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ELISABETH LUKAS

AgmOlzm
A forç .
desofiodora do
espírito"_ _ onosDELoeorERAmAMH'_-_

àâ
CEdiçócs CLoyola
_^.~”
_
'-'k._-

INDICE
A

Apresentaçao' à edição brasileira ....................


Prefácio

an'eira Parte

A IMAGEM DO HOMEM SEGUNDO


A LOGOTERAPIA
Titulo origmal
. Classüicação e axiomática da Logoterapia ........ 19
Von der Trotzmacht des Gets'tes. Menschenbild und Methoden
Esclarecimentos sobre ontologia dimensional 28
der Loçotherapm
Dialética de destm'o vs. liberdade ................ 35
© Verlag Herder, Fn'burgo em an'góvia, 1986
Consciência, “órga,o~ de sentido" ................. 41
Dialética de susceptibilidade vs. m'tegridade ..... 46
Revlsa°'o
. Dialética de orientação ao prazer vs. oríentação

munmwmw
Silvana Cobucci
ao sentido ...................................... 51
. Intervalo para um estudo de caso ................ 59
Edlçõos Loyola . Interpretação bid1m'ensional e tridimensional do
Rua'1822 n. 347 caso sobredito .................................. 64
04216 - São Paulo - SP
Caixa Postal 42.335 71
04299 -- São Paulo - SP 78
Tel.: (011) 914~1922

Leopoldianum Editora Segunda Parte


R. Euclldes da Cunha, 241
Te|. PABX (0132) 37-3435 MÉTODOS DA LOGOTERAPIA
11060 - SANTOS, SP - Brasil
1. Teoria da neurose segundo V1k'tor E. Frankl ..... 85
© EDIÇOES LOYOLA, São Paulo, Brasü, 1989 2. Gênese das neuroses de ansiedade .............. 95
Sobre a cura das neuroses de ansiedade
O perigo do caráter neurótico compulsivo
Histeria, falta de amor
Salvação pela renun'cia
cnmusm

Um conceíto multidimensional contra mam'as APRESENTAÇÀO


Para evitar lesões iatrogênicas
oo

Acompanhamento terapêutico de doenças somato-


gêm'cas 148
10. Para superar os reveses da sorte 158
11. Neuroses e depressões noogêmcas 166
12. Como surgem os dístúrbios do sono e os distúr-
bios sexuais 179
13. Uma receita contra o egocentrismo 185
14. Prevenção e acompanhamento terapêutico ulterior 192 O aparecun'ento no Brasíl da obra da psicóloga vienense
15. Como avaliar a vida 197 Elisabeth Lukas é um serviço mais do que cient1f'ico, huma-
no, de Edições LOYOLA (São Paulo) e LEOPOLDIANUM
Editora (Um'versídade Católica de Santos).
Terceira Parte Na verdade, nos círculos da difusão de idéias e da pu-
blicação de livros - a editoraçao' - nem sempre se leva em
PERSPECTIVAS COMPLEMENTARES devída conta o fato de quando um tema de ciência ou cul-
tura intelectual é veiculado na área limítrofe do allzumensch-
DA LOGOTERAPIA
liches, do “humano, humano demais”. Para que sensibihz'ar-
-se, d1z'em, com o que há de mais ou de menos na categoria
Experiências com a Logoterapia no trabalho cl1m"co
do humano, tão defasada e hoje tão desprovida de referen-
(Karl Dieter Heines)
cial? Para que acercar-se dessa área com preocupaçoe's sal-
Corpo-Alma-Espírito (Paul He2'nrich Bresser) vaciom'stas, ou curativas, ou mesmo valorativas? Para que
Notas serviço, quando a ciência basta e não pressupõe mais nada? -
Tal o pessimismo pragmático.

O livro que acaba de assomar à ribalta para tomar posi-


çao~ naquela área tão controvertida do espaço humano ~ do
que está aquém, ou além, ou acima, ou abaixo - não versa
um tema qualquer, mas faz análise da imagem do homem
e, decididamente, propoe~ sua valoraçao' por uma das psico-
terapias. Não será pretender muito?
Entre nós, já o verbete do Dicionário de Psicologm (Her-
der-LOYOLA, em 3 volumes, São Paulo, 1982; 2.° vol. p. 336)
apresentava, assm'ado pelo psiquiatra espanhol J. López Ibor,
o método psicoterapêutíco da logoterapia, maís dirígido à
superestrutura noética do m'djvíduo, ao nível mental moti-
vante (ativo), onde os “m'veis noéticos da personalidade" são
multi-est1m'ulados para que o m'divíduo possa descobrir o

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sigmf'icado (séntido) de sua vida: ele é confrontado com o Exisbência (entenda.m-se o Eu e os fatos pessoals'), o sentido
logos de sua Ems'tênc1'a. Donde, outro verbete (1.° vol., p. da vida, das circunstan“cias etc. Enflm', se o problema de ler
544), assinado por F. C. Schubert (“análise existencial"), a do leitor é medido pelo problema do sentido, ímagme'se a
nos mf'ormar que o método é não só de tratamento, mas un'portan'cia dos dois problemas quando o sentido que se
também de pesquxs'a, método antropológico e terapêutico, busca é o do leítor mesmo, o homem, a Ebas'tência!
inspirado em M. He1'degger, mas desenvolvido por Viktor E. Nossos leitores - os estudantes, alunos e professores
Frankl e também por ele denomm'ado “log0terapia". interessados nas Ciências Humanas, e os homens e mulhe-
Nos escritos e na atividade deste cientista doublé de filó- res de qualquer idade empenhados em “apreender” o sentido
sofo encontramse todas as garantias contra possíveis suspei- de seus problemas, isto é, achar soluções - vão ser agrada-
tas de fragílidade teórica ou de meficácia prática, e as caute- velmente surpreendidos ao lerem um LIVRD que deverá, exa-
las contra cabotmi'smos logosóficos. É, em pnm'eiro 1ugar, tamente, despertá-los para a “le1'tura" da própna' 1m'agem hu-
um método sério de m'vestigação. Mas mn'guém precisa abes- mana, como se fosse um manual de metalinguagem ex15'ben-
pmh'ar-se com a postura terapêutíca de seus adeptos. É um cial, mas que é algo muito melhor: um manual de vida.
dado de fato que as terapias, ou atividades de cura, acom- O livro de Elisabeth Lukas é este manual teórico-prático,
panham todo o percurso humano, mn'guém está isento de duplamente útil para ensma'r essa “leitura”.
mazelas, todos têm necessidade de cura, desde a infâncía.
“Leitura” de quê? Responde nosso manualz da Ems'tên-
Afmal', é a cura do “humano, humano dema1's”. Esta cura as-
cia, vm'culando desde o 1m"cio o problema do conhecimento
senta-se sobre a Vontade de Sentido, que não reflete mera
(buscar sentido) com o problema da imagem do homem (eu-
postura de acade'nu'cos, mas é uma formulação geníal de um
femls'mo que abrange o Eu do homem, uma Exístência, uma
achado tào velho quanto a religiao", a fílosofia e as práticas
Conscíência/Vontade de Sentido), uma natureza “lógico-ati-
psicológicas. Não é de hoje que o “demasiadamente humano”
va” destmada a querer/buscar sentido em si e em tudo o
vem, de um modo ou de outro, sendo associado ao conceito
mais. “Leitura” portanto existenciaL
gêmeo da hy'brzs' segundo a poesia trág1'ca; mas é sobretudo
hoje que ele se debate quase opressivamente face ao chama- “Ler” de que modo? - D1z' o manual: usando na prática
do “vazio existencial", ou “frustraçza,o~ existencial” - que é o prmcípíos msp'irados naquela mesma 1m'agem (não unilate-
ponto de partida da logoterapia para a cura pelo preenchi- ral, acrescentamos nós, mas bifacíal - logos énylos/logos
ene'rgos (ativo). A leitura do código logoterápico é a do pró-
mento do vazio.
prio código de cura da condição humana real, segundo a me-
Mostrar a “análise existencial" e o uso do método logo-
dída da 1m'agem do homem, constitumdo a categoria do hu~
terapêutico como proposta para o mundo contemporameo -
mano. . . e do demasmdamente humano.
e sabemos que esta proposta obteve éxito espetacular (sm'to-
mática, nos Estados Um'dos, a d1f'usão do livro de V1k'tor Neste manual teórico-prático aprendese, portanto, a
Frankl, À procura de sentido, com reflexos até no conhecido “mensagem” e o “modo” de ler a mensagem. Aprende-se que
“corm'cs” do ca'oz1nh'o Snoopy. . .) - não é nossa preocupa~ logoterapia é cura para a vida no “confronto com o logos da
ção. O que pretendemos em particular com a tradução do Existência”, com o sentido da verdade do homem
livro de Elisabeth Lukas, prm'cipal representante hoje da lo- Há em toda esta aprendnagem de leitura pelo método
goterapia, é trazer uma contribuição de peso para que aque- logoterapêutíco, para se obter o sentido do homem e da vida,
la idéia e aquela prática tenham uma larga aceitaçao' tam- um mundo de m'spiração e de propostas para os responsáveís
bém entre nós, brasileiros. pela educação da juventude e pela Educaçao" Permanente do
nosso povo. Por isso, sentido é também direçao', orientaçzw~
Pretendemos, assim, no pórtíco desta Edição, acenar
no rumo de um cammh'o, de uma mudança, até mesmo da
com uma grata surpresa para os leitores. O leitor me'd1'o,
superação de situações estagnadas ou deten'oradas.
que está habituado a ler as mais díversas matérías, vai afmal'
aprender a “ler" neste livro o próprio “livro” da natureza
humana, interpretar melhor a 1'magem do homem - a men- Dois motivos justüicam o título origmal da obra, men-
sagem - aí descrita, para, entao', procurar o sentido da tido na Edição Brasileira - “a força desafiadora do espíri~

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to”, um velho conceito-chave da logoterapia desde seus pri-
meiros traços, esboçados por V1k'tor E. Frankl há meio sécu-
lo. Sigmf'i0a que “o homem, por força de sua d1m'ensão es-
pirituaL pode encontrar sentido em cada situaçao' da vida e
dar-1he resposta”. Por outro lado, convém, desde o 1m"cio,
pôr em destaque o termo “espírito", cuja extensão se escla-
recerá a_partir das exposições da Autora: o leitor percebe
PREFÁCIO
que é a Existência (concreta), o Eu, a Consciência, ou seja
(apesar da aparente contradiçao'), o Esp1r'ito Inconsciente
(Geist).
Fma1m'ente, releve o leitor brasileiro, as peculiaridades
da obra. Embora o estilo de nossa Autora seja bastante didá-
tico e comum'cativo, e faça ela recurso a muitas e excelentes
ilustrações no texto, foi também prec1s'o lançar mão, aos pou-
cos, de uma termmologia cientüica e técn1'ca, com que aliás
o leitor logo írá fanúlianz'ando-se. Ela faz também largo uso “A chave para conhecer a essência da vida consciente da
da lm'guagem axiológica; e isso se deve ao fato de estar vu1- alma está na região da inconsciência.” Com esta sentença
garizad0, no espaço alemão, muito mais do que entre nós, o inicia Carl Gustav Carus (1789-1869) seu livro sobre a alma
vocabulário em tomo do conceito de “valor" (Wert) -- a (Psyche, 1846). Lê-se hoje com freqüência que Sigmund Freud
adjetivaçao' “de valor”, expressões como experiência de valor, (1856-1939) descobriu o 1n'consciente para a psicologia e a psí-
f1x'açao' de valor, valoraça'o, valonz'ar, avaliar. . . Convém lem- coterapiaL Porém, há que volver à história da cultura para
brar, a1n'da, que “carát;er”, numa acepção tradicional para a constatar que, na contmuidade da reflexão e do pensamento
Autora, nunca é um conceíto ético, e está em contraposição humano, sempre foi “vista” e reconhecida como realídade
com o conceito de “personalidade", este sim, sempre ético. insofismável uma esfera do psíquico desprovida de consciên-
c1a', nao' ilununa'da pelo projetor de nossa consciência. Na
verdade expljcava-se distmtamente essa esfera com a ajuda
E se os esforços editoriais têm também um “sentido”,
da representação plástica de nossos conceitosz ou se pensa-
este será o de estabelecer um encontro proveitoso com os
va, e se pensa, num campo da consciência coordenado, su-
leitores.
bordinado ou superordenado a ela, ou se fala também de
uma “profundeza” no m'timo da alma, algo “existente” por
José de Sá Porto
trás dos conteúdos de consciência, algo que se dá a conhecer
Tradutor
em sua ação sobre a consciência.

Sempre que se fala do interior do homem, ou me1h0r,


do seu mais m'timo, trata-se do fundo radical primariamente
m'consc1'ente da alma, o ponto nuclear daqtúlo que é pro-
priamente humano. Fora da consciência opera uma base
pnn'cipal de processos biológicos que só em limitada pro-
porção penetra nossa experiência conscíente, mas desenca-
deia correntes e vibrações capazes de mf1'uir e que 1nf1'uem
m'calculavelmente em nossa consciência.

Acrescenta-se o imenso tesouro das 1m'pressões oculta-


das à consciência, das lembranças e das ilusões, que não
de1x°am de ter 1nf'luxo sobre o processo da consc1'ência. Mas

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há também os pressupostos d1f'erenciados das capacidades tas todas as d1m'ensões da experiência de valor sao~ m'terpre
criadoras e autoformadoras que “dormítam em nós", e há tadas por ele através da d1n'àmica ms't¡n'tual (tn'ebdyna-
as forças do espírito. O todo - e o detalhe muito mais -
mzs'ch).
faz parte do nosso m'consciente. Nele também está sempre
o fundamento do que constitui o mistério do homem, o O conceíto de m'consciente, extraordm'armm'ente "redu-
enigma do ser individual, o propriamente humano, portan- ciom'sta” (restn'tivo; em todo caso, setorial), segundo Freud,
to a essência do homem e de nossa humanidade. Porque ems'- necessita de completar-se e ampliar-se até as esferas das
te este humano, o humano no homem, e só porque ele ex15'- forças m'conscientes, portanto das que se fazem perceber
te, é que nossas reívm'dicações dos direitos do homem e da no ma1s' m't1m'o do homem - que funcionam em compasso
dignidade humana encontram sua apropriada just1f'icativa. com o jogo dos 1m'pulsos. Na profundeza da alma nao~ apenas
Dentro do sistema religioso de valores é am'da nesse caráter a libido 1m'pulsiona o seu arbitrário jogo mas locahz'am-se
humano que se encontra o “elemento div1n'o no homem". aí vários e muito d1f'erencíados impulsos pnnu"tivos e emo-
ções d'alma que constituem e poe'm em marcha o conjunto
Por que estamos aqui abordando esses tópicos? - Tra- da vida e o centro da elaboraçao~ de experiências vitals' -
ta-se de um encammh'amento ao conceito de espírito que foi conjunto este sempre carregado de confh'tos, mais ou me-
acolhido no título deste livro e deverá ser conduzido de nos antagomsta mas também em grande parte auto-regu1a-
modo sistemático até o fm'al. Mas antes de tudo trata-se de dor! Se a sitmção da alma 1'rá desembocar numa evolução
esclarecer o sign1f'icado do conceito de inconsciente. A teo- bem sucedida e fehz', ou ao contrário num fracasso e talvez
ria do m'consciente, de Sigmund Freud, nao' é uma descober- numa tragédia, depende, por um 1ado, de muitos fatores
ta “no" homem, mas sun' uma criação “de” Freud. Isto pre- (1n'ternos e extemos), e por outro lado, de forças m'depen-
cisa ser aqui explicado em pr1m'eiro lugar. Freud 1m'ag1n'ou dentes que formam a vida e podem superar os reveses da
o modelo do Trieb (drive, 1m°pulso), a teoria do aparelho sorte. NLma condiçzw~ em que ms'tm'tos e necessidades estao'
psicológico, a doutrm'a do desenvolv1m'ento da libido, espe- presos à natureza, os cammh'os da satisfação humana de ne-
cialmente o complexo de Édipo, e também o conceito de cessidades (e também da djgm'dade humana) estão sempre
narcisismo (pormenor1z'adamente, mas na verdade maís em subordma'dos a um espaço de h'berdade. Mas para achar “em
termos enaltecedores do que críticos, no livro Psychologie h°berdade” esse cammh'o certo é precls'o prestar atençao~ na-
des XX. Jahrhunderts [= psicologia do séc. XX], vols. 2 queles processos, ex15'tentes em nosso m'terior, que assomam
e 3: “Freud e a contm'uação”, Mum'que, 1976). Na medida
à consciêncm como manüestações do senso moral m'terior
em que exístam na base dessas criações psicanalíticas tam-
ou como percepções da a1ma. Além dísso, está em jogo tam-
bém experun'entos, e portanto “achados” esclarecedores, aí
bém conservar abertura para o que dlz' nossa razão, com
se tratará simplesmente de setores, de aspectos particulares,
seus cn'térios de autocompreensão e de compreensao' da
ou de constelações de casos 1s'olados. Apromm°adamente,
vida, para experun'entar toda a força viva daquüo que Franlcl,
estes não apresentam uma just1f'icativa da reiv1n'dicaçâo ge-
ral do pathos (pseudo) cient1f'ico, tornado moda, com que a já em 1949, colocava no centro de suas preocupações psico-
teoria psicanalítíca é defendida, em parte pelos psicanalistas terapêuticas como a força desafwdora do espírito e a von-
tade de sentida Está em jogo a orientação para um honz'on-
de modo muito ortodoxo, ou por seus seguidores, de modo
muitas vezes mais superficial-formal. Para d1f'usao~ da psica- te de valor, trata-se da liberdade do homem, radicada na
nálise, na verdade, muito favorece o vento em popa da vul- consciência da responsabm"dade. Mas nao~ se trata de conteú-
ganz'ação popular-cient1f'ica e a jornalística. Quase sempre dos de fé, nem de fé nns'sionána'. Nao' se trata de salvação
o método psicanalítico degenera em pura m'terpretação, e o da alma, e sun' da saúde da alma, se bem que ambas as in-
respeito pelo homem, que os psicólogos de antanho, até o tenções não se excluam, mas na melhor hipótese até se com-
tempo de Carus, am'da tmh'am, põe-se totalmente a perder. pletem.
Vem a propósito que Freud - e ass1m' fica também claro Se na vida aparecem envolv1m'entos problemáticos e se
quanto elemento humano se desperdiça com ele - se consi- se manüestam insuportávels' os sofnm'entos mternos e opres-
derava “um dos piores 1mxm"'gos da relig1a"o”. Afma'l de con- sões de angus'tIa' e desespero, se cal o homem em situaçoes'

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extemas de sofrimento, ou não consegue superar os reveses seu sofr1m'ento interior e sobre as possibilidades de supera-
da sorte - é válído, entào, prestar ajuda eficaz, a fim de ção, acha-se em grande parte em harmonia com o modo de
tomar não só visíveis mas utihz'áveis na prátíca as fontes compreensao~ do homem, a 1ma°gem do homem e as perspec-
de auto-regulação, m'staladas e encobertas nas “profundezas” tivas psicoterapêuticas que Viktor E. Frankl apresentou
da alma. Nesse trabalho, não se trata de fazer análise do sob a denonun'ação de “logoterapia”, ilustrou e documentou
fatahs'mo dos nn'pulsos, segundo a perspectiva voltada ao com estudos de casos. Franlcl entende também este seu con-
passado, mas em primeiro lugar de chegar a alcançar uma ceito como “análise da exísténcía”. 0rigma'riamente falava ele
“f1x'a.ção de fm's" prospectiva (voltada para a frente), uma em “cura d'a1mas médica” (1.' ediçâo do livro com esse tí-
reorientação m'ten'0r, e, com isto, uma rea11z'açao' propícia da tulo, 1946). Na prátíca, fazia-se referência a uma psicotera-
vida e do sentido. pia orientada ao sentido, uma ajuda para se achar o cami-
nho do sentido, ou uma abertura das fontes de compreen-
Perdeu-se em grande parte a compreensão do sentido são do sentido, no homem, Assun', firmou-se também a idéia
de nossa vida. A fmstraçao' ex15'tencial poderia ser a causa de que o homem não é só servo de seus ms'tintos, ou pr1s'io-
extremamenbe d1f'usa do sofrímento, em nosso tempo. Mui- neiro de suas angústias e compulsões, mas que também lhe
tos de nossos contemporan^eos sofrem um'camente pelo fato é d1'spom'vel a liberdade de encontrar o cammh'o para uma
de viverem, ou de lhes serem 1m'postas exigências de vida. integração, cheia de sentido, de tudo que é humano. Neste
De resto, todo problema da vida pode também ser visto co-
sentido são humanos não em último lugar todos os ms't1n'tos
mo crise de compreensão de sentido. Quem tem problemas
e angus'tias, na medída em que não resultam de uma enIer-
sexuaís, não só perdeu muito de sua naturalidade como tam-
midade do espírito.
bém não acha,' muitas vezes, o essencial da compreensão de
sentido em sua v1'da. Quem se extraviou por outros 1m'pas- Trata-se de superar a “psicología sem espírito”, despa-
ses neuróticos ou busca saída no álcool ou nas drogas, para char as estreitezas racionalistas da imagem do homem na
ele alguma coisa de sua compreensão de sentido da vida sem ps¡'cologla', revalor1z°ar o homem como personalídade ético-
dúvida está perdida. Alguns poucos sofrem com suas aber- -espiritual, e ao mesmo tempo opor ao sofrun'ento humano
rações; aí também é d1f'íc1l' prestar auxí1io. Mas se se pr0- e à condiçao' psíquica de sofnm'ento - as forças do Espiri-
curam conselho e ajuda, será proveitoso e tem utilidade o tual bem compreendído, ou seja, a força desafzudora do es~
patr1m'ôm'o do pensamento de Viktor E. Franch pírita
Uma perspectiva terapêutica tao' bem fundamentada de- A esta altura, gostaria de fazer uma recomendação.
ve aparecer nas condições atuais da psicoterapia como um Os leitores que se confiarem à direção m'teh'gente, tao~ huma~
progresso substancial, mesmo que sob o an“gulo histórico na e engajada quanto clara e vivaz de Elisabeth Lulcas, terão
muita coisa tenha sido apenas redescoberta ou apenas re- sem dúvida oportumdade de vir a conhecer melhor o homem
elaborada. e a si mesmos; descobrirão canúnhos que são adequados
O que foi expresso de modo claro e didático por emi~ para ajudá-los a sair de 1m'passes neuróticos, das f1xaço"es
nentes pensadores, na história da humam'dade, com relação psicopáticas e atitudes de abatlm'ento, até mesmo da situação
aos fms' da reahz'ação da vida e da superaçao~ do sofrlm'en- de vazio m'teríor - com a convicção de que “Mmh'a vida tam-
to, em parte no estilo conciso dos aforismos ou das imagens bém tem (novamente) sentido".
elucidativas e consistentes, em parte em obras de alto teor
intelectual - poderá sem d1f'icu1dade m'corporar-se ao qua-
Paul H. Bresser
dro, aqui esboçado, de uma compreensão do homem, como
também “valonz'ar-se” na prática terapêutica quot1'd1an'a. Professor universítáüo,
Muito do que os grandes educadores da humanidade, que psiquiatra e psicólogo
foram os Estóicos, até Friedrich Nietzsche ou Martin Buber,
e não só os fundadores de religião mas também os poetas Colom'a, RFA,
clássicos, disseram e escreveram sobre o homem, sobre o janeiro de 1986

14 15
primeira parte

A IMAGEM DO HOMBM
SEGUNDO A LOGOTERAPIÀ
1
CLASSIFICAÇÃO E AXIOMÁTICA DA LOGOTERAPIA

Na medida em que todo mal~estar e mlsérla


de hoje se reduzem a um sentlmento de vazio
ou talta de sentido, é preciso salr a campo
contra esse vazio de sentido levando uma dou-
trina de sentido.
Viktor E. Franlcl

Que é logoterapia?_
Iogoterapm° é, em seu aspecto prm°cipal, uma forma de
psícoterapia, cnada' pelo psiquiatra e neurologls'ta víenense
VLk'tor E. FrankL Ela pode ser classüicada, em meio à va-
riedade atual de métodos de cura, sob dois pontos de v15'ta.

1.°) De acordo com W. Soucek, a psicoterapía de V1k'tor


Frankl é chamada a “Terceira Escola de Psicoterapia de Vie-
na”, enquanto se deve considerar a psicanálise, de Sigmund
Freud, a “Pr1m'eira Escola de Viena”, e a Psicologia Indivi-
dual, de Alfred Adler, a “Segunda Escola de Viena”.
Uma fórmula simples serve para destacar cada uma das
três orientações:
Sigmund Freud descobriu, no homem,
a vontade de prazer;
Alfred Adler descobriu
a vontade de poder,
e V1k'tor E. Frank1,
a vontade de sent2'do.

Na realidade. esses são apenas slogans simp11f'ícados que


nâo podem levantar a pretensão de fazer justiça a cada uma

19
dessas orientaçoe's da psicoterapia. Representam puramen~ técnicas da “psicologia humanística”, como vem sempre su-
te auxílio mnemotécnico para acentuar de modo particular blínhando V1k'tor FrankL A saber, ela nao~ reconhece a auto-
-reahz'ação como a meta mais alta da existêncm humana, con-
as áreas típicas de investigação. As teorias abrangentes de
Freud concentravam-se na vida ms'tm'tiva do homem, em cujo forme foi declarado unanimemente pelos defensores da “psi-
ponto central está o 1m'pulso sexual (a tendência ao prazer) cologia humanística”, mas contrapõe~lhe a autotranscendén~
cia do homem 0 que se quer dlze'r com lsso', ainda há que
e cuja repressão passa a ser fonte de distúrbios psíquicos.
dls'cutir-se; por enquanto deve-se ter presente que a logote~
Adler m'vestigou, antes de tudo, a relação do 1n'divíduo rapia, certamente sob condiçoe's, pode ser levada a tazer
com o ambiente social e deduziu o desejo de poder do sen- parte da “psicologia humanística", mas ao mesmo tempo ul-
t1m'ento de mf'erioridade e de sua supracompensaçao'. FrankL trapassando-a.
fm'almente, vê no homem um ser que quer moldar sua vida
sigmf'1'cativamente, ou seja, segundo um sentido, e poderá Novamente, aqui há uma fórmula s¡m'ples para destacar
adoecer psiquícamente se for frustrada esta sua “vontade as diferenças - segundo a classüicação norte-amen'cana -
de sentido". dos ttés grandes agrupamentos de psicoterapias. A saber:

2.°) Segundo certos compen^dzo's norteamericanos, a a psícanáhse' considera o homem


logoterapia é classüicada como “third force" (= terceira for- um “ser abreagente";
ça) da psicoterapia, e portanto também como uma terceira
a terapia do comportamento considera o homem
orientação, mas num sentido um pouco d1f'erente. É que nos
um “ser reagente”;
Estados Unidos a “psychoa.nalysis” passa por ser a “first
force" (pr1m'eira força), a “behaviortherapy" como “second a logoterapm' considera o homem
force” (_.- segunda força) e a “existent1a1“ psychiatry” como
um “ser agente”.
“third force" (-_ terceira força). Ou sejaz psicanálise, tera-
pia do comportamento e psiquiatria existencíaL sendo que
Evidentemente, esses sâo também meros slogans sim-
esta ul't1ma' tomou~se conhecida na Ehlropa com a denomm'a- phf'icados, um jogo de palavras mnemotécnico que con515'te
ção de “psicologia humanística”, termo criado por Charlotte
em supnm1"r cada vez um pref1x'o. Ab-reagir representa a di-
Bühl'er. Sob esta expressão ahnh'am-se muitas técnicas mo-
nâmica dos 1m'pulsos (dríves) com que prevalentemente se
dernas de psicoterapia, como, por exemplo, psicoterapia do ocupa a psicanáhse'; reagir, os mecams'mos de condiciona~
diálogo, terapia da Gestalt, psicodrama, anáhs'e transacional
mento e de aprendzzag'em que a teraph do comportamento
etc. A logoterapia é também íreqüentemente entendida como
essencialmente dls'cute; e o ljvre poder de agir evoca o axio-
parte da “psicologia hmnams'tica”. Embora seja, este o caso
ma da liberdade da vontade no homem, muito tarde aceito
mormente nos Estados Um'dos, ela se distmgue fundamental- na psicologm e só exammad'o a fundo na logoterapía.
mente, num ponto essencm de sua conceituaçao', de todas as
0 gráfico dos dois esquemas de classüicação serve pa-
ra ilustrar a idéia de q'ue as três escolas de psicoterapia
de Viena sao', lado a lad0, bastante equivalentes, ao passo
Quem desse modo estabelece para si a meta da auto- que a class1f'icação norte-a.men'cana mostra uma nitida evo-
-reahza'ção não se dá conta ou esquece que o ho-
lução estatística de tendências. É que, enquanto a psícanáli~
mem, a/2'nal, só pode reahza'r-se na medida em que
se nos Estados Um'dos atualmente passa mais e ma¡s' a se
realzza' um sentido -- fora, no mundo, e não em si
gundo plano, e enquanto a terapia do comportamento ocupa
mesmo. Em outras palavras, a auto-realtza'ção prz'-
uma posiçao~ média, a “psicologia humams'tíca” 1n'unda o
va-se da jmção de um fim na medida em que se apre-
mercado com a van'edade de suas exbensões terapêuticas, se
senta como um eleito secundário daquilo que eu assun' podemos expressar-nos. Dela faz parte, nao' lhe per-
chamo a “autotranscenden^cw'” da existen'cu1' huma- tence de todo, a logoterapia, que, como foi mencionado, dis-
na. (Frankl, 1)
tm'gue-se numa perspectiva básica essenciaL

21
20
var um ritmo de desenvolv1m'ento de cerca de dois decênios
ankl 1905
que, para a logoterapia, é, com relativa tardança, assmalado
em 1980, ' mas faz supor que será ela a 1n'troduzir-nos ao
século 21, no espaço médico-psicológ1'co.
Adlcr 1870-l937 A isto se referia o que Gza'mbattz'sta Torello certa vez
Escolas de entendía d1z'er - que a logoterapia seria o u1't1m'o sistema
psicoterapia Psicologia Individual completo na história da p51'coterapia. “Completo" neste con~
de Viena texto signüica que a 10goterap1a' apól'a-se como arte de curar
qud 1856- l939
numa imagem completa do mundo e numa unag°em comple-
ta do homem. Ela é como que sustentada por três colunas,
e, se queremos dar nome a cada uma delas, seria, conforme
Franklz
apanirdc 1980

Liberdade da vontade Vontadc de semido Sentido da vida


w w w
axioma não axioma axioma
Psicologia Humanística
(veriñcável)
Morcno, Allpon. P›^I.'¡.sl'crwy Bnhl"er.

Rogcrm Boss, Pcrls. Cohn e omms


Duas dessas “colunas” sao' axiomas, e portanto são pres-
supostos de todo o sistema do pensamento e não dependem
mhecidalpttúdelW
de prova; a terceira “coluna”, porém, referese a um dado
Classiñcação
de fato totalmente verüicável e repetidamente demonstrado
norle-americana em muitos estudos cientüicos. É aquela “vontade de senti-
Terapia do Componamento
Wnsom Wolpc. Eyacnch da psicoterapia do” tao' orig1n'an'amente própria do homem que a logotera~
Skinncn p1a', “terceira escola de Viena”, descobriu por primeiro, como
Turrlcr, hunls, BandunL Kanfcr c oulms v1m'os atrás, em nossa primeira fórmula geraL
oonhec¡da' I panh de l920
Vamos exammar cada uma das três “colunas”.

Psicanálise 1. A reflexão sobre o axioma da “11'berdade da vonta-


hud c discípulos
de” vem já de Iml'êm'os. Filósofos e pensadores de todas as
épocas vêm colocando a questao' - de que modo o homem

Frankl escreveu suas obras mals' importantes dep01s' da II


Guerra Mund1a1, e elas obtiveram grande ressonâncla, especialmen-
te nas universidades norte~americanas. Além disso, seu llvro "Mnn's
As datas ao lado das Escolas de Viena referem-se ao nas- Search for Meaning" (_-0 homem em busca de sentido) tomou-se
cimento e morte de seus fundadores, enquanto é de obser- um dos sucessos mais populares nos Estados Unidos. Mas levou
algum bempo para começar a impor-se, nos circulos especiahz'ados,
var que V1k'tor E. Frankl celebrava o seu 80.° aniversário
a utihza'çâo prática da logoterapia. Nesse sentido deu-se o pnm'elro
em pleno vigor no momento da publicação deste livro (1986). impulso no 10 Congresso Mundlal de Logoberapia, em San Diego,
As datas na class1f'1'cação americana, ao contrár¡'o, não são Callfomh (1980).
idênticas às datas de vida de cada um dos representantes e No espaço de 11n'gua alemã foi o 39 Congresso Mundial de Logo~
da fundação, mas apresentam uma maneira sun'ples de co terapia, reahz'ado na Universidade de Ratisbona (1983), que desper-
tou o interesse dos especialistas alemães.
nhecer o momento a partir do qual determmado pensamen-
Os quatro Institutos de Logoterapia ex15'tentes no espaço alemao'
to terapêutíco começou a genera11z'ar-se. Podemos aqm' obser- sâo: Hamburgo (1982), Bielefeld e Viena (1983), e Munique (1985).

22 23
é realmente “livre”. De acordo com a concepçao' da logote-
rapla', a liberdade da vontade é dada a cada homem pelo Em outras palavras, sentido é algo objetivo, e 13'to é
menos potencialmente. Obvíamenbe, ela pode em tempos so- não somente expressão de minha concepçao' do mun~

iv
trer restrições por doença, 1ma'turidade, semh"dade etc., o do privada e pessoal, mas também o resultado de
que em nada altera sua potencialídade fundamentaL Segue- m'vestigaçao' psicológzc'o-e.rperimental. Max Werthei-
-se daíz mer, um dos Iundadores da Psicologza° da Gestalt,
fez ezpressa referêncm ao jato de que é inerente
A logoterapm
a toda situação um caráter de eng'encza^', mesmo o
é uma psicologm nao' determ1'nw'ta. sentido que a pessoa, confrontada com essa situaçao',
tem de realzza'r. Segundo ele, as “e:m'gen'czas' da si-
O conceito do homem segundo a logoterapw° está tuaçao'” tem^ de ser abordadas como “qualidades
apow'do em três colunas - a liberdade da vontade, objetivas”. O que eu chamo vontade de sentido che-
a vontade de sentido, e o sentido da vida. A pri- ga a ser, me parece, uma compreensão da estrutura.
meira delas, a liberdade da vontade, está em opo- James C. Crumbaugh e Leonard T. Maholick defi~
s;ç'ão a um princípio que caracterm a maior par- nem vontade de sentido como capacidade propna'-
te das abordagens atuazs' ao homem, a saber, o mente humana de descobrir estruturas de sentido,
determims'mo. Na verdade, porém, está em oposi- não só no real mas também no possíveL (Frankll, 3)
ção somente ao que costumo chamar pandetermi-
ms'mo, porque falar em liberdade da vontade nao' 3. 0 axioma do “sentido da vida” leva as convícçoes~
implzc°a, de qualquer maneira, um indeterminzs'mo logoterapêuticas à expressao' de que a vida tem um sentido
a pr1'on'. Alinal, liberdade da vontade significa lz'ber- m'condicíonal e que, também, nâo o perde de mane1ra' ne-
dade da vontade humana, e a vontade humana é a nhuma. Na verdade o sentido da vida pode às vezes fugir à
vontade de um ser finita A liberdade do homem compreensao' humana. O carátet sigmf°icativo, ou de sentido
não é estar livre de condições, mas, antes, estar da vida, é algo entranhado no homem que sente cada vez o
livre para tomar uma posiçao~ em quazs'quer con- que é novo, éalgo que se faz pressent1r'. Segue-se daíz
dições que porventura o cerquem (Frankl, 2)
A logoteraprm
2. A “v0ntade de sentido” está no centro do conceito é uma concepção positiva do mundo.
logoterapêutico de motivação; este conceito quer d1ze'r que
é profundamente m°erente a todo homem uma tendéncia Nao~ há situação na vida que realmente seja sem
para o sentído e a busca do sentido. Esta orientação ao sen- sentida Atribui-3e :s'to ao jato de que os aspectos
tido conSIS'te numa parte “m'terior" (tendência para a rea1i- aparentemente negativos da existen^cza' humana -
em particular aquela tríade trágica que reúne so
zaçao' do sentido) e numa parte “exten'or" (caráter sigm'-
frimento, cuLpa e morte - também podem ser
fícativo, ou de sentido, da situação), ambas as quals' se
transformados em algo positivo, numa realtza'ção,
aproximam mutuamente. Se a orientação humana ao sentido
se se vier ao encontro deles com atitude e postura
for reduzida por doença, lma'tun'dade, senilidade etc., o que
correta. (Frankl, 4)
pode acontecer, trata-se, geralmente, maís de uma perturba~
çao' de percepção da parte “exterior” e menos de uma
Confonne o gráfico segum'te, cada “coluna” correspon-
nujção da parte “m'terior”, a qua1, como motivação primária de a um dos elementos discíplmares essenciais da logotera-
do homem, sempre permanece, mesmo em caso de doença. pia: “1iberda.de da vontade” é o fundamento da 1mag'em do
Segue~se dníz homem, e assun' lhe fomece também os fundamentos antro
pológicos; a “vontade de sentid ” é ponto angular e ponto
A logoterapm
de partida de sua ciência de curar, e representa por lss'o o
é uma psicoterapm centrada no sentido. prmcípio psicoterapêutico; e o “sentido da vida”, que perten-

24 25
Logoterapía como um doente ser tratado, operado etc., pelo médico; e de oerto
poderia até de1x'ar-se morrer. Nao' se pode demonstrar cien-
tificamente que um prolongamento da vida seja uma vanta-
ANTRO- PSICO- gem para ele; ao contrário, em face da supezpopulaçao' da
POLOGIA TERAPIA terra, uma argumentação puramente científíca poderia ter
para ele um resultado muito negativo. É perigoso colocat em
dúvida esse axioma, porque poderia rapidamente recrudes-
+ cíência da cura imagem o mundo
cer a idéia de “vida sem valor”, que nega às pessoas idosas,
imagem - o homem
__.1__ deficientes ou esqmz'ofrénicas o direito à vida. É mtocável
LIBERDADE VONTADE SENTIDO o axioma do valor da vida; na Iogoterapia ele é am'da com-
DA VONTADE DE SENTIDO DA VIDA pletado com os componenbes da natureza sigmf'1'cativa da
vida.
Mais controvertido é sem dúvida o outro axioma da lo-
goterapia - a liberdade da vontade, no homem Mas mesmo
quanto a isso, toda psicoterapia deve ao menos pôr-se de
acordo sobre uma certeza básica, 1s'to é, de que o paciente
é capaz de mudança. Sem este pressuposto todo esforço te-
rapêutico certamente seria de anbemão sem sentido; ele nâo
ce à 1m'agem do mundo e à filosofia da logoterapia, o cará-
tem que ser demonstrado, mas s1m' explicitado.
ter signüicativo m'condicional da vida, dado em toda situa-
ção humana.
Certamente a logoterapza' e a análise exzs'tenc¡a'l
No presente compêndio nós nos ocuparemos pnn'cipal-
procedem da prática clim'ca; mas é z'nem'ta'vel que
mente das possibílídades da logoterapia como cien“cza' de
ambas desemboquem numa teona' metaclímc'a como
curar, não obstante seja m'dispensável, para o sucesso de sua
a que se acha implicitamente na base de toda psi-
metodologia, conhecer, pelo menos em destaques, os traços
coterapza'; e teom quer sz'gm'fzc'ar ms'ao', ou seja,
fundamentais da 1m'agem do homem que ela adota: assun'
visão de uma imagem do homem Deste modo /e-
como é mdíspensável apresentar a una'gem do mundo da
cha-se o círculo, tanto mals' que a prática clínica
logoterapia, na prevençz«›.o~ e no trabalho de acompanhamen-
alzas" sempre está enormemente determinada e in~
to ulterior para assegurar uma redução na quota de recaída
fluenczhda pela imagem do homem que o médico
dos antigos pacientes. Pretendo m'troduzir m1nh°a exposíção
traz ao atender seus clientes, por pouco que seja
sobre a teoria da neurose segundo a logoterapia com uma
controlada. De fato toda psicoterapm tem lugar sob
breve sistemat1z'ação de seus fundamentos antropológícos, e
um hom'onte a priori. Na base sempre há uma con-
faze-'la termm'ar com uma vista d'01hos à sua estruturação
cepção antropológica, por menos que tenha com-
f11'osóf1'ca.
ciêncm da psz'coterapw'. (Fra.nkl, 5)
Antes, porém, de explicar a 1mag'em do homem na 10go~
terapia, temos am'da de esclarecer uma questão que não raro
é colocada. Trata-se de saber até que ponto é cientüico o sis-
tema de pensamento que assenta sobre dois axiomas (m'de-
monstráve15'). Há que referir nao' só 0 fato de qualquer psi-
coterapia ter seus axiomas especüicos, como também o de
toda medicm'a enquanto ciência da saúde - e não um setor
de pesquisa - precBar de ao menos um axioma. Que é pre-
c1s'amente o segumtez “A vida vale ser conservada”. Consi-
dera-se que sem este axioma não haveria razão alguma para

26 27
de, m'teresse prático e artístico, pensamento criativo, reugio
2 sídade, senso ético (“consciêncla mora ”) e compreensao'
do valor.
Se class1f°icarmos os seres vivos da terra por sua partlci-
pação nas d1f'erentes d1m'ensões do ser, obteremos as seguin-
ESCLARECIMENTOS SOBRE ONTOLOGIA tes atribuições, em que formas mímm'as de transiçao' ticam
DIMENSIONAL m'teiramente no terreno da possibüidadez

plantas, amm'a.is, homens_-à corpo


am'mais, homens-_› corpo, psique
homens--› corpo, psique, espírito

Conclui-se que a d1m'ensão espiritual é a dimensão pro-


priamente do homem, “espec¡f'icamente humana”, também
chamada, na logoterapia, dimensão noética, por derivação
A 1mag'em do homem segundo a logoterapia traduz-se da palavra grega nous, noetos (= espírito, mente). As outras
na ontologm d1m'ensional de V1k'tor E. FrankL De acordo duas d1m'ensões, que o homem partilha com os animais -
com ela, o homem é um ser trid1m'ensional. As três d1m'en- d1m'ensa'o somática e chm°ensao~ psíqm'ca - estão muito bem
soe's sao': somática, psíquica e espiritual. Nao' é uma teoria conjugadas na logoterapia, e para d1f'erenciar-se são designa-
de tres“ estratos, porque as d1m'ensões penetram perfeita- das dimensões subnoéticas.
mente umas nas outras, assun' como as trés djmensões do
espaço, compnm'ento, largura e altura, penetram-se recipro-
camente. Não se poderm por exemplo afirmar que a d1m'en-
são espacial “largura” começa onde a d1m'ensào “compri- elevação acima
mento” acaba. Assun° é também na ontologia dimensionalz do campo
psicofísico no
em cada parte do ser humano tocam-se uma na outra todas
noético
as três d1m'ensões. V1k'tor Frankl fala em “unidade apesar
da variedade".

noética
A dimensão somáma defm'e-se da maneíra mais 51m'p1es:
nela coordenam-se todos os fenômenos corpora1s' do homem confluência das
duas dimensoe's
Ela abrange o fundamento celular orgànico do homem as-
subnoélicas no
51m' como sua estrutura vital fisiológica, m'clusive os proces-

Dimensão
campo psicofísico
sos qumu"cos e fls'icos que dela fazem parte.
Dimensão somálica
Dimensao' psiquica entendese a esfera da ex1$'tência do
homem com suas disposíções, sensaçoes', impulsos, m'stm'-
Como a logoterapia se ocupa particularmente da d1m'en-
tos, esperanças, desejos, aspiraçoe's etc. A esses fenõmenos
são noética do homem, emprega-se às vezes a segumte for~
psíquícos juntam-se também os talentos m'telectuais do ho-
mulaçãoz
mem, padrões de comportamento adquiridos, costumes
soc1als. A logoterapm é
Na dimensão espiritual locahza'-se a tomada de posição, 11'- uma psicoterapm do espirituaL
vre, em face das condiçoes' corporais e de existência psiquica.
A esse respeito, a logoterapia d1'st1n'gue-se m°tidamente
Acham-se aí as decisões pessoais da vontade, m'tencionalida-
das restantes escolas de psicoterapia, que dirigiram sua
28
29
atenção mais para a dimensão psíquica do homem, dedican- A logoterapia esforça-se por evítar essas falhas ao con-
do-se ao esclarecimento do instintivo sublimma'r, ou à hls'- siderar o espiritual como a dnn'ensão própria (propriamente
tóría da aprend1z'agem e do desenvolvimento do homem. dita, se bem que não um"ca) do homem e ao levantar a quesr
Todos os resultados aí recolhidos, experimentalmente com- tão - se, e como, se pode cultivar a mfl'uênc¡a' do espiritual
provados de antemão, concordam evidentemente, mas am'da sobre as outras d1m'en.sões para fm's de cura. Por isso, nao'
a nível bid1m'ensional. O mérito da logoterapia foi ter integra- negligencia de modo nenhum as outras d1m'ensões e reser-
do a terceira dimensão do homem na psicoterapia, que, an- va-se a participaçâo na pesquisa para saber até que ponto
tes de V1k°tor E. Frankl, tmh'a sido literalmente uma psico- as forças espirituais no homem podem contn'bu1r':
terapia “sem espírito". a) ao remédio de frustrações espin'tuats',
b) à correçao' de quadros mórbidos de doenças psi-
Em nosso esquema dimensional resulta da tridimen- quzcas,
sionalidade do homem que o que é propmmente c) ao alívío de sofnm'entos (psico)somáticos.
humano só pode manifestar-se quando ousamos en-
trar na dimensão do espirituaL O homem só é vi- Para isso ela está em condições de mostrar o trabalho
sível como tal na medida em que incluirmos esta de cerca de cm'qu"enta anos de 1n'vestigação do qual já foram
terceira dimensão na meditação sobre o mesmo: colhidos alguns resultados muito importantes. Enquanto a
só então deparamos com o homem como taL En- psicologia atual descobria prm°cipalmente “dependências
quanto a vida vegetativa do homem, sem maz's, po- psíquicas", a logoterapia traz1a' à luz numerosas “m'depen-
de ser explicada ainda na dimensão corporal, e sua dências espitituais”; enquanto a psicoterapia atual anahsa'-
m'da animal, a rigor, ainda dentro da dimensão do va “simulaçoes' neuróticas”, a logoterapia regístra “engaja-
psiquico - a easisten^cw humana como tal, a exts'- mento existencial”. De tudo isso segue~sez
ten'cuz' espiritual pessoal, nao' bate certo com esta A logoterapm
bidimensionalidade, ela não se ajusta a este “nível” é uma psicoterapza' complementar.
do puro psicossomatisma Nela, neste nível bi-
dimensionaL o homo humanus, ao contra'rio, pode Ela na realidade combm'a com a maior parte dos mé-
ser quando muito projetada Efetivamente, a natu- todos nao'-logoterapêuticos porque estes em sua grande
reza do que chamamos projeção consts'te em fazer maioria trabalham a nível mais bamo da existência do ho-
que uma dimensao~ sempre seja sacrificada, que, mem, ao passo que a logoterapia, como foi exposto, acres~
justamente, sempre se é projetado na dimensão se- centa a entrada nova para a dimensâo espirítuaL
guinte mazs' balz'a. O quadro segumte mostra a posiçao' da logoterapia do
ponto de vista da ontologia dimensíonaL Há métodos psico-
Esta projeção tem duas consequ"e1z'cza's: ela, primei-
ro, conduz ao equivoco; e, segundo, a contradições. “direção espiritual” tradicionaL
No primeiro caso, a razão dessa conseqüen'c1a' é a ÊWWM
dimensão d'almas" pastoraU
seguinte cz'rcunstáncw': o dilerente reproduz-se de noética Psicologia Métodos
modo igual numa mesma projeção; no segundo caso,
Humanística cognitivos
a razão é, de novo, dada no seguinte fat0: uma e a
mesma c01s'a em diferentes projeções reproduz-se de Psicoterapia Psicanálise,
modos diferentes. (Frank1, 6) tradicional terapia do comportamento
dimensão
psíquica Métodos de (treinamemo autógen0.
Ora, a psicoterapía não é pobre de equívocos e contra-
relaxação ioga, hipnose)
diçoe's, com suas muitas orientações d1f'erentes - ainda ho-
je ela se abate gravemente ao peso das conseqüências de Medicaça'o,
projeções m'admissíveis em meio as“ quais o que há de mais injeção electrochoque
dimensão
humano no homem veio a perder-se. somática

30 31
terapêuticopsiquiátñcos que são aplicados em campo so-
mático, como os psicofármacos ou os eletrochoques; há ou' O homem apresenta, por consegum'te, um ponto de
tros que são aplicados no psíquico, como as clas'sicas for- intersecçao“, um cruzamento de trés estratos do ser:
mas de psicoterapia -- psicanálise e terapia do comporta~ somático, psíquw'o e espirituaL Essas três camadas
mento; e há os que se locahz'am em campos intermedza"n'os. não podem ser bastante adequadamente separadas
A estes pertencem as técmcas de relaxaça'o, como o trem'a- uma da outra. Serza' falso d12'er: o homem “compõe-
mento autógeno, ou a ioga, ou os métodos de hipnose e su- -se” do somátzc'o, psiqmc'o e espiritual - pms' ele é
gestao', os quals' Iançam uma ponte entre o terreno somáti~ unidade e totalidade - mas dentro desta unzdad'e e
co e o psíquico. A “psicologia humams'tica” e os desenvol- totaltdade' o espiritual no homem “compõe-se com”
v1m'entos ulteriores da terapia (cognitiva) do comportamen- o soma'ttco' e o psiquzco'. E zs'to o que chamei anta-
to, ambos tendem, já, sobre a esfera psíquica, na díreção da goms'mo noopsíquzba Enquanto o paralelts'mo psi-
d1m'ensão noética. Contudo, até agora somente avançaram cofiszc°o é inwitáveL o antagoms'mo noopsiquw°o é
no terreno particular espiritual do homem a tradícional facultatw'o: ele é sempre só possibüuiad'e, pura po-
“direçao' espiritual”, parte da “cura d'almas" pastoral - tenczhlidade - mas uma potenczal'tdad'e para a qual
que na verdade passou um tanto ao segundo plano na gran- sempre se poderá apelar, e se deverá, e sem dúmda'
de cnse' religiosa do nosso tempo - e a logoterapia, como do lado médzc'o. Trata-se sempre de apelar para a
sistema de cura. “força desafzado'ra do espin'to” como eu a chamei,
contra a aparentemente poderosa condzçao" psicofi-
O quadro acun'a toma claro que a logoterapía não tem
stc'a. (Frankl, 7)*
a pretensão de curar todos os sofnm'entos do homem,
É óbvio que sempre se deve ajudar o paciente no nível em
que se dá o seu distur'bio, e pode mesmo ser que um pacien~ terapia a grande chance de sua “potência" antagôm'ca. São
te tenha de receber tratamento igualmente nas três d1m'en- os critériosz destino e liberda.de; susceptibmdade e m'tegri-
sões. Mas, para estarmos preparados a dar esse tratamento dade; on'entação ao prazer e orientaçao' ao sentido; e cará-
totahz'ante, nós precisamos de métodos de cura que vêm a ter e personah'dade. '
ser usados dentro da d1m'ensão noética do homem, e é a
logoterap1a' que preenche esta 1acuna. Ao lado deste plano, porém, está am'da outra m'tençao“.
Do que foi dito abé agora resulta m°equivocamente que a

wt<vgrw
Dessas explicações resulta quanto é 1m'porta.nte poder
logoterapia nâo adota nenhuma atitude de oposição às orien~
d1'st1n'guir uma da outra, a segunda e a terceira d1m'ensões
taçoe"s de outras escolas. É m'evitável, porém, que ela esbeja
- a d1m'ensão psíquica e a dun'ensao' noética - e não mis-
em decidida contradjção com todas aquelas teorias psico-
turar uma com a outra. (A pnm'eira dnn'ensão do homem, a
lógicas que negam fundamentalmente a d1m'ensão noética
dimensão somática, em comparação quase nunca cria obscu-
do homem, Pois, uma negaçao' da dun'ensâo noética 1m'por-
ridades.) Quem realmente quer compreender a logoterapia
ta, forçosamente. na atn'bm'çao" de todos os fenómenos espi-
deve fazer-se consciente do “antagonismo noopsíquico” que
em conseqüência de suas teses caracter1z'a a natureza huma- rituals' ao psíquico, e esta reduçao' da tercelra' d1m'ensao' à
na. Está em jogo nada menos do que a chance de uma com- segunda produz, conIorme a concepçao' da logoterapia, umn
posição fecunda entre psique e espírito. carícatura crítica do homem, e esta nao~ só toma pouco
digna de fé a ep1'stemologm' da psicologia e dn psicoterapia,
De um “antagom'smo noopsíquico" resulta que a d1'men- como pode Vtambém provocar danos ao paciente.
são psíquica e a dimensão noética do homem não estão
51m'plesmente lado a lado, mas se relacionam uma com a Neste comentáño aos quatro critérios de dls't1n'ção en-
outra, e às vezes estão em oposição uma à outra. Nos ca- tre espiritual e psíquico no homem, fareí ver aínda os im-
pítulos segtun'tes eu pretendo, usando quatro cn'tén'os de dis- passes ideológicos que surgem da reduçao' de um ao outro,
tm'çao', exammar um pouco maxs' a fundo os dois aspectos ls'to e', se o humano for den'vado* do subhumana Por en-
da ex15'tência humana, a fun' de tornar transparente à psíco- quanto damos apenas os nomes desses “becos-sem-saída”:

32 33
a) Negada a h'berdade do homem, o homem deve ser
considerado um joguete do destm'o_> pandeter-

b)
mims'mo;
de1xan'do de ver a “autonomia da exístência espir1'-
3
tual-m'tegra", o psícólogo vê mais o “automatismo
de um aparelho psíquícosusceptíveV (8)---> psi-
cologzs'mo; DIALÉTICA DE DESTINO vs. LIBERDADE
c) subestimando a orientação do homem ao sentido,
ele cai na tentação de interpretar qualquer motivo
como expressão de uma secreta necessídade com-
pulsiva __› reduciom'smo;
d) negando a personalidade de cada um, individuaL
mente, ele logo está pronto para julgar todos os
homens de acordo com o tipo de caráter a que per-
tencem_› coletivismo.
A psícologia cientüíca começou sustentando uma tese
determlm"sta, a de que a mf'an'cia deternun'ava, como desti-
24 dnn'ensao' 33 d1m'ensâo reduçâo erronea no, a vida m'teira do homem, PodJ'a-se explicar esta maneíra
do homem do homem da 3$ d1m'ensào de pensar pelo naturalismo do fma'l do século 19; era, na
“PSIQUE" “ESPIRITO" à 2$ conduz ao:
época, uma tendência comum aos nossos c1r'culos culturais
pandebermuü'smo o sentun'ento de andar-se à deriva. Na segunda metade do
B susceptibmdnde lntegndade psícolog¡s'mo século 19 tiveram lugar muitas descobertas que flz'eram nas-
cer esse sentxmento de dependência e abandono. Antes de
C orientação ao orientação ao reducioms'mo tudo, os progressos da astronomia, que pela primeira vez
sentido
trouxeram a consciência da mf'1n'itude do um'verso cósrm'co,
coletivismo onde a terra parece um grão de areia sem 1'mportâncía.
Apoiavam a nova 1m'agem do mundo os conhecun'entos so-
bre relaçoe's de classes sociais e de estruturas sociais tão
engrenadas que o m'divíduo passava a assemelhar-se a uma
mínúscula roda dentada numa irresistível maqum'ar1'a. No
século 20 o sentimento de andar~se à desgarrada foi novamen-
te estun'u1ado pelo rápido desenvolvimento da técnica, quan-
do tiveram origem modelos robotízados com os quais o ho-
mem se 1'dent1f'icou. Compreendia-se o homem mais e mais
como “um'dade" programada, como alguém que, desde a
1nf'a.n^cia - ou mesmo desde a vida no corpo materno -
reagia sucessivamente, à maneira do autômato, aos mfl'u-
xos armazenados.

Podem ser considerados como movímento de oposiçâo


a este auto-retrato os filósofos existencialistas (Kierkegaard,
Scheler, Heidegger, Jaspers, Sartre, Marcel), os qums' na
verdade se dividiram em dois campos - os mais afirmati-
vos da vida e os mais negativos da vida. Todos eles porém

34 35
consideravam o homem nao~ só como um ser “1ançado à mo se tem causas que possam ter sido truto de escolha. Mas
vida", mas como um ser que, depois de “1ançado à vida" como o “ter ansiedade” não é produto de escolha, no me-
tem de encontrar por si próprio a sua verdadeira entidade, mento de sua apariçao' é destm'o. Em contrapartida cai na
ass1m' reconquistando o pnn'cípio de ação. A logoterapía terceira d1m'ensão, na esfera do esp1'n'tual, a dec1sa"o sobre
tem suas raízes origm'árias nessa filosofia da existência, es- como se reagir à ansiedade - se levá-la a sério, se passar
pecialmente em sua forma afirmativa da vida. por cuna', se fugir dela, se a ela resistir. Havendo aí possibi-
lidade de escolha, há por consegumte liberdade.
Por mfl'uência dos f11'ósofos existenciahs'tas na logotera-
pia, chegou-se a uma retomada de consciência do elemento Notamosz não se é livre de ansiedade, mas de permane~
h'berdade espiritual do homem, não certamente de uma li- cer livre apesar da ansíedade.
berdade imune de quaisquer mfl'uxos, mas da liberdade para
tomar posição por parte sua, em face de todos os mfl'uxos, 2) Ezemplo da “infâncuz' infeliz”
para af1rmá'-los ou negá-los, para segui-los ou rejeitá-los.
Quem teve uma mf'an^cia mf'ehz' não está livre de suas
consequ"ências, mas é livre de tomar certas atítudes. Conhe~
Nós nao' negamos de modo algum a vida z'nstinti- cemos pais que d1z'em: “Eu levei pancadas, por ísso nâo sei
va, o mundo das pulsões no homem E assim como fazer outra coisa, quando estou com raiva, senão dar pan~
não negamos o mundo ezterior, tão pouco negamos cada. . .", e de outros pais, que d1z'em: “Como eu apanhei
o mundo interior. .. O que acentuamos é o fato de em cr1'a.nça, gostarm que os meus filhos vívessem melhor.
que o homem, como ser espirituaL não somente se Por isso, não vou educá-los com pancadas. . .”
encontra em oposição ao mundo - o mundo cir-
A educação é sem dúvida nenhuma um importante fa-
cunstante como o mundo intemo - mas toma po-
tor de mfl'uência, mas ela não é tudo. A partir de certo grau
sição em face dele, e que sempre pode de algum mo-
de amadurecimento há para cada homem liberdade de edu-
do “adaptar-se” ao mundo, pode de algum modo
car-se a si mesmo, e esta autoeduoação já não depende tanto
“comportar-se”; e que justamente este comportar- do “querer de seus pais” quanto pelo contrário de um “de-
-se é algo livre. Tanto em face do mundo natural e ve-ser que ele expenm°enta como seu próprio”. (Frank1)
do ambiente soc1.a'l (meio ezcterior) como em face
do mundo interior vital ps1'cofts'ico (ambiente inte-
3) Exemplo de “ações instintivas"
no'r), o homem toma a cada momento a posição de
sua exzs'ten'c¡a'. (Frankl, 9) O amm'al nao' pode agir contra os seus ms't1n'tos. Quan-
do por exemplo está com fome e avista ,a11m'ento de qual-
quer parte, ele é 1m'pelído a atirar-se para devorá-lo.( O ho-
Em que 1m'porta, concretamente, esse conceito de h'ber-
mem, ao contrán'o, pode estar com fome (destm'o), no en-
dade? Vamos exammá'-lo com três exemplos.
tanto pode oferecer a um companheiro o u1't1m'o pedaço de
pão que possuí (liberdade).
1) Exemplo da "ansze'dade”
Assun' o homem mostra-se como aquele ser que respon-
A ansiedade (na medida em que, agora, não se trata de em liberdade por suas condições de destm'o, e, fazendo-o,
daquela m'quietaçao' ex1'stenc13.'l por uma vida a reahz'ar, com
am°da tem de ser responsável por suas respostas. A v1s'ão
sentido), angus'tia, medo, é um sent1m'ento desagradável, por-
não-detemum"sta da logoterapia acarreta aceitação da res-
tanto algo psíquico, que pertence à segunda d1m'ensâo do
ponsabilidade e esta acarreta, em cadeía lógíca., culpabili-
homem. (Que o s15'tema vegetativo, portanto a pr1m'eira di-
dade.
mensao', é fortemente ligado com ela, nao' será aqui levado
em conta.) Tudo que acontece nesta segunda d1m'ensa.o' está
fora de escolha no momento exato do seu acontecer - mes-

37
36
Destino Liberdade
(passado; condiçoc"s biológicas, (dcnzro da 3-“ dimcnsão: mente o comportamento de uma pessoa. Segundo Frank1, o
psicológicas e sociais; dentro da atos da vontade c atitudcs intemas, homem nào é vitima, mas ao contrário co-plasmador do seu
2” dimensão: instintos, impulsos, tomadas de posição em face do
disposiçoe's) dest1'no. Infehzm'ente a “ideologia da vít1m'a” está muito es-
passado, cm face dc condiçoc's
biológicas, psicológicas c sociais) palhada na psicologia, isto é, a tendência, no homem, para
w w
a absolvição da culpa através da declaraçao' de dependência.
Levianamente a.firma-se, por exemp10, que um assassmo ti-
num dado momento não existe num dado momento existem nha que matar em razão de um sentimento de ódio reprimi-
nenhuma possibilidade de escolha possibilidades de escolha do longamente, e que ele próprio seria uma vít1m'a do seu

l
não há responsabílídade
l sent1m'ento, ou seja, daquelas circunstâncias que provoca-
ram o seu sentimento de ódio. ' A logoterapia tem certeza
de que, através de tais m'terpretações, o homem é degradado
há responsabilidade
a um ser bidimensional (0 que, talvez, seja, a mais dura

l
não cabe nenhuma escolha
l
pode caber uma escolha "errada"
“condenação” de um assassino!), pois, na 3.° d1m'ensão a
pessoa em questao~ toma, a m've1 do espin'tual, posição dian-
te do destmo e também diante de si mesmo e de seus sen-

l
timentos de ódio.

inculpabilidade*
l
possibilidade de culpa
Somente onde se crê ter de agir com um ser 1m'pel1'do
por condições m'temas e circunstan^cias extemas, controla~
do por forças m'conscientes, patolog12'ado por traumas pas~
Onde existem possibilidades de escolha, deve-se tam~ sados, numa palavra, com uma vít1m'a entregue ao seu desti-
bém responder pela escolha feita, e pode também acontecer no - somente aí é que tal ser será absolvido de toda culpa
que seja feita uma escolha não correta, ou “erra,da". Embo- e de todo erro; mas ao preço de uma 1n'terd1'ção espm"tual.
ra conceitos como “correto” ou “errado", “bom" ou “mau", É o caso em que o homem é considerado um boneco sem
na maioria das vezes, sejam evidentes ao senso ético, eles vontade, um “homo"-autômato, outro produto de hered1'ta-
são geralmente d1f'íceis de def1m"r. Por isso, na logoterapia riedade e meío, 1n'evitavelmente submetido a suas condições.
são substituídos pelos conceitos “mais ou menos s1'gmf'ica- Precisamente esta afirmaçao' está na base do pandetermims'-
tivos" (_- com sentido), a saber, por referência a um senti- mo, que cometeu o erro de não de1x'ar nada escapar a uma
do concreto. Culpa ser1'a., por exemplo, def1m"da como “es- interpretação detemum"sta (11). De fato, porém, sempre fica
colha contra o sentido”. aberta uma pequena margem de espaço pessoal de reallza'-
ção da vida humana, que não está comprometido. O peque-
:__:|A
humanidade chegou a um mazz"mo de conscz'en“- no saldo de nao'-predictividade, de m'determ1n'ação, do ho-
c1a' - de saber, de cien^cza' - e a um maxz"mo' de res- mem, pode ser demonstrado c1'ent1f'1'camente tão bem quanto
ponsabilidade; mas ao mesmo tempo chegou a um as relações que mfl'uenciam o destino humano.
minimo da conscien^cza' de responsabilidade. O ho-
A logoterapia torceu a velha posiçao' detemun1s"ta do pro-
mem de hoje sabe muito - mais do que nunca -
blema que faz o homem ser determma'do, e perguntou, sem
e é também responsável por muita cozs'a - muito
mais do que nunca; mas o que ele sabe menos do
que nunca é ser responsáveL (Frank1, 10) ' Esta critica nâo se reIere, evidentemente, a casos em que exls-
te m'capacidade de culpa por causa de uma psicose. Reiere~se, isto
sim, a casos como o seguinte exemplo típicoz Um sueco de 41 anos
A logoterapia só limitadamente adnüte desculpas psi- foi absolvido em razâo de um grave complexo de mâe, como toi dito,
cológicas. Em sua opinião um destino nunca explíca total~ após ter estrangulado a mulher e esfaqueado os do¡s' nlh'os. A Jus-
tiça mandou-o para uma ms'tituição psiquiátríca de onde saiu curado
dep015' de poucos meses. Foí buscar o dínheüo do seguro de vida
' Como, em face do nosso passado, nao' temos escolha para ma- de sua mulher e levou uma bela vida com a amiga por cujo motivo
d1f'icá-lo, nâo podemos ser culpados dele, o que nada diz sobre se esposa e f11h'os o estorvavam. ..
nele nos tomamos culpados, isto é, no tempo em que tínhamos pos-
sibilldades de escolha!
39
preoedentes, de onde vem aquele nao-e'hmmá"vel saldo de m'-
debennmaçao" que resta ao homem, na doença como na ne-
cessidade?. .. Ora, ele vem do espm"tual no homem! 4
Fmalm'ente, graças à sua d1me'nsao' noética, o homem
poderá resist1r' ao seu destm'o, tomar dls'tâ.ncia de suas con-
diçoes" m°temas, fazer oposição às suas cu'cunstan“cias exter- CONSCIENCIA, “ÓRGÀO DE SENTIDO"
nas e colocar-se em condições segundo o modo de sua esco-
1ha. Em nível psiquico esta liberdade nao~ é realmente dadaz
mn'guém pode escolher o seu estado geral de saúde. Ansieda-
des, agressoes', sentlm'entos 1m°pulsivos não sao~ passívexs' de
rejeiçao'. Nao' podemos anular os condicionamentos, nem
recusar os costumes socials'; nâo se supnm'em os lmn"tes ao
talento, nâo, pelo menos, a um dado momento. Quem reduz
o espiritual ao psiquico, como faz o pandetermlmsm"o, priva
o homem de sua autoresponsabmdade e o entrega ao seu
dest1n'o. Tomamos conhecun'ento do antagoms'mo noopsíquico
apoiando-nos até agora na dml'ética de destm'o e líberdade.
Que representa lss'o tudo para a psicoterapia prática? Assun', o “condicionahs'mo” psiquico do homem, como ele-
Inte1ram'ente sun'p1es: se admitlmos a h'berdade espm"tual, mento fatahs'tico (_- de destm'o), defronta-se com o “m'con-
mesmo no enfermo psiquico, também devemos respeitá~la. dicionahsm'o” espln"tual do homem, seu elemento livre. Na
Quer d1z'er: o paciente compartllha' - contanto que sua di-
esfera do fatahs'tico, ou dos elementos de destm'o, contam-se
mensao~ espm"tual seja dJs'ponível _ a responsabmdade de o campo emocionaL mov1m'entos m'temos conscientes e m'-
sua cura, e ele tem também a liberdade de destruir-5e a si conscientes, experíénclas' de aprendlza'gem, e todos os costu-
próprio. É muibo d1f'íc11' para o médico ou o terapeuta ocu- mes; na esfera da 11'berdade, por outro lado, contam-se o
par-se dls'so, e evidentemente eles tentarão tudo para ajudar, campo das atitudes e posturas 1n'temas, os atos de vontade
mas afm'al de contas a cura nao' é algo “factível” (que se e todas as aspiraçoe's. Achamse em contraste o que é por
faz), ela pode apenas ser est1m'ulada, e depende das forças 1m'posiçâo psiquica e o que é por escolha espirituaL
de cura, m'terna.s, do corpo e da psique, e da d.ls'posiça,o~ do
espüito à saúde. De uma liberdade bem defuu"da (11'berdade para algo, e
nâo 1m'um'dade de algo!) derivávamos am'da a responsabili-
Por ls'so, dlz' uma das regras geram básicas do procedi~ dade e a capacidade de culpa do homem. Mas a cadeia de con-
mento logoterapêuticoz seqüêncm lógicas amda náo está no flm'.
Deve~se oferecer ajuda, Como a h'berdade pressupõe possíbilidades de escolha,
mas não se deve tirar a responsabilidadel assun' uma escolha sigmf'icativa (com sentido), ou não, pres-
supõe o conhecimento de algo “sigmf'icativo ou nao-'sigmf'ica-
InIellzm'ente d1z-'se, muitas vezes, que na psicoterapia ao tivo” (com ou sem sentido) e para atmg1"r este conhecun'en-
contráño nao~ se oferece auxílio nenhum (talvez porque o to há necessidade de um “órgao'” especial no orgamsmo hu~
terapeuta que1ra' permanecer nao'-d1'retivo, ou recolher-se, man0, a saber, a consciência (moral).
por assnn' sz'er, atrás de uma parede 1m'penetrável), en-
quanto, por outro lado, retira-se toda responsabmdade ao Não apenas se deve mas se pode achar sentido, e
paciente, atribum'do todos os seus d1$'túrbios a alguns con~ a consczen"cza' conduz o homem em sua busca. Numa
nitos m'temos ou extemos, e ls'to o defme como sua vítlma' palavra, a cons.c1'en'c1a' é um órgao' de sentida Pode
1m'potente. A logoterapia oferece, sun', ajuda concreta, mas ser definida como capacidade de rastrear o senti-
a responsabmdade permanece com o paciente. do, úmc'o e singular, que está oculto em cada situa-
çao'. (Frank1›, 12)

40 41
um terrons'ta afirmar que para ele tem sentido atirar hom-
bas. Mas tal “sentído para e1e” é um mero modo de falar.
Ao contrário, trata-se do “sentido em si”, de um sentido que
resulta do fato concreto, ou da situação. Atirar bombas para
Liberdade espiritual causar danos a homens inocentes nao~ tem sentido, por mais
que isto convenha aos planos de “a1guém". É possível, na-
pressupoe' turalmente, que o puro juízo, a partir do fato concreto, dei~

l
xe muítas vezes em aberto a questão, e que ocorram erros.
Errar é humano. Todavia a orientação ao caráter objetivo
possibilidades de escolha do sentido é o melhor critério para decisões de consciência
que nós homens possu1m'os.

donde se segue Para melhor entendimento do fato de que uma c015a'

l
a responsabilidade
tão subjetiva como a consciêncía possa rastrear algo tão
objetivo como o sentido da situação, oferecemos uma com-
paração com a bus'sola:
pela escolha feita

donde se scgue

l /N
a possibilidade de culpa / \
(escolha de algo não-sign¡ñcativ0, (o que objetivamentc
ou sem o sentido) tem sentido)

que pressupoc~

l /
"avisos" da consciência

o conhecimento daquilo que é


"signiñcalivo" e do "nãu-sígniñcativo" (o rastreamento subjelivo)

e que implica

l
a existência do "órgão de sentido"
O Norte seria o que objetivamente tem sentido; a bús-
sola, o órgao~ que corresponde ao sujeíto, e a agulha da bus'-
sola seria o “instrumento de aviso", conscíência. Quer dlz'er
consciência
que a consciência de doís homens que se encontrassern nu-
ma mesma situação absolutamente igual - o que pratica~
mente não existe - dever1a' dar o mesmo “aviso”, caso um
0 que a consciência descerra para o homem é sempre deles não errasse. Sem dúvida, esta é apenas uma considera-
um sentido objetivo que conserva e aumenta os valores no ção teo'n'ca, porque duas situações de vida nunca sào idênti-
mundo, e não um sentído subjetivo a serviço da satisfação cas, nem no curso de vida de uma e mesma pessoa, nem no
das próprias necessidades. Seria muito perigoso limitar de- de duas ou mais pessoas comparadas entre si. Frankl qua11f'í-
cisões de consciência exclusivamente à percepção do que cou como “un'íco e singular” o sentido a ser sempre encon-
“mamf'esta sentido" subjetivamente. Neste caso, poderia trado.

42 43
Abstram'do do fato de que a consciência pode enganar-se pessoa. idosa, um cego, aparecem na p1s'ta, a consciéncia
(a agulha da buss'ola nao' apontaria o Norte), todo homem profbe dar marcha. Como vemos, a consciéncia orienta-se
tem liberdade, evidentemente, de agir contra sua conscién- para o sentido da sítuação, o superego, para as lezs° prescri-
cm' (com a bus'sola à mão, ir para o Sul), p015' a liberdade tas e transnu't1'das.
na d1m'ensao' noética é também uma liberdade em face da
consciência. Provavelmente isso acontece com muito maior Sobre isso V1.k'tor Frankl sugeriu a atraente tese de que
frequ“êncm' do que um aviso errado da própria conscíência certas rupmras da tradição na h1s'bóna' da humanídade po-
mas a decisão contra a consciência tem também o seu pre- deriam ser atribuídas à d1f'erença crescente entre o super~
ço: o “Norte” fica a uma dls'tància sempre maíor! A psico- ego e a consciêncía pessoaL Ele cita o exemplo da escravi~
terapia ensm que numerosas doenças psíquicas remontam dão que na antiguidade foi, durante séculos, “amaldiçoada"
nada menos do que a remorsos de consciência - não estar pelo superego, na população, e correspondia a uma norma
em hannoma' com a consciência 1m'pede o homem de en- aprovada. Entretanto, na consciência pessoal de muitos ho-
contrar a paz. mens permaneceu, subhmma"r e ativo, o remorso que um
dia saturou~se e encontrou sua expressão defml"tiva da abo-
Na psicologm a conscíência foi por muito tempo c1r'- h'çao' da escravatma. Partmdo desta tese, pareceme lógico
cunscrita ao “superego”, o que, para V1k'tor FrankL nao~ d1z'er que hoje nos encontramos numa ruptura de tradiçao'
é adxms'sível. 0 superego representa a quantidade de nor- semelhante, com respeito a uma outra antiquíssuna' norma
mas e costumes aceitos, a consciência moral transmitida, e do superegoz a defesa da pátría. A defesa do território de
que foi “m'culcada" às novas gerações pelos país, mestres e origem é enralza'da profundamente no homem, suas raízes
demals' modelos. A consciênc1a', ao contrário, é uma “m'teli- mergulham no rem'o ammal'. Apesar dls'so, h0je, em presen-
géncia prémoral do valor”, que nasce do espirituaL e que ça de armas mortals' que nao' esbarram dlan'be de nenhum
todo homem traz em si m't1u'tivamente, o seu senso ético, e obstáculo, está em gestaçao' um novo malestar, uma ques-
que nâo pode ser m'culcado, nem necessita, porque pertence tao' de consciência, que entra em conflito com a norma do
à base ex15'tencial do homem Se um crirmn'oso quísesse superego. Na época dos foguetes atômicos, o que é mals' seu-
escusar-se por sua consciência nao' ser suIicientemente de- sato, dexxa°t a pátna' m'defesa, ou armá~la cada vez mms'?. . .
senvolv1'da, se deveria com lógíca contestar-1he que, se o seu
superego podla' estar mal desenvolvido, sua consciência po- Na psicotaerapia, em todo caso, conhece-se claramente a
rém “fala" como a de todos os outros homens. ' problemática do superego, e esta d1s'tm'gue-se m'teiramente
das autênticas questões de consciência. Um paciente que se
Em geral o superego corresponde à consciência. Um atormenta com o que “as pessoas” pensam dele ou d1ze'm
roubo, por exemplo, mf'r1n'ge a moral e é rejeitado pela cons- dele está espreitando o seu superego. Alguém que no pre-
ciência de uma pessoa. Mas pode haver sítuações em que a cesso de de01sa"o luta pelo sentido do fato concreto está em
consciência até aprova um roubo como algo que “tem senti- diálogo com a sua consciéncía.
do”, por exemplo, para salvar da fome os próprios f11h'os.
Se se qms'er de novo recorrer a uma comparaçao', se poderia
sze'r que o superego aprendeu as normas do motorista,
parar em sm'a1 vermelho e seguir em sma'l verde. Se a rua
a percorrer está totalmente vazia, a consciência pessoal na-
da terá a opor quanto a passar o cruzamento mesmo em si-
nal vermelho. Mas se de repente, mesmo em sm'al verde, uma

' Mesmo que num quadro mórbldo de histeria se possa suspeitar


de oerta “insuf1ciéncla' do senso étlco", lsto nao' significa que o h1s-
térioo não tenha nenhum senso ético: talvez ele, para ms'tm'gulr a
voz de sua consciéncia, se esforoe em tomo de uma minúcia mals di-
fícil do que para os outros. .. (cf. também p. 124).

44 45
volveu no recém-nasc1'do. Existe também no homem, enfra-
quecido pela idade ou por lesào cerebral, apenas pressiona-
5 da para o fundo por fatores biológicos perturbadores Exis-
te no esqulz'ofrênico, mesmo que limitada por impedimen-
tos neuroqu1m'icos; e igualmente no homem dominado pe-

_1
las drogas ou paralisado por influxos art1f'íciais. Somente o
DIALÉTICA DE SUSCEPTIBILIDADE fato de que existe d1'mensza.o~ espiritual em cada caso, pelo
vs. INTEGRIDADE menos potencialmente, garante a d1'gnidade m'tocável de ca-
da homem
Deve-se naturalmente admitir que o específico humano
de um ser vivo ofusca-se perceptivelmente com a falta con-
creta, progressiva, do espirituaL Assim, uma criança peque-
na, um homem totalmente embríagado ou um débil mental
a custo se d1'stinguem de um animal mais desenvolvido,
porque a liberdade espirituaL a capacidade humana de de-
cisão e a responsabilidade lhe foram drasticamente redu-
zidas. Entretanto, uma d1'ferença naquela potencialidade,
V1k'tor Frankl parte do ponto de vista de que podem que não se perde, contmua na existência de uma d1'mensa.o"
adoecer as d1'mensões somática e psíquica do homem, mas que se estende ao outro lado da saúde e da doença (ou da
não a d1'mensão noética. Em suas obras ele não fala em doen- inteligência e da falta de m'teligência), mesmo que, tempo-
ças mentais do “espírito” (= “Geist”) quando menciona psi- rária ou permanentemente, não possa ter expressão através
coses. Para e1e, psicoses são enfermidades psíquicas prima- das outras d1'mensões do ser.
riamente somatogênicas; hoje esta idéia, depoís dos inter-
Tiram-se daí conclusões exatas para venf'icar m'd1'cação
mmá've1's debates entre os especialistas, nos últimos decê-
e contra-1n'dácação de tratamento logoterapeu^tico. Onde a d1'-
nios, foi~se confirmando progressivamente. Assim, cabe tam-
bém ao psicótico uma d1'mensão espiritual m'tegra, ainda que mensão noética de um homem estíver completamente blo-
queada, aí não há mais possíbilidade alguma de auxílío
parcíalmente ou temporariamente nao~ lhe seja d1'sponíve1,
logoterapêutico. (Mas onde falha a liberdade espiritual, todo
por estar bloqueada e recoberta de processos mórbidos psL
o ser do homem está em questa'o, então podemos d1z'er: os
cof1s'icos.
pré-requisitos para um tratamento logoterapêutico só se
d1'st1n'g'uem dos pressupostos de uma existência verdadeira-
Quem conhece porém a dz'gnidade, a incondiciona- mente humana através do pedido de ajuda do cliente e da
da dz'gnidade de cada pessoa indz'm'dual, tem respei- competêncía do aconselhador.) Em toda parte aliás pode
to incondicional pela pessoa humana - e também haver trabalho logoterapêutico, portanto também dentro de
pelo homem enfermo, pelo doente incurável e, ainda, certos linu'tes, com crianças, com menores, e mesmo com
pelo doente mental incuráveL Na verdade não e1°is- pessoas sem's, retardados mentais e psicóticos, conforme a
tem doenças “do espírito”. O “espírito”, a própria franquia de sua liberdade espiritual que, muitas vezes, como
pessoa espirituaL não pode cair doente; ela está, ain~ ensma a experiência, é maior do que se supõe.
da, por trás da psicose, quando a custo é “visível” 0 quadro a seguir torna claro que há dentro da d1'men-
até mesmo ao olhar do psiquza'tra. (Frankl, 13) são psíquica (e o mesmo d1'ga-se também da d1m'ensão
somática) gradações quah'tat1'vas. São os muitos mati-
A d1'mensão espiritual do homem e', portanto, imperdí- zes entre “doente" e “são”, ou entre “anorma1” e “normal".
vel, ela sempre existe, porque representa o que é espec1f'ica- Cada um de nós encontra-se, em qualquer tempo e 1ugar,
mente humano. Está adormecida na criança ainda não de entre os extremos deste continuum, seja quanto à sua d1'-
senvolvida, assim como a 11n'guagem que ainda não se desen- mensão psíquica quanto à somática.

46 47
Suscepübílidsde Integridade co e o espiritual; é o que caractenza' em geral o palpitar da
(2' d1m'ensão: o psíquico (3' dimcnsão: o espititual vida humana - o processo de m'teraçao' entre o susceptível
pode adoecer) não pode adoeccr) e o m'tegro.
w w Consideremos o que acontece se se negar que algo pos~
sa ser m'tegro embora se afaste da norma, que há verdade
gmdação qualitatíva disponibilidade quantitativa apesar da doença, e há sofrimento apesar da saúde. Conti-
entre entre nuamos com a visão de que o homem aparece como uma

l l

.~ ;m._ _v._1
máqm'na mals' ou menos necessitada de conserto, cujos des-
vios em conjunto ou são fraquezas funcionais da norma ou
doente são não disponível sao” sm'tomas de doença. Quem não funciona como de cos-
anormal normal (bloqueado) dispom'vel tume ou como se espera de1e, está doenbe - esta é uma fór-

l l
mula muito simples, que infehz'mente está ocultada em mui-
tas hipóteses psicológicas. Assim, um paciente que em con-
se gravememe doeme, se não disponíveL ou versa com o seu terapeuta não está exatamente entusms°ta,
ou anormal completamente bloqueado tem “res¡s'tência contra ele”; ou um descontente que procu-
ra saber o sentido de sua vida, tem “autoagressões”; ou um

l
nenhuma contra-indicaçáo
l
contra-indicação
artista que luta pelo aperfeiçoamento completo de um pro-
jeto cnad'or, tem “complexos de 1nf'erioridade". Chegamos
ao ponto de uma d15'crimma'ção geral de todas as reahz'ações
para a logoterapia para a logoterapia espirituais, um hiperdiagnóstico de todas as expressões hu-
Dentro da d1m'ensao' espin'tual, ao contrário, estao' em manas que nao~ admite haver no homem algo além da saú-
jogo dls'pom'b1h"dades quantitativas entre os extremos - de e da doença, suscitando dls'cussões de conteúdo que não
“plenamente d1s'pom'vel”/“mteíramente bloqueado". Mas en- podem ser m'terpretadas sun'plesmente como produtos de
quanto no terreno psíquíco (e mesmo somático) uma grave história psicológica ou psicopatológica desde a on'gem, co-
enfermidade, ou anormalidade, nao' é de modo algum con- mo o psicologismo e o patologismo, afnn' a este, que culti~
tra-m'djcaçâo para o proced1m'ento logoterapêutico, já a per- vam esta tendência, gostariam que fossem.
da da d1$'pom'b111"dade da dun'ensão espíñtual 51gmf"ica de
fato uma contra-m'dicaçao' a ser levada a sério, a única con-
Em toda parte o psicologismo nada mais vê do que
tra-indicação para a logoterapm' aplicada. Essa exclusao'
máscaras; por trás delas não quer admitir outra
completa da d1m'ensa.o~ espm"tual - am'da que nao" de sua
coisa que motivos neuróticos. Tudo lhe aparece
potencmh"dade! - ex1$'te na idade mf'a.nt11', bem como em
inauten“tico, imprópria Arte, como quer fazer crer,
casos de perda de conscien“cia, graves lesões orgam“'cas do
não serza' “afinal nada mais do que” fuga dza'nte da
cérebro, perda completa da realidade, dlnun"u1'ção crôníca
m-=.«~.r

vida ou do amor; religta"0, nada além de medo do


da personalidade, e semelhantes.
homem primitivo às jorças cósmicas. Os grandes
Assun', de1xam'os de lado o que se subtraí à mfl'uênc1a' cna'dores espirituais são, entao', rejeitados como neu-
logoterapêutica. Mas perguntamos, em contrapartida, qual róticos ou psicopatas. Alima'ndo a respiração, po
o campo em que a semente da logoterapia pode ca1r' mals' de-se finalmente admitir, de acordo com esse “des-
produtiva. Representam 1n'd.icaçao~ para o proced1me'nto lo- mascaramento”, através de um psicologismo “des-
goterapêutico todos os problemas e todos os dls'tu'rbios so- mascaradoP que, por ez., Goethe “propna'mente”
mátícos e psíquicos que tâm ressonância no espm"tual, e to- era um neurótica Esta orientação do pensamen-
das as frustraçoes' do espm"to que fazem eco no psíquico e to não vê o que é próprzo', zs'to é, ela não vê proprza'-
no psicossomática Onde a logoterapía entra em ação, aí se mente nada. (Frankl, 14)
trata sempre de um processo de 1n't:eraça.o~ entre o psiconsx"-

48 49
Se, como foi apresentado, todo pensamento e agir hu-
manos são anahs'ados de acordo com seu valor doença, por
outro lado ms'm'uou-se erro do pensamento que consxs'te
em projetar fenômenos a partir do espaço espirítual para o
6
plano do psícológíco. Com lsso' nega-se, ao mesmo tempo,
toda a latitude da m'd1'v1'dua1idade humana, pois toda pecu-
ha'ridade m'divídual é afm'a1 um desvío de norma. Entretan- DIALÉTICA DE ORIENTAÇÃO AO PRAZER
to, no espiritual, em que seus portadores são a críativida- vs. ORIENTAÇÃO AO SENTIDO
de, a m'tuiçao", a autenticídade e a coragem _ a m'dividuali-
dade está pronta para escolher, apesar da doença ou mesmo


a partir da doença, uma forma pessoal de orgamzaçao" da
v1'da. Forma esta que, de sua parte, nao~ é expressao~ do que
está doente no homem mas do que permanece m'tacto nele.
No terreno psicofls'ico, ao contrário, vale realmente a regra
- que cada desvío do normal é “sm'tomático", a saber, é

*rw1mzv<_4
smtomático para sua susceptibilidade à doença.

Assun' como o pandetermuu"smo priva o homem de sua


A logoterapia distm'gue-se das outras orientações de psi-
liberdade e responsabilidade, assun' o psicologismo aniq1ú1a
coterap1a' mais pelo seu conceito de motivação. Este põe em
todo o espaço para a autenticidade e a m'dividualidade auten-
questão toda a “filosofia da felicidade”. Até agora “felici-
ticamente humana.
dade" era revestida de termos psicológicosz a sath'fação de
necessidades. Mas em consideração da dimensão noética do
homem, felicidade sigmf'ica satisfação interior do sentido.
O homem por sua natureza existencial tem por tarefa o en-
contro de um sentido, e por isso está preparado para su-
portar renun'cias em v15'ta do encontro do sentído. 0 bem-
-estar somático ou psíquico exerce um papel subordmad'o
admirável na busca do sentido, enquanto um fracasso dessa
tarefa nào pode ser compensado por nenhum bem-estar psi-
cofls'ico, por mais bem articulado que seja - e isto é fácil
de observar na prática psicoterapêutica.
Mas como explícat a mudança na interpretação do con-
ceito de felicidade? Para responder a esta pergunta devemos
relacionar o desenvolv1m'ento da ciência da psicologIa' com
o desenvolvimento econômico dos países m'dustriais em nos-
so século.
A pnm'eira metade deste século - que e' o século tam~
bém do nasc1m'ento da psicolog1'a - foi ensombrada por
graves períodos de calamídades. Alternaramse crises econõ-
micas, desemprego em massa e guerras mundiais. É com-
preensível que os homens deste tempo desejassem só a 1i-
bertação das necessidades quotidianas. Eles pensavam ser
fe11z'es simplesmente suprimindo as aflições constantes da
luta pela sobrevivência, com as humilhaçoe's, obrigações e
50 renun'cias 1n'erentes.

51
Il
ela tomou-se necessário fazer uma revísâo da imagem psico-
Sec'ulo XX
lógica do homem. É que o homem na.o~ só deve saber de que
1900 1950 1980 vive: ele deve também saber para que vive, como V1k'bor
-+____Í_-f__› Frankl por prun'eiro reconheceu. O homem nao' necessita


...
w w somente de meios de vida, mas também de um hm'. A tímida
pergunta de outrora - “Que faço eu para viver?” - que

__..
Tempos de necessidade Bem-estar sempre punha em movnn°ento os homens em severas épocas

l l

')'Y'
de necessidade, voltou em tempos de bem~estar e soou de
repente não menos tmu"da: “Vivo eu: para fazer o quê?"

Wr
Tese: T . A vida com segurança e com oferta de variado conforto
Fclicidade= libenação da necessidadc ese dcsmennda transformou-se em evidência, mas o para-quê da vida trouxe
o legado de novas perguntas m'explicadas. '

Quanto à psicologia, nao~ podendo auxiliar no que se O que parece evidente nesta problemática nada mais é
referia à n_ecessidade extema, ela se concentrou na libertação que o antagoms'mo noopsíquico entre a segunda e a terceira
da necessidade m'terna. Segum'do a tendência geraL ela as- d1m'ensões do ser humano, que se expr1m'e cíentüicamente na
smmu a tese da “feh'cidade através da libertação”, e se 1m'- oposiçao' - princápio homeostático e noodinámtba - e que
pôs como meta libertar os homens de 1m"biçoe's e 1m'pulsos queremos examma'r a seguír.
m'ternos, l1'bertá-los do medo da autoridade e das imposi-
0 prm'cípio homeostático, que tem sua m'teira justüica-
ções de fora para dentro e, quanto possível, também da “má
tiva em nível bid1m'ensional do ser, nos dlz' que os impulsos
consciência”. “É teu dever, finalmente, pensar em ti mes-
mo!” - eis o pnm'eiro mandamento da bandeira da psicolo~ para ab-reaçào e as necessidades reclamam sua satls'façao'
gia, ensman'do os que buscavam seus conselhos a reivm'di- para que o ser vivo chegue ao eqm'1íbn'o m'temo. O ser vivo,

Tí'm
car as pro'pr1as' pretensões, recusar exigências e “viver” o entao', contmuará em equ11íb'rio consigo até que u'a mais re-
direito de satisfazer necessidades. cente pressao' 1m'pulsiva o coloque de novo em movun'ento.
A conservação do equLíb"n'o m'temo é, ass1m', a força moti-
Nada a objetar contra isso, e teríamos am'da hoje a cer- vadora prmu"tiva a partir da qual a vida se reahza'. Este é um
teza de tr11h'ar o cammh'o da “fe1icidade" se na segunda me- prm'cípio de autoregulaçao' que sem dúvida tem sua va1í-
tade do século nâo se tivesse alterado radicalmente para me- dade no rem'o ammal', mas nao~ é tâo sun'ples transferi-lo ao
lhor a situação econômica nos países m'dustriais. Gradual- homem, e 1s'to se mosttou repetidamente em épocas de gran-
mente foi-se ampliando o bem-estar, e o homem modemo de acum'ulo de necessidades (como até mesmo a época de
libertou-se de quase todas as necessidades tradicionais. Não afluência as traz consigo).
sofria fome, sobravam possibilidades de trabalho; desapa~
reciam quase de todo os govemos autoritários, e o 1azer, Por que para o homem, que é também ser espin'tual,
com numerosos dívertimentos acessíveis a todos, tmh'a um um equ11íb'rio dm'âmico, corrigído de seu peso tara, sigmf'i-
ca algo totalmente d1f'erente de contentamentoz s1'gn1f'ica, ao
crescimento descontrolado. O que a psicologia atual pôde
ehm'inar da “necessidade 1n'tema” foi sobrepujado pelo mí-
lagre econômico que elimmava a “necessidade externa”. Mas
' Certa vez, na Finlàndia, onde eu tinha sido convidada a rea~
a esperada “felicidade" não v1nh'a. Em seu lugar houve um
nzar cursos de verâo na Universidade Turku, ao expor esses pensa-
aumento m'descritível de suicidas, de vicíados em drogas e mentos ful mf'ormada de que o consumo de álcool se tinha elevado
delinqüentes, e o conjunto de pessoas neuróticas, fracas- ao séxtuplo desde a introdução do aquecimento central no país. E que
sadas, mal-humoradas, profundamente saturadas, em toda antes os domingos eram utmzad'os para colheita de lenha no bos-
parte. que, e desse modo estavam unlficados o passeio da Iamilia, o exer-
cício de aptidao', e uma ocupaçao' razoáveL Hoje basta apertar um
Hoje a velha tese de que felicidade é idêntica à liberta- botão ?e a casa está aquecida - mas, que fazer para ocupar o do-
ção da necessidade está há muito tempo desmentida e com mingo

52 53
contra'r1'o, o vaz1'o, aborrec1m'ento, fastio, desorientação (a
Evidentemente esta relação de tensão modifica-se de uma
que mais aspirar, se todas as necessidades estão saciadas?)
situação vital para outra, e o mais das vezes o ambícionado
e frustraçao'? Tudo isso há de ser avaliado muito cn'ticamen-
deve-ser não é completamente atm'gível, mas há orientaçao'
te, do ponto de vista da psico-h1'giene, porque, como é reco-
para o agir humano. Vamos dar um exemplo disso. A situa-
nhecido, também se pode “morrer em gaiola de ouro", def1'-
nhar por falta de alegria de v1'ver. ção do ser de um moço é sua vida de estudante; a situação
do deve-ser, o fim por ele concebido de tomar-se um bom
médico, capaz de lutar contra a doença e a morte, no meio
Tanto mais podza' cair no peso, quando a psico-hi- de seus semelhantes. Todo o tempo em que o estudante se
giene foi até hoje mais ou menos dominada por um vê posto nesta relação de tensão, ele se entregará ao estudo
principio errado, m medida em que se originava da com intensidade e dedicação.
persuasão de que o homem necessita em primei-
Se tentarmos avahar o, exemplo acima nao~ nood1na'mi-
ro lugar de paz interior e equilibrío; sem a disten- camente mas homeostaticamente, deveremos partir do fato
são a qualquer preç_o. De reflexões e experíen'cw's de que esse jovem estuda para elimm'ar de si um desequi-
especza'1s', porém, resultou que o homem muito mais líbrio existente - algo na base de uma consciência forte~
do que de distensão preczs'a é de tensão: certa ten- mente reduzida - por ex. na esperança de alcançar, um
são, uma tensão sadza', dosada! Aquela tensão, por belo dia, já formado médico, em posição social mais eleva-
ez., que ele emen'mmta através da exigen“cza' de um da, uma autoconsciência melhor, com a qual seu equ111"brio
sentido da m'da, de uma tarefa que valha a pena m'terno seria restabelecido. Na verdade, é mais do que ques-
realzz'ar; em particular, em se tratando de ser exigi- tionável que com essa m'terpretação pudéssemos mot1'vá-lo
do um sentido da ems'ten^c2a° cuja realzza'ção é única a um estudo engajado, porque só para levantar a própria
e exclusivamente reservada a este homem só, solici- autoconsciência mn'guém se debruça o ano 1n'teiro em cima

., -4W
tada dele, encargo dele. Esta tensão não é, do ponto de grossos livros nem se esforça ao máximo para prestar
de vista psíquico, nociva à saúde mas, antes, promo- exames enervantes.
ve a saúde psíquica, tanto que ela - a noodinâmi-
ca, como gostarza' de chamar - constitui todo o ser Do prm'cípio da noodma'^mica flui também sempre um
do homem; pozs', ser homem quer dzz'er estar em valor proveniente do mundo exterior, como por ex. a cria-

_ ._ _ ._ _
tensão entre ser e deve-ser, irrevogavelmente e sem çao' de uma obra, a fundação de uma famílja, a construção
regateio. (Frankl, 15) de um lar, a ocupação de um posto de trabalho, a melhora
u
de uma situaçao' poh'tica, e semelhantes - portanto um va-
lor ao qual se dirige o deve-ser - enquanto que o prm'cípio
Se confrontamos o prm'cípio da noodm'am“ica com o da homeóstase tem a haver-se exclusivamente com o pró-
prm'cípio homeostático, vemos o homem num “arco de ten- prio eu. É m'teressante que ambos colocam no homem um
são entre ser e deve-ser”: considerando-se ser um estado tipo de aspiração: no plano psíquico, a aspiração ao prazer
presente, enquanto o deve-ser expnm'e uma mod1f'icação por e o equüíbrio de 1m'pulsos no “mundo m'terior”; no plano
própria incumbência. 0 deve-ser portanto não provém de ne- espiritua1, a aspiração ao sentido e à reahz'ação de valores
nhuma prescrição extema, que seja 1m'posta ao m'd1'víduo, no “mundo exterior”. Segundo a concepção da logoterapía,
mas do conhec1m'ento de um fim com sentido que lhe pare- no homem são, na verdade, a u1't1m'a m'stància é a dec1°são;
ça digno de reahza°r-se. Ele se molda subjetivamente na a “vontade de sentid ” é a sua motivação mals' on'g1n'a'ria,
consc1'ên01a' como uma tarefa m'teiramente concreta que é sua motivação primeira.
exigida de alguém a partir de uma situação em que cada
qual se encontra. Quando se quer se pode declarar 0 ser Na noodmann'^'ca, depois que chega a uma superaçao~ do
como algo real e o deveser como algo ideal e tender o arco ego, o homem tem que se apossar da capacidade de superar
nood1n'âmico, por consegmn'te, entre reah'dade e idealidade. a si mesmo. V1k'tor Frankl chama esta capacidade - a capa-
cidade de autotranscenden^cza'. (16)
54
55
boçou uma ímagem do homem absolutamente egocêntrica
que para o homem de hoje, de qualquer modo um tanto m'-
Onen'taçio ao prazer Orientaçâo ao sentido clinado ao egocentrismo, não é boa, e que também, neste
unilateralismo, nao' está dirigida a um ser vivo essencialmen-
(2' d1m'cnsâo: aspimção ao pmzcr (3* dimcnsão: aspimção à rcalização
te espirituaL que portanto paira ac1m'a da natureza física
e à saúsfaçãa aos "rcforçadores" do scntido c à malização dc
e da psique.
e ao m'ccnn'vo; à auto-realização) valones; dedicação a uma tarcfa;
intcresse pclas outms pcssoas)

l
Nada é porém ao mesmo tempo tão trágico e perigoso
t quanto o descammh'o do redum'oms'mo, o qual, como “sub-
produto" do velho prm'cípío da homeóstase, Ieva ad absur-
em mzar'o de um em razão de uma tensão
dum todo motivo humano orientado ao sentido, ao tentar
desequillbño mtemo entre ser e deve-ser
w w explicá-10 segundo o prm'cípio do prazer. Ele é o nu"hs'mo
em roupagem psicológ1'ca.
Princípio homeostálico Pn'ncíp¡o da noodinam^ica

l
estão em jogo exclusivamcme
l
estão em jogo valores objetivos
A possibilidade, com base lógica, de negaçao' do seu-
tido encontra-nos na efetiva realidade daquilo que
a própna pessoa e seu do mundo exterior se chama niilts'mo. Porque a essen^cza' do niilismo
mundo interior
i não consiste, como alguns pensam, em negar o ser,'

l
ele não combate proprwmente o ser - ou, melhor
superaçáo do ego dtz'endo, não o ser do ser, mas o sentido do ser.
(em força da capacidade
O niilzs'mo de modo nenhum afírma que nada há na
egocentrkmo de autoüansccndência)
realidade; ele afirma, ao contrário, que a realida-
de nada mais é do que aquilo a que ela for redu-
zida, ou aquilo de onde for deduzida pelo nz'ilzs'mo
A autotranscendêncm é considerada na logoterapia
em sua respectiva concrettza'çao'. (Frankl, 17)
(ao contrán'o da “psicolog13' humams'tica” cf. p. 20
deste 1ívro) como o maxs' alto grau de desenvolv1m'ento da
ex15'tência humana. Ela é a capacídade “espe01f'ícamen- De acordo com o reducíoms'mo, por ex., o amor dos
te humana" de pensar e de agir acima de si mesmo, na pais nada mais é que a expressao~ do próprio narc15'1sm'o:
“ex1$'tênc1a' para alguma c01sa' ou para alguém” (Frank1), eles satisfazem nos f11h'os o seu m'st1n'to parentaL A amlza'-
na dedjcação a uma tarefa, ou no m'teresse pelos outros ho- de entre duas pessoas do mesmo sexo não é outra com
mens. Aqui se trata de uma cmsa' real, de pessoas por elas que uma bem sucedida subluna'ção das aspirações homos-
mesmas, e não meramente de objetos de satisfação da pró- sexuais de ambas. Assessores de desenvolvun'ento satisfa-
pna' care'nc¡a'. zem com o seu trabalho a ánsia e o prazer de viajar; os
É bastante digno de nota que nenhuma~outra escola de guardas ambientais satls'fazem com sua açào um 1m'pulso
ps¡'coterap1a' antes de V1kto'r Frankl tenha chegado à idéia oculto de prestígio de que estao~ possuídos. E ass1m' por
de que poderia tratar-se, para o homem, entre outras coi- diante. Esse modelo de explicação, em sua negação de seu-
sas, de algo existente fora dele mesmo. Todos os outros tido, só conhece motivos entre obtenção de prazer e evita~
conceitos psicológicos de motívação giram em seu núcleo ção de desprazer; nele é m'evitáve1 que se venha a uma gra~
em torno do eu, e v1sa'm à obtençao' do prazer (Psicologia ve desvalorização de todos os ideais espirituais. Então, so-
Profunda), à obtençao' de “reforça.dores" e “unidades de ca- mente os momentos de prazer e os momentos de desprazer
rícia" (Psicologia do Comportamento) e finalmente à auto- é que comandam a inteira vida humana. Mas, em fim de
-reahz'a.ção (“Psicologia Humam'stica”). Sobre isto há que contas, deles surge a questãoz nâo falta o alvo para onde di~
notar, criticamente, que a psicologla' nao'-logoterapêutica es- rigir o rumo?

56 57
O reducíomsmo mf'el1z'mente vigora ainda através de um
sem-num'ero de teorías psicológicas e psicoterapêutícas, e se
perguntarmos como é possível chegar a tal “redução” da 7
1'magem do homem (à redução de uma dimensâo global, 1'sto
e', a d1m'ensao' do humano), devemos então dar a mesma res-
posta/estereótipo: - através da projeção de fenômenos INTERVALO PARA UM ESTUDO DE CASO
noéticos ao plano subnoético, ou, com outras palavras, atra-
vés da projeção de fenômenos humanos ao plano sub-huma-
no. O reducionismo é um projecionismo e, com maior razão,
um sub-humanismo.
Na esfera espiritual o homem é aberto para o mundo
e orientado para a sua plenitude de valor; se, entretanto,
for projetado erradamente ao plano psicolo'gico, ele repro-
duz para si apenas um sístema fechado de reações psicoló-
gicas, como Frankl demonstrou por meio de sua ontologia O presente estudo de caso foi escolhido para demons-
dimensionalz e então a autotranscendência do homem nao' é
trar que na prática psicológica é muitas vezes mais 1m'por-
mais vísível ao observador. No campo psíquico são de fato tante impedir neuroses do que curá-las mais tarde. Por 1'sso,
prazer e desprazer, 1m'pulso e satisfação do 1'mpulso, os seja permítído, já neste passo, tecer algumas considerações
motores que fazem marchar o ser vivo, e 1'sso dentro de uma sobre a formação de neuroses, embora em capítuIOS poste-
hierarquia de necessidades tão complicada quanto leva ao riores se faça a exposição detalhada da teoria da neurose
ápice da “auto~reahz'ação”. Mas a auto~rea11z'ação am°da não
segundo FrankL
ultrapassa o ego e fíca por 1'sso presa à regulação homeos-
tática do campo psicofísico. Talvez compreendamos ainda Antes de tudo, está fora de questão que as neuroses são
melhor por que a logoterapia tem fronteiras com a “psico- causadas por fatores múltiplos. Certas disposições básicas
logia humam'stica" e, antes, advoga a causa de uma “psico- encontramse com 1'nfluxos problemáticos da educação e do
logia humana”. ' Se a satisfação da necessidade de um bem ambiente, pequenos desenvolvun'entos falhos mostram con-
muito alto só puder ser explicada num sentido reducionista, seqüências graves e o mais das vezes têm lugar ocorrências
o homem desce (tota1mente em sentido reducionista) ao ní- mf'e11z'es. Em todos os neuróticos, porém, podem-se obser-
vel do “macaco nu", perdendo assun' sua mais própria ca- var, fundamentalmente, duas característicasz
racterística - a orientação existencial ao sentido. a) uma forte propensão à 1n'segura.nça;
b) pensamentos “enga.nchados”.

à:0uanto
a propensão à Quanto a pensamentos
insegurança: enganchados:

A dimensão espm"tual no neuró- O neurótico não consegue livrar-


tico está 1hml"'tadamente em dis- -se de seus pensamentos cheios
pom'b111"dade; a m'teligência igual- de dúvidas e devaneio; ele nâo
mente não é afetada, mas o neu- sabe dar um traço conclusivo em
rótico por assun' d1z'er nào con- nada que foi elaborado intelec-
fia em sua mente. Falta-lhe não tuahnente. Ele g1r'a mentalmen-
tanto a samdade quanto a segu- te sempre em torno da mesma
rança por ser são. Ele duvida coísa, por 1s'so faz de um “mos-
de tudo e antes de tudo de si quito um elefante". Com respei-
t
Abraham Maslow, o cnad'or da teoria da auto-reahz'ação, já mesmo; eIe é profundamente m'- to a lss'o, fala-se, em logotera-
andado em anos deu razão a V1k°tor Frankl e admitíu que uma nu- seguro_ até as camadas ens'ten- 'pia, de uma “hiperreflexão" que
to-real12'ação só é possível através de uma reahz°ação de valor.

58 59
__Lials. Por isso desconna de si agrava cada crise ocorrente e te-
-se fazer compreender sua saúde e nao' sua doença, porque
(“isto eu nâo posso") e ao mes- da doença.
mo tempo contm mal (“eu taço Este fato de se “ficar colado” a dúvida sobre sua saúde é certamente sua doença! (No psi-
tudo errado"). Ele bem conhe- mentalmente tem com grande cótico da'-se o contrárioc a este deve-se fazer entender sua
cimento dn irracionalidade de probabilidade correlatos tísioló- doença, para que ele possa aprender a viver com ela. , .)
seus sentimentos, e apesar disso gicos. Em mensurações muito
delxa-se induzir a ceder a eles e Iinas de determmad'os potencims', Por isso, em caso de depressoe's neuróticas que estào a
levá-los a sérlo. O neurótico es- provocados no sistema nervoso cammh'o propõe-se um aumento de cautela da parte do te-
tá sempre em tuga de qualquet central, é visível um modelo d1-
coisa., mas este “qualquer col- ferente em sujeitos diferentes. rapeuta. Toda superdose de terapia produz automaticamen-
sa" sempre o alcança. Em muitas pessoas a excitaçâo te um reforço da m'segurança existencial ("eu preciso de
Por isso ele tem tmenso desgos- após estimulaçào de isolados gru- ajuda, eu não consigo arranjar-me sozinho”) e um reforço
to consigo mesmo - até o ódio pos de células extingue-se mais da cira1laat<;zav.o~ mental em redor dos problemas na pessoa do
de si próprio, e este o toma de lentamente do que em outras. consulente - as conversas “orientadas ao problema” iriam

mw
novo tanto mals inseguro. Quer
dizerz o neurótlco mantém-se a si precisamente bater no assunto doença. Por 15'so, é melhor
mesmo doente! Ele se manobra nesta fase encorajá-lo a confiar em si, a fim de conjurar o
sempre num “círculo vicioso" do perigo da neurose.
qual nao' consegue escapar. SObre
isso escreve V1k'tor Franklz “0 Vejamos agora o exemplo-caso.
neurótico toma-se inseguro por Estímulo Estímulo
qualquer razao' psicons'íca, preci- Um casal jovem procura um consultório de p51'cología.
sa apoiar-se no espíritual de um Naqueles que têm extm'çâo mais A mulher está grávida e foi mandada pelo médico de famí-
modo todo partíquar". (18) lenta pode-se chegar tacilmenbe
lia a fazer exercícios de dístensão. Durante o tempo em que
a uma “tensão de duraçâo" se
os estímulos se sucedem uns aos ela vai regularmente ao exercício o marido marca uma en-
outros a breves intervalos. Es~ trevista a sós com o psicólogo. O psicólogo, que aceita o en-
ta é uma das possíveis bases n- cargo, é um logoterapeuta. A conversa toma o seguinte curso:
siológlcas da neurose, Mas tam-
bém o nÀeuro-vegetat1vo é mu1-
tas vezes "ma.is excitáve " nessas Paciente
pessoas do que em outras.
O marido está muito embaraçado e nào entra no
Propensao' psicológtc'a Propensáo fzs'íológzc'a assunto. Faz uma “conversa.çáo superficia1”.
de direçdo de díreçao'
Logoterapeuta
Insegumnça, ansledade, pouca Tensáo, excítação, críspaçao', rea-
autoconsciência, aumento dn ex- ção duradoura à estimulação, Desde o início pode-se observar ínsegurança no consu-
citabilidade. sensibm"dade. lente. Não será diagnosticada uma neurose, mas registra-se
simplesmente o fato de uma “1n1"bição ím°cia1”. Como reage
a isso o logoterapeuta? Não é do seu feitio espremer alguma
Em resumo, podemos d1z'er: Sempre que está presente
coisa de seus pacientes. Ele não se julga nem como um m'-
num homem uma forte propensão à m'segurança, associada
dívíduo que “tudo sabe” nem como alguém que “deve sa-
com uma tendência dos pensamentos a ficarem “engancha-
be~r tudo”. Por isso d1z' simplesmente: “Conte só o que você
dos" (ou à “hiperref1exão"), existe aí um perigo de neurose.
gostaria de contar”.
Existem métodos logoterapêuticos para atenuar a am-
(Este convite o mais das vezes tem um efeito paradoxalz
bos, entretanto, no m1"cio deve-se sempre instalar a “arma”
a “freada" abre a “represa" e o consulente começa a desa-
psicoterapêutica mais fraca. Por que esta cautela? Atente~ l bafar. A frase, contudo, não é aproveítada em seu efeito
mos: a 1'dent1f'icação de um homem inseguro consigo mesmo ly'. paradoxal mas reproduz o que o logoterapeuta honestamen-
como paciente necessitado de terapia delxa'-o com maior m- r te tem a d1z'er. A responsabilidade pelo tema da conversa
zão ficar neurótícol Ao homem em perígo de neurose deve- fica nas mãos do consulente.)

60 61
Paciente
Paczen'te
O marido d1z' que sim. Vai receber massagens especiais
O marido conta que sofre uma dor no disco 1'nterverte-
e tratamento de g1n'ástica para doentes. Depois faz-se uma
bral e. nesse contexto, fala de diversas dores dorsais.
pausa.
Logoterapeuta Logoterapeuta
Evidentemente a dor nas costas tem algo a ver com a A “de1x'a” es_cap0u, mas é preciso fícar atento. Com ca1-
problemática em tela, embora sua discussão seja, para 0 psi- ma o consulente decide-se a revelar 0 seu problema.
cólogo, uma inadequada abertura de conversação, porque ele

rm_
é incompetente nesses casos de dor no disco m'tervertebral.
Sugere~se aqui a circulação mental em torno de uma coisa Paciente
que não deve estar ainda no ponto central da atenção (o se- O man'do conta, encabulado, que durante o exercício de
gundo argumento sobre uma possível disposição neuróti- g1n'ástica para doentes, teve excitação sexual diante das mu-
ca!). Com se reage a isso? Na melhor hipótese, escutando~se lheres que cuidam dele e ficou crispado e tenso. São pala-
em silêncio e dando-se ao consulente oportunidade para che- vras suasz “Eu não sou assun', eu não quero isso. Não me
gar indiretamente ao que é essencial. entendo mais. Amo minha mulher e não tenho intenção ne-
nhuma com outras mulheres. Será que estou sendo levado
m'conscíentemente para uma aventura? Isto me aflíge e me
Paciente
pesa, e é para mim tremendamente desagradável". Ao fmal',
O marído estende sua exposição sobre dor na coluna a ele menciona que está considerando a fuga dessa situaçao“.
conbeúdos médicos gerais. Ele está mtúto bem mf'ormado, “Com 0 maior prazer eu gostaria de interromper o trata-
ao que parece, e está perfeitamente a par de certas correla- mento, mas não sei como explicar isso ao meu médico e à
ções, como “guiar carro e curva da coluna vertebral” etc. mmh'a mulher.”

Logoterapeuta
Surge mais um m'dício da ms'egurança do consulentez
o esforço para combater sua insegurança interna mediante
mf'ormações de fonte médica (e certamente também as psi-
cológicas). Esta tendência é freqüentemente encontrada em
neuróticos inteligentes, que leram uma quantidade de 11'te-
ratura psicológíca espec1'al1z'ada, sem contudo poder nem mi-
nimamente ajudar a si próprios. Na verdade, não queremos
ser vítíma do psícologismo e afirmar que todo aperfeiçoa-
mento médico-psicolo'gico no fundo não seria outra coisa
que expressão da própria m'segurança daquele que procura
um progresso. Pode perfeitamente haver aí, ou resultar dis-
so, um genumo interesse no terreno da mf'ormação.

Em cada caso, a esse ponto do colóquio terapêutico


anuncia~se uma mterrupção das prohx'idades dos consulen-
tes. É conduzida de forma conseqüente com a perglmtaz “Vo-
cê pode tomar alguma m'íciat1'va contra suas dores nos dis~
cos vertebrais?"

62 63
co, e isto por boas razões. Em nosso casoexemplo há tam-

8 bém interações muito estreitas entre essas duas dimensões


no pacientez a ansíedade de expectatlva (2.' dimensãm pre-
duz diretamente o que se temia (na 1.' dimensãm e 8 entra-
da da coisa temida (1.' dimensãm reforça logicamente a m-
INTERPRETAÇÃO BlDIMENSIONAL E siedade de expectativa (na 2.- dimensão).

TRIDIMENSIONAL DO CASO SOBREDITO Perguntemos ainda, nos limites da imagem logoterapéu-

Ául
tica do homem: o que é dado IataL por destmo (como sem-
pre poderá ter origem) na situaçâo atual do consulente?

"_T”""'_›
Certamente a sobreexcitaçao' psicofísica, a saber, no psíquico
a ansiedade e no físico o aba1xa'mento do limiar de estimulo
sexua1. E o que é 1ivre? Certamente a atitude do homem com-
sigo, com sua mulher. com o amor sxm'plesmente, e com
o problema de sua hipersensibilidade sexuaL Uma rápída
vista ao quadro da p. 38 ensma° que ele nao' é responsável
nem pelas erecções involuntariamente havidas nem pela an-
Relembremos a ontologia dimensional com sua esque- siedade em face delas, mas snn' por sua resposta espirirual
mat1a'"ação geométrica da p. 29. 0 que se oferece, dentro das a essas coisas.
três d1m'ensões do ser do consulente, ao olhar do observador?

Na dimensão somática do marido acham-se: balx'o li- Logoterapeuta

.
miar de estímulo (que eventualmente pode ser dmnn"uído
Nada mais é preciso mostrar ao consulente em répljca
através de causas psíquicas), ainda fatores vegetativos, neu-
ao seu pedido de ajuda. 0 marido nao" tem comando sobre
rofisiológicos e (ta1vez) hormonais, que lhe causam em me-

qwm
mentos indesejávels' a erecçao~ do membro. Acrescentese que o que acontece em seu corpo; ele não escolhe para si as
esses “momentos” são “adequados”, certamente não no sen- sensações que terá. Mas é somente ele quem determma' se, a

Hmw
partir da situação, aproveita a oportumdade para flertar

_.
tido da vít1m'a, mas pelo menos no sentido da natureza, isto
é, contêm um certo clima sexual de estímulo. (O marido e entrar na m't1m'idade das mulheres. coisas tais; ou se se

. _,_
está despído, é tocado por mulheres jovens etc.). A reação distancia conscientemente de fatos carnais, considerando que
corporal é de certo excessiva, mas de modo algum anormaL ama sua mulher e não tem intenção de enganá-la. É isto li-
berdade espirituaL sua decisão pessoaL Ele age em harmo~
Na dimensão psíquica do marido acham-se: grande m'- nia com sua consc1'êncm', e, naquilo que julgar ter sentido
segurança com respeíto a seus sent1m'entos sexua1s', ansie
~
(sigmf'icativo), sua ação será perfeita e náo haverá motivos
dades de expectativa, mecam'smos mternos de m'tens¡.f'ica-
._
para m'quietação. Qual a orientaçâo a dar aqui? Nenhuma
çào, e hiperreflexoe's. Em resumo, existe o perigo agudo de “terapía”; ao contrário, o consulente, apesar de seu perigo
neurose. de neurose, será abordado e levado a sério como homem
.-.n- :v.-.

Na dimensão noética do marido exls'te um claro teste- sao' - o que dimmui de golpe o perigo de neurotxzaçã'o. Um
munho: ele ama sua mulher e quer contln'uar-lhe fieL Não “apoio no espiritual" lhe é oferecido ao ser sua atençào di~
tem em vista uma aventura extraconjugal e considera nao' rigida ao espaço de liberdade, onde sempre possui possibi-
lidades de escolha e onde as utihza'. Em vez de temer tornar~
” r-.1v:=~.›-

sígn1f'icativa a excitação acontecida no seu tratamento.


-se um “libertm'o sexual mascarado", o que é naturalmente
.

Tendo presente mais uma vez o quadro da p. 29, ocor- sem sentido, mas o irrita e atormenta, ele deve orgulhar-se
re-nos que na logoterapia as d1m'ensoe's somátíca e psíquica por guardar, m°dependentemente da situaçao' de disposição

'
do homem são facilmente concentradas no campo psicof1s'1'- e pressao', o amor à sua mulher.
mwr vqnwl-_4

64
tt

65
' . .¡,.
F;'«"S|
Pacze'nte em cujo domml"o também cada um é tído como lnculpado
Esta argumentação causa alívio momentan'eo ao marido enquanto nada em contrário for demonstrado.)
(“então eu não sou anorma1?"), ligada a um acréscimo de 0 tema da excitabilidade sexual não foi abordado ao te-
segurança (“estou totalmente seguro de minha 1'ntenção, não lefone.
tenho nenhum interesse por aventuras”). Produz-se, além
disso, a transformação de um “falso sentimento de culpa” Paciente
numa verdadeira “consciência de responsab1'h'dade", e isto
juntamente com a mudança de visão, da esfera não-1ívre da Durante o telefonema o marido, de repente, saiu~se es-
vida para a esfera livre, refreia a propensão à hiperreflexão, pontaneamente: “A propósíto, o assunto que eu uma vez
e desse modo se tornará a melhor profilaxia da neurose. lhe conf1'ei, fícou acertado desde a nossa conversa. Meu cor-
po está reagmdo em completa normall'dade".
O consulente agradeceu o colóquio e de1x'ou o consultó-
rio tranqm"'lo e fortalecida Como m'terpretar essa admirável “cura pela não~tera-
pia”? O mecanismo m'terno de intens1f'1'cação foi cancelado
pela atitude espiritualz “Eu nao' mando no que meu corpo
Logoterapeuta
faz". A ms'egurança foi abolida pela atitude espiritual: “Seí
Nunca se deve dar alta a um paciente muito bem o que quero ou nào quero, estou com minha
mulher, não interessa o que acontecer". Desapareceu a
a) sem se dar resposta às perguntas que ele trouxe,
ameaça de neurose e não se verifícou a reação psicogênica
b) sem se dar esperança de alguma chance de melhora, do corpo. ' Há que extrair uma importante doutrm'a, a sa-
c) sem se fazer alguma provocaçao' às suas forças es- ber, que a esfera psicofísica do homem pode ser mI'luencia-
pin'tuais. da por forças espirituais no sentido da cura.
Esta regra logoterapêutica também foi cumprida no ca- Arrisquemos, por contraste, na conclusão deste capítu-
so comentado. lo, ainda uma m'terpretaçâo do estudo de caso segundo a
imagem bid1m'ensional do homem Não há aqui, nenhuma
Paciente d1m'ensão noética do homem Portanto todo o espiritual
deve ser projetado ao plano psíquico. Mas aí prevalece o
Depois do nasclm'ento do filho, o casal enviou ao con-
sultório o anun'cio e de lá recebeu um escrito de congratula-
ções. O marido, então, telefona para agradecer. U
Eu consegui repetídamente com um úníco discurso semelhan~
tes "curas mllagrosas" que em absoluto não sâo milagres, nem curas
em sentido tradlclonal mas simplesmente imped1m'entos de proces-
Logoterapeuta sos neuróticos pendulares. Assim é que, por exemplo, falou~me
uma de mlnhas alunas por causa de um dls'túrbio pslcogénico
Para o aconselhador houve essa possíbilidade de per- da fala. Por meses ela consegum' apenas sussurrar. Nós con-
guntar por telefone como vai o marido e tocar no assunto versamos juntas no estilo comparável ao estudo de caso, e na aula
do “problema especial”. Mas essa pergunta poderia por ou~ seguinte ela velo para agradecer por ter achado de novo a voz. Pou~
cas semanas depois uma outra aluna pedlu-me ajuda, porque tazla
tro lado repercutir em sua propensão à m'segurança e à hi- seis anos que, depols de cada refeição, o bolo estomacal voltava e
perreflexão, e voltar a 1'rrita'-lo. (Que isto o irritou sobremo- ela com düiculdade tmh'a de tragá-lo de novo. Estava com uma in-
do é já prova bastante para sua dísposição pré-neurótica, flamação crônlca de gengivas por lsso. Eu duvidei muito de poder
aJudá-la no problema, mas Ialamos do seu espaço espirítual livre,
porque a maioria dos maridos geralmente não se preocu-
das possíveis atitudes diante dos fatos, e da sua responsabilidade de
pam com esse problema, que até nem se teria tornado pro- não se deixar desanumr por esse handicap_ Depois das férlas do se-
blema). Além disso, é um prm'cíp1'o da logoterapia conside- mestre ela me comunicou radmn'te ter “esquecido" cada vez mais o
rar cada um psiquicamente são, até que haja prova em con- seu problema, até achava que, por bastante tempo, já nenhum au-
mento engulhava. .. Passou-se mais de um ano e nem um sintoma
trário. (Observar a interessante analogia com a jurisdição, nem outro reapareceu.

66 67
princípio homeostático, com a hipótese de que a libido verdade odem sua mulher mais do que ama, deseja incons-
sexual do consulente seria suprum"da, pressionaria por cientemente mulheres estranhas e que a mãe dele é culpada
descarga, pelo que ele djrigiria o desejo para outras mulhe- de tudo. Com este “saber" o terapeuta deverá mandá-lo pa~
res. O seu superego seria contra, conformando-se aos cos- ra casa. Em minha op1m"ão, o mesmo depoís deverá iguaL
tumes e advertindo~o para a f1'de11'dade. Para solucionar o mente assumir a co-responsabilidade sobre os fatos - se o
conflito, o marido forma a idéia de que ama sua mulher, o paciente brígar com a mulher, se lançar vilamas' à sua mãe,
que num modelo reducionista “não é outra coisa que um ou se o filho esperado vier um día a ser criado sem pai.
mecanismo de defesa”. Ele, assim, 1ma'gm'a amar sua mu-
1her, que seu superego acalenta, mas contm'uaria com as Foi demonstrado estatisticamente que quase 3/4 de
todOS os casamentos nos quaís um dos cônjuges fez psica-
erecções m'oportunas nas quais a libido reprimida se ex~
nálíse se dissolveram. Isto não verificaram os logoterapeutas,
pressaria como sm'toma neurótico.
mas os próprios psícanalistas, que comentam a sua estatís~
Pressuposta esta tese, am'da contmuaria sempre aberta tica com a mdicação satisfeita de que as mulheres que f1ze'-
a questão - por que o marido não se “satisfaz" com sua ram tratamento, e respectivamente os maridos, se 1iberta-
mulher - se nós já recorremos. para m'terpretação, ao mo- ram da opressào do parceiro. Sobre as crianças que, msso.
delo homeostático da satls'fação? perdem os pais, nada se diz. Eu não gostaria de ber 15'so em
mmh'a consciência, mas numa un'agem bid1m'ensional do ho-
Quanto a 1'sso, haveria mais variantes de explicação na
mem nao' há lugar para “consciência".
imagem bid1m'ensiona1 do homem. Uma seria simples: a
gravidez da esposa complicaria as relações semlais A outra Por cavalheirismo não quero omitir que também os psi-
seria mais fundamentada na Psicologia Profunda. Todo o canalistas por sua vez exercem sua crítica sobre os logote
problema remontaria, na históña de sua origem, portanto, rapeutas. Em Albert Go"rres, famoso e velho mestre da psi-
a um trauma da mf°ânc1a' do marido, falando estrictamen- canálise, pode-se ler a seguinte passagem:
te, ao seu complexo de Édip0, que se origm'ou quando ele
“A 1m'portâncía do espírito não é totalmente desconhe~
descobriu em criança que devia compartilhar a mae~ com o
cida na ps1'coterapia. Existe a experíência de que a soltura
pai. Desenvolveu entao~ um amor-ódjo à mae' que o marido
das algemas neuróticas não raro dá ao homem a possibüi-
ainda hoje transfere m'consc1'entemente à sua mulher, pelo dade de renovar descobertas de sentido esquecídas. Ele co-
que não poderia ter relações com ela de maneira satisfató- meça a perceber 0 que poderia ser digno do empenho de
ria. Mas, já que sua libido deverá “escoar-se", volta-se ele todo o seu ser. E depois, há teorias e métodos psicoterápi~
para outras mulheres com quem nâo existam conflitos emo- cos que conservam essas experiéncias fundamentais de
cionais desse tipo, camdo porém em conflito com o seu sentido para aquilo que propriamente cura, como as de
superego. ..
V1k'tor E. FrankL Infelizmente, há por aí, muítas vezes, com
Neste esquema de mterpretação a cum'ensão somática a atenção sobre sentido, determinação e fim da existência,
do homem, não há negar, está sempre presente mas desem- uma certa negligência quanto aos fundamentos biopsíqui-
penha um papel secundário. 0 smtoma é entendido pura cos dos impulsos e formas fatais de impulso. Além disso,
e sun'plesmente como expressão daquele desejo secreto e ainda não está bem descrita a arte da provocação positiva
supnm'ido. de forças espirituaís na psicoterapia. AquL a psicologia não
é bem versada”. '
Com os meios de argumentaçao~ 01'ent1f'ica mal se pode
vermcar qual das duas 1m'agens do homem está certa, a Os logoterapeutas respondem que se ocupam, contm'ua-
tridimensional, que a logoterapm utihz'a, ou a bidimensio- mente, com as mterações de todas as três dimensões do
naL Mas uma coisa é certaz a conseqüéncia terapêutica é homem (o que, como veremos com maior precísào na teorla'
d1f'erente para ambas. Um terapeuta que considera exata a
m'terpretação bid1m'ensional irá possivelmente colocar no
Albert GÕRRES, in "Kennt die Psychologie den Menschen?"
divã o consulente e “analisá-lo” até que saiba que ele em (= A psicologia conhece o homem?), Ed. Piper, Munlque, 1978, p. 33.

68 69
da neurose, é de rigor para eles) e por isso também não
neglicencmm nenhuma, se bem que de fato colocam certa
ênfase no espirituaL E que o esp1r'itual seja, na verdade, em
grande parte uma terra desconhecida epistemologicamente,
9
é correto; ele não é experimentaL mal se de1x'a “mensurar”
no sentido tradicionaL Não é ele talvez o elemento não-
-mensuráve1 em geral no homem? DIALÉTICA DE CARÁTER vs. PERSONALIDADE
A dímensão do homem com a maior facilidade para a
pesquisa é sua dimensão corpora1, na qual decorrem os pro-
cessos objetivos, que se abrem ao experimento cient1f'ico.
Já na dímensão psíquica, a pesquisa dos processos subjeti-
vos ai decorrentes é só m'diretamente possível, aproxímada-
mente com auxílio de avaliações por testes psicológicos.
Mas se subnn'os para a d1m'ensão espir1'tua1, vem associar-se
ao fator subjetividade também o fator 1n'dividualidade, o
qual permite unicamente uma descrição fenomenológica. Tomamos conhecimento do antagonismo noopsíquico
Nenhuma maravilha que a psicologia e qualquer outra das mediante três critérios: a) dialética de destm'o vs. liberdade,
ciências humanas “não se reconheça do espin'tual”! b) dialética de susceptibilidade vs. 1n'tegridade, e c) dialétí-
ca de orientação ao prazer vs. orientação ao sentido. Voltan-
do à tabela da p. 34, vemos que a imagem Iogoterapêutica
do homem assinala mais uma quarta particularidade díale'-
dimensão noética ticaz d) dialética de caráter vs. personalidade. Trata-se do
sua descrição fenomenológica aspecto pessoal do espírito humano. Dois homens podem ter
processos índividuais e POSSlvel o mesmo caráter mas nunca são iguais, nunca podem ser
dimensão psíquica T sua avaliação por testes
trocados um pelo outro, são sempre indivíduos auto-respon-
sáveis e autônomos. Na comunidade, em parceria ou no gru-
processos subjetivos psícológicos é possível
po, cada qual conserva sua m'dividualidade; mas se renun-
dimensão somática T sua mensuração cientíñca
cia a e1a, como no caso dos famigerados fenômenos de mas-
sa, perde provisoriamente a d15'ponibilidade de sua dimen~
processos objetivos é possível são espiritual. Frankl define massa como “soma de seres
humanos despersonal1z'ados”. (19)

Caráter (psíquico) é um “ser criado”, corresponde a


Se ha alguma m'stância que possa apresentar conheci-
um t1'po, a uma raça, a uma origem étnica (mentalidade),
mentos sobre a “provocação positiva de forças espirituais",
é adquirido por heredítariedade e sofre ínfluência do am-
essa instância é a logoterap1'a.
biente. Pessoa (esp1'n'tual) é um ser “que cn'a”, d1'stingue-se
do próprio caráter e também das d1$'posições e até mesmo
das possibilidades de receber mfl'uência. A sentença usada es-
pontaneamente na logoterapia - '“o indivíduo não tem que
enca1x'ar tudo!” - é efetivamente uma norma essencial do
modo pessoal de reflexão.
Homens com disposiçoe's muito semelhantes e submeti-
dos a mf1'uências do meio quase idênticas podem seguir
caminhos completamente d1f'erentes em suas vidas, como

70 71
Carúter Pcrsonalldade
(2" dimcnsãa: sonm das quulidadcs (3' dimcnsãm paniculaddndc
Não só a hereditariedade e o ambiente fazem o ho- inalus c hcrüadas de um homem .. ) individual dc uma pcssoa
mem, mas o homem também laz algo a partir de si W que rcsullu dc sua aulofommção
- o “homem”: a pessoa - “a partir de si”: a par- w
o fato de perlencer.
tir do caráter. De tal maneira que se poderm dzz'er a corrc.s¡x›ndc'ncia dc l0d.l.'\
scm livrc escolha.
em acréscimo à formula de Allers - O homem tem a um tipo (conslituição. raça. . .) a> decisoc'.s vilais.

l
um caráter, mas ele é uma pessoa - completando: rcalimdas livrcmcmc
E torna-se uma personalidade. A pessoa que se é
ao distinguir~se de caráter, que se tem, e ao tomar
uma posição em face deste, transforma-o e trans-
faz os homens se inclinarcm a l
delcnnina cm última instan'cia
delerminados modos
forma-se continuamente, e “torna-se” personalida~ de componamemo o componmcnlo de um homem
de. (Frankl, 20)
l
nâo decisivameme
l
decisivamenle
sabemos por diversas pesquísas com gêmeos, que sempre
trazem à luz do dia, ao lado dos traços comuns, também a Resumindo-se os critérios D e A da Tabela da p. 34, re~
djferente real1z'ação dos dotes de talento. Como exemplo sulta a equação de Frankl:
d1'sso, passo a relatar o caso de uma família de ciganos que
há três gerações está nos arquivos de uma repartição de as~ Líberdade em face do caráter = líberdade para a
sistêncía de Mum°que. Dos arquivos consta que, nos anos personalidade
45/55, havía na família nove filhos, e todos nasceram com
a mesma tara famih'ar, no mesmo ambiente crimm'al, e fo- A liberdade espiritual do homem implica sua possib¡'h'-
ram educados desde pequenos para o roubo. Desses nove dade de tomar distância em relação a si mesmo (às pró-
filhos um desenvolveu~se como homem honesto que até prias tendências e disposições de caráter), o que por outro
hoje não se meteu em conflíto com a 1ei, aprendeu uma lado dá fundamento à humana capacidade de autodistancta'-
profissão ordeira e fundou sua própria família que é com- mento que, analogamente à capacidade da autotranscendêm
pletamente normal e sadia. No fundo, esse m°divíduo des~ cia, foi descoberta e uti11z'ada com proveito, para fm's de
mente toda a psicologia do desenvolvímento. Não se julgue cura, pela logoterapia. E porque, nesta capacidade de auto~
que eu esteja condenando os restantes oito filhos da farm'- djstanciamento se encontra um fenómeno antropológico fun~
lia cigana, pois eles tiveram um ponto de partida na vida damental da dimensão espiritual do homem, e porque esta
verdadeiramente penoso, mas eu sm'to a maior considera- u1't1m'a não pode adoecer (conjeturamos aqui com o critério
ção para aquele nono filho. B da Tabela da p. 34), é possível uma separação entre a
parte doente da psique de um homem e a parte sadia de sua
Ao contrário, passam freqüentemente por minhas mao's psique, juntamente com sua pessoa que não pode adoecer
casos de críanças que vêm de um bom lar e no entanto de- - a parte “sadia".
senvolvem-se maL No homem há de tudo isso, anjo e demô- Puciente
m'o: o homem é o ser que fabrica foguetes mortüeros e ao
mesmo tempo faz campanha contra; é o ser que extermma
as espécies an1m'aís e ao mesmo tempo procura desespera- Pane sadia
damente salvá-las. .. tudo isso sempre está em cada um.
nguém exprimiu essa idéia melhor do que thor FrankL Delmiçãoz
que escreveuz “Que é o homem então? Ele é o ser que sem- parte “sad.ia" parte doente
pre decide o que é. Ele é o ser que m'ventou a cam“ara de = a zona parclal sadia -- a zona parcial doente
dn psique juntamente com da psique
gás, mas é também o ser que foi à cam^ara de gás de pé e
a zona do espírito
com uma oraçao' nos lábios”. (21) que nâo pode adoecer

72 73
0 objetivo central da logoterapia é reforçar, ampliar a sem dúvida elementos de destino, podem nele paralisar ape-
parte “sadia” do homem e capacitar as forças aí enfem°adas nas uma zona parciaL nunca porém extingulr totalmente a
para med1r'em-se com a parte doente. dignidade do ser humano. Se só isto os nossos paclentes re-
cebessem de nossas palavras, já seria dado um gmnde passo
Processo lerapêutico na direçab da “cura".
Restaría amda por comentar o ul'tímo ponto de conIlito
Partc sadia em nossa Tabela da p. 34: o coletivisma Sobre sua pericu-
losidade não é preciso trazer muítos argumentos, quando se
recorda qualquer um dos antigos estereótipos, como por
HTTH exemplo: “Os meridionais são preguiçosos”; “todos os gor-

E
Em miraz dos são faladores”; ou “todos os ciganos sao' ladroe's”. E o
o que é sadi0, apoio e ampliação caso dos que fazem juízos e prognósticos das pessoas um-
o que é íntcgro! pcla logoterapia camente por pertencerem elas a este ou àquele típo, raça
ou caráter, ficando em situação cômoda o que pensa com
O gráfico esquemático m'd1'ca a ampliação terapêutica da o vezo coletivista - não levar em conta a personaljdade nem
parte “sadia" mediante a hnha' empurrada à frente, para a a responsabilidade pessoal do m'd1'víduo. Ele esquece de
parte doente. Certamente pode-se argumentar que daria no certo que, na esfera psicofísica do homem, em sua consti-
mesmo se o 1n'd1'víduo se ocupasse com a parte doente, co- tuição, já existem dísposições e predísposições de orígem
mo faz a psicoterapia em geral, e procurasse dimm'uí-la, ou genética, e que unicamente importa, em última análise, o
se procurasse ampha°r a parte “sa.dia”, como a logoterapia que o m'divíduo faz ou dezx'a de fazer com suas disposições.
faz. Mas de fato não é a mesma cms'a. A d1f'erença está em E como este fazer é um ato pessoal de reahz'açao~ que jamals'
que 0 terapeuta num caso “01ha" para o que há de doente
pode derivar do fato de pertencer alguém, de qualquer ma-
no paciente, e noutro caso “ol.ha” o que é íntegro e sadio
neira, a um tipo ou raça, mas sim nasce do nous (-_ mente,
ne1e.
espírito) - a tese coletivista não resulta correta: o homem
Quem conhece a fundo o ofício de terapeuta sabe o não é previsíveL calculável, nem mesmo avah'áve1, em razão
quanto se irradia do terapeuta para o paciente, e quanto do seu caráter complexo.
essa irradíaçâo serve para ativá-lo e pô-10 em marcha. O que
se irradía do terapeuta é sun°plesmente aquilo que ele mes- Mas o coletivismo não é perigoso somente em conside-
mo pensa, sente e percebe, a un'agem que faz sobre a situa~ raçao~ dos julz'os do meio sociaL mas também em relação
çao“. E o que esta irradíação reahz'a é já, avaliando grosso à auto~aprecíação. É uma das atitudes erradas agravantes,
modo, quase a metade de todo o processo da relação tera~ talvez o erro do neurótico, acreditar que tem um caráter
pêutica. Se temos terapeutas que sabem do antagonismo determmado e por causa dísso só pode comportar-se em
noopsíquico do homem e em ra.zao~ dísto mantêm sob as conformidade com o seu tipo de caráter. É esta atitude er-
v15'tas, ao lado do elemento psíquico sadjo, também a 11'ber- rada que dá livre acesso à neurose, e nâo a eventual ex.istên-
dade espiritual do paciente, a integrídade fundamental de cía de disposição neurótica de caráter! O coletívismo, em
sua essência humana, sua orientação noodm'am^ica ao senti- suas diversas nuances, é importante exemplo para se saber
do e sua personalidade um"ca, apesar de todos os d1$'tu'rbios quais modelos teóricos resultam se o espiritual for reduzido
psíquícos e confusões existentes - teremos então, também,
ao psíq1u'co ou feíto derivação de1e.
mais cedo ou mals' tarde, pacientes que não mais se entre-
gam, completamente, a seus dls'túrbios e confusões, porque Para chegar a uma conclusào neste difícil tema, gostaria
percebem (eles percebem por força da irradiaçao' de seu te~ de fazer a enumeração dos verdadeiros “becossem-saída”
rapeuta) que o homem, como nenhum outro ser v1'vo, sabe da psicologia, através de exemplos, mais uma vez passando
estar sobre si mesmo, decidir de novo a cada dia o que será em revista todos os perigos de projeções e m't;erpretações
no dia segum'te, e que até as doenças maas' graves, contendo m'admissíveís, e que nós já discutimos.

74 75
ambos podem crescer, como pode aumentar o amor de um
Sempre que o neurótico fala de sua pessoa, do seu pelo outro; e que a mae", em razão da dimensão esplritual
modo de ser pessoal, tende a agir desse modo como íntegra, tem a liberdade de transformar sua atítude para
se esse modo implicasse em não se poder jazer de com o filho em aceitação de sua existência como uma tareia
outro modo! Essa constatação toma-se automatica~ sign1f'icatíva, de cujo cumprimento carrega a responsabill~
mente uma fzxa'ção, para ele apresentar um tipo dade, e que com esse cumprimento írá ao mesmo tempo
qualquer de cara'ter. Ele diz que é assim agora, que amadurecer, tornando-se uma nova personalidade.
tem agora esta ou aquela particularidade de cará-
ter e não pode agir de outro mod0. . . Contudo o ho~
mem neurótico expn°me-se nao~ só por seu caráter
individuaL pelo Id, mas também por algo supra-in-
dividual, um coletivo existente nele mesmo - um
indefinido atuante nele e por ele. .. Neste sentido
deve parecer extremamente preocupante o fato de
que hoje em dza' percebemos por toda parte que o
homem tende geralmente a reportar-se ao modo de
ser daquele grupo (classe ou raça) a que perten~
ce. Esta aparente autojustificativa é facilitada pelo
outro fato de que cada vez mazs' lhe é posto dza'nte
dos olhos o quanto ele é dependente de certas co-
letividades e quanto está sujeito ao influxo delas até
no concemente ao espirituaL (Frank1, 22)

O ponto de partida dessas reflexões é o caso de u'a mãe


que espera um filho m'dese1'ado.
a) 0 pandeterminismo afirmaria que a rejeição do fi-
lho por parte da mãe conduz inevítavelmente a' per-
turbação da relação ma'e-fílho por toda a vida
(_› “programação");
b) o psicologismo afirmaria que se deu a gravidez in-
desejada em razão de desejos neuróticos e comp1e-
xos da mãe (--› “desmascaramento”);
c) 0 reducionismo afirmaria que toda a ação educativa
futura da mãe será expressão de seu ódio inconsc1'en-
te ao filho (--› “desvalorização”);
d) o coletims'mo afirmaria que o filho em sua vida fu-
tura apresentará as qualidades e modos de compor-
tamento de toda “criança tipicamente não-amada"
( _'› “c1ass¡f'icação”) .

Para maior segurança, contudo, vamos verificar o que


a logoterapia teria a d1z'er a respeito disso tudo. Ela afir-
maria que tudo am'da está em aberto para mae~ e filho; que

76
to-educação para algo, discussão com o eu pessoaL em
uso de liberdade e em responsabilídade. Essa discussão cor-
10 re sobre dois tr1lh'os: real1z'a.ção de um controle ínterior, e
iniciação de um crescimento interior.
“Controle interior" é o pressuposto de quem se toma
AUTOCONHECIMENTO, OU 0 TRATO CONSIGO são, nos numerosos casos de doenças psíqm'ca.s, como neu-
MESMO? rose, mania, delm'qüência etc. e só pode ser exercido por
um mov1m'ento m'terno do espírito, que consiste em tomar
distância do eu para, dessa dístància, reagír sobre o eu.
“Cresc1m'ento m'terior” é o pressuposto de quem permane-
ce são em todas as situações da vida, quando tem assegura-
da a aquisiçâo da capacidade de realizar, capacidade de
amar e capacidade de sofrer. Isto só pode ser alcançado me-
díante o movun'ento do espírito que transcende o eu para
atender a um “apelo sign1f'1'cante (_- de sentido) da parte da
realidade” (Frankl). Como mostra o gráfico abaxx'o. o auto-
Quando se fez derivar do antagonismo noopsíquico a conhec1m'ento revela puramente “movímentos m'ternos" da
capacidade humana de d1'stan01am'ento, foi anotada a pala- unidade Homem, enquanto o trato consigo põe em marcha
vra-chave que está no títuloz “trato consigo". Este conceito “movimentos internos", que conduzem acima do limiar do
define um alto objetivo pedagóg1'co-terapêutico da logotera- ser humano. NB. S = Selbst (se1f, eu), equivalente a "auto".
pia que para ela é mais 1m'portante do que o conhec1m'ento
do eu. Certamente o autoconhecímento tem também sua
justa importância, relativa, na vida humana; contudo, nem~
pode nem deve tornar-se um fimz ele é, antes, um estágio
Autoconhecimento Trato consigo mesmo
de passagem a cammh'o de u'a meta além do eu. Encare \_V___._/
cendo essa “f1x'ação de fins além do eu", a logoterapia tor-
na-se uma espec'ie de escola da vida que rompe o estreito Por que o indivíduo Por que 0 indivíduo lem
quadro psiquiátn'co e desemboca numa geral “educaçâo pa~ se toma tal como é? de permancccr tal como é?
ra a responsab1'1idade”.

O autoconhecimento descobre o que a pessoa “se tor-


l
Para compreender I
l
/\
Para adquirir o Pam iniciar o
nou”, a referência ao Id, ao inconsciente instintivo, ao resu1- processos mtemos I conlrole inten'0r controle inten'or
l
tado da educação para alguma coisa: em suma, tudo que I
acontece sem 1n'tervenç:a.o~ livre. O autoconhecimento neces-
sita da prontidão à auto-revelação e para isso empenha a
compreensão de processos psíquicos m'ternos. O trato consz'- cle necessila de I ele neccssila de cle neccssim de

go toma possível o elemento de transformação do eu, cor› $ I


I
$ Jr
responde ao que é referente ao eu; ele reahz'a o inconsciente promidão pura l capacidade de czlpacidade dc
espiritual ' e tudo que se oferece ao seu alcance. Ele é au- a aut0-revelaçã0 I autodistanciamenlo aulotranscendência
I
¡
l
t
V1k°tor Frankl entende por inconsciente espiritual a Ionte e I
origem não-refletida e não-ref1etivel do ético, erótico e patétlco na
l ã
vida humanaz fé, amor, no sentido mais largo, e ms'p1r'ação artíst1'ca.
(Frank1, 23)

78 79
Que sigmf'ica ls'so, praticamente, para a terapia? Ora, é em si mesmo - um sentido a cumprir no mundo. Causa es-
com esses elementos que se deh'mita o campo em que a lo- panto saber que exms'te no homem tanta reserva de Iorças
goterapia “deslancha” e se m'dicam os marcos por onde que normalmente nào se manifestam, e que, ao simples aflo-
passam muitas de suas lmhas' metodológicas. rar de um forte elemento de sentldo, abrem de repente suas
comportas. Mas é no mín1m'o igualmente espantoso o num'ero
de problemas que conseguem soluçao~ quando não são con-
Uma psicoterap1a_' humana, humanizada e rehuma- siderados com atenção, enquanto que jarna1s' são resolvidos
mzada pressupõe que se possa atingir a autotrans- quando o mdívíduo tenta desesperadamente resolvêloa Por
cenden^c1a° num instante e o autodmtancmmento essas razões, na relaçào paciente/terapeuta o mundo exte~
num esforço de habilidade. (Frankl, 24) rior está sempre incluído como “terceiro s¡s'tema de refe›
re“nc¡a'”. Quer dízerz logo que se estabelece um relaciona-
mento pessoal de conf1'ança, a) o logoterapeuta dirige a aten-
a) Marco do “autodzs'tancza'mento”
ção do paciente para valores de sua esfera vita1; b) e logo
O Iogoterapeuta mostra ao paciente onde estao' suas ca- que a sítuação de saúde do mesmo permite, acompanha-o
pacidades a1n'da m'tactas e com estas alia-se contra suas mentalmente nesse rumo; c) Js'so refreia, desde o começo,
fraquezas psíquicas. Descobre a pls'ta das forças de autopre- toda “problemática de transferêncla'" e facmta substancml'-
servação do paciente, m'crementando-as com acerto. É inte~ mente ao paciente o desligamento da terapia.
ressante observar que a medícma modema esteja também Mundo exteñor
cada vez mais atívando o sxs°tema corporal de defesa de um
doente contra sua doença (basta pensar nos expenm'entos
com materiais de origem corporal, como m'terferon e m'ter-

O
leukm', no combate ao câncer!). Depo1s' de milêmos de tra-
balho e m'vestigação a med1'cm'a somática avançou até obter
o conhec1m'ento de que o orgam'smo do próprio m'divíduo é Pacieme (a)
O
Terapeuta Paciente (b)
O
Terapeula
o seu melhor médico, se lhe for dado um pouco de apoio.

o/
Mas a medicma psiquiátrica não necessita de m1l'ênios para Mundo exteñor
compreender que também a “alma" do homem (mals' exata~
mente: a pessoa espiritual no homem) seria o seu melhor
psicoterapeuta, se ela recebesse de vez em quando um peque-
no ímpulso. Ao contrário, a medicma' psiqulá'tn'ca bem cedo
deverá chegar a essa convicção, para poder atalhar o aumen-
to epidêmico de homens do nosso tempo psiqlúcamente ms'- Pacieme (c) Terapeuta
távels', perdidos, degenerados, descorçoados. A logoterap1'a,
0 trato consigo, que, portanto pode consistir nào só
por seu lado, esteve desde o começo convencida de que se
num “curar-se a si mesmo” como também num saudável
deveriam mob1l12"ar em cada paciente, antes de quaisquer
“esquecer-se de si mesmo" se a sitwsu;ao~ o exige, traz consi-
outras, suas forças espirituais de autopreservação; e ela to-
go como “produto derivado” o auto-encontro, que parado~
ma a peito dar-1hes justamente o pequeno empurrão de que
xalmente nunca nasce do “autoconhecun'ento”. E que o au-
precisam
taencontro somente se há de conseguir no cammh'o onde
exíste sentido. Quem busca a si mesmo, quem ambiciona
b) Marco da “autotranscenden'cza°" ver~se em todos os espelhos da psicologia, tao' arm'1'ciais,
O logoterapeuta mostra ao paciente como é possível con- am°da, não encontrará a si mesmo - mas quem passa adían-
seguir pouco a pouco 1m'por-se sobre as c01s'as - e, se pre- te e se dedica responsavelmente a uma tarefa com sentido,
ciso, sobre si mesmo. Mas 1s'to somente resultará se o pa- chegará plenamente a si mesmo.
ciente também souber enxergar nas cmsas' - e, se prec1s'o,

80 81
H " rw
A Tabela aba1x'o reproduz a classüicação das neuroses
roses noogêm'cas, que se podem definír como efeitos mórbi-
conforme a logoterapia, em que se distinguem cm'co grupos:
dos do espiritual no psíquico. Na medida em que se orígi-
neuroses psicogênicas, somáticas, doenças psicossomáticas,
nam do “vácuo existencial”, relacionado com as mod1f'1'ca-
neuroses reativas e neuroses noogênicas. As neuroses psicogê- ções sociais, elas são sociogênicas.
nicas são efeitos mórbídos do psíquico no somático e/ou psí-
quico; suas causas estao', po1's, no psíqu1'co. No caso das (pseu- Nos capítulos seguintes vamos dedjcar-nos a cada tipo
do)neuroses somatogênicas, da'-se o m'verso: elas são efeitos de neurose em traços gerais, mas de modo particular ao
mórbidos do somático no psíquico; suas causas estão, p015', princípio logoterapêutico que deverá ser apresentado neste
no somátíco. 11'vro. Talvez se tenha percebido que nao~ há reversão às neu-
roses noogênicas, portanto não há efeitos mórbidos do psí-
quico no espíríto. Isto se prende ao fato de que o espiritual
Classificação das_ neuroses As causas não pode adoecer, como sabemos mediante a dialética de
segundo Frankl acham-se no
susceptibílidade vs. integridade. É certo que o espiritual po-
Neuroses psícogênicas= são efeitos mórbxdos do psí de ser bloqueado ou estar parcialmente na'o-disponível por
quico no somático e/ou psíquíco W causa de enfermidades ou deficiêncías no psicofísico, como
(Pseudo)neuroses somatogênicasz sâo eíeitos mórbi- somático em caso de graves lesões ce'rebro-orgânicas ou pertrurbações
dos do somátlco no psíquico (o mais das vezes psíquicas; mas, na medjda em que transparece como espiri-
“doenças funcionais") tuaL através das outras d1m'ensões do ser humano, é ta.m-
oenças psicossomáticas: são manüestações mórbi- somático bém íntegro, ou seja, está acuna' da saúde e da doença. Nu-
das no somático, desencadeadas por algo psiquico e ma outra Tabela usada por Frankl para esclarecimento da
psíquico questão, ' nenhuma flecha atinge a dun'ensáo noética, mas
euroses reativas: sâo reações mórbidas no psíquico uma das flechas sai dela, isto é, a que simbohz'a as neuroses
a algo origmariamente somático 0u psiqulco (ou noogênicas que atuam no psíqu1'co.
ao comportamento de um terapeutaz “neuroses
iatrogênicas")

euroses noogênicas= efeitos mórbidos do espm"tual


no psíquico (em relaçâo com modüicações sociaisz ação
"neuroses sociogénicas”) (reaçã0)

Por tratar-se predommantemente de distúrbios funcio~


nais de tipo vegetativo e endócrm'o, pode-se nesses casos
também falar em “doenças funcionais”. O caso das doenças
psicossomáticas é mais complicado. Aí sempre com'cidem
dois fatosz o de uma debüidade física, ou pré-1esão, e o de
uma carga psíquica ou um choque. Doenças psicossomáticas
são, por consegmn'te, man1f'estaço'es mórbidas no somático
desencadeadas por algo psíquico, e portanto suas causas
acham-se no somático e no psíquico. Constítuem certa con- As neuroses psicogênicas, d1f'erentemente, partem do m'-
trapartida as neuroses reativas, que são reações mórbidas vel psíquico e muitas vezes atuam no somático. (As neuro-
no psíquico, mas que podem ser desencadeadas tanto por ses compulsivas formam, no concemente, uma exceção, pois
elementos origmaríamente somáticos quanto também por seu campo de atuaçao' permanece no psíquico.) Como as
elementos psíquicos; suas causas estão no somático ou no
psíquico. Contam-se entre elas, como forma particular, as
“neuroses 1a'trogênicas", desencadeadas por um médico ou ' A Tabela foi tirada do livro Theorie und Therapie der Neu-
terapeuta (1n'voluntariamente). F1n'almente há a1n'da as neu- rosen, de Viktor E. Frankl (UTB 457) e, com a permissão do Autor,
lígeíramente modíricada.

86
87
neuroses noogênicas na.o~ remontam a uma causa real de
doença mas simplesmente a uma frustração do espírítuaL Em todos esses casos, tanto nas neuroses psicogé-
sua flecha está indicada em pontos m'terrompidos. Para as nicas como nas (pseudo)neuroses somatogénicas
doenças psicossomáticas a flecha está também pontilhada. - a logoterapm é ejiciente, não no sentido de uma
porque estas não são causadas mas símplesmente desenca- terapm especifica, mas no de uma terapza' inespecí-
deadas pelo psíquíco. A representaçao~ sun'bo'lica das (pseu- fica. Como tal, importa~lhe menos o sintoma do que
do)neuroses somatogênicas, por outro 1ado, segue o pr1'n- a atitude do paciente ante o sintoma; pois dema-
cípio normal causa/efeito, ficando desta vez as causas na suz'das vezes a atitude negativa em causa é o elemen-
esfera somática e os efeitos na esfera psíquíca. Nas neuro- to proprmmente patogen^ico. A logoterapm distingue
ses reat1'vas, fm'almente, as flechas de d1f'erente direção m'di- aí vários modelos de atitudes e tenta, do lado do
cam que no psíquico há reações de toda espéciez reações a paciente, produzir uma mudcmça de atitude; em
algo que vem do psíquíco, reaçoes' a algo que vem do somá- outras palavras, ela é verdadeiramente terapía da
tico e por fim até mesmo reações que foram desencadeadas reorientaçãa (Frankl, 25)
de fora por uma “1esão 1a'trogêm'ca" - a respectíva flecha
está pontilhada porque se trata, ao contrário, somente de Mas a propósito é preciso d1z'er que foram oferecidas
um desencadeamento. pela logoterapia menos técnicas limadas e sutihzad'as do que,
Agora gostaria de dexxa'r de lado por algum tempo a antes, normas da arte de 1m'provisar que auxiliam o tera~
classüicação das neuroses segundo a logoterapia, para em peuta a sm'tomz'ar sua terapia com a particularidade e as
seguida apresentar os métodos da logoterapía, estabelecer as necessidades de cada paciente.
oportunas ligações entre os quadros patológicos e os méto-
Sabemos que a logoterapia não tem em mira prm'cípal-
dos de terapia a empregar.
mente a investigaçao' de causas de doenças psíquicas, mas
Na logoterapia conhecemos três grandes grupos de mé- sim o melhor modo possível de lidar com essas enfermida-
todost mtenção paradoxal, derreflexao' e modulação de ati- des. Por consegum'te, em pnn'cípio, ela não é uma psicote-
tudes. Os doís pr1m'eiros conceitos provêm de Frankl, e são rapia da “descoberta” do desconhecido, e sim uma “explo-
por ele minuciosamente descritos em seus livros; o concei- ração” do terreno, mas que quer também descobrir o que
to de modulaçao~ de atítudes é proposta mmh'a,' mas não no homem desperta forças vivas e sadias, mesmo que sua
51'gmf'ica que eu o tenha ínventado como método próprio. vida esteja ensombrada de doença. Como em geral se acha
o que se procura, assim a logoterapia pode indicar uma sé-
Antes, procurei reunir num conceito várias técnicas de en-
rie de fontes de força, de natureza espin'tual, das qums'
trevista e proced1m'ent05 da logoterapia, como por ex. o
poderá o paciente servir-se a fim de ter o domínío de sua
“d1'a'logo socrático”, os “me'todos do denomínador comum”,
da “conversaçao' para achar sentido" etc., e a expressão “mo- vida. Uma dessas fontes de| força é a capacidade humana de
dulação de atitudes” pareceu-me aprOpriada para isso. Ela tomar dístãncia de si mesmo (autodístanciamento), para
cujo fortalecimento recorrese ao método da intenção para-
se distíngue claramente da “mudança de comportamento",
doxaL Outra fonte é a capacidade humana de autotranscen-
uma proposta da Terapia do Comportamento, chamando a
dência para cujo fortalecun'ento é apropriado o método da
atençao' para o objetivo central da logoterapíaz sua meta
derreflexão.
nao~ é mod1f'1'car o comportamento, mas mudar a atitude.
Com discussão mais aproximada desses dois métodos
se tomará rapidamente mais compreensível o que eles que-
Ú
Pela pnm'eira vez mencionada por Ehs'abeth Lukas num En- rem d1z'er. De modo breve pode-se d1ze'r que a m'tenção
contro da Academia Católica de Fríburgo, com o tema “Crise e re- paradoxal se distancia de desencadeantes psicoge°m'cos. e
humanlz'açào da psicoterapia”, em maio de 1975, publicada em pri-
meira mão por Ehs'abeth Lukas no livro Auch dein Leben hat Simz por esse meio torna-os m'eficazes. Tais desencadeantes são
1(98=0Ta.mbém tua vida tem sentído), LívranaH Editora Herden n. 825. em especial expectativas negativas, as assxm' chamadas “an-
). siedades de expectatíva", que têm a propriedade fatal pre-

88 89
cisamente de fazer acontecer a c015'a esperada, no sentido Que a hiperreflexão esteja ligada a um cru egocentris
de “selffu1fi111n'g prophecies" (-_ previsões que se cumprem mo, é coisa evidentez quem fica constantemente mminando
por si), como d1z'em os amen'canos. suas grandes ou pequenas preocupações e indisposições nao~
consegue ver outra coisa a não ser a si mesmo; ele é um
O método da derreflexão, pelo contrário, reduz egocen- prisioneiro do seu bem-estar perturbado. Assim, se a m'ten-
trismo e hiperreflexao' e seus efeitos. Eu poderia observar ção paradoxal se compromete com a expectativa demasiada-
que o fenômeno da hiperreflexão - que é um contm'uo gra- mente ansiosa do negativo, a derreflexão engaja-se na luta
vítar do pensamento em redor de um problema, sem poder com a observação e sobrestimação mórbidas do negativo --
despegar-se de uma coisa - hoje estende-se largamente a ambos pontos de vista em que o homem moderno está mui-
preocupações mf'1m'as e exagera por demaís muitas cargas to ameaçado.
psíquicas de maneira completamente supe'rf1ua. Se os ho-
mens de épocas anteriores, com sua labihdade psíquica,
eram maís m'clm'ados a reprimir seus problemas, os homens Intenção Paradoxal Derreflexâo
de hoje tenderiam, antes, a hiperrefletir sobre os mesmos,
o que não é menos malsão. Pode-se para o caso imag1n'ar os
dois fenômenos “repressao'" e “h1'perreflexão” como dois
l
fortalece a capacidade
l
fortalece a capacidadc
pólos situados nas extremidades de um e mesmo continuum, de dc
sobre a metade do qual está distribuída a atenção adequada autodistanciamento autolranscendéncia
para a solução adequada de um problema.
l
distancia-se de
l
reduz
solução adequada desencadeantes psicogêm'cos egocemrismo e hipcr-reñexão
....______. hiper-reñexão e toma-os ineñcazcs e seus efeitos
do problema

Partm'do-se desse modelo, é lógico que deva haver mé- Modulaçâo de atitudes
todos que, no caso da repressão, visem a trazer ao conscien- 4//\›
te a problema'tica, e no caso da hiperreflexão deva haver incrementa a incrementa a
métodos que visem a de1xa'r m'conscientes os processos vi- "força desafiadora do espírito" "vonlade de semido"

l l
tais objeto de excessiva atenção, como por ex. o método da
derreflexao~ logoterapêutica.
melhora a atitude melhora a alitudc
_d_1_ante do neg_ativ0 dimte do posilivo
Hoje não deverza'mos mais inszs'tz'r de nenhum modo e poss1b111ta o domínlo sobre ele e possibilita modos de haun'-lo
no ponto de vzs'ta de que a psicoterapia venha ao
paczen'te para tomá-lo consciente, a qualquer pre-
ço; p01s' o psicoterapeuta só de passagem deve fazer
O método da modulação de atitudes tem em sua grande
com que algo passe ao consciente. Ele há de fazer
possibilidade de variação doís pontos prm'cipais. Como o
consciente o inconsciente só para afinal dezz'á-lo vol-
termo mesmo indica, esse método qruer ajudar o paciente a
tar a ser inconscíente; ele tem a transferir a “po-
melhorar sua atitude referente a algo, mas este “algo” nào
tentza'” inconsciente ao “actus” consciente - sem
necessariamente deve ser negativo, por mais que 15'to seja
nenhum outro fz'm, porém, que não seja afinal pro-
comum. A atitude de um homem em referência a algo positi-
duzir de novo um “hab2'tus” inconscienta O psz'co-
vo talvez seja também digna de melhora, por estranho que
terapeuta tem de restaurar a evidêncza' em si de
isto pareça. Constituem este algo positivo certas condíçoe's
performances inconscientes. (Frank1, 26)
de vida marcantes, como talentos, dotes, meios Inmn'ceiros,

90 91
am1za'des etc., em todo caso, condições de vida com as quais Vamos agora tentar unir umas e outros - os diversos que-
o índivíduo poderia construir uma existência sígn1f'icativa e dros das dOenças com os respectivos métodos de aplicaçào -
satisfatór1'a, no entanto mantém apenas uma atítude correta. e para esse f1m' vamos servir-nos de um novo quadro es-
São conhecidos, mf'ehz'mente, na psícoterapia muítos casos quemático.
em que, apesar de boas condições de vida, vivese uma exís-
tência sem alegria, prevalecendo o desânímo, o tédio e a
satmação, e surgem até mesmo idéias de suicídio. Os jovens
particularmente estao' por vezes inc11n'ados a não valonz'ar
o positivo que eles encontram, ou a não aproveitá-lo como lntençâo Paradoxal Derreflcxào
fundamento de uma formação positíva da vida, e em vez
disso irrítamse de tal modo na crítica contra o negatívo
que cedo só vêem em tudo o negativo. Mas também adultos
r_|___l
é ulilizada é utilizuda
querem cada día espremer mais de suas vídas - de qual-
quer modo já confortáveis - perdendo assim toda alegría
de viver. Este comportamento foi m'centivado pelo enorme
l
em em em
progresso técnico e luxo dos ul'timos decêmos que criou fa- neuroxes doençqs
neuroses psimgênícas
cilídades espetaculares mas nem sempre com os melhores (ansiedade. compulsão) psicogênicas psicosmmúlims
resultados para a saúde mental geraL Neste ponto é que o (d¡'stu'rbios sexu.u"s) e distúrbios do sono
método da modulaçao' de atitudes tem aplicaçao' utílíssima,
ativando a “vontade de sentido" que todo homem traz em si,
segundo a concepção da 10goterap1a', cuja ativação faz hau~
rir ao max1"mo de toda a profunda plem'tude da existência. Modulaçâo de atitudes

Mais difícü é, sem du'vida, conseguir uma boa atitude Éwm


face do negativo l em face do posilívo
1'nterior em face de um estado de coisas negativo. Há casos em
que só se tem como mod1f'ícar essa sítuação através do de-
senvolvimento de outra atitude melhor. Mas há também é utilizada é utilizada
outros em que não se bem como mudarw absolutamente nada
do estado de coisas negativo, como por ex. nas doenças físi- em para superação do em
cas, paralisias, amputações _ , ou em perdas dolorosas, como neuroses realivas sofñmento neuroses noogênivas
(histen'a, mania, e depressoe's
na morte de um parente. Entretanto, mesmo quando nada
neuroses noogênicus
mais pode ser mod1I'1'cado, sempre poderá ser h'vremente es- ¡atrogênícas)
colhida a atitude em face do irremed1á'vel, e dela depende por
sua vez como dominar m'ten'ormente este irremediáveL Cm em
O homem nao' pode sucumbir ao sofnm'ento, pois possui em (pseud0) neuroses rcveses
si a “força desafiadora do espírito” que o capacita a trans- mmamgênicam irremediáveis
formar um mal irremediável numa obra humana e até num doenças físicas da sorte
triunfo humano, como Frankl provou na própría came du- graves e psicoses
rante suas amargas experiências da guerra, que desde então
continua a transmitír aos outros homens sofredores como
mensagem de esperança.

Assm', tomamos conhecimento, em rápido esboço, da O quadro acima mostra que a intenção paradoxal é utilí-
classüicação logoterapêutica das neuroses (cf. p. 86) e dos zada principalmente em neuroses psicogénicas e certamente
três grandes grupos de métodos da logoterapia (cf. p. 91). em neuroses de ansíedade e neuroses de compulsa'o. Mostra,

92 93
em seguida. que a derreflexão é ut1'l1z'ada igualmente em neu-
roses psicogênicas, a saber, em distúrbios sexuais psicogêm'-
cos e em doenças psicossomáticas e dístur'bios do sono. A mo- 2
dulação de atitudes em sua área de aplicação divide-se em
d01s' ramos, negativo e positivo. Em face do negativo, ela é
utíhz'ada em neuroses reativas, por ex., hísteria, mania e
lesões iatrogêm'cas, como também para superação do sofri- GENESE DAS NEUROSES DE ANSIEDADE
mento, quer seja causado por doença quer tenha causas for-
tuítas. Em face do pos1't1'vo, aplicase modulzetçao~ de atitudes
no caso de neuroses e depressões noogênicas. Como vemos, os
cm'co grupos de neuroses defmidas por Frankl estão 1n'te-
grados neste esquema: as formas psicogêm'cas, somatogêm'-
cas, psicossomáticas, reatívas e noogêm'cas. Nos capítulos se-
gumtes vamos descrever com mais pormenores esses qua-
dros patológicos e mostrar diretnz'es da prática logoterapêu-
tica para que o leitor possa receber disso tudo um ou outro
Intençao' paradoxal é uma discussâo entre d1m'ensão
estun'ulo à reflexao' em benefício próprio e no de outras
espirítual e d1m'ensão psíquica do homem; é praticamente
pessoas.
um diálogo entre ambas. Uma deb1'h'dade psíquica precisa
ser superada pelo espírito. Por vezes a dun'ensao' somática
também particípa, mas só em função reativa. Se fatores fí-
sicos causais, que, portanto, produzem o efeito conjuntamen-
te, exercem um papel ativo no processo da doença (como por
ex. uma hipertireose), só com extrema cautela se utihza' a
1n°tenção paradoxal, pois antes de tudo é com o aux111"o da
medicma' que se pode contar. As debilidades psíquicas, que
precisam ser vencidas pelo espírito, em pnm'eíro lugar, de-
vem remontar a uma causav.ç9.o~ psíquica, isto é, a fatores emo-
cionais. Em geral, é esse o príncípio da ansiedade de expecta-
tiva, que é interrompida mediante a intenção paradoxaL

Nas neuroses, basicamente, pode-se observar sempre um


processo circular, uma espécie de “círculo vícioso” em que
o doente está inevitavelmente envolvído. Pr1m'eiro, ele não
confia em si (nem nos outros), de antemão não espera nada
de bom; depois, vem o fracasso, o naufrágio, depois ele nào
terá coragem para mais nada, e leva sua fraca autoconscíêm
cía repetidamente a cometer falhas, e destas díretamente de
volta ao enfraquecímento progressivo da autoconsciência.
Semelhantemente dá-se com o cium'e excessivo (mais uma
variante da neurose!) que faz, francamente, uma “pré-pro-
gramaçao'” da perda da pessoa amada, uma perda que o
ciúme com maior força aumenta até o excesso; e assnn' por
d1'ante.

94 95
produz
d ylÁ

Como bem sabe todo clinico ímparc1a'l, é a ansze'da-


n .¡.¡m~

de de ezpectativa não raro o elemento propna'mente


patogênico na etiologm das neuroses, e 1s'so de tal
.».

jorma que f2:ca' um sintoma, de si fugaz e como tal acontccimenlo processo circular ansicdadc dc cxpccmtiva.
inócuo, enfocando-se centralmente a atenção do m- neganvo da o aconlccimcnto
ciente em torno desse sintoma. ("sinloma") neurose de ansiedade podcrá repcúnsc
("fobia")
O chamado mecams'mo da ansiedade de ezpectativa
é familmr ao prátíco: o sintoma gera uma fobta' 04
correspondente, a mesma fobw' reforça o sz'ntoma,
e o sintoma reforçado confirma ainda mais no pa-
VQD
. _. ~._ .-

ciente o receio da volta do sintoma. O paciente en-


cerra-se no circulo vicioso que aí se fecha, onde fi- fixa
ca recolhido como num casulo. (Frank1, 27) ®
lhe resta senão abandonar o vagão na próxima parada.
Nas neuroses de ansiedade o “círculo vicioso" aparece 0 modelo Ióbico, assim, já está traçadoz essa pessoa s¡m'-
da segumte maneiraz um acontec1m'ento negativo casual - plesmente nao' suporta mals' usar o metrô. Possivelmente
o mais das vezes é um acontecun'ento traumatizante - ge- logo de1xa'rá também de andar de ôm'bus, porque até nestes
ra a ansiedade, e numa próxima situação semelhante pode- aparecem as mesmas ansiedades de expectativa, e afmal' nem
rá o acontecimento repetir-se. Mas esta ansiedade de ex- os carros comuns; a ansíedade por medo ao enjôo generah'-
pectativa, por seu lado, faz o m'divíduo ficar tão m'seguro e za~se e hm'íta sempre maís sua liberdade de movimenm
reagir tão crispado que o acontecimento temido volta de- Para estabelecer-se este processo circular de neurose
pressa a acontecer. Com lss'o o processo circular já está fe- concorrem muitos fatores, e são detectados precmam'ente os
chado, porque depoís do regresso do acontecimento (ou
segumtesz
“sm'toma”), a ansiedade de expectativa cresce g1'gantesca-
mente (até a “fobia") e produz sempre mais o sm'toma, tao' 1) certa disposíçao' de caráter;
logo surja a sítuação de ansiedade. O prisioneiro de um tal 2) certa labüidade vegetativa;
“circulo vicioso" supostamente am'da poderá salvar-Se com 3) um acontec1m'ento traumatizante;
o evitar essa situação angustiante. Mas isto o entrega de vez 4) fraca autotranscendéncia.
à sua neurose de expectativa, porque a ansiedade costuma
generahz'ar-se, e quanto mais ele pretende evitar situações Coloquei no esquema acima esses num'eros, referentes
angustiantes, tanto menos é capaz de resistência contra a sua aos quatro fatores, e gostana' de dar alguns esclarecímentos
ansiedade. sobre cada um, a f1m' de evítar a impressão de que o modelo
de explicaçao' exposto para neuroses de ansiedade seja de
Ebcamínemos esse contexto no exemplo de uma fobm mashdo sun'phs'ta.
de metrô. O indivíduo acidentalmente sentiu-se mal alguma
vez fazendo um percurso de metrô, talvez por causa da falta A dzs'posiçao' de caráter (1) que destma o m'divíduo a
de oxigênio em compartimento abarrotado de gente. Esse todas as neuroses é marcada por duas caracter1s'ticas: por
passageiro parte para a próxnna' viagem de metró já com uma propensão a tornar-se, o m'divíduo, rápida e facilmente
grande mal~estar, porque fica pensando todo 0 tempo como m'seguro, e o fato de se lhe “engancharem” os pensamentos
lhe será penoso e desagradável sentir-se mal de novo, e se por quaisquer bagatelas, que nào se conseguem desligar e
tiver de pedir um lugar para sentar-se etc. Fica tenso e cris- pôr de lado. (Já tocamos neste assunto por ocasião da dis-
pado em razao' desses pensamentos. percebe que se expr1m'e cussâo do estudo de caso.) No exemplo com a fobia de mes
maL banha-se em suor, o coraçao' bate até o pescoço e não trõ, esta dls'posiçao' de caráter foi a causa de mn'guém ter

96 97
dito, após o pnm'eiro aparecimento casual do enjôo, durante
c) acontecimentos que, ligados a um dano social (rea1
a viagem em referência: “Graças a Deus, passou". E ponto
ou 1'maginán°o), e portanto representam por ex. si-
fm°al. Tívesse sido este o caso, o processo circular em abso-
tuações rídículas, atuam vergonhosamente aos olhos
luto não teria prossegm'do. Mas aqui plantou-se a inseguram
das outras pessoas etc.
ça - também se poder1a' falar em falta de confiança radi-
cal - e mduz a pessoa em questão a pensarz “Por amor de
Como se vê, acontecimentos que se tornam a igm'ção iní-
Deus, isso no fim vai me pegar de novo da próx1m'a vez!"
cial de um processo circular de neurose de ansiedade são ca-
Associamse a este pessímismo básico os pensamentos “en-
pazes de mexer com a parte substancial da vida de um ho~
ganchados”. e isto signüica voltar a pensar inm'terruptamen-
mem.
te e c0m medo na desagradável experiência do metró. Am~
bas as coísas m'troduzem juntamente a perigosa ansíedade O quarto e último fator (4) é a fraqueza da autotrans-
de expectativa. cendêncza', que favorece a doença fóbica. Ela é responsável
pelo fato de vir a ansiedade a dominar. Quando alguém con-
Passemos ao fator (2). A labilidade vegetativa é respon- centra m'teiramente o espírito em conteúdos vitais significa~
sável pelo fato de a ansiedade de expectativa também poder t1'vos, a ansiedade de expectativa sofre maior ou menor per-
realmente provocar reações soma't1'cas. Nem todo organismo
da de objeto, porque a atenção total do m'divíduo também
partícípa. Se o m'divíduo sofre angus'tia pela próxjma v1'a-
já não lhe pertence. Aquele, por ex., que na ida para a esta-
gem de metró, mas nào obstante não se sente ma1, o proces-
ção do metró, em vez de fícar ruminando se durante o per~
so circular pára, e a ansiedade vai também sumíndo aos
curso irá sentir enjôo, pensasse intensamente em dar um
poucos. Há entretanto combinações muíto estreitas entre o
presente de aniversário à sua velha mãe, ele iria “esquecer"
estado psíquico e o somático que em parte ainda não foram
estudadas pela ciência. Mas sabemos que elas existem. Basta de ter medo e viajaria sem problemas no metrô.
pensar no fato de mortes “sem causa" aparente, acontecidas Resumm'do, consideremos em que ponto deste processo
entre membros de populações prinu'tivas, que morrem sub1'- circular da neurose de ansiedade se pode agora entrar com
tamente em razão de feridas psíquicas (“mald1'ção de pros~ ação terapêutica para faze-^lo implodir.
crição”). Ou o trágico fenômeno, conhecido em nossas so-
ciedades, dos bebês desprezados, que muítas vezes até ces- Quanto ao fator (1) da p. 97z
sam de respirar. Estes fenômenos 1m'plicam em neurose de
A disposição de caráter de um indivíduo é modificável
ansiedade na medida em que “a ansiedade reativa de expecta-
só em mm'imo grau; exige mmto tempo, um treínamen-
tiva tranca-se numa prontidao' vegetativa à ansíedade” (28),
to férreo e paciência (e' objeto da Terapia do Compor~
e dessa maneira poderá atrair diretamente o elemento te-
tament0).
mido.
O terceíro fator é o destino (3), que também de algum Quanto ao fator (2):
modo entra em tudo, e que, como desencadeamento de toda Pode-se estabüizar a labilidade vegetativa com medica~
fob1'a, representa um fato de origem que tem um peso bas- mentos e, eventualmente, com gm'ástica e esporte, sendo
tante grande para os sujeitos. Milhares de acontecimentos esta ú1t1m'a m'd1'cação a melhor, quando vista a longo
passam por nós sem desencadear uma reação neurótica, mas prazo (é objeto da Terapía médica).
certos acontecimentos trazem em si essa ameaça de modo
todo partícular como: Quanto ao fator (3):
O destino (: elemento fatalíst1'co) não é modíficável;
a) acontec1m'entos ameaçadores de nossas vidas (por ex.
pode, quando muito, tornar~se transparente (e' objeto da
quedas perigosas, ataques de asf1x1"a etc.;
Psicologia Profunda). Mas, mesmo que se consiga ter
b) acontecun'entos que despertam recordações doloro- conhecimento e aceítação posterior do destm'o, 0 pro-
sas (por ex. um trauma de infância ou de situações cesso circular neste passo poderá ter-se tomado autôno-
desagradáveis, sofridas no passado); mo e por isso contmuar seu curso.

98 99
Quanto ao fator (4):
A qualquer momento se poderá fortalecer consideravel-
mente a autotranscendência do indivíduo, porque é um
potencial do espírito que como tal permanece não dam'-
3
ficado pelo fato da doença. É aquí que a logoterapia tem
aplicação.
SOBRE A CURA DAS NEUROSES DE ANSIEDADE
Antes de entrarmos no modus operandi da logoterapla',
seja díta am'da uma palavra sobre possívexs° combmações dos
díversos elementos da terapia. São oportunas tanto a com-
bm'ação “1n'tenção paradoxal .I+ trem'amento do comporta-
mento" quanto a combmaçao" “1n'tençao' paradoxal _+ medi-
camentos/esportes”. Por ul't1m'o a terapia somatopsíquica si-
multan“ea é rotulada por Frankl de “pm'ça terapêutica”.

Do esquema da p. 97 depreendeu-se o grave fato de


No espirito de uma terapw somatopsiquica é me- que no processo circular da neurose de ansiedade o sm'toma
ciso aplicar um lado da pinça te'rapeu'tíca - capaz produz a fobia e a fobia f1x'a o sintoma. Chegamos à com-
de interromper e fazer explodir o círculo neuróti- clusão de que se deve antes de tudo atacar terapeuticamen-
co - sobre a Zabilidade vegetativa como o pólo te a ansiedade de expectativa subjacente à fobia, pois esta
somático, e o outro lado da pinça terapeu'tica sa
não só mantém o “círculo vicioso” em marcha, como tam~
bre a ansze'dade reativa de expectativa, como o pólo
bém estorva o desenvolvimento da autotranscendência do
psíquica (Frank1, 29)
1n'd1'víduo porque o obriga a pensar contmuamente nela. Co-
mo, então, neutrahz'ar a ansiedade de expectativa, como
A combm'ação “m'tenção parad0xal 5+ anáhse' do desti- poder expulsar o medo? Precísamente, só se o m°divíduo sou-
no” ao contrário tem poucas perspectivas porque, depois de ber desejar com veemêncm o objeto temido. Porque medo
se estabelecerem as marcas do destm'o na vida, começa a e desejo se 1m"bem reciprocamente e por isso se anulam re-
germma'r um sentnn'ento de nao'-liberdade própr1a' que está ciprocamente. É simplesmente impossível ter medo da che-
em contradíçao' com a conscíência de liberdade espirituaL gada da noite e ao mesmo tempo desejar que finalmente
subsxs'tente apesar de tudo, e com que a logoterapia opera. comece a anoitecer - isto produz uma “m'ibição recíproca”:
Além d.1'sso, o fato de um m'divíduo ocupar-se com o passado o menos do medo e o mais do desejo neutrahz'am-se um ao
da vida agrava necessan'amente a concentraçao~ sobre o eu, o
outro em zero.
que pre015'amente enfraquece a capacidade de autotranscen-
dência -- capacidade esta que, segundo a doutnn'a adotada Naturalmente, não é nada fácil desejar a coisa temida;
pela logoterapia, pre01s'a ser fortalecida. isso só se consegue com uma forte mobihz'ação espiritual, e a
reserva de forças de onde esta se pode haurir acha-se na
capacidade de autodistanciamento e no humorismo. Lembre-
mos amda uma vez o paciente com fobia de metrô. Já a ca-
mmh'o do metrô ele sofre a ansiedade do enjôo que se m'tro-
duz rapidamente. Mas passemos logo à ofensivaz ele não
gostaría nada de usar o metrô sem problemas! Não, dlz' ele
m'teriormente: “Um pouco de enjôo não seria nada mau; na
melhor hipótese, não importa que eu desmaie, entrando no
vagão, ao menos me é garantido um lugar para sentar, e vou

100 101
até recuperar um pouco do sono matinal interrompido, pois meço, apenas por ter ouvido ou lido sobre este método em
eu me levantei cedo dernais!” algum 1ugar. Contou-me uma de minhas alunas. que conhe-
Que irá acontecer agora? Se o paciente de fato consegue ceu a intenção paradoxal em minha aula, o seguinte. Na m-
ter força para esse desejo paradoxa1, nem que seja só por fância ela foi uma vez atacada por um cão e desde esse tem~
breve tempo, é certeza então que nada irá acontecer, abso- po tomou tal medo de cae's que sempre mudava de calçada
lutamente nada, nem “u.m píngo de enjõo". É que, se o m'di- na rua quando via de longe um pedestre com seu cão no pas~
víduo quer sentir-se mal, não é nada fácil conseguir isso, seio lateraL Era por isso muitas vezes objeto de r15'o. e que-
nem com a melhor vontade do mundo. Não lhe acontecerá se de1x'ou de sair junto com as amigas porque não sabia co~
nenhuma tensão, nenhuma crispação que possa eventualmem mo explicar seu caminho em ziguezague pela rua, de cá para
te provocar-lhe no cérebro uma anemia passageira. Ao con- 1á. Durante as ul't,ímas férias de Natal ela tentou usar a ín-
trário, se ele a1n'da sorri mteríormente da ide'1a' exagerada tenção paradoxa1: ela se propós passar, com desprezo da
e absurda de “desmaiozm'ho conforta'vel, entre sonhos agra- morte, ao lado do primeiro cão que encontrasse e ao mes-
dáveis”, e sabe apreender o lado cômico desse absurdo, en- mo tempo falar a sós com e1e. Passou a chamá~lo, interior-
tão sua circulação regula como nunca e 0 indívíduo relaxa mentez “Vamos, atreva~se, mostre os dentes, mostre o que
sorridente e bem distanciado de um enjôo psicogênico. Logo você sabe fazer!" Ela realmente fez a experiência e em pen-
que a ansiedade de expectativa for, por assím d1z'er, parali- samentos até faIOu com o cachorro estranho, quando tinha
sada mediante a m'tenção paradoxaL o sintoma de1x'a de já passado por ela. “Estou muito desapontada com você”,
comparecer. Desde esse momento, o processo circular cor- pensava, seg1nn'do-o com a vista, “seu cachorro covarde, nâo
re na outra direção; não comparecendo o sintoma, o pacien- é capaz de nada, nem da mais mínima mordid1nh'a!. . ." Fi-
te cobra ânimo, tem menos ansiedade, pode parodiar mais nalmente o medo de cães cedeu de repente, e quando, depois
facilmente os seus sentimentos de angústia. .. por outro la- de algumas semanas, eu falei sobre isso com essa aluna, ela
do, não aparecendo nenhum sm'toma, ele cresce em seguran- me disse que nem pensava mais em cachorro, andando pela
ça, não espera de modo algum que lhe suceda um mal de- rua.
masiado; nâo precisa evitar situações ansiosas e imediata- Perguntemosz qual é propriamente o mecanismo que
mente passa a movimentar-se de novo livre de angústia. garante que a 1n'tenção paradoxal não atue sobre a realida-
Ninguém contesta que o uso deste método é a princípio de? Toda a discussão interna é algo assim como um “com-
muito d1f'ícil. Ao terapeuta e d1f'ící1 achar as fórmulas para~ bate de sombras por baíxo da realidade". De um lado há que
doxais corretas para o paciente e motivá-lo a d1z'ê-1as, tam- tratar com uma ansiedade irracional, isto e', não condizente
be'm, interiormente. Numa problemática como a da fobia de com a situação. Embora, basicamente, seja possível alguém
metrô, recomenda-se ao terapeuta praticar o total in vivo, desmaiar ou ser mordido por um cão a qualquer momento,
isto é, víajar de metrõ junto com o seu paciente e a cada é porém na vida do día-a-dia improvável que isso aconteça
estação 1embra'-lo que, entre uma e outra, bem poderia ven- neste exato momento; por isso não é válido que o índivíduo
cer 0 prazo para um “desmaiozínho confortável“, e que ele fique eternamente preocupado. (Se alguma vez ele precisar
não deve de1x'ar passar essa “ocasião para uma boa soneca”. se tratar de uma ansiedade realista, isto é, condizente com a
E também é d1f'íci1 para o paciente arr1'scar-se ao procedi- sítuação, a intenção paradoxal seria despropositada. A mn"~
mento proposto, porque sempre lhe resta a compreensível guém por ex. se recomendaria enfiar a cabeça numa jaula
suspeíta de que a coisa temida possa comparecer, apesar do de tigre e pensar consígo, ínteriormente: "Vamos, morda!")
desejo paradoxaL Somente quando tiver experimentado re- Na neurose de ansiedade, portanto, exisbe uma angústia ir-
petidamente que isso não acontece, tomará mais coragem e racional que, apesar da irracionalidade, de alguma forma
logo saberá ajudar-se a si mesmo até sem auxílio do tera- atua sobre a realidade, produzmdo sintomas (enjóo no me-
peuta.
tró) ou reações de fuga (mudança de pista na rua) etc.
Pode dar-se que algue'm, completamente só -- sem aju-
Por outro 1ado, o desejo paradoxal é igualmente irracio-
da de um terapeuta -, consiga ajudar-se por si desde o co-
nal - poderia dizer-se: um absurdo se expulsa com outro

102
103
que a capacidade de rendimento, em situações normais de
Realidade carga, na vida, mod1f'ica-se de maneira muito desíguaL Em
muitos indivíduos ela vai aba1x'o consideravelmente, outros
< pode atuar ›
não atua são estimulados ao sucesso. Aqueles que sob carga tém que
da de rendimento sao~ também chamados “ca.mpeoe's mun-
diais de trem'a.mento”, porque se assemelham a esportistas
que apresentam altíssimos rendimentos quando em cond1-
ções neutras. mas ao tratar-se por ex. de uma competição,
/ falham Descobriu-se agora que a queda de rendimento des~
W
Ansiedade Desejo ses “campeões mundiais de treinamento” é causada por uma

/// ///
(irmcional) (paradoxal) superelevada ativação do córtex cerebral sem controle, e esta
superativação por sua vez é condjcionada por Iatores emo-
cionais de distúrbio -- leia-se: ansiedade.
"Combate de sombras por baixo da realidade"
Com outras palavras, se se conseglür enganar a ansie-
absurdo - o desejo por sua vez não atua sobre a realidade, dade a curto prazo - mediante um “truque” - aí a su-
mas impede os efeitos do irracional na rea11'dade. E isso, cer- perativação retrocede, a eletricidade negativa do córtex ce~
tamente porque, por seu exagero bem-humorado, ele não tem rebral aumenta, e com isso eleva-se também a capacidade
nenhuma chance de atuar por sugestão. As fórmulas parado- do 1n'divíduo e desaparece o motivo para ansiedade. Mas é
xais não d1z'em: “. . . Não me importa que eu me sinta mal”, precisamente isso que a reaçao' em cadeia cura, posta em
ou “. .. 0 cachorro vai certamente me morder" etc.: isso marcha pela intenção paradoxal.
seria uma auto-sugestão perigosa. Não. É preciso que o “de- Desejo pamdoxal plano
sejo veemente” se harmon1z'e com a própria fórmula que (=mobilização da capacidade dc autodislanciamento) cspiñlual

l l
provocou uma sã rebeldia para não mais ceder a angústias
mesqumh'as e para fazer troça delas com uma virada ao hu-
morismo.
diminuição dos fatores emocionais dc dislúrbio plano
Embora se saiba por que o desejo paradoxal não pro- (=afr0uxamenlo da ansicdade dc expeclativa) psíquico

l l
duz a coisa paradoxal deseja.da, por muito tempo não se
soube com precisão por que ele impede seriamente a coisa
temida. Medições expenm'entais recentemente rea11z'adas no
Instituto de Psicología de Viena, conduzidas sob a direção retrocesso da supcralivação plmo
(-e*levação da elelricidade ncgativa no somálico
de Giselher Guttmann, trouxeram a possibilídade de um
potencial de lensão conlínua do córtex)

l
novo pnn'cíp1'o de explicação do assunto. No Laboratório de
Investigação do Cérebro, de Viena, há um aparatoso equí-
pamento com auxílio do qual podem ser captadas de todo
o couro da cabeça do indivíduo oscilações de tensão de pou- progresso da capacidade de rcndimcmo plano
cos m11'ione'simos de voltagem. Isto permite observações do no scmndo da ação bem~sucedida psíquico
potencial de tensão contm'ua no córtex cerebral como um (=ausência do sintoma)

l
índícador do respectivo nível de ativação. Aí se mostra que
uma elevação da eletricidade negativa é acompanhada de
fases de maior capacidade de rendimenta Quer dlz'er: sem-
pre que 0 potencial de corrente contínua do indivíduo come- construção da autoconñmça plano
e da conñança fundamcnlal espiñtual
ça a mudar na díreção do negativo, ela se toma “mais ca-
(=base de uma sã realização da vida)
paz de rend1m'ento” (10-20 microvolts fazem já enorme di-
fer\ença). Independente disso, sabe-se pela psicoergometria O quadro esquemático reproduz ao lado dessa reação
em cadeia o processo da interação aí existente, entre as três

104 105
O esboço indica algumas dessas conseqüéncías de sínto-
dimensões do ser humano. Desse processo depreende-se que mas, como sentimentos de inferioridade, reações de fuga, fa-
a logoterapia, com seus métodos, tem aplicação no espiri- lha profissiona1, problemas familiares, depressoe's e estados
tual pelo fato de não poder este cair doente, com o fim de, de desespero, que, cada qual a seu modo, se transformam
- através das outras camadas doentes ou atm'g1'das por dis- em causa de novas séries infehz'es, tal que tudo se entrecm-
túrbios funcionais - construir de novo o espiritual e fm'a1- za e se atravessa.
mente criar saúde na estrutura globaL
Considere~se todaviaz se o paciente pegar de jeito o seu
O desejo paradoxaL é certo, deve ser ut1'hz'ado oportuna-
sm'toma de neurose de ansiedade (ou de neurose de com-
mente, portanto antes que o paciente se enleie na situação
pulsa'o) medíante a intenção paradoxal, pouco a pouco tam-
de angústia, e não apenas quando ele já está envolvido. É que
bém as conseqüências de sintomas regredírào. Isto lhe traz
os fatores de distúrbio do plano psíquico e do somático
um desenvolvimento (psíquico) e este desenvolvimento tem
poderiam já ser tão poderosos que a força espíritual de dis-
tancíamento não seja mais suficiente para produzir um
paradoxo humorado. A “f0rça desafiadora do espírito” é \ ,O
grande - fantasticamente grande - mas tem 11m'ites. /\
_¡ //o
\
D1z'íamos que com a inbenção paradoxal não acontece causa sm oma
/V

@_>OT>O
senão a elíminação da ansiedade por um determinado tem~ Conscqüências
po, o que basta para eh'rmn'ar o sm'toma. Perguntamosz a m'- sinlomáücm
tenção paradoxal é simplesmente um método para demolição
de sm'tomas? Nas numerosas m'vestigações sobre o contro-
le de eficácia deste método nunca se teve de apontar sm'to-
mas substitutos. Isto se explica de dois modos d1'st1n'tos. Em
primeiro 1ugar, o paciente aprende a manejar m'dependente-
mente esse 1'nstrumental, podendo por conseguinte ajudar-se DD
._..
a si mesmo cada vez mais, se a qualquer momento novas an- c
c-
siedades irracíonais vierem surpreendê-lo. Em segundo lu- kxgride
m com 0
gar, pergunta-se se é correta em geral a hipótese de que os uuxñio da
u
tratamentOS de sintomas provocam necessan'amente reação íntenção paradoxal
de sm°tomas substitutos. É, sem dúvida, simples demaís o
4
cv V O
modelo segundo o qual uma causa conduz ao sintoma e que 9 Desenvolvim/cmo
n Conseqüências do
não se pode remover o sm'toma sem remover a causa. Na <v
A //'O descnvolv Imcnto
realidade existem em todo quadro patológico ínteiras séries \› O (psíqu¡co)
de causas e efeitos, e todo sintoma transforma-se novamente
em causa para novas sequ"ências.
O sentimentos de /'
e
O
inferíon'dade ÍI luais

reações de
O fuga

@___› _›o
causa sintom/a/ também por seu lado conseqüênciasz progresso da autocon~
falha fiança, normalização profissional etc. Tudo isso em contra-
proñssional partida poderá contribuir integralmente para que as causas
eventuais, que desencadearam interíormente a série de doen-
\\n problemas ças (traumas sofridos, por exemplo), sejam ao depois muito
O fmilimes
melhor superadas do que se isso tivesse sido tentado ainda
O depressão, durante a existência da sm'tomática maxs° aguda da doença.
desespero Assim, a redução de sm'tomas é não só a “primeira ajuda" que
106
deve ter lugar na psicoterapía a f1m' de frear ° imedjatamen- radamente à situação carregada de angu'stía. Através dlsso
te as conseqüências negativas de sm°tomas, mas é até mesmo tudo dá-se um cresc1m'ento interior que, com uma luta pura~
um meio com o qual talvez se possam remediar as próprias mente racional contra a ansiedade, jamais sena' realizáveL
causas. É nada ma15' nada menos do que o começo da recuperaçâo
da confiança fundamentaL E isto constitui a melhor deíesa
A dts'posição psicofisica e a posição soc1a'l, ao lado contra qualquer perigo de neurose, mesmo quando amda
da disposição vital, formam juntas a situação m- poderiam perdurar suas ra¡z'es.
tural de um indivíduo, mas esta não é o fator de Qual seja a “reorientaçao' ems'tencial" possível no decur~
decisão jinaL O último a decidir é, antes, a pessoa so de tratamento pela logoterapia, poderá sugerir o dese«
espiritual - a atitude pessoal em face da situação m- nho de um dos meus pacientes, que am15'tosamente me foí
turaL Mas quando se trata de uma atitude, sempre permitido publicar. Por anos ele sofreu de estados neuróti~
é possível também uma reorientação. Ora, a logote~ cos, mau humor, angústia e obsessão, que lhe perminm
rap1a' essencza'lmente trabalha sobre zs'so. Mas cer- apenas uma vida cheia de limitaçoe's. Até que consegtn'u,
tamente não recorre às primeiras causas: ela se usando a m'tenção paradoxaL fazer frente às suas ansiedades.
dirige à última causa da doença. Não se 2'nteressa como representou no desenho abmx'o. ..
por causas impropna'mente dz°tas, zs'to é, não se in-
teressa por “condições” mas pela causa própna',
pela “causa” verdadeira da doença. Esta causa ver-
dadeira, contudo - dentre todas as “condições”
intemas como extemas, _ está na tomada de po-
siçao~ da pessoa do doente, e é a esta que sem du'vi-
da recorre e apela a logoterapm como à última ins-
tâncza', àquela que tem a última palavra, a palavra
decisiva. (Frankl, 30)

Entretanto a intenção paradoxal é, afinal de contas, mais


do que um tratamento de sinbomas. O paciente, com auxí-
lío do humorismo, eleva-se am'ma de si mesmo, já não está
entregue ao seu mundo psicofísico; ele se sente forte, pois
de fato demonstra coragem; apesar da ansiedade, ele pega
“o touro pelos ch1f'res” e impõe-se conscientemente e delibe~

A nenhum médico ocorren'a, em caso de apendicibe aguda,


aconselhar ao paciente fazer hnedmtamente exame minucioso dos
dentes. Os dentes caríados poderiam ser causa de insuficíente mas-
tígaçâo das porções na boca durante as refeições, pelo que, os boca-
dos não mastigados, chegando ao estómago e em seu cammh'o se-
gulnte, provocam dístúrbios do apêndice. Com esse procednn'ento
médico, o pacienbe morrería em razão do rompímento do apêndice an-
tes de termm'ar o exame sobre o eventual estrago dos dentes.
Em psicologia, 1nfe11zm'ente, não é de modo algum evidente que
se tenha, primeiramente - não digo unicamente - de afnstar e de
alivmr a neceSSÍdade 1m'ediata_ Quantos pacientes por lss'o já estão
desesperados com as conseqüências de sintomas, enquanto o seu psi-
coterapeuta am'da anda pacientemente à busca das causas possíveis
dos sm'tomas encontrados. . .

108 109
Consideremos primeiro o processo circular da neurose
compulsiva que por sua vez foi feito explodir com auxílio da
4 intenção paradoxa1. No começo está presente - como no
aparecimento da neurose de ansíedade _ algo fatalísticoz o
“incidente” compulsivo é, 0 mais das vezes, uma idéia total-
mente absurda de uma coisa monstruosa que o indivíduo
O PERIGO DO CARÁTER NEURÓTICO COMPULSlVO poderia executar; seria como atirar a criança pela janela,
enfiar uma faca na barríga do v1z'inho, ou empurrar na
frente do ônihus os transeuntes à espera na parada de
ôn1'bus. ..

De onde provêm essas m'cidêncías, nm'guém sabe; ° das-


conhecemos em absoluto como se produz o “incidente", até
mesmo na vida sadia. Não sabemos de onde o composítor
tira suas melodias e o inventor suas 1'déias. O destmo do
neurótico compulsivo e', de qualquer modo, produzir repre-
Enquanto o neurótico de ansiedade, por sua estrutura sentações extraordinanam°ente inverossun'eis, pessimistaS,
de cara'ter, tende simplesmente à insegurança e a ter pensa-
que dízem respeito a ele ou aos seus'modos de agír. (Por
mentos “enganchados", na condição do neurótico compulsi-
inverossímil que seja a idéia que nele venha a “incidir" -
vo se tem que tratar com uma disposição anancas'tica de ca~
isso não é impossíveL O impossível, isto é, o que é estranho
ráter que o 1m'pele ao pedantismo, ao fanatismo de 11m'peza ao rea1, só “1n'cide” no psicótico, para quem a realidade vai

4
e às idéias escrupulosas.
sendo perdida paulatinamente. Assim, poderia por ex. m'ci-

.,4-4
dir no psicótico, de repente, a representação de que ele se
NEURÓTICO ANSIOSO NEURÓTICO COMPULSIVO tenha transformado no díabo em pessoa - o que é fatica-
mente impossíve1, enquanto pode “incid1'r" no neurótico
A insegurança bas'íca e a hiper- O anseio básíco de perfeição compulsivo por ex. a idéia de que ele tenha de repente um
reflexão sobre fatos negativos 1e- cem por cento leva a uma exage-
vam a ansiedades de expectati- rada ansiedade com os defeitos, ataque e enlouqueça - o que, apesar da verossimilhança ex-
va, que justamente ocasionam o e isto resulta ser o maior de- tremamente escassa, sempre é possível em qualquer homem;
negativo. reito. na verdade, por causa dessa verossimilhança muito pequena,
não vale a pena pensar mais ne1a.) Se um homem, agravar
do com a carga de um caráter anancástico, não conseguír
Os dois têm em comum:
levar a sério suas incidências compulsivas, tudo bem; mas
' atitude negatíva de expectativa perante a v1'da, ai dele, se tentar ava1iá-1as, apesar de sua inverossírmlhança
° ansiedade ao redor de si e ansiedade consigo, de ameaça séna', e se tiver medo de que se reahze'm. É que
ele luta contra a suposta ameaça, tentando ev1'tá-la a todo
° tendência à exageração de coisas m's1'gmf'icantes.
custo - não tocar mais no bebê, jogar para longe de casa
0 caráter anancástico é o caldo de cultura em que pode
crescer uma neurose de compulsão, mas não necessaria-
Sabemos pelo menos que elas nâo provêm de um desejo se-
4

mente. Se se contrai ou não a doença, depende da atitude creto. Seríamos muito m'justos com o neurótico compulsivo se qu1-
4,

do m'divíduo em face da sua predisposição de caráter, e a ati- séssemos atríbuir-lhe o desejo secreto daquüo que ele teme. Seu
tude é essencialmente lívre, portanto é também corrigíveL No medo é verdadeiro, se nào, o método da intenção paradoxal nada
._4_

tratamento de neuroses de compulsão, sempre deverá ter lu- poderia fazer em seu benefício. Considere-se quanto seria perígoso
para aquele que sofre temores compulsivos se fosse aconselhndo a
4_

gar em acres'c1m'o, além do tratamento de s1'ntoma, uma cor-


prejudicar as outras pessoas, onde ele tivcsse de “provocar um ba-
reção de atitude, para que o paciente se preserve das re- nho de sangue", quando de fato há por trás uma oculta intenção de
caídas. morte! Mas nâo é este o caso.

110 111
induz à
todas as facas, de1x'ar de usar o ônibus para não causar
mal a mn'guém. Não só isso: ele passa a controlar se não há
nenhum objeto pontiagudo em casa, se o v1z1nh"o está são
e salvo em sua reside'ncia; ou reconstrói mentalmente por ho-
ras a fio os cammh'os por onde andou há pouco, se passou
ao lado da parada de ôm'bus etc. Ele busca, em prm'cípio, ansiedade (med0) processo circulnr temmiva dc asxscgum
uma segurança cem por cento num mundo em que nada de quc cla venha a da 100'7z (o sintoma
é seguro cem por cento. sc lomar rcalidade neurose cumpulsiva compulsivo
(idéia compulsiva) vai fracas.sar)
Pode-se provar que o quadro clinico repet1'tivo, tí-
pico do neurótico compulsivo, pode reduzir-se a
uma insuficzen'^cza' do sentimento de emd'en^cuz', e a
compulsão de controle, a uma insufz'm'encza" de segu-
rança instintiva. Com razão E. Straus opinou que o
mamém
neurótico compulsivo é caractenza'do por uma aver-
são contra tudo que é provisória Nao" menos ca- ídéia incidenle
ractens'tica é, a nosso ver, uma intoleráncm a tu- absurda
do que é acessória Quando se trata de conhecimen-
a ansiedade fíca abolida porque neutral1z°ada pelo desejo
t0, nada pode ser acessón'o, _nada pode ser provzs'ó- paradoxal, fíca então igualmente abolido todo motivo de
rio quando se trata de de01s'ao. Ao contrárzo, tudo
anseio por segurança e de comportamento de ev1'taça'o. O pa-
deve ser dejinido e permanecer definitíva O neuró-
ciente corre de novo o risco de “arriscar uma chance" e ex-
tico compulsivo, porém, gostarw em grau mazz"mo
perimenta a sensação de que as coisas marcham totalmente
de evidencwr tudo - até o que de nenhum modo é
sem perigo; ele na realidade não causa mal a uma mosca
demonstrável racionalmente, por exemplq sua pró-
nem pensa em transformar em realidade uma das suas ima-
pna' ezzs'tenc1a“', ou até mesmo a realidade do mun- gens intemas de horror. Isso lhe dá a segurança, de que
do eIterior. Ora, o mundo extenbr é tão indubitá-
tanto necessita, de nunca duvidar de si, apesar do seu ser
vel quanto indemonstráveL (Frank1, 31) escrupuloso.
Tive um paciente que, quando sua filha trazía para casa
A tentativa para se assegurar um rend1m'ento cem por amigas para brm'car, sempre lhe vinha a idéia de que pode
cento va1', portanto, fracassar, e o comportamento de evita- ria ter toques imorais com as mem'nas, ou até, num momen-
çao" do doente de compulsão sÓ terá como conseqüêncm o to não v1'giado, violá-las. Embora fosse homem profunda~
não maís expenmentar a evidência de que seus “1n'cidentes” mente honesto e de muíta fe', esta visão terrível o perseguia
absurdos sejam realmente absurdos (o m'verossmn"l total). de tal modo que ele preferia trancar-se no escrito'n'o, sempre
Ele não tem ma15' facas em casa mas não sabe se na.o~ assas- que houvesse visita das jovens em casa. Naturalmente, nem
sm'an'a alguém caso tivesse uma faca. Todas as facas retira- a fílha nem a esposa compreendiam o seu comportamento
das de c1'rculaça.o~ também não oferecem juntas nenhuma ga- estranho; a filha acreditava que o pai achasse ruim ela tra-
rantía de que, afinal, não possa usar qualquer outro “1ns'tru- zer amigas, e a mulher o censurava por afastar-se do cum-
mento de homicídio”. Assim o medo da coisa temida Iica primento da obrigação de pai, de1x'ar os filhos fazerem o que
permanentemente ativo, embora a coisa tenüda não se rea- bem entendem. Houve brigas do casal e uma diminuíçzw~ de
bz'e. rend1m'ento escolar da f1'1ha. Com a mmh'a orientação, 0
Aqui tem aplicação o desejo paradoxaL Este consisbe, paciente abalançou-se a sair de novo do escritório, com as
segundo padrão comprovado, em que nada “seja mais reco- colegas de sua filha bnn'cando em casa, mas foi ao mesmo
mendável do que prec1s°amente reahz“ar a coisa temida”. Se tempo exortado à mtenção paradoxaL Ao abrir a porta do

112 113
escritório lá estava ele a “petls'car no lanche da tarde com
umas duas garotas, tendo de compensar~se com as outras soas!) 0 que, por consegum°te, atormenta o neurótico com-
para o jantar”. Entre uma coisa e outra am'da “tmh'a de pulsivo como um pesadelo da possibilidade de tazer isso
ocupar-se um pouco com a f1'1ha” para “não ficar fora de pode em verdade acontecer com alguém que seja quase o
forma o resto da tarde”. Mas diante de Deus confiava tran- contrário do neurótico compulsivoz com o valentào ou com
qü1"lo: “Ele sabia exatamente o que se passava no coração” o psicopata (ver à esquerda, no esboço ao lado). E este, por
e que o desejo paradoxal “imoral” não tmh'a nenhum outro sua vez, não tem medo, embora tenha agído bem em preocu-
fím que restabelecer a saúde mental (desejada por Deus). par-se um pouco mais.
Com esta receita todo o fantasma da neurose compulsiva
(Pensese nesta “tragicomédia": quem fosse capaz de
desapareceu em poucas semanas e o homem contm'ua hoje praticar aquelas ações m'corretas, em geral não teria medo;
um pai amoroso e bom marido. e quem desesperadamente tivesse medo, não seria capaz de
Nas neuroses de compulsão podem-se empregar sem praticá-las!). Se, portanto, as fórmulas paradoxais encora-
reserva fórmulas paradoxais, pode-se aconselhar o pacien- jam o neurótico compulsivo na direção da “alegria do risco”
te a “jogar à toa pela janela os bebês”, ou “espetar 05 v1z1"-
nhos em f1'1a” - todas, coisas que têm uma única conse- Falha
qüência na realidade, isto e', que um pobre homem atormen-
tado fique livre de seu sofrimento. O neurótico compulsivo
jamais cometeria os males que teme, porque, em razão de
seu caráter anancást1'co, ele tenderia é para o perfeccionís-
mo: ele quer fazer tudo correto, absolutamente correto -
é este sem dúvida o seu problema, isto e', diante do sm'cero L_l_\\//l
desejo de fazer tudo bem, pratíca ações afinal totalmente I
erradas. Mas se, com a defesa da m'tenção paradoxal, houver Ansiedade
hwí w
regressão da doença, a tendência à ordem e ao comporta-
Leviandade Neurose
mento correto entrará novamente na normalídade; não se
dará o menor indício de desearn'1hamento psicopático de í *
natureza grave. ' Alegría do risco, Superansiedade,
valemia, timidez,
A esta altura gostaría de lembrar a função em U da desinibição iníbição
ansiedade que, de acordo com investigações mais exatas da
Psicologia Experimental, comprova que as falhas de um m'-
divíduo na vída prática aumentam tanto no caso de alto
/\/ O neurótico compulsivo
teme o que
grau de ansiedade quanto no de baixo grau. D1'z-se por ex., pode acontecer
entre alp1m"stas, que propriamente só dois tipos de pessoas ao leviano!
estão em perígo de precipítar-se: os 1evianos que, mal equi-
pados e com qualquer tempo, querem tomar de assalto os
pícos, e os ansiosos, que sobem por puro medo. e desim'bição, elas simplesmente o empurram ao meio-termo
ponderado, e nunca o de1x'am cair no extremo oposto que
Ora, o neurótico compulsiva sem dúvida faz parte do de modo nenhum corresponde ao seu naturaL
grupo dos ansiosos, medrosos, inibidos (ver, à direita no es-
Ao especialista no assunto impressiona o fato de existi-
boço da pág. ao lado). Mas os conteúdos de suas idéias
rem paralelos entre a intenção paradoxal de V1k'tor E. Frankl
obsessivas poderíam, se tanto, tornar-se realidade entre pes-
soas extremamente levianas e desim'bidas. (O 1'ndivíduo tem e o método da prescrição de sintoma, de Paul Watzlawick.
Abstraindo do fato de Frankl ter desenvolvido o seu méto~
que ser mujto leviano e desimbido para maltratar as cole-
do nos 20 anos em que o chamado Grupo de Palo Alto cria-
gas da f1'1ha, ou muito furíoso para apunhalar outras pes-
va no “Mental Research Institute” da Callf'órn1'a, na década

114
115
de 60, a prescrição de sm'toma, há também uma d1f°erença ansíedade (a idéla compulsiva) - situaçao~ esta que a ansie-
na técnica de proced1m'ento. Nas neuroses de compulsão es- dade sempre faz recrudescer, após o término da fase de
sa diferença salta aos olhos de modo particular. Por exem- fadiga, terapeuticamente produzida (em referêncía aos sin-
plo, numa obsessão de 11m'peza, aconselha-se o paciente, de tomas de compulsão ).
acordo com a “prescrição de sm'toma”, a lavar as mãos, em Vamos agora ao ponto em que se consegue “resolver"
vez de v1n'te vezes por dia, lavá-las umas cem vezes por dia. uma neurose compulsiva medmn'te intenção paradoxaL Não
Espera~se com isso que ele possa interromper o processo se pode ainda, com isso, considerar efetuada a terapia, por-
por efeito de fadiga e saturação, que de tal modo lhe tiram que - como já foi esclarecido - a atitude básica de um pa-
o prazer de lavar as mãos que ele pode cessar de fazêla Se- ciente antigo em face da sua predisposição de caráter precisa
gundo a 1'ntenção paradoxaL contudo, o paciente é m'struído de atenção terapêutica. Sabemos que ele aspira à perteiçâo.
a “convidar" delicadamente, em pensamento, todas as bacté- Ele confere várias vezes as contas para ver se estao' garanti-
rias de doenças do mundo a “tomarem lugar em suas mãos damente corretas; ao sair de casa fica olhando várias vezes
e aí m'stalar-se”. Assim, “tira-se o vento das velas” (Frankl), para ver se todos os aparelhos estão regularmente desliga-
corta-se pela ra1z', ao ansioso, toda possibilidade de contágío, dos etc.
e, com a superação bem-humorada da ansiedade, torna-se su-
Logicamente ele procura também o terapeuta perfeito,
pérflua a ablução anormal das mãos.
quer a cura perfeita. Como porém nada é perfeito na vida,
A “prescrição de sm'toma", consequ"entemente, não exige e em tudo sempre fíca um resto imperfeito, ele precisa apren-
nenhum humorismo, nem exageração irracional nem aut0- der a conviver com o acessório e o provisório. Deve com-
distanciamento espir1'tual; ela é sem dúvida um paradoxo, preender que, por assim dizer, “nâo se há de querer que o
mas o ato espiritual da intenção não é realizado e a intencio- máximo racional seja demasiado raciona1", ou que às vezes
nalidade do homem está precisamente na “zona sadia” de é preciso praticar ações discutíveis porque seria aln'da mais
sua personalidade. discutível não agir de modo nenhum. (32)
O mesmo d1'ga-se quanto à sua atítude consigo mesmo.
Intenção Paradoxal Prescriçâo de sintoma Se os “incidentes absurdos”, sobrevindos à mente ocasio-
nalmente, são incluídos no quadro patológico, devese admi-
Zona Zona
tir que ele nunca será perfeitamente curado. Qualquer dia
parcial parcial
doente doentc essa idéia compulsiva voltará a passar-lhe pela cabeça e de-
verá bater-se com ela. Se, porém, a ident1f'1'ca como tal - e
/ \ / \ disso ele é totalmente capazz todo homem sob ameaça de
Tenho medo Des_ejo Faço Y Faço Y neurose não está de modo algum lmu"tado cogm'tivamente!
de X, por ísso precnsamenle por medo até flcar - e a seguir usa a íntenção paradoxal, ele terá um descan-
faço Y X para mim de X saturado so momentan^eo. Talvez “1'ncida.” ne1e, após algum tempo,
W w um novo absurdo, e então irá até parodiá~10 novamente e
com isso fazê-lo desaparecer. Esta é a melhor forma de vida
A discussão causa 0 A discusxsão causa um retrocesso possivel que lhe caiba achar. Nunca poderá simplesmente
conhecimemo: X não acontece! de Y sem novo conhecimemo de1x'ar crescerem suas idéias compulsivas; em brevíss1m'o
Por isso não preciso fazer Y. sobre o conleúdo X da ansiedade
tempo elas de novo o envolveriam naquele processo circu-
lar neurótico de cujo bojo a saída é tão terrivelmente düíciL

Na prática tudo leva a crer que a íntenção paradoxal Fazendo um balanço, devemos dar, de passagem, ao neu-
rótico compulsivo conhecimento do segumtez ele não é res~
acumula resultados de cura mais prolongados do que a
“prescrição de sintoma”. Atribuo isso ao seguíntez no caso da ponsável por seus “1n'cidenbes” neuróticos compulsivos, mas
muito responsável pelo modo como a eles reage! Dúvida faz
“prescn'ção de sintoma” não se chega a ter nenhum conhe-
cimento sobre o caráter inofensivo do temido conteúdo da parte da doença, a atitude em face da dúvida, não.

116 117
essa alegoria e nâo se preparasse para tomá-Ia a peito, 11-
nalmente.
Mmmo Desejo
paradoxal paradoxal Entretanto, todos devemos levar a sério - também nós,
Neurose

l /
“não-neuroticos” - o fato de que há em nós impulsos que
temos de enfrentar, certamente devido à mesma líberdade
e responsabílidade de onde esses lmpulsos possivelmente
emanam

"Idéias-incidenles absurdas" ... desenvolvem-sc


sobrevindas 0casionalmeme. em neurose se
e que desapareccm com o tomad45' a sério
uso da imenção parddoxal . ..

Costumo, a esse propósíto contar aos meus pacientes a


alegoria do jardmeiro que, para conseguír um belo canteiro
de rosas, tem de arrancar toda erva má. Se, por negligência,
de1x'á-1a crescer, depressa terá o mato, e isto lhe custará
consideráveis esforços para refazer o seu canteiro. Do mes~
mo modo, o paciente sob ameaça de neurose compulsiva de-
ve manter suas pequenas idéias absurdas sob “controle pa-
radoxal”; sua vida poderá então “florescer” e trazer alegria
como qualquer vida normal comum traz. Não sei de nenhum
paciente meu que não tívesse compreendido profundamente

Se representarmos o âmbito da fenomenologza' das


neuroses psz'cogen'z°cas na forma de uma elz'pse, a
ansiedade e a compulsão constituem como que os
dois pontos focais dessa elipse. São por assim dker
dois jenômenos clínicos pn'mitz'vos. E 1s'to não por
acaso: as duas possibilidades básicas do ser huma-
no, “angústw'” e “culpa” (o sentimento de culpa
desempenha certamente um grande pqpel na psico~
logm da neurose compulsiva), correspondem à an~
siedade e à compulsãa As condições ontológz'cas,
porém, dessas duas possz'bilidades, de onde portan-
to se originam angústm e culpa, são liberdade e
responsabilidade do homem. Só um ser livre pode
ter ansiedade e só um ser responsável pode tor-
nar~se culpado. Daí resulta que um ente, dotado do
ser-livre e do ser-responsável, possa ser condenado
a tomar-se ansioso e a tornar-se culpada (Fran.k1, 33)

118
119
des de sentido não percebidas de modo nenhum Trata-se da

5
atitude da pessoa espiritual em face do eu e em face do mun-
do exteríor. Seria realmente um equívoco acreditar que o te-
rapeuta queira, com a aplicação desse método, “modu1ar" a
atitude de um pacíente: quem aí tem algo a modular, ou é pa-
ra isso instruido, é o pacíente! ' Ele tem de ver claro que sua
HISTERIA, FALTA DE AMOR
atitude pode mudar e eventualmente deve mudar - por obra
de ninguém mais, a não ser ele mesmo.

Cada modulação visa a uma atitude mais sadia, melhor,


de valor ético mais alto, mais positiva; tudo isso são des-
crições que não podem ser defimdas em geral mas são, no
caso concreto, realmente evidentes. Se um paciente d1z' de
si para si: “Eu simplesmente não sei criar nada, sou um
fracasso total!” - isso não é nenhuma atitude otimista,
como todos sabem. Como orientação global pode-se defmz"r
A discussão sobre a necessária correção de atitudes no boa a atitude “em favor da v1'da", portanto contrária a tudo
neurótico compulsivo serviu de transição do método da m'- que e' destrutivo, deprecíativo, mort1f'1'cante. Defmição am'da
tenção paradoxal para o próximo grande grupo de métodos mais clara de atitudes sadias é a segumtez sào as que propi-
da logoterapia - a modulação de atitudes. ciam uma forte defesa contra as enfermidades psíquícas e
contra a forte carga psíquica nas situações de crise (em
INTENÇÃO PARADOXAL MODULAÇÀO DE ATITUDES que a defesa não se relaciona com enfermidades endógenas,
antes é a carga em tais casos). Um terceiro ponto de vista é
Neutrahz'açâo de uma represen~ Mudança de uma atitu_de que atítudes posítivas soam em uníssono com consciência
taçâo 1.r'racional negativa negativa para uma positlva
pessoal.
Educação para a resxs'tência Educaçâo para a coragem
(contra a doença) e para o (apesar da doença) Para não insistir demasiadamente em aspectos teóricos,
humorismo e para a digmdade eu gostaria de dar, de passagem, dois breves exemplos de
modulação de atitudes. O primeiro d12' respeito a uma mãe
Expenm'entação de algo que Reüexão sobre algo
nunca (ou não mals') se tentou que não foi tanto (ou am'da nào que por muitos anos sofreu de magreza endócrma e de dis-
foi) objeto de reflexao' túrbios de dígestã0. Finalmente conseguiu curar-se mas não
Cresc1m'ento m'terior através Cresc1m'ent0 m'terior _ sentia alegria e felicidade com a normalização das funções
de autodistanciamento através de autoformaçao djgestivas; atormentava-se agora com o medo de que sua
filha viesse um dia a adoecer também e a sofrer os mesmos
problemas digestivos. Como era perigoso transmitir essas
No caso da modulação de atitudes, trata-se da atitude
expectatívas negativas à filha - a coisa negativa esperada
espiritual do indivíduo em face dos fatos positivos ou negati-
vos que, ou são modificáveis, ou para cuja modificação é ne- poderia facilmente passar para ela - foi preciso encorajar
cessária uma outra atitude, ou que em si contêm possibilidar a mãe ao uso da modulação de atitudes. Fo1'-lhe aconselhado

Na medida em que efetivamente está na base de uma l


As denomma'ções dos métodos logoterapéuticos relacionam-se
neurose um fato qualquer fatalístico, se encontrara com todos os “rendjmentos” a serem alcançados pelo paciente: o pa-
ciente intenciona paradoxalmente o objeto temido, o paciente modu-
para o doente - do ponto de vista Zogoterapêutzco
la sua própria atitude, o paciente derreflete determmados conteúdos
- a facilitação da atitude correta em face desse sobre os quais antes fazia hiperreilexão. Ao terapeuta, em todos esses
fato. (Frank1, 34) processos, somente cabe a “ação catalisadora" -- ele os põe em
marcha.

120 121
o seguintez “Não examme sua filha a qualquer sm'toma de s1m' mesmo queremos empregáJa aqui um tanto por simpli-
doença; ao contrário, isso seria atrapalhar o seu desenvolvi- ficação. O quadro patológico foi, na época de Freud, forte~
mento sadio. Trabalhe de preferência sobre si mesma para mente ampliado, depois regrediu, e atualmente está de novo
acontecer com a sra. que um dia possa dizer: Quanto a mlm', na ofensiva. Ele reun'e em si elementos psicogênicos e reati-
ela pode ficar tranqíüla como eu confio nela!” A ídéía da pos- vos, e base1'a-se, semelhantemente às neuroses de compulsào,
sibilidade de ser um exemplo digno de irnitação para a f11ha' em detemun'adas particularídades de caráter. A hísteria é
levantou o ânimo daquela mãe e impe1íu-a não só a abando~ de d1f'íci1 abordagem à intençao~ paradoxa1;' exigiria pra-
nar a superansiedade em face da fílha mas também a repen~ ticamente uma transjormação na educação do homem total
sar melhor seu próprio comportamento e orientar-se por es- (Frankl), e isso somente logrará sucesso com uma série de
calas mais positivas. modulações de atitudes. É que o paciente deve ser 1evado.
por assim d1z'er, a renunciar livremente ao seu comporta-
0 segundo exemplo referese a uma senhora de idade mento histérico.
que precisava internar-se numa cl1n1"ca especíahz'ada para
uma pequena m'tervenção cirúrg1'ca. Acontece que o marído Ora, quais são as partícularidades de caráter do hístéri-
tmh'a sido tratado dois anos antes na mesma clínica e aí fa- co? Tratando da neurose de compulsão (afora a insegurança
lecera, depois de grave luta contra a morte, fato que na épo- ms'tintual), falávamos de uma m'suficiência do sentímento
ca de1x'0u-a muito deprimida. Essa senhora resistia agora de evídência; na histeria, em comparação, podemos falar de
à m°ternação porque associava com o hospital 1embran- uma m'sufíciência do senso ético. Na Idade Média acreditar
ças muito dolorosas; mas não podia ser atendida em outr0, va-se que as pessoas hístéricas fossem “possessas do demà
sendo aquele 0 úníco na redondeza qua11f'1'cado para o seu m'o”, seguramente uma descriçào muito grosseira da condi~
caso. Neste dilema foi~lhe sugerida uma modulação de atitu- ção, que entretanto em sentido figurado contém um peque.
de. Com palavras cautelosas argumentou-se que o retomo no grão de verdade. No histérico ex15'te de fato uma certa
ao local do adeus de seu marido, precisamente, lhe compor- fascinação pelo mal, uma alegria pelo negativo, uma 1m"bi-
tava a chance de reconciliar~se nesse local com aquele adeus ção para fechar-se ao positivo.
e de fazer, uma vez por todas, a dor sofrida desaparecer na Para o terapeuta isso sigmf°ica que o restabelecun'ento
gratidão pela oportumdade que teve de acompanhar um da saúde ou a superação independente dos problemas da
ente querido até o fim de seus dias e de estar a seu lado nas vida não é, incondícionalmente, a meta do paciente. Esse
horas mais d1f'íceis. Não se pode mostrar mais eficazmente programa é, em sentido verdadeiro, a meta do terapeuta,
um verdadeíro amor; 0 hospital podja ser considerado real- em cujos esforços o paciente tomou parte formalmente, até
menbe um memorial do grande amor de sua vida, lugar de que a meta da terapía fosse aproximadamente atmgida -
lembranças onde ela poderia entrar a qualquer tempo com quando, então, o programa é de repente boicotado. Poderá
resignação e boa consciência. Depois da entrevista, aquela por ex. acontecer que o terapeuta auxüie o paciente a de-
senhora colocou-se sem oposição nas mãos dos médícos e sembaraçar-se de todos os seus achaques possíveis; e se lhe
poucas semanas mais tarde de1x'ava a chm"ca, curada. diz finalmentez “Agora, por muito tempo não precisamos
Desses exemplos pode-se extraír, pelo menos vagamen- mais combmar nenhum prazo; agora vocé mesmo chega sa~
te, uma idéia do que fazer com as modulações de ati-
tudes. Voltemos mais uma vez ao quadro da p. 93 para nes-
Não é porque os sm'tomas não dependam de nenhuma ansie-
sa orientação geral. De1xa'ndo as neuroses de ansieda- dade de expectativa mas porque atuam como meios de pressão. Se
de e de compulsão (a' esquerda, ao alto), agora passamos por ex. o neurótico ansioso desmaia, porque crlspa~se todo com a
ao ponto mais próximo, as' neuroses reativas (a' esquerda, mera ansiedade por um possível desfalecun'ento, o histérico, então,
desmaia porque, por meio de tantos exageros, provoca consigo um
em ba1x'o), que em geral contam-se entre as mais d1f'íce1's
desmaio para assustar os outros. 0 histén'co, por conseguinte (di-
e têm seu maior desafio terapêutíco na histeria. Infe11z'men- ferentemente do neurótico ansioso), mtenciona o desmaio, de quaL
te a palavra “hísteria" tornou~se hoje um palavrão e por isso quer modo, e isso não pode ser neuttalüado com uma m'tenção pam
nao~ é mais usada de bom grado na psicoterapia - mas as- doxal a mais.

122 123
tísfatoríamente a termo!" - ele recebe em respostaz “Se
você não me f1x'ar logo um novo prazo, eu me tomarei rem'- Pode ser que a prontidão especwl à sugestão, ou su-
cidente!” Ao m've's, portanto, de gozar a estabilidade recon- gestionabilidade, desses indivíduos, como também
quistada, o histérico irá sacr1f'icá~la sem hesitação só para sua prontidão à conversão - quer dz'zer, sua capaci-
obter a atenção do terapeuta. E ao invés de lhe ser grato dade para dar expressão corporal aos conteúdos psí-
por suas fadigas, tenta fazer chantagem - e temos aí a m°su~ quicos de condições patológicas somáticas - pode
ficiêncía de sentimento e'tico! ser que isto também represente compensações da
V1k'tor E. Frankl enumera três caracberísticas típicas pobreza interior que distingue o histérica Há am-
constantes do quadro patológico da histeria, a saberz da uma segunda caracteristica tipica, a frieza inte-
rior, o cálculo frz'o, o fato de que no histérico tudo
1. m'autenticidade; se apresenta como meio para o fim a serviço do
2. egoísmo doentio; egoísmo; e assim ele age sempre teatralmente, ele
3. natureza m'teresseíra. pensa achar~se sempre em ação, e tudo nele alinal
atua já encenado e pronta (Frankl, 35)
Inautenticidade - sigmfica que tais pessoas sao' profun-
damente pobres de experíéncias vitais, e isso produz o fa-
minto dessas experiênciasz até as experiências negativas são “desligar" e recuar, pois nem tudo se pode forçar. Assim
para este melhores do que nenhuma. Tais indivíduos difici1- entram em jogo, nos dois quadros de distúrbíos, momentos
mente são capazes de alegria autêntica, amor autêntico, uma de chantagem Enquanto o neurótico de ansiedade por sua
dor autêntica, . . tudo não passa de cenário para se realizar ansiedade, ou o doente compulsivo por sua idéia compulsi-
ou exprímir qualquer efeito; a doença também participa da va tentam extorquir modos de comportamento que em abso-
montagem teatraL luto não querem ter, o histérico, mediante seus sm'tomas
(por ex. “acessos” corporais), extorque aos outros homens
Egozs'mo doentio -- sign1f'1'ca que eles são inescrupulo- modos de comportamento que estes não querem ter. Com is-
sos, até mesmo acima dos próprios interesses. As pessoas so o histérico se torna extremamente desamado; quem pode,
histéricas querem contmuamente mam'pu1ar o seu ambien- de algum modo foge dele e procura evitá-lo por muito tem-
te, atrair sobre si a atenção dos outros, ou punir os outros
pela inobservância com que são tratadas, e quando essa as- Neurótico ansioso
e neurótico compulsivo Histérico
sim chamada punição tiver de ser sua própria ru1na'.

Natureza interesseira - sign1f'1'ca que tais indivíduos ar-


mam freqüentes cenas teatrais, o ma1s' das vezes para extor~
l
não sabe correr
l
não sabc fazer
quir alguma coisa do próximo, e d1f'icilment;e devido a inte- nenhum risco nenhuma renúncia
resse por coisas mas exclusivamente em relação a pessoas.
w
Vemos que, enquanto o problema fundamental da neu-
rose de ansiedade e da neurose de compulsão consiste em ambas, coisas necessárias na vida!
que o neurótíco não quer correr nenhum risco e busca a
qualquer preço segurança e proteção, portanto um preço
que lhe sai demasiado caro, - o problema fundamental do
histérico está em não saber fazer nenhuma renun'cia e que- quer segurança quer receber todas
e proteção as atençoe's
rer receber as atenções do próximo a qualquer preço, até a
a qualquer preço a qualquer preço
um preço completamente ma'dequado.
Mas na vida é tão necessário saber conviver com a inse-
gurança, pois nem tudo se pode assegurar, quanto saber
é"chan'tageado" pelo "faz chanmgem" aos outros
próprío simoma -mediante simomas
124
125
tratava sempre da mesma mulher que com voz diferente de-
po, estabelecendose por f1m' a sua solidão. No fundo, con-
sempenhava os mais variados papéis dramáticos; uma mu-
tam~se os histéricos entre os m'divíduos ma1s' carentes por-
lher que nem estava doente nem tmha' uma filha, mas slm-
que forçosamente desembarcam no isolamento. Prejudicam-
plesmente se entediava em casa e por isso se divertia com
-se sem cessar e arrastam consigo outros para a desgraça.
suas chamadas telefôm'cas. ..
O resultado é que eles recebem sempre menos atenções do
meio onde vivem, aquelas atenções que procuram atrair de Encontramos aqui os três d1'st1n'tivos da histeriaz a inau-
sesperadamente. (Por outro lado, aqui se faz notar um pa- tenticidade (pois a mulher não estava em situação de deses-
drao' tipicamente neurótico do “círculo vicioso”!) pero), o egoísmo (1'sto é, a fn'eza de sent1m'ent;o em querer
Quanto aos componentes reativos de todo esse drama, divertir-se à custa dos outros), e o cálculo (porque a mu-

qn
sabemos hoje que se acrescenta am'da à disposição de cará- lher soube simular bem a comédia e, ao que parece, perce-
ter do hístérico mais um fator que fomenta a doença, que beu também que tmh'a pela frente uma conselheira pouco
é o ambiente de educação na mf'a.n“cia. Em geral os paciIentes experiente a quem podia “imp1n'gir” essas histórias de hor-
histéricos, como as crianças, tornam~se muito desle1xa'dos, ror). AfínaL o comportamento histérico é uma peça de
ou estragados com mimo; ambas, coisas que levam a efeitos vacuidade, porque essa mulher que telefonou, por ex., pode-
semelhantes. Crianças deslelxa'das o eram por renunciar a ria preencher o seu tempo com mujto mais sentido. É, tam-
muitas coisas, mas como adultos não querem mais fazer bém, uma peça de desamor a incapacidade de levar a sério
nenhuma renun'cia; crianças muíto mimadas nunca apren- a aceitação das outras pessoas; e, evidentemente, existem in-
deram a renunciar a nada, por isso não sabem agora fazê-lo. divíduos que agem de tal maneira sem amor que, talvez, o
Explica-se por que a histeria na época de Freud foi tão de- seu comportamento doentio possa ser um último grito por
fendida: naquele tempo havía muitas crianças desle1x'adas amor!
- e por que a histeria se acha hoje de novo na ofensiva: é
que há também muitas crianças mimadas.
Fui certa vez convidada a falar numa organmação de
aperfeiçoamento da “Dachverband”, secção prmcipal da
Pastoral Alemã do Telefone, e ao perguntar aos participan-
tes o que eles mais recebiam como chamadas-problema, fi-
quei muito surpreendida por ouvir que eram na maior parte
“telefonemas de hístéricos”. Para sublinhar esse testemu-
nho, alguém me informou sobre o que se passou com uma
jovem colaboradora da Pastoral do Telefone. Uma noite t1'-
nha telefonado uma mulher contando uma hístória sem saí-
da: ela era cancerosa, sofria dores alucm'antes, 0 marido a
tmh'a abandonado, não agüentava mais viver etc. A jovem
colaboradora tentou ao telefone consolar a mulher como me-
lhor pôde. Na noite segwn'te, a mesma colaboradora esteve
de plantão, e ouviu uma mulher com voz totalmente d1f'e-
rente da do dia anterior explicando que era a mãe da que
havia telefonado. Ela começou a soluçar forte e falou cho-
rando: “O que você disse ontem para a minha filha? Ime-
diatamente depois da conversa com você mínha filha se ma-
tou!" A telefonista-conselheira sofreu em conseqüência um
colapso nervoso e até precisou do atendimento médico de
urgência, porque não conseguia se acalmar. Mais tarde outros
colaboradores da Pastoral do Telefone descobriram que se

126 127
mes, em vez de passar noitadas, e coisas semelhantes, e des-

6 se modo poderá reahz'ar um grande conteúdo de sentido


quando um dja vier a possuir como médico o seu campo de
atividade precioso e responsáve1. Se, ao contrário, não esti-
ver pronto para fazer os pequenos sacrüícios da vida acadé-
SALVAÇÃO PELA RENÚNClA mica, orientando-se ao prazer do momento, ls't,o é, ora vai
dançar, ora remar, ora trabalha num emprego, ora vagueia. . .,
entao' sua grande meta afasta-se a uma d15'tâncm' cada vez
maior e talvez ele venha a exercer um dia uma profissão to-
talmente contrária a sua vontade. Saber fazer uma renun'cia
cheia de sentido é, talvez, a chave da felicidade, e no caso de
muitas doenças como a histeria, e na problemática da mama
ou da vagabundagem, a chave da saúde. (O alcoólico que sabe
renuncíar ao próximo copo está salvo, e assun° também o cri-
mm'oso que sabe renunciar à próxima ação üega1.)
Qual é o ponto de partida terapêutico da logoterapia?
O histérico, basicamente, precisa desenvolver sua prontidão De volta à histeriaz Vejamos o exemplo de uma neurose
a suportar pequenas renúncías. Isto, naturalmente, ele só faz cardíaca. Sempre que as coisas vão bem para a família e se
se souber para quê. E um para-quê lhe pode ser apresenta- festeja alguma coisa e todos estão alegres, a mãe tem um
do, pois exíste na vida um nexo entre pequenas renun'c1'as e

ma›._, .
ataque do coração. E claro que aí acabou a festa, todos se
grandes conteúdos de sentido. Acima das pequenas renun'- sentem mal, foi-se a alegria, todos se apressam, se preocu-
cias necessárias os grandes conteúdos de sentido são de pam. Assím, o ataque já cumpriu o objetivo, ele dá à mãe
todo rea11z'áveis, e esses grandes conteúdos por sua vez tor~

_¡:.m
a satisfação momentânea de ter sido mals' uma vez o cen-
nam possível como efeíto acessório não tencionado aquilo

v
tro da família. Resultado a longo prazoz os filhos vão em-
que chamamos felicidade. As muitas pequenas satísfações do bora maís cedo, o marido separa-se talvez de sua mulher,
momento, que resultam de não se poder fazer renun'cia, ao por fim acontece de verdade o ataque ao seu estado de saú-

*~ blvñszà
contrário, fazem permanecer irrea11z'áveis os grandes con- de - pois, com o coração não se brm'ca - e a mulher fica
teúdos de sentido, e isso arrasta consigo a infelicidade como sempre mais sozinha e mais amargurada.
efeito acessório inevitáve1.
Se alguém, por exemplo, estuda medicina, deve fazer Esta catástrofe iminente deve ser esclarecida na terapia,
uma série de pequenos sacrifícios, preparando-se para os exa- não como censura mas por puro interesse pela paciente. Em
costumo dizer a's mmh'a.s alunas que é preciso ser capaz de
Pequenas satisfaçoe's
Pequenas renúncias avisar o paciente: Gosto de você, mas nâo gosto de sua hJs'-
do momemo
teria! Separa-se aquilo que 0 indívíduo é daquilo que ele
tem, uma separação que, como já sabemos (cI. a citaçao' da
possibilitam impossibilitam p. 72), tem importância na logoterapia.
Esta representa não só a distinçâo entre pessoa, que o
paciente é, e caráter, que o paciente tem, mas também a d1's-
tm'ção entre sentido e fins, que pode ser “vita.lmente salva-
dora” se puder ser trazida à consciência do doente. Porque
Lñgrandes
conteúdos de grmdes COFUOS de - os s1n'tomas histéricos têm seus fins e permitem um ga-
sentido sentido nho a curto prazo, mas o fato de se estar livre de sintomas
tem sentido, e abre possibilídades do ser m'teiramente no-
vas: e enquanto todo ganho ou todo ter é perdíve1, o ser é
efeito acessóñoz algo exístencial e portanto algo imperdíveL
efeito acessón'o:
felicidade infelicidade
128 129
Liberdade não é cozs'a que se “tem” - como qual- dâo para ficar em segundo plano e ber inberesse pela alegria
quer coisa que também se pode perder - mas “sou das outras pessoas. Esse cammh°o leva do ter ao ser.
eu” a liberdade. (Frankl, 36) 0 talento dramático do caráter histérico pode, precisa-
mente, ter um uso positívo em que o diálogo terapéutico
fornece uma nova descrição de papéis e impoe' ao paciente
À:o
Sintoma estar livre de sintomas o desafio de assuxmr esse papel - por ex., por que nâo no

l
tem um ñm
l
tem sentido
papel de uma altruísta e digna de amor? Não se pense:
Ora, se ela desempenha um papel melhor, então o que é pre-
ciso nao' é nenhum comportamento real atrás do qual esteja

l
serve para obter
l
serve para a realização
a paciente. . . Não é bem isso. Na histeria há passagens mui-
to fluidas entre partes conscientes e inconscientes, e entre o
que é autêntico e o m'autêntico. Um dos maíores pen'gos é
prazcr a cuno prazo, de uma nova que o paciente hístérico se identüique tanto com um papel
mantém 0 desempenho idemidade patológico origmalmente inauténtico que ele não possa mais
de um papeL a longo prazo, desvencilhar-se do papel, mesmo que que1'ra, porque os seus

l
dá força sobre os outros
l
dá força sobre si mesm0,
sm'tomas se tomaram m'dependentes. Pode perfeitamente
acontecer com a màe, em nosso exemplo, que o coraçâo de-
pois de algum tempo tenha arritmias verdadeiras, mesmo
w w quando ela menos queira. Mas se assim é, por que o pacien-
te não há de ident1f'1'car-se com um papel positivo onde este,
aumenta 0 ter. melhora o ser.
visto a mais longo prazo, lhe rende muito mais atenções do
Mas: Ao contrárioz que o papel negativo lhe rendeu até agora, e isto ele (pacien-
todo ganho, todo tcr o ser é imperdíveL te) em algum momento deverá perceber? Com uma expres-
é perdíveU até mesmo no passad0! sao~ um tanto exagerada se poderia dízerz Talvez falte ao h1$'-
térico, por causa da deficiência do senso ét1'co, o texto com
o papel positivo, e é tarefa do terapeuta fomecer~lhe as
O que tem, então, em nosso exemplo, a mae' com neuro- dicas.
se cardiaca? Quando muito ela gozará de algumas horas de
atenções forçadas, por parte da fanu'lia, e que ela irá perder. O que entretanto não é tarefa do terapeuta é tomar parte
Mas o que ela é? Uma mulher doente, de quem m'nguém gos- no cenário montado pelo paciente. As pessoas histéricas gos-
ta de se aproximar por medo da próxima cena histérica. E 1's- tam de terapias longas porque através das mesmas têm tudo
que precisam: elas estão no ponto central da atenção e tém
so ela contmuará a ser até o fim da v1'da, se não f1z'er uma
um ouvm'te compreensivo. Se estão de mal com todo mun-
mudança radical de atitude, e mesmo dep01s' de falecida se-
do, é o terapeuta às vezes o último homem que amda se man~
rá sempre lembrada como a mulher doente de quem nmgu'e'm
tém m'tensamente dedicado a elas. Para isso essas pessoas
gostava de se aproxímar - o ser é etemo, até mesmo no
passado. lhe entregam - não só d1nh'eiro - mas tudo que ele queira
ouvir: desde as mais terríveís experiências da infância até
Mas qual tipo de ser humano poderia ser essa mulher? os sonhos mais selvagens ou fantasias sexuais. Mas nada
Deve-se falar com ela sobre isso na terap1'a. Poderia ser uma disso resolve o problema. E se o terapeuta percebe que nâo
mulher e mãe digna de amor, de quem se aproxima com é levado a sério como auxiliador, que nâo consegue 1m'por-se
agrado qualquer membro da famíh'a, a cujo lado todos se com argumentos em favor do papel positivo, em favor de
sentem bem. Mas, ela deseja mesmo isso, no fundo do cora- uma guma'da do ter para o ser, em favor da renúncia com
ção? Se 51m', o logoterapeuta poderá mostrar-lhe o cam1'nho; sentido; se percebe que é mal-usado, apenas como meio para
mas este leva a renuncíar às cenas dramáticas, exige pronti- os fms', e que o paciente desvirtua a terapía, fazendo dela

130 131
Enquanto um neurótico compulsivo, atormentado pela
uma ocupação de lazer, 0u dando-lhe um falso sentido -
ele deve, entao', terminar com ísso tudo. Não se pode ajudar idéia de atentar contra si, jamais realizaria essa idéia (e por
ísso pode ser aconselhado no sentido da intenção paradoxal
todo mundo mas pode-se pelo menos não causar danos a
mn'guém; e tomar parte no processo patológico da histeria a tentar “umas três vezes por dia saltar da janela" etc.) -
num histérico existe de fato o perigo de um suicídio ou da
seria causar um dano. ' Isto sign1f'ica, concretamente, que
uma contmuação persistente do comportamento histérico tentativa de suícídío. Contudo não é aconselhável que se del-
xe extorquir (conforme a fórmula de uma mulher ciumenta
da parte do paciente pode ser, para o terapeuta, um crité-
rio de suspensão da terapia. (Isto não bem lugar em ne- que, subindo ao peitoril da janela no oitavo andar, toda im-
portante perguntava ao amigo, enfiado no quarto, se a uma-
nhuma outra enfermídade psíquica. No caso, estamos pró-
va. . .). Eu aconselho aos terapeutas e também aos fanuha'-
x1m'os do terreno da “mania de terapia", e a nenhum mama'-
res que enfrentam uma situação dessas, a assegurar ao doen-
co se devem facultar os meíos para sua mam'a!)
te duas co¡.s'as:
Termm'ando, am'da uma palavra sobre as ameaças de a) a certeza de que ele, o terapeuta ou o fanu'11'ar, fica-
suicídio em m'divíduos histéricos. Muítas vezes não está na ria triste, ou sofreria, se o outro viesse a falecer
base dessas ameaças a crença num sentido da morte, mas, (“Eu vou chorar por você"). Dá ass1m' a entender
antes, a crença na conveniência do desejo de morrer. Apesar que o pacíente não é para ele coisa 1'nd1f'erente, mas
d15'so, impõe-se precaução, pois, afm'al, nem mesmo o pa- tem o valor de um ser humano;
ciente histérico escapa à questao~ do sentido, e se a conve-
m'ência do seu comportamento doentio resultar ilusória, to- b) o fato de que o terapeuta ou o familiar não pode re-
mará conta dele, completamente, a pobreza de sentido da tirar dele a responsabilidade por suas ações. A res-
vida que leva até agora. ponsabilidade resta unicamente sobre os ombros do
paciente e precisa ficar aí, a despeito de todas as ten-
tativas de atribuição de culpa por parte dele.
Assim como sabemos, desde Kant, que, de todo mo-
do, é absurdo questionar as categona's de tempo e A combinação das duas coisas é, ao meu ver, a melhor
espaço, simplesmente porque nunca poderemos pen- proteção preventiva contra as autolesões histéricas, porque
sar nem questionar sem pressupor espaço e tempo, ela “atende o desesperado gríto por amor”, sem sacríficar a
assim também o homem é sempre um ser com um liberdade espiritual e adulta de quem pede socorro.
sentido, por menos que o conheça; e um pressentz'-
Fiz a experiência de ver, regularmente, uma semana an-
mento do sentido está também na base da “vonta-
tes de tirar férias, alguns de meus pacientes sofrendo “ata-
de de sentz'do”, assim chamada na logoterapza'. Quei-
ques” e “quase à morte". Traduzido, quer dlz'er: “Como te
ra ou não, negue ou não - o homem crê num seu-
tido, enquanto resp1'rar. Mesmo o suicida crê num permites tirar férias sem de1x'ar disponível um pouco de
sent2'do, se não da vida ou da sobrevz'da, então da tempo para mim?”. Se parto logo, vou no mm'imo viajar
preocupada e com peso na consciêncía. Só reconheço que
morte. Se ele realmente nao~ acreditasse em ne-
realmente tive muitas vezes na bagagem de férias uma ou
nhum sentido, em nenhum outro mais - não po-
outra preocupação com um de meus clientes, mas ainda não
derza' certamente mover nenhum dedo e ezecutar
o suicídia (Frankl, 37) viajei com peso na consciência. O histérico é um indivíduo
com handicap emocionaL sobre ísso não há nenhuma dúvi-
da, mas ele pode responder por seus atos - e é isto precisa-
mente o que ele deve aprender.
' Hoje_ por vm de fatores sociogém°cos, facilita-se o cammh'o a
este tipo de participação. Por um lado, o muito lazer 1nduz as pes-
soas hls'térícas a preenchê-lo com ternpia, e por outro, há muitos
terapeutas desocupados que estâo prontos para esse tipo de “ocupa-
ção do lnzer". Resultado: u'a massa de homens com dano terapéu~
tico e o descrédito da psícoterapia.

132 133
No caso do alcoolismo, entretanto, está provado que o

7 modo como o organismo assimila o álcool é hereditán'o, e


assun' também a tendência à mania (D. Goodwin, Um'vers1-
dade do Kansas). Encontramse no sangue dos alcoólícos 2,3
de butanedioL uma substància que não se encontrou nos não-
UM CONCEITO MULTIDIMENSIONAL CONTRA -alcoólicos, mesmo quando tenham bebído um copo a mais.
Nas ondas alfa do eletroencefalograma dos filhos de alcoóli-
MANIAS
cos podem-se ver1f'ícar diferenças em relaçao~ aos hlh'os de
não-alcoólicos.

2. Dimensão psíquica

Apesar dos fatores constitucionais da tendência, a pro-


pensão à mania é o destino não predetermma'do de um ma-
m'aco. Cada homem traz em si, em definitivo, uma variedade
de forças sadias de resisténcia. Mas se há também no plano
psíquico pontos fracos, o problema se toma mals' crítico.
Aínda não foi possível destacar das perspectivas logote- E que se multiplicam as reações psíquicas m'convem'entes
rapêuticas de superação da histeria o tema das “neuroses que formam aquela parte perigosa “neurótico-reativa", e esta
reativas". Vêm a propósito também as neuroses iatrogêni- vem forjar “círcu]os viciosos”. Estes reduzem imediatamen-
cas, que são objeto válido de reflexão, pois representam uma te a marcha ao plano somático, separando assim o físico do
doença completamente supérflua e evitáveL Mas antes de psíquico (Por ex., a reação de adormec1m'ento das frustra-
ocupar-nos com isso e com o modo de impedir esse tipo de ções pelo álcool cria a fortiori frustrações etc.). A propósito,
doença, gostaria de mencionar ao menos de leve algumas há paralelos entre as manias e as alergias, ambas flagelos
idéias da problemática da manza', reconhecendo o fato de do nosso tempo.
que esta também em grande parte deve ser classüicada sob
o termo genéríco de neuroses reativas. A mania, seja em ra- Há que deduzir da Tabela um fato - a debilidade psí-
zão da hístória de origem seja por sua reatividade a modelos quica nos maníacos transparece de preferêncía no campo
de desabituação, é um processo extraordinariamente com- do Iazer e acaba numa fuga ao controle interior, enquanto
plexo de interação, 0 qual a ser tratado iria ultrapassar de que nas alergias é de preferência no terreno da ação, dando
muito o plano deste h'vro.
Mania Alergia
O maís das vezes as três dimensões do ser humano são
afetadas. = dcsejar 0 excesso = reagir ao déñcit

1. Dimensão somática psíquicamentez somaticamentez psiquicamente: somuticamemez

0 organismo do doente maníaco (por ex. toxicômano) excesso de cxcesso de

reage ao meío tóxico (droga) de maneira díferente do


organismo do não-toxixcômano. A conseqüência djsto é que /\ /\
o mam'aco deve evitar o tóxico pelo resto de seus dias para Atividade lúdica Drogas, exigências, subsmn'^cias
ter uma vida “normal”. (Infelizmente nem sempre é pos- televisão álcool cn'tica, respiráveis.
sível evitar; na manía de comer, por ex., logicamente nao' se posses nicotina stress, comestíveis.
pode proibir o comer; na manía de remédios não se deve ex- terapia comer cargu contacñveis
cluir que, no caso de doenças graves, é exigido tratamento
medicamentoso.)
rendimento
134 135
expressão a uma hipersensíbíüdade. (De resto, também se sugestão” ' que, utílizado em estado de dlstensao' e ainda
conhece nas alergias o fundo somático, que consiste numa em nível subnoético, fortalece no paciente a convicção de
queda parcial do sistema 1m'unológico próprío do corpo.) que poderá criar em si a força necessária. Fehzm'ente o “de-
sejo psíquico do excesso” d1'm1n'ui em proporção ao bempo
3. Dimensão noética de duração da sobriedade e porque a renun'cia no 1ní'cio custa
muito caro, o doente de mania, como o histén'co, igualmente
Há muitas hipóteses sobre a fenomenologia da autodes-
deverá ser motivado pelo terapeuta para o desempenho lí-
truição que com evidência total campeia na hísteria, na doen-
vre da renun'cia.
ça da mania e na dehn'qüência. Freud referiu~se ao “m'stm'to
da morte” no homem, que deveria explicar tanto as incon- Como toda renun'cia precisa de um para-quê, e como a
ceva'eis agressões para fora (delinqu"ência) quanto também problemática e', a1iás, um produto acessório normal da
as nâo menos inconcebíve15' agressões para dentro (mania) doença da mania (“Para que devo eu de1xa'r de beber?"),
e suas formas mistas (histeria). Mas a representação de um para não dizer, o vazio em que a mania se desenvolve - a
mecanismo símplesmente de autodestruição parece~nos pri~ nova tarefa logoterapêutica está claramente m'dicada. Em
mitiva demais para o ser humano. O espiritual no homem seu ponto focal é prec1s'o críar a conscíência do sentido da
deve dar o seu placet a 1'sso, aliás nenhum m'stm'to tem auto- vida, ou seja, ampliar no doente o sistema de valores na me-
rídade tão grandez - e quando o fará? - Em mmh'a opí- dida em que este ainda exista. No Capítulo sobre neuroses
m'a'o, será somente se o axíoma logoterapêutico do sentido noogênícas, que fazem quase a mesma exigência aos terapeu-
(1'ncondicíonal) da vida (cf. p. 21) não for mais reconheci- tas, se fará a experiência de como proceder de modo prático
do como va1'1'do. Da atitude espiritual - “em qualquer caso, no assunto.
tudo é absurdo" - é que provém o placet para a autodes-
truição. Rematandoz o conceito acima deveria transfonnar-se em
assistência ao doente de mania mediante derreflexâo (con-
Fazem parte, portanto, da complexidade da doença ma- sultar o Capítulo sobre prevenção e acompanhamento tem-
m'aca uma constituição somática de risco, um componente pêutico ulterior), assistência que possibílite ao outrora ma-
neurótico reativo - que oscüa entre hipersensibilídade e ex- níaco afastar de vez da problemática da mania sua concen-
cesso - e, conseqüentemente, muitas vezes, uma frustração
ems'tencial (ou até uma neurose noogêm'ca), que faz as víti- Conceito Iogoterapêutico multidimensional
mas da mania alcançarem um ponto em que surn'plesmente de assistência ao doente de mania
concentram todo esforço, pois não vee“m maís nenhum senti-
do. O resto é pura autodestnu'çã0. dimensão
A Pn'vação e sobriedade permanente
somátíca
O conceito terapêutico, correspondentemente, deverá ser
estruturado segundo a pluralidade de dimensões. No que d1z' B Treinamento da vontade pela sugestão
dimensão
respeito à dimensão somática, não há outro caminho senão C Eslímulo à renúncia psíquica
a privação vígiada pelo médico, acompanhada de sobriedade, (ver também -› Hislen'a)
sem exceção, na medida em que esta é fisiologícamente pos-
sível: os alcoólicos nunca mais poderão tomar álcool, nem D C0|0q'uios para descobrimemo de sentido,
um gole, os fumantes nunca maís poderão fumar um un'ico construção e ampliação do síslema dimensão
cigarro etc. Não compensa discutir se essa disciplma' rigoro- pessoal de valores (ver também ~› Neurose noogênica noéticu
sa é sempre necessa'ria, pois milhares e milhares de recaí-
E Derreflexão (ver também -› Prevenção e acompanhamento)
das falam uma linguagem inequívoca.
' Pela primeira vez publicado no livro Auch dein Leben hat
Em apoio à força de perseverança neste arriscado pro~
Sinn (= Também tua vlda tem sentido), de Elisabeth Lukas_ Livra-
jeto, eu desenvolvi um tipo de “exercício da vontade pela na° Editora Herder, n. 825, 1980.

136 137
tração m'te1ectua1 e ded1'car-se m'te1'ramente àqueles conteú-
dos vitais que, em virtude dos colóquios para descobnm'ento
de sentido, foram por ele conhecidos e afirmados como 8

41
“seus”.

Uma aluna minha da United States Intemational Um'-


PARA EVITAR LESOES IATROGENICAS
versity, em San Dz'ego, conseguiu provar ao cabo de
investigações cujos resultados reuniu depoís em jor-
ma de dissertação, que 90% dos casos crônicos de
alcoolismo grave, por ela ezaminados, apresentavam
um pronuncmdo sentimento de ausen^cza' de sen-
tida É tanto mais compreensível que Crumbaugh,
com uma logoterapm de grupo voltada para a frus-
tração eccistenciaL pôde mostrar, em casos de
alcoolismo, êxitos maiores do que no quadro dos
grupos de controle, que foram tratados com méto-
dos convencionais de terapw'. Apresentando o esquema de um conceito logoterapêuti-
co multidimensionaL de assistência ao doente de mania (p.
Analogamente dá~se com a dependêncw de droga. Se 137) ultrapassamos um pouco o raio de ação da modulação de
temos de acreditar em Stanley Krippner, o sentimen~ atitudes, pois só o ponto C e o ponto D do mencionado esque-
to de ausência de sentido está na base de 100% dos ma têm de ser acrescentados a esse método. O ponto A con-
casos. Isto é, em 100% dos casos para a questão - ta com a terapia médica e a profilaxia; o ponto B, com a hip-
se nesses casos nem tudo acontece sem sentido - a noterapia (uma metodologia não~logoterapêutica mas que pe-
resposta é afirmativa. .. É também compreensível de muito bem crescer com processos logoterapêuticos); e o
que Fmiser, que dirige na Califórnia um centro de ponto E, com o método logoterapêutico da derreflexão.
reabilitação para dependentes de droga, e lá introdu-
ziu a logoterapz'a, assinalou não a quota médm de A seguir, como foi anunciado, vamos submeter as neu~
sucessos mas a quota de 40 por cento. (Frank1, 38) ' roses za'trogen^icas a um exame mais acurado, a fim de con-
cluir o tema das “neuroses reativas", e retornamos do nos-
so excursus por outros me'todos, passando de novo a movi-
mentar-nos no meio do grupo das modulações de atitudes.

De que modo chega a formar-se uma configuração tão


peculíar como é a neurose iatrogênica, uma forma que só é
provocada por comportamento terapêutico errado? A base
de saída e' a tendência, muitas vezes m'dicada, de pessoas sob
ameaça de neurose a se tornarem 1'nseguras rápida e facil~
mente. Acresce uma certa fé de autoridade, que hoje de certo
é menos dífundida do que em tempos idos, mas, em combi-
nação com uma m'f1uencíabilidade reforçada e uma falta de
Q
Na Alemanha há atualmente duas orgamz'ações para tratamem opinião própria, põe a descoberto a mesma “fraqueza do
to clmi'co de doentes com mania de droga (toxicómanos) em que se eu”. É como num cabo elétrico cujo isolamento é tão pre-
trabalha de acordo com a concepção logoterapêutica: a Clm'1'ca do
cário que em muítos pontos o fío aparece. Em nosso caso,
Dr. Hem'es, em Bremen~0berneu1and, e a Teen Challenge Farm, em
Velden/V1'ls. é a observaçâo impensada, ou desajeitada, de um médico ou

138 139
terapeuta por trás da qual esteja talvez uma imagem discutí- Os erros mazs' freqüentes do comportamento terapêu-
vel do homem e à qual se dá uma reação neuróticaz está tico:
pronto o “curso circuito".
I -- Mostrar mais interesse por djstúrbios do que pe-
No Capítulo sobre dialética de destm°o vs. líberdade to- la esfera vital íntegra.
mamos conhecimento de uma regra fundamental do proces- II -- Tomar ao trágico as realídades do paciente tra-
so logoterapêutico que diz: zidas pelo destm'o.
III - Fazer prognósticos negativos que não sirvam ao
Deve-se ojerecer ajuda,
mas não se deve tirar a responsabilidade. objetivo de uma advertência.
IV - Dar a conhecer um diagnóstico que não é expli~
No caso de lesão iatrogênica, ocorreu o contrárioz o cado em relação à sua 1'mportãncia.
paciente não encontrou nenhuma ajuda mas uma possibili~ V - Calar no momento errado.
dade de remover sua responsabilidade, o que m'troduz um VI - Dar espaço a interpretações m'consideradas e a
desenvolvimento tra'gíco. Sempre foi costume argumentar hípóteses sem segurança.
- mesmo entre especialistas de pr1m'eira ordem - que na
vída psíquica humana, “ao lado da enorme massa do m'-
Quanto a I
conscíente, há apenas a tênue camada do consciente”, por
1'sso se deveria duvidar da responsabílidade do homem e, no Um mteresse predominante do terapeuta pelos dls'túr-
caso part1'cu1ar, do neurótico. Sobre 1'sso V1.k'tor Frankl opi- bios do seu paciente reforça a ident1f'1'cação do paciente con-
na que a idéia dessa servíl relação do eu ao Id sería compa- sigo como homem enfermo e, a partir desta autocompreen-
rável à 1'de'ia de que um ju1z' 1'doso e enfraquecido não estaria são negativa, o paciente produz ainda mais dístur'bios psí~
em condições de condenar um réu atlético. Mas, assim como qmcos.
0 poder judiciário não consiste na força bruta, assim tam-
bém o eu, livre para decidir, tampouco pode ser domínado Podemos nós dar um sentido ao homem de hoje,
pelas poderosas forças ínstíntuais, pois ele é 1ivre, ele se de- e.1:2'stencza'lmente frustrado? Temos de alegrar-nos
cide livremente para domm'á-las. se não foi tirado o sentido ao homem de hoje, por
parte de uma endoutrinação reducioms'ta. (Fra.nk1,
Pacientes que, em razão de um tratamento psicotera- 39)
pêutico, foram m'duz1'dos direta ou indiretamente a capitular
díante de seus conflitos e complexos 1'nconscientes e a pôr Exemploz U'a mãe procura um psicólogo porque o h'-
de lado sua liberdade e responsabilidade espiritual, são víti- lho faz com má vontade as tarefas de casa, além de ter ela
'mas, de acordo com a concepção logoterapêutica, de graves outras questões de educação. 0 psicólogo iníorma~se da his-
lesões iatrogênicas (e em particular os histéricos são 1'nfe- tória do desenvolvimento da criança desde 0 nascun°ento, e
lizmente muito susceptíveis a 1'sso). Para prevenção contra procura fatos patogênícos salientes. Se a màe relata que o
esse perigo organizei uma h'sta dos seis mais freqüentes er~ filho quando bebê chorava muito, ele abana a cabeça signi-
ros terapêuticos. Ela poderá preservar o especialísta dos ficativamente; uma queda da criança aos quatro anos m'te
“escolhos 1'atrogêm'cos" e abrir os olhos do paciente para o ressa-o part1'cularmente, e ao ouvir que cá e lá há brigas
fato de que, se ele tem direito ao “auxílio que cura”, não o com os 1'rmãos, ele anota as 1'nformações com o maior cuida-
tem a receber de mão be1'jada, para tudo e cada coisa, uma do. Assim, leva a mãe da criança a considerar implicitamen-
excusa de dinàmica 1'nst1'ntual. Vamos apresentar a h'sta com te o filho um “caso/problema”, e talvez ela voltará para
casa com maior preocupação com a criança, ou até rejeição,
brevidade.
do que quando veio.
Evidentemente, pode ser que exjstam relações entre
dados anamnésticos e a situação das tarefas de casa na m-

140 141
mí1ia, entretanto esses nexos deverão ser ctúdadosamente ce a ninguérn sem deixar vestígios; mas quem nos garanbe
venf'1'cados. Antes de tudo, é importante questionar também que não possa também resultar em alguma mudança posi-
sobre as dísposições posítivas da cr1an'ça, sobre as horas de tiva? A autocompa1x'ão, porém, é um terreno estéril em que
harmonia em família, e coísas semelhantes. Uma sondagem nada se produz.
sobre o lado espec1f'1'camente negativo na vida de uma pes-
soa é um levantamento de dados decididamente hostil e um Quanto a III
contra~senso que somente deprime, porque em sua um'1ate-
A carga de um vaticm'io negativo é que o mesmo estimu~
ralidade só traz à luz do dia inconvem'ências e rouba a es-
la mecanísmos de feedback e de intensificação intema pelos
perança.
quais é levado imediatamente à reahz'ação, pois já não está
mobilizada nenhuma “força desafiadora do espírito". Com
Quanto a II efe1'to, homens pessimístas dão ensejo ao pessimismo, pois
até sua atitude negativa de expectativa atrai o negativo. Mas
Tomar ao trágico as realidades de origem fatal reforça
o inverso não é válido, isto e', que uma ocasíão de pessun1"s-
a autocompaüão do paciente, confirma-o no papel passivo
mo produza homens pessimístas. Ao contrário, uma ocasião
de uma “vítima de suas circunstâncias” e paralisa sua pron-
de pessun'ls'mo verdadeiro é muitas vezes o momento crítico
tidão a colaborar dentro do processo de convalescença.
para uma sadia reação de desafio.
Dificilmente houve em qualquer outro lugar mais
stress do que em Auschw1'tz, e justamente aí tinham Se o desejo é o proverbza'l pai do pensamento, a an-
sze'dade é a mãe do acontecimento, leza'-se - do
desaparecido do terreno as doenças psicossomáticas
típz'cas, que geralmente são tidas como condiciona- acontecimento da doença. (Frank1, 41)
das por stress. (Frankl, 40)
Exemplo
Exemploz Um alcoólico cujo acompanhamento posterior eu tinha
Uma pessoa busca conselho por causa de sua falta de assumido, estava sem beber há um ano e meio, mas não con-
autoconfiança, e de passagem menciona que, alguns anos seguia encontrar nenhum emprego. -F1'nalmente foi-lhe ofe
recida uma colocação de balx'a remuneração num escritório.
atrás, sofrera um acidente de automóvel e que teve de ser
retirado dos destroços do carro pelos bombeiros. O terapeu- O médico de quem ele recebia regularmente orientaçâo acon~
ta, em conseqüência, fica colado no tema “acidente” e atrí- selhou-o a não aceitar a posição, alegando o motivo _ “Se
bui muito peso a este. Ele diz que um choque dessa nature- você ficar frustrado depo¡s', vai voltar a beber de novo!".
za pode ter repercussão no inconsciente por muito tempo. Em rrunh'a opinião essa declaração causou perigosa 1e-
e pede ao paciente para reportar-se lá interiormente mais são íatrogêmca no paciente; de fato, quem saberia preservar
uma vez e relatar-lhe o que sentíu naquele momento do de- uma pessoa qualquer de toda frustração em sua vida? Ela
sastre do carro etc. E assun', ele leva o paciente à ídéia de terá com certeza, por centenas de vezes, desgostos, penas e
que o acidente de carro poderia ser o responsável por suas preocupações que a vida reserva; e depois? Depois (confor-
d1f'icu1dades atuais, e ao mesmo tempo volta a encarecer-lhe me o prognóstico méd1'co!), resta pegar a garrafa. . .? Na'o,
as ansiedades, sendo que as duas atitudes produzem juntas essa regra não pode ser estabelecida. Todo homem é capaz
uma nova base de angústia. Possivelmente, após o colóquio, de suportar frustrações sem apelar para a droga; e o antigo
-

à noite, 0 paciente vá dormir mal, ou vá acordar banhado alcoólico com maior razão deve domínar-se, se na'o, estará
em suor, ou semelhantes. perd.1'do. Por isso eu o aconselhei com insistência a pegar o
0 que se ganha com isso é nada menos que uma m'segu- emprego e a de1x'ar corajosamente que as frustrações venham
rança a mais, totalmente desnecessária, que d1f'1'ci1mente vai em frente, sem medo delas e sem namorar o al'cool nem por
contribuír para levantar a autoconfiança do paciente. Sem um instante. A evoluçao~ segumte deu-me razão: o homem é
dúvida, podemos aceitar que um acidente grave não aconte- hoje sadío e muito satisfeito por não ser nenhum “caso social".

142 143
Quanto a IV Quanto a V

Karl Kraus cunhou a sábia sentença: “Uma das enfer- O terapeuta que se esconde atrás de uma máscara im-
midades mais düundidas é o díagnóstico”, frase que tem penetrável de onde nada dele transparece ao paciente não
também sua validade na psicoterapia. Se expressões como reahza' o tipo do “encontro homem a homem". Se ele ainda
“psicose esqmz'o-afetiva" ou “sm'drome de borderline” apare- responde com silêncio, contraditas ou retrovisoe's às per-
cem diante de pacientes sem ser explicado ao menos o que guntas m'quíetas do seu paciente, facilmente resultará neste
ls'so sigmf'ica para seu futuro, suas perspectívas de cura etc., um sentimento de m'compreensão ou abandono, e isto se
- nascem nessas pessoas perturbaçoe“s e coníusoe's mentais, presta mais para tirar do que para dar apoio moraL
porque os pressent1m'entos, na maior parte am'da negativos,
entram para o rol da mse'nsatez à medida que chegam a elas.
Naturalmente, nem sempre se pode poupar os doentes de Em certas circunstâncias calar pode ser tão pre-
saberem que estaro~ doentes. Apesar d15'so, muito 1m'porta judicml como falar demais; zs'to é, quando o médico
como sabem e o que lhes é dito sobre sua doença. anda com demasiados segredos. .. (Frankl, 43)

Devo confessar que de nenhum modo estou conven- Ezemplo


cido de que o saber a respeito de quazs'quer doenças
também representa, em qualquer caso, uma coisa Há muitos anos levei um filho pequeno ao clínico geral
saudáveL (Fra.nkl, 42) devido a uma erupção cutânea no peito. Depois de várias
horas na sala de espera pudemos entrar. Despi o meu filho
Ezemplo e o médico examinou a erupção. Depois, sem nada dizer,
sentou-se à escrivanmh'a, passou receita, me entregou e sus-
Certa vez sentou-se à mmh'a frente uma paciente que surrou que a parte da pele doente deveria ser friccionada de
tmh'a. recebido quatro d1f'erentes diagnósticos de quatro te- manhã e de noite com a pomada prescrita por e1e. Fiquei
rapeutas d1f'erentes, e fazia conúgo uma u1't1m'a tentativa realmente aborrecida, pois afm'al uma mãe quer saber de
para saber o que realmente havia de errado com ela. que tipo de erupção se trata, no filho, donde provém, quais
Os díagnósticos trazidos eram: depressão endógena, depres- as perspectivas de cura. Desde esse dia pude compreender

_-m
são reativa, enIermídade psicossomática e neurose. Por trás bem como se sente um paciente que ao psicólogo tem de
de tudo estava o seu desespero por ter sido despedida duas responder um montão de perguntas cujo sentido não enten-
vezes num tempo relativamente curto, ao que ela reagira de completamente, e que, no fim, saí da entrevista sem re-
com maior nervosismo e dls'tu'rbios de son0. Achava tam- ceber um un'ico esclarecimento da situação.
bém que devia ser culpa sua se tinha tanto azar, ou talvez
“nã0 tmh'a a cabeça muito certa”. Os diversos diagnósticos 0 terapeuta é devedor de informações de retorno ao pa-
em nada contríbuíram para minorar seu desespero. cíente, informações em linguagem adequada ao seu nível de
entendimenta Metáforas plásticas podem também ser pro-
Para tranqu11"'1z'á-la eu expliquei que, em vista da situa-
ção, eram totalmente compreensíveis tanto sua infelicidade veitosas para demonstrar o sentido mais profundo de deter-
como os distúrbios de sono. De nenhum modo era doente minadas m'struções. Eu f1z' a experiência de que se podem
psíquica, mas devia cuidar de sua hipersensibilidade, pois realizar coisas extraordinárias com os pacientes, e que eles
esta poderia envolvêla de fato em mdisposições neurótico- se portam corajosamente se, com modos m'spirados no hu-
-depressivas. A paciente precisava de uma prevenção contra mano, forem levados a compreender por que se deva exigir
neurose em forma de um aconselhamento à coragem, ou de deles ísto ou aquílo. Mas se o terapeuta se encobre com o
umas férias para derrefletir (ela voou para passar uns dias manto do silêncio e se fecha na escuta, não estranhe se vier
no Eg1'to, o que lhe fez mtúto bem) e de uma leve correção a encontrar resistência por parte deles.
mtm

de atitude profissional - nada mais, para de novo estabili-


zar-se completamente.

144 145
. ._.,
Quanto a VI
com lâminas de navalha; a um outro, que era locutor noti-
As interpretações formam de per si um capítulo trágico, cioso de rádio, fezse crer que ele tinha escolhldo essa pro-
pois em nenhum outro terreno a jovem ciência da pSicotera- fissão somente para satisfazer seus impulsos exibicionlstas
pia cometeu mais erros do que neste. As más interpretações, - são todos art1f'íc1'os terapêuticos arriscados, que rapida-
o mais das vezes, são ligadas a desvalonzaç'ões em sentido mente degeneram em lesões iatrogênicas.
reducionista, isto é, assestam o golpe e arrebentam uma coi-
Quanto o homem moderno seja susceptível de “reação
sa sem lhe dar um reparo.
ao negativo”, e portanto de reações da esfera corpo/alma,
pode-se deduzir de um estudo de Horst Merschein (Universi-
Há idiotas que, em geral, só resultaram idiotas por- dade de Essen), que pesquisou sobre o “contágio" de certas
que um psz'quza'tra, um dza', tomou~os por idiotas. doenças através da televxs'ão. No dia seguinte a cada descri-
(Frankl, 44) çào de quaisquer sintomas de doenças na televisão multipli-
cam-se nos consultórios médícos e clínicas novas consultas
Exemplo de pacienteê exatamente com os mesmos sintomas de doen-
Para mostrar o que há de absurdo e perigoso em mu1'- ças - não fruto de imagm'ação, mas sim verdadeíros! Se o
tas hipóteses psícológicas, vai narrado neste passo o que indivíduo refletir na força dessas ínfluências mentais, fica~
uma revista especíalizada trazia a respeito da tendêncía es- rá consciente da enorme responsabilidade que reside na di~
tatística de que atualmente unl número cada vez maior de reção terapêutica da entrevista.
pessoas prefere esquiar na neve espessa a correr nas pistas,
ou realizar excursões. Diziaz “A passagem por uma encosta
de neve espessa recentemente formada satisfaz o impulso de
defloração profundamente enra1z'ado no subconsciente do
homem”. Esse impulso hoje ficaria frustrado porque quase
não há mais donzelas virgens, e por conseguinte dá-se a ab~
-reação onde se possa ainda “ser o primeiro”, penetrando-se
pois na neve intacta. .. '
De1x'ando totalmente de lado o evidente ridículo da af1'r-
mação, também deve ser vista a tendência de desvalor1z'ação
que lhe é 1n'erente. Conforme esta, não se sobe à montanha
por causa da beleza da montanha, por causa da ezperien^cm
de uma natureza imperturbável, da cíntilação dos raios do
sol nos cristaís brancos, da respeitosa serenidade da paisa-
gem distante, ou da soberba visão do pico nevado - não,
nada disso, unicamente para liberar a pressão de um im-
pulso secreto, efervescente, a fim de fazer reinar novamente
no interior da alma a calma homeostática. .. Como é mes-
quinha essa interpretação e m'digna de um homem!
Precisamos portanto ser céticos em todas essas 1'nter-
pretações. Engana-se quem pensa que os terapeutas de fama
sejam invulneráveis. A um paciente meu conhecido insinuou-
-se um complexo de castração após ter ele um dia sonhado

' Emest Dichter, psicólogo americano, pesquisador de motivos.

146
147
As (pseudo)neuroses somatogénicas, que Frankl define
como distúrbíos funcionais e separa rigorosamente das psi-
9 coses, acarretam no psíquico certas condições de angus'tia e
mal-estar. Podem ainda subdividir-se em quatro gruposz em
pseudoneuroses basedowóides, addisonóides e tetanóides,
ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO DE DOENÇAS bem como em síndromes vegetativas das quais há as 51m'pa-
SOMATOGENICAS ticotônicas e as vagotônicas. De acordo com sua etiologia, é
necessária a medicação correspondente para serem eh'm1n'a-
das as causas somát1'cas, e juntamente com elas os efeitos
psíquicos. E importante que o processo patológico seja de
todo reconhecido como somatogêm'co, donde se segue que
somente pode ter lugar um tratamento logoterapêutico (pe-
quena modulação de atitude, um pouco de mtenção parado-
xal) no quadro de uma terapia simultànea somatopsíquíca.

Se, como clisse, pomos de lado as neuroses provísoria~


Vamos dar novamente uma olhada à nossa Tabela de mente e dirigimos o olhar às doenças físicas graves e as' psi-
orientação da p. 93 com que estamos procedendo sistemati~ coses, isso significa que saímos do âmbito do sofrimento
camente. Encontramo-nos em tema de “modu1ação de atitu- ainda alterável para o do sofrimento prevalentemente 2'7zalte-
des em face do negat1'vo" e discutimos o trato terapêutico com ráveL A logoterapia dá grande atenção ao “homo patiens",
as neuroses reativas com base em quadros patológicos de ao homem que sofre - e sofre sem dúvída um destino inalte~
rável - porque, na concepção logoterapêutica, o médico é
histeria, mania e lesões iatrogênicas. O ponto segumte do
programa seria sobre (pseudo)neuroses somatogen'icas. Co- competente só até onde ainda houver alívio e consolação.
Frankl nesse casos fala em uma “cura d'a1mas méd1'ca" que
mo porém não há muito a d1z'er sobre elas, do ponto de
vista psicológico, gostaria simplesmente de defini-las em sen- não é bem a “cura d'a1mas religiosa", mas visa a facilitar
tido frankliano, e de1x'ar um pouco de lado as neuroses para ao doente grave ou ao homem que sofre um apoio espiritual
capaz de preservá-10 de cair no desespero.
ded1'car-me a um capítulo mais importantez o acompanha-
mento terapêutico de suporte das doenças físicas graves e
das psicoses. A todas elas, a saber, às (pseudo)neuroses so- 1.'°) Vamos considerar primeiro os handicaps graves
matogênicas, às doenças físicas graves e às psicoses, é co- devidos a doenças jísz'cas, como o can^cer m'curáve1, amputa-
mum a somatogênese, quer d1z'er, a on'gem patológica na di~ ções, operações, paralisias transversais etc., do ponto de
mensão somática do homem. vista da “cura d'a1mas médica”. O organismo do doente am'-
da pode manter com facilidade as funções vitais, se não lhe
E também possivel que se trate de um efeito verda- sobrevier uma carga afetiva. Porque o estado de un'um'clade
dez'ro, mas não do efeito do psiquico sobre o soma'- do homem depende, entre outras coisas, do seu estado afeti~
tico, e sz'm, ao contrário, de um efeito do somático vo (Frank1), e isto quer dizer que o doente ou o deficiente
sobre o psiquica Como sabemos, essas enfermida- possui a melhor defesa possível do próprío corpo contra as
des são, por definiçãa psicoses; no particular, quan~ doenças, em sua sítuação, na medida em que o seu estado
do afinal falamos em (pseudo)neuroses somatogê- de am^'mo é bom. (As mães parecem adivinhar essas associa-
m'cas, são predominantemente d2'stu'rbz'os funcio- ções, esforçandose para assegurar aos filhos doentes as boas
nais de natureza vegetativa e endo'crina, que por dísposições, por exemplo, lendo para eles histórias alegres ao
vezes decorrem monossintomaticamente e cujo ma- lado da cama.)
nossintoma é psiquico, exclu2'ndo-se naturalmente Em princípio, porém, o estado afetivo somente pode
neste contexto a qualificação de tais enfermidades
manter-se positivo se o doente, apesar da doença, experi-
como psicóticas. (Frankl, 45)

149
148
. ukçe
menta a própria exístência como uma coisa que tem senti-
Querendo-se acompanhar terapeutícamente doentes gra-
do. É a quintessência de toda “cura d'a1mas me'dica” que se
ves ou deficientes físicos, é preciso não perder de v1s'ta tres
ocupa da atitude do paciente em face da vida e ao seu sofri-
regras básicasz
mento, e ocupa-se do processo de escolha de sua percepção
espirituaL O que o doente percebe como elemento central? 1 - A hipótese de reivindicaçao~ deve ser abandonada
pelo doente (ela é muitas vezes mais forte do que
Para todo doente ou deficiente há um espaço livre per-
se pensa!).
dido (por ex. ele não pode andar) e um espaço livre preser-
vado (por ex. pode andar de cadeira de rodas). Ele fará a 2 - A percepçao” “esp.iritual” do doente deve ser d1'rigí-
escolha - qual dos dois modos estará no centro de sua da para o espaço livre preservado (que é muitas
percepção “espir1'tual”. Se for a parte perdída, ele se entris- vezes maíor do que se pensa!).
tece, sente-se pum°do m'justa.mente, compara~se com os sãos, 3 -- No espaço livre é preciso apresentar novas pos-
e isto o de1x'a am°da mais triste, e considera cada esforço sibilídades de sentido (a.qui muitas vezes há mam
co1s'a sem sentido, que para nada vale. Se, ao contrário, a do que se pensa!).
parte preservada estiver no centro de sua percepção “espi-
ritual”, ele é grato pelo que lhe resta de abertura e ainda Se esses trés passos forem dados, o doente terá esperan-
vê que isso faz sentido. ça de novo; não, talvez, a esperança de ficar são, mas pelo
menos de poder levar pelo tempo restante uma vida de seu-
Mas para ocorrer uma escolha entre essas percepções tído, apesar da doença: e essa esperança há de fazer me
na direção do espaço livre am'da preservado, deve ser aban- 1horar, como “sm'toma concomitante”, o seu estado afetivo,
donada pelo doente uma atitude que muitos m'divíduos to- e, com este, também o seu estado 1'munológ1'co.
mam, infehz'mente, e que éz “Tudo está para mim”. Mas na Um dos mais belos exemplos de modulação de atítudes
realidade não há direito algum à reiv1n'd1'caça'o de qualquer (no estilo do “d1'álogo socrático”) é dado por Frankl num
coisa, nem de uma vida sã, ou de uma vida longa, ou de uma relato escrito do diálogo entre ele e um paciente que teve
vida confortáveL Ao contrário, a vida é uma permanente dís- uma perna amputada, e que, depois da operação, se esforça-
cussão das realidades. E à vida humana, como o ser que se va por fazer os pr1m'eiros ensaios para andar (com uma per-
distmgue pela d1m'ensão espirituaL cabe dar resposta a to~ na só):
das essas rea11'dades. O doente físico grave também há de
dar resposta à sua doença, como o deficiente à sua deficíên- mwm a minha ajuda ele desceu da cama e começou,
cia; e a melhor resposta possível cada um irá buscar somen- como um pardaL a dar pequenos saltos com muito
te em seu espaço livre a1n'da preservad0. (Há por ex., pas- esforço, sobre uma pema só. De repente rompe em
soas em cadeiras de rodas que passe1a'm, praticam um es- pranto, e aquele venerando e mundza'lmente famoso
porte etc., dando respostas heróicas ao seu destm'o, mas é anczão que eu segurava com minhas mãos, chorava
que tais pessoas mantêm no campo visual o seu espaço livre de leve como uma cr2a'nça. “Isto eu não vou supor-
am°da preservado; por outro 1ado, há outras que se enfiam tar -- uma m'da de aleijado não tem mesmo nenhum
em casa e ficam “chocando” a sua perda!) sentido”, gemeu ele. Fixei~o nos olhos e perguntei in~
cisivamente, mas em tom de troça: “Diga, sr. presi-
dente, o sr. tem intenção de ser um corredor de
A própna' vz'da é que traz perguntas ao homem. Ele curta ou de longa dz'sta^ncza', pretende fazer a car~
nada tem a perguntar ele e', antes, o interrogado da reira do esporte?” - Ele olhou espantado.
vida, quem tem de responder à m'da - ou melhor, Prossegui: “Só mais tarde eu poderia compreender
quem tem de co-responder à vz'da, tomando a si a seu desespero e suas expressões de agora, porque env
responsabilidade da m'da. (Frankl, 46). tão o sr. poderuz' ter perdido o prestígio, e sua m'da
restante sem mera sobrevz'ven'cza' sem sentido para

150
151
* AwFJ
_"¡›=~_
LÀO
sr.: o sr. não interessarm mais, nem como corredor Por isso, em psicoses a modulação de atitudes acaba
raso nem com corredor de funda Mas para um ho sendo outra regra nP 1: a hipótese da reivindicação não deve
mem como o sr., que construiu uma inteira vida do ser feita (nas doenças psicóticas, ela, em todo caso, é menor,
mazs° alto sentido, que atuou no campo profzs'sional e devido ao desconhecun'ento da realidade, ligado com elas)
criou um nome, para um homem assim, devem a vi- mas o acoplamento psique/espírito deve ser afrouxado para
da simplesmente perder o sentido só porque o sr. que o “espírito" não se entregue completamente às fígura~
perdeu uma pema?”. Aquele homem compreendeu ções de miragem da “psique”. Aqui se conta bastante com
z'med1a'tamente o que eu querw dizer, e um sorriso o antagomsmo noopsíquico do homem, que é de relevância
deslizou pelo rosto inchado de chorar. (Frank1, 47) terapêutica.

2.°) Consideremos agora em segtmdo lugar as doenças A logoterqpia ao lado de (!) psicoses (francamen-
psiquicas graves de base somatogêmca (“endógena"): as te não há uma logoterapw das psicoses) é essenc1a'l-
psicoses. Elas também signüicam uma considerável perda mente terapw na parte que resta sã e é, propm'men-
do espaço 1ivre. De um 1ado, pende sobre as cabeças das te, o tratamento de atitude na parte que resta sã
gerações, como a espada de Dâmocles, a ameaça da tara he- no doente em face da que ficou doente no homem
reditáría. De outro lado, a doença pode man1f'estar-se m'tei- Porque a parte que resta sã não é susceptível de
ramente de repente, com ou sem desencadeantes (stress psí- doença e a parte que ficou doente não é capaz de
quico, m°versoe's hormonais. . .) e sem possibilidade de opor- tratamento (antes pelo contrário só é acessível a
-se uma barreira. Acresce o perigo de um regresso, por sur- uma somatoterapia), no sentido de uma psicotera-
tos, de fases da doença que afetam consideravelmente toda pm (não apenas no da logoterapm'.'). (Fra.nk1, 48)
a personalidade. E finalmente existe, no caso da esqmz'ofre-
nia, o perigo de uma progressao~ até a desmtegração da per- Examinemos a possibilidade de modulação de atitudes
sonalidade e a decomposição mental totaL Em tudo existe (“tratamento de atitude na parte que resta sã") no caso das
muita diferença em relação à doença puramente física. Com duas mais freqüentes formas psicóticas de doença - a de-
o doente ou o deficiente físico, podem-se abordar no conjun- pressão endógena e a esquizofrem'a.
to as duas dimensões, noética e psíquica - se ele, portanto,
tiver a esperança no sentido mencionado (a esperança de
reahz'ar uma vida com sentido) -, então, também seu estado TDEPRESSÃO
ENDÓGENA ESQUIZOFRENIA
psíquico geral é bom. Mas no doente psicótico as dun'ensoe's
A "miragem” da depressão en- Os fenômenos tipo “miragem"
noética e psíqLúca devem “acoplar-se uma à outra”; por ex. dógena consxs'te, como se sabe, da esqmz'ofrenia - que consís-
no espiritual poderá haver percepção da esperança um'ca- numa tns'teza sem motivo_ rigi- tem em alucm'açoe“s, distorçoe's
mente se também no psíquíco a tristeza não vier a enlou- dez psíquíca, medo do futuro, da realídade_ sent1m'entos de mu-
quecer, digamos, numa depressão endógenaz e isto é muito passividade, juntamente com au- dança de identidade, idéias de
to-acusações completamente des- perseguíção etc., - não podem
d1f'ícil.
cabidas. Esta miragem pode to- mals' ser 1'dent1f'icados como taxs',
davm' ser identificada como tal ao contrário da depressão en-
Doença
pelo doente, 1s'to é, a ilusão emo- dógena. Nào há que se revelar
psicótica cional que ele experimenta po- ao esqmz'ofrénico, em surto atuaL
de ser identificada como ilusào. sua 1l'usão. Como derradeira
dimensão em atitude positiva, afetadas A tns'teza naturalmente não se possibxl1"dade aqui alnda estâo ao
estreitamente
noética parcialmemehemporañamente acaba, mas sua atitude ante a alcance somente correçoe's de su-
acopladas;
tristeza pode mudar. Frankl em~ tude dentro da müagem -- e
dimensão em alitude positiva,
prega repetidamente a metáfora isto 1m'plica que o terapeuta de-
psíquxca não afetadas eslreitamente em seus h'vros_ vendo a triste~ ve introduzlr-se no mundo men-
acopladas; za entendida como uma nuvem, tal irreal do doente para ai de-
dimensão afetadas cuja passagem pode ser espera- satívar o que possa ser preju-
somática

152 153
1) - Identificar a miragem (quanto possíveD e contor~
da calmamente na certeza e na dlcm'l a ele. Porque mesmo em nar ou desativar a ilusão por meío de atitudes cor-
coniiança de que aclma dela psi- seu mundo dlstorcído e hm'1'ta-
do há, o mazs' das vezes, ainda retas;
ra inalterável o sol no honzo*n-
te de sentido da vida. O doen- uma pequena margem do espin'- 2) - encorajá~los para uma resmtência paciente nas m-
te que souber 1m'bu1r'-se dessa tualz e assim o doente pode ata- ses más e dirigir~lhes a atençao' para as fases boas
atltude suportará sua tns'teza car seus numi"gos fictícíos ou da vida;
psíquica muito melhor porque perdoá-Ios, e naturalmente a cau-
sabe enfrentáJa espixitualmente. sa do perdão será defendida. 3) - nas fases boas, apresentar possibilidades de seu-
(Como é produzida essa "nu- Ou ele poderá voclferar para to- tido a fim de que estas de algum modo ainda “ir-
vem" - hoje se sabe amplamen- do mundo suas idéms' absuxdas. radíem” sobre as fases más.
te. Trata-se de uma Ialta tem- ou considerá-las segredo ínt1m'o,
porária de deterrmnad'os neuro- entre si e seu méd1'co, e natu-
transmxs'sores no cérehro, devido ralmente se terá de favorecer a Se forem dados esses três passos, embora nao~ se possa
à qual o mundo do sent1m'ento guarda do segredo. Com isso elimm°ar' o vexame da depressão temporárm ou da perda
se embaralha. Uma das subs- não se estão fazendo, do ponto parcial da realidade, o paciente poderá, nao' obstante, 1eva.r
tâncias em falta pode ser subs- de ws°ta médico, alberações exces-
uma vida razoavelmente aceitável para ele. Evidentemente,
tituída artllicialmente pelo 5-HTP sivas, mas, na prática, seria
(hidroxitriptofan), a que muitos possiveL num ou noutro casol estas 1n'dicações não sígníficam que se possa prescmdir da
pacientes reagem bem. Isso tudo um doente ficar, mediante tais necessária medicação; a “cura d'almas médica" é uma ofer-
é válido porém somente para de- modulações de atítudes, com a ta adicional do méd1'co, ou terapeuta, que vem a calhar se
pressões endógenas; no caso de sua companhia hab1'tual, em vez tudo o mais que é do dever do médico for assegurado.
depressões reativas ou noogêni- de ter que ser m'tema.do.
cas as causas são outras_ total- (Até onde remontam as idéms' Como exemplo gostaria de citar uma de rmnh'as pacien-
mente dlf'erentes.') absunias do louco, hoje am'dn
se dls'cute. Com grande proba- tes que em 1980 me veio fazer uma consulta e faleceu em
bilídade trata-se de d1$'tur'bios de 1983. Tmh“a sido enviada por uma clínica de nervos e eu tive
metabohs'mo nas células nervo- o encargo de acompanhá-la depois da ul't1m'a fase de depres-
sas do cérebro.) são endógena. A doença já durava seis anos, desde sua en-
trada na menopausa; e desde essa época ela efetuou quatro
Nas psicoses há de fato uma espécie de '“barreira” psi- tentatívas graves de suicídio. A quarta ocorreu de modo
cofísica ao sentido, motivo pelo qual se leva ao doente particularmente dramáticoz ela havia sido descoberta 1ite~
o apelo à “vontade de sentido”. No depressivo endógeno tal ralmente no ú1t1m'o mm'uto pelo cão de um passante na es-
apelo mtensüicaria a1n'da mais os seus sentimentos de cul- pessura do bosque onde jazia m'consciente, m'toxicada de so-
pa irracionaís e inoportunos, e no esqmz'ofrênico uma “von- n1f'eros. Nos quase três anos em que esteve em tratamento
tade de na'o-sentido” poderia facilmente resulta do fato de comigo não aconteceu uma um"ca tentativa de suicídio, e ela
. ter ele d1f'icu1dade em dístmguír sentido e não-sentido. veio a morrer de outra causa que nada tlnh'a que ver com
Ao psicótico, ao contrário do neurótico, há de lhe ser dada nosso trabalho comum.
consciência de que está doente (e de que não é responsável
O trabalho terapêutico rea11z'ou-se da segumte mane1r'a.
por estar doente) e por esse motivo ele não tem nenhuma
an'eiro começamos a aproveitar m'tensivamente os mo-
outra tarefa senão suportar tudo 1'sso com paciêncía ou dei-
mentos sao's, positivos da vida de1a. Ela trabalhava muito
xar passar; mas ao mesmo tempo tem de ser feito um apelo
bem como costureira nos anos pósrguerra e eu a an1m'ei a
à “força desafiadora do espírito” - daquele “espírito” que
freqüentar um curso de corte e costura que efetivamente lhe
também é capaz de provocar para esta doença espaços livres
proporcionou muíta alegria. Ela produzia moldes para pes-
e fases sadias, e para esses espaços e fases am'da possib11'i-
dades de sentido.
' De modo nenhum se bentem elimmr slntomas pslcóticos com
Se, por outro lado, quisermos resurmr o trato com pa-
auxmo da m'tençao' patadoxau Nas ansiedades depressivas com num-
elentes psicóticos em três regras fundamentais, estas seriam ces de suicidio, ou nas paranóides, a m'tenção paradoxal é contra-m'-
as segmn'tes: dlcada sem exceçao'.

154 155
-
soas amigas e isso também trouxe belos contatos no campo A esta altura anote~se, para o especialista, que o perigo

"M
doméstico. Além djsso, ela se inscreveu na gm'ástica para pes- máximo de suicídio, nas depressões endógenas, ocorre quan-
soas de idade que ela, a princípio hesitante, mais tarde do a fase má atm'ge a conclusão.
acompanhou bem.
A segunda medida que tomamos juntas foi um trem'a-

4"~. : $Jm.~mw
mento preventivo para o caso de voltar o vexame depres- Estado dc ànimo nomlan
sivo. De1x'ei claro que logo aos pmn'eíros sm'aís, que ela co-
V\
nhecia com exatidão, teria de recolher-se voluntariamente ao Perigo máximo de suicídio
hospital onde poderia ser ajudada a atravessar o mau espa-
ço de tempo, por quanto possíve1, “consu1tando o traves-
seiro”. Não era vergonha nenhuma estar fora de forma por Os pacientes por um lado sentem~se sempre "mortal-
umas semanas; outras pessoas sofrem seu reumatismo, ou mente infelizes”, e por outro vêem regenerada pouco a pou-
sua asma, e “você tem esta doença que você deveria conside- co sua força de determinação (que estava paralisada no pou-
rar como se de vez em quando vai a tratamento" para de- to ínfimo da fase depressiva), mas as duas situações juntas
pois retomar sua vida diária normaL Era uma modulação resultam numa perigosa combinação! Por isso, ninguém
de atitude d1f'ícil para ela, pois estava habituada a aplicar~se tente reduzir muito o cuidado médico-psicológico, próx1m'o
estímulantes ela mesma quando em estado depressivo, o que ao fim da fase depressiva de um paciente por constatar que
cada vez a empurrava para o desespero. Até que afinal ela ele está melhor. O fim da fase é o ponto mais crítico de todo
entendeu isso e aceítou rever a situação. o processo da doença, mas também o momento em que toda
aquela plenitude de valores da v1'da, dados integralmente nos
Nossa terceira medida terapêutica consistia numa prof1'-
tempos sãos do paciente, pode ser de novo colocada no seu
laxía do suicídio. Tinha ela um filho quase adulto, e eu
pedi que por amor do filho preservasse a vida a todo custo. campo visual.
Não que ele ainda tivesse muita necessidade da mãe - poís
era bastante independente - mas por outra razão. Eu lhe
expliquei que os filhos de suicidas são sempre um tanto
ameaçados de tentar resolver os próprios problemas com a
mesma “receita”. É que para esses filhos está perdida a
evidêncm com que a gente vive, ou se esteja bem ou se esteja
mal; eles receberam um modelo de acordo com o qual viver
não tem absolutamente uma evidência, e esse modelo cont1'-
nua a mfl'uencíar mesmo em situações não constrangedoras.
Queria, então, a mulher que seu filho, num dia de af1i-
ção, só brincasse com o pensamento de atentar algo contra
a vida? Não, não queria isso. Então eu a desafíei por assim
dízer a sacrificar-se pelo filho e naqueles momentos em que
a vida não lhe parecesse de modo algum djgna de viver, não
obstante tudo - pela segurança dele - fosse suportando.
A exortação foi-lhe ao coração e, como d1'sse, mais nenhum
ato de desespero foi prat1'cado, se bem que ela nos escassos
três anos de nosso trabalho comum precisasse ainda ir duas
vezes à chn'1'ca por causa das fases de depressão (m'evitá-
ve1's). Em resumo, ela não só atravessou bem essas fases
mas, creio eu, seus últ1m'os três anos, apesar da doença, con-
taram-se entre os mais realízados de sua v1'da.

156
157
L
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ção? Talvez no conjunto eu não esteja satisfeito com minha
vida; não vejo sentido no que eu faço, piso num terreno fal-
10 so, não estou em harmonia com minha consciéncia, e se-
melhantes; não sinto a mm'ha existéncia realizada com sem-

ETmnr
tido e por isso não sou fe11z'. Sería 1ss°o então jundamento
ou razão para que as cargas psíquicas, como “pretextos dos
PARA SUPERAR OS REVESES DA SORTE aborrecimentos”, possam influenciar de modo totalmente
negativo sobre mm'ha saúde. As causas de ter eu apanhado
gripe são, exatamente como antes, os vírus sobre a mesa,
mas o fundamento para ser eu susceptível à grípe seriam as
mmh'as carências e›:istencials'.

Analogamente, o inverso é válido. Quem tem fundamem


to para permanecer são, em nada poderá atmg1"-lo o abor-
recimento por quaisquer bagatelas. pois sua base firme é o
sentimento positivo da v1'da. Por conseqüência o aborreci-
A imagem do “homo patiens", com as graves doenças
mento não faz nenhum efeíto em seu sistema de imunidade
físicas e as psicoses, ainda não está concluída. Há reveses da e possivelmente não vem a acontecer nenhuma infecção.
sorte que não consistem numa doença mas numa perda -
mesmo que haja na proximidade vírus causadores de gripe.
a rigor, uma perda de valor. Exemplos disso são am1z'ades
Um exemplo excelente são as mâes de crianças pequenas;
rompídas, casamentos fracassados, casos de morte de pes-
elas em geral quase não caem doentes, pois têm fundamento
soas íntimas, carreiras profissionais terminadas, grandes de~
silusões,, erros irreparáveis, prejuízos materiais etc. Tudo predomínante para a permanência em saúde.
isso traz consigo uma frustração espiritual porque os s1'ste-
mas de valores estão sem dúvida consolidados na dimensão
noética. Mas as frustrações espirituais podem ter seus efeitos Causas não são o mesmo que fundamenta Se o indi-
no psíquico e no somático, por ex. o m'divíduo entristece víduo corta cebola, lacrimeja. Suas lágrimas têm
(= depressão psico-reativa), ou não tem apetite (-_ reação uma causa. Mas ele não tem fundamento algum, ou
psicossomática). A frustração espiritual fornece a base à razão, para chorar. Se é infeliz e toma um gole de
tristeza; a tristeza é algo psíquico, o que por sua vez 1nf'1ui whisky, será menos infeliz, e o whisky é causa disso.
no processo do a11'mentar-Se e portanto sobre o somático. Mas acabar com o fundamento ou razão de ser m-
feliz, isso vai levar muito tempo. (Frank1, 49)
Convém intercalar aqui um breve excursus sobre a di-
ferença entre “fundamento” e “causa” para se compreender
o que segue. Suponhamos que sobre a prancha da mesa à Outro exemplo diz respeíto ao fumar. O fumo é uma
minha frente se encontram vírus de gripe; ponho minha mão causa do câncer dos pulmões. Mas que fundamento ou razão
aí e me contagi0. Então os vírus são a causa de ter eu apa- tem o m'divíduo para fumar tanto até cair doente? Pode ser
nhado gr1'pe. O meu sistema de imum'dade, porém, pode b10-
que nele exista uma djsposição m°ata à mania; por outro
quear a mI'ecção, se for suficientemente forte. Mas suponha-
lado devemos perguntar por que ele não procura conhecer
mos que esteja enfraquecído porque meu estado de am"mo é
um fundamento, ou uma razão mais convmcente para renun-
ruim. (Que o estado de ímunidade “pulsa junto” com o es-
ciar à sua 1'nclm'ação? Um fundamento para assegurar a saú~
tado aietivo, já sabemos.) Suponhamos ainda que eu venho
de? Em nosso exemplo 0 corpo de fato é apenas uma ima-
há tempos me irritando. Tenho d1f'icu1dades profíssionais
gem especular da psiquez o fumante faz algo que o prejudi-
ou pessoais. A irritação tem então o efeito de ser eu susceptí-
ca (recorrer ao fumo) e 0 corpo faz algo que o prejudlca
vel à gripe. Mas por que aborrecer-me com qualquer bagate-
la? donde provém minha permanente insatisfação e irr1'ta- (produz1'r células cancerosas), portanto o corpo segue sim-

158 159
plesmente a atitude fundamental do seu possuidor! Como Lembremos as três “colunas” em que repousa o edifícío
vemos, a investigação de fundamentos e motivos fundamen-
das idéias da logoterapia (cf. o esboço da p. 26): a 1iberda-
tais (investigação que a logoterapia se propôs como meta)
de da vontade, a vontade de sentido e o sentido da vida. Esta
pode ser mais decisiva do que o descobrimento das causas
última “coluna”, o sentido da vida, pode ser achada, segun-
das doenças.
do Frankl, em “três estradas principais": na real1z'ação de
Voltamos assim ao tema dos “rev'eses da sorte”, os m'- valores criativos, de valores de experiência vital (vivência)
fortun'ios, que apresentam não causas mas muito mais fun- e de valores de atitude.
damentos dos distúrbios de saúde. Nos casos de infortun'io,
encontramos uma saída diferente dos casos de enfermídades
graves físicas e psicóticas. Uma análise fenomenológica da experz'en'cza“ vital
imediata, não íalsijicada, como podemos apreender
do “homem da rua”, simples e despretensz°oso, e pre-
Enfermidade Enfennidade Reveses da sorte cisamos apenas traduzir para a terminologia cz'ent2'-
físíca grave psicótica (0u infortúnios)
fz'ca, revelaria que o homem - por jorça de sua
vontade de sentido - não somente procura um seu-
fundamenlo fundamenlo
tido mas o encontra, e precisamente em trés camz'-
cau.s'a cau.sa nhos. Em primeiro lugar, um dia ele vê sentido em
fazer ou criar alguma coz°sa. Vê, além disso, sentido
dos distúrbios do eslado de saúde do pacieme
em vivencwr algo, em amar alguém; e ainda vê tal-
vez sentido numa situação de desesperança com que
Nas enfermidades físícas graves tanto há uma causa co-
se defronta sem ajuda. 0 que importa é a atitude
mo há um fundamento do distúrbio do estado de saúde do
e a orientação com que vai ao encontro de um des-
paciente. A causa reside na lesão organ^ica, nas dores ou de-
tino inevitável e inalteráveL Só a atitude e a orien~
ficiêncías causadas; e o fundamento do fato de sentir-se mal
tação permitem dar testemunho de uma coisa de
o m'dívíduo que sofre uma grave enfermidade física é a amea-
que só o homem é capaz: no plano humano, refor-
ça que dela provém Durante a fase de uma doença psicótica
mar e transformar em realização o sofrimenta
há puramente uma causa do distúrbio do estado de saúde,
(Frankl, 50)
aquela que é “causadora” da doença no terreno neuroquími-
co. Os doentes nessa fase habitualmente não percebem um
fundamento ou razão para se desesperarem por sua doença, A realização de valores de atitude é, portant0, reservada
porque o seu pensamento sofre demasiadas interferências de (ou imposta) de modo especial ao homem que se confronta
“fenômenos-miragem” . com um destino ínalterável ao qual já é muito poder apre-
Nas vítimas de infortúnios, ao contra'r1'o, coexistem ra- sentar~se com dígnidade. Mas se ele o f1'zer, se assumir com
coragem seu sofrimento, sem iras nem que1x'as, ou sem de-
zões ou motivos fundamentais de dor, e se queremos levar
sabafar o seu aborrecimento contra os outros, ele então
a terapia a essas pessoas, é preciso ocupar-nos com seus fun~
realizará também algo de valor, e sua vida, que sofreu uma
damentos. O que há de comum em todas essas razões fun-
perda de valor, voltará a enr1'quecer-se de valor.
damentais, como já foi suger1'do, é a perda de valores.
O destino inalterável, pore'm, em face do qual 0 homem
Por isso é conveniente fazer essas pessoas inIortunadas
não pode fazer outra coisa senão tomar uma posição, ainda
compreenderem que podem por sua vez trazer para suas vi-
uma vez segundo Frank1, abre-se numa tríade, a “tríade trá-
das -- conforme a maneira como se comportam frente à per-
gica”: “.sofrimento, culpa e morte". Todo homem sofre em
da de valor e como a suportam - valores n0vos que “com-
algwn momento; todo homem, de algum modo, torna-se cul-
pensam” num plano mais alto a perda sofrida. Isto soa mui-
pad0; e todo homem morrerá um dia.
to como f11'osofia, mas na prática é um método viáveL

160 161
Liberdadc da vontade Vontade de semido Sentido da vida
compaixãoz ele exprime uma honesta e auténtica considera-

M
Valores Valores de Valores de
ção para com as capacidades do espírito humano, o qual
pode transformar em triunfo até mesmo um tormento.
criativos experiência vital* atitudes** 2) Intitulei a segunda possíbilidade mostrar sentz'do.

m
Sofrimento culpa Morle
É assím que nos referimos à indicação de qualquer coisa que
tem sentido, ou qualquer bem que, apesar de tudo, está con-
tido no sofrimento da pessoa em questão. Este ponto deve
(Tn'ade Trágica) ser tratado com mLúto cuidado; entretanto tal indicação sói
ser revelada por um observador mais facilmente do que pelo
próprio paciente.
Para atender à questão - como proceder concretamen-
te na “cura d'almas médica” e na “cura d'almas psicolo'gíca” Eu, por exemplo, entretíve certo dia um diálogo 10gote~
a fim de motivar pessoas atingidas por reveses da sorte para rapêutico com uma jovem que estava completamente deses-
uma “m0du1ação” (em sentido psíco-higiênico, às vezes ne- perançada de encontrar namorado. Num acidente de trânsí~
cessária) de sua atitude - eu reuni quatro modos de pro- to ela havia sido catapultada de rosto contra o vidro de se-
cedimento que gostaría de denominar, de forma breve: gurança da janela do carro e levava cicatrizes muito mar-
cantes pelas feridas dos cortes. (Isso foi em 1975, quan-
1) mostrar valor,
2) mostrar sentido, do a cirurgia plástica ainda não tinha atíngido o desenvol-
vimento destacado de hoje.) Em todo caso, ela não se arris-
3) mostrar resto,
4) cava quase a freqüentar as pessoas. Eu a aconselhei instan-
mostrar perspectivas.
temente a fazer pouco caso do defeito. D1'sse-1he na oca-
sião mais ou menos o seguintez “S1'm, você tem essas cica-
Para cada fórmula uma breve explicação, a seguir.
trízes e evidentemente sente-se iníeliz. Mas há uma coisa
1) Aquilo que chamo mostrar valor é simplesmente com as cicatrizes que você precisa saberz elas são um ex-
indicação de que uma atitude positiva, mais corajosa, frente celente 1'nstrumento para se medír a grandeza interior de
a um destino negat1'vo, é uma grandiosa realização humana. um namorado, ou avaliar uma amízade. Quem não amar vo-
Só esta indicação - de que realmente muitos pertencem ao cê por causa de umas cicatrizes, jamais seria djgno do seu
grupo dos que não se deixam “vencer” numa situação amor, e se você possuí a beleza de uma artísta de cinema,
“ruim" mas suportam firmes e sem amargura o que é inal- quem amar você apesar das suas cicatrizes, esse ama você
terável; e de que isso é verdadeiramente digno de reconhe~ realmente". Conforme o caso, pode ser bastante útil recorrer
cimento - pode servir de consolo e ajuda. Este reconheci- a esse instrumento de teste.
mento supera de muito o puro sentimento de simpatia ou
3) Sob o título seguinte, que denominei mostrar res-
to, deve-se entender a indicação das chances posítivas, cada
ú
Walter Bõckmann classifícou os valores em “vinculados ao so- vez restantes além do sofrimento e que não foram por este
cial”, isto e', provenientes do encontro com outros homens, ou da de~ atingidas. São chances sobre as quais o sofrimento de ne-
dicação a outrOS homens; e “não-vínculados ao social", isto é, artis-
ticos, religiosos ou referentes a experiências da natureza (cf. Sinn- nhum modo pode se estender. Trata~se praticamente da
-orientierte Leistungsmotivatinn und Mitarbeiterführung = Motiva- “sa1vação do resto”, sem se querer substituir com 0 resto
çâo do rendimento orientada para o sentido e direção de colaborado- o que foi perd1'do. Com referência a isso é preciso proceder
res, Ed. Enke, Stuttgart, 1980, p. 86). com muita empatia. Por ex., não se pode dizer a uma mãe
" Elisabeth Lukas ampliou o conceito de valores de atitude na
que acaba de perder um filho: “Ora, a senhora tem ainda
lcgoterapia, chamando a atenção para o fato de que também pode
ter valor a atitude em face de condições favoráveis da vída. A autora dois outros!" O que se pode realmente fazer é dírigir com
qua11f'1'cou os valores aí rea11z'ados como “valores generalizados de ati~ jeito sua atenção para o fato de que os outros dois filhos
tude" (Um'versidade de Viena, Dissertação, 1971). ainda precisam dela - tanto mais agora, depois do choque

162
163
sofrido na famílía -, e que ela por isso não pode mergulhar mulo para a vidaz se tivéssemos para tudo um tempo eter-
totalmente no desgosto. namente longo, não teríamos nenhuma razão para agir aqui
e agora. Mas como não temos esse tempo etemamente longo.
Outro campo para utilizaçao~ da idéia é o gerontolo'gico.
por isso é tão importante colher e realizar as possibílídades
Na velhice vaí-se perdendo lentamente muita coisa - esfe-
de sentido do dja de hoje, pois amanhã poderiam ter desa-
ras de valor que se reduzem; aumenta o campo das coisas
parecido.
m'alteráveis; a vida, não se pode viver mais uma vez nem
melhor real1z'ar. Mas nem todas as dimensões humanas do
ser são afetadas na mesma medida. Enquanto a dimensão A finitude do homem é dada antes de tudo na tem-
somática, condicionada à idade, restringe-se cada vez mais, poralidade de sua existe'ncza'. Ela se põe dejronte em
e a dímensão psíquica perde cada vez maís a flexibilidade, a primeiro plano como mortalz'dade. Sabemos que é
dimensão espiritual do homem ainda é exploráveL Há suf1'- precisamente ela que forma de todo a responsabilz'-
cientes exemplos de homens que em avançada velhice conti- dade do homem; o homem que josse imortal pode-
nuaram admiravelmente ativos e realizaram até mesmo obras ria ver passar inaproveitadas todas as ocasiões de
famosas. Por isso deve~se fazer ver às pessoas que envelhe- realização de valores, pois nunca lhe ocorrena' /a-
cem que elas absolutamenbe não atingem o limíte em todos zer algo agora que pudesse jazer tão bem algum tem-
os setoresz na esfera espíritual elas podem continuar capa- po mais tarde. Ora, em face da finitude temporal de
zes de expansão até o fim. ' nossa existéncia, é possível, com uma espécie de im-
perativo categórico, provocar em toda a sua pleni-
4) A última proposta que eu gostaria de comprovar no tude a responsabilidade humana como no seguinte
trato com o “homo patiens” díz respeito as' perspectivas a imperativo: Age de tal modo como se vivesses pela
partir das quais pode-se interpretar um sofrimento. Tais segunda vez e como se a primeira tivesses feito
perspectivas não podem ser outorgadas e sim apenas ponde~ tudo tão mal quanto tens intenção de faze'-lo.
radas juntamente com o consulente. Para isso é útil levar à (Frankl, 51)
reflexão sobre a “tríade trágíca” pensamentos m'spirados na
“logof1'losofia”.

Todo sofrimento é ao mesmo tempo impulso para um


processo de amadurecimentoz o homem cresce no sofrlm'en-
to, e, para usar uma imagem, aprende a penetrar no fundo
partmdo da superfície. Não que seja desejável ao homem o
sofrimento, mas a partir dessa perspectiva o sofrimento é
símplesmente mais aceitáveL A culpa, ao contrário, pode ser
considerada como um impulso para a transformação m'terior
e a reparação. Nem sempre a reparação é possível no mas-
mo objeto de que o m'divíduo se tornou culpado, mas ela
oferece, retroagm'do, possibilidade de atribuír abundante
sentido ao passado. S1m', mesmo a morte pode ser vista de
d1f'erentes perspectivas. De certo modo, ela é até nosso estí-

InIelizmente a sociedade ocidental contemporánea exige pou-


co demals', espín°tualmente, das pessoas idosas, de1x'ando-as tomar-
-se “espiritualmente entediadas", e cuida delas puramente com a
previdência socm'l. Era totalmente düerente em culturas anteriores,
quando havm um “conse1ho de ancm"os" (._- conselho de sábios) que
compartllh'ava responsavelmente a gestào e o destmo do seu povo.

164 165
de vida sem problemas. E isto pode ser a razão de as neu-
11 roses noogênicas terem ficado tanto tempo por descobrir
e d1'agnosticar, apesar de Frankl tê-1as previsto com clarivi~
dência há decênios antes do desenvolvimento técnicoeconà
mico dos países índustriais.
NEUROSES E DEPRESSÓES NOOGENICAS
Mas o homem “em busca de sentido”, para usar este
título de um livro, nas atuais condições socmis
somente pode sair frustrado! E certo que a socie-
dade de bem-estar, ou o Estado-providen“cw', é ca-
paz de satisfazer praticamente a todas as necessz'da-
des do homem, sendo muitas necessidades particu-
lares totalmente criadas pela socíedade de consu-
mo. Apenas uma necessidade ela não pode satts'fa-
Até aqui todas as nossas consíderações faziam referên- zer: e esta é a necessidade de sentido - a “vonta-
cía à superação de tristes realidades da v1'da. Mas devemos de de sentido” própria do homem, como eu a cha-
fanu'11'arizar-nos com a idéía de que há também vexames mo, isto e', a necessidade, profundamente inerente
neuróticos em face de circunstâncias marcadamente favora'- ao homem, de encontrar um sentido na vida, ou me-
veis da v1'da. As neuroses e depressões noogênicas que se lhor dizendo, em cada situação da vida - entre-
expandiram irrefreavelmente nos últimos decêníos são disso gar-se a ele e realizá~lo! (Frankl, 53)
a melhor prova.

Um olhar retrospectivo à nossa Tabela de orientação da A neurose noogênica é o caso de uma frustração existen-
p. 93 ensina que continuamos a nos movímentar no “a'trio cíal que se tornou patogênica; em outras palavras, trata-se
de entrada” do método logoterapéutico da modulação de de efeitos neuróticos de um mal-estar espirituaL Este mal~
atitudes, ao dedicar-nos agora novamente ao grande tema -estar espiritual não é em si e de-per~si 0 elemento patogêni~
das “neuroses” (que interrompemos depois da breve defini- co (e de modo nenhum o mórb1'd0, pois 0 espiritual não po-
ção das [pseudo]neuroses somatogênicas), e em especial de adoecer!); ele e', antes, uma fonte críativa de forças. To-
ao subtema das neuroses noogênicas. Enquanto a logotera- do mal-estar sugere modifícação de um qualquer m'conve~
pia representa no caso das neuroses psícogênicas uma tera- n1'ente, e assemelha-se a um sinal de alarme que deverá
pia inespecífica - e no caso das enfermidades somatogêm'- transformar-se em impulso de correção. Na neurose nooge'-
cas e das endógenas somente poderá ser uma terapía de apoio níca sobrevém à frustração existencial uma certa “afecção
no sentido da “cura d'almas médica” - ela é agora nas neu- somatopsíquica” que exagera o mal-estar e paralisa o im~
roses e depressões noogênicas a terapia especz'fica, pois “neu- pulso de correçãoz 0 negativo, que deveria produzir algo
roses provenientes do espirítual exigem terapía de origem positivo, continua assim preso em si mesmo e torna-se
espirítual”. Lembremos aquí a definição frankliana de neu- doença.
roses noogêmcas que dlz' exatamente: “Nos casos em que Geralmente há uma “relação de exclusividade entre
simplesmente estão na base etiológica da neurose em ques- doença psíquica e necessidade espiritual" (Frankl); quer dí-
tão um problema espír1'tual, um complexo moral ou uma zer: deve-se fazer com muita precisão um diagnóstico d1f'e-
crise existencial, fala-se em neurose noogên1'ca". (52) renc1'al, quando, por exemplo, uma depressão é um sm'toma
mórbido (de natureza endógena ou reativa), e quando ela
Evídentemente aparecem ao lado dos conflitos morais
é expressão de vigilància espirituaL na medida em que está
os problemas espirituais e crises exístenciais, particularmen-
em sua origem uma frustração existencial em que não basta
te acumulados nos tempos de prosperidade e nos períodos
um simples - “as coisas vão indo bem" - mas aspira~se a

166
167
algo mais na vidaz à reahz'ação de sentido. Apesar dessa re- íjerçuntemos qual sem o resultado real do fato dc
lação de exclusividade, entretanto, o estado de necessidade um ser humano poder satisfazer plenamente todas
espiritual pode desembocar na doença psíquícaz então dei- as necessidades que tena', num corte transversal do
xa de ser necessidade e se enrijece na depressão noogên1'ca. tempo - qual sena' o resultado: a experiéncia vital
Ora, enquanto o neurótico de ansíedade gostaría de h'vrar-se de realização? Ou não seria o contrário, a experiên-
de suas angus'tias, o histérico de extorquir força, atenção e cw' de um tédio abismal - de um vazio sem jundo
vantagens a qualquer preço e o “homo patiens” lamenta a -- do vácuo da existen“cia?
perda do seu espaço lívre - o neurótico noogênico não se
Nós neurologistas nos confrontamos com este vácuo
m'teressa por nada disso. Ele é completamente desinteres-
todo duz' e nas visitas de consultório. ..
sado, nada realmente lhe importa. Excluln'do-se a pequena
percentagem de neuróticos noogênicos que se açodam com Depois da expulsão do paraiso onde estava aboleta-
uma dúvída de consciência, verifica-se que o quadro s1'nto- do e em segurança com seus instintos, próprios de
mático médio do neurótíco noogênico é caracterizado por um am'mal, o homem teve de sofrer uma segunda
saturação, tédio e vazio m'terior. perda, depois e além da dos instintos, que é a perda
da tradiçãa Não so', portanto, uma perda na dimen-
(Tédio é a perda de m'teresse; entenda-se: interesse pe- são vital do seu ser, mas também na dimensão so-
lo mundo!) cza'l. Ora, a reação a esse vazio interior consiste em
“neuroses noogém'cas”, assim chamadas na lingua~
gem logoterapéutica. .. (Frankl, 54)
Frustração exístencial
ções normativas” trad.icionais, ficando ele sem saber maís se
orientar com segurança nem pelo sentimento interior nem
Afecção somato-psíquica pela tradição.
A propensão à hiperreflexão do homem moderno foi fa-
vorecida pelo impacto do alívio de preocupações e neces-
sentímento scnlímento sidades vitais e sociaís (disp0nibilidade repentina de bens
de vazio <_ neurose --_-› crônico de materiais, redução maciça do tempo de trabalh0, assistência
interior noogênica absurdo aos doentes e à velhice etc.) e pelo avanço generalizado da
técnica. (Pense-se apenas que para se lavar roupa tempos
atrás era preciso cada vez o trabalho de um dia inteiro, en~
quanto que hoje pode-se executar o trabalho com o aperto
de um botão e alguns golpes de mão. É conveniente lembrar
passividade, lédio pennanente, que 0 sentido do dia de lavar roupa era diretamente com-
indiferença fastio preensível à consciência das pessoas, enquanto só com es-
mentalidade forço se procura saber e se descobre qual é mesmo o senti-
consumista, do hoje do dia lívre ganho.) Pode ainda acontecer que os
caça ao prazer pensamentos “enganchados” ao redor de um porquê da vida
e da sobrevivência humana fiquem sem resposta. Nâo à toa
afirmou Emst Bloch que hoje são oferecidas aos homens
Assím como em toda neurose, também nas neuroses aquelas preocupações que eles teriam só na hora da morte. .

.
noogênicas estão em jogo as características típicas da “pro- A periculosidade das neuroses e depressões noogênicas
pensão à insegurança” e a “propensã0 à hiperreflexão”. bifurca-se em duas direções:
Viktor Frankl explica a propensão à insegurança com a per-
da gradual, por parte do homem moderno progressista, das 1. a do na'o-aproveitamento das chances positivas da vida
mequívocas “1'nformações do 1'nst1n'to" e também das “1'nstru- (Frankl d12': “A sociedade de afluência traz consigo

168 169
abundan“cía de liberdade que sem dúvida daria ocasião quatro jovens com cerca de 16 anos de ídade, na RFA. tinham
à construção da vida com sentido, mas na realidade só tirado a vida “por ansiedade e medo do futuro". Um casal
faz tornar mais evidente o vazio existencial, como nós jovem jogou-se de um prédio, tendo deixado uma carta de
psiquiatras podemos observar nos casos da chamada despedida que d12'ia: “Queríamos viver sem foguetes atômi-
'neurose do domingo')” (55): e isso implica -_›negli- cos e sem destruição do ambiente, mas não víamos mais ne-
gen'cza's! nhuma possibilidade para isso. . uma moça aspirou gases
de escape porque “não sabia o que fazer da vida e dela mes-
a da ausência de contradição espíritual diante das de-
ma”; um estudante atirou-se à frente do trem, não, talvez,
pressões (reativas), das agressões (sem sentido), das
porque tivesse tido problemas escolares, mas porque. apesar
perversões (sexua1's) e do impulso de fuga para mundos
de suas boas notas, via “aprox1'mar-se uma situaçào de de-
ímagináríos (drogas, excessivo consumo da TV, seitas,
sespero depois do témúno dos estudos". Este balanço per-
ideologias de desenvolvimento material. . .): e isso im-
turbador mostra com clareza como estão estreítamente liga-
plica -_› ações falhasl
dos entre si o sentimento da falta de sentido e a “desvalori-
zação da vida", pois se a vida não é mais vivida como algo
O esboço abaixo esclarece que a problemática - como
com sent1'do, perde seu valor; e se perde em valor, desapare-
em todas as neuroses - 1'nclui traços do “círculo vicíoso”,
ce a inibição de danificá-1a.
pois as negligências e ações falhas produzem resultados que
por sua vez provocam desesperança e ansiedade com o fu- Entre pacientes dos consultórios psicológicos e clínicos
turo, dois fenômenos hoje observados no mundo todo, e que encontram-se hoje com muita freqüência neuroses e depres-
tornam invencível a frustração existencial. sões noogênicas, misturadas variadamente com outros 1n'có-
modos. Um dos sinais distintivos é que os pacientes não sa-
neurose e depressão
bem o que “tém”, eles sabem apenas que “têm" um mal-es-
noogênicas
tar. Mostram~se em geral mal-humorados, pouco cooperati-
vos, sem ânimo para reagir, ou birrentos; fazem os terapeu-
tas sentirem desde 0 começo que não esperam muito de sua
terapla'. . . Na variante mais neurótica, a “doença da vida sem
sentído” (Frankl) estimula o indivíduo aos excessos mals'
frustração processu circular negligências abstrusos e o leva a uma busca incansável do prazer, que
existencial da e acaba em desprazer total. Na variante mais depressiva, não
(desoríemação) neurose noogênica açoe's falhas exístem “reforçadores" para os pacientes; nada tem caráter
finalístico. Em ambas as variantes os pacientes são incapazes
de aprecíar e avaliar por ex. a própría saúde, são incapazes
de ded1'car-se a alguma coisa. engajar-se, e semelhantes, por
isso formam um forte contraste em relação àqueles que so-
frem por algum dos reveses da sorte.
A neurose noogênica não se baseia propriamente numa
perda dos instintos, quebra
perda de valor, mas antes na percepção de valores que resul-
da lradiçã0. impacto do
tam em perda. (Quem tem a queixar-se de uma perda. de va-
alívio de preocupações
lor conhece valores, do contrário não se queixaria dela!)
No semestre de inverno de 1984, falando sobre 0 quadro Um'camente o pequeno grupo limítrofe dos neuróticos noogê-
mórbido da neurose noogênica, na Universidade de Munique, nicos, cuja problemática reduz~se a colisões de valor, pos~
pedi aos alunos, entre os quaís foram dadas indicações bási- sui idéias de valor que não se realizam em comum, ou ao
cas de uma “problemática noogênica” - que reunissem para mesmo tempo, e com reSpeito à qual falha a percepção de
a aula seguinte recortes de jomais relatando atos de deses- prioridades de valorl Quem, porém, em sua vída já não per-
pero. Eles me trouxeram notícias de que naquela semana (!) cebe absolutamente nenhuma estrutura de valor - e pos-

170 171
sibilidades de sentido derivadas daí -, quem, por conseguin~ guém que há muito tempo aprendeu um instrumento musi-
te e' “cego ao valor", esse tem atrofiada em si a mais impor-
cal e naquele tempo gostava muito de tocar, tome, durante
tante capacidade especüicamente humana, a capacidade da
o diálogo terapêutico, a resolução de renovar essa habUL
autotranscendência. (Falta-lhe algo em que possa transcen-
dade e reservar de futuro uma parte do seu lazer para isso.
der sobre si mesmo!) E isto sigmf'1'ca que toda a sua existên-
Só isso por exemplo já poderá libertá-lo do consumo passivo
cia é simplesmente posta em permanente questionamento.
de TV e 1evá~lo a uma atívidade - talvez até dentro de um
A logoterapia não comete o erro de querer m°terpretar grupo musical - que cna' para ele acessos totalmente novos
todos os distúrbios na vida humana como “noogênicos em à experiência de sentido.
última ana'lise”, o que acarretaria uma nova parcialidade na Uma outra possibilidade terapêutica é a busca de mode-
estruturação teórica, que precisa ser corrigida como parcía-
lo. 0 paciente é convidado a lembrar quantas pessoas conhe-
lidade, precisamente, na logoterapia. Onde porém uma frusv
cidas, em sua opinião, levam uma vida realizada com senti~
tração existencial - e ísto quer d1z'er uma frustração espiri-
do. Geralmente ele sabe (com sentimentos de m'veja?) dar
tual -- põe a perder a saúde psíquica de um homem, não se
nomes pelo menos de algumas. Em conseqüência, pode-se
pode andar à busca de causas puramente psíquicas (algo a
discutir para saber por que ele atribuj plenitude de sentido
partir do inconsciente instintual), do contrário o m'divíduo
às ditas pessoas. O que é particular e decisivo em seus estilos
estaria errando 0 alvo naquilo que tem de mais legítimo e
de vida? Saberia ele ver nelas este elemento? O que o impede
mais profundo como interesse humano e, terapeuticamente,
de 1'mitá-las? Na procura de modelos adequados, pode ser m'-
caíndo no vaz1'o, no sentido mais verdadeiro da palavra.
djcada, quase sem exceção, a ligação transversa entre dedica~
Mas como oferecer ajuda na crise noogênica? A 10gote~ ção e felicidade, a saber, o fato em si banal de que telicidade
rapia vê nas neuroses noogênicas uma das poucas m'dicaçoe's não sigmf'1'ca que “as coisas vão bem para alguém", mas que
para se fazer a radioscopia mm'uciosa do passado de um pa- “a1guém vai bem para as coisas”! (É interessante notar que,
cíente. Houve para ele um tempo em que sua vída am'da lhe quase sem exceção, são denominadas por neuróticos noogê-
parecia ter sentido? Como era enta'o, que propósitos tinha, nicos - “portadoras” de vida com sentido - pessoas que,
em que mais se interessava nesse tempo? Em analogia com bem tipicamente, são “boas para alguma coísa ou para al-
a abordagem antropológica de pesquisa que Frankl chama guém”, e isso demonstra que esses pacientes, apesar de todas
“ana'lise da existência" e que “analisa” (56) a vida humana as dúvidas de sentido e frustrações de sentido, pressentem
em seu ser responsável central, deve-se realizar com o pa- inegavelmente o que é sentido!)
cíente uma espécie de “análise da vida" que o “analise” em Aqui se oferece a transição para a procura de pessoas
seu ser pessoal responsável e indague sobre conteúdos de para quem o paciente poderia ser importante, e que poderiam
sentido origínais, talvez sepultados no esquecimento, pelos precisar dele. Se não há ninguém que precise dele, algo não
quais ele de certo modo é ainda e sempre responsável. Quem vai bem, e ele deve abrir os olhos para o fato. Quem vive no
por exemplo recebeu no berço o talento musicaL é responsa'- vazio social, o assume corresponsavelmente, mesmo sendo
vel pelo que de criativo fizer brotar de si; quem teve uma as circunstâncias a não lhe tornarem fácil encontrar saída do
rica formação escolar, é responsável pelo uso do seu saber, vazio. A rigor, a fraqueza social de interação no comporta-
como e onde torná-lo produtivo; ou, quem recebeu amor e mento do paciente faz~se transparente ao terapeuta: se o pa-
bondade de seu meio, é responsável pela transmissão desses ciente o magoa, menospreza, boicota suas propostas etc., o
bens, e em que medída. faz também com outras pessoas, deste modo, em nada com-
No curso desta investigação do passado da vida, em tribumdo para a comunidade, o que recai sobre ele mesmo
“patrimônios” positivos e antigas estruturas de sentído, apa- como experiência de absurdo.
recem pontos de referência ao presente que possibilitam ao Vejo uma nova possibilidade terapêutica na realma'ção
paciente fazer a revitalização e reorganização de conteu'dos. de ezercícios de percepção de sentz'do, que consiste em faze'-
Estes, por motivo de sua familiarídade e solidaríedade com -los num sistema de ca1x'as construídas para sensibilizar o pa-
aqueles pontos, têm boa chance de ser promovidos à im- ciente com o respectivo “sentido do momento". 0 paciente
portância de “conteúdos de vida”. Assim, pode ser que al- deve habituar-se a fazer a pergunta por ocasíão das peque-

172 173
nas decisões do dia-a-dia (e naturalmente das zrandes tam- Da soma de muitas “decísões djárias", tomadas do modo
bém, mas isso só se consegue com o tempo:) 0 que existe m'djcado, poderá aos poucos resultar, no paclente, uma nova
com o máximo de sentido? Ou: O que é que mais tem senti- orientação fundamental ao sentido.
do? - Esta pergunta desdobra~se em cinco outrasz
Exemplos
1. Qual é o meu problema?
De (1) - Qual e' o meu problema? - O problema de
O problema nunca poderá permanecer vago e m'compre- um pacíente seria o próximo fim de semana, nào sabe
ensível, mas deve ser concretizado em fatos maberials a 0 que fazer ne1e; sente-se desanimado e não se interessa
íim de que se possa tomar posíçao' diante deles espiri- por nada (“neurose do domingo”).
tualmente.
De (2) - Qual é meu espaço livre? - O espaço livre do
paciente não se estende pelo fato da aproxímação do
2. Qual é meu espaço Iivre? fim de semana (ist,0 ele não pode impedir), nem tam-
Como a pergunta supõe, é preciso afastar a atenção da bém porque ele não tem prazer em nada (os sentimentos
parte das realidades dada por destino, e dedicá-la ao es- são dados fatalmente no momento exato de seu apareci~
paço de ação que permanece lívre à pessoa (em referên- mento). Aínda assim ele pode sempre decidir em tudo
cia a's realidades). Este espaço livre de ação não deve que irá realízar no próxímo fim de semana (inclusive
também permanecer vago, mas tornar-se consciente. em sua falta de ânim0).

De (3) - Que possibilidades de escolha tenho eu? - Pa-


3A Que possibilidades de escolha tenho eu?
ra responder a esta pergunta o paciente pode dar livre
Dentro do espaço livre de ação existem possibilídades de curso à sua imaginaçãoz ficar na cama rabujento, ler,
escolha livre, por enquanto ainda sem valoração, que fumar, ouvir música, dar uma saída, telefonar ou escre-
precisam ser reunidas mentalmente. Isto é um exercício ver para alguém. . .
de fantasia.
De (4) - Uma delas tem o máximo de sentido. .. - 0
4. Uma delas tem o máximo de sentido. paciente, sem nenhuma influência do terapeuta, deve
admitir de má vontade que em sua sítuação a maior pos-
Agora a consciência, “órgâo de sentído", é provocada a
sibilidade de sentído seria, por ex. no fim de semana, es-
“desempenhar o papel de detective". Ela há de descobrir
crever a X uma carta que há tempo tinha prometido,
alguma coísa que já está aí, ' se puder em primeiro p1a-
tanto mais que X se alegraria sinceramente com isso.
no retirar o olharz _ a possibilidade com o max'1'mo de
sentido. (Na'o se leva em conta se ela ao mesmo tempo De (5) - 4 . . e é a que eu quero realízarl - O paciente
dá prazer.) é motivado a escrever essa carta no fim de semana, mes-
mo que não sinta o menor prazer nisso. Enquanto es-
5_ E e' a que eu quero rea11z'ar! creve, ocorrem~1he mais idéías do que esperava e, com-
tra sua expectativa, lhe sai uma bela carta. Em conse-
O último passo do exercício é a afirmação intencional
da c015'a descoberta, a escolha decisiva do sentido. qüência brota no paciente um leve sentimento de satis~
fação consigo e o faz passar um fim de semana razoável.
Independentemente disso, abrem~se novas chances de
' A ímagem do mundo na logoterapía não é somente otimista sentido. Talvez o destinatário da carta responda com
mas também objetivista; partindo do fato de que o sentido não é amizade; talvez se desenvolva a partir daí um promissor
inventado, este pode sempre ser achado porque objetivamente “aí es-
encontro de duas pessoas, que ajudará a arrancar o pa-
tá“: o sentído não está somente em nossa consciência, o sentido está
no mundo. ciente de sua frustração existenciaL

174 175
Mujtas vezes, apesar da falta de prazer, alguma coisa às suas possibilidades. Mas seu problema é muitas vezes que
deve começar e por nenhuma outra razão senão que por ter ele vê apenas este setor, sua “fatalidade”, e não percebe
sentido; o prazer ou a alegria seguem-se durante aquela rea- mais nada. No caso do neurótico noogênico, ao contrán'o, o
lização de sentído, porque a satisfação acompanha toda ação hor1z'onte de sentido está inteiramente aberto, mas acima
com sentido. Ao contra'rio, d1f'icilmente alcança a satisfação dos olhos está uma espécíe de véu através do qual ele nao'
o m'divíduo que espera obter o prazer por uma ação com enxerga. Por isso no “h0mo patiens” deve-se efetuar uma

x
sentído - pode acontecer que espere etemamente. mudança terapêutica do ângulo visual a nm' de que ele se
volte para o horizonte de sentido que amda Ihe está aberto,
Para conclusão deste capítulo gostaria de arriscar mais
enquanto que no neurótico noogênico devese reahz'ar uma

'”7-'-f
um confronto. Tomamos conhecun'ento de dois grupos de
reexploração de sua “força visual” espirituaL
problemas que na psicoterapia tradicional quase não são con-
siderados, embora altas percentagens da população estejam
aí reconhecidas. São o do neurótico noogêníco e o do “homo Não se trata de darmos ao paciente um sentido de
patiens". Por d1f'erentes que sejam os pontos de partida de eristen'cm', mas u'm'ca e ezclusivamente de prepará~
ambos, há contudo algo concordante entre ambos, isto é, que -lo para achar o sentido da existen^cz'a, de amplmr por
as possibüidades de sentido existentes em suas vidas não são assim dizer o seu campo visuaL de tal modo que ele
percebidas e por isso também não são aproveitadas. se aperceba do espectro completo de possibilidades
pessoais e concretas de sentido e de valor. (Frankl,
57)
Horizonte de sentido

A atitude trágica que o “homo patiens” f1x'a em sua mf'e-


licidade expnm'ese em bermos de “tudo ou nada”, enquan~
to que a atitude trágica do neurótico noogênico é em termos
de “tudo é nada". Se pudessem ser “moduladas” pelo me-
nos essas duas at1'tudes, muito já se teria alcançado.
Alilude cn'tica:
"Tud0 ou nada" Em último lugar vale discutir como se devem manejar
patiens as neuroses noogênicas ou as depressões na origem das quais
está um conflito mora1, e portanto uma necessidade de cons-
ciência. Ora, o melhor que o terapeuta pode fazer é tomar a
Horizonle de sentido sérío a luta espiritual do paciente e impor-se a ele no pla~


no esp1'ritual. Isto não quer djzer que ele, o terapeuta, lhe
possa poupar a luta espiritual ou mesmo só por princípio
alivia'-1a - pois o paciente deve impor~se a decisão de cons-
ciência inteiramente sozm'ho. Tarefa do terapeuta é somente
acompanhá-lo até aí, e fazer-lhe companhia humana durante
a jomada. Este acompanhamento sempre poderá provocar
Alitude cníicaz no paciente modulações de atitude muito sutis, menos plane~
"Tudo é nada"
jadas como terapia do que induzidas como relações humanas,
Neuróticos noogênicos modulações que lhe possíbilitam um conhecimento mais cla-
ro do exigido aqui e agora e, assim, uma solução de seus
conflitos.
Como ilustra o graf'ico, o horizonte de sentido está par-
cíalmente encoberto no caso do “homo patíens” - no pon-
to onde ele sofreu uma perda, aí exjstem restrições quanto

176 177
:j há pouco dizwmos que o médico está obriga-
do, em dados casos, a responder a uma questão não
de condição mórbida mas simplesmente humana, 12
não como médico neurologista mas simplesmente
como homem, surge então a questão se e até onde
ele - como médico! - está autorizado a isso. Pois COMO SURGEM OS DISTÚRBIOS DO SONO E OS
o que é evidente aqui é a ameaça de outorga da con-
DISTÚRBIOS SEXUAIS
cepção do mundo, pessoal, do médico, portanto de
sua_ opimão privada, ao paciente. .. Mas não e', nes-
ta situação, tarefa do médico levar tão longe o seu
pacze'nte que este chegue a compartilhar consigo a
concepção do mundo e da vida? e assim reencontre,
por próprw responsabilidade, um novo caminho es-
piritual na vida? (Frankl, 58)

Gostaria ainda uma vez de recorrer ao quadro da p. 93


que nos vem servindo de guia metodológico da logoterapia.
Até agora temonos ocupado com dois dos três grandes gru-
pos de métodos da 10goterapia: o “trato do homem consigo
mesmo” na intenção paradoxaL e a “atitude do homem em fa~
ce de algo que lhe diz respeito” na modulação de atitudes. Mas
o homem não só está em condições de se ver desde certa
distan^cia e tomar posição perante si mesmo, como também
de se olhar acima de si mesmo: ele pode abranger~se com o
olhar, pois se ocupa espíritualmente de alguma coisa que
existe fora de si mesmo. Encarada do ponto de vista tera-
pêutico, esta é a possibilidade de pôr de lado 0 próprio eu
junto com suas fraquezas e ms'uf1'ciências, em vista de um
valor ideal por cuja realização o indivíduo cresce acima das
próprias fraquezas. Disto encarrega-se o método logotera~
pêutico da derreflexãa

MODULAÇAO DE ATITUDES DERREFLEXAO

Mudar de uma atitude Mudar de um conteúdo mental


negativa para uma positiva egocêntrico para um orientado
ao sentido

Educação para a coragem Educação para o engajamento


(apesar da doença) e (além da doença) e para a
para a dignidade dedicação

Nova reflexão sobre alguma Ignorar alguma coisa que


co¡s'a que mereça retlexão precisa ser ignorada

Crescun'ento m'terior Cresc1m'ento m'terior medlan'te


mediante autoformaçào autotransoendencia

178 179
que precísa adormecer e não pode, bloqueia já o “automa-

'
0 tema da derreflexão foi pela prnn'e1'ra vez dado a pu'-
blico por V1k'tor Frankl nos anos 1945/1950, na realidade co- tismo do adormecimento”. Logo se assocía a isso uma hi-

qu
mo método terapêutíco 1n'dividual para tratamento de dis- perm'tença'o. 0 indivíduo afinal quer dormir, fica completa-
túrbios psicogênicos do sono e distúrbios sexuais. Sabemos mente nervoso por nâo dorm1'r, olha para o relógio repetL
entretanto que o mecanismo mórbido da hiperreflexão pode damente, pensa nas conseqüências da insônía no dla seguín-
se relacionar quer com um sintoma isolado quer com tudo te etc. Ele revolve o pensamento sem parar em tomo do seu
em geral que dzz' respeito ao próprio eu, havendo, ou não. problema de sono, e isto o mantém amda mais acordado e o
determinados desencadeantes. ' impede de adormecer.

A hiperreflexão mórbida diz respeito, portanto Mais uma vez toma-se agudo um processo circular de
neurose: quanto mais o 1n'dívíduo dorme mal, tanto mais
a) segundo Frankl, a um sm'toma isolado: (a¡) por ex. forte se torna sua hiperreflexâo e hiperintenção do proble-
distúrbios do sono; (a2) por ex. dístúrbios sexuais; ma do sono e tanto maior se torna o seu problema.
b) segundo E. Lukas, à atitude fundamental da vida em
geral, para a qual (bl) há um desencadeante, (b2) a_.,) Distúrbios semuais psz'cogen“icos
não há nenhum desencadeante. O ato sexual não suporta nenhuma hiperreflexão e hi-
perintençãoz ambas impossibilitam de todo a consumação
Na seqüência gostaria de dar para os quatro casos uma
do ato ou a experiência do orgasmo. A sexualidade humana
breve descríção da formação de sm'toma, antes de esboçar no
necessita da dedicação ao parceiro, a concentração no par-
próxun'o capítulo os modos terapêuticos de procedimento.
ceiro. Um homem que durante 0 próprio prelúdio de amor
a1) Distúrbios psicogênicos do sono quer controlar se terá ou não erecção, ou uma mulher que
durante a própria um°ão íntima observa se sente uma res-
Os distúrbios psicogêmcos do sono são tanto menos sonância corporal - ele ou ela dificilmente sentirào alguma
curáveis quanto mais o paciente lhes prestar atenção. No coisa mais: a capacídade sexual de gozo não se de1x'a forçar.
momento em que alguém à noite, acordado na cama, pensa

o neurótico sexual luta por alguma coisa, e o


.. . a vítima de insônia tem sono o dia inteiro e an-
faz na medida em que, mesmo em forma de potén-
tes de ir para a cama já a empolga a ansiedade da
cu1' e orgasmo, luta pelo prazer sezuaL Mas, inleliz-
noite sem sono; ela fica inquieta e excitada, e esta
mente, quanto mais o indivíduo busca prazer, tanto
excitação não a deixa mais adormecer. Agora vai
mais o prazer se lhe escapa. O caminho para conse-
cometer o maior erro: fica à cspreita do adormeci-
guir praaer e auto-realização leva a um autoabanda
mento! Segue tensa, cn'spada, o que se passa consi-
no e auto-esquecimento. Quem acha que este caminho
go; mas quanto mais concentra a atenção tanto me- é um rode2'o, é tentado a escolher um atalho e visar
nos é capaz de relaxar até o ponto de adormecer por ao prazer como uma meta. Só que o atalho irá dar
completo. Poz's, sono não é outra coisa senão relaxa- num beco sem saída. (Frank1, 60)
ção completa. Ela deseja conscientemente o sono.
Mas sono também quer dizer mergulhar no incons-
cz'e12te. Tudo que é pensar no sono e querer dormir As conseqüências são impotênóia psicogênica, frigidez,
só serve para não dezx'ar o indivíduo adormecer. insegurança no papel sexual etc., o que, por sua vez, acentua
(Frankl, 59) ainda maís o comportamento crispado durante o encontro
sexual, estabelecendo-se deste modo o distúrbío sexuaL

Observe~se de passagem que há outros mecanismos de


Como estender a problemática da hiperreílexão até as atitu-
U

des fundamentais da vida em geral foi descríto por Elísabeth Lukas hiperreflexão semelhantes nos distúrbios psicogênicos da fala,
pela primeira vez no livro Auch dein Le1d'en hat Sinn (= Teu sofri- nos distúrbios motores e do processo de ah'mentar-se, isto
mento também tem sentido›_ Ed. Herder, n. 905, 1981.

181
180
é, em todas as atividades ou processos psicomotores que
-estar que 1'mpossibilita o bem-estar real, e 1'sto completamen~
são dependentes de automatzs'mos não refletidos, cuja cons-
te sem motivo ou razão evídente. Há pessoas que já de ma-
tan“cia e harmonia somente contmuam preservadas enquanto
nhã ao 1evantar-se ficam pensando se dormíram bem ou se
não forem objeto de reflexão. Na fala, por exemplo, deve-se
talvez tiveram um sonho mau. Na hora do desjejum pensam
reparar naquilo que se djz e não no como se diz aqui10. No
se a refeíção lhes faz bem. Se vão ao trabalho, preocupam-se
momento em que o indivíduo observa os movimentos da lín-
em verificar se têm prazer no trabalho, e quanto mais re-
gua e dos lábios na fala, logo cai na gaguez, porque o decur~
fletem nisso tanto menos têm prazer. Durante o trabalho
so automático da fala está perturbada (É evidente que bem
notam cada palavra menos considerada dos colegas, julgan-
depressa se m'stala a ansíedade de expectativa, e ela vai fi-
do que estes talvez as queiram ofender, e ass1m' por díante.
xar a gaguez acidental num sm'toma de neurose de ansieda~
Esses 1'ndivíduos estão continuamente preocupados em que
de.) O mesmo acontece com o processo de alimentar~se, on-
as coisas lhes corram bem, e 1'sto faz que as coisas lhes cor-
de também se presta atenção naquilo que se come e não no
ram sempre mal! A simples espontaneidade de víver põe-nos
como se come aquilo. Quem quer controlar com precisão
a perder e reduz todo o mundo exterior a um puro espelho
seus movimentos de mastigação e deglutição, terá dificulda~
do seu estado de ânimo.
de para engohr' um só bocado. Outro excelente exemplo e' a
dança. Todo prmcipiante sabe como é düícil prestar atenção O grande perigo dos quadros de sintomas em (b,) e (b4_.),
ao típo dos passos recémaprendidos e ao mesmo tempo não portanto de atitudes fundamentais da vída negat1'v12'adas,
sair do ritmo. O proficíente porém, que “esquece” as pernas bloqueadas e egocentradas por hiperreflexoe's, acha-se agora
e simplesmente se entrega ao som da mus'ica, fica automati- em sua releváncza' psicossomática. É que se produz através
camente no ritmo. dele um mal-estar permanente, que leva à eclosão de enfer-
mídades adormecidas.
Esses eram sm'tomas isolados. Passemos agora à hiper-
reflexão em atitudes fundamentazs' da vida em geraL O esquema a seguir deve evidenciar que nas enfermida~
des psícossomáticas sempre se juntam duas coisas: uma pré-
b,) Desencadeantes especmis -1esão corporal e um desencadeante psíquíco.
Suponhamos que alguém tenha concluído sua formação
mas não encontra am'da emprego em sua profissão. Por 1'sso, Esquema de uma doença psicossomática
não mostra mais m'teresse, só fala do que teria sido se pu-
desse trabalhar na profissão, culpa todo mundo por sua si- desencadeame psíquico -_-_-_---› piora a situação
tuação mas nada faz para mod1f'icá-la. Circula continuamen- de 1'munidade
te com o pensamento em redor de suas aflições, bloqueando /
zV
/
assim a busca de uma saída e as possibilidades de solução: /
/
/
ele bloqueia sua própria flexibilidade. Ele mantém o statu / /
/

quo tão bem quanto a vítima de distúrbio de sono mantém pré-lesão _› 0 <__ pioraasituação
sua m'sôn1'a. corporal eclosão da afetiva
doença
O que é surpreendente na matéria é que esse “desenca-
deante de hiperreflexão" em nenhum caso precisa ser um
grave revés da sorte; mesmo as bagatelas sem 1'mportância
na vida de um homem podem assumir esta função patogê- Ouvi certa vez, numa jornada de aperfeiçoamento em
mca. torno do tema do “psicossomatismo", uma comparação que
me 1'mpressi0nou. Comparava-se .prec1'samente a pre-'lesão
bq_) Nenhum desencadeante corporal com a rachadura numa telha, e o desencadeante psí~
quíco com um temporaL Se ambos vêm juntos, quebra-se a
Nem sempre há desencadeantes para os mecanismos de telha, mas não se pode afírmar que a rachadura sozinha é
hiperreflexão. Há uma hiperreflexão em condições de bem- causa disso - do contrário a telha se teria quebrado há mui-

182 183
.1:1M'
<z¡
to tempo - nem se pode afirmar que o temporal soz1nh'o
teria sído a causa - se nao', todas as telhas do telhado se
teríam quebrado. 13
Um evento psicossomático, pois, decorre de tal modo
que o desencadeante psíquico faz píorar a situação afetiva
do m'divíduo, piorando assim sua situação de imunidade; UMA RECEITA CONTRA 0 EGOCENTRISMO
isto, juntamente COm a pré~lesão corporal, de qualquer mo~
do exístente, prepara a eclosão da doença. No caso de um
mal-estar permanente, o desencadeante psíquico é evidente-
mente supérfluo porque, enta'o, a situaçao' aIetiva como esta~
do permanente é má, e o perigo de doença é realmente
grande.
Consideremos que defesa poderia haver contra enfer-
midades psicossomáticas? Somos 1m'potentes diante de pré-
-Iesões orgânicas ou celulares; cada um de nós tem suas fra~ O método da derreflexão basicamente consta de duas
quezas num ponto qualquer do organismo. Geralmente não partes, a saber, um Stopl que trava imediatamente a h1'per-
se podem escolher desencadeantes psíquicos; estes, em gran- reflexão patogênica, e um “poste sinaleir0”, que mostra o m-
de parte, estão sujeitos ao jogo do acaso. Mas a sítuação afe- mo dos pensamentos numa nova direção - positiva, voltada
tiva, e com ela também a situação de imunidade, podem re- para o mundo exterior, centrada no sentido e não no eg0.
ceber ínIluência por meíos espirituais.l E como um malestar
permanente abre as portas a toda doença, a un'ica defesa O Stop! é como uma espécie de proibição - deve igno-
possível é uma concentração espiritual sobre elementos po- rar. O “poste sinaleiro” e', ao contrário, uma espec'ie de
sitivos e ricos de vida do mundo exterior - é este ao mes- mandamento - não ignorar. Do conjunto dos doís resulta
mo tempo o segredo da derreflexão. A concentração - uti1i- no paciente uma correção de atitude. (Atente-se: com ajuda
zando mais uma vez nossa comparação - forma um teto da intenção paradoxal o paciente corrige sua expectativa an-
protetor de vídro sobre a telha danificada; o brilho do sol siosa, com ajuda da modulaçâo de atitudes corrige a atítude
sem dúvida pode atravessa'-lo, mas a tempestade de1x'a-o ¡'m- negativa, e com ajuda da derreflexão corríge a atenção mal~
passível. governada. Todas as três correções - a expectativa, a ati-
tude e a atenção - são atos espirituais que representnm a
A medicina psicossomática faz-nos compreender discussão entre o homem e o mundo onde ele vive: a expecta-
muito menos por que o indivíduo cai doente do que tiva relacíona~se com o que vai do mundo para o homem,
por que o indivíduo continua com sau'de. .. Com a atitude relaciona-se com o que vai do homem para o mun-
respeito a isto a medicina psicossomática pode real~ do, e a atenção relaciona-se com a parte do mundo que
mente nos dar preciosas indicações. Assim, ela se “pertence" ao homem, porque ele está “no mundo" de modo
transfere da esfera do necessário tratamento da espiritua1.)
doença para a esfera de sua possível prevençãa En- Vejamos o processo prático de derreflexão nos quatro
tretant0, é claro que, onde houver um desencadea~ quadros de sintomas descrítos. É precíso avisar que muitas
mento a partir do psiquicq deverá também haver varíantes e variações do processo de derreflexão são pos-
uma preservação a partir de lá. (Frankl, 61) síveís e muitas vezes até necessárias.

Uma concentração espiritual sobre a plenitude de senti- a,) Distúrbios psicogênicos do sono
do do mundo exterior estabihz'a a situação afetiva e estabí-
liza também a sítuação de imunidade, impedindo, desse me- Para fazer funcionar o Stopl o paciente precisa ser in-
d0, grandemente as enfermidades psicossomátícas. formado de que, ao contrário da opinião corrente, é absolu-

184 185
tamente irrelevante o problema do quanto sono ele tenha à ra do livro. Ela ficava toda irritada quando mato~ tinha su-
noite, porque o corpo sente em cada caso a quantidade cesso. Mas sempre que queria concentrar-se no texto do
mínima rigorosamente necessária de son0. Por isso o pacien- livro, adormecia rapidamente. . .
te não deve ter nenhuma preocupação com fenômenos caren-
ciais, queda de rendímento etc., porque períodos mais lon- Temos exigido expressamente do doente que ele
gos de sono inquieto sempre se alternam com outros de “antes pense em tudo” e depois em dormir: com
sono profundo em que a quantidade de sono em falta é re- isso fica dito que não lhe estamos pedindo o afas-
cuperada. Ele, por conseguinte, sun'p1esmente não deve aflí- tamento negativo de sua atenção do assunto “sono”,
gir-se por causa do sono. Ao contrário, ao acordar de noite, mas uma dedicação positiva do seu pensamento a
deverá dizer: “Que bom que estou acordado, isto me dá mais outros temas. (Frankl, 63)
tempo de vída - dizem que metade da v1'da se passa dor-
mindo!” (Pode-se observar aí um ligeiro paradoxo.) Quando se realiza num paciente uma concentração es-
piritual que se relaciona com alguma coisa totalmente d1f'e~
rente da problemática do sono, reahz'a-se também um proces-
A confiança, como que somente teórica no fato por
so de derreflexão e a seguir o paciente adormece automati-
nós a/z'rmado, de que o organismo está em condi-
camente.
ções de assegurar para si em cada caso a quantz'da-
de de sono rigorosamente necessária, de nenhum mo-
az) Distúrbios sexuais psicogen'icos
do é suficiente para tranqüilizar nossos pacientes de
insõnia a ponto de não se introduzir nenhuma com- Nos casos de distúrbios sexuais (especialmente do dis-
plicação da insónia através da ansiedade de expecta~ túrbio de potência) estabelece~se um St0p! bastante rude, a
tiva que em primeiro lugar constitui a z'nsóma' pro- saber, enuncia-se uma proibição de coito por tempo limita-
priamente neurótica. Antes pelo contrário, ensina- do. Com isso a m'timidade sexual perde seu caráter de exí-
mos esses doentes a comportarem-se corretamen- gência, pois não é admitido forçar a união sexuaL e fica sem
te também durante o tempo em que não conseguem sentido toda a observação pessoal crispada. Para esse fim
dormirs eles precisam então simplesmente relamar instrui-se 0 paciente a explicar à sua parceira que, por me-
o mais possíveL pozs' a mera relaxação opera como tivos de saúde, lhe foi recomendada continência total provi-
um sono (mesmo breve ou superfz'cza'l). (Frank1, 62) sória - o seu fracasso sexual por demasiada hiperreflexão
está assim elimm'ado. Em seqüência deve~se apresentar de
modo m'tuitivo o rumo do “Sm'aleiro”. 0 paciente tem de
Quanto ao “poste sinaleiro", é claro que não se pode se entregar completamente ao amor de sua parceiraz tem
dar a ordem de nâo pensar alguma coisa - isto e', neste que ser afetuoso, dar-lhe atenção, tentar compreender a par-
,caso o problema do sono -; pode-se apenas propor que
ceira em toda a sua pessoa, entendêla com amor em sua
se pense alguma outra coísa! Por isso, tem sentido atribuir
umcidade e peculiaridade_ . .
ao paciente, para o tempo sem sono, pequenas tarefas que
ele terá de cumprir mentalmente. Por exemplo, refletir uma
A seccualidade humana é sempre mais do que pura
vez mais sobre o d1'a, passando interiormente em revista os
sexualidade, e isto na medida em que é czpressão
principais conteúdos. Ou ainda elaborar um plano detalha- de uma tenden'cza' de amor. Se nao' o jor, não se
do para 0 próximo fim de semana. realzz'ará o pleno gozo sezuaL Mesmo que não hou-
Certa vez propus a uma de minhas pacientes, que era vesse outras razões em favor disso, tena'mos que lu-
uma leítora apa1x'onada, 1esse, toda vez que ia dorrm'r, um tar no ínteresse mazs' elevado possiveL para que o po-
capítulo de livro até trés págmas antes do fim, e então apa- tencml humano inerente à sexualidade seja esga
gasse a luz. Quando aparecessem os períodos sem sono duran- tado, isto e', seja haurida toda possibilidade de o
te a noite, ela teria a oportunidade de imaginar como o ca- amor encamar a relação mais intima e pessoal en-
pítulo iria terminar, ou desenvolvê-lo na qualidade de auto- tre seres humanos. (Frankl, 64)

186 187
Como, de um lado, fica proibido o coito, e do outro, é exi-
gida uma dedicação de amor e afeto à parceira, reahz'ando-se :Oque entendemos pela expressão “coletivja'çao" da
portanto uma concentração espiritual em outro ser humano psicoterapia”? PensamOS que seja a psicoterapia de
(ao invés de sí mesmo), regenera-se automaticamente a ca- grupa Ora, haverza' a dizer no caso brevemente o
pacídade sexual, e a proíbição do coíto já não ser manti~ seguinte. A psicoterapia tem suas indicações; entre›
da pelo paciente a qualquer momento - e assim ao mesmo tanto não podemos esquecer que lalta o objeto ade-
tempo desaparece seu distúrbio sexual psicogênico. Analo- quado à psicoterapw de grupo, pois seu objeto de-
gamente, o mesmo vale para os problemas de Irigidez nas veria ser propriamente a “psique de grupo", que
mulheres: quanto menor é a m'tenção de obter 0 orgasmo, porém inexiste em sentido estricto, ontolóoicol As-
tanto mais cedo ele acontece. sz'm, pode~se dizer de toda verdadeira psicoterapm
que ela tem de se aplicar ao indivíduo como ta1.
Resta-nos am°da tratar do problema da atitude funda- (Frankl, 65)
mental da vida a partir da qual o bem-estar próprío é 0bje-
to de constantes hiperreflexões.
O Stop! no grupo de derreflexão é o acordo sobre uma
cláusula, uma condição acertada logo na primeira hora de
b¡) Desencadeantes especiais reunião do grupo. Comb1'na-se com os participantes - que
naturalmente, conforme sua problemática. devem ser aptos
Se há um desencadeante especiaL deve-se avançar uma para o grupo - que ninguém pode falar sobre assunto ne~
modulação de atitude antes da derreflexão para ajudar o gativo e que lhes diga respeito. Isto desmancha de um só gol-
paciente no momento da discussão espiritual com esse de- pe o conluio funesto de hiperreflexão, negativismo e egocen-
sencadeante. Por exemplo, reahz'ar entrevista com aquele trismo, pois, sendo permitido falar sobre qualquer tema. m&
paciente que não consegue exercer a profissão por motivos nos sobre assunto negativo que diga respeito aos partícipan-
técnicos de mercado de trabalho, ou sobre o modo de supe- tes, vêem~se estes obrigados a abandonar o conteúdo de m-
rar os imerecidos reveses da sorte; dirigir a atenção para o perreflexão do seu pensamento pelo menos durante a hora
espaço lívre restante, buscando com o paciente possibilida- de grupo, e a ded1'car-se a outros conteúdos de “autotrans-
des de sentido. Depois, seria preciso acrescentar-se a todos cende'ncia”.
os casos aínda um tratamento com derreflexão, do contrário Hiper-reflexà0 mórbida
o indivíduo está em perigo de reagir novamente com extre-
ma hiperreflexão ao próximo fracasso, pequeno ou grande.
^

b2) Nenhum desencadeante diz respeíto a diz respeilo à


um sintoma isolado alilude fundamcmal da vidn
A derreflexão, em atitudes fundamentaís negativas da vi- ^ ^
da (ísoladamente ou na seqüência de uma modulação de ati-
tudes), é uma extensão do método de terapia individual que distúrbio distúrbio de.s'cnc.1'dcunle nenhum
eu desenvolvi na terapw de grupo. Quanto a isso deve~se do sono sexual e.s'pccial desencudmtc
observar que a terapia de grupo, segundo os logoterapeu-
tas, distingue-se muito sensivelmente de outras formas de
terapia de grupo, e isto sem dúvida não só porque nao' se
l l
a vontade de forçur
l
a vomudc dc forçur
l
pratica no grupo nenhum “strip-tease psíquico”, mas tam- detenninada função do corpo 0 bcm~cslar gcrzll
bém porque a terapia de grupo nunca é considerada substi- causa 0 distúrbio dcsta mesma cauxa o disxúrbio
tutivo da terapia individuaL antes pelo contrárío, ela e' enca1'- função dn mesmo
xada cada vez num plano de terapia indívidual (cf. também
o próximo capítulo!). derreflexào como derrencxãu comu
terapia individual terapia de grupo
188 18Q
Os participantes, como a experiência ensina, põem~se de reflexão. Também nunca pude de alguma forma veríficar
acordo espontaneamente se a cláusula lhes é submetida, pois “fenômenos de privação". O pressuposto é sem dúvída que
no fundo uns não querem ouvir lamúrias de autocompalx'ã0 se atente cuidadosamente para não admitir nunca a um gru-
por parte de outros. Concordam, portanto - e com 1'sto reí- po de derreflexão um paciente em quem existam deficie'n-
na a calma. Nenhum deles, se quer atender ao Stop!, sabe cías 1'naborda'veis, problemas insolúveis ou fatores de doen-
dizer coisa alguma; nínguém está em condições de pôr em ças psíquicas - coisas que em primeiro lugar exigem uma
marcha uma conversação sobre algo positívo ou que não lhes ajuda terapêutica de outra natureza.
diga respeito. Esta calma, por outro lado, é sm'toma, é um
A derreflexão é um ato de ignorar, mas 1'gnorar alguma
indicador de que existe a tendência maciça à hiperreflexão,
coisa que possa ser ígnorada e que, pelo refletír do indjví~
pois ela mostra quão profundamente os participantes do gru-
duo, não se torne melhor e sim p1'or. Ao mesmo tempo tam-
po estão 1'mplicados na ruminação de seus problemas.
bém a derreflexão sempre é mais do que um ígnorar, algo
Agora cabe ao terapeuta montar o “poste sm'a1eiro” mais do que uma “manobra de rodeio”. Ela não só faz des-
com que ele oferece pequenos 1'mpulsos e sugestões. P0- viar o olhar de si próprio mas antes de tudo faz f1x'ar a vista
de expor à consideração de todos um quadro que impres- em algo 1'mportante - que implica em estender o horizonte
síone e pedir-1hes associações de 1'déias. Poderá iniciar abor- espírituaL na reconstrução da autotranscendência e na des-
dando um tema, por exemplo, “vizinhos" ou “o verão pas- coberta de novas dimensões de valor e de sentido no pacien-
sado”, e recolher lembranças relacionadas com isto. Se um te. Já se chamou a atenção para o fato de que a logoterapia é
participante vier a 1'nfr1'ngir a cláusula e, por ex. passa a en- uma “psicoterapia descobridora". Ela não se entrega à 1'1u-
toar uma longa fieira de queixas sobre seu vizinho, ele rece- são de um “mundo sadjo", de modo nenhum, mas procura
berá uma “tarefa extra”: deverá trazer para a próxima reu~ conscientemente o que ainda há de sadio, o que pode se tor-
nião do grupo todos os elementos de amabilidade que pu- nar são num mundo não sadjo, a fim de transmitHo ao ho-
der encontrar sobre essa pessoa. Com surpresa, quantos 1'm- mem fat1'gado, extraviado, desesperado, e no entanto profun~
pulsos positivos vêm à 1uz, quantas boas íntuíções podem damente desejoso de salvação do íntimo d'alma.
aínda passar pelas camadas psíquicas da teimosia e do en-
durec1m'ento! Depois de quatro ou cinco sessões do grupo,
pouco a pouco cede a forte tendência de hiperreflexão, e os
participantes começam a c'ooperar ativamente e com zelo.
Juntos descobrem um campo de realidades ao seu redor
carregado de sentido, começam a escrever “diários dos be-
los momentos” ou encorajam-se reciprocamente a usar suas
qualidades positivas e a pô-las à disposição da comunida-
de; controlam~se recíprocamente com vístas à cláusula. Esta
logo não será mais necessária, porque tudo precede a um sau-
dável processo de aprendizagem durante o qual se extingue
a supervalonz'ação do negativo.

Vale a pena ainda observar 0 seguinte. F1z' até agora pa-


ralelamente a cada grupo de derreflexão a oferta aos parti-
cipantes de discutirem comigo, caso o desejassem, reais
problemas da vída que possam surgir eventualmente (aqui
nenhuma “repressão” dá resultado). Mas quase ninguém re-
correu à oferta de entrevistas 1'ndivíduaís ao lado de reuniões
de grup0, 0 que demonstra a diminuíção da necessidade de
falar sobre problemas quando se realizam grupos de der-

190
191
da, suas causas e sua evolução, mas sim garantir uma coisa

14 totalmente diferentez - gostaria quase de dizer - uma n-


losofia positiva da vida. Ela tem que dar imedmtamente ao
antigo paciente uma força espirituaL (Lembremos a sábia
sentença de V1k't;or Franklz “O neurótíco, que se tornou m-
PREVENÇÂO E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUT|CO seguro por alguma razão psicofísica, necessita, de modo todo
particular, da força de apoio espiritual” 18.)
ULTERIOR
De onde provém o grande perigo de recaída, especiaL
mente nos casos de distúrbios neuróticos, é evidentez é a
estrutura neurótica de caráter que torna susceptíveis a me-
canismos de exagero e inten51f'1'cação interna e ao apego ade-
sivo em coisas irrelevantes - atitudes como tomar ao trági~
co algo não-essencial, reagir espasticamente a fatos que ja-
mais justificariam essa reação. É a excitabilidade no psí-
quico bem como no vegetativo que cria problemas em vez
de resolve“-los.
No arremate deste pequeno manual de logoterapia, retor-
O que resulta deste traço característico do neurótico
nemos à nossa tese iniciaL 1'sto, e', que a logoterapia repousa
como sugestao' para a profilaxia da recaída? Se forem reali-
sobre três colunas, (cf. p. 26) das quais duas são “portado-
zadas com ele entrevistas “orientadas ao problema", ele vol-
res axiomátícos”. Na primeira parte do lívro tomamos co-
tará a remoer mentalmente os seus problemas; não terá
nhecimento da imagem do homem, sustentada pelo axioma
como aprender que problemas fazem parte de uma vida m'-
da “11'berdade da vontade". Na segunda, ocupamo-nos das ra- teiramente normal e representam para o espírito humano
tificaçoe's da ciência de curar, orientada para o conhecimen- antes desafios do que obstáculos invencíveis com os quais
to demonstra'vel, que consiste em ver na “vontade de senti-
o m'd1'víduo forçosamente tem de topar. Não. Quem porven-
do” a motivação mais originária e própria do homem Resta
tura tem de antemão a carga de uma estrutura neurótica de
o terce1'ro, o axioma absoluto do “sent1'do da vida”, que ali-
caráter, deve experimentar tudo 0 que puder - contra a
cerça a imagem do homem segundo a logoterapia, ímagem opmião própria de que não pode - para chegar a compre
esta m'd1'spensa'vel para a prevenção e o acompanhamento
ender como, dentro da verdade, ele tanto é livre quanto é
terapêutico e para a qual não se pode regatear um último
responsável, pois infelizmente faz parte do fatalismo neuró-
raío de luz.
tico que certas alegações de na'o-poder e de estar-doente sir-
Não é nenhum segredo que a taxa de rem'cidência de pes~ vam aos fms° do comodismo.
soas com enfermidade psíquica é alta, demasiado alta. A prá-
Durante o 2.° Congresso de Logoterapia em Hartford,
tica psicológíca e a méd1'co-neurolo'g1'ca francamente vivem
Connecticut, EUA (1982), apresentei um programa de terapia
de clientes permanentes - não que isto lhes deva ser 1'mpu-
em quatro fases, em que somente a pr1m'eira fase visava a
tado a mal, mas não é seguramente do interesse da saúde uma terapia individuaL enquanto as outras três todas con-
pública. É preciso encontrar meíos e métodos para liberar fluíam ao acompanhamento ou assistência posten'or. Este
os pacientes e fazê-los retomar o mais rápido possível sua programa foi muito bem aceito, por isso merece uma breve
responsabílidade. Para isso necessita-se de uma espécie de menção.
cuidados preventivos que são introduzidos na convalescença
ou depois do amplo restabelecimento de cada pacienbe, e A 1.° fase consiste no tratamento logoterapêutico - pu-
impedem que ele, num caso no mm'1'mo desagradáveL volte ro ou combinado - que é adequadamente indicado para o
novamenbe aos sintomas da doença. Esta assistência preven- quadro de sintomas. Como 2.' fase é oferecida a partícipaçao'
tiva não deverá mais ocupar-se com a doença recém~supera- num grupo de derreflexão para elimmar a tendência à hi-

192 193
perreflexão crítica que, em quase todos os pacientes, mesmo
depois do tratamento, am'da persiste sublimm'armente. Su- dítação há de oferecer aquilo que Frankl quer dlz'er com a
ponhamos, por exemp10, que o indivíduo sofreu um distúr~ expressão “apoio no espirítual”, isto é. a consolidaçâo do
bio psicogêníco da fala e foi ajudado terapeuticamente na antigo paciente numa positiva filosofia da vida. Aqui não
1.n fase. Pode, portanto, voltar a falar normalmente e ter alta se fala, absolutamente, nos altos e baixos da vida quotidiana
da terapia. Mas, não fícará ele observando, m'1n'terruptamen- nem nas pequenas e grandes preocupações e cargas que ca-
te, no segredo da vida de todo d1'a, se sua voz não tropeça da qual traz consigo. O círculo de meditação trata de fazer
novamente? Não entrará em pâníco por um mínimo sinal de consíderações sobre a vida em seus princípios básicos, e eu
sempre me surpreendi com o que de realmente profundo se
rouquidão? Não será justamente esta concentração constan-
pode realizar na conversação com esses antigos pacientes.
te em seu problema antigo, sempre à espreíta, a partir do
fundo do seu pensamento, que irá fazer ressurgir o proble- Aí se trata da questão do sentído do sofr1m'ento, de
ma, mais cedo ou mais tarde? - O grupo de derreflexão po- relações entre o estado mental e a sau'de; de sistemas pes-
de até certo ponto fazer parar esse mecanismo, pvorque o pa- soais de valor e questões de consciência, ou do fato m'ev1'tá-
ciente - como é já do nosso conhecímento - nele aprende vel de se ter que morrer. São conversações em que os para-
a retirar a concentração de címa de si e pôr de lado todas cípantes amadurecem e crescem, ganham distan'cia do que
as possibilidades negativas de sua vida, a fim de dedícar-se e' desimportante e avançam para o que é verdadeíro. A ante
às eventualidades positivas. cipação mental de possíveís situações de crise que, apesar
de tudo, podem ter sentido, ajuda-os a armar-se contra as
mesmas e, dado o caso, resistir às frustrações, em vez de
No “Dza"rio de um pároco da aldeza'”, de Bemanos, responder com a doença. Ao contrário do grupo de derrefle
encontra~se a bela sentençaz “Odiar-se é mais fácil xão, não há, no círculo de meditação, segundo a logoterapía,
do que se pensa; a graça consiste em esquecer-se”. nenhuma cláusula nem tampouco uma escolha livre de te-
Ora, podemos adaptar esta sentença e então dzz°er o mas. O chefe do grupo distribui um tema para cada noite
que muitos neuróticos não sabem ter dza'nte dos
e sugere perspectivas extraídas do pensamento frankliano;
olhos com suficiente freqüência: muito mais z'mpor- elas evidentemente são completadas com contribuições dos
tante do que desprezar-se ou do que consz'derar-se, participantes. Gostaria de destacar aqui que 0 pensamento
muito mais importante do que isso ser1a' - esquecer- de Frankl é entendido perfeitamente por pessoas símples e
-se totalmente - quer dizer, não pensar absoluta- pouco ínstruídas (ministrado em formulações adequadas) e
mente em si mesmo nem nas realidades interz'ores, que, muitas vezes, uma espécie de sabedoría do coração os
mas dedicar-se intimamente a uma tarefa concreta
invade e é reconhecida como alguma coisa que há muito tem-
cujo cumprimento seja pessoalmente eccigido do z'n-
po estava adormecida pré~conscientemente.
divíduo e a ele reservada Não e' através da auto~
-observação ou da autocomplace“ncm', nem através de Antes de oferecer alguns detalhes desses temas, gostaria
uma circulação do pensamento em torno da própria de concluír a descrição do programa de quatro fases. A 4.“
pessoa que nós nos libertamos de nossas care'ncza's fase abrange um ou outro diáIOgo particular para term1'nar,
pessoais, mas através do autoabandona através da cujo sentido é desligar definitivamente a relação terapeuta-
entrega e da dedicação própria a um objeto digno -paciente. Os antigos pacientes tém a obrigação de simples-
dessa tarefa. (Frankl, 66). mente não se sentir mais como pacientes antigos. Se camlí
nharem com independência pela vida aiora, sua autaimagem
será a do indivíduo são, adulto, que governa sua vida com
A participação no grupo de derreflexao~ não é, porém,
responsabilidade. Por isso costumo manifestar nessas com-
ainda suIiciente para uma eficaz profilaxia da recaída. Como
versações, antes de dar alta, um comportamento totalmen-
3.“ fase do programa imaginei LmI círculo logoterapêutíco de
te aterapêuticoz bate-se um papo com as pessoas sobre o
medítação que, igualmente, era apresentado em forma de gru~
que quiserem, sem mostrar o mínimo interesse particular
po e se prolongava por cerca de 10 noítes. O círculo de me
por qualquer tipo de dificuldades que talvez tenham - ago-

194
195
ra a obrigaçao' de se ajudarem é delas. Companheirismo ago

15
ra e', praticamente, ter que demonstrar que superaram sua
neurose e que sabem estar sobre os própríos pés; e que em
geral vêem as coisas com o orgulho da m°dependência recupe-
rada. Naturalmente, não é negada ajuda a nenhum dos anti~
gos pacientes que venha a sofrer necessidade psíqujca; mas,
em primeiro lugar, cada um deles bem de expenm'entar se
COMO AVALlAR A VIDA
o amplo 1n'strumento logoterapêutico que recebeu e a “força
desafiadora do espírito” não foram suficientes, em seu caso,
para auxiliá-lo. Só assim se pode conjurar o enorme perigo
de recaída e curar o m'divíduo para sempre, na medida em
que não se trate de algo incuráve1.

Programa de profilaxia da recaída em 4 fases Passemos a examinar agora alguns conceitos da Iogote-
rapia que podem ser aplicados durante o acompanhamento
l'- fasez terapia individual _-› tratamento logoterapêutico de antigos pacientes, que eu costumo enca1x'ar mormente no
(desmantelament0 de círculo de meditação logoterapêutico, e que, também, sao'
sintomas. revigoramemo apropriados para outros grupos preventivos (“Sem¡'nários
das forças de cura do indivíduo) para aprender a viver”), grupos gerontológicos, ou até mes-
2il fase: terapia de grupo grupo de derreflexão mo grupos de supervisão para especialistas (“Semina'rios de
(desmantelamento da autotranscendência" ) .
hiper-reñexã0 de problemas) A questão do sentido do sofrimento sempre retorna, e
círculo logoterapêutico deve-se reconhecer que este sentido mal se deixa evídenciar,
3-' fasez terapia de grupo
de medítaçào (imermediação e quando o faz, é somente numa época tardia, e portanto é
de um "apoio no espiritual" restritivo. Quem quer afirmar que o sofrimento realmente
não tem um sentido priva-se de uma compreensão símples-
4* fase: lerapia individual -_› entrevistas antes da alta mente humana? V1k°tor Frankl traça paralelas a partir do
(desligam-ento da relação mundo do animal para o mundo do homem, e a partir do
tcrapeuIa-paciente).
mundo do homem para um sobremundo possível (67). De-
senvolvendo este ponto, tive a ídéía de falar aos participan-
tes do grupo sobre um gato que temos em casa e com o
qual eu gosto de conversar. Conteí então a visita de um co-
nhecido que, certo dja, veio ter conosco e trazia consigo um
enorme buldogue cujo divertimento favorito era precisa-
mente a caça aos gatos. Assim, não havia outra solução que
trancar nosso gato num quarto vizinho onde ele ficou du-
rante a tarde inteira míando que fazia pena. Não podia com~
preender por que o excluíamos brutalmente da cena, e nós
não tínhamos como lhe fazer compreensível o sentido desse
seu sofrimento, isto é, que, do contrário, teria possivelmen~
te a garganta rasgada a dentadas. DepOLs' da narrativa per-
gunto aos participantes do grupo se eles não achavam que

196 197
o m'dívíduo também poderia muitas vezes estar no papel do
mília integrada há para cada membro uma determmada fun-
gato, não compreendendo por que foi “excluído do lado enso-
ção cheia de sentido, adequada à respectiva situação aí na
larado da vida"? e se não é possível imaginar que haja por
família e à própria capacidade, que nem pode ser excedida
trás um sentido que não se manifesta a' sua compreensão?
- seria como se um instrumento da orquestra se pusesse
Esta alegoria foi muito bem entendida pelos participantes.
constantemente a sobrepor-se a todos os outros - nem deve
Eles trazem freqüentes exemplos tirados da própria expe-
ser rebaíxada - seria, por outro lado, como se um músico
riência, donde se depreende que algum fato realmente dolo-
abandonasse repentinamente sua parte na orquestra durante
roso em sua vida bem pode ter tid0, a partir de uma visão
mais tardia, um sentido que naquela ocasião não lhes era a execução da peça.
patente. Tais considerações ajudam-nos a carregar com cora- Deste modelo podem-se deduzir muitas índicações úteis
gem o fardo que agora cada um deles tem às costas. para o aconselhamento matrimonial e familiar, ' mas gosta~
Outro tema diz respeito ao sistema pessoal de valores. ria de sublinhar aquí outra coisa. No problema do aperfei-
çoamento do sistema pessoal de valores é preciso, antes de
No círculo de meditação investiga-se em comum o que cada
tudo, que seja tomada em consideração conjuntamente a fun-
um considera como os mais altos valores de sua vída, veri›
ção, cheia de sent1'do, que um indivíduo tem em sua família,
ficando~se que muitos sistemas de valores são rícos, en-
ou que lhe é exigida responsavelmente no interesse do bem-
quanto outros se esgotam num único valor ma1'or. Este se›
-estar da mesma. Ninguém é forçado a fundar uma família;
gundo caso é perigoso, porque, se tal vértice de valor se
quem prefere, pode viver sozinho. Mas quem decidiu por
parte, cai o indivíduo no “va'cuo de valores”. Frankl ensina
uma família, quem tem um parceiro ou mesmo filhos, as~
que na base de todo caso de desespero está uma idolatr1'a,
sumiu também um certo compromisso de cumprir aquela
pois só quando uma coisa foi na origem valorizada acima
função, cheia de sentido, que lhe cabe sempre no grupo fa-
da medida e unilateralmente, poderá sua perda degenerar
míliar, e esta função tem prioridade em face dos outros com-
em desespero (68). Exemplo muito claro são aquelas críses
teúdos de sentido em sua vida. Se, por exemplo, a função,
da aposentadoria, que atingem homens para os quais a pro-
cheia de sentid0, de um membro da família em determma~
fissão era tudo.
do período da, vida é muíto pesada -- como é o caso de u'a
Por ísso, quem verifícar que o seu sistema de valores é mãe com várias crianças pequenas, ou de um marido, pro-
unilateraL fará bem em aumentá-lo e criar espaço para rea~ vedor um"co do sustento numa família grande - então esse
lizações variadas de valor. Em tais casos os participantes do membro da família não pode simplesmente m'corporar ho-
grupo farão propostas recíprocas de enriquecimento do sis- vas esferas de valor extrafamiliares e, assim, negligenciar
tema de valores Com respeíto a ist0, confesso mais uma sua função familiar. Seria mais ou menos 0 caso em que a
vez minha admiração pela riqueza de idéias e críatividade mae~ de várias crianças pequenas tivesse a idéía de matricu-
dos cítados partícipantes. lar-se em estudos complementares para enriquecer sua vida.
Nada há contra os estudos, o aprofundamento do saber é um
Geralmente ponho em jogo mais um elemento de dis-
grande valorz mas se for às custas das crianças, está “contra
cussão para a ampliação do sistema pessoal de valores, e que
o sentido do momento” e importa numa ruptura do critério
é -- a observação do critério de prioridade, como eu o de-
de prioridade que ele desvaloriza.
nomino. Isto diz respeito à família. Durante anos de trabalho
com centenas de famí1ia.s, cheguei a“ convícção de que numa Caso semelhante seria o do provedor único de uma gran~
famílía podem viver harmoniosamente todos os membros, de famílía que quisesse de repente enriquecer de valor a v1'-
mas somente se cada um deles possuir uma função cheia da, dedicando-se daí em diante à pintura primitivista, sem
de sentido. O conjunto familiar tem que se assemelhar ao cuidar de ganhar dínheiro, ou não, com ela. Nada há contra
conjunto de uma orquestra em que cada ms'trumento é 1'm-
portante, cada parte é necessária, e também cada componen-
n
te está coordenado com os outros que o acompanham, e no Publicadas no livro Auch deine Familie braucht Sinn (= Tam-
momento exato assumem sua parte no conjunto. Numa fa- bém tua familia precisa de sentido), de Elisabeth Lukas, Ed. Herder
n. 864, 1981.

198
199
a arte, ela faz parte dos mais belos valores que se abrem
à vida humana, ag11'1z'andc›a, mas se tiver de ser conquistada Para que vivcr?
só através da ponte da irresponsabilidade, entao' adqmr'e
também um ressaibo discutíveL
Aconbece diversamente quando a atual função, cheia de
^On'emaça'o de
Nenhuma oriemação
sentido, de um membro da famüia nao' é realmente muito dc semido btntido
pesada. Mae' de fílhos adultos, casaís sem filhos, doís que
sustentam a casa etc., tém sem dúvida mais margem para o
desenvolvimento dos valores pessoais; se nâo o f1z'erem, po- /\
dem estar cr1an'do condíções, em sua função familiar, para Sislema unilateral Sistema _de valores
dc valores múltlplos
uma 1ní'erior reahz'ação de sent1'do. Assim, sempre buscan-
do-se o equilfbrio, em ul'tima ms'ta.n^cia - ou dentro ou fora ^^
da familia - toda existência humana tem sentido; e se esta
já se acha engajada numa unídade familiar, então este enga~ Observ4d0' o Nao' obserV'.xjo' Obwwado o Naor obzmado
cn'tén'o o cmério de cn'tén'0 o cn'leno" dc
jamento tem os seus pré~requisitos, e que deverão ser aten-
de prioñdade prioúdade de pn'on'dade m'on'dàde'
didos com a livre moldagem da esfera pessoal de atuação.
(A não-observância 51'gmf'icaria, do ponto de vista da higíene
mentaL grau I de alarme, ou mesmo grau II - conforme
mostramos na 1'1ustração ao lado. O alarme II significa, aí,
que exíste um perígo ou para o bem-estar psíquíco próprio

0
0

o
0
- em vírtude da um'lateralidade do sistema próprio de va-

aAgA

emd
e emd

woo

eum
lores - ou para o bem-estar da família - por causa da não-

sepçA

SBJQJBI
-observância do crítério de pr1'on'dade. O alarme I expríme

ep epçnosap

ens

Bp epmasap

eumquau
ens

woa anm
o fato de que ou ambos os momentos de perigo acontecem

onpgAgpug

seuade

aAgA onpyqpug

QMA onpyqpug

9onpyxgpug

UJOO
oanAgpug

oeu onpwpuz
oppuas

9onpwpm

segam
ao mesmo tempo - tanto a unilateralidade da própria orien-

SQJBIUQLUQIÕHS

ep JOd epml
9 vguweg
tação de sentido. Enquanto o grau II de alarme deve ser

aAçA

emd
eguumg

uxoa
ridade - ou não existe absolutamente mals' nenhuma orien~

eguumJ

ewumJ
3 OPDUQS
ezneaJ
UIOO
tação de sentido. Enquanto o grau II de alarme deve ser

eum

9 oqugzos
a ou rzos

a oppuas

ezueai
seuade

seuade

ezuezu
julgado “crítico", o grau I de alarme deve ser avaliado em

sepçA
oppuas
OPEIUQS
eprel
todo caso como “patogênico".)

amaumuaId
exed

ezmm

emsaux
segama
Se os partícipantes do grupo deram, afinaL um último


w _-i hpt __f__t \_¡¡-1
retoque em seus sistemas m'div1'duais de valores, se o am-
pliaram e sm'tonizaram com a família, se o adaptaram ao
“sentid0 do momento” e o pesaram no prato da balança das
i Jr Jy $ $ $
Grau II Grau lI Grau I Nenhum Nenhum Grau Il G rau l
decísões pessoals' da consciência - então, aparece bem de- de de de alarme alarme de de
pressa a questão - se a instabilidade da vida não aniquila alarme alarme alarme alarme alarme
de vez a possibilidade de avaliar o valor da vidal Por isso
c05tumo, como conclusão do círculo de meditação, rematar
Explicaçãoz a› _- perigo para o bem~estar psiquico próprio
o curso de idéias da logoterapia, ponderando que a avalia~
b) : perigo para o bem-estar da Iamília
ção da vida não depende da duração da mesma mas, ao con-
trário, de sua qualidade. V1k°tor Frankl compara a vida a um Nenhum alarme signüícaz nem se dá a) nem b).'
filme que se projeta e cuja qualidade também não depende Grau II de alarme sign1f'ica: da'-se a) ou b);
de sua duraça'o. Se um filme de viagem, por exemplo, de Grau I de alarme significaz dá-se tanto a) como b).

200 201
duas horas de duração, mostra somente o trânsito nas estra- pleta, e assim ele é seu próprio paraíso ou seu próprio m-
das poeírentas, ele é substancialmente menos bem realizado ferno, conforme realizou sua vida. (70)
do que um outro filme que, digamos, dura meia hora mas
Estes são sem dúvida pensamentos gtaves, mas tam-
apanha os mais belos panoramas da paisagem percorrída. bém grave é a situação dos pacientes de doença psíquíca
Aceitando-se esta comparação da vida que vai passando com
e dos muitos consulentes, confiados a nós terapeutas. A es-
um filme que vai rodando, compreende-se que a vida, ou o
ses, devemos ajudá-los a realizar o máximo de suas vidas;
filme. só estão “comp1etos”, só termma'm, no seu fimz cada
não podemos é prometer que a vida será sempre alegre e
cena, aí, é para sempre definítiva, projetada na tela do pas-
agradável, mas podemos, sim, assegurar-lhes que ela pode
sado, sobre a qual nada mais irá mudar, nem poderá ser fal-
ser dominada, não só, mas que a vida vale também a pena
51f'1'cado. O que era ruim continua ru1'm, e 0 que era bom
de ser vivida. E isto, apesar de conter em si sofrimento, ape-
contmua bom. sar de apresentar insucessos, apesar de ser passageira.
É que acima de tudo isso há um dom maravilhoso a ser ví-
O tempo corre, mas os acontecimentos coagulam~se venciado, a graça - e, se nossos pacientes chegarem ao me-
na história. Nada do que acontece pode tornar-se um nos a vislumbrá-la por trás de nossas palavras, enta'o, creio
não~acontecido - de nada que foi cna'do se pode fa- eu, eles estão já de certo modo salvos.
zer tábula rasa. No passado nada está irreparaveL
mente perdido: no passar das coisas, tudo está z'm-
perdivelmente preservada (Frank1, 69)

O homem crente, ao lado desta comparação com o ar-


quívo do passado, em que estão armazenados todos os fil~
mes da vida humana completa, faz uma idéia do Arquivista,
aquela instância que é única a estar informada sobre todos
os filmes e conhece cada mln'1m'a cena. O estado de ser-
-c0nsciente durante a vida do indivíduo se transformaria,
depois de sua morte, num estado de ser-conhecido.

Mas também para pessoas não-crentes a comparação


com o filme é bastante sugestiva, pois ela traz à consciêncía
a posição respectíva do homem, assim como sua responsa-
bi11'dade. Estamos sempre na fronteira entre a parte ilum1'-
nada do filme de nossa vida e a parte não~iluminada, atras'
de nos' a plenitude da colheíta feita em nossa vida, à nossa
frente o vazio de possibilidades que ainda não nasceram
E de nós depende o que será f1x'ado para sempre no próxi-
mo fotograma, qual cena foi incluída no passado, para sem-
pre lígada com a nossa vida, mesmo que esta vida esteja
longe do f1'm. Nada mais pode ser retirado do passado. Com
certeza, o acaso por vezes dirige a cena, mas onde nós por
assim dizer podemos manejar a càme'ra, aí mesmo está cada
cena com nossa obra, a obra da nossa vida. Frankl observa
que, se o homem na morte não tem maís sua vida, esta sua
vida torna-se (afínal é ele que se torna, no todo) vida com-

202
terceira parte

PERSPECTIVAS
COMPLEMENTARES
DA LOGOTERAPIÁ
EXPERIENCIAS COM A LOGOTERAPIA
NO TRABALHO CLÍNICO

por Karl Dieter Heines

V1k'tor Frank1, com sua humanidade tão peculíar, sua


logoterapia e análise da exístência, deu-me uma ajuda subs-
tancial e decisiva no trabalho clínico~terapêutíco. Ele me es-
timulou também a conduzir minha própría vida de modo
consciencioso e responsável.
Gostaria de relatar minhas experiêncías com a logote~
rapia no trabalho clínico dividindo 0 relato em trés partes.
Em primeiro lugar pretendo reproduzir algumas idéias
fundamentais que eu, segundo as propostas de Frankl, anotei
em colóquios com os pacientes.
Em seguida mostrarei com exemplos clínicos como se
podem introduzir perspectivas logoterapêuticas no tratamen-
to de neuroses, psicoses e manias.
Por fim gostaria de esclarecer como o pensamento da
logoterapia 1evou-me a examínar críticamente algumas idéias
e opiniões psiquiátrico~psicoterapêuticas. Quero demonstrar
como a logoterapia pode contribuir para mais humanidade,
para a humanização consciente de responsabilidades do nos-
so trabalho.
Trago aqui, como foram propostas por Frank1, as pers-
pectivas da logoterapia, complementando, indjvidualizando
ntuitivamente e, de acordo com os fatos reais, improvisan-
io, em nosso trabalho clínico.

207
Para m1m' é sempre um ns'co novo acompanhar 0 dências anormais neuróticas. Na perspectiva da psicologia
homem desarvorado ou doente na busca de sentído. Ele ind1'vidual, posição e tarefa do homem no campo social bem
mesmo pressente, e por vezes reconhece, que não é um jo- de ser levadas corajosamente à conscie'ncia.
guete de impulsos mas é também chamado pela consciência
a tomar atitudes de sentido, decidindo-se responsavelmente Frankl exige para o trabalho c11n'1'co uma delun'itação 0
por seu sofrimento ou doença e por seus impulsos ou suas maís possível clara da doença psicótica em relação à pertur-
obrigaçoe's sociais. bação neurótica. Ele mostra enfaticamente os perigos que,
para o processo terapêutico, podem surgir de um erro de ava-
D1z' Frankl: A “vontade de sentido” é a motivação pro- liaçào de diagnóstica Na fase aguda de uma enfermidade de-
priamente humana a partir da qual o homem conduz sua pressiva ou esquizofrênica o paciente deve ser tratado com
vida. Na clíníca eu experimento díariamente: o homem quer medicamentos tranqm"'lizantes antipsicóticos. Tenta-se o tra-
entender sua vida como uma tarefa, quer carregar sua res- tamento clínico logoterapêutico nas superformações reati-
ponsabílidade, quer ser tomado a sério como homem. vas da psicose, na reação da personalidade à doença depres~
Mas como encontrar uma atitude humana adequada síva ou esquizofrênica.
para essa exigência? Frankl faz referêncía a Goethe que A logoterapia parte da experiêncía clm'ica de que no ho-
disse nesse sentidoz devemos ver o homem simplesmente mem continua preservada, mesmo no decurso de uma enfer~
como ele é, depois vê-]o em seu valor. Mas vê-lo como julga~ midade depressiva ou esquizofrênica, uma parte de sua 1i-
mos que possa tornar-se; depois, demos oportunidade para berdade espiritual pessoal. Com a liberdade espiritual res-
que se torne o que é. tante ou periódica o homem pode chegar a aceitar ou supe-
Uma vez mais Frankl convida-nos à amorosa doação ao rar a doença psíquica.
homem que sofre, quando nos lembra a palavra fascinante O neurótico ansioso, em fuga da ansiedade, sabe, em
de Dost01'evski: “Amar quer d1z°er ver o outro como Deus
parte, conscíentemente ou 1'nconscíentemente, que sua an-
o entendeu”.
siedade nâo tem razão de ser. O homem que luta contra
Frankl deu-nos a perceber, acima da instintualidade in- seus constrangimentos percebe que seus modos de compor-
consciente, a ímportância que têm, para nossa condição de tamento são excessivamente sem sentido. Quem luta pelo
homens e nosso trabalho clm'íco-terapêutico, a espiritualida- prazer sexual, experimenta que o prazer cada vez mais se
de m'consciente e a fé no sentido. afasta.

Com boas razões Frankl não deduz do inconsciente ins- Um homem particularmente consciencioso pode ter uma
tintual o ser espirituaL como sublimação ou forma de rea- crise espírituaL uma colls'ão de valores, uma neurose (cha-
ção. Clara e inequivocamente ele compara a d1'mensa.o' espi- mada noogênica por Frankl), se ele tiver de tomar uma de-
ritual, em que o homem toma decisões em liberdade e car- cisão entre dois homens aprecíados sob duas noções d1'st1n'-
rega sua espiritualidade, com as dimensões física e psíquica tas de valor - se ele, por exemplo, tem de dar preferéncía
por onde ele está ligado biologicamente à vida ínstintuaL a um guarda ambiental que se recusa ao serviço m1'litar, an~
Frankl ensma'-nos que o espírito pode ser o antagonista da tes que a um representante do estilo ocidental de vida or1'en-
alma, mas também o seu auxiliador. tada ao sucesso.

Se acompanharmos o homem em sua dimensão espiri- Muitas situações de falha humana têm de ser atribuídas
tual, à procura de sentido, nosso questionar e nossa ajuda ao fato de que 0 paciente tenha tomado decisões existen~
serão essencialmente d1f'erentes de quando tentamos desco- cíalmente importantes, por ex., com relação ao parceiro, ou
brir conflitos da libido com métodos analíticos de dinâmjca à profissão, apesar de lhe serem 1'nte1'ramente conhecidos
dos impulsos, ou trabalhar sobre fenômenos de transferência. previsíveis conflitos de valor e de objetivos. Essas pessoas
reconhecem, na sua grande maioria, olhando para trás, que
Entretanto, nossa clínica precisa ainda m'sistir na orien~ elas mesmas decidiram plasmar o seu destino e provocar o
taçao' analítica para conhecimentos de combinaçoe's e depen- seu desenvolvimento pouco satísfatórí0.

208 209
Com impaciência, 1íteralmente, dm"a-me uma jovem se-
nhora após várias decisões erradas: “Na infan'cia, comover Assim, eu experimento anualmente centenas de vezes:
resolve; agora, de jeíto nenhum. Que fazer, então?” Nessa o que Frankl chama “vontade de sentido” é a motivaçâo prí-
impaciência eu vejo a motivação espíritual de agir aqui e meira, a motívação própria do homem!
agora, e o que essa jovem mulher considera ter sent1'do, ser O credo psiquiátrico de Frank1, sua profissáo de fé. em
dígno dela e valer a pena fazer. Tinha uma criança para que o homem, pessoa espirítuaL permanece reconhecível até
cuidar e chegou à compreensão de que "não se trata de sa- na doença psíquica, através da rum'a psíquica, eu o encon-
ber o que faço, se ganho muito dm'heiro; mas, como faço,
trei francamente confirmado de modo comovente ao tomar
por amor de meu filho”. Num sentido parecido dlz'ia a sério certo paciente, de homem para homem Começou en-
Nietzschez “Quem sabe um por qué fazer, agüenta firme tão a brilhar o seu rosto. Tinha desaparecído seu esforço
qualquer como fazer". inautêntico para colocar-se sob uma luz possívelmente sim-
Sempre me beneficiou em meu trabalho a experiência pática. Em lugar disso, ele vem com suas próprías palavras,
fundamental de Frankl com o homem descorçoado, na qual inimítáveis, este homem que sofre em si mesmo. Eu pude
a vida humana a todo custo conserva o seu sentido, pois o reconhecer de que maneira este homem tinha tido tempos
ser espiritual sempre realiza um sentido. melhores e como esperava conseguir de volta, ao menos em
parte, suas antigas possibilidades pessoais.
t
E então encontrei confirmado o segundo credo, o credo
psicoterapêutico de Frankl. O homem doente psíquico, ou
Partmdo dessas idéias gerais de clínica logoterápica,
toxícômano ou psicótico, ainda continua acessível ao nosso
quero agora mostrar em exemplos como as perspectivas e
apelo à sua pessoa espirituaL Sim, ele quer ser tomado a
métodos de trabalho da logoterapía podem ser trazidos ao
sério como ele é. Depois de uma longa conversa, em que eu
dia-a-día de uma clínica psiquiátrica~psícoterapêutica.
tm'ha tentado aliviar o desespero de um doente psíquico,
Particularmente impressíonante eu acho é a mudança disse estez “Eu percebo que você me leva a sério. Você tam-
de um sentimento de falta-de-sentído, do vácuo existenciaL bém sofreu. Você me compreende”.
para uma experiência da presença-de-sentido no tratamento
E aconteceu, de fato, que uma mulher com confusões
da privação chm"ca de álcooL soníferos e sedativos.
mentais esquizofrênicas teve o lampejo para fazer uma ale-
No terceiro ou quarto més de privação essas pessoas gre afirmação da vida e exclamar triunfante por cima dos
falam espontaneamentez “Agora eu sei, minha vida tem de pessimístas e de sua doença: “Que querem realmente os que
novo um sentído. Eu sinto minha mulher, meus filhos, a pro- vêem tudo preto, eles não vêem também as flores nasce-
fissão, a natureza, a arte, como se eu tívesse nascido de rem?” Poucos dias depois essa mulher corrigia um sístema
novo”. delirante, dizendo: “Eu mesma sei que não sou írmà de Jesus
Uma mulher de vinte e três anos, que tínhamos acolhi- Cristo. Agora eu posso rezar de novo honestamente".
do com grave lesão por álcool e sem esperança, respondeu,
no terceíro mês de privação, à minha pergunta - como ago- Também no decurso de uma séria psicose esquizofre'ni-
ra via sua vida - quase fora de si, radiantez “Só o fato de ca, muitos pacientes guardam a capacidade de afastar-se dos
estar viva, que vivo como um ser humano, me diz que mi- modos de comportamento psicótico. Contínuam parcialmen-
nha vída tem sentido novamente”. te preservados o sentído da realidade e o controle da rea-
1idade. '
Em meio às conversas com os nossos antigos pacientes
sempre se ouve repet1'r: “Antes, sem pensar em nada, eu
vivia simplesmente ao deus~dará. Só a catástrofe do álcool l
E a capacidade m'telectual de verificar se meus modos de ex-
e a privação me assustaram e me fizeram refletir sobre mi-
periência e de comportamento estào em harmonia 0u de ncordo com
nha vída e enfrentar as tarefas que ela me impunha". a realidade interíor e exterion

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para animação da rotina diária. Eu, em primeiro lugar. con-
A esse propósito um exemploz Um rapaz, esqm'zofrêni-
firmeí as idéias dele, fazendo uma proposta tipo Franklz
co, destroçara na sala de jantar, aparentemente em plena
“Voce^, portanto, vé sua vída como um campo de restolho de
consciência, uma cadeira. Perguntei a ele por que não que-
onde nada maís há que colher”.
brou o aparelho de televisão, justamente ao lado. Espanta-
do, ele respondeu: “Isto eu nunca faria, seria uma pena, nós Aflito, acenou o sim com a cabeça. Mas eu tive a im-
não íamos mais ter televisão". pressão de que o farmacêutico, num olhar retrospectivo à
Maís tarde perguntei por que ele sempre investia de mo- sua vida, tinha como fazer um outro balanço, substancial-
mente mais favoráveL
do ameaçador contra os colegas. Respondeu que, como doen-
te psíquico, podia comportar~se assim Eu opm'ei que ele Em conversa encontramos logo muitos interesses seme-
sabia muito bem o quanto amedrontava os outros pacientes, lhantes, como arte e cultura oriental, vida dos composítores
e que tmh'a boas condições para colocar nos limites, decidi~ de fama mund1'al, enfim também vida doméstíca organizada.
damente, essas maneiras ameaçadoras de se comportar.
O rapaz 01ha-me de novo espantado e dizz “Você tem razão, Então continuei perguntando, no sentido de Frank1, se
eu posso me dominar, mas isso me custa um bocado”. ele talvez também podia ver sua vida, em vez do campo de
restolho, como um celeir0, em que ele iría seguramente co-
No dia seguinte disse-me um colega dele que esse rapaz lher muítas experiências agradáveis.
lhe tinha explicado com toda clareza: “Dr. Heines quase não
Em confirmação desta pergunta seus olhos brilharam
me conhece. Mas ele me entendeu bem e me descobriu”.
com vivacidade. Estava claro que esse farmacéutico, como
Em conversa com o homem doente esquizofrênico eu to~ homem sensível, certamente tinha sofrido um peso relativa-
mo muítas vezes um bom contacto se tento experimentar, mente maíor com a idade, mas sua sensibilidade lhe tmha
juntamente com ele, a apassivação esquizofrênica (descrita oferecido também modos de experiência que não são aces~
por Frankn de todo o desenrolar de ações e pensamentos, síveis a todo mundo.
ou se eu me associo com ele no sentimento de ser empur-
rado de cheío para a defensiva. Duas semanas mais tarde dísse-me um paciente, colega
do farmacêuticoz “O sr. conseguiu algo de especíal com ele.
Um estudante de filologia de vinte e sete anos, em nossa Ele está como que transformado, tem planos, tornou-se um
experiência conjunta da passividade e da ameaça do ser, homem interiormente alegre. Estou aqui por causa de ídênti-
pôde observar à distância, de modo cada vez mais objetivo, cas depressões. 0 que o sr. disse ao farmacêutíco, e a forma
suas representações mentais delirantes e ilusões de sentido. como ele mud0u, tudo isso me causou grande impressão.
Neste tipo de distancíamento m'telectual encolhiam-se os mo- Eu me livrei de minhas depressões pelo exemplo do tar-
dos psicóticos de experiência e o pacíente podia dedícar~se macêutíco".
cada vez mais ativamente a tarefas práticas.
Agora um exemplo do livre uso do autodistanciamento
A enfermidade esqu1'zofrêm'ca, naturalmente, não desa- pela logoterapia.
pareceu. Mas o paciente pôde, por anos, na lembrança de
Uma senhora de quarenta e dois anos, de Berlim, médi~
nosso trabalho comum, d1'stanciar-se melhor de seus modos
ca, sob forte compulsão veio até nós por causa do seu medo~
de experiência esquizofrênica. -ao-câncer, de muitos anos. Em Berlim era muito conceitua-
Um meu colaborador naquele tempo dizia que se vê do da como especialista em tranqüilizar de fato mulheres víti~
que ainda é capaz um doente psíquico com o apoio de um mas do medo-ao-can^cer, quando a suspeita do càncer era
pa1'forte. excluída através de exames.
Vejamos agora como procedeu a logoterapia no caso de Já na primeira entrevísta, conduzida com o método lo-
um farmacêutico depressivo com tendência ao suícíd1'o. Ele goterapêutico, essa ginecologista, vítíma ela mesma do me-
me descreveu minuciosamente como sua vida de aposenta~ do~ao-câncer, soube reconhecer, pela primeira vez em anos
do não tinha nenhum sentido, porque não havia mais lugar
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e como decisão sua pessoaL que centenas de exames, reali-
zados de forma completamente normal, tinham refutado co- com o homem odiado por anos. E eu encontrei entao' maior
mo infundado o seu medo-ao-can'cer. compreensão ao falar com meus pacientes sobre consciência
moral e responsabilidade.
Ela compreendeu que o medo-aocáncer, como varíante
hipocondríaca do medo~à~morte, era parte de sua personali- Quanto ao emprego da intenção paradoxaL por exem-
dade, sempre envolvida em ansiedade por 1n'segurança. plo em neuroses de ansiedade, dispõem-se os vários pacien-
tes, prímeiro os com ansiedade de expectativa, depoís os
De modo m'esperado (pois eu imaginava que a mulher com reflexão cautelosa e por fim os em prova, confíantes.
estivesse quase a chorar) começou ela, um pouco envergo-
Embora muitas vezes se tenha de topar COm uma du'vi-
nhada de sí, a rír, e dissez “Por que não tive esta idéia an-
da incrédula ou uma recusa desdenhosa, sempre há pacien-
tes?” Respondi que ela consegLíu ter essa compreensão por-
tes que conseguem aproximar-se da ansiedade anímosamen-
que afinal estava no mmo certo das possibilidades do auto-
te, e, como propoe~ FrankL instalar-se com humor na caverna
djstanciamento e da modulaçao' de atitudes.
do leão da neurose. Ou me dizem eles: “Devagar vou perce~
Vejamos como a consciência em geral e a consciência bendo que a neurose faz parte de mim. Doravante me apoío
de responsabilidade podem inesperadamente oferecer aJuda em Frankl e digo com humor: Eu, de mim nunca mais vou
nas decisões. encmx'ar tudo”.

Uma mulher na casa dos trm'ta anos relatou como tinha A muitas pessoas que tinham recorrido a nosso tratamen-
causado ao companheiro antigo, por anos, preju1z'os consi- to clm'ico por motivo de agorafobia (medo ao espaço), an-
deráveis em sua carreira profissionaL como reação a uma siedade de tran*síto ou de vôo, eu consegui, em três até cm°co
ofensa, numa atitude agressiva longamente conservada. sessões de tratamento ambulatório, levá-las, com uso da m'-
tenção paradoxal (autodistanciamento, modulação de atitu-
Em nossas conversas ela começou a admitir que a ofen- des), tão longe de suas ansiedades que elas se movimenta~
sa sofrida foi provocada mais por própria susceptibílidade vam livremente no terreno antes evitado à maneira ansiosa.
ciumenta do que pelas realidades que ficaram para trás es-
ses anos. Os sucessos iniciais, muitas vezes admiráveis, foram es-
tabí11z'ados através de intenção paradoxal complementar com
Como proposta de Frankl, tentei mostrar a essa mulher
idéias variantes para os fatos causadores de ansiedade e para
que há uma distinção essencial a fazer-se - se eu, sem senso
a experiência autotranscendente de um mais amplo hor1z'on-
de responsabilidade faço ab~reação às agressoe's, ou se reco-
te de sentido.
nheço que sou responsável ao dirigir meu ódio nocivo ou
destrutivo para um outro ser humano. Quanto à derreflexão, nos casos de distúrbio do sono,
esclareço, em primeiro 1ugar, que, à exceção da doença psí-
Nesses dias explicava eu aos meus pacientes, em confe~
quica grave, cada organismo toma de sono a quantidade que
rência, por que Frankl denomina a consciência moral “órgão
necessíta. Mas o sono aparece tanto menos quanto mais o
de sentido”, o órgão m'telectual de ver1f'icação do bem e
indivíduo quer forçá-lo.
do mal.
Ao esclarecer que somos portadores de responsabih°da- Acima de noventa por cento dos que se tornam depen›
de pela maneíra como odiamos, aquela mulher gritou no dentes de soníferos, por causa de pretensos distúrbios de
meio da conferênciaz “Eu tenho de saber perdoar". Este sono, ver1'f1'cam, com certo espanto, na privação clínica sub~
testemunho tocou-me sensivelmente como a muítos dos pa- seqüente, ao mais tardar depois de dois ou três meses, que
cientes na conferência. reencontram um bom sono noturno. Em casos d1f'íceis é
úti1, como se sabe, o acordo positivo paradoxal de se ficar
Aqui a pessoa espiritual do homem se t1n'ha dado a co- algumas noites inteiramente às claras, comprovand0-se isto
nhecer num grito da consciência de responsabílídade. Essa com apontamentos a intervalos de um quarto de hora. Qua-
mulher conseguiu reahz'ar uma mudança de atitude para se regularmente uma necessidade insistente de dormir aco-

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mete as vítimas do pretenso djstúrbio de sono já na terceira voz balx'a: “Para mim a palavra amor tem um bocadinho
noite. Elas adormecem, o que se comprova pela ausência dos de sagrado”.
apontamentos combinados de quarto de hora.
Depois de uma conferêncm sobre a crença do homem
Em referência a distúrbios sexuais, ocorreu~me algo no sentido, o pressentímento, a fé do homem simples no seu-
digno de nota. tido de sua vida, veio um homem e me dissez

Em conferência eu tinha explicado que decai, no m'diví- “Com suas conferêncías eu aprendj de novo a crer. Te-
duo, o prazer sexual se o prazer e' objeto de desejo demasia~ nho de entrar novamente na igreja? 0 sr. poderia falar aos
damente intenso e díreto. F1z' referências a descrições dos meus fílhos para eles experímentarem o que sigmf'1'ca crer
próprios pacientes sobre seus tempos juvenis quando, com e o que isto pode realízar?"
as orgías sexuais, resultaram perdidos não só prazer e po-
téncia mas também a capacidade de uma dedicação amor0- Muitos pacientes passam de uma experiência do honz'on-
sa espiritual de um ser humano para com outro. te de sentido, que se amplia, para a experiência relig1'osa. Al-
cançaxse a zona limítrofe entre a crença no sentido e a zona
Propus, com Frank1, aos doís parceiros, entregar-se da fé religiosa, que eu, como méd1'co, nessas conferêncías não
amorosamente um ao outro, na cama, despidos, trocar ca- ousaria ultrapassar. Mas não é absolutamente raro que me
ríc1'as, tocar-se, abraçar-se e beijar-se afetuosamente. Contu~
perguntem se e como eu experimento a Deus.
do, a união m'tima dos corpos, por motivos médico-psícote-
rapêuticos, ficava estritamente vedada. A observação clm'ica mostra diariamente que justamen~
te na hora da necessidade psíquica, a vontade de sentido e a
Com esta proibição do coito, a pessoa com neurose se- força desafiadora do espírito se fazem sentír, e que se abrem
xual é libertada da necessidade, da compulsão, de se obser- ao que sofre horizontes de sentido e possibilídades de agír
var durante o ato sexua1, e de ter de provar que é potente antes m'suspeitados.
ou capaz de orgasmo.
A tríade chamada “trágica” por Frankl - culpa, sofrí~
Quatro semanas depois desta conferência um paciente mento e morte - nossos pacientes a experímentam em toda
veío abordar-me e dísse sorrindo, um pouco inibido: “Ha'
contigüídade com o destino próprio ou com o de seus com-
mais de um ano sentía-me impotente com a minha compa-
panheiros de sofrimento. O desgosto pela neurose própria,
nheira. Depois de ouvir sua com“erência, trocamos carícias na
ou dependêncía, é pouca coísa em face da grande coragem
cama e obedecemos à proibição de coito. A proibíção nós
com que outro paciente da mesma enfermaria suporta a má
só respeitamos por três noites. Então, eu senti minha com-
sorte de uma atrofia do fígado ou de um distúrbio intestinal
panhejra de tal modo excitante que fui perfeitamente poten~
ou sangüíneo maligno.
te, e desde então núnha impotência desapareceu”.

A dedicação humana e a consumação sexual física mui- Nossa clínica conhece também muitos exemplos de co-
tas vezes transformam-se uma na outra. Muitos homens, po- mo o homem mediante a coragem de suportar, aprende a
rém, conhecem e fazem aí uma sutil d1'st1n'ção. transformar a doença incurável num triunfo pessoal humano.

Dizia um marido: “Justo quando eu nem penso tanto O arquiteto com quem construí esta clínica contraiu
em sexo, e com amor e harmonia me aproximo de minha uma enfermidade do sangue maligna e progressiva, com pa-
mulher, compreendo o que ela quer dizer a mim como ho- ralisação crescente dos membros e dos nervos cerebrais.
mem”. A vista da enferrnidade, ele se concentrou totalmente na
Um labrego inseguro disse num grupo grande: “O amor construção da clínica. Desse esforço resultou uma abundân-
é uma m1x'o'rd1'a de sentimentos e ciúme". As mulheres pre- cia de novas ídéias e indicações que, após sua morte,
sentes no grupo ficaram visivelmente m'dignadas e incomoda- foram particularmente valiosas para a conclusão do nosso
vam bastante a esse homem. Finalmente disse uma delas em projeto.

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Uma senhora de Frankfurt, musicóloga, que sofria de O trabalho com a logoterapia não termina, de modo al-
um carcinoma m'opera've1, pediu-nos para renunciar às inje- gum, com a alta da clínica.
ções de morfina, porque estas prejudicavam a redação de Um grupo aberto de 20-30 antigos pacientes, cada se-
um ímportante livro de história da música. Graças à “força gundo sábado do mês, continua a ter comigo novas instru-
desafiadora do espírito” ela se medicou com simples mediv ções sobre fundamentos e métodos de trabalho da logotcra-
das de alívio psíquico, com um coquetel 1ítico. (') Poucas se- pia e sobre análise da existêncía.
manas depois de termmar a obra, ela veio a falecer.
Um grupo de estudantes de quinze anos, da vizinhança,
Um alcoólico, doente grave do f1'gado, com atrofia do teve também excelente progresso depois que f1'z conhecer a
mesm0, icterícia e hemorragia do esôfago, djzia-me: “O sr. esses jovens (em dias de porta aberta de nossa clínica) a
pode compreender perfeitamente por que eu quero beber até ímagem do homem e a linha do pensamento da logoterapía.
morrer?" Esta pergunta me despertou o m'teresse. Aí havía Os estudantes diziam com crescente confiança: “Dizem por
alguém querendo pôr termo à vida e, por outro Iado, alí esta- aí que os jovens só cuidam de bobagens e coisas sem futuro".
va um sorriso amígável em seu rosto. Como eu me sentia Dizemos a elesz “Isso absolutamente não é verdade. Os jo-
desconcertado com aquele paciente, disse-lhe espontanea- vens que falam assim são uma minoria”. E eles contm'ua-
mente: “Fazer medo não vale!" Expliquei-lhe que tínhamos vam: “Em todo caso, vivemos com a convicção de que nos-
visto melhoras inesperadas onde outros teriam já perdído a sa vida tem um sentido".
esperança.
Em 1983 fundamos aqui em Bremen, eu e um grupo pe~
Com rigoroso tratamento de privação, esse homem logo queno de logoterapeutas, a Deutsche Gesellschaft iür Logo-
tornou-se - de certo modo como a fênix renascida das cín- therapie (= Sociedade Alemã de Logoterapia), associação
zas _ de tal modo ativo no físico e no psíquico-espiritual regístrada. Teríamos satisfação em lograr sócios para ela
que eu precisei ped.1'r-1he que se mantivesse nos limítes, par- também no ambiente dos leitores.
ticularmente quanto a suas atividades f1'sicas. Ele retomou
Concluindo, gostaria de apresentar em sumário mmh'as
uma proposta de pensão, com laudo me'díco, e fez com
experie'nc¡as' com a logoterapia no trabalho clm'ico:
sucesso esforços para organizar um modesto escritório de
comíssões. Na despedida disse ele sorridente: “Tomei a pei-
to o seu conselho e falei à mmh'a doençaz Fazer medo não 1. Pessoas em grave necessidade psíquica são part1'-
vale!" cularmente sensíveis às maneiras de ver, perspectivas e pro-
cedímentos da logoterapia.
Defrontam-se com esta infelízmente brevíssima exposi~
ção de resultados positivos da logoterapia no trabalho clíni- Eu, raríssimas vezes, praticamente nunca, fuj forçado a
co, ev1'dentemente, muitas mf'ormações sobre os limites da recusar-me a ir juntamente com o paciente em busca do
ação logoterapêutica. É como se dá em geral na psicoterapia sentido, quando o tivesse oferecido a pessoas doentes, mes-
de distúrbíos psíquícos sérios: a logoterapia não pode mu- mo em condições difíceis.
dar substancialmente a personalidade constitucionalmente
2_ Frankl encoraja o homem do nosso tempo a seguir
anormal, ou a doença psíquica em sentído estricto. Mas com
sua consciência moral e a carregar sua responsabilidade, den-
a ajuda humana da logoterapia o sofrimento psíquico tor-
na-se suportável; e é fascma'nte constatar que muitas pes- tro da liberdade espirituaL Frankl contrapõe ao inconsciente
instintual o inconscíente espiritua1.
soas, confiadas nas possibilidades restantes, crescem muíto
além de sua doença psíqu1'ca. Por isso é precíso refletir novamente no que se há de
ter, ou não se há de ter responsabilidade, no limíte do cons-
ciente e do inconsciente. Os modos de man1f'estação do dis-
' Calmante e tranqm"'lizante psíquico, forte combmação do anal- túrbio psíquico e da doença psíquíca também, segundo
gésico dolantm' (pethidm') com os sedativos atosil e megaphen (phe-
FrankL devem ser de novo estudados, avaliados e tratados.
nothiaz1n'e).

218 219
3. Eu considero urgente e necessário, e lutarei por 1's-
so, que as perspectívas e os conceítos de terapia, desenvolv1'-
dos por Frankl, encontrem a acolhida máxima possível na
psíquíatria e na psicoterapía, clíníca e de ambulato'rio.

Para isso necessitamos de médicos, terapeutas e leígos


que queiram conhecer e perfilhar, tomar a peito e aplicar as
forças e possibílidades de saúde da dimensão esp1'ritual. CORP_O-ALMA-ESPÍR|TO

por Paul Heinrich Bresser

Para muitos dará a 1'mpressão de um olhar retrospectivo


ao passado distante o fato de agora tentarmos abordar de
novo a compreensão do homem - ou “novamente” desco-
bri-1a como experiência básica - que abranja as três dimen-
sões do ser do homem: corpo-alma-espírito. Especíalmente
no âmbito da psicologia, a consideração da vida e da expe
riência humana vai-se coarctando cada vez mais a processos
somáticos e psíquicos como também a' sua dependência recí~
proca. Quem se der ao trabalho de explorar aspectos funda~
mentais, há de defrontar-se com a problemática corpo~alma,
ou se orientará às teorias corpo-alma. Mas isto leva a uma
simplificação, muíto em voga, de todos os esforços de ex-
plicação, e a uma degradação do homem ao plano das rea~
ções animais e das regras de comportamento, veríficadas em
pesquisa am'ma1. Aquílo que é especificamente humano, os
poderes de criatívidade e de humanidade, a norma da razão
e da responsabílidade, são deixados de lado como se esses
fatores absolutamente não existissem na qualidade de fatos
de experiência, e ao mesmo tempo como garantias da digm'-
dade humana e da liberdade pessoaL Para se falar de espíri-
to, remete-se a tarefa aos teólogos ou aos fi10'sofos, embora
espírito, também neste sentído especia1, seja um conceito
necessário na psicologia empírica. Mas não falamos aqui de
espírito no sentido que os termos correspondentes a “doen-
ça menta1", “debi1idade mental" e “deficiência mental” fazem
lembrar (“mental” é o elemento Geist, Al. -_ espírito). Estas
220
221
em seus processos, com todas as possibilidades de observa-
expressões não se referem a nenhuma outra coisa senão ao
entendimento, à inteligéncia do homem. Ao contrário, o espí- ção e análíse do método das ciências naturais. Tudo, aí, pode
ser mensurado e determinado com exatídão. O corpo é con-
rito apresenta-se como um centro de atividade e criatividade
teúdo de nossa visão exterior do homem.
no homem, como o sentido para um horizonte de valor da
v1'da humana, e como uma característica da especificaçao' pró- Segundoz Além disso é também fato írrecusável da expe~
pria do homem. riência e uma evide^ncía, que dispensa demonstração u1te-
rior, que “no homem” existe uma esfera de experiência vol-
Certamente com razão censurava-se, na virada do século
passado, à onda cíent1f'ica em moda, a psicologia exper1m'en- tada à visão ínteriorz ele sente, pensa, forma imagens, tem
lembranças, atuam nele muitos processos e capacidades, de
tal, que ela forçosamente conduziría a uma “psicología sem
alma". Esta objeção até hoje ainda pode ser feita com ver- diferentes naturezas, que “de fora" não são “reconhecíveís"
em sua especificidade “1n'terior" na medida em que não de-
dade em face de muitas orientações na psicologia - “c1'entí-
fica-natural", “fisíológíca” ou “behaviorística” (comporta- sembocam em processos de expressão, modos de comporta-
mento ou ínformações lm'gu1"'sticas a partir dos quais nós os
mentísta). Mas é muito fundamental a indicação que com
derivemos ou “experímentemos" com os pressupostos da
especial clareza Viktor E. Franlcl de vários modos fez tema-
-condutor de seus trabalhos psicoterapêuticos, ao objetar visão interior que temos. Estes conteúdos da visão interior,
à psícologia contemporânea e as“ psicoterapias que se esten- portanto todos os estados e processos psíquicos, não podem
dem ao campo médico que elas em grande parte tendem ser mensurados e determinados com exatidão, mas somen-
para uma “psicologia sem espírito”. te avaliados qualitativamente, através de comparações e dis-
tinções. A expressão sintética alma abrange o todo desses
Antes de ir mais longe na busca das ide'ias-núcleo da lo- processos internos do mesmo modo que a expressão corpo
goterapia -- como Frankl chama sua “cura d'almas médica", abrange o todo dos fenômenos externos.
ou fíxação psicoterapêutica de fins - deve-se esclarecer até
que ponto corpo-alma-espírito, como três dimensões do ser Não há desconhecer que ambas essas esferas da expe-
un'ico do homem, abrangem faLos empíricos que, sem estrei- riência (corpo e alma) são interpertm'entes, m'separáveis,
tamentos por parte de uma teoria monística da ciência, e mas são distinguíveis_ O choro e a tristeza são afíns mas
sem acréscimos metafísicos, constituem, simples e elemen- distintos como conteúdos da visão exterior e da m'terior.
As relações corpo-alma são variadas, apresentam-se parte
tarmente, o humano em sua totalidade.
em curso paralelo, parte em curso recíproco, parte em curso
Antes de tudo, o ponto de partida de nossa tentativa de globaL Estímulos físicos do sentido vão traduzir-se em expe~
compreender 0 homem é ver em que ele, como ser 1'nd1'vi- riências de percepção, e movimentos emocionais vâo reper-
dual, “encarna" as tres“ dimensões do ser do homem - cor- cutir em fenômenos vegetativos concomitantes ou decor-
po, alma e espíríto. Não são três modos de ser que se encon- rentes. Não é o caso de desenvolver aqui essas e outras cor-
tram nele, mas são três esferas da experiência, de categorías relações.
distintas em que o homem é 0bservado. Terceiroz A imagem do homem e daquilo que ele “en-
Primeiro: É um fato 1'ne1uta'vel da experiência, uma eví- carna” não a temos ainda entendido plenamente enquanto
dência que djspensa nova fundamentaçã0, que o homem é não tomarmos em consíderação, ao lado das realídades m-
um indivíduo com existência física, a quem pertencem ca- turais do ser vivo somatopsíquico, os fatos especiais de ex-
racterísticas gerais e tipicamente humanas de estrutura do periência, que dispensam nova fundamentação, que são ems'-
corpo. Mas o quadro fenomênico do corpo carrega ao mes- tentes no homem como forças e capacidades para uma cria-
mo tempo características indíviduais que o fazem - pelo me- tiva formulação da vida e para o seu enriquecimento cultu-
nos ao alcançar certo grau de amadurecimento -- aparecer ral. Não apenas as obras de arte e a atividade intelectual são
(qua.se) inconfundíveL O corpo, em prímeiro lugar, está su- expressão daquela força especüicamente humana, mas tam-
jeito a leis biológícas, e pode ser submetido aos métodos de bém a partícipação de cada homem em todos os sinais de
investigação da anatomia, em sua estrutura, e da físiologia, humanidade, de um lado, e em todas as criações da cultura,

222 223
de outro lado, constituí o conteúdo de experíência do que toda forma de humam'dade, gratídao', responsabmdade, bem
é o “espírito” humano. como em tudo que podemos transcrever como virtude ou
como “cu1tura do coração”, e até mesmo, nao~ por u'lt.imo,
Todos os produtos da cultura, que são “objeto" das ciên- também na forma m'te¡'ramente sm'gela do que chamamos
cias humanas (ou do espírito) - 1iteratura, mus'ica, direito, cultura física, até onde esta sirva, não ezclusivamente, ao
filosofia, religíão, entre outras - podem ser considerados nosso bem-estar ou à nossa autorepresentaçao'.
como o mundo de experiência daquela capacidade humana
de produçao' que se resume na expressão espirito humano. Formas criativas, e portanto reahzaç'ões espiritums', nào
O que desígnamos pelo termo espírito torna-se claro e ex- são dependentes do mesmo djnamismo próprlo, como é o
perímentável não diretamente, na visão exterior ou na ínte- caso de um corpo vivo no contexto de leis elementares da
rior - como o somático, de uma parte, ou o psíqm'co, de natureza. O acontecer psíquico tem, também, um dinamismo
outra - mas sim nas criações da mente e da personalidade próprio, uma lei psicológica caractenza'da por tensoes' confn'-
que nós vemos realízadas como obras e produtos da cultu~ tuais, um espectro (aberto em leque em vánas' dimensoe's po-
ra, na vísão exterior, e podemos, juntamente com as qua11'- lares) de experiência do meio m'terno e do meío extemo, de
dades experiencíais da compreensão do que é arte, sentido orientações ao Eu, ao tu e ao nós, de processos emocionais
e valor, considerar como expressão de humamdade e gran- e processos mentais, para os quais se busca um acesso, se
deza. se quer conhecer o homem, isto é, a nós mesmos.

A realídade biológica (soma'tica) ou a psicológica (psí- Esforçamo~nos, e tívemos condiçoe's, para mdagan com
quica) do índivíduo humano impõem, certamente, limites ao todas as possibilidades da pesquisa oferecidas pela ciéncia
desenvolvímento das forças espirituais, mas um número de naturaL sobre as leis vitajs do corpo. Buscamos, no quadro
falhas na esfera das realidades somáticas e psíquicas forma destas, o que denominamos, de modo pré-cient1f'ico, conheci-
ao mesmo ternpo uma provocação para que o espírito se veja mento dos homens, ou o que professamos “cient1f'icamente"
levado a um aumento daquelas forças. As leis próprias da como psicologia ou caracterolog1'a, abordagem às leis da ex-
vinculação somática e a dinâmica das tensões conflituais periência e às disposições experienciais do homem. Ganha-
psíquicas podem encontrar, à luz de uma perspectiva espi- mos assim conhecimentos sobre relações psicofls'icas. Mas
ritual, uma nova signüicação importante para cada m'diví- as leis do acontecer espiritual-cn'ativo, as verdadeüas raízes
duo. Isto faz o homem ser homem - não entregue, como o da humanidade no homem e da cultura no homem, não são
animaL à dependência das leís zoolo'gicas, nem sujeito un1'- acessíveis ao olhar do m'vestigador, elas nos são entregues
camente à injunção de leis de aprendizagem, ou obrigado a como um imperativo que nós, na formaça0' de nossa vida,
considerar suas disposições hereditárias, com todos os ou- acolhemos ou de1xam'os de acolher.
tros fatores de sorte, como gaiola de determinação, à maneira A psicologização da consciência moral e a experiêncm de
de uma camisa-de-força, biológica ou socia1. valor do bem e do mal, que nela se enraíza (sua sociologm
ção), a psícologüaçào da criação artística e todas as teorias
O homem como ser moral é uma críatura em dimensão
biológicas ou psicológico-sociais da religiosidade do homem,
espirituaL 0 homem, a quem é atribuída dignidade, é o ser
descobrem quando muito condições psicológicas ou sociais
espiritual que cresce acima da natureza inferior. O homem,
de contexto, mas de nenhum modo raízes ou leis da criativí~
a quem é concedida a capacidade da solidariedade especi-
dade e da liberdade interior. “Uma criação do espírito é. ccr
ficamente humana, é necessariamente um ser responsa've1,
mo tal, irredutivel à psicologia” (V. E. Frankl). 0 mesmo se
aplicado à realização social de valores, e como ta1, espiri-
diga da expen'ência humana em geral e da necessidade psi~
tual. O homem só poderá reivindícar a liberdade, se com- cológíca do pensar, inerente à liberdade da vontade do ho-
preender a si mesmo como ser espiritual e se se considerar
mem, que nós não podemos psicologmar ou explicar de ou-
em geral capaz de elevar-se acima de sua natureza - e de
tro modo.
construir uma cultura que sempre enriqueça a vída em co-
mum. Esta cultura encontra expressão, ou man1f'esta-se, não O elemento críativo no homem, ou o espiritual, sua orien-
somente nas grandes criações de obras mas também em taça'o para os valores de sentido não sao' expressão ou efeito

225
224
un'ediato de sua natureza, se bem que multiplamente vm'cula- da alma, apresentamse como esfera da experiéncia de valor.
dos à natureza. O elemento críativo no homem, ou o espiri- como “órga'os" da humanidade e da responsabllldade. o mals
tuaL não é simplesmente um subproduto do acontecer natu- facilmente aqueles pontos de cristalizaçào de uma dimensão
ral de uma experiência, ou reahz'ação ínteiramente espontà- psicológica de profundidade. que nós chamamos An1mo e
nea do que írrompe das fontes profundas da alma, mas é consciência. Em vista desta grande profundeza do homem, a
sempre uma forma verbal ou mental configurada, uma pro- psícologia do espírito apresenta-se como forma particular de
duçao' reahz°ada num fato isolado ou na criaçào de uma uma Psicologia Profunda, mas nâo no sentido da psicanálise.
obra, uma auto~reahz'ação construída sobre o reconhec1m'en- Sigmund Freud teve diante dos olhos só aquele subsolo do
to e a experiência de valores espirituais e humanos. fato psíquico que se enraíza no biológico, “na natureza" do
Enquanto não nos privamos totalmente dos movimen- homem Sua dimensão de profundidade é a dos un'pulsos an-
tos m'ternos de nossa natureza, e estes nao' podem regular-se corados no somático e dos mecamsmos de defesa (a compa-
com 1n'dependência total, todas as possibílidades espirituais ração cient1f'icc›natural é aqui sigmf'icativa!), para a qual as
e criativas têm de ser aproveítadas só com as forças do m'- leis psicodmâm'icas, geralmente eficazes, devem vigorar. Es-
divíduo. O que 1m'porta é saber se elas foram mais ou menos tes pnn'cípios teóricos levam a uma Psicologia Profunda em
haurídas, se no todo são vistas como tarefa a que o m'diví- que afm'a1 o moral é vísto no sistema de coordenadas de
duo deva dedicar-se, e se este aceita a compreensao' do ho pressão do impulso e de defesa do impulso, a f1m' de expli-
mem no sentido de uma responsabilidade própria. Trata-se, car, assim, os “distúrbios psíquicos".
segundo as palavras de Frank1, de pensar o ser do homem A esta perspectíva do homem e a este conceito de uma
novamente como ser responsável, e assun' superar o biolo-
assun' chamada Psicología Profunda, Frankl contrapõe sua
g1'smo, o psicologísmo e o sociologismo na compreensão do concepção do homem e o que ele entende por profundeza
homem humana. Até onde queremos ficar na metáfora da profunde-
Assun' como nossa vida e existência m'divídual, em pri~ za, visamos ao que está implicado no termo profundeza do
meiro lugar, nos é dada (ou doada) a partir da contm'uida- sentimento, aquela profundeza da alma que constitui o maxs'
de de uma série de gerações, segundo o curso de processos íntimo do homem, a partir de onde algo se toma eficaz. e que
somatopsíqtúcos de evolução, assun' nos é consignada a mol- nós também chamamos calor humano. (A força plástica ilus-
dagem da vida pessoal (portanto, o como-ser) no sentido de trativa que existe no termo calor vem, em todo caso, da ana~
uma auto-reahz'ação espirituaLmoral e cu1t1'vada. logia entre vísão mterior e visão exterior, e não está designa-
da do mesmo modo, científico-natural, como no jogo de for~
Observemos o corpo humano como a encamação literal
ças dos mecanismos de defesa.) Quem, diante de um homem,
de nossa naturezaz a cultura, formada pelo m'divíduo em sua
encontra compreensâo profunda (e não apenas compreensão
pessoa, defronta-se com ele como uma rea11z'ação espirituaL
viva), estabelece uma relação profunda com ele, encontra-se
Neste confronto apresenta-se a alma do homem/indivíduo
com ele, portanto, num plano em que são possíveis experiên~
como um campo polar de tensões, entre de um lado as rea-
cia humana de valor e pr0ximidade humana. A relação Eu~
lidades da natureza do homem, enra1z'ada no corpóreo, e de
-tu, neste caso, não e' superficial, mas ao contrário profunda.
outro lado (no sentido de uma cultura) a formação da vida,
(Profundeza é um conceito provem'ente da visão espacial ex~
enralz'ada no espz'ritual-moral, oríentada para a razao~ e a res~
terna mas que pode ser adaptado para a esfera experiencial
ponsabilidade. A alma abríga em si a possibílidade de dedi~
da visão interior, igualmente como meío de compreensão e
car-se, junto com todas as suas dependências físicas, ao mas-
auxílio à orientaçao~ para um sentimento geral da lm'gua-
mo tempo, a uma ambíção de realizar valores espirituais na
gem.)
formação da vida e da experiência vita1. Vinculações somá-
ticas defrontamse com a franquia espirituaL pela qual nos
Em conclusão destas considerações convém apresentar
é possível realizar humanidade e responsabilídade.
am'da um outro aspecto que também nos aprox1m'a da logo-
Se procurarmos locallz'ar com os olhos de nossa visão terapia. A utihz°ação de meios auxiliares 1m'gu"ísticos, tirados
m'ter1'or o retroacoplamento do espírito no espaço interno da esfera da visão exterior para ilustraçáo plástica de uma

226 227
construção m'terior e de uma ordem m°terna, sugere um con- receria a denominação de psicologia da altura?" Elísabeth
fronto totalmente d1f'erente. Na estrutura das “m'stànc1'as" Lukas publicou seu livro com essa divisa: Von der Tiefen~
psíquicas e dos processos de experiência vital, a elas ordena- -zur Ho"henspsychologie" (_- De uma psicologia do proíundo
dos, quahf'1'camos muitas vezes como instintos mf'eriores as para uma psicologia da altura) (Friburgo/Brisgovia, 1983).
necessidades biologícamente consolidadas, e como mov1'men- Com isto outorga-se expressão, especíalmente relevante na
tos superiores do homem as aspiraçoe's morais espirituais. Ao prátíca, ao pensamento respectivo. Frankl sai-se “com uma
se fazer emprego da metáfora, ou do meio ilustrativo de “ca- psicoterapia a 'partir do espirituaP ”.
madas", os instmtos animais são geralmente m'cluídos numa
camada ínferior ou num subsolo. Ao contrário, as dimensões Frankl fala de logoterapia porque lhe pareceu apro~
experienciais orientadas a valores morais, artísticos e outros priado o termo da antiguidade clássica, logos, com a de-
são ordenadas para altas esferas de valor com mais alto signação equivalente de espírito, mente, sentido, idéia (assim
desempenho, em todo caso em grau mals' alto, e portanto pa- como também no sentido do “Verbo de Deus", do evangelho
ra camadas mais altas do ser do homem, ou seja, para uma de S. João), sem com isso querer incluir mtenções f1'losóf1'-
construção alta. Esta ordenação, então, sugere a segumte cas ou mesmo religiosas em sua psicoterap1'a. Trata~se, em
conclusão: uma psicologia que abrange a d1m'ensão espiri- outras palavras, de uma psicoterapia centrada no sentido,
tual do ser do homem uma psícoterapia orientada ao encon- ou orientada ao sentido, de uma ajuda à busca do sentído
tro do sentido e à orientaçao' de valor, uma ciência que abra- da vida.
ça o espec1f°icamente humano, não deveria ser qualificada Na medida em que conselho e auxílio d1z'em respeito a
como Psicologia Profunda, mas sim poderia ser chamada pre- aspectos inteiramente práticos de moldagem da vida ou de
cisamente - e em expressivo distanciamento da psicanálise relacionamento entre parceiros, m'dicam-se conselhos pura-
- Alta Psicologia, ou psicologia superior. mente práticos e atuais também para os logoterapeutas.
Assim é que estamos em pleno mundo mental de V1k'tor Mesmo que se trate de dificuldades da m'timidade sexual,
E. Frankl e em plena experiência da psicoterapêutica por estas poderão muitas vezes esvaziar-se com sugestões inte-
ligentes. Caso, porém, se possa reconhecer, por trás ou mes-
ele precomz'ada. Em seu livro, aparecido por primeíro em
mo bem à frente, um problema existencial, ou concernente
lm'gua alemã - Ãrztliche Seelsorge, em Viena, 1946 (= Cura
à autocompreensão ou à compreensão da vida, utilízamse
d'almas médica), com numerosas edições -, escreve o pai
diálogos logoterapêuticos. Está em jogo, com freqüéncia ca-
cient1I'1'co da logoterapia que, depois de Sigmund Freud e
da vez maior, em pessoas que buscam conselho, em neuróti-
Alfred Adler, foi chamado o fundador da terceira Escola de
cos ou necessitados de psicoterapia, a questão do sentido
Psicoterapia de Viena - sobre o tema aqui abordadoz “For-
da vida. Em fim de contas, tudo tem, mesmo, sentido? A fu-
jou-se a expressão Psícologia Profunda; devemos porém ques-
ga para a ebriedade não será a “úm'ca felicidade"? Mm'ha vi~
tíonar se não está em tempo de ver, no m'teri0r da psicotera-
da, com meus sentimentos, com o meu destino, tem am'da
pia, a existência humana em toda sua amplitude, semelhante a
um sentido? - Satisfazer a essas questões e explicitar esse
camadas, não apenas em sua profundidade mas também em
tema onde ele permanece mexpresso mas contribuí substan~
sua altura, com isso, na verdade, não passando consciente-
cialmente para um falso desenvolvimento - eis a meta prá~
mente além do plano físico nem também acima do psíquico,
tica da logoterapia. Esta incluíz dirigir o diálogo e as ativi-
e incluindo, em pnn'cípio, a esfera do espirituaL A psicote- dades intelectuais para a finalidade da vida em sentido con-
rapia em nossos dias nos fez av15'tar demasiadamente pouco creto, individual; aprender a ver a vida própría como uma
a realidade espiritual do homem”. tarefa; e sugerir sempre possibilidades concretas de uma
Já no ano de 1938 Frankl escrevia na revista Zentralblatt fixação pessoal de fm's.
für Psychologiez “Onde está aquela psicologla' terapeutíca- Não é aquí o lugar para detalhar questões práticas e de
mente ínteressada, que m'cluiria as camadas superiores da método. Destaque~se, simplesmente, que a logoterapia não
existência humana em seu esquema e neste sentido -- e em faz a reivindicação de fornecer uma espécie de fórmula má-
contraposição com o termo 'psicolog1a' do profundo' - me- gica, abrangendo toda a realização da v1'da. Ela é entendida

228 229
simplesmente como últíma ou subordinada orientação fina- com clareza especial, a questão do sentido da vida. Se se
lístíca, em complemento a todos os outros métodos medjci~ deva efetuar ou solícítar psicoterapía, é preciso que o mé-
nais e auxílios psícológicos. Aqui se acha o ponto de partida dico ou o p51'coterapeuta, conforme as circunstáncias do
para o tema - as três dimensões da logoterapia. caso isolado, prepare ou busque uma resposta no diálogo
com o doente.
Seria um grosseiro mal-entendido se, no destaque dado
a uma psicoterapia orientada à busca do sentido ou à auto- Ao lado das doenças físicas e das enfermidades mentaís
-responsabilidade, ela fosse vista como chave para cumpri- ou das depressões, em sentido estricto, há um vasto espectro
mento de todas as tarefas terapêuticas do médico (ou do de constelações de problemas psicológicos, f1x'ações psíqulcas
psicólogo). Poderia tambe'm, por exemplo, surgir a suspeita e formações habitudm'árias, formas anormaü de elaboração
de que, no campo da psicoterapía, em franco contraste com experiencial e formações de sm'tomas neurótícos, para os
a Psicologia Profunda de Freud - que dissimulou o olhar quaís podem ser muito úteis os procedimentos pragmáticos.
ao espiritual, 1'ndependente no homem, e “ve'” predomm'an- conselhos da vida prática, métodos e exercícios da terapia
tes em toda parte os conflitos de impulsos -, seria exercída do comportamento, ou técnicas simples de aversão. Nem
somente a Alta Psicologia com uma perspectiva espiritual, sempre será o caso de o 1'ndjvíduo dirigir-se à temática do
que por seu lado usaria antolhos para os movimentos 1'ns- sentido. Para todos esses aspectos de consulta ou de trata-
tintuaís humanos-demasiado-humanos, ampliando 0 proces- mento o logoterapeuta permanece aberto, e Frankl sempre
so de subestimação dos distúrbios “puramente” psicológicos vem sublinhando que não pode haver concorrência alguma
ou “puramente" biológicos, ou conjuntamente p51'cobiológí- com a logoterapia. Talvez pareça convem'ente, no caso iso-
cos. Tais escrúpulos para Frankl são totalmente 1'nfundados. lado, aproveitar pensamentos da psicanálise ou, quem sabe
mais freqüentemente, aspectos da Psicologia Ind1'vidual, de
Frankl, como um psicoterapeuta expressivamente pro-
Alfred Adler. Escreve Franklz “Uma logoterapia nâo pode
fissional em sua proveniência médica, conhece o que e' pró-
nem deve naturalmente substituir a psicoterapia, mas com-
prio de leis biológicas, as “doença.s" do corpo e os funda-
pletar (e 1'sto só em determm'ados casos)"; o que é preciso
mentos da ciência médica em sentido estricto. Que os fato-
é ultrapassar o “psico]ogísmo unilateral na prática da psico-
res psíquícos 1'nfluenciam o estado de saúde física e atuam
terapia, e 1'sto. .. gostaríamos de qualüicar como logote~
nos proceSSOS biológicos é tão do seu conhecimento como
rapia”.
é o conhecímento de que os processos psíquicos - tais como
a atividade mental de representação e a ação da vontade ou À medida que desenvolvia técnicas particulares de tra-
uma atitude orientada ao sentido - não podem vencer a balho logoterapêutico, Frankl _preferiu não límitar de modo
força 1'rrompente das leis naturais. Quando muito pode-se algum a 1'sso o seu prooesso terapêutico, ou ofereeer nessas
encontrar no psíquíco ou no espiritual um contrapeso con- técmcas meíos fáceis para o caso-regra. Ao contrário, elas
tra falhas fisicas e doenças físicas. A rebelião 1n'terior contra são apenas parte do que a logoterapia tem a oferecer em
leis naturais ou a não~admissão da possibilidade de doenças originalidade pessoal do respectivo processo na entrevista
que têm leis próprias levam - para além da doença - mais com o paciente. A cammh'o em busca de sentido, pode-se pro~
ou menos automaticamente ao beco-sem-saída de uma ela- mover 0 esclarecimento de uma compreensão de sentido ou
boração experiencial de neurose ou de abatun'ento. uma nova mudança de atítude orientada ao mesmo talvez
0 somático e todos os distúrbios funcionais de origem medíante 1'magens ou enunciados fortes, mediante exortações
somática formam em primeiro lugar um vasto campo de claras ou estimulações à reflexão. Com 1'sto, a 1n'dicação de
conhecimentos cient1f'ico-naturais aOS quais também o psico- citações pertm'entes, tiradas do tesouro do saber comum, e
terapeuta Frankl não se fecha. A doença física é uma parte da chamada sabedoria da vída, pode ensejar, por assím d1z'er,
da defectíbilidade da vida humana com que somos, de ma- a surpresa de uma centelha ou um prudente modo maiêuti-
neira particular, colocados diante da questão existencial do co para recolher-se uma melhor idéia ou uma nova perspec-
sentido. Assim é que para o doente físico ou no aparecimen- tiva. Isto somente se alcança com a dedicação e a sensíbíli-
to de uma deficiência, vem à tona pela primeira vez, ou dade do terapeuta que, através da utilxz'ação total de sua

230 231
cultura intelectual e ao mesmo tempo do emprego simples uma vontade de sobrevíver animadora no fato de que abraça
de linguagem acessível ao paciente, assume a tarefa psic0› a tarefa da vida que lhe está à frente.
terapéutica.
Não é a "anal'ise" retrospectiva ou o desentulhar de re~
Frankl reuniu durante decênios, no campo de sua ativi- cordações, orientado ao negativo, que tem serventia, mas
dade, a experiência que, a partir de vários outros setores, sim a organização prospectiva de um plano de auto~realjza-
vem confirmar que a “frustração existencial”, como ele cha- ção, tomar consciência de uma fixação de fins, dominar a
ma - o desapontamento com o viver, o sentlmento de absur- frustração - isto não é destino, mas desafio. Buscar o eu-
do, a angústia da vida e a busca mental do sentido da vida minho dessa compreensão do sentido nao' é tanto uma ques-
-- tomou-se um problema cada vez mais universaL Se ve- tão de inteligência calculadora, mas antes tarefa daquela
rificarmos o caso isolado, para muitos de nós será natural instãncia espiritual que chamamos razão. Muitas vezes os
perguntar em primeíro lugar: de onde vem isto? Frankl en- cálculos não batem certo com a nossa vída, mas o acrésci-
sina a confrontar esta pergunta em seu todo com outra par-
mo de algo interior, positivo, a descoberta de uma reahz'a-
guntaz como posso eu, pessoalmente, superar esta situação
ção de sentido, possibilitam ao indivíduo de responsabilida-
psicológica? Como posso, em pn'meir0 lugar, dar à minha
de e dígnidade dominar as profundezas psíquicas e situações
vida um sentido, nos limites e com os pressupostos da mi~
de crise.
nha personalidade? Muitas vezes isto tem bom êxito mais
facilmente se o indivíduo se engaja com o outro, para o M1útos contemporâneos terão pouca compreensão para
outro ou para o bem comum, a fim de enriquecer sua vida pensamentos tão exigentes. Uma evolução da vida totalmen-
e a do outro. Isto é apenas uma perspectiva em que pode- te espontânea e confiante muitas vezes não írá absolutamen-
mos tomar consciência de uma f1xaç'ão de fins, ou de uma te tolerar o problema do sentido. A instrução moral ou
tarefa. Se apenas sabemos - escreve Frankl - “que a dú- religiosa, uma firme atitude de fé, ou uma comunidade fun-
vida de um doente quanto ao sentido de sua vida e seu de- dada sobre compromissos hum_anos, podem impedir o sur-
sespero mental se desenvolveram desta ou daquela manei- gimento de uma “frustração existencial”. Mas se sobrevém
ra, isto pouco adíanta. Se estamos em condições de mos- a situação de necessidade e finalmentc busca-se auxílio, en-
trar~lhe que os sentimentos de inferioridade são a origem tão existe uma urgência de recuperação, enquanto não se
psicológica de sua situação de penúria espirituaL se quere- conseguiu algo correspondente. Então, uma consciência é
mos 'reduzir', digamos, uma opiniao~ pessimista do doente oferecída às bases do ser do homem, e a psicoterapia oríen-
sobre a vida a alguns complexos. . . na realidade estamos só tada ao sentido vai ocupar um 1ugar.
falando ao doente dísso tudo, sem chegar a nada".
A logoterapia não pode ser compreendida como tarefa
Dependendo das circunstan^cias, deve-se lutar decid1'da- missionária. Não se trata dc fazer concorrência ao sacerdó-
mente contra 0 fato de que o pacíente, ele mesmo, prepare cio, nem à cum d'almas religiosa, ou à ação das seitas. Mas
essas “explicações” psicologizantes, que com demasiada fre- trata-se de cura d'almas médica, que só pode ser reahz'ada
qüência desembocam na censura resignada da carga heredi- a partir de uma maneira 1'ntegrada de ver as coisas. em que
tária pretensamente inevítáveL da “constelação” pretensa- o homem se apresenta como indivíduo somato-psico-espiri-
mente domm'ante, ou dos reveses da sorte, que, mesmo como tuaL Fatores de origem somática do sofrimento humano são
acontecimentos do passado, são um nunca acabar! Isso leva abordados a seu modo. Uma elaboração experiencial fracas-
facilmente à autocompaixão, e autocompaixão não é outra sada (neurótica) pode talvez ser remediada com o uso ade~
coisa senão o terreno favorável para atitudes destrutivas. quado de propostas de experiência segundo as leis psicoló~
A autocompalx'ã0 nasce do pensamento de que o indivíduo gicas. Mas todos devem estar sempre de olhos abertos para
vai à deriva, e ela somente será vencida pela confiança, pela a situação de necessidade espiritual do homem, na qual ele
tomada de conscíência da responsabílídade, pela atitude que muito poderá ser auxiliado se se despertar e promover uma
vê a vida como tarefa. Quem é realmente digno de compaixão compreensão de sentido enraizada em suas forças espirí~
também encontrará, para si e para a construçao~ de sua v1'da, tuais. O fato do adoecer, a ."'oença, o encontro com o sofri-

232 233
mento e a morte tornam muitas vezes a questão do sentido
particularmente palpitante na ordem do dia.

Nessas condições ou satisfaz o que existe de compre-


ensão da vida e do sentido, ou se faz m'sm'uar uma sensibi-
lidade particular para com a temática pertmente do diálogo.
NO T A S
O estado de necessídade, os efeitos todos da msuI'iciência
humana e da carga de destm'o em nossas vidas podem trans- (Citaçoe's de obras de Vlktor E. Frankh
formar~se muna poderosa força de renovação psicoespiri-
tuaL Há uma formulação de Novalis nesse sentido: “A doen- ' Der Wille Zur Sinn, 3$ ed., Hans Huber, Bema, 1982, P. 266.
ça é o mais rápido corcel para a perfeição”. Quantas vezes
se encontra uma amarga verdade nesta frase! Ver essa chan-
ce, tirar proveito dessa chance - são os objetivos que a lo- Ibidem, p. 16.
goterapia conscientemente se 1m'pós; ela reahz'a o seu servíço The Will to Meaning, New American lerary, Novn Iorque,
para o indivíduo e assim confere, em geral, à 1m'agem do 1970, p. 16.
Der Wille zum Sinn, 3$ ed._ Hans Huber_ Bema. 1982. pp. 25/26.
homem um contomo novo, ou pelo menos descoberto de
Das Leiden am sinnlOsen Leben, 83 ed., Herder, Fn'burgo, HB 615,
novo. A psicologia não pode permitir que nenhuma hege- 1934, p. 32.
monia do racionaljsmo “cient1I'ico” venha pôr em questão In Handbuch der Neurosenlehre und Psychotherapie, voL III_
esta ímagem do homem. O pensamento da logoterapía, ao Urban & Schwarzenberg, Munlque, 1959, p. 664.
contrário, defende uma tarefa em posição avançada, ao elu- Ibidem_ p. 668.
Der Wille zum Sinn, 3$ ed., Hans Huber, Bema_ 1982, p. 115.
cidar com evidência e realismo a terceira dimensão do ser
Der leidende Mensch, 23 ed., Hans Huber, Bema, 1984, p. 164.
do homem. Ibidem, p. 141.
Ibidem, p. 197.
Ibldem, pp. 35/36.
Das Leiden am sinnlosen Leben, 8$ ed., Herder, Friburgo, HB
615, 1984_ p. 29.
Der Wille zum Sinn, 3$ ed., Hans HuberI Bema, 1982, p. 110.
Ãrztliche Seelsorge, 10$ ed., Franz Deuticke, Víena_ 1982, pp.
35-36.
Dle Psychotherapie in der Praxis, 38 ed., Franz Deuticke_ Vie-
na, 1975, p. XIII.
Ãrztliche Seelsorge, 10'~l ed., anz Deuticke, Vienn, 1982, p. 160.
Der leidende Mensch, 23 ed., Hans Huber. Bemn, 1984, p. 163.
Die Psychotherapie in der Praxis, 38 ed., Franz Deuticke, Vte
na, 1975, p. IX.
A"rztliche Seelsorge, 10ê1 ed., Franz Deuticke_ Vlena, 1982, p. 90.
Der leidende Mensch, 2$ ed., Hans Huber, Bema, 1984' p. 204.
“. . .trotzdem Ja 2um Leben sagen, 23 ed., 0 Livro Alemâo de
Bolso, Mum'que, 1982, p. 139.
Der leidende Mensch, 2a ed., 1984, p. 144.
Der unbewusste Gott, 58 ed., Kõsel, Munlque, 1979, p. 16 ss.
Die Psychotherapie án der Praxis, 30 ed., Franz Deuticke, Vle~
na, 1975, p. 16.
Ibidem, p. 54.
Der unbewusste Gott, 5$ ed., Ko"se1, Munique, 1979, p. 32.
Theorie und Therapte der Neurosen, 4$ ed., Emst Reinhardt,
Munlque, UTB 457, 1975, p. 99.
Ibidem, p.103.
Ibidem, p. 100.
Der leidende Mensch, 24 ed., Hans Huber, Bema, 1984_ p. 151.

234 235
(31) Theone' und Therapie der Neurosen, 43 ed., Emst Relnhardt, (62) Die Psychotherapw in der Prazis, 24 ed., anz Deutlcke, Vle-
Munique, UTB 457, 1975, p. 113. na, 1975, p. 169.
(32) Ãrztliche Seelsorçe, 10§t ed., Franz Deutícke, Viena, 1982, pp. (63) Ibídem, pp. 170-l71.
183/184. (64) Theorie und Therapie der Neurosen, 4F ed., Emst Reinhardt.
133) Theorie und Therapw' der Neurosen, 43 ed., Emst Remh'ardt, Munique, UTB 457, pp. 121-122.
Mum'que, UTB 457, 1975_ pp. 134-135. (65) Der leidende Mensch, 28 ed., Hans Huber, Bema, 1984. p. 100.
134) Der leidende Mensch, 23 ed., Hans Huber, Berna_ 1984, p. 150. (66) Die Psychotherapie ín der Praxis, IW ed., Franz Deuucke, Via
<35) Psychotherapie für den Laz'en, Ila ed., Herder_ Frlburgo, HB nn, 1975, p. 211.
3s7_ 1984, p. 83. Der leidende Mensch, 24 ed., Hans Huber, Bema, 1984, pA 39.
(67)
|36) Àrztliche Seelsorge, 103 ed., Franz Deuticke, Viena_ 1982, p. 247. Ibidem, p. 225.
(68)
l37) Der Mensch vor der Frage nach dem Sinn, R. Piper & Co., Mu- Ibídem, p. 136.
(69)
níque, 1979, pp. 236231
(70) Der Wílle zum Sinn, 33 ed., Hans Huber, Bema, 1982, p, 54.
138) Das Leiden am sinnlosen Leben, 83 ed., Herder, Friburgo, HB
615, 1984, pp. 19-20.
139) Ibídem, p. 27.
(40) Ibidem, p. 45.
(41) Die Psychotherapie in der Prazcis, 38 ed.. Franz Deuticke, Vie-
na, 1975_ p. 87.
(42) Psychothepie für den Laien, lla ed., Herder, Fn'burgo, HB
387, 1984, p. 27.
I43) Theorie und Therapie der Neurosen, 43 ed._ Emst Re1'nhardt,
Munique, UTB 457, 1975, p. 124.
(44) Psychotherapie für den Laien, 11$ ed., Herder, Friburgo, HB
387, 1984, p. 171.
(45) Theorie und Therapie der Neurosen, 4$ ed._ Emst Remh'ardt_
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