46 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Em um caderno de recordações escrito por dona


Maria José está o relato da vida simples na década de
1920:

Até meus oito anos de idade eu fui feliz na minha


infância. (...) Muitas saudades eu tenho do meu tempo de
criança, dos meus campos verdejantes onde passei e
pisei nas ervas verdes cheias de gotas de orvalho nos
tempos do inverno. Eu ouvia o sabiá cantar em cima dos
galhos dos umbuzeiros. Saudade de quando via meus
pais cheios de esperança numa vida melhor, e sempre no
mesmo. E como era lindo nas noites de luar. Todos
alegres para ver papai tocar na sua violinha, contar
histórias de lobisomem, histórias de reinos encantados,
de príncipes e princesas. E nas noites de São João, não
se pode nem lembrar de tantas coisas boas que
aconteciam. Papai era quem primeiro tocava fogo na
fogueira, era festejo de todo jeito, tiro de roqueira,
bombinhas e busca pé.

As moradias típicas do sítio eram as casas de taipa.


Embora muito comuns no Nordeste a técnica de
construção é milenar e foi trazida ao Brasil pelos
portugueses quando iniciou-se o processo de efetiva
colonização do país. É uma construção de barro armado
sobre um gradeado de madeira, onde o barro também é
usado para ocupar os espaços vazios na estrutura. A casa
de taipa onde cresceu dona Maria José ainda existe e
47 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
localiza-se no sítio Campo Grande, há quatro
quilômetros da sede do município de Venturosa.

Na época a fauna ainda não havia sofrido o ataque


predatório dos comerciantes de aves silvestres e ainda
podiam ser encontrados nas matas a rolinha lisa, rolinha
cascavel, codornizes, peitica, azulão e canários. As
vezes as casas eram construídas próximas à grandes
arvores para aproveitar a sombra e em outras, as árvores
eram plantadas em seu entorno. Seus galhos abrigavam
pássaros como o bem-te-vi e a casaca de couro.

Como dito o molde familiar era o patriarcal,


organizado a partir da figura do pai. Os filhos seguiam
nos trabalhos mais grosseiros, no trato dos animais e as
moças nos afazeres da casa. Num ano bom, um ano de
chuvas, homens e mulheres trabalhavam juntos do
plantio até a colheita. As moças vivam a grande
contradição de sonhar com o amor e serem preparadas
pelas mães para os sofrimentos da vida por suas mães.

Das mães ouviam os conselhos e das amigas as


confidências. Quando sozinhas cantavam modinhas
sobre o amor, a beleza do rapaz amado, a felicidade dos
encontros:

Ai que lindo chapéu preto


Ai que lindo chapéu preto
Na cabeça vai
Na cabeça vai
48 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Ai que lindo rapazinho
Ai que lindo rapazinho
Para genro do meu pai
Para genro do meu pai

Também eram muito comum os versos


compartilhados. Nesses aparecem os padrões de beleza
da época:

Menino dos olhos preto


Sobrancelha de veludo
O teu pai não tem dinheiro
Mas teus olhos valem tudo.

Lá do céu caiu três cravos


Todos três encarnadinho
O rapaz pra ser bonito
Precisa de um bigodinho

Galante como meu bem


Não há nessa redondeza
É baixinho e é dengoso
É lindo por natureza.

Mostram que as idas as feiras eram aguardadas


para o encontro ou a mera visão de quem se queria bem:

Passarinho pintadinho
Que pintasse a bananeira
Pintai aqueles dois olhos
49 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Que eu vi na terça-feira.

E também retratavam a dor de amores mal


acabados:

Se você não me queria


Para que me acarinhou
Para hoje me deixar
Sem carinho e sem amor.

Vai carta Venturosa


Ver a quem quero bem
Diga que fiquei chorando
Por não poder ir também.

Nas festas juninas eram comuns as adivinhações e


brincadeiras de roda. Entre essas adivinhações com
agulhas, carvões em brasa e a busca do reflexo da pessoa
amada em uma bacia de água. É, no mínimo,
contraditório a visão a respeito do amor e do casamento
que essas mulheres possuíam em sua juventude e a que
carregavam em sua velhice, queixando-se da falta de
liberdade e de serem tratadas como escravas pelos
maridos.

Também era atribuído as mulheres o papel de


instruir os filhos na fé. Eram elas que ensinavam as
orações, levavam as crianças para rezar o terço e nas
práticas devocionais. Os missionários já percorriam o
50 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
sertão e o vulto do Juazeiro arrematava o coração dos
humildes.

O padre Cícero Romão Batista, o padre Cícero


nasceu em 1844 no Crato e influenciou e ainda influencia
a vida religiosa de milhões de nordestinos. Em 1989 em
uma missa presidida por ele uma hóstia consagrada teria
se transmutado em sangue na boca da religiosa Maria de
Araújo, fato que teria se repetido várias vezes durante dois
anos. A notícia se espalhou e rapidamente o padre
ganhou fama de milagreiro.

Multidões de romeiros buscavam a benção do


padim padre Cícero, e quando não podiam vê-lo
pessoalmente enviavam-lhe cartas e aguardavam
ansiosamente a resposta, que chegava!

Juazeiro, 02 de novembro de 1933

Minha afilhada Felícia.

Deus lhe abençoe e aos seus. Recebi sua cartinha e


com atenção respondo. Achando que ele corre perigo
(....) ficar aí, mande-o para outro lugar. Reze seu rosário.
Seu padrinho,

Padre Cícero Romão Batista.

O padre Cícero faleceu em Juazeiro do Norte em


20 de julho de 1934, com noventa anos. A carta possui
duas caligrafias, uma no texto e outra na assinatura. É
51 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
bem provável que naquela altura da vida, o padre contasse
com assessores para responder ao enorme volume de
correspondência que recebia.

Em outro caderno contendo várias orações


copiadas à pena, encontramos a Oração de São Francisco
das chagas a N.S. Jesus Christo, padroeiro da Matriz do
Canindé, que “em toda pessoa, homem, mulher ou
menino que trouxessem em seu corpo esta oração”
estariam livres de todas as moléstias, chagas infecciosas,
afogamentos, morte pelo fogo, raio e desgraças. Se tudo
isso não bastasse, ao final do caderno estavam os dizeres:
Foi aprovada e recomendada pelo padre Cícero Romão
Batista, Juazeiro – Ceará”.

Deve-se compreender que a fé popular ou


catolicismo popular é diferente da fé institucionalizada.
Como bem disse Hoornaert: “O povo tem uma cultura
própria e podemos mesmo afirmar que o Catolicismo
Popular constitui a cultura mais original e mais rica que o
Brasil já produziu”xv.

Ou seja, o povo crê livremente num acesso ao


sagrado por meio da intercessão dos santos ou de suas
devoções, sem que para isso seja necessário a intervenção
dos religiosos propriamente consagrados. Não é que o
povo não os respeitasse, respeitava e muito! Mas como o
sacerdote era visto uma vez por mês ou menos, a fé era
mantida por outros meios. Daí surgem duas realidades: a
fé nas orações e devoções populares e o apreço sem
52 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
medida a figura de sacerdotes carismáticos como o padim
padre Cícero e o frei Damião.

Encontramos então orações para se encantar, para


trancar o corpo e para não ser visto pelos inimigos e
também mais um caderno escrito a bico de pena com
orações e cânticos entoados nas missões capuchinhas.

Em 1940, frei Damião de Bozzano era um jovem


missionário carismático. Percorrendo várias cidades e
povoados do Nordeste dava prioridade à confissão dos
pecadores arrependidos e a comunhão, a promoção de
casamentos coletivos e a realização de grande número de
batizados.

Fotos do missionário eram impressas com orações


no verso, e estas sempre com a devida aprovação
eclesiástica. O esforço de ter copiado em um caderno
todas as canções e orações das missões mostra a força das
devoções e da fé do povo. Muitas dessas canções
permanecem até os dias atuais:

Glória a Jesus na hóstia santa


Que se consagra sobre o altar
Que nossos olhos se levantem
Para o Brasil abençoar.

É interessante ver o controle ideológico que a Igreja


exercia no combate ao comunismo. Encontramos junto
53 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
aos cânticos missionários o Hino Social Católico, que de
forma explicita mandava seu recado ao ‘comunismo ateu’.

Avante o povo em guerra franca


Bandeira branca triunfará
Bandeira branca, sim, triunfará!
(...)
Viva o Vaticano que é nossa luz.
(...)
Avante o povo, cerrar fileira
Nossa bandeira sé erguerá
(...)
Sobre as terras amadas de Santa Cruz
Avante ó povo, ó cristianismo
Ao comunismo derrotarás.
Viva a fé católica do Brasil!

A carência e a simplicidade do povo o deixava a


mercê de várias ideologias e influências, o padre Cícero
seria perseguido por membros da Igreja, a atuação de Frei
Damião seria apoiada e o comunismo, como todo
questionamento aos rumos da nação, seriam duramente
combatidos pelo Governo.

O povo de Boa Sorte não se preocupava com essas


questões políticas internacionais. Estavam ocupados em
conquistar o pão, em cuidar da terra e educar seus filhos.
Respeitavam os padres, rezavam suas orações com fé e
confiança que o amor de Deus e de sua mãe eram mais
poderosos que as ciladas do mundo e que com a ajuda
dos santos e anjos tudo ia melhorar.
54 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo VI

- Uma época de mudanças


- Os grandes homens
- Coronelismo?
- Relações políticas no final do século XIX e início do
século XX
- A liderança

Num estudo atento da obra O Príncipe, de Nicolau


Maquiavel, o leitor irá se deparar com dois conceitos que
saltam aos olhos: virtú e fortuna. Para o pensador
florentino virtú (e não virtude, como se conhece no
cristianismo) seria a qualidade do indivíduo que lhe dá
capacidade para exercer grandes obras, enquanto fortuna
significaria o acaso, o destino, a necessidade naturalxvi. A
virtú seria, para ele, o pré-requisito da liderança, a força
interior que impulsiona um homem ou um grupo de
pessoas a enfrentar e sobrepor as duras condições trazidas
as vezes pelas rodas da fortuna, do acaso e do curso
natural de um destino que poderia ser infeliz.

A fortuna poderia sorrir para alguém, mas se o


homem não possui a virtude necessária para enxergar a
ocasião e tirar proveito dela, perderá o momento e
poderá transformar o triunfo em amargo fracasso em
poucos anos.

A história de Boa Sorte conhecerá alguns homens


dotados de virtude para enxergar o momento e vislumbrar
55 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
o futuro possível, construindo a fortuna para o
crescimento da cidade. Perceber essas ações não é fácil.
Pode-se abrir mão dos fatos para pintar um cenário
heroico em torno de uma pessoa ou grupo, produzindo
mitos que não existiram e beneficiando a ideologia de
determinado grupo. Também corre-se o risco de
intencionalmente ignorar a atuação dessas pessoas numa
tentativa de condená-los ao esquecimento e sepultar uma
parte importante da história. Na primeira linha está a
escrita ideológica e acrítica. Na segunda uma tentativa de
explicar ou registrar a história de toda uma cidade como
sendo apenas a acomodação de acontecimentos regidos
apenas pela causa e consequência de forças externas,
tirando o protagonismo dos grupos e indivíduos.

Então que as críticas fiquem para os críticos e que a


narrativa nos guie para posteriores conclusões.

Muita coisa mudou no Brasil num curto espaço de


tempo. Para os mais pobres nada mudaria em muito
tempo.

Entre 1864 e 1870 o país envolveu-se na Guerra do


Paraguai onde lutaram 122.700 soldados, muitos deles
recrutados entre escravos e índios que viviam à margem
da sociedade. Algumas famílias da região enviaram seus
filhos. Uns retornaram, outros não. Em 1872, quando o
Governo Imperial substituiu o seu sistema de pesos e
medidas (braça, légua, arroba, côvado, feixe, onça, vara,
etc.) pelo sistema métrico francês (centímetro, metro,
quilômetro, grama, quilo, etc.) viu florescer a revolta dos
56 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
quebra quilos nas províncias de Paraíba, Pernambuco,
Rio Grande do Norte e Alagoas. A revolta era mais contra
a miséria e altos impostos que contra o novo sistema de
pesos e medidas. Em 1888 a Princesa Isabel assina a lei
áurea que pôs fim a escravidão no Brasil e revolta os
barões do café e grandes proprietários de escravos e em
1889 o Brasil deixa de ser um Império que favorecia as
elites para ser um República a serviço delas. Após ser
deposto pela união da grande riqueza dos fazendeiros
paulistas com o poder dos militares, Dom Pedro II saiu
do país deixando a seguinte mensagem:

“ A vista da representação escrita que me foi


entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao
império das circunstâncias, partir com toda minha família,
para a Europa, deixando essa pátria (...) à qual me
esforcei por dar constantes testemunhos de amor e
dedicação (...) conservarei do Brasil a mais saudosa
lembrança, fazendo os mais ardentes votos por sua
grandeza e prosperidade” .
xvii

O Governo Provisório não trouxe mudanças


significativas para grande parte da população brasileira.
Os grupos que se uniram para depor Pedro II agora
brigavam entre si para fazer valer sua vontade. Nossos
primeiros chefes de estado republicanos eram militares: o
alagoano que combateu a Revolução Praieira, Deodoro
da Fonseca e Floriano Peixoto.

