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O viralatismo da Filosofia no Brasil


Dénizard Custodio
Univervidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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Joachin Azevedo Net o

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Paula Regina Siega, Adelia Miglievich Ribeiro
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Departamento de Filosofia

Dénizard Custodio Dos Santos Júnior

O VIRALATISMO E O CONTRAVIRALATISMO DA FILOSOFIA NO BRASIL

Seropédica
2021
Dénizard Custodio dos Santos Júnior

O VIRALATISMO E O CONTRAVIRALATISMO DA FILOSOFIA NO BRASIL

Monografia do Curso de Filosofia da Universidade


Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Licenciado em Filosofia.

Orientador: Prof. Fernando Bonadia de Oliveira

Seropédica
2021
Dénizard Custodio dos Santos Júnior

O VIRALATISMO E O CONTRAVIRALATISMO DA FILOSOFIA NO BRASIL

Monografia do Curso de Filosofia da


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Licenciado em Filosofia.

Seropédica, 29 de abril de 2021.

RESULTADO: (X) APROVADO ( ) REPROVADO

Data: 29 de abril de 2021.

BANCA EXAMINADORA

Prof. José Gonzalo Armijos Palacios Profª. Nelma Garcia de Medeiros


(UFG) (UFRRJ)

________________________ ________________________

Prof. Rafael Haddock-Lobo Prof. Orientador Fernando Bonadia de Oliveira


(UFRJ) (UFRRJ)

________________________ ________________________
Há os países ricos e os países pobres. Os países ricos exploram os países pobres. É a
colonização religiosa, econômica, cultural e política. A colonização determina a
alienação nacional. O principal problema da luta anticolonial é a destruição do
complexo de inferioridade nacional. (GLAUBER ROCHA, Der Leone Have Sept
Cabeças, 1970, grifos nossos)

Em uma mística de encerramento de um curso de formação política com lideranças


de movimentos sociais latino-americanos, um militante boliviano grita, após várias
palavras de ordem contra o imperialismo e pela unidade da luta social na América
Latina: ¡Por la descolonización! ¡Abajo el eurocentrismo! Escuta-se, logo em
seguida, um sussurro irônico em português: E vamos colocar o que no lugar?
(BRINGEL; DOMINGUES, 2015, p.70, grifos nossos)

Entendida como autoconsciência da cultura, uma filosofia brasileira implicará o


prévio reconhecimento, o diagnóstico da situação colonial. Entendida como tarefa
histórica de libertação e não como exercício acadêmico, não será uma reflexão
desinteressada sobre o mundo e sobre nós mesmos, mas, ao contrário, uma arma
que nos permitirá transcender o colonialismo [...]. Libertando-nos do complexo
colonial à medida que toma consciência dele e o converte em objeto, uma filosofia
brasileira nos trará a revelação de nossa própria entidade, de nosso ser como destino.
Convertendo-nos ao Brasil e nos reconciliando com nossa circunstância, nos
reconciliará com nós mesmos, tornando autêntica a nossa existência. [...] não seremos
mais os gratuitos comentadores do pensamento estrangeiro, mas os intérpretes lúcidos
do destino nacional. (CORBISIER, 1959, p.87, grifos nossos)
SUMÁRIO
Resumo: 6

Entrada em campo: Apresentação 7

Começa o jogo: Introdução 9

Primeiro tempo: o viralatismo filosófico 13

A imagem literária do viralatismo 22

Os aspectos do viralatismo 24

O conceito filosófico 28

Segundo tempo: o contraviralatismo 34

As ciências brasileiras 36

As letras brasileiras 39

Bovarismo brasileiro: Entre a literatura e a filosofia? 42

Apito final: O jogo só acaba quando termina 52

Agradecimentos 56

Referências bibliográficas 57
Resumo:
O complexo de vira-lata é frequentemente evocado no imaginário brasileiro há anos,
porém seu proveito no campo da filosofia é quase nulo. Portanto, objetivando entendê-lo
enquanto um conceito filosófico e a partir disso analisar o modo de fazer filosofia da
comunidade filosófica brasileira, propõe-se aqui um questionamento sobre esta maneira de
interpretação. Observa-se um comportamento recorrente na intelectualidade nacional: a postura
de se rebaixar diante das tendências e modelos intelectuais estrangeiros. Recortamos passagens
de vários autores de diversas áreas visando compreender as nuances presentes em tais condutas
entendidas como vira-latas. Percebe-se que esta atitude de “inferioridade” diante do cânone
ocidental tem estreita relação com a colonialidade ainda presente em sociedades que passaram
pelos processos de assujeitamento de tipo colonial. Após problematizar os vícios decorrentes
do método de produção de filosofia atual, transforma-se este trabalho em um alerta para
estudantes de Filosofia que almejem ser filósofos e filósofas.
Palavras Chaves: Metafilosofia; Filosofia Latinoamericana; Filosofia Brasileira; Filosofia no
Brasil.
Entrada em campo: Apresentação
Amigos, cá estamos para dar início a uma partida do que chamaremos de jogo
anticolonial. Este é o jogo do qual nos ocuparemos no decorrer desta peleja. No entanto, o
futebol figura aqui apenas como objeto de apoio, isto é, o futebol não é central para nós. O
assunto do qual trataremos (a saber: o complexo de vira-latas) surgiu por conta de uma questão
futebolística, mas daremos tratos à bola para vários campos, principalmente o filosófico. Tal
como os narradores do sempre vital e eterno combate futebolístico, utilizaremos também uma
linguagem não tão rebuscada. Usaremos neologismos, e precavidamente, generalizações. Isso
se justifica por um lado pela própria reflexão que originou a problemática aqui desenvolvida:
Nelson Rodrigues, dono de uma verve literária invejável, e sua já aclamada percepção do
complexo de vira-latas. Por outro lado, esta postura também se justifica como forma de crítica
e enfrentamento a um dos problemas que assombram a filosofia brasileira (outro tema central
deste trabalho), qual seja, a aceitação de apenas um modo de filosofar, um modo de produzir
filosofia e uma só filosofia, expressa, é claro, por um só meio: a linguagem acadêmica, distante
e ininteligível na vida social.
Neste sentido, para enfrentar essa disputa clássica, estudamos a ironia e a irreverência
típica da literatura brasileira, como as do anjo pornográfico (Nelson Rodrigues) e do bruxo do
Cosme Velho (Machado de Assis). Assim, pedimos parcimônia ao leitor diante de eventuais
trocadilhos e joguetes com as palavras, principalmente as de duplo sentido; ou com os
neologismos, tais como euronidense (europeus + estadunidense) e latinamericanos. É bom
avisar que há em alguns momentos um tratamento pessoal com os autores, como ao chamá-los
apenas pelo primeiro nome, ponto que não influencia a referenciação dos citados, porém torna
o texto mais palatável e próprio do modo de diálogo praticado habitualmente fora da Academia.
Além disso, utilizaremos em muitos momentos um vocabulário medicinal, pois aqui
abordaremos metaforicamente o viralatismo enquanto uma espécie de doença, uma praga, uma
mazela relativa à ferida colonial. Isso acontece pois segundo as conclusões, o viralatismo está
internamente ligado ao sujeito de países coloniais como uma enfermidade no ser. Porém, assim
como uma doença, o viralatismo é passível de diagnóstico, coisa que nos propomos a fazer,
para que talvez futuramente seja possível um tratamento. Destacamos que não há um sentido
biológico, medicamentoso ou mesmo eugenista nesta metáfora. Por fim, vale ressaltar que
nosso trabalho, apesar de beber em muitas fontes, tem alguma influência deleuziana, já que não
podíamos deixar de incluir um europeu no time para nos ver jogar.
Já tendo esclarecido as peripécias linguísticas que podem acontecer no decorrer do jogo,
falta-nos explicar como o campo está disposto. Primeiramente, tudo começa quando
explicamos, em linhas gerais, a problemática da generalização do Brasil e do brasileiro que
pretendemos tratar aqui e, ademais, os cuidados que temos que tomar para não nos esquecermos
de nosso passado colonial.
Com a bola já rolando, seguiremos tocando para como o tema se mostra pertinente ao
analisarmos a comunidade filosófica brasileira, seja a contemporânea ou a antiga. Nesse
momento, então, vai ser a hora de pararmos e repensarmos a estratégia para entendermos o que
é, de fato, o tão falado complexo de vira-latas. Por fim, já no final do primeiro tempo, após
termos entendido a teoria, será hora de aplicá-la na prática para entendermos quais sentidos o
viralatismo parece ter. E ao fazermos isso, evidenciaremos o conceito filosófico de viralatismo.
Mas nem só de lamentos vive o homem, muito menos o brasileiro. Também
necessitamos de ter alguma alegria carnavalesca. Por isso, necessitamos também da contraparte
do viralatismo. Por mais que o complexo influencie e aflija grande parte da produção de
conhecimentos, nós ainda conseguimos produzi-lo. Assim sendo, no segundo tempo,
“partiremos pro contra-ataque”, como dizem os narradores, e faremos um histórico para vermos
quando goleamos e quando fomos goleados nessa disputa secular. Exploraremos
principalmente o campo das ciências sociais, no geral, bem como as letras brasileiras. Por fim,
como adentraremos ao tema da literatura, encarnaremos nossos antepassados afrancesados e
investigaremos a correlação entre bovarismo e viralatismo.
Mas quando o juiz apita, o jogo tem que parar. Ou deveria, se houvesse juiz em nossa
disputa desleal com os países que nos colonizaram. Mas aqui, por motivos médicos
(subnutrição, raça inferior, calor extremo que propicia preguiça, limitação filosófica, entre
outros), alegaremos que será o fim, pelo menos desta rodada. Na conclusão, enfim, indicamos
o placar final, isto é, quais foram os saldos e as lesões no processo.
É preciso tornar explícito que este trabalho tem por objetivo apenas fazer com que a
comunidade filosófica faça uma reflexão sobre a realidade brasileira, se conscientizando e
enfrentando o problema do viralatismo. Não é um impeditivo ou muito menos uma especulação
para se criar uma filosofia brasileira, pois tal coisa já existe há décadas, mesmo que alguns a
concebam de maneira problemática.
Começa o jogo: Introdução
A relação entre os brasileiros e o orgulho de sua nação é bem volátil. No domingo
passeamos vibrando por amor à beleza nacional, na segunda-feira e no resto da semana odiamos
“esse país onde nada funciona”. Em uma comparação entre nós e os outros sempre saímos
perdendo, independentemente do tópico, nada além do esperado, já que “só no Brasil mesmo
pra ter um povo assim”. Nas “altas letras”, ou na filosofia não é diferente, talvez isso até se
intensifique.
Essa relação mutável é certamente conhecida e observada por todos, principalmente por
que somos nós que passamos da euforia absoluta quando ganha a nossa seleção ou o nosso time
à catastrófica tristeza indigesta, pelos mais diversos motivos. Essa tristeza dura longos períodos,
como diz a música: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”1. Essa imagem conhecida (banal de
tão repetida) torna complicado falar de Brasil e sua cultura sem evocar outras ideias também já
reconhecidas2. O tema do autodesprezo nacional está hoje nos mais diversos locais, como nos
bares e nas discussões políticas, na imprensa e em podcasts, em redes sociais como Youtube e
até mesmo em livros e artigos, indo da área econômica à historiográfica; se faz presente com o
nome de complexo de vira-lata, viralatismo ou até mesmo, sem uma nomenclatura ou conceito
atrelado, esta noção marca presença enquanto sentimento. Mas qual a origem de tal sentimento?
Em nossa história, enquanto colônia portuguesa, tivemos uma construção peculiar se
comparada às colônias hispânicas, tendo em comum com elas o inegável fato de termos sido
colônia. A identidade nacional e latino americana foi (e é) frequentemente perseguida, por vezes
revista. Na sociedade brasileira, os rastros coloniais nem sempre ficam evidentes, mas as
consequências se fazem presentes. Uma delas é essa autoimagem negativa que temos de nós
mesmos, que é tema recorrente no dia a dia. “De fato, o tema da identidade mais se parece com
uma ‘obsessão local’, surgindo nos momentos mais inesperados, nas horas mais reveladoras;
ora como elogio, ora como demérito e acusação” (SCHWARCZ, 1994, p.2).
No decorrer de nossa história intelectual, muito se discutiu sobre a “verdadeira”
identidade do povo brasileiro. A verdadeira, pois a cada nova tentativa de nos definir surgiam
sete perguntas e nas respostas mais três ou quatro versões diferentes do que somos, assim
impossibilitando uma definição essencial, se isso for possível a qualquer povo. Os primeiros

1
A icônica música intitulada “A Felicidade” é uma grande representante da bossa nova de 1960. Foi criada a partir
da letra de Vinícius de Moraes e o arranjo musical de Tom Jobim e gravada pela Editora Musical Arapuã.
2
Perspectiva defendida também por MARIOTTI, 2009, p.2.
relatos de nossas3 características advêm das cartas dos exploradores, que invadiram 4 um novo
continente, habitado por milhares de seres e os descreveram. Bárbaros e sem raciocínio, alguns
canibais, que pareciam humanos, mas certamente não teriam alma, fomos achados. Daí em
diante algumas dessas características se mantiveram, encontrando ecos em narrativas modernas
chegando até mesmo ao século XX. Não admira que o tema da identidade nacional tenha sido
elaborado diversas vezes na história do país. Por volta de 1950, durante o período do nacional-
desenvolvimentismo, houve um amplo debate sobre o caráter nacional, que elaborou todas as
descrições prévias das imagens feitas sobre nós. No livro O caráter nacional brasileiro: história
de uma ideologia, de 1958, Dante Moreira Leite demonstra a influência que as imagens têm
dentro da nação. A discussão perpassa nomes imensos quando se trata de Brasil, tais como
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque Holanda, Caio Prado, Sílvio Romero, e outros das mais
diversas áreas.
Dentro do pensamento social brasileiro5 são instituídas algumas temáticas frequentes,
entre elas uma das mais marcantes são os projetos de Brasil ou de reformas econômicas e
morais, ambos geralmente pensados a partir do problema do atraso nacional. Pensadores de
todas as épocas já tentaram explicar o porquê de o Brasil ser Brasil 6, e de como poderíamos
melhorar ou nos entender. A figura do brasileiro e de sua sociedade dentro desse campo se
modifica com a mudança do autor analisado. De acordo com Sérgio Buarque, é como se
vivêssemos “desterrados em nossa própria terra” (HOLANDA, 1963, p.3), dado que entre nós
os letrados obtêm cultura universal (europeia), mas o universal parece não nos abarcar, então
teríamos que superar a suposta cordialidade para nos tornarmos modernos. Usando esse mesmo
problema, Freyre é um dos primeiros a defender (e não a atacar) uma identidade brasileira, e a
atribuir características peculiares à cultura nacional, fazendo a observação de que os nossos
letrados são “escritores demasiadamente à francesa e à inglesa uns — os melhores; outros,
‘gregos’ ou ‘helenos’; ainda outros castiçamente portugueses, os ouvidos cheios de algodão
para não recolherem nenhuma estridência brasileira” (FREYRE apud CRUZ COSTA, 1943).
Devido também ao suposto descompasso brasileiro, Caio Prado (1994) evidencia que tudo
decorre de nossa situação de colônia, que fomos explorados, e que não conseguimos ficar a par
dos países que nos exploraram.

3
Identificação geográfica, ou seja, nós, habitantes do território que atualmente é brasileiro.
4
Mesmo assim nossa historiografia não chama de invasão, e sim de descobrimento, incorrendo num erro de
português (Veja ANDRADE, 1974, p.177).
5
Para Burnett Junior (2018), o fato de não haver sequer um filósofo no grupo dos representantes do pensamento
social brasileiro se deve ao motivo da filosofia não ter se ocupado com problemas domésticos.
6
Um livro que ilustra bem tal propósito é O que faz do Brasil, Brasil? do antropólogo Roberto DaMatta (1998).
Independentemente do motivo ou do retrato, no trabalho de Dante, as efígies que temos
como nossas representações nacionais nada mais são do que ideologias, como fica explícito no
subtítulo de sua obra. O nacionalismo, fruto de uma ideologia burguesa (LEITE, 2002, p.32) e
obviamente da classe mais ilustrada, é usado para fins políticos e é incorporado às massas a
partir do endossamento feito pela imprensa no geral (ibidem, p.28). E, segundo Dante, as
representações ou os mitos nacionais se valem de atributos psicológicos pseudocientíficos, sem
confrontá-los ao contexto econômico, político ou social da realidade. Logo, tais formulações
do caráter nacional não passam de ideologias que pretendem manter o status quo das elites, não
se preocupando em envolver os dominados, a população geral. Nas palavras de Marina
Massimi:
Nessa perspectiva nasce a ideologia do “caráter nacional brasileiro”, que, conforme
foi apontado na lúcida análise de Dante Moreira Leite, manipula os traços
psicológicos na construção de teorias e conceitos que ao definir características
coletivas do ‘brasileiro’ refletem, na verdade, os interesses do poder encobertos pelo
manto do discurso científico: sendo assim, tal ideologia não representa ‘uma autêntica
tomada de consciência de um povo, mas apenas um obstáculo no processo
[...].(MASSIMI, 2010, p.49)

A vista disso, os brasileiros expostos por diferentes autores que serão citados adiante
funcionam como símbolos que demonstram um problema concreto: o sentimento de
inferioridade e o desprezo do intelectual brasileiro que tem como consequência a produção
filosófica voltada ao comentário estéril de autores do passado (geralmente, apenas europeus e
norte-americanos). Essa postura, por sua vez, causa uma inibição do filosofar, ou seja, uma não
produção de filosofia7.
Deve-se destacar, porém, que os retratos dispostos aqui apresentam um lado mais
‘pessimista’ dos brasileiros, não abarcando toda a “tensão fundadora” observada por Alfredo
Bosi. O crítico literário percebe que, geralmente, nas obras que fazem esses retratos existe uma
tensão fundadora pois “coexistem ou alternam, na gangorra ideológica, o otimismo e o
pessimismo em face dos destinos do povo brasileiro” (BOSI, 1988, p.203). E, por conseguinte,
na maioria das obras, é possível notar traços que definem “os elementos de uma psicologia
própria, de uma cultura nacional e de uma filosofia que oscilava entre o otimismo em excesso
e o pessimismo em excesso” (BOSI apud SCHWARCZ, 1994, p.7). Isso é relevante para
entendermos que, apesar de a maioria dos retratos estudados aqui ser negativa ou mesmo
pessimista, eles revelam apenas um lado do problema existente.

7
No sentido das filosofias que os filósofos e filósofas nacionais estudam ao se debruçarem na história da filosofia
europeia, e não apenas comentá-las. Seria fazer novas revoluções como as de um Kant, e não se especializar nos
pormenores delas.
Neste trabalho, devido à persistência e relevância de tais retratos, lidaremos com vários
mitos nacionais e estaremos preparados para as generalizações que, apesar de toscas, são
efetivas no sentido de continuarem operantes ainda hoje à medida que são aderidas e
significadas pelo povo. A aderência é óbvia, visto que os mitos, “nos dizem de onde viemos,
quem somos e para onde vamos”, e assim prossegue Jessé Souza lançando a seguinte definição:
Os mitos nacionais são [...] uma espécie de “conto de fadas” para adultos, já que o
conhecimento efetivo da sociedade e seu funcionamento real é um desafio gigantesco
mesmo para quem passa a vida se dedicando apenas a isso. As pessoas imaginam que
conhecem o mundo social simplesmente por fazer parte e conseguir [...] sobreviver
nele. Do mesmo modo que imaginam que entendem futebol simplesmente por gostar
do esporte. Ledo engano. No fundo, seguem as ideias dominantes sem ter qualquer
noção disso. São elas que orientam nossos interesses no mundo social e comandam
nosso comportamento nele. Daí ser tão importante conhecer as ideias dominantes e
sua gênese. Conhecê-las é um processo de autoconhecimento. (SOUZA, 2018, p.20)

A comparação com o futebol é exímia no sentido de que este esporte é utilizado por
Nelson Rodrigues, o inventor do complexo de vira-lata, para expressar suas análises da
sociedade brasileira. Jessé Souza enfatiza: “Não se compreendem as ideias que dominam o
imaginário social de uma sociedade sem compreender que são sempre ideias difusas no meio
social, articuladas por intelectuais” (SOUZA, 2015, p.190) e impulsionadas por poderosos para
ganhar essa divulgação em escolas ou em jornais8. A especulação diante das diversas imagens
existentes é especialmente complexa, dado que nesse contexto de manipulação a confusão é
algo almejado.
Desta maneira, caminhando para o fim desta grande introdução, é importante ressaltar
que nossa situação de colônia é um determinante essencial para entendermos os sintomas que
veremos adiante. Os sintomas são características que se relacionam com o complexo de vira-
lata e que afetam o fazer filosofia no Brasil. O filósofo Roland Corbisier comenta eximiamente:
O complexo colonial no qual se configurou o homem brasileiro durante mais de quatro
séculos implicava como vimos a impossibilidade de tomarmos consciência crítica de
nós mesmos [...] o colonialismo se manifestava em nós não só pela total dependência,
mas também pelo complexo de inferioridade em relação à Europa. (CORBISIER,
1959, p.39)

Roland, bem como Dante, nos ajudarão9 na tentativa de empreender o trabalho de usar
um mito nacional (o viralatismo) como conceito filosófico; especialmente enquanto uma
ferramenta que permita interpretar a comunidade filosófica brasileira para demonstrar os

8
Além das obras de Jessé, para entender melhor como uma “ladainha que desde os tempos coloniais reconta nossa
história” parece relevante para se pensar a cultura nacional, conferir também o estudo do mito das três raças e da
malandragem brasileira em: SCHWARCZ, 1994.
9
Corbisier irá aparecer frequentemente auxiliando outros pontos do trabalho. Dante ajudou na parte mais estrutural
e com os cuidados necessários ao abordar temas tão delicados, porém ficará mais por ‘trás dos panos’.
problemas do seu modus operandi. A ideia é recortar discursos e autores pontuais de nossa
história intelectual, recortes que pretendem evidenciar a característica submissa e castradora de
nossa prática filosófica.

Primeiro tempo: o viralatismo filosófico


Filosofia Brasileira, tal como nomeada por Sílvio Romero, consiste basicamente num
estudo de problemas da realidade brasileira e das reflexões feitas por filósofos brasileiros, seja
por autores que estão dentro10 ou fora do Brasil11. A contradição é presente no título dado ao
campo, que combina filosofia, um saber tido como universal, com uma nacionalidade, algo
geograficamente regional, no caso o Brasil12, o que parece indicar o dissenso que existe na área
sobre os mais diversos pareceres. Muitos também chamam de Filosofia no ou do Brasil. Mas
em resumo, esse é um falso problema, como aponta o Manifesto Salteño do argentino Horacio
Cerutti (2006, p.475)13. Melhor dizendo, o problema que alguns autores preocupados com a
intitulação do tema tentam superar não seria a existência de uma filosofia nem do, nem no, nem
desde, nem sobre o Brasil, mas sim a própria existência de um campo, que indiscutivelmente
existe, independentemente do nome que lhe é dado. A preferência que temos em falar de
filosofia no Brasil ao invés de filosofia brasileira é, segundo Silveira (2016, p.263), um
indicativo que “realmente desenvolvemos aqui um exercício filosófico desconectado daquilo
que constitui a especificidade da vida brasileira”, tal como se fosse cultivada dentro de “uma
estufa isolada do restante” da sociedade.
Apesar de que exista há mais de um século a prática de analisarmos as obras nacionais,
não há um campo consistente e homogêneo, muito menos uma tradição. Mas mesmo assim a
área se mantém como sempre esteve a filosofia entre nós14: viva, porém desconhecida. A
relação de filósofos brasileiros de todos os níveis, isto é, graduandos, pesquisadores e

10
Não necessariamente sendo brasileiros. A título de exemplo, temos os autores Armijos Palacios, Júlio Cabrera,
Vilém Flusser e até mesmo Clarice Lispector, sendo todos estrangeiros que contribuíram para o campo.
11
Aqui se encaixam autores que vivem fora do Brasil, mas ainda colaboram com a realidade nacional. O brasileiro
Mangabeira Unger (2018) é um exemplo disso, mesmo tendo nacionalidade estadunidense e tendo vivido a maior
parte de sua vida nos Estados Unidos, ainda se dedica ao país. Mesmo caso é o de Matias Aires, que viveu
majoritariamente em Portugal.
12
Sobre a existência ou não de filosofias nacionais ou como elas se conciliariam com a universalidade filosófica,
a resposta varia de acordo com o filósofo analisado. Confira, entre outros: CABRERA, 2015; MARGUTTI, 2018;
PAIM, 2007.
13
“Queremos superar el falso problema de la ‘existencia’ de una filosofía ‘en’, ‘de’, ‘para’, etc., Latinoamérica”.
14
De acordo com Ricardo Andrade (2018, p.184), essa expressão é usada “quase sempre de uma forma irônica, ao
resultado, por vezes pouco auspicioso, do trabalho filosófico realizado no Brasil. ‘Nós’ tanto significa, como
substantivo, as dificuldades e obstáculos da prática filosófica em nosso país, como também pode significar, como
pronome: ‘nós os brasileiros’, ou ‘nós os filósofos’, ou ainda ‘nós, filósofos brasileiros’ e desta ambiguidade deriva
parte da ironia dessa expressão”.
catedráticos com autores latinamericanos e até mesmo com autores não europeus e não
estadunidenses é regida por um tremendo desinteresse, quando se sabe da existência deles, o
que é raro. Parece que uma aproximação seria mortal para a prática pudica filosófica, fazendo-
os perder a universalidade simplesmente por fazê-los sair da Europa, conhecendo autores não
brancos. Entre os iniciados em filosofia, lamentavelmente, o desconhecimento do campo da
filosofia brasileira constitui a regra.
No entanto, é importante ressaltar que esse desconhecimento de autores brasileiros não
se aplica a toda prática de filosofia no Brasil. Conforme aponta Margutti, em sua introdução ao
livro História da filosofia no Brasil (2013), existe uma cisão acadêmica, ou uma “tácita divisão
de trabalho” na comunidade filosófica brasileira. Esta cisão diferencia a comunidade em três
grupos, segundo o autor: o primeiro são os que se dedicam ao estudo e comentário de autores
estrangeiros clássicos, aprovados pelo cânone ocidental; o segundo estuda e comenta filósofos
brasileiros; e um terceiro busca filosofar autonomamente. O primeiro grupo tem sua expressão
máxima na ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), e nas graduações
ligadas à Capes e ao CNPq, sendo veiculadas por revistas acadêmicas. O segundo grupo já
ocupa uma posição menos privilegiada, por não contar com tantas instituições de fomento,
tendo sua congregação na ABF (Associação Brasileira de Filosofia). Já o terceiro é formado
por pessoas de nenhum dos dois grupos e que têm, por isso, o rótulo de “independentes”, ou
“literato-filósofos” (MARGUTTI, 2013, p.12). Além da questão de financiamento e de
circulação, há também uma disputa e separação ideológica entre a ABF e a ANPOF 15. Neste
trabalho focaremos em analisar principalmente as produções históricas e contemporâneas do
primeiro grupo, isto é, oriundos da estrutura anpofiana. Esta escolha se mostra pertinente pelo
fato de ser a principal instituição regulamentadora dos moldes filosóficos nacionais, e também
controladora destes, como se verá. Assim, veremos ocorridos recentes que evocam o complexo
de vira-lata e a filosofia brasileira (motes deste trabalho) na comunidade filosófica brasileira.
Uma discussão se iniciou na Coluna ANPOF16, em outubro de 2016, onde foi discutida
a filosofia brasileira. O debate demonstra bem a relação de desconhecimento dos filósofos
brasileiros erguida acima17. O título do primeiro texto do fórum ilustra maravilhosamente a
situação: Filosofia brasileira – uma questão? (HADDOCK-LOBO, 2016). Ou seja, existe um
questionamento do próprio tema. Logicamente, houve muita controvérsia na recepção de tal

15
Os causos mais emblemáticos ocorridos na disputa podem ser encontrados em: BONTEMPI JÚNIOR, 2009.
16
Disponível em: http://anpof.org/portal/index.php/pt-BR/comunidade/coluna-anpof. Acesso em: 26/03/2020.
17
Posição defendida também por Cabrera (2016) que ao observar o debate, afirma que os debatedores
desconhecem “a discussão em curso, já há algum tempo, sobre esse tema”.
temática. Lá foram suscitadas questões relevantes, como o que torna um filósofo “brasileiro”,
o que seria uma filosofia brasileira, e se há um estilo brasileiro no modo de fazer filosofia, quer
dizer, se teria uma unidade dentro dela e se há necessidade de tal filosofia abrasileirada. O
curioso de se notar é que a discussão foi iniciada e continuada por autores que, aparentemente,
não eram versados no assunto, se é que sabiam previamente de sua existência. Ocasionalmente,
um dos estudiosos de filosofia brasileira, um dos maiores arguidores sobre o tema, Júlio
Cabrera, se posicionou na época, juntamente com José Crisóstomo de Souza, outro versado,
chamando atenção ao fato de que o debate deve “ser posto em relação com intervenções de
longa data” (CRISÓSTOMO DE SOUZA, 2017). Já em 2017, outro autor relevante do campo,
Ronie Silveira, editor do livro Filosofia Brasileira, se posicionou também. Rafael Haddock-
Lobo, autor que iniciou o debate, posteriormente iria se dedicar a ampliá-lo e levá-lo ao grande
público através de livros e pela revista Cult18.
Outro episódio que merece atenção foi a transmissão ocorrida no Instagram oficial da
ANPOF, fazendo parte da série chamada Diálogos ANPOF, que pretende manter as atividades
no período de pandemia de 2020. No dia 1ª de junho de 2020 houve uma conversa sobre o tema
Filosofia Brasileira: desafios e perspectivas, que em resumo oferecido pela associação afirmou
que:
Nessa conversa eles discutiram sobre justiça epistêmica: por que algumas vozes são
ouvidas e outras não? Para isso, debateram como gênero e raça, por exemplo, se
relacionam à produção da Filosofia brasileira. Eles discutiram sobre formas de se ler
e de trabalhar o cânone filosófico em salas de aulas e nas pesquisas. Eles também
debateram sobre a circulação da Filosofia no Brasil: o que significa fazer filosofia
em nosso país e por que nós ouvimos e nós citamos pouco? [...] (ANPOF Oficial,
2020, grifos nossos)

Segundo a fala do palestrante, a ideia do tema teve início como uma resposta a um
episódio de injustiça epistêmica. E aqui nos interessa ressaltar algumas falas e apontamentos
que são relevantes para o atual trabalho, tais como a pergunta: “por que a gente ainda se ouve,
se leva a sério, e se discute pouco entre a gente, quais fatores por trás disso?19” e a consideração
de que talvez “a gente não se considere [...] da mesma forma que outros filósofos e filósofas de
outros lugares”. No decorrer da conversa, houve um debate relevante sobre o apagamento e
silenciamento das mulheres no contexto acadêmico filosófico brasileiro. Como “bons” filósofos

18
Em uma atitude louvável, busca uma “filosofia popular brasileira”, talvez porque a acadêmica atrapalhe o nascer
da filosofia. E também porque “essa filosofia macumbada pela política do axé tem força para enfrentar [...] a
problemática nacional - questão da identidade nacional - questão mais do que urgente e da qual toda filosofia
parece se esquivar com medo de cair nas armadilhas(eurocêntricas) do nacionalismo.” (HADDOCK-LOBO, 2020,
p.18)
19
Todas as frases transcritas para cá foram retiradas de: ANPOF, 2020. Por se tratar de uma mídia audiovisual,
literalmente todos os grifos são nossos.
no Brasil (como um dos palestrantes prefere chamar), logo no início eles demonstram o
desconhecimento do campo de filosofia brasileira ao perguntar “se é possível pensar numa
filosofia brasileira e o que é que isso significa”, mesmo usando-a como título da conversa. E
caem no falso dilema pelo nome da área, chegando a fazer uma separação linguística: “Fazer
filosofia brasileira, eu gostaria de ficar longe dessa ideia. Talvez eu pudesse ir contigo fazer
filosofia no Brasil, pensar como é, tem sido...”20.
Mas ao pensar a filosofia no Brasil e falar dos desafios internos da área, falam que a
conversa foi motivada pela imprensa colonizada, que só chamou autores europeus e
estadunidenses para opinar sobre a pandemia. Com a conversa, pretendiam expor que “a gente
precisa vencer o nosso complexo de vira-lata. A gente tem um olhar excessivamente atento
para o que está fora e estamos descuidando do nosso debate interno”. Os autores esclarecem
que injustiça epistêmica é quando a supressão epistêmica vem de fora, e que o desejável então
é chamar atenção e entender para as supressões que vem de dentro. O tema do viralatismo
apareceu logo adiante, enquanto se falava da experiência num intercâmbio. Um dos
articuladores da conversa declara: “a gente aqui no Brasil ainda se mantém nesse complexo de
vira-lata” e fala da importância que seria construir um diálogo sul-sul, se referindo aos países
do Sul Global. E prossegue enfatizando:
“O problema é que nos desvalorizamos, como colonizados que somos, o diálogo sul-
sul. E no que que deu isso? Deu nas agências, que não valorizam, absolutamente, se
você faz uma viagem pra Argentina; eles querem que a gente vá pra Europa [...] uma
publicação na Argentina não vale nada, não conta, não dá pontinho no seu currículo
Lattes, [...] ela vale se ela for na Alemanha. E aí a gente tem um problemão”. (ANPOF,
2020)

De fato, o apontamento feito demonstra assertivamente a dimensão do “problemão” que


o viralatismo causa em nossa prática filosófica, que veremos esmiuçadamente a seguir.
O aparente destaque que a evocação da “questão nacional” e da paixão pela nação
recebeu atualmente tem a ver com uma série de contextos nacionais e confluências políticas,
porém decerto as transcende. A filosofia no Brasil, por muito tempo e até hoje, se espelha na
Europa para se construir, fazendo com que alguns graduandos e até mesmo catedráticos
acreditem (mesmo sem terem consciência) que para ser filósofo é preciso dominar a história da
filosofia europeia, tal como demonstra Cabrera em seu artigo apelidado por ele de “Acervo T”.
O artigo de 2015, assim como seu título, Europeu não significa universal. Brasileiro não

20
Os “bons”, enunciado nas frases acima, denota com ironia a constatação de que filósofos brasileiros só são
brasileiros quando se negam a ser brasileiros; recorrendo a artifícios diversos para isso. Os artifícios de mudar de
artigo, esperando mudar o significado corroboram o “constrangimento e pudor linguístico” observado por Silveira
(2016, p.263).
significa nacional, é muito esclarecedor para uma introdução ao tema e à crítica à pretensa
universalidade filosófica que se expressa, curiosamente, somente no continente europeu. Na
ideia de sermos apenas replicadores de cultura europeia, muitos autores levantaram questões,
mas o “tema ganha maior visibilidade com a análise de João Cruz Costa - Contribuição à
história das ideias no Brasil” (SCHWARCZ, 1993, p.16).
A Universidade de São Paulo (USP) em 1934, abriu o primeiro departamento de
filosofia (francês a ultramar)21 em terras brasileiras. O departamento foi coordenado
inicialmente por estrangeiros, advindos de uma das ‘missões francesas’ que trouxeram pra cá
professores recém-formados e inexperientes, mas que construíram nomes e grandes biografias,
sendo o maior exemplo o antropólogo Lévi Strauss. Os professores franceses marcaram
profundamente a definição do objetivo da formação dos graduados uspianos e posteriormente
as demais graduações nacionais, já que o modelo foi incorporado para outras universidades que
abriram as portas para o curso de Filosofia. A finalidade do curso consistia em prescrever para
a graduação “objetivos de formação técnica e crítica, centrado numa abordagem analítica da
História da Filosofia, que visava a dar ao aluno instrumentos teóricos para a compreensão das
lógicas internas dos sistemas filosóficos”22. Algo que permanece vigente na maioria dos
departamentos, e que inibe a produção independente dos alunos, herdeiros de uma metodologia
que deveria ser crítica assim como os filósofos (europeus) que estudam, mas que só os torna
técnicos em comentá-las, e não em produzi-las. Ou seja, esse método de estudo prioriza o
entendimento da história da filosofia em detrimento da própria reflexão filosófica dos filósofos.
Nesse sentido, o projeto já possuía críticos logo após sua aplicação. A crítica ao
abandono da realidade23 brasileira e ao deleite exagerado com realidades e teorias filosóficas
estrangeiras pode ser observada diversas vezes dentro da nossa intelectualidade, mas tem início
nas denúncias feitas já pela primeira geração de filósofos formados no Brasil. Os franceses
acima citados tiveram como alunos os futuros docentes que coordenaram o departamento após
a saída deles. E nessa coordenação posterior estava João Cruz Costa (CC). Em sua obra
principal, Contribuição à História das Ideias no Brasil de 1956, João já relata o perfil do
estudante da época e de como sofreríamos de um “complexo de inferioridade”, que ele define

21
“Um departamento francês a ultramar”, foi assim que Foucault definiu a USP quando veio visitá-la. Paulo
Arantes (1994) se apropria disso para pôr no título de seu livro que critica o método implementado na USP pelos
franceses.
22
Veja: Histórico do departamento. Departamento de Filosofia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas. USP, São Paulo. [s.d.] Disponivel<http://www.filosofia.fflch.usp.br/departamento/historico>. Acesso
em: 26/03/2020.
23
Deve-se ressaltar que, segundo GUIDO; GALLO; KOHAN, 2013, p.114 apud WYLLYS, 2020, o método
estruturalista francês causa um duplo isolamento, o do texto no seu tempo lógico e do pesquisador para a realidade
social.
pela “mais completa e desequilibrada admiração por tudo que é estrangeiro [...] que deriva
da situação colonial em que por longo tempo vivemos” (COSTA, 1967, p.8, grifos nossos).
Também observou que sempre nos atentamos às últimas novidades estrangeiras 24, mas somos
desinteressados por nossa realidade. Apesar de suas importantes observações e de sua “mania”
de chamar atenção para o Brasil, o professor João ainda via o país com olhos depreciativos, já
que por aqui, não encontrava filosofia, no máximo filosofantes que aproveitam a tradição
filosófica herdada diletantemente de Portugal. E por isso é taxado, segundo Margutti (2018,
p.233), como “um dos maiores representantes do nosso pensamento colonizado”. Pode-se
observar bem tal dicotomia e inferioridade internalizada em sua declaração, ao se considerar
um filosofante mesmo sendo um professor de filosofia, não se considerando digno do termo
filósofo:
Desde muito cedo a minha principal preocupação foi a de chamar a atenção dos moços
para a aplicação da reflexão à realidade brasileira, como assinalou Antônio Cândido
[...]. Era, como ele diz, a minha mania. Não me foi difícil o caminho, pois a Semana
de Arte Moderna já o preparara em grande parte. Desse modo, o meu trabalho nada
teve de especulativo. Nunca fui um filósofo, mas apenas um filosofante, preocupado
com a História. (CRUZ COSTA, João. 1975, p.109, grifos do autor)

Sobre a dicotomia entre professor e filósofo, Armijos Palácios (2004, p.76) nos alerta
de “certos complexos de inferioridade incutidos culturalmente”, causados pela peste do
comentador. De acordo com ele, “devido à nossa escassa autoestima filosófica - autoestima
inexistente em muitos casos” (ibid. p.14), cremos que somos incapazes de filosofar, e assim
ficamos apenas no comentário de textos filosóficos. Nas palavras do autor: “Em suma, é o
complexo de inferioridade de muitos professores de filosofia que não querem ou não podem
filosofar, e se limitam a comentar, que impede o livre exercício do filosofar”. E nesse sentido,
“se o diplomado em filosofia, o professor de filosofia, não se atreve a exercer seu ofício de
filósofo, por temor, por sentimento de inferioridade, ou o que for, é claro que se sabe não-
filósofo e não vai desejar ser chamado desse modo” (ibid. p.71). O problema central é que como
esta peste acomete até os professores, estes passam isso para os estudantes, criando o apego às
teorias estrangeiras e uma aversão a denominação de filósofo, e por outro lado criando também
uma repulsa por filosofar autonomamente. Assim, ficamos dependentes do estrangeiro.

24
Sendo esse um “outro traço”, chamado de filoneísmo, sendo o amor(filo) + a novidade(neo) + sufixo de doença,
mania(ismo). Logo, importamos novidades filosóficas do estrangeiro acriticamente, pois inebriados com a
novidade, nosso espírito de análise se desliga, então “a novidade supria a crítica” (COSTA, 1967, p.8). Em outras
palavras, é uma praga que causa surtos e vertigens súbitas, uma “febre novidadeira de algumas cabeças-de-vento”
(ARANTES, 1994, p.20). Ou seja: o endeusamento alheio mesmo que a novidade seja ruim.
Posição bem diferente da já mencionada Semana de 1922, que é um movimento deveras
propício pois repudia a importação de consciência enlatada. A Semana de Arte Moderna foi um
marco na intelectualidade brasileira, e dela participaram autores variados: Anita Malfatti, Di
Cavalcanti, Villa-Lobos, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Posteriormente, Tarsila do
Amaral se juntou ao movimento. Um dos cartazes da Semana ilustra bem o que ela queria
provar: “Nós temos talento”, era o que dizia o cartaz de divulgação intitulado D. Quixote em S.
Paulo, que de uma forma polêmica tentava promover o movimento a partir de frases como
“Chopin era tocador de berimbau”, somente para pôr no centro de nossas preocupações o Brasil.
Uma das preocupações máximas dos agitadores do movimento modernista era a produção local
de saber, que até o momento não passava de uma simples importação. Queriam criar uma
produção local para a exportação, para que o mundo pudesse nos consumir também. No
Manifesto Pau-Brasil, de 192425, Oswald de Andrade (OA) enxerga o nosso “Brasil doutor” e
avalia que chega a ser “comovente”, “o lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos”,
o “falar difícil” e ver “a riqueza dos bailes e das frases feitas.” Mas apesar do esforço mimético,
éramos (ou somos), no entender do literato, um “país de dores anônimas, de doutores anônimos.
O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho”. Aqui Oswald
demonstra a contradição entre o nosso passado de selva (o gavião) nada moderno nem erudito
e o atual império, que é erudito até demais com seus bacharéis verborrágicos. Por conta disso,
nossos eruditos com suas importações de ideias europeias, seriam tão adequados quanto
“odaliscas no Catumbi” ou úteis como “Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia26”: imaginem
a adequação de um homem usando cartola e fraque no clima tropical da Senegâmbia ou mesmo
no Brasil. Não demora para entendermos que o autor era “contra o gabinetismo, a prática culta
da vida”, e que tal cultura era adquirida apenas dentro desses gabinetes ou bibliotecas, e não
levavam em conta o mundo em que viviam e que os cercavam. O bacharel então teria que se
modificar, segundo Oswald, e seguir as recomendações da “primeira construção brasileira no
movimento de reconstrução geral”, ou seja, do movimento Pau-Brasil. E o caminho escrito
pelas tintas do pau-brasil indicavam “uma nova perspectiva”, a da “contra a cópia, pela invenção
e pela surpresa” e do anúncio de que “qualquer esforço natural nesse sentido será bom”. Com
isso podemos lembrar de Margutti (2016) que, receoso com a recepção de trabalhos de filosofia
brasileira no atual sistema acadêmico, recomenda que a solução seria trabalhar nas fronteiras

25
Todos os enxertos do Manifesto Pau-Brasil foram tirados do livro: ANDRADE, 1972, p.5-10.
26
Formação política que ocorreu situada no clima tropical africano, de calor intenso. Assim como o Brasil, que
mesmo assim teve sua era dourada, ou Belle Époque com roupas pomposas e afrancesadas.
entre a filosofia aceita como clássica (a euronidense) e a filosofia brasileira. De qualquer forma,
uma tentativa seria necessária.
Mais adiante, no manifesto, Osvaldo27 incita uma “reação contra o assunto invasor,
diverso da finalidade”, “à cópia” e finalmente uma “reação contra todas as indigestões de
sabedoria”. Pois somente assim ficaríamos “sem reminiscências livrescas. Sem comparações
de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia”, pois essas, aparentemente, atreladas ao
gabinetismo estariam atrapalhando a produção de poesia, ou filosofia (e saberes em geral) para
exportação. De importância é notar a declaração: “A volta à especialização. Filósofos fazendo
filosofia”. Disto, a única coisa que podemos afirmar é que tais filósofos são os euronidenses,
não nós, pois somos apenas técnicos da filosofia ou filosofantes28.
Diante desse Brasil com dores e doutores desconhecidos, uma saída seria a necessária
“vacina antropofágica”, presente em sua obra mais famosa, o Manifesto Antropófago29, datado
de 1928, ou melhor, do ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha30. Lá, declarava que “a nossa
independência ainda não foi proclamada” talvez por conta de nossos intelectuais, parte das
“elites vegetais. Em comunicação com o solo”31, e não com a terra e o mundo que os rodeia,
atitude que OA é contra, bem como também é “contra todos os importadores de consciência
enlatada” e “o tédio especulativo”. Sua repulsa pela especulação deriva, ao que parece, de sua
posição favorável à “existência palpável da vida”, que vai muito além dos gabinetes e
departamentos filosóficos, onde a importação de ideias é tanta e é tão bloqueador de nossa
realidade que Oswald externaliza: “Peste dos chamados povos cultos e cristianizados” e
assegura que “é contra ela que estamos agindo”, sugerindo enfim que “suprimamos as ideias e
as outras paralisias”, já que praticando antropofagia e comendo os outros criticamente, isto é,
somente os que se demonstrem dignos de serem jantados, estaríamos indo “contra a realidade
social, vestida e opressora, [...]”. Assim, praticando uma boa deglutição antropofágica, e não
mais uma regurgitação de euronidenses indiscriminadamente, teríamos uma apropriação da
filosofia e nesse tornar-se um outro talvez, quem sabe, poderíamos sonhar com um contexto

27
Maneira como seu amigo modernista Mário de Andrade chamava Oswald de Andrade.
28
Seguindo as recomendações do método estruturalista implantado na USP por Goldschmidt, que tinha uma
“cláusula restritiva”, que é a seguinte: “deixemos a filosofia para os filósofos” como declara Arantes (1994, p.22)
29
Assim como feito com o outro manifesto, todos os enxertos do Manifesto Antropófago foram tirados do mesmo
livro, ou seja, Andrade (1972, p.13-19).
30
Rompendo com o calendário gregoriano imposto a nós pelos portugueses, Oswald cria seu próprio calendário
subversivo e põe como ano zero a morte do bispo deliciado pelos tupinambás que o cearam no ano de 1556.
31
Os vegetais têm por sinônimos adjetivos como: passivos, inativos, inoperantes, incapazes de pensamento. Algo
bastante significativo somado aos solos já que as nossas elites, de todos os séculos, são majoritariamente ligadas
a atividades agrícolas (cana de açúcar, café, algodão, tabaco e soja), pecuária (leite e carnes) e extrativas (minas
de ouro, pau-brasil e seringueiras, petróleo) mas não ao meio cultural/social. Sempre preferindo outro polo cultural.
bem diferente do atual: uma “realidade sem complexos” (ANDRADE, 1972, p. 19, grifos
nossos).
Neste sentido, Corbisier, nosso fiel interlocutor, corrobora com a visão de Oswald e de
Cruz Costa, mas aponta um mal muito mais fundamental de ser destacado. O autor concorda
com o catedrático da USP quando ratifica que a semana de 22 foi um divisor de águas no
pensamento brasileiro, pois os pensadores se afastavam de si tratando de problemas alheios:
Até 1922. queremos dizer, até a "semana de arte moderna", não há propriamente
história, mas pré-história do Brasil. Não tínhamos, até então, uma filosofia própria,
uma ciência nossa, uma arte, uma literatura e uma poesia autênticas. Não tínhamos
consciência de nós mesmos. [...] Não nos víamos com os próprios olhos, mas com os
olhos dos europeus. Tínhamos vergonha de nós mesmos, de nossa pobreza, de nossa
incultura, de nossa inferioridade. (CORBISIER, 1959, p.45, grifos nossos)

Um dos fundadores do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), grande centro


de formulação da filosofia brasileira como projeto nacional, Roland prossegue adicionando que
os pensadores ficavam “a imaginar que a atividade intelectual, a vida do espírito, consistia em
ler, traduzir, comentar e citar os autores estrangeiros, em importar ideias e problemas alheios”
(CORBISIER, 1959, p.79). Isso se deve porque “colonizado mentalmente, o intelectual
brasileiro”, mórbido, pensava com as ideias prontas que lhe vinham de fora, sem transformá-
las. Desta forma, o intelectual “conhecia por exemplo, toda a sociologia estrangeira, era capaz
de escrever tratados e dar cursos sobre essa ciência, mas era incapaz de utilizá-la como
instrumento que lhe permitisse fazer uma interpretação sociológica da vida, da realidade do
próprio país” (ibid. p. 80). Portanto, em resumo, Corbisier (1959, p.63-64) afirma que “o
‘colonialismo’ nos afetava na totalidade do nosso ser e nos reduzia à condição de receptáculo
de um conteúdo estranho”32. Posição próxima daquela por Quijano (2005), que evidencia a
relação da colonialidade com as instituições reguladoras da vida moderna, deixando justamente
o eurocentrismo como responsável de dar cabo às intersubjetividades não europeias. Nesse
sentido, como antiga colônia e atualmente submetidos às vibrações do eurocentrismo, devemos
nos atentar que esta situação de submissão ao estrangeiro em que se encontra o intelectual
brasileiro, tal qual um vira-lata que não se sente digno de nada, é bastante similar ao que acima
Palacios dizia, e Corbisier (1959, p.74) explana como “o ‘complexo de inferioridade’, problema
típico da psicologia dos povos colonizados, é suscitado nestes povos pelo projeto de dominação
dos povos imperialistas, cuja ideologia implica a tese de sua superioridade racial e cultural”.

32
É interessante notar que Corbisier põe aspas na palavra, como se o termo “colonialismo” não exprimisse
exatamente o que está se referindo. Anos depois, Quijano criou o termo colonialidade, que parece mais adequado.
Assim, podemos parafrasear a primeira linha do Manifesto Antropófago de Oswald,
dado que, nesta concepção, como veremos, só o viralatismo “nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente”33. Logo, é a “expressão mascarada de todos os
individualismos, de todos os coletivismos”, tornando-se então nossa “única lei do mundo”.
Mas, afinal, o que é viralatismo, exatamente? A seguir, discutiremos a passagem da imagem
literária do viralatismo ao seu conceito filosófico.

A imagem literária do viralatismo


O leitor há de perguntar: — “O Brasil é tão impopular no
Brasil?”. Realmente, o Brasil é muito impopular no Brasil.
(RODRIGUES,1993, p.168)

Na análise do complexo colonial ou da realidade complexada, os três paulistas não


estavam sós: o dramaturgo e jornalista esportivo pernambucano-carioca também respirava os
ares brasileiros da época. Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, observava o mesmo
fenômeno, denominando-o, porém, de ‘complexo de vira-latas’.
Conceitos, segundo Deleuze e Guattari, são criações da própria filosofia, que nascem a
partir de um conjunto de problemas, pois todo conceito remete a um problema (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p.4 et seq.). Com isso, a tarefa da filosofia é criar conceitos, tendo como
propósito destacar “um acontecimento das coisas e dos seres” (ibid., p.14). Usando as
definições de Deleuze e Guattari, concluímos que toda filosofia ou todo conceito são datados,
já que estão situados num ‘plano de imanência’ criado por cada filósofo, ou seja, situados numa
experiência no tempo e espaço (ibid., p.16 et seq). É possível notar que o conceito de viralatismo
ou complexo de vira-lata está situado em autores do sudeste brasileiro, mais especificamente
Rio de Janeiro e São Paulo34. E numa esfera temporal, há indicações35 abarcadas pelo conceito
(chamadas aqui de sintomas) que datam desde as produções da segunda metade do século XIX,
mais especificamente, no ano de 1878, com a publicação de Filosofia no Brasil, de Sílvio
Romero36. E a última obra datada que também contém sintomas não foi ainda publicada, pois
o conceito se estende até hoje, se tornando vigente mais claramente em momentos de crise. O

33
Mas nem sempre nos oprime e castra, há inúmeras tentativas de libertação, mesmo dentro desse sistema.
Inclusive, baseadas no Oswald, como é o caso de: MENDONÇA, 2017. No artigo cunha-se a sigla MUDE (Modelo
Uspiano Deu Errado). A sigla deixa um aviso e um imperativo aos filósofos.
34
Essa, inclusive, é uma crítica comum que se faz ao viralatismo. Pois, segundo alguns autores, essa seria uma
versão do brasileiro apenas ‘sudestina’, não sendo partilhada por autores de outras regiões do país.
35
Comportamentos, sentimentos, sensações, ações e outros indícios que podem ser remetidos ao complexo.
36
Por mais que alguns sintomas possam ser traçados desde as “origens” do país, em 1500, como demonstra a
genealogia do viralatismo de SCHOMMER, 2012.
termo ultimamente tem tido muita circulação em blogues, ou é erguido por jornalistas37, e
ultimamente até por economistas38.
O complexo, bem como a identidade do brasileiro, é invocado principalmente em
momentos de apogeu e crise (os frequentes 7x1 da vida brasileira), como a perda ou vitória da
Copa do Mundo. “Se vocês querem conhecer um povo, examinem o seu comportamento na
vitória e na derrota” (RODRIGUES, 1993, p.167). Assim, o complexado, o intelectual vira-lata
é volátil como o personagem conceitual, que na definição dos franceses, é algo que “aparece
em certos momentos, ou que transparece, e que parece ter uma existência fluida” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p.25), o que explica suas inconstantes evocações que vão se aglutinando às
construções da época, visto que “um conceito não surge do nada, mas de conexões com
conceitos já existentes” (SALES, 2014, p.272). Sales prossegue: os problemas que nos afetam
em nossa atual realidade são os motivadores para o nascimento do conceito. Toda filosofia “é
um diagnóstico do presente [...] a fim de superarmos as condições precárias [...] que são
justamente os nossos problemas” (Ibid., p.275). Nelson, assim como os outros autores que
veremos, expôs a realidade que o afetava. Aqui retomo o viralatismo pelo mesmo motivo, dado
que parece que o problema persiste vigente e na ativa, moldando a realidade colonial em que
vivemos.
Em 1958, apenas dois anos depois de Cruz Costa, Nelson Rodrigues (NR) publicava na
Manchete Esportiva uma crônica de três páginas, na qual expunha a causa do trauma, o
problema, suas consequências e até mesmo a solução de tal complexo. Com sua tradição de
escolher um “personagem da semana” para avaliar, Nelson escolheu a seleção brasileira de
futebol, e diagnosticou seu problema antes de ir para à Copa do Mundo de 58: a falta de fé em
si mesma, isto é, sua extrema humildade diante dos demais times seria problema suficiente para
fazê-la perder. A imagem rodriguiana tem uma formulação bem ampla: mesmo que tenha sido
criada com foco no âmbito futebolístico, pode-se aplicá-la aos mais diversos âmbitos, como o
filosófico, por exemplo. A imagem, ele mesmo formula a definição:
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se
coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e,
sobretudo, no futebol. [...] Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol,
nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O
brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar
e vender, lá na Suécia. [...] Eu vos digo: — [...]. É um problema de fé em si mesmo.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas (RODRIGUES, 1993,
p. 61, grifos nossos)

37
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o tema tem sido suscitado inúmeras vezes em diferentes mídias.
38
O livro de Batista Júnior (2019), bem como Gianetti (2018) e o artigo de Homero Junior (2017) são elaborações
recentes das consequências do complexo dentro da economia e demonstram a relevância política do tema.
Então, por tal complexo teríamos uma prática de “exaltar as próprias deficiências, numa
inversão do chamado ufanismo. Sim, amigos: — somos uns Narcisos às avessas, que cospem
na própria imagem” (RODRIGUES, 1993, p.35). Vale destacar, como nos atenta Celso Amorim
(2015), que o sujeito complexado não apenas se sente inferior, mas deseja ser inferior. Nisto
consistiria a voluntariedade do complexo de vira-latas, que o torna minimamente peculiar e até
mesmo indicando como esta mazela atinge profunda e internamente a população.
Contudo, aqui encontramos o objeto chave desse trabalho que, ao invés de tratarmos
como uma hipérbole ou figura de linguagem qualquer do cronista, trabalharemos enquanto um
conceito, sob o qual é possível interpretar o campo filosófico brasileiro; tal como é feito por
José Luiz, guardadas as devidas restrições próprias de seu campo epistemológico, na área da
sociologia (Cf. RATTON, 2004). É certo, no entanto, que a inferioridade do vira-lata se dá em
vários âmbitos da vida dos sujeitos, como veremos agora.

Os aspectos do viralatismo
Ao que parece, há uma inferiorização racial, fundada por pseudociências que Nelson
Rodrigues (1993, p.168) chama de "mito insustentável” da “saúde de vaca premiada”. As vacas
saudáveis e premiadas, seriam os euronidenses, sempre bem apresentáveis, com suas
competências inegáveis claramente advindas do seu pedigree, sua raça forte. Os brasileiros por
outro lado, ou melhor, os subdesenvolvidos não passariam de vacas mirradas e desnutridas,
mestiças e sem qualidades. O mito racial erguido como forma de garantir a superioridade e o
controle é de fato insustentável, pois é fundado em inverdades. A nuance racial fica evidente
quando lemos as “vaias ainda não cicatrizadas”, que é como Nelson relembra esses discursos
que assombram os indivíduos negros até os dias atuais. José do Patrocínio é o exemplo que
Nelson usa:
De vez em quando, eu relembro o que acontecia com o ‘Tigre da Abolição’. Nos
comícios, José do Patrocínio começava gelado de pusilanimidade. Era preciso que os
amigos, no meio da multidão, o chamassem de “negro”, “negro”, “negro” e “negro”.
E a humilhação racial o potencializava. (RODRIGUES, 1993, p.189-190, grifos
nossos)

O autor diz que diante dos louros ingleses, a nossa seleção gane de humildade, e que
jamais tinha ficado “tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo” (1993,
p.61). Fica óbvio nas passagens acima a estrita relação entre a humildade e o complexo. Mas
apesar da pele negra trazer pesos a mais para inferiorizar o sujeito, ela também cria o desejo de
revolta e a vontade de romper com aquele sistema que lhe oprime. E isso, para Nelson, é o que
define Pelé e sua fatal realeza. Ao divagar sobre o que é tal realeza, o anjo pornográfico declara:
Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. O que nós
chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais
jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. [...]
uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. (RODRIGUES,1993, p.48)

Não se sabe o que Nelson entende como “racialmente perfeito”, mas o autor parece
querer romantizar a própria negritude. O central é que notemos a “imodéstia absoluta” com a
qual Pelé desfila dentro do campo, deixando no chinelo até mesmo os criadores do esporte
inglês. O extremo contrário do viralatismo (humilde e envergonhado) é a realeza escancarada
de Pelé. O Rei Pelé é uma ótima metáfora para a superação do viralatismo, pois antes de
conquistar seu império era um menino negro e pobre, dois perfis bastante oprimidos durante o
processo colonizador. Nelson destaca a importância que tem tal postura para encarar o jogo
colonial:
Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro
time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro,
empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse
flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, [...] ninguém irá
para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.
(RODRIGUES, 1993, p.50)

Para justificar tamanha habilidade, Nelson (RODRIGUES, 1993, p.49, grifos nossos)
apela para um âmbito pessoal, já que “é preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança,
de certeza”. Na mesma página, Nelson conta que assistiu a um jogo e, do seu lado, “um
americano doente estrebuchava: — ‘Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!’. De certa
feita, foi até desmoralizante”.
Ou seja, Pelé, atuando com sua virtuosa imodéstia e sua superioridade, transcendia a
moral e a ética estabelecida. Mas que ética é essa? Tal pergunta nos remete ao próximo âmbito
que sustenta o viralatismo no país, a moral nacional. Vale lembrar, que a ética que nos foi
imposta pelos colonizadores foi a cristã.
Segundo o estudo de Jessé Souza, o viralatismo tem um sentido moral, pois foi
internalizado pelos brasileiros. Isso é expresso na máxima de que o brasileiro é naturalmente
corrupto. Para sociólogo, esse é mais um dos mitos atuais, e complementa:
A corrupção como traço cultural brasileiro serve apenas para dominar e colonizar as
pessoas, garantindo que sua inferioridade seja ‘moralizada’. Quem se acha
moralmente inferior não tem defesa possível contra seu algoz. Hoje em dia, pela ação
da repetição diária na imprensa, venal e vendida desde sempre, nas escolas e nas
universidades, essa autoconcepção vira-lata se tornou uma espécie de “segunda
pele” de todo brasileiro.” (SOUZA, 2018, p.24, grifos nossos)
E essa prática imposta ao redor de toda sociedade acaba criando o que Nelson Rodrigues
(1993, p.50) chama de “a alma dos vira-latas”, que é um aspecto político nacional do
viralatismo, dado que a moral vira-lata foi popularizada. Assim, o ‘algