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Osteomielite

Introdução

Paciente chega ao pronto atendimento com queixa de dificuldade de


deambulação e dor em membro inferior direito associada à febre. Quais os
exames necessários para esse caso? Será que há motivos para preocupação?
Quais os possíveis diagnósticos diferenciais e a melhor conduta?

Identificação do paciente e história clínica

R.N.S, 12 anos, brasileiro, natural de Araras, estudante, negro, católico,


heterossexual, cursando ensino fundamental.

Queixa principal

Não consegue mover a perna direta há 18 horas.

História da Doença Atual (HDA)

Paciente relata início súbito de quadro de dor na perna direita na tarde do dia
anterior à consulta. Nega qualquer tipo de trauma e informa que a dor se iniciou
durante descanso após o almoço. A mãe do paciente, que acompanhava a
consulta, relata que medicou seu filho com analgésico (Dipirona) e anti-
inflamatório (ibuprofeno), mas não obteve melhora nos sintomas. Paciente
relata que a dor havia se iniciado na porção superior anterior do joelho e, após o
jantar, passou a irradiar para todo membro e o glúteo. Mãe relata que, no meio
da noite, seu filho acordou com dores, calafrios e febre (não aferida).
Novamente foi dado dipirona para aliviar os sintomas. A mãe também relatou
que, no início da manhã do dia seguinte, ao acordar, o paciente já começou a
apresentar alterações na deambulação e dores intensas.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

Paciente nasceu de parto normal, sem intercorrências, com 36 semanas,


pesando 3.600 g. Mãe relata que o filho sempre foi saudável e que nunca
apresentou nenhuma queixa digna de nota ou internações anteriores. A carteira
de vacinação se encontra em dia. Atualmente, o paciente não apresenta
nenhuma queixa além da relatada e a mãe diz que o filho é saudável e pratica
vários esportes. Mãe também relata que mora com o filho e o marido em casa
de alvenaria, com água e esgoto tratado. Conta que em seu condomínio tem
uma grande área de lazer, onde seu filho desempenha as mais variadas
atividades com os amigos. Diz que, por conta de serem saudáveis, dificilmente
vão em consultas no PSF da área.No entanto, relatou que, há 2 semanas,
foramao pronto atendimento, devido à febre e queixas de dor auricular do filho,
cujo diagnóstico foi otite média.

Exame físico

Durante exame local do membro inferior, foi possível observar que a perna
direita se encontrava edemaciada (++/4+) abaixo do joelho. A área ao redor
estava eritematosa e dolorosa à palpação, com soluções de continuidade
visíveis. Havia uma limitação na amplitude do movimento em função da dor.

Paciente não apresentounada digno de nota nos demais aparelhos.

Exames complementares

Foi solicitado uma radiografia, para descartar possíveis traumas ósseos no


joelho e na perna. Apresentou-sesem alterações.

Também foram solicitados exames laboratoriais. No hemograma, verificou-se


desvio à esquerda e PCR elevado, inferindoum processo inflamatório em curso.
O exame de cultura veio positivo para S. aureus.

Pontos de discussão

 Qual o diagnóstico mais provável?


 Como explicar a condição relatada pelo paciente com base nos exames?
 Por que o quadro observado ocorre?
 Existe algum exame necessário para diagnóstico? Qual?
 Por que alguma investigação particular do caso é importante?
 Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
 Qual o melhor exame complementar para confirmar o diagnóstico?
 Diferenciação do diagnóstico principal com os possíveis diagnósticos
diferenciais.

Devido aos sinais e sintomas que o paciente apresentou, deve-se dirigir o


raciocínio clínico para a hipótese diagnóstica mais provável, a osteomielite, mas
é fundamentalpensar nos diagnósticos diferenciais que podem existir com essa
queixa.Tais diagnósticos, muitas vezes, só poderão ser diferenciados com um
exame físico bem realizado e com exames complementares, por isso, é
essencial que o profissional conheçaa fisiopatologia das doenças em questão.
Assim, poderásolicitar os exames necessários e poderá interpretá-los
corretamente, além de interpretar a própria doença, suas fases e seus achados.
O amplo conhecimento sobre o assunto acarreta o fechamento do diagnóstico
correto e a identificação de seu agente causador, alémde uma otimização do
tratamento ede redução do tempo de internação e valores gastos com o
paciente.

Diagnóstico principal

O diagnóstico principal é osteomielite, devido ao quadro sintomatológico


apresentado pelo paciente. Além dos sintomas relatados, como dor intensa e
febre, ambos não cessando com a ingestão de medicamentos, há também o
exame físico, que indicou dor localizada, edema e eritema. Todos esses fatores
corroboram o diagnóstico principal, sendo, ainda, reforçado pelo relato feito pela
mãe do paciente de infecção recente.

A queixa principal feita pelo paciente, acompanhada pela queixa de dor, nos da
uma possibilidade grande de diagnósticos, como uma dor decorrente de trauma,
uma possível dor óssea associada ao crescimento ou uma dor muscular, devido
à fadiga por grande esforço. Porém, no momento em que o paciente relata a
febre, o raciocínio é encaminhado para um processo infeccioso em curso,
associado ou não com a queixa principal. Além disso, a partir do momento em
que a mãe do paciente relata o uso de medicamentos para controle da dor e da
febre, mas sem sucesso, tais características possibilitam ao profissional pensar
no diagnóstico principal, osteomielite, uma vez que essa patologia faz com que
se tenha permanência da dor e da febre mesmo com o uso de medicamentos.
Ademais, o exame físico enriquece a suspeita diagnóstica pela presença dos
sinais flogísticos, sendo que a dor se encontra bem localizada e limita o
movimento. Por último, quando a mãe informa que o filho apresentou uma
infecção recentemente, há razões suficientes para concluir a hipótese
diagnóstica de osteomielite e dar início ao tratamento, até que os demais
exames complementares solicitados fiquem prontos e comprovem o
diagnóstico.

Discussão do caso deOsteomielite Hematogênica

A osteomielite hematogênica é uma patologia comum no consultório médico.1


em cada 5.000 crianças irá apresentar ao menos um episódio de osteomielite
na vida, sendo mais comum entre os meninos (2,5:1). Oagente etiológico mais
frequentemente encontrado em exames de cultura é o Staphylococcus aureus,
mas o estreptococos do grupo A, a salmonella e a pseudomonas também
podem ser a causa da doença. A osteomielite se desenvolve, principalmente, na
metáfise do osso, devido aos capilares retos e estreitos, que fazem com que
haja uma diminuição do fluxo sanguíneo e favoreça a proliferação de bactérias
nessas áreas. Esse processo pode resultar na formação de abscessos nessas
estruturas, devido ao acúmulo de exsudato e produtos bacterianos, podendo
levar à necrose ósseae a fístulas.

Portanto, quando pacientes jovens chegam ao pronto atendimento com queixa


de dor bem localizada e em um único membro inferior; apresentam quadros de
febre associado, além de antecedente de infecção em alguma estrutura do
corpo colhida durante os antecedentes pessoais, deve-se pensar na
possibilidade de osteomielite e seus diagnósticos diferenciais. Assim,em
pacientes com essas queixas, deve-se realizar uma boa anamnese e um bom
exame físico, para descartar outras possíveis patologias com piores
prognósticos, além de utilizaras informações colhidas, juntamente com os
exames complementares, para a elaboração de um tratamento eficaz.

Apesar da radiografia convencional não ser capaz de detectar alterações no


osso na fase inicial da osteomielite, esse exame é importante para descartar
possíveis fraturas decorrentes de traumas e outros diagnósticos diferenciais. As
alterações radiológicas da osteomielite só se apresentam após,
aproximadamente, 10 dias do início dos sintomas e, quando presentes, indicam
um prognóstico ruim, com maiores chances de evolução para a cronicidade.

A ressonância magnética não é um exame de rotina e deve ser solicitada em


casos de dúvida em diagnósticos diferenciais. Ela possibilita a diferenciação
entre infecção de partes moles e do osso,além de ajudar a determinar a
extensão da infecção.Este exame também é sensível para microabscessos
ósseos, o que auxilia no diagnóstico.

No caso em questão,os exames laboratoriais, como hemograma, PCR e


hemocultura podem ajudar na consistência do diagnóstico, uma vez que o
desvio à esquerda, a proteína C reativa aumentada e a identificação do agente
etiológico são sinais característicos dessa patologia. Esses exames laboratoriais
também são importantes para a verificação da evolução do quadro clínico do
paciente diante do tratamento realizado.

Nos casos em que o profissional suspeite de osteomielite, mas todos os exames


solicitados venham negativos para o diagnóstico, deve-se solicitar uma biópsia
da estrutura afetada, uma vez que o sarcoma de Edwin tem uma enorme
capacidade de mimetizar todos os sinais e sintomas da osteomielite.

Pacientes com quadros de osteomielites devem ser internados imediatamente


para início do tratamento. A partir do momento em que haja suspeita
consistente ou certeza diagnóstica de osteomielite, o paciente deve ser levado
ao centro cirúrgico para realizar punção óssea, a fim de que se confirme o
diagnóstico e se realize drenagem imediata do foco infeccioso, se necessário.
Deve-se realizar, também, a imobilização do membro afetado, além da
administração de antibióticos imediatamente.

O que é a doença?

A osteomielite é um processo inflamatório e destrutivo em um osso causado por


bactéria, micobactéria ou fungo. Ocorre comprometimento do canal medular,
componente esponjoso e da região cortical. O foco inicial do processo
inflamatório da osteomielite localiza-se na metáfise dos ossos, em virtude de
sua maior vascularização. O foco primário da infecção pode estar nas tonsilas
palatinas, tecidos periodontais, pulmões, pele, ouvido, ferimento contaminado,
feridas cirúrgicas ou fraturas expostas. Tem por agente infeccioso mais comum
o Staphylococcus aureus, que é capaz de expressar adesinas que aderem a
osso e cartilagem e são internalizados para o interior da célula. Uma vez
aderido ao osso, o patógeno passa a expressar resistência fenotípica ao
tratamento antimicrobiano. Outro problema dessa patologia é a disseminação
para os vasos sanguíneos, o que acaba por prejudicar o fluxo sanguíneo e
causas necrose isquêmica do osso.

Existem outras hipóteses diagnósticas? Diagnósticos diferenciais?

Sarcoma de Ewing

O sarcoma de Ewing é um tumor ósseo maligno. Esse tipo de tumor surge na


diáfise de ossos tubulares longos, especialmente fêmur e nos ossos formadores
da pelve. O sarcoma de Ewing tem uma enorme capacidade de mimetizar os
sintomas da osteomielite. Pacientes com queixa de dor óssea localizada, febre
associada à leucocitose e elevação da VHS devem receber atenção especial
para esse diagnóstico diferencial.

Atrite séptica

A artrite séptica é a presença de bactéria no espaço articular. Essa patologia


pode ser uma evolução da osteomielite, mas também ocorre de forma única.
Seus sintomas são muito semelhantes aos da osteomielite. A diferenciação
entre as duas patologias se faz durante o exame físico, no qual, muitas vezes,
há um acometimento maior do quadril na artrite séptica e o membro inferior do
paciente pode se apresentar em adução e rotação externa.

Leucemia

A leucemia é uma neoplasia maligna marcada pela substituição da arquitetura


da medula óssea e dos linfonodos por linfoblastos anormais. Esse diagnóstico
diferencial pode ser confirmado por uma radiografia, que apontaria alterações
ósseas.

Celulite

A celulite é a inflamação aguda da derme e do tecido subcutâneo, sem a


formação de abcesso. Essa patologia tem por agentes etiológicos os mesmos
da osteomielite, além de sua tríade diagnóstica se basear no eritema, edema e
dor local, sintomas, esses, apresentados também na osteomielite.

Tratamentos indicados:

A melhor forma de tratamento para a osteomielite hematogênicaocorre por meio


da identificação do agente infeccioso, e posteriordeterminaçãodo esquema
antimicrobiano mais apropriado. Todavia, enquanto o resultado da cultura não
estiver disponível e a certeza diagnóstica for grande, é recomendado que se
inicie o tratamento empírico com um antibiótico de amplo espectro. O
tratamento empírico de 1ª escolha é a associação de oxacilina e gentamicina ou
ceftriaxona por um período de 4 a 6 semanas.A via parenteral é a de
preferência durante todo o período de tratamento. Além disso, durante todo o
tratamento, é fundamental que o paciente seja monitorizado laboratorialmente e
que tenha a estrutura afetada imobilizada. A verificação da evolução do
paciente pode ser feita através da coleta de provas de atividade inflamatória.

Diagnóstico diferencial principal

O principal diagnóstico diferencial dessa patologia é o sarcoma de Edwin, que


tem uma grande capacidade de mimetizar os achados da osteomielite.

Objetivos de Aprendizados/Competências

 Identificar, através dos sinais e sintomas, a osteomielite;


 Saber conduzir o caso, considerando todos os exames necessários para
o diagnóstico exato;
 Conhecer a fisiopatologia da osteomielite e suas apresentações
radiológicas;
 Conhecer o sarcoma de Edwin e sua capacidade de mimetizar a
osteomielite.

Pontos Importantes

Os pontos importantes para esse caso são: o conhecimento da fisiopatologia da


osteomielite, o conhecimento dos diagnósticos diferenciais prováveis e a
capacidade de conduzir o caso de forma correta. Outro ponto importante é ter
conhecimento dos exames necessários a serem realizados e do tratamento
indicado.

Conclusão do caso da osteomielite

Com base no exposto no caso clínico, é possível chegar ao diagnóstico de


osteomielite. O paciente em questão é um jovem de 12 anos do sexo masculino,
características que se encaixam perfeitamente na epidemiologia da doença.
Além disso, ele chega no pronto atendimento com queixa de alteração na
deambulação, dor e febre, que não cessam com o uso de medicamentos. Ao
exame físico do membro inferior nota-seedema, eritema e dor à palpação, além
da limitação na amplitude do movimento, o que reforça a principal hipótese
diagnóstica, osteomielite.

Com as alterações observadas nos exames complementares e a radiografia


normal, é possível chegar à conclusão do diagnóstico de osteomielite. Assim,
pode-seinternar o paciente para tratamento com antibióticos e verificar a
necessidade de uma drenagem. No dia a dia, enquanto os exames
complementares não ficam prontos, caso existam achados suficientes na
anamnese e no exame físico, é importante iniciar a antibioticoterapia empírica
padrão.

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