Na eleição para o Congresso que iria compor a


Assembleia Constituinte foram notadas todos os tipos de
57 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
fraudes e desmandos e o resultado das classes
representadas não poderia ser outro: republicanos,
militares, monarquistas disfarçados e a cada vez mais
poderosa burguesia do café. Nenhuma das excelências
tinha em sua agenda olhar para a imensa massa de
despossuídos que formava o povo brasileiro.

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a nova


Constituição do país. Como forma de governo foi adotada
a República e o sistema de governo presidencialista. O
país tornou-se um República Federativa e as antigas
províncias passaram a ser estados com suas próprias
constituições. Foi também a adotada a tripartição dos
poderes: Executivo, Legislativo e Judiário.

O voto por renda foi abolido, mas só podiam votar


os maiores de 21 anos, alfabetizados e do sexo masculino,
note-se que as mulheres não eram consideradas cidadãs,
embora no artigo 72 fosse claro que todos seriam iguais
diante da lei. Além disso o Brasil possuía milhões de
analfabetos (a parte mais pobre de sua população) o que
manteve o povo afastado das decisões políticas nos
primeiros anos da República. Para se ter ideia, na eleição
de Prudente de Moraes, em 1894, o país tinha cerca de
15 milhões de habitantes e apenas 2,2% da população
pôde votarxviii.

Em Boa Sorte podemos usar como exemplo o caso


do senhor Marximino José Bezerra, que solicita a sua
inclusão entre o rol de eleitores do município de Pedra.
Por ser branco, maior de vinte e um anos e alfabetizado,
58 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
residente no sítio Barbado, o jovem José Marximino está
desejoso de participar da vida política local. Num
primeiro momento ele tem esse pedido negado. Foram
feitos dois pedidos à Junta de Alistamento Eleitoral: um
em 23 de marca de 1905 e outro em 24 de abril do
mesmo ano. A diferença entre um e outro foi encontrada
no verso dos escritos: A assinatura de Justino Alves,
capitão da guarda nacional!

O documento consiste em duas declarações escritas.


Na primeira Marximino escreve de próprio punho,
requerendo sua inclusão no cadastro de eleitores, no
verso está a escrita de Justino:

“Marximino José Bezerra, com 23 anos de idade,


filho legítimo de Domingos José Bezerra, agricultor e
morador do sítio Barbado deste município. (...) Estando
nas normas, segue. – Após as recomendações vê-se a
assinatura estilizada com um enorme ‘J’e um traço acima
do nome que caracteriza o ‘t’ sem entrelaçar-se com o
corpo da letra. – Justino”.

Devemos frisar que junto com o Império foram-se


as províncias, as sesmarias e também os títulos de nobreza
que tanto alimentavam o ego das classes abastadas. Mas
como diz o ditado: “um rei nunca perde a majestade”. As
regras do jogo haviam mudado, mas seus jogadores
defendiam suas posições. Entre 1894 e 1919 o Brasil foi a
República do Café com Leite. Esse termo se refere a
hegemonia política dos estados de São Paulo (maior
59 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
produtor de café) e Minas Gerais (maior produtor de
leite).

Num primeiro momento São Paulo e Minas


ditaram as normas da política nacional. Os três primeiros
presidentes civis foram todos paulistas e o primeiro filho
de Minas a ocupar o cargo máximo do executivo nacional
foi Afonso Pena, em 1906. Até aqui os dois estados
uniam o poder econômico (SP) e o maior colégio eleitoral
do país. O passar dos anos trouxe mairo
representatividade a outros estados da União e forçou os
presidentes a solicitarem apoio do Legislativo. O primeiro
presidente a depender do apoio das bancadas estaduais
foi o paulista Manuel Ferraz de Campos Salles. Embora
ela tenha reformado o Código Civil, instituído o
casamento civil e reformulado a estrutura do Poder
Judiciário, ficará conhecido nos livros de História por ter
iniciado a chamada política dos governadores.

A política dos governadores ou política dos estados


como foi chamada por Campos Salles consistia num
acordo entre o Presidente e os governadores dos estados.
Os governadores apoiavam o presidente e rendiam-lhe
votos e, em troca, o Governo Federal não intervia em
assuntos locais e atendia aos pedidos que lhe eram feitos
por eles. Na prática o Presidente apoiava as oligarquias
estaduais, que por sua vez apoiavam as oligarquias locais
que mantinham o sistema de pé. Para Nelson Piletti:

“Na verdade, apesar da Proclamação da República,


a democracia representativa, em que o povo escolhe seus
60 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
governantes, era uma farsa. Quem mandavam mesmo
eram os coronéis” . No Império era um título concedido
xix

pela Guarda Nacional, com a mudança de regime político


e a extinção da Guarda, o Coronel era o grande
fazendeiro, latifundiário, que controlava a política de um
município.

O resultado das urnas refletiu a força das


oligarquias. Campos Salles foi eleito pelo Partido
Republicano Paulista com 420.286 votos contra 30.929 de
Lauro Sodré. Seu sucessor, Rodrigues Alves com 592.039
votos contra 52.359 de Quintino Bocaiúva e menos de 5
mil dados a Ubanildo Amaralxx.

A figura imortalizada do Coronel é de um chefe de


jagunços, homens armados que faziam o papel de uma
milícia, que manda e desmanda na política local usando
de violência para fazer sua vontade. A força do Coronel,
na verdade, estava na sua capacidade de render votos e
por meio desta capacidade adquirir recursos para as
cidades e vilas sob sua direta influência.

Municípios próximos à Boa Sorte viviam momentos


de prosperidade. Garanhuns se beneficiava com a ferrovia
sul e tornava-se um importante produtor de gado, cereais,
algodão e café de tipo arábico, mas a concentração de
terras e as disputas políticas tornavam a região violentaxxi.
Pesqueira abrigava sete fábricas de doce, uma de óleos,
uma de leite condensado, assim como fábricas de fogos,
imagens religiosas, calçados, e funilarias. A Atenas do
Sertão também destacou-se no plano cultural, chegando a
61 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
possuir editora e imprensa, teatro e escolas públicas e
particulares.

O município de Olho d’água dos Bredos


(Arcoverde) teria sua estação de trem inaugurada em
1912. O Brasil se industrializava e crescia e o interior de
Pernambuco sentia esse efeito com maior ou menor
intensidade dependendo da força dos seus coronéis. O
termo coronel aqui empregado não deve ser interpretado
apenas em seu sentido pejorativo. Lembremos que o
coronel era um líder, um homem que se destacou da
maioria e que poderia usar da virtú para alcançar a
fortuna, e nesse caso, a fortuna seria o desenvolvimento
da região sob sua influência que culminaria com o
aumento de sua força e prestígio pessoal.

Quando se estuda a História se aprende sobre o


perigo do anacronismo. Anacronismo é o ato de
julgamento de eventos passados com a ótica do presente,
algo, no mínimo, infantil. Na Grécia Antiga a escravidão
era permitida, contudo, os primeiros escritos filosóficos e
políticos são elaborados pelos gregos. Conceitos como
democracia e república são criações gregas. Então um
desavisado poderia dizer: “Eles eram hipócritas! Como
defender a democracia enquanto possuíam escravos?”. É
preciso conhecer ou tentar compreender a mentalidade –
o modo como as pessoas pensavam e percebiam o modo
a sua volta – da época, para depois analisar os
acontecimentos. Em suma, a maioria de nós pensa de
acordo com o seu tempo.
62 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Dois homens despontarão em Boa Sorte para
assumir a liderança nos assuntos locais: o Coronel Lumba
Vaz e o Capitão Justino Alves Bezerra. Os dois eram
grandes fazendeiros, conhecidos e respeitados por todos.
O capitão Justino Alves exercia a liderança no sítio
Barbado e arredores e o Coronel Lumba Vaz o fazia em
Riacho do Meio e adjacências. Há quem diga que eram
homens de pouca instrução e que compraram as suas
patentes, o que é bem provável. Esses homens eram ágeis
em resolver problemas dos membros de sua comunidade
e faziam a ponte entre os interesses locais e os políticos da
capital.

Num ótimo livro intitulado Coronelismo, enxada e


voto de Victor Nunes Leal, publicado pela primeira vez
em 1948, há uma descrição completa do fenômeno do
coronelismo e de seus mecanismos. No coronelismo o
indivíduo é obrigado a cumprir a vontade do coronel no
conhecido voto de cabresto sob ameaças que iam desde a
perseguição pessoal, a perda do emprego e atos de
violência que poderiam chegar até o assassinato. Numa
briga entre coronéis, jagunços ou cangaceiros comandados
por eles poderiam perpetrar verdadeiras chacinas e gerar
uma guerra de famílias que poderia durar décadas.

Era dos coronéis a prerrogativa para indicar


funcionários públicos e onde deveriam ser realizadas
benfeitorias em suas áreas de influência. Em casos de
alternância de poder todos os funcionários públicos ser
substituídos por não terem apoiado o lado vencedor.
63 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Não são encontradas fontes oficiais que registrassem
indícios de luta armada por influência política ou
violência contra trabalhadores rurais em Boa Sorte por
parte de suas lideranças. O que se vê é uma clara relação
de dependência. A população precisa dessas pessoas para
ter acesso aos poucos serviços da época, conseguir
emprego e alento no tempo das dificuldades. Pode-se
incluir essa fase da história de Boa Sorte no coronelismo
e na política dos governadores iniciada por Campos
Sales? Sim. O Brasil estava submetido à política dos
governadores e não havia outra forma de participar e
interferir na esfera política senão participando dela, no
entanto, não há registros de assassinatos, torturas,
expropriações indevidas e desmandos cometidos pelo
Capitão José Alves Bezerra ou pelo Coronel Lumba Vaz.
Nas entrevistas colhidas a lembrança que os mais velhos
possuem desses dois homens são de pessoas que
ajudavam o povo nas mais diversas questões.

A rivalidade política existia. Grupos opostos sentiam


um sentimento de animosidade e tinham tendências a
perseguir os que pensavam de forma contrária, mas isso
só ganhará proporções maiores com o passar dos anos.
Os relatos encontrados de ameaças à bala só se referem a
acontecimentos posteriores a 1930 e não estão ligados a
figura das lideranças, mas a de seus apoiadores mais
exaltados.

Como a maioria da população, as lideranças da


época muitas vezes não possuíam qualquer instrução
formal. Sabiam ler e escrever, mas não serviram a Guarda
64 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Nacional. Sua visão política os colocava à frente e logo
perceberam que era preciso avançar. Seus filhos teriam de
se adaptar aos novos tempos e foram enviados para
estudar fora numa época em que o país supervalorizava os
bacharéis. Boa Sorte agora pertencia ao município de
Pedra que recebeu autonomia de Buíque em1893. As
mudanças pelas quais o país passara chegavam ao interior.
A força política do capitão foi fator predominante para a
criação do 3º Distrito do Pedra, chamado Boa Sorte, em
08 de janeiro de 1911pela lei municipal de nº 46.

Talvez nenhum outro personagem da história


política de Venturosa tenha administrado tão bem a virtú,
a ocasião e a fortuna como Justino Alves Bezerra. Filho
do capitão Justino Alves Bezerra e de dona Cândida
Pereira Torres Galindo, nasceu em 12 de dezembro de
1891. Regressando para a cidade após concluir seus
estudos, começa a atuar na vida pública. Com 29 anos
trabalha como adjunto de promotor público na cidade da
Pedra. Em 1926 é nomeado secretário municipal de
Buíque, tendo também ocupado o cargo de delegado
desse município e em 1936 torna-se prefeito do
município de Pedra.

Caso o jovem Justino Alves pretendesse apenas


manter influência política ou poder familiar teria se
contentado em ocupar cargos de prestígio e comandar o
amplo município da Pedra, que na época possuía uma
área de 1.141,145 Km. Mas tudo indica que o sonho de
emancipar Boa Sorte era uma de suas grandes ambições.
Sabiamente o poeta Martins Albano escreveu que “uma
65 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
cidade pode ser um coração”. E onde começa, de fato,
uma cidade? Com uma primeira fazenda, a chegada de
mais pessoas, homens e mulheres que criam laços e dão
significado a um lugar? Talvez com tudo isso e mais
alguns elementos. O desejo de um povo de ter o seu
chão, sua cultura e sua identidade. Claro que aqui já
estamos no terreno da subjetividade.

A liderança. Como explica-la? Bons e maus têm


buscado liderar as pessoas desde que ser humano passou
a viver em comunidade. Nas ditaduras o líder sufoca e
oprime, mas esses são os tiranos que fazem com que o
povo se revolte. Líderes genuínos são raros. Eles
conseguem encarnar os sonhos e esperanças do povo em
sua pessoa, a tal ponto que sua autoridade não é imposta,
é concedida e aceita por aqueles que o cercam. De nada
vale o estudo e o poder econômico se o indivíduo não
tem as características de um líder.

Justino Alves desponta como líder nato do povo de


Boa Sorte. Usa do sistema político no qual está inserido
para elevar o distrito de Boa Sorte e dinamizar seu
crescimento. Usou de sua influência para construir um
açude e capitar a água do riacho do Campo Grande a
assim melhor abastecer as casas de Boa Sorte e implantou
uma Cooperativa de Latícinios.

As missas agora eram celebradas na casa do Sr.


Quirino e com o crescimento da comunidade a residência
em pouco tempo ficará pequena para abrigar o número
de pessoas. Justino Alves e Manoel Joaquim organizaram
66 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
algumas famílias no sentido da construção de uma capela.
No dia 13 de dezembro de 1923 foi iniciada a construção
da capela que teria como padroeiro São Joséxxii. A capela
foi construída sob regime de mutirão e a imagem de São
José, a mesma que hoje se encontra na Igreja Matriz em
Venturosa, veio de longe, sendo trazida pelas barcas que
navegavam no São Francisco e percorreu grande distância
até chegar à Boa Sorte.

Um grande problema deveria ser resolvido antes


que a capela fosse oficialmente inaugurada pelo bispo
diocesano Dom José Lopes. Não havia estrada que ligasse
Boa Sorte à Pesqueira. Para celebrar com a comunidade
o bispo e sua comitiva teriam de sair de Pesqueira até Rio
Branco, como passou a ser chamado Olho d’água dos
Bredos (Arcoverde), de onde seguiria até Pedra e então
chegar ao povoado. Essa comitiva ainda estava sujeita as
intempéries naturais e poderiam ser obrigadas a desafiar o
rio Ipanema na fazenda Ipanema e ao chegar ao Distrito
de Boa Sorte.

Mais uma vez registra-se a atuação de Justino Alves.


Unindo forças a Austriclínio de Oliveira Galindo em
Alagoinha, buscou a solução do problema. Essas duas
lideranças resolveram se valer de uma via muito antiga
que ligava Boa Sorte à Alagoinha. Um caminho estreito e
um pouco tortuoso que somente era percorrido à cavalo
ou à pés. Os dois homens organizaram um mutirão que
poderia servir de exemplo tanto para as cidades quanto
para sua populações e gestores. Do lado de Boa Sorte os
homens foram organizados por Justino Alves e do lado de
67 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Alagoinha por Austriclíneo Oliveira, os dois grupos
abrindo a estrada a partir de sua comunidade até o
encontro que culminou com a sua conclusãoxxiii. Agora
Boa Sorte dispunha de acesso até Alagoinha e de lá a
Pesqueira, essa estrada ainda existe hoje, tendo sido
absorvida pela PE 217.

A capela de São José foi inaugurada em março de


1924 pelo bispo Dom José Lopes e pelo padre João
Inácio. Não há duvida de que a construção da capela e a
abertura da estrada, antes que Justino Alves ocupasse o
cargo de adjunto do promotor de Buíque, foram marcos
decisivos para que Boa Sorte ganhasse destaque. O
crescimento do Distrito era análogo ao de Justino Alves
Bezerra, o arquiteto de sua emancipação.
68 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo VII

- Do improvável ao real
- A mudança de nome
- O deputado e as disputas travadas
- Emancipação

Caso fosse possível apear um cavalo e percorrer os


35km que separam hoje Venturosa de Pesqueira partindo
da Atenas do Sertão em direção à Boa Sorte nossos olhos
estranhariam a paisagem. Quem se desse a essa aventura
iria usar roupas diferentes, de linho ou grosso tecido de
algodão e feitos sob medida por uma costureira ou pela
mãe ou esposa, caso fosse casado. Nos pés botas ou
alpercatas de couro de bode. O trajeto que hoje é feito
em pouco mais de trinta minutos num carro de passeio,
mais pelos buracos no asfalto da rodovia que pela
distância, seria realizado em três ou quatro horas para
poupar o animal. Um chapéu de palha, maça ou couro –
dependendo de sua posição econômica – e camisas de
manga ou gibão de couro para proteger do sol. Nos lados
da estrada poderiam ser vistos imburanas, paus ferros,
umbuzeiros, algarobas e cercas vivas de aveloz. Ao passar
por Alagoinha se encontraria a casa legislativa, as
propriedades dos Torres Galindo, a igreja e as casas
geminadas que deram origem á cidade. Passando pela
igreja tira-se o chapéu e faz-se o sinal do cruz. As almas
mais piedosas fazem uma oração silenciosa como a que
foi adaptada por Tavinho Moura da folia de reis na
música Cálix Bento:
69 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Ó Deus salve o oratório


Onde Deus fez morada
Onde mora o Cálice Bento
E a hóstia consagrada.

Descendo rumo a Boa Sorte o viajante se depararia


com lajes e grandes lajeiros repletos de poças d’água nos
meses de chuva. Quanto mais próximo encherá os olhos
com a visão do conjunto de serras, depois com o Serrote
de Barbado e com a Pedra Furada, antes chamada de
Pedra Lascada. Ao chegar ao povoado poucas casas
apontam para a recém construída Capela de São José. O
centro comercial ainda não existe. Em seu lugar casas
paupérrimas do que era chamado de Rua do Mulamboxxiv.

Por trás da capela também surgem casas, seguindo


em linha reta já há casas dos dois lados da rua que
futuramente será batizada com o nome de Avenida
Capitão Justino Alves. Nessa rua estava o hotel de Ana de
Quinca, a casa de Justino Alves, a bodega de seu
Anacleto, mais adiante a casa da parteira Lipu Quirino,
chamada mãe Lipu. Bem abaixo, ao final da rua ficava a
Fábrica de Laticínio, a cooperativa. Por trás das casas se
encontram grandes cercados com palma, cactáceo que
resiste a estiagem e serve de comida ao gado, que iam até
próximo do pequeno cemitério.

O povo era profundamente religioso. Na falta de


médicos formados as gentes do campo e da pequena área
urbana recorriam aos rezadores e aos remédios de mato,
70 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
chás e lambedores. Os rezadores, homens de vida moral
ilibada e fervorosos na fé tinham orações para quase todas
as ocasiões: para aliviar dor de dente, dores de barriga,
curar de mau olhado, recuperar dinheiro roubado, não
ser atingido por balas de revólver e até mesmo não ser
encontrado caso perseguido pela polícia!

A falta de médicos também elevava outros homens


como autoridades populares: os farmacêuticos! Aos olhos
da gente simples o farmacêutico recebia também o título
de doutor. Num bilhete não datado está o pedido do
senhor Matheus de Vasconcelos Paes Barreto para o
farmacêutico Niceto Antunes Bezerra. Nele o suplicante
pede que o amigo “doutor” e homem honesto e de
grande estima possa lhe enviar remédios para sua esposa
que passa mal.

O rádio seria o primeiro meio de comunicação das


massas, mas demoraria para chegar a esse região. A Rádio
Clube do Recife já fazia transmissões experimentais desde
17 de outubro de 1923, mas as transmissões no Brasil só
seriam melhoras e ampliadas na década de 1930. O
homem simples demorou a adquirir o aparelho devido ao
seu preço. Um rádio custava em média 80$000 e o salário
médio de uma família de trabalhadores numa capital era
de 500$000 por mêsxxv, em Boa Sorte parte da população
esperou um pouco mais, já que ainda não havia
eletrificação. As notícias chegavam pelos jornais e pela
conversa com os compadres mais instruídos. Os folhetos,
os almanaques do agricultor, o Lunário Perpétuo e as
feiras difundiam as notícias para os poucos letrados e
71 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
esses a transmitiam como queriam ao restante da
população.

A fábrica de queijo, como também era chamada a


cooperativa passou a empregar muitas pessoas e também
a fornecer energia elétrica para Boa Sorte, mas apenas no
período noturno. Num relato empolgante o ex-vereador
João Bosco Moraes de Oliveira partilha memórias de sua
infância e permite conhecer um pouco do cotidiano do
distrito:

“Onde hoje é a fábrica de Uziel (A fábrica


de Laticínios Venturosa, do empresário
Uziel Valério) ficava a cooperativa. Nós
não tínhamos energia de Paulo Afonso,
então o senhor Zé de Neco, ele que
tomava conta do motor e os postes de
madeira ficavam no meio da rua e a gente
puxava a energia para casa, mas só tinha de
noite. Seis horas ele ligava o motor, tinha
uma peça que eu não se o que era aquilo,
que ele esquentava, rodava na manivela até
pegar o motor e ele lacrava a chave e
fornecia energia pra Boa Sorte porque
eram poucas casas. Aí bem, quando era
quinze para as dez ele apagava e acendia as
luzes dando sinal que o povo se preparasse
que ia apagar o motor”

O açude que hoje se encontra poluído com os


dejetos do esgoto doméstico fornecia água potável para a
72 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
população e para a fábrica de queijo. Como não havia
rede encanada vários homens trabalhavam carregando
água em galões do açude para a fábrica.

Aliada ao fabrico de laticínios outra atividade


contribuiu para o desenvolvimento de Boa Sorte: o
algodão. Como bem explicou Andrade em 1963: “a
industrialização mais barata e menos urgente o
beneficiamento de algodão na mão de comerciantes que
com suas bolandeiras à princípio, e descaroçadores
depois se estabeleciam em cidades, vilas e povoações
passando a comprar matéria prima ao agricultor, para
vendê-la, após o beneficiamento aos exportadores. Daí ter
contribuído desde os primeiros tempos para o
desenvolvimento da vida urbana. ” A despopadeira de
xxvi

algodão também era uma das fontes de renda do distrito e


junto com a fábrica de queijo atraiu pessoas e possibilitou
novas atividades econômicas.

Havia também as tecedeiras de rede, que


trabalhavam com teares para auxiliar na renda familiar.
Muitas delas eram mulheres que haviam sido enjeitadas
pelos maridos e que tinham nessa atividade sua fonte de
sustento para manter a elas e seus filhos.

No cotidiano os laços de amizade eram cultivados e


os relacionamentos amorosos chamavam a atenção. As
moças que sabiam ler e escrever guardavam folhas com
poemas que eram artisticamente ornadas com flores,
pássaros e corações. Colecionava-se papel de carta e
mandavam sempre bilhetes para expressar sua saudade e
73 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
confidenciar seus sonhos às primas e companheiras que
moravam longe. Muitas vezes essas confidências ainda
juntavam recomendações de beijos “aquela pessoa do
olhar bonito” ou “aquele rapaz galante”.

Nesse contexto aparece um pedido de casamento


enviado num papel de carta com motivos religiosos. Esse
em questão adornado com o rosto de Santa Faustina.

O pedido de casamento é iniciado com as letras


J.M.J (Jesus, Maria e José)1

“Olho d’água, 28 di julho di 1936.”


“Sr. M. Deus, saúde e filicidade é o que
lhe desejo e a sua Exma. Família. Sr. M. o
fim desta é para pirdir-lhe a mão de sua
filha G. a casamento que tenho tenção de
me cazar com ella. E se Jesus consentir e o
senhor eu tenho de mi cazar com ella.
Quero a resposta o mais breve pussível. E
o mais para nossa vista, aceite lembranças
desse seu servo e obrigado as suas ordens.
J.B.A.”

O pedido de casamento foi rejeitado não pelo pai,


mas pela quase futura esposa. Ao que parece o
pretendente esqueceu que tinha primeiro de conquista a

1
Mantém-se a grafia original do documento, mas os nomes são
omitidos. As iniciais do autor da carta foram adulteradas para
preservar o nome das pessoas.
74 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
noiva para só depois pedir as bênçãos do sogro. O
romantismo também fazia parte da dura vida do
nordestino. Ele embalou os versos dos repentistas, os
motes para seus versos e os motivos de muitos aboios.
Ainda não havia distinção entre o meio urbano e o rural,
e as pessoas que moravam na cidade passavam a maior
parte do dia no campo na realização de suas tarefas.

Pelas ocasiões de seu nascimento era improvável


que esse povoado tornado distrito chegasse a ser uma
cidade próspera e uma das principais bacias leiteiras do
estado de Pernambuco, no entanto, algo só é tido como
improvável até que a história prove o contrário.

Justino Alves Bezerra e outros se dedicaram nesse


sentido. Após encerrar seu mandato como prefeito o filho
do capitão irá galgar mais um degrau em sua carreira
política. Em 1945 é eleito deputado pela Pedra junto com
o Padre Simões e o senhor Luís França. O deputado
Justino Alves, foi eleito ao cargo três vezes, mas,
infelizmente só encontramos informações exatas a
respeito dos resultados divulgados em 1947, onde Justino
Alves obteve 1.441 votosxxvii. Agora, ocupando um posto
no legislativo estadual e com fortes alianças seria possível
trabalhar pela emancipação de Boa Sorte.

Nessa época outras lideranças políticas também


despontavam no cenário local: Manoel Joaquim da Silva,
Severino Viana e José Alexandre da Silva são alguns deles.
75 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Antes da emancipação política houve algo
interessante: Boa Sorte teve que mudar de nome. Por
existência de outro município com o mesmo nome, vários
problemas estavam ocorrendo. O mais comum era a troca
de correspondências. Segundo relato de uma testemunha
ocular, o senhor Rui Quirino dos Santos que
acompanhou o deputado Justino Alves, havia uma
comissão que coordenava a mudança de nome dos
distritos pernambucanos, já que o que ocorria com Boa
Sorte não era fato isolado.

Era desejo não apenas de Justino Alves, mas do


povo, que o distrito permanecesse com o mesmo nome.
As palavras usadas diante dos membros da comissão
foram: “Doutor, por nós o nome não deveria ser
mudado. Foi povoado conhecido como Boa Sorte,
tornou-se distrito como Boa Sorte e se Deus quiser
amanhã será cidade de Boa Sorte!” O pedido não pôde
ser aceito devido a existência de um distrito mais antigo
que possuía o mesmo nome. Então Justino respondeu:
“Já que minha terra não pode ser chamada de Boa Sorte,
que Venturosa seja o seu nome!” Na língua portuguesa
venturosa é sinônimo de uma boa sorte, o nome da
cidade poderia mudar, mas o seu sentido original
permaneceria o mesmo. O ato foi oficializado por meio
do Decreto-Lei Estadual nº 952, de 31 de dezembro de
1943.

Venturosa possuía dois grupos políticos, um


liderado por Justino Alves e o outro pelo padre Simões. É
importante salientar que o padre Luís Wanderley Simões
76 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
destacou-se na vida pública, tendo uma de suas familiares
homenageada em uma das instituições mais queridas e
respeitadas pelo povo venturosense que é a Escola
Quitéria Wanderley Simões, o nome do padre também
ilustra a biblioteca da Assembleia Legislativa de
Pernambuco.

As famílias Bezerra, Dinis e Silva apoiavam o


deputado Justino Alves e as famílias Alexandre, Japiassú e
Simões o deputado e padre Luís Wanderley Simões. No
campo político as ações ainda guardam fortes ligações
com a República Velha e a Política dos Governadores de
Campos Sales e podem ser sentidas até os dias atuais. Os
grupos formados orientavam os eleitores desde o registro
dos seus títulos até a hora de preencher a cédula que ia
para a urna. Indicavam nomes para ocupar cargos
públicos, forneciam facilidades e mediavam o acesso da
população a alguns serviços. Usavam da influência de suas
amizades, do prestígio pessoal e influenciavam seus
empregados a acompanharem suas escolhas. A população
dependia dessas relações para ter acesso a muitas coisas.

Nesse momento já aparecem reações mais


aguerridas. Comenta-se que o padre chegou a fazer uso de
força policial para impedir realizações de reuniões e
comícios que fossem contrários aos seus objetivos.
Partidários mais exaltados dos dois grupos andavam
armados e as discussões ultrapassavam o campo teórico e
iam para o conflito físico.
77 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
No interior não existiam partidos de esquerda. A
esquerda era o comunismo condenado pelo Estado e pela
Igreja, eram inimigos da religião e comiam criancinhas.
Esses rótulos eram usados para afastar as massas da
proposta comunista e até hoje surtem efeito em boa parte
do povo, tendo sido modificados para melhor atender os
interesses das elites conservadoras. De 1930 até 1945 o
Brasil assistiu ao fim da política do café com leite, as
revoluções de 1930 (que terminou com a morte de João
Pessoa) e 1932 e a chegada de Getúlio Vargas poder,
onde permaneceu de 1930 a 1945, deixando-o para
retornar em 1950, de onde sairia da vida e entraria para a
história com um tiro no coração. O governo de Vargas
suprimiu muito da liberdade individual, chegando a
tornar-se um ditadura durante certo período, mas também
trouxe mudanças que agradaram camadas da população
mais pobre.

Em 1932 foram instituídos o voto secreto, a mulher


conquistou o direito de votar, foi criada a justiça eleitoral,
foi fixado o salário mínimo e a jornada diária de 8 horas e
o direito à férias anuais remuneradas. Por outro lado, o
governo controlou os sindicatos, suprimiu a liberdade de
expressão, não fez a reforma agrária e manteve o poder
das oligarquias. Para governar Getúlio foi pai dos pobres e
mãe dos ricos.

Os dois partidos existentes em Boa Sorte durante a


Era Vargas (1930 – 1945) eram o Partido Social
Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional
(UDN). Em sua fundação o PSD foi criado a partir das
78 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
intervenções estaduais, era conservador e dava voz aos
empresários e grandes latifundiários, enquanto a UDN
era antigetulista e pregava o estímulo ao capital financeiro.
Nenhum dessas ideologias estava presente em Pedra ou
Boa Sorte. As legendas pouco importavam no jogo
político entre os grupos. Justino Alves estava filiado à
UDN e o Padre Simões ao PSD.

Em um trabalho acadêmico pioneiro sobre a


história municipal o professor Almir Bezerra realizou
uma ampla pesquisa sobre a emancipação política de
Venturosa. Até a publicação de sua monografia, tudo o
que se tinha eram datas e fragmentos de história oral. O
professor Almir, caso não tenha sido o primeiro a
escrever sobre o tema, o foi num sentido racional e
metódico. Em seu trabalho Resquícios coronelísticos em
Venturosa encontram-se relatos valiosíssimos sobre como
se deram as disputas até que Venturosa fosse emancipada
da Pedra.

O primeiro projeto apresentado na câmara de


vereadores da Pedra solicitando a emancipação de
Venturosa foi apresentado em 1953 pelo vereador
Manoel Joaquim da Silvaxxviii. Nos termos apresentados
seria criado o município de Venturosa com sede na vila
de mesmo nome e tendo seu território formado com a
inclusão do município de Japecanga e parte leste do rio
Cordeiro do distrito do Tará.

A Lei Orgânica dos Municípios em Pernambuco


(lei nº 445/1949 ) estabelecia as regras para a criação dos
79 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
municípios pernambucanos: População mínima de
10.000 habitantes; Renda mínima de 100.000 Cr$; 300
moradias em sua sede; prédios apropriados para os
serviços municipais; número mínimo de 1.000 eleitoresxxix.
Venturosa possuía todas, exceto a população mínima
exigida, que seria alcançada com a anexação ao seu
território do município de Japecanga.

A criação do município dependia da aprovação da


câmara para ser apresentada à Assembleia Legislativa. A
Lei Orgânica variava de acordo com o estado que a
redigia. No estado de Alagoas, por exemplo, a população
mínima exigida era 7.000 habitantes e a renda 200.000
Cr$; Em Sergipe a população mínima era de 3.000 sem
limite mínimo de renda e em Mato Grosso eram 6.000
habitantes e 70.000 Cr$.

Em Pernambuco a legislação ainda trazia


impedimentos para a criação de novos municípios. O
desmembramento não podia causar danos ao município
gerador, deixando-o com população inferior a 10.000
habitantes e renda inferior a 100 000 Cr$. O projeto
apresentado deixava claro que tal prejuízo não seria
infligido à Pedra. O projeto foi aprovado por
unanimidade pelos cinco vereadores presentes.

Os vereadores faltosos, aqui a história permite


interpretações acerca do motivo de sua ausência, alegando
serem a maioria do legislativo municipal apresentam
requerimento negando o consentimento à emancipação
80 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
de Venturosa por julgarem que tal fato seria prejudicial
aos interesses do município de Pedra.

Tendo a pretensão arruinada cabia as lideranças de


Venturosa aplicar um dos preceitos de Getúlio: Vamos
deixar como está para ver como fica. O distrito continuou
crescendo, desenvolvendo atividades econômicas e suas
lideranças precisaram aproveitar o tempo para melhor se
articularem.

A década de 1950 foi intensa para o povo brasileiro.


Getúlio Vargas voltara ao governo, destas vez pelo voto
popular, alçado pelos braços do povo e implantou uma
série de políticas protecionistas e desenvolvimentistas. Foi
criada a Petrobrás, organizada a Companhia do Vale do
Rio Doce, a Eletrobrás, o Serviço Social Rural e o Seguro
Agrícola. O jovem João Goulart, Ministro do Trabalho,
aumentou o salário mínimo em 100% agradando os
trabalhadores e causando reações horríveis na elite. João
Goulart foi demitido. O aumento mantido.

No âmbito nacional Vargas enfrentava as elites e o


seu porta-voz, Carlos Lacerda. Após um atentado
fracassado contra a vida de Lacerda que terminou com a
morte do major Rubem Florentino Vaz e deu a oposição
a chance de culpar Getúlio pelo crime e prejudica-lo
politicamente. Sua renúncia era exigida e sua oposição
festejava a vitória quando o caudilho de São Borja aplicou
um forte e violento golpe em seus inimigos.
81 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Na manhã de 24 de agosto de 1954 Getúlio Vargas
tirou a própria vida com um tiro de revólver no coração.
A população mais pobre, a maioria, atacou jornais e
rádios que eram contrárias ao presidente. Seus inimigos
foram obrigados a desaparecer por algum tempo e a
política ficou muito instável. As mudanças foram
paralisadas.

No cenário regional 1954 trouxe o nome de


Osvaldo Cordeiro de Farias para o governo de
Pernambuco. O militar que combateu a Coluna Prestes e
participou do governo Dutra, foi apresentado como sendo
o candidato de consenso pela coligação formada pelo
PSD, PDC e PL. Entre 1955 e 1958 atuou na assistência
ao Sertão, construindo açudes e estradas. A política
estadual corroborou com crescimento local.

O Brasil vivia agora os anos dourados da construção


de Brasília e do presidente Bossa Nova, o mineiro
Juscelino Kubitschek. Só depois perceberiam que os 50
anos em 5 trariam inflação e perda do poder de compra.

Em 1958 os representantes da emancipação de


Venturosa voltam a apresentar projeto na Câmara de
Vereadores da Pedra. O texto era similar ao de 1953, mas
agora ao invés de Japecanga era solicitado o acréscimo do
distrito do Grotão para, assim, atingir a cota de 10.000
habitantes. O requerimento foi apresentado pelo vereador
Severino Viana da Silva em julho daquele ano. Dos sete
vereadores presentes cinco votaram a favor e dois contra.
Venturosa era capaz de caminhar com as próprias pernas.
82 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Com uma economia baseada na pecuária leiteira e
agricultura de subsistência, com algumas propriedades
voltadas para o plantio de algodão, feijão e outros
gêneros, pequenas lojas e vendas e um grupo político
forte e organizado. Perder o distrito e ganhar um
município concorrente não interessava aos vereadores
que representavam os interesses da Pedra. Então, dessa
vez, os vereadores pedrenses que se ausentarams e os que
foram contra o requerimento apresentado por Severino
Viana usaram estratégia diferente daquela de 1953,
solicitaram a interferência do governo estadual que vetou
a emancipação mais uma vez. A reação das lideranças e
da população do distrito de Venturosa foi enérgica e
forças foram mobilizadas para recorrer ao Supremo
Tribunal Federal. A aflição e a ansiedade geradas pela
expectativa terminaram em 1962. No dia 20 de março
daquele ano, um dia após os festejos do padroeiro São
José o povo recebe com grande alegria a notícia de que
havia vencido a batalha. O Supremo Tribunal é favorável
à emancipação de Venturosa!

Os registros das reuniões dos vereadores, os


requerimentos e vetos podem ser encontrados na Câmara
de Vereadores da cidade da Pedra. Nos resumos oficiais o
distrito foi transformado em município no ano de 1958
por Lei Estadual nº 3.340 e em 1962 a sede passou a
categoria de cidade. Compondo o seu território estão o
distrito do Grotão e o povoado do Tará, numa área total
de 338, 121 km² e tendo como vias de acesso a BR 234 e
PE 217.Transformada em cidade, Venturosa precisava do
seu primeiro prefeito. Num bom uso de lógica o
83 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
subprefeito José Alexandre deveria assumir o cargo, mas
não foi o que ocorreu. No comando do governo estadual
estava o usineiro e industrial Cid Feijó Sampaio, eleito
pela UDN, grupo de Justino Alves Bezerra, que liderara
por anos a fio a comunidade de Venturosa. A lógica nessa
questão foi política. O primeiro prefeito da nova cidade
foi João Francisco Bezerra que permaneceu apenas dois
anos à frente do município. O sonho dos filhos de Boa
Sorte, a luta incansável de Justino Alves, os esforços de
Severino Viana e todos os outros envolvidos em seu
processo de emancipação. Durante seu governo Cid Feijó
Sampaio, cunhado de Miguel Arraes, criou o Banco de
Desenvolvimento do Estado de Pernambuco -
BANDEPE e instalou no Recife a Companhia Industrial
de Leite de Pernambuco - CILPE, fábrica de laticínios e
de beneficiamento de leite, criando dezenas de unidades
receptoras do produto nos diferentes municípios do
Agreste e que abasteciam o Recife, ente eles Venturosa,
dando ainda mais importância a produção de leite do
município.
84 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo VIII

Como cresceste?
Teus filhos nunca fugiram a luta
O trabalho
A cultura
A fé
O nome de algumas ruas

Com dados estimados pelo Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística, o município de Venturosa tem
uma população estimada em 16.000 habitantesxxxe um
Índice de Desenvolvimento Humano médio (chega a
0,633 numa escala que vai até 1,0) e um Produto Interno
Bruto, isto é, a soma de todos os bens e serviços
produzidos na cidade no ano de 2010, orçado em cerca
de R$ 91.000.000,00 (noventa e um milhões de reais) xxxi.
Em 1970 a população do município era de apenas 8.708
habitantes, poucas casas possuíam energia elétrica ou
saneamento básico e poucos trabalhadores recebiam um
salário mínimo. Como se deu tal crescimento?

A história é uma construção coletiva e não o


resultado das ações individuais de seres iluminados. Os
líderes surgem em meio as crises para superá-las junto ao
seu povo, mas embora sejam os seus nomes se
destaquem, eles nada poderiam sozinhos. Em um poema
do alemão Bertolt Brecht intitulado perguntas de um
trabalhador que lê, nos deparamos com questionamentos,
85 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
no mínimo, interessantes. O romano Júlio César venceu
batalhas sozinho? Não havia um soldado com ele?

Venturosa foi emancipada da Pedra e agora teria de


caminhar sozinha. Em meio a felicidade e euforia
também havia grandes problemas a serem resolvidos.
Alguns continuam sem solução até os presentes dias.
Muitas pessoas contribuíram com o desenvolvimento de
Venturosa. Além dos já citados nesse trabalho a cidade
teve o auxílio dos comerciantes Sebastião Alves Galindo e
João Laurentino de Souza, o pecuarista Antônio
Alexandre da Silva, o farmacêutico Francisco Pereira de
Carvalho, a parteira Mãe Lipú Quirino e tantos e tantos
outros.

Nenhum outro nome definiria a senhora Lipu


Quirino a não ser mãe. Numa dedicação que não
conhecia limites ela trouxe muitos dos filhos de Venturosa
ao mundo. Aqueles que tiveram o prazer de conviver com
ela não pouparam lágrimas enquanto contavam o amor
que aquela mulher transmitia e como era atenciosa com
os que necessitavam de auxílio.

Na educação dois nomes se destacam: Josefa


Tomás de Aquino e Maria das Dores Galindo Alexandre,
respectivamente Lalita e Dorinha.

Conheci dona Lalita quando cursava o Ensino


Fundamental na Escola Quitéria Wanderley Simões, já
rica em anos e em sabedoria. Dona Lalita foi uma grande
batalhadora da educação, atuou no ensino primário,
86 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
dedicando-se principalmente à zona rural. Dotada de
grande criatividade e sensibilidade foi ela a organizar os
primeiros grupos de teatro de Venturosa, formados por
seus alunos. Textos produzidos por ela como O louco da
aldeia e A dama dos Guararapes marcaram toda uma
geração de venturosenses.

Suas produções contavam com poucos personagens


e enredos simples. A peça O médico à forçaxxxii foi
encenada por Eraldo Galindo, Rozely de Almeida, Janira,
Carlos Alberto Miranda, Djalma Leonilo, Zuraide,
Socorro e Alonso e conta a história de um médico muito
agressivo que, entre outras coisas, batia em seu namorada.
Já a comédia Matuta mal informada foi encenada por
Shirley, Wilmar, Socorro, Ranulfo Quirino, Hilderlúcia
Aquino, Fátima Almeida, Carlos Alberto Miranda (Beto),
Alonso (Laço) e Lenei. Com uma imaginação primorosa
Josefa Tomás de Aquino narrou o desejo de uma matuta
que desejava presentear o bispo com uma porca que não
era qualquer porca, era filha da porca de compadre Mané
Negão e o pai dela era filho do filho do pai do porco de
compadre Tomé da Baixa de Dentro!

Mulher de fé, dona Lalita também dedicou-se a


catequese dos jovens e durante muitos anos organizou a
apresentação do pastoril, ficando conhecido por muitos
como o pastoril de Lalita. Entre 2000 e 2001 junto com
alguns amigos criei o Grupo Teatral Josefa Tomás de
Aquino e junto com alguns amigos prestamos uma
homenagem a primeira dama do teatro venturosense
enquanto ela ainda estava entre nós. Hoje a biblioteca
87 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
municipal honra o nome de uma de suas grandes
educadoras.

Maria das Dores Galindo Alexandre, esposa de


Delmiro Alexandre Silva também destacou-se na
educação de Venturosa, foi uma das primeiras professoras
de município, exerceu grande influência nos campos
educacional e social. Dona Dorinha fundou a primeira
escola de Venturosa, a Escola Comercial São José, que
depois passou a se chamar Escola Quitéria Wanderley
Simões, tornando-se uma escola da rede estadual de
ensino. Foi dona Dorinha que, em 1983, criou a bandeira
do município de Venturosa, inspirando-se na bandeira
nacional.

As primeiras professoras de Venturosa foram dona


Eremita Apolônia, dona Lalita e dona Dona Dorinha,
sendo que Dorinha foi a primeira a serviço do estado.

A comercial São José era uma escola particular,


aqueles que não podiam pagar tinham de se deslocar até a
cidade vizinha para estudar. Isso até a construção da
Escola Municipal Emílio Garrastazu Médici,
posteriormente Escolas Reunidas Cônego Emanuel
Vasconcelos, que oferecia ensino gratuito aos jovens de
Venturosa e alguns vindos de Alagoinha. Entre as
professoras da escola Emílio Garrastazu Médici estava
dona Jupira Carvalho.

Também contribuiu com a educação de Venturosa


Dona Ieda, esposa de Evandro Branco, que comprou
88 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
uma fazenda na cidade em 1962. Dona Ieda lecionou
durante muito tempo em uma escola rural na Fazenda
Riacho do Meio.

Seu Evandro Branco registrou boas passagens em


seu livro Vaquejadas do Passado. Nele narra uma
vaquejada ocorrida em 1961, organizada por João Biliu
(como era chamado João Francisco Bezerra, o primeiro
prefeito da cidade), Joel de Brito, Nezinho de Bastos e
Zuca Andrelino. Dela, além de participarem o próprio
Evandro Branco e seu pai, também disputaram Nivaldo
Alexandre, filho de Antônio Alexandre e Clarice Xandú.

A cidade cresceu rapidamente. Com o maior


número de casas já em 1958 foi instalado um motor para
geração de energia elétrica que ficava na rua 19 de março,
que era chamada de rua do motor. A rua onde ficava a
capela foi batizada de rua São José e pelos anos que
viriam várias pessoas foram homenageadas ao batizarem
as ruas e travessas de Venturosa e também seu prédios
públicos. Assim ocorreu com a memória de: José Morais
de Oliveira, Jerônimo Viana da Silva, João Bezerra
Galindo, Moacir Teodoro Simão, José Maria Paes de
Lira, José Alves Bezerra, Ozildo Lopes, Coronel Lumba
Vez, Miguel Xandú, João Alexandre Batista, João Alves
Bezerra, Enedina Tenório de Almeida, Antônio Cazuza
de Almeida, Gamaliel Cordeiro Vaz, Paulo Gustavo de
Almeida, Severino Leonio Bezerra, Estevam Valério da
Silva, Joaquim Totel, José Andrelino e Antônio
Alexandre da Silva.
89 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Cada um dos filhos dessa terra contribuiu para o
seu crescimento com seu trabalho, sua fé e seu exemplo
de vida O estudo detalhado do nome das ruas da cidade
com certeza renderia uma ótima tese acadêmica ou um
bom livro. A fé dos fundadores era predominantemente
católica, antes da elevação da cidade as missas ocorriam
na capela e também nas comunidades rurais, geralmente
celebradas uma vez por mês. A princípio os padres iam a
cavalo, depois passaram a usar carros, o mais comum era
o fusca. A alimentação era bem diferente e praticamente a
mesma para ricos e pobres: frutas, verduras, feijão, farinha
e carnes. Como não havia refrigerador as carnes eram
conservadas com banha de porco, que também era
utilizada em frituras. Os biscoitos eram comercializados
em latas, assim como alguns doces. Era comum no
almoço servir-se feijão com farinha e carne assada em
banha de porco. Alguns costumavam fazer bolinhos
amassando o feijão com farinha usando as próprias mãos.
A carne era vendida por partes, um quarto de bode, por
exemplo, e não por quilo.

Sobre esse tipo de medida Rui Quirinoxxxiii


compartilha uma lembrança interessante:

“Naquele tempo cozinhava no fogo a


lenha e a gente iluminava a casa com
gás, no candeeiro. Eu tinha comprado o
gás e minha madrasta disse a meu pai: _
É Manoel, mas o mundo vai mudar!
Meu padrinho padre Cícero disse em
um sermão que a gente ainda ia
90 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
comprar carne de bode de quilo. Ai
meu pai levantou-se e disse pra ela: _
Que conversa é essa? Não fale uma
besteira dessas que eu nunca vou
acreditar nisso! Onde é que vai se
comprar carne de bode de quilo?
Porque naquele tempo só se falava ou
banda ou quarto, porque não tinha
balança. E meu pai criava muito bode.”

Lembremos que a energia elétrica era fornecida por


motor a poucas casas da aérea urbana do distrito. Após a
década de 1950 há uma maior popularização do rádio e
na década de 1960 do rádio à pilha. O lazer era marcado
por banhos de rio, jogos de futebol, corridas de prado e
realização de vaquejadas. As festas eram feitas geralmente
em sítios ou nas escolas e animadas por tocadores de
zabumba, sanfona e triângulo. Algumas acabavam em
confusão. As desigualdades sociais existiam, mas havia um
maior espírito de solidariedade nos primórdios da cidade.

Um forte vínculo de parentesco uniam as primeiras


famílias de Venturosa. Era possível encontrar famílias
geradas pelo casamento de primas com primos. Casas
onde três irmãos casavam com três irmãs da família
vizinha produzindo um tronco familiar muito extenso. Há
quem defenda que num estudo detalhado das árvores
genealógicas municipais seria possível se chegar a cinco ou
seis famílias geradoras. Daí a enormidade de Bezerras,
Almeidas, Alves, Silvas, Tenórios, Cazuzas Vasconcelos,
etc.
91 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

O Almanaque de Pernambuco publicado por João


Ferreira de Lima era largamente consultado por
agricultores alfabetizados. Nele se podiam encontrar
simpatias, remédios caseiros e orientações sobre as
melhores épocas para o plantio de várias culturas.

O juízo do ano de 1965 anunciava que o ano seria


dominado por Vênus e que não faltariam chuvas e
trovoadas até 20 de março. As doenças previstas eram
sarampo, catapora e bexiga. Também haveria morte do
gado miúdo se o mesmo não fosse vacinado até janeiro.
O almanaque podia ser uma fonte de informação valiosa
numa época onde o conhecimento e o acesso a
informação, a saúde e a educação eram muito restritos.
Ele informava, por exemplo, que nos meses de abril,
maio e junho seriam duvidosos para a venda de cereais e
que em outubro, novembro e dezembro poderia se obter
preços mais confiáveis. Além disso, apresentava apoio ao
governo militar afirmando que “as forças armadas que
luta por nós na paz e na guerra”. Não previu João Ferreira
de Lima todas as atrocidades que viriam nos anos de
ditadura em seus arcanos.

A consulta a estes almanaques impressos no mesmo


sistema em que eram produzidos os livros de cordel
servem para que se possa conhecer o modo com as gentes
simples do interior percebiam o mundo à sua volta, seu
anseios, temores e seu conjunto de crenças ideias.
92 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
É em 18 de abril de 1965 que o bispo de Pesqueira,
Dom Severino Mariano, instala a Paróquia de São José
em Venturosa “atendendo as aspirações dos seus
habitantes, bem como percebendo que se trata de um
município florescente”xxxiv. Ora, durante muitos anos a
comunidade de Venturosa esteve atrelada a paróquia de
Nossa Senhora da Conceição em Pedra, o que não
poderia continuar com sua elevação à cidade. Mesmo
sendo instalada a paróquia, seu primeiro pároco, o padre
José Monteiro de Almeida, só seria nomeado em 1967.
Antes dele a paróquia de São José ficou aos cuidados do
vigário encarregado o Cônego Emanuel Vasconcelos, que
já havia sido pastor do povo de Venturosa durante os
anos em que foi pároco de Pedra. O primeiro casamento
celebrado na nova paróquia de São José foi o do senhor
Manoel Eliziário dos Santos com a senhora Maria
Verônica Bezerra dos Santos.

A instalação da paróquia, além de um marco


histórico por representar a fé do povo, também auxiliou
no processo de urbanização da nova cidade. Isso se deu
porque as terras doadas para capela e posteriormente
paróquia de São José passaram a pertencer ao patrimônio
do santo padroeiro. Os mais pobres poderiam construir
suas casas nessas terras, tornando-se donas dos imóveis e
não dos terrenos onde foram construídas. Como as terras
antes pertenciam aos fazendeiros, aqueles que a
ocupassem nunca passariam de meros moradores de suas
fazendas, não tendo quaisquer direitos sobre suas
residências e estando sempre sujeitos à vontade dos
senhores donos das fazendas. Como a Igreja permitiu a
93 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
construção de casas nos terrenos que compunham o
patrimônio do santo padroeiro, as famílias mais humildes
puderam ocupar áreas centrais e ajudar no crescimento
da Vila de Boa Sorte até a sua emancipação já com o
nome de Venturosa.

Em sua evolução política a cidade foi administrada


pelos seguintes prefeitos: João Francisco Bezerra (1961 à
1962), Delmiro Alexandre Silva (1963 à 1966), Valdecy
da Silva (1967 à 1970), Sebastião Inácio (1971 à 1972),
Valdecy da Silva (1973 à 1976), Albino Bezerra de
Vasconcelos (1977 à 1982), Delmiro Alexandre Silva
(1983 à 1988), Manoel Ramos da Silva (1989 à 1992),
Delmiro Alexandre da Silva (1993 à 1996 – faleceu
durante o mandato, que foi concluído pelo presidente da
Câmara de Vereadores, João Bosco Moraes de Oliveira).
Iterbo José Galindo (1997 à 2000).

Iniciando um novo ciclo político tento em vista que


o Brasil adentrava em um novo momento histórico se
encontram entre os prefeitos eleitos: Albino Bezerra de
Vasconcelos, Eudes Tenório Cavalcanti e Ernandes
Albuquerque Bezerra.

O primeiro prefeito de Venturosa eleito por voto


direto foi Delmiro Alexandre, sendo seguido por Valdecy
da Silva, falecido em 2012. Homem nobre e de grandes
ideais, Valdecy foi eleito duas vezes para o cargo de
prefeito. Com um olhar voltado para as necessidades dos
cidadãos foi quem deu inicio a Unidade Mista de Saúde
Justa Maria Bezerra e também a distribuição de água
94 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
encanada em Venturosa. Por ser honesto não usou do
cargo para ter vantagens pessoais ou construir fortuna
com o erário público. O fato de ter sido eleito duas vezes
mostra que além de influência, Valdecy da Silva gozava de
amplo apoio popular, advindo de sua forma simples e do
comprometimento com o bem estar de seus munícipes.

Embora o Brasil tenha mergulhado em uma cruel


ditadura entre 1964 e 1985, a vida das pequenas cidades
não foi muito afetada pelo regime militar. Os grupos
políticos não questionavam o poder central e estavam
ambos vinculados ao poder militar, todos filiados à
Aliança Renovadora Nacional – ARENA, o partido que
dava sustentabilidade à ditadura e o único que não sofria
perseguições no regime. Então os políticos venturosenses
ou faziam parte da ARENA 1 ou da ARENA 2. No
âmbito local havia forte rivalidade entre os grupos que
almejavam o controle político do município, o que
adentrará na cultura local de tal forma que até em tempos
atuais é praticamente impossível uma terceira via política
em Venturosa. Embora não se rejeite a importância de
nenhum dos representantes do executivo neste trabalho,
um deles se sobressai sobre os demais. De todos os
prefeitos eleitos, nenhum terá tanto destaque quanto
Delmiro Alexandre da Silva.
95 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo IX

O primeiro prefeito eleito

Em 1958 o Deputado Justino Alves apresentava o


projeto conjunto de emancipação de Venturosa. O
derradeiro ato na extensa disputa política que separou o
antigo distrito da cidade de Pedra. Em 1962 o primeiro
prefeito foi nomeado pelo governador Cid Sampaio,
alinhado com o grupo político de Justino. Depois disso,
tal como as águas do mar vermelho dividiram-se ao toque
do cajado empunhado por Moisés, as forças políticas de
Venturosa também se posicionaram em margens opostas.

Já havia uma divisão antes, em decorrência do


próprio processo de emancipação. Aqueles que eram
favoráveis a permanência do distrito e os que defendiam
sua elevação à cidade. Os que estavam com o padre
Simões e os que estavam com Justino Alves. Conforme a
emancipação tornava-se cada vez mais próxima, lideranças
surgiam de forma tímida, talvez, ofuscadas diante de
Justino, mas surgiam.

Numa festa do padroeiro São José, na mesma época


em que o primeiro projeto para elevação de Venturosa foi
vetado, Delmiro teria anunciado que iria entrar na
política. E de fato o fez, mas não como candidato. Atuou
como cabo eleitoral, organizando bases e construindo um
nome. Ali já mostrava sua habilidade.
96 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Assim que se deu a nomeação de João Francisco
Bezerra os grupos foram posicionados. Delmiro já
ocupava seu lugar ao sol e em uma disputa muito acirrada
emerge com uma diferença de apenas 30 votos como o
primeiro prefeito eleito por meio do voto direto em
Venturosa. Olhando para ele nada poderia se encontrar
de extraordinário. Não era alto ou de porte imponente,
poucos cabelos que logo o abandonariam, sobrancelhas
grossas sobre olhos grandes e escuros, bigode grosso e um
aspecto sério. A cabeça grande sobre o corpo magro,
como ainda hoje se apresenta em muitos nordestinos
abrigava grandes ideias e traquejo político. Um homem
rude nas palavras e pragmático em suas ações.

A liderança de Justino Alves marcou o primeiro


grande momento da história municipal. As administrações
de Delmiro Alexandre configurarão a cidade naquilo que
ela é hoje. As opiniões sobre sua pessoa divergem, pois
toda visão é a visão de um ponto determinado. Uns o
viram como um grande líder, outro como um homem
duro com seus adversários, mas aqui não construiremos
um texto biográfico, mas uma visão das consequências de
sua administração.

Um líder tem por obrigação enxergar além do


horizonte, estar um passo à frente dos demais, enxergar as
necessidades antes que essas tornem-se insuportáveis e
causem maus insanáveis. Em 1963 assume o governo do
estado de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, o
mesmo ano em que Delmiro toma posse como prefeito.
97 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Miguel Arraes tornou-se figura histórica da política
pernambucana. Eleito com 47, 98% dos votos e
derrotando o usineiro João Cleofas, iniciou um governo
de esquerda que trouxe benefícios aos trabalhadores
rurais, sindicatos, associações e as ligas camponesas.
Adotou medidas que iniciariam as reformas de base que
se acreditavam possíveis no início da década de 1960,
entre elas a eletrificação rural, a contratação da entressafra
dos trabalhadores rurais e o financiamento de vacas de
leite para assegurar a sobrevivência desses trabalhadores.

Delmiro, recém eleito, buscará a eletrificação da


cidade. Venturosa que no princípio teve energia elétrica
gerada por motores passaria a ter distribuição regular. Em
1963 o governador Miguel Arraes vem a Venturosa para
junto de Delmiro Alexandre darem inicio a uma nova fase
na vida dos seus habitantes. O primeiro poste erguido na
cidade simbolizava mais que a chegada da eletrificação
urbana, mas um farol a apontar para o futuro.

A cidade era erguida com orgulho. Fotos da época


mostram inocência e otimismo nas celebrações do dia 07
de Setembro, na passagem do fogo simbólico e nos
demais eventos tradicionais.

Em abril de 1964xxxv Venturosa passa a ter


atendimento municipal de saúde. O primeiro médico a
trabalhar no município foi o Dr. Anísio Santos da
Fonseca, sendo auxiliado pela enfermeira Maria Clarice
Cavalcante e a agente administrativa Iracema Carvalho.
98 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Esse centro de saúde estava localizado na Av. Capitão
Justino Alves.

Foi Delmiro a idealizar a construção da maioria dos


prédios públicos de Venturosa: a prefeitura municipal, o
fórum, a câmara de vereadores, o centro comunitário
cultural, o matadouro municipal, o campo de futebol,
calçou a maioria das ruas da cidade e iniciou a construção
do ginásio de esportes que hoje traz o seu nome.
Governou em uma época mais difícil, onde eram comum
as frentes de emergência, a falta de recursos e a omissão
dos vários atores do poder público.

Havia uma particularidade em Delmiro, a de não


sofrer de um mal conhecido como palavra de rei. Alguns
homens alçados como governantes pelo povo esquecem
que deve ser servidores do povo, se embebem pelo
prestígio do cargo e deixam que a arrogância os domine.
Brutalizam seus atos e palavras, erguem monumentos a
sua própria pessoas e são duros e insensíveis com os que
antes foram amigos e aliados. Esses também
administraram Venturosa. Delmiro as vezes era ríspido,
mas logo depois se arrependia e chegava a pedir desculpas
quando sentia ter ofendido alguém. Sabia que um político
deve trabalhar pelo povo e não fazer do povo seu
instrumento de trabalho.

Também convertia inimigos em aliados. A um


eleitor teria dito: “Sei que você não gosta de mim, mas o
outro candidato é pior que eu. Então de ruim por ruim,
vote em mim!”
99 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

A transformação da Pedra Furada em maior ponto


turístico do município foi fruto dos empenhos de
Delmiro e sua esposa, dona Dorinha. O parque Pedra
Furada trata-se de uma composição rochosa maciça,
comparada por autores locais como ‘semelhante a um
viaduto’, situada em uma elevação com duzentos metros
de extensão por quinze de largura e cinqüenta de altura.
A bibliografia existente sobre a Pedra Furada denota o
interesse em ressaltar o potencial turístico do local.
Contando com três hectares de terra, no sítio conhecido
como Goiabeira, foi adquirido em 1986, durante o
segundo mandato do prefeito Delmiro Alexandre da
Silva, que organizou uma forte campanha de divulgação
em periódicos de alcance estadual, como o Diário de
Pernambuco.

Após o período ditatorial a vontade popular trouxe


mais uma vez Miguel Arraes ao Palácio do Campo das
Princesas e Delmiro Alexandre à prefeitura de Venturosa.
Com a aprovação desse projeto foram construídos quatro
quilômetros de estrada, tratando-se de uma ampliação a
partir da PE 217 para ligação ao local, eletrificação e
construção de degraus com pedra e cimento para o acesso
ao ‘arco’ da pedra. Há várias matérias publicadas antes da
implantação do Parque Pedra Furada discorrendo sobre
os atrativos turísticos do local, seus encantos naturais e
importância do projeto para as cidades circunvizinhas o
texto presente na seção cartas à redação apela para a
‘sensibilidade’ do governo Miguel Arraes em colaborar
com o governo municipal.
100 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Venturosa possuía uma grande quantidade de casas


comerciais, um posto telefônico da extinta Telpe, ramo
estadual da antiga Telebrás, uma agência de correios e
telégrafos e uma agência do Banco do Brasil. A cidade
continuava a se expandir, mas ainda mantinha um aspecto
de transição entre área urbana e rural. Era comum se
verem rebanhos trafegando entre as ruas sendo levados de
um curral para outro. Algumas famílias criavam porcos no
quintal de suas casas em busca de fontes alternativas de
renda.

A cidade também contava com um posto da


Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do
Estado de Pernambuco - Emater-PE, empresa criada para
dar assistência ao homem do campo que hoje equivaleria
ao Instituto Agronômico de Pernambuco, o IPA.

Enquanto esteve vivo, Delmiro Alexandre liderou a


política municipal com destreza igualada a do deputado
Justino Alves Bezerra, indicando candidatos quando não
podia concorrer ao cargo de prefeito, já que a legislação
da época não permitia reeleições. Colecionou mais
vitórias que derrotas e escreveu com letras imutáveis seu
nome na história municipal. Em ocasião de sua morte
assume o governo o Dr. Iterbo José Galindo, que
renunciará para concorrer nas eleições de 1996, deixando
durante quase um ano o presidente da Câmara Municipal,
João Bosco Morais de Oliveira no mais alto cargo do
executivo municipal.
101 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo X

Saudades dos tempos não vividos


Expoentes de nossa cultura
Nossos artistas e poetas
O Cangaceiro e outros filmes

Caso fosse realizado um estudo específico para isso,


constataríamos que a palavra saudade é uma das mais
presentes em poemas e canções escritos em língua
portuguesa. A palavra tem origem no galego português
para unir os sentimentos de perda, falta, distância e amor.
Indo mais longe, para suas origens latinas, teríamos uma
derivação de solidão.

Uma citação de Pablo Neruda expressará


perfeitamente o sentimento de saudade que motiva esse
capítulo: “Saudade é amar um passado que ainda não
passou; é recusar um presente que nos machuca; é não
ver o futuro que nos convida”!

É possível ter saudade de algo que não vivemos?


Enquanto o passado era explorado a partir de memórias
alheias, também revisitei o baú particular das vivências e
num misto de alegria e tristeza respondi afirmativamente a
essa pergunta por prender-me a versão romanceada de
um passado mais puro, simples e fraterno. Mas depois
percebe-se que puro, simples e fraterno foram as
102 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
recordações guardadas por anos e depois compartilhadas
em grande nostalgia.

Mas muita coisa bem que poderia não ter acabado.


O reisado, as cantorias de pé de parede, as rainhas do
milho, as cantigas de roda, os romances lidos e
declamados, as serestas, Os Trovadores, tantas e tantas
coisas que fizeram da cidade o que ela é hoje. Tantas e
tantos que já se foram e que infelizmente não puderam
ser citados pois a memória dos que os conheceram
também se foi. Certamente estudiosos mais atentos e com
acesso a melhores e mais vastas fontes vão poder corrigir
os erros, preencher as lacunas e alertar sobre os lapsos
cometidos, e essa revisão sempre será necessária.

Então, tomado pela saudade dos dias não vividos e


motivado por lembranças alheias que se mistura as
minhas, percebi que não poderia fazer deste um capítulo
com base puramente científica, como também não
poderia concluí-lo em prosa. Como dizem nossos poetas
da terra, talvez enfincar um poema fosse a melhor
solução:

Quero morar no passado!


É lá que vejo futuro
Lá não precisa de muro
Prendendo a gente em casa
Lá tem corrida de prado
Tem feijão e milho assado
E o gosto de bolo de feijão.
Casa de taipa bem frondosa
103 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Símbolo do meu Sertão
Que saudade, Venturosa,
Do tempo que não volta não!

Quero ver o que não vi


Nos tempos de mocidade
Antes de tu ser cidade!
Quero tomar banho de rio
Ver uma boa vaquejada
Comer carne assada
Em banha de porco
Quero é ir no passado
E vou daqui pra pouco
E volto se ficar cansado.

Mas sei que não canso não.


Vou pro rio dos bois
E pro Ipanema depois
Nadando igual um peixe.
Bato Araçá e Ingazeira,
Ouro Branco e Carrapateira,
Cubro como se tivesse aves
Barbado e Campo Grande
Depois falo com Justino Alves
e cumprimento Delmiro Alexandre.

Vou embora pro passado


Contente que nem passarinho.
Lá tem seresta no clubinho
E todo mundo se respeita.
Não tem muitos doutores
104 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Mas tem os Trovadores
que cantam sem desafinar
e nessa noite saudosa
peço pr’eles cantar
filhos de Venturosa!

E já que estarei lá
Nenhuma ação será vã!
Vou no cinema de Edvan
Assistir o gordo e o magro.
Vou rir pra me acabar
Querendo não acordar
Pra ter que vir me embora
Desse passeio arretado
Que fiz pelo passado
Da minha Venturosa!

Quero ver os amigos


De que me despedi
E recuperar o muito que perdi.
Alciney, Cézar Claudino,
Vavá meu professor
Reginaldo meu doutor
Hoje estão junto de Deus
Numa nuvem majestosa
Orando pelos seus
Todos filhos de Venturosa!

Vou-me embora pro passado


Mas sei que devo voltar
Pois não tem como mudar
105 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Tudo que já aconteceu.
Posso visitar na memória
Contar mais uma história
Seja em rima ou em prosa
E a meu Deus agradecer
Sou filho de Venturosa
Serei assim até morrer.

O amor pela cidade sempre motiva seus filhos.


Estes costumam fincar suas raízes e quando forçados a
sair para buscar melhores condições ou realizar seus
sonhos, costumam voltar assim como fazem as
andorinhas.

Esse sentimento motiva o trabalho de muitos artistas


plásticos e pintores, o mais conhecido entre eles é Tita
Caxiado, que há anos trabalha no espetáculo a Paixão de
Cristo, em Nova Jerusalém. Eliel Alexandre, ou Eliel dos
bonecos, que durante décadas comandou blocos de
carnaval de rua, produziu adereços e dedicou-se as artes
plásticas em Venturosa. Joelma Caxiado, Eraldo Galindo,
Valmiro Almeida, Crispim, Marlene Bezerra e Janecleide
Ferreira são exemplos de pintores e artistas plásticos
venturosenses.

Dentre os que se dedicam à música alguns adotam


como sobrenome artístico o nome da cidade, como Djair
de Venturosa e o Cigano de Venturosa. Alguns dos
antigos integrantes da Orquestra os Trovadores ainda se
reúnem e se apresentam sob o nome de Caso Sério, são
106 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
eles José Maria, Adelmo Luiz, Siney e Teté. Os mais
jovens também buscam seu lugar ao sol e já emitem luz
própria, como é o caso da banda Jeito Simples, formada
por John Lennon Bezerra Almeida, Isack Matos, Rafaela
Medrades, Cícero Júnior, Lenivaldo Ferreira e Débora
Cristine.

Poetas de grande talento foram gerados em


Venturosa. Citamos entre ele, Lorinaldo Vitorino,
Maximino Bezerra e Luciano Dionísio.

O teatro venturosense por muito tempo foi voltado


para apresentações de cunho religioso, geralmente a
Paixão de Cristo. No papel do filho de Deus estiveram
Eraldo Galindo, Carlos Alberto Chalegre e José Jorge de
Almeida. O auge do teatro religioso foi atingido por
Carlos Alberto Chalegre (Beto) que junto com
Francivaldo Mendes e muitos outros amigos montaram o
maior espetáculo teatral que a cidade comportou,
chegando a exibi-lo vários anos a fio no Ginásio
Municipal Delmiro Alexandre da Silva. Entre os atores se
destacavam Gino César no papel de Herodes e Luís
Bispo, como Pilatos. Saindo dessa última leva alguns
estudantes da Escola Quitéria Wanderley Simões
fundaram o Grupo Teatral Josefa Tomás de Aquino,
encenando Romeu e Julieta e peças de autoria de
Emerson Luiz, como O auto do Casamento e Amor de
Filme. Entre os integrantes do grupo estavam os irmãos
Joilson e Jobson Almeida, Josiel Alves, Marquinhos, João
Paulo, Cícera, Luciana Cristiny, Márcia Grasiele,
107 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Edemilton Nunes, Neidjane Tenório, Wagner, Anderson
Oliveira e José Erenildo.

Sem dúvida uma das grandes paixões da cidade é


vivenciada anualmente no dia 07 de Setembro. Se ilude
quem pensa que a cidade nutre sentimentos ufanistas em
relação aos caminhos da nação. Tal qual Narciso ela se
apaixonou pelo seu reflexo passado e vindouro expresso
nas bandas de fanfarra de suas escolas.
As escolas passam por um longo período de
preparação escolhendo os temas dos desfiles e seus
alunos esperam ansiosamente para compor suas
respectivas bandas. A cidade para e a avenida Capitão
Justino Alves é tomada completamente por pessoas de
todas as idades. Pais orgulhosos fotografam os filhos
fantasiados, portando bandeiras e faixas com palavras de
ordem e frases reflexivas. No palanque as autoridades
assistem a tudo para depois conferir troféus e medalhas,
todos ansiosos pelo momento em que, terminados os
desfiles, as bandas irão se apresentar.

Orgulhosos, alunos e maestros executam


repertórios ecléticos, arrancando aplausos e gritos
exultantes de todos. Desde a emancipação da cidade
gerações fazem deste dia quase um ritual de celebração de
sua identidade. As escolas Cônego Emanuel Vasconcelos,
Quitéria Wanderley Simões, Delmiro Alexandre Silva,
José Florêncio, Dr. Manassés e tantas outras reluzem
como ouro na avenida e, de alguns anos para cá, são
acompanhadas pela banda dos Veteranos, que passou a
ser a atração mais aguardada da data comemorativa.
108 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

Mas poucas carregam tanta emoção no nome


quanto a fanfarra da Escola Quitéria Wanderley Simões.
A Banda Marcial César Claudino homenageia um ex-
aluno da escola, também maestro e muito querido por
todos em Venturosa que perdeu a vida prematuramente
em acidente de carro. César Claudino amava a música e
era um apaixonado pela vida, uma daquelas pessoas raras
que transpiram alegria e conseguem de um jeito simples e
descontraído transmitir isso para quem tem o prazer de
partilhar de sua convivência. Sua figura continua a inspirar
outros jovens a se dedicarem à escola e darem suor, fora e
músculos para que a apresentação da fanfarra esteja
sempre entre as mais belas da cidade. O maestro Carlos
Alberto Chalegre, o mesmo Beto da Paixão de Cristo
dedicou-se a essa banda desde os tempos em que César
fazia parte dos seus componentes e assim como Cícero
Jacinto e Coracy, será sempre um dos expoentes dessa
tradição em Venturosa.

Mas não foram apenas poetas, violeiros, cantores,


músicos e artistas plásticos que ficaram fascinados com
essas terras de Boa Sorte. As belas paisagens naturais da
cidade também atraíram produtores do cinema nacional.
Venturosa serviu de cenário para o remake de O
Cangaceiro, de Aníbal Massaine Neto (1997) e Canta
Maria, de Francisco Ramalho Jr (2006). Infelizmente os
cenários produzidos não foram conservados. Sem dúvida
alguma o que mais ficou na memória dos venturosenses
foi O Cangaceiro.
109 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
A película é uma refilmagem do clássico de mesmo
nome, escrito e dirigido por Lima Barreto e com diálogos
de Raquel de Queiróz, lançado em 1956. O primeiro
Cangaceiro foi o primeiro filme brasileiro a ganhar o
Festival Internacional de Cannes e foi exportado para
mais de 80 países.

O Cangaceiro de Aníbal Massaini Neto não tem o


brilho ou o glamour do original, mas possuía um grande
elenco para a época. Nele estavam Paulo Gorgulho,
conhecido pela sua atuação na novela Pantanal, da extinta
rede Manchete e Ingra Liberato, a Ana Raio da Novela
Ana Raio e Zé Trovão, também da Manchete. O par
romântico da atriz foi interpretado por Alexandre
Partenost, que havia participado de outro longa nacional
intitulado O Quatrilho. Também estavam no elenco a
atriz global Luisa Thomé e nomes de peso da dramaturgia
nacional como Othom Bastos, Jonas Mello, Joffre Soares
e Claudio Mamberti. Na trilha sonora o discípulo de Luiz
Gonzaga, Dominguinhos interpretava algumas canções.

Alguns moradores da cidade atuaram como


figurantes e fizeram parte da equipe de produção de
adereços e elementos de figurino e, pela primeira vez em
sua história, os habitantes de Venturosa puderam se
aproximar dos atores e cantores que antes só conheciam
pela televisão. O filme não foi bem recebido pela crítica
especializada, mas foi imortalizado pelo público de
Venturosa.
110 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
O artista popular Genildo Bezerra, conhecido
como Palhaço Pipoquinha não se contentou em assistir
filmes e acabou produzindo o primeiro curta-metragem
venturosense, intitulado Sonho de um nordestino. Um
relato autobiográfico que conta a história do menino que
foi para São Paulo em busca de realizar o sonho de ser
artista e após gravar discos e participar de programas
televisivos retorna ao torrão natal para os braços da amada
Ana Cristina. Sonho de um nordestino foi selecionado
pelo programa Revelando os Brasis.

Não falta talento em Venturosa, falta


reconhecimento! As palavras de Jesus que afirma que
“dificilmente um profeta é aceito em sua terra” se aplica a
esse caso. Lorinaldo Vitorino foi convidado a se
apresentar na França como expoente da cultura
nordestina, mas os mais jovens pouco conhecem de seus
versos ou canções. O poeta Luciano Dionísio publicou
vários cordéis e um livro intitulado Recantos Líricos, foi
matéria de jornal ao ter um de seus poemas incluídos nas
questões de vestibulares de grandes faculdades, mas seus
livros de cordel ou poesias não são lidos pelos alunos das
escolas públicas ou particulares. Uma injustiça que deve
ser corrigida nos anos vindouros.
111 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
Capítulo XI
Últimas Impressões

Chegamos ao final desse livro deixando algumas


lacunas a serem preenchidas posteriormente. Um grande
número delas às limitações de quem escreve. Só posso
desejar que os estudiosos da história municipal possam
ser benevolentes em suas críticas.

Olhar para o passado é difícil, já que escrevemos


sobre o que não presenciamos e muito do que pensamos
foi influenciado por outras histórias e impressões. O
acesso a documentos e fontes não oficiais – cartas,
bilhetes, anotações e fotografias – permitiram um
mergulho mais confiável nessas águas turbulentas.

Mas ao olhar para o passado devemos refletir sobre


o presente e assumir um compromisso com o futuro.
Venturosa tem hoje seu principal reservatório de água – a
barragem da Ingazeira – assoreado e poluído. O curso
dos seus principais rios – dos Bois e Ipanema – recebem
dejetos de esgoto, lixo e foram vítimas do desmatamento
de suas margens. A principal fonte de empregos ainda é a
Prefeitura Municipal e o bipartidarismo ainda divide
amigos e famílias.

Pouco a pouco as sementes do amanhã começam a


germinar. Percebe-se uma juventude crítica e atuante, que
sonha com novos modelos de sociedade e apontam como
112 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
questionadores das velhas fórmulas e dos antigos
modelos. Que ela não cometa o erro de desprezar o
passado e jogar fora grandes tesouros de sabedoria.

Ainda existem bolsões de miséria no município. As


desigualdades sociais são visíveis e onde alguns se
orgulham por poder ostentar roupas de marca e caros
perfumes numa ponta, na noutra muitos ainda baixam a
cabeça para os mandos e desmandos de pequenos
ditadores que julgam que porque lhes pagam um salário
detém poder sobre sua vontade.

Erram os que transferem a culpa dos males ou a


solução dos problemas as figuras de seus prefeitos. Nem
os que passaram nem aqueles que um dia ocuparão o
cargo tem em si a força necessária para demolir
construções erguidas e fortificadas há tantos anos. Todos
devem beber da mesma fonte de Rousseau e aprender
dele que o poder emana do povo e para ele retorna. O
Brasil chegou numa época de grandes questionamentos
sociais, e é chegada a hora dos filhos de Venturosa
acordarem junto com o gigante, não do ponto de vista
político-partidário, já que nele não há nada além de uma
ideologia alienante, mas despertar desse longo sono para
realizar o questionamento ético, filosófico e moral
necessário para um novo projeto de sociedade.

Nada mudará se médicos forem vistos como


semideuses e se as populações oprimidas continuarem a
aceitar a opressão disfarçada por bondades ocasionais que
lhes trazem máquinas, perfuram poços, oferecem
113 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
empregos ou pequenas somas em dinheiro para remediar
os danos da seca, da ausência do poder público e
principalmente da ausência da cidadania.

Desde a sua emancipação a cidade contou com


bons e maus gestores, em sua maioria bons. Todos
procuraram de alguma forma contribuir com o seu
crescimento, uns com mais talento, como o saudoso
Delmiro Alexandre, outros com menos, mas em seu
íntimo, todos sonharam em contribuir positivamente com
a cidade.

Carecemos de uma verdadeira revolução para


continuar a trilhar um caminho que leve ao progresso sem
produzir opressão, e este caminho só pode ser trilhado
com pés firmes e um olhar que transponha o horizonte.
Como educador não vejo outro caminho a não ser o da
melhoria da educação. Uma educação humanitária, que
vise mais do que ensinar letras, fórmulas e conceitos, uma
que valorize a autonomia e eduque na solidariedade e na
fraternidade. Um modelo educacional que respeite a fé
sem gerar prosélitos, e que ensine a ver a todos como
membros de uma grande família tendo a compreensão
que o destino da terra em que vivemos é também o nosso
destino.

Esse tipo de educação é inalcançável por qualquer


escola, seja ela pública ou particular, porque ela depende
da família e de toda a comunidade. Manter viva a
memória dos nossos antepassados, valorizar a figura de
nossos anciãos e zelar pelo pleno desenvolvimento de
114 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
nossos jovens não pode ser uma utopia, deve ser um
compromisso de todos.

Há pouco Venturosa completou meio século de


existência. Numa bela cerimônia seus habitantes foram
acordados por uma alvorada festiva. Que estas alvoradas
possam ser repetidas nos anos seguintes nos lembrando
que o futuro bate a nossa porta e nos convida a vive-lo.

O profeta Gentileza nos ensina que gentileza gera


gentileza. O nosso amor por Venturosa deve ser expresso
em gestos de real gentileza pela nossa terra e,
principalmente, pelos filhos dessa terra. Esse
compromisso pode ser externado em cuidados simples
como zelar pelo patrimônio público, a preservação de
ruas sempre limpas, o cuidado com o descarte do lixo
que produzimos, a participação ativa na elaboração de
políticas públicas que protejam nossos jovens e que
possibilitem o seu crescimento. A vivência de uma ética
do cuidado, onde somos corresponsáveis pela vida que
nos cerca. Onde nos ocupamos com o ser e não nos
sobrecarregamos de preocupações com o ter.

Depende de nós escrever a continuação dessa


história. É nossa responsabilidade cuidar para que nossos
descendentes a leiam com toda beleza e verdade com que
pudermos escrever.

Emerson Luiz
115 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida
NOTAS DE TRABALHO
i
De acordo com o Diagnóstico do Município de Venturosa,
publicado pelo Ministério de Minas e Energia em outubro de 2008.
ii
GARCIA, Carlos. O que é o Nordeste. Recife: Comunigraf, 2005.
iii
Consultas à Wikipédia. É importante romper com o preconceito, já
que a referida enciclopédia é construída coletivamente e possui mais
de 90% de confiabilidade na maioria de seus verbetes.
iv
ALMEIDA, Almir Bezerra de. Resquícios coronelísticos em
Venturosa.
v
PROENÇA, André Luiz. As ocupações pré-Coloniais a partir do
estudo das paisagens arqueológicas do Agreste pernambucano.
vi
ALENCAR, Alice. A tradição agreste: estudo sobre a arte rupestre
em Pernambuco. Universidade Federal de Pernambuco.
vii
Conforme publicado pelo Atlas escolar de Pernambuco, Recife:
Comunigraf, 2003.
viii
Dados provenientes de consulta a Wikypédia.
ix
PILLET, Nelson. História do Brasil.
x
VERSIANI, Flávio Rabelo. VERGOLINO, José Raimundo
Oliveira. Preço de escravos em Pernambuco no século XIX.
Universidade de Brasília, 2002.
xi
VIANA, Oliveira. Resumo histórico dos inquéritos censitários
realizados no Brasil. p 404 e 405. In: Stein, Stanley J. Vassouras: um
município brasileiro do café. 1850-1890. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990.
xii
PRADO, Jr. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1996. P. 160.
xiii
Entrevistas concedidas ao autor.
xiv
ALMEIDA, Almir Bezerra de. Resquícios coronelísticos em
Venturosa.
xv
HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro:
1550-1800. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1991 p.98-99
xvi
MOREIRA, Marcílio Marques. O pensamento político de
Maquiavel in: MAQUIAVEL. O Príncipe: comentado por Napoleão
Bonaparte. São Paulo, Martin Claret, 2005.
116 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

xvii
BONAVIDES, Paulo; VIEIRA, R.A. Amaral. Textos políticos da
História do Brasil (Independência – Império – I). Fortaleza,
Impressa Universitária da Universidade Federal do Ceará, s.d. P 809.
xviii
RETRATOS DO BRASIL. São Paulo, Editora Política, 1984. P.
15. V.1.
xix
PILETTI, Nelson. História do Brasil. São Paulo, Ática, 1992 . P
128.
xx
DOSSIÊ HISTÓRICO TODOS OS PRESIDENTES DO
BRASIL. São Paulo, Minuano, 2011.
xxi
PERICÁS, Luiz Bernardo. Os cangaceiros. São Paulo, 2010. P
136.
xxii
HISTÓRIA DA NOSSA PARÓQUIA. Revista Comemorativa .
Paróquia de São José, Diocese de Pesqueira – PE. Ano I, nº 01. P 02.
xxiii
Idem.
xxiv
Toda essa descrição da antiga Boa Sorte se baseia em dados
fornecidos por Rui Quirino dos Santos, Manoel Ramos (Ramiro) e
João Bosco Moraes de Oliveira em entrevistas realizadas ao longo
do ano de 2011.
xxv
A HISTÓRIA DO RÁDIO NO BRASIL. Compêndio. Brasil,
Abert. S.D. P. 07.
xxvi
ANDRADE, Manuel Correa de. A terra e o homem do Nordeste.
São Paulo: Brasiliense, 1963 p. 192.
xxvii
De acordo com o site ELEIÇÕES PÓS 45, encontrado no
seguinte endereço eletrônico
http://www.eleicoespos1945.com/1945-
1965/pernambuco_1947_estaduais_pr.html
xxviii
ALMEIDA, Almir Bezerra de. Resquícios Coronelísticos em
Venturosa.
xxix
BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge).
Revista Brasileira dos Municípios. Nº 57/58 ano XV, jun/jul de
1962. P 02. Disponível em
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/180/rbm_1962_
v15_n57_n58_jan_jun.pdf
xxx
BRASIL. IBGE. Infográfico dos municípios brasileiros –
Venturosa - PE, disponível em
117 UMA HISTÓRIA VENTUROSA: De Vila a Cidade:
Emerson Luiz Galindo Almeida

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=26160
0
xxxi
Transparência Pernambuco, município de Venturosa, disponível
em
http://www2.transparencia.pe.gov.br/c/document_library/get_file?p_
l_id=98754&folderId=309255&name=DLFE-33444.pdf
xxxii
Nas peças de autoria de Josefa Tomás de Aquino (Lalita) apenas
alguns atores tem seus sobrenomes listados porque nos inscritos
originais só constam seus primeiros nomes. Em edições posteriores
espera-se conseguir informações precisas para que possam ser
apontados os nomes completos de todos os atores.
xxxiii
Entrevista concedida ao autor.
xxxiv
HISTÓRIA DA NOSSA PARÓQUIA. Revista Comemorativa .
Paróquia de São José, Diocese de Pesqueira – PE. Ano I, nº 01. P 05.
xxxv
Cartilha conhecendo o município de Venturosa

BIBLIOGRAFIA

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Abert. S.D.
ALENCAR, Alice. A tradição agreste: estudo sobre a arte
rupestre em Pernambuco. Universidade Federal de
Pernambuco. Disponível em:
http://www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/1986-
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A. Cartilha conhecendo o município de Venturosa.
Documento datilografado. Venturosa, 1992.
ALMEIDA. Almir Bezerra. Resquícios coronelísticos em
Venturosa. Monografia apresentada na Universidade de
Pernambuco.
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Nordeste. São Paulo: Brasiliense, 1963
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Pernambuco. João Pessoa: Grafset, 2003.
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da História do Brasil (Independência – Império – I). Fortaleza,
Impressa Universitária da Universidade Federal do Ceará, s.d.
P 809.
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civilizações urbanas. São Paulo: Atual, 1996
HISTÓRIA DA NOSSA PARÓQUIA. Revista
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PE. Ano I, nº 01.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo: enxada e voto. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
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Napoleão Bonaparte. São Paulo: Martin Claret, 2005.
PERICÁS, Luiz Bernardo. Os cangaceiros: ensaios de
interpretação histórica. São Paulo: Boitempo, 2010.
PILETTI, Nelson. História do Brasil. São Paulo, Ática, 1992
. P 128.
PROENÇA, André Luiz. As ocupações pré-Coloniais a partir
do estudo das paisagens arqueológicas do Agreste
pernambucano. Dissertação disponível em:
http://www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/V24N2-
2009/11-proena.pdf
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realizados no Brasil. p 404 e 405. In: Stein, Stanley J.
Vassouras: um município brasileiro do café. 1850-1890. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1990
VICENTINO, Claudio. História do Brasil. São Paulo:
Scipione, 1997.
VITORINO, Diniz. Terra Seca. S.l.:S.D.

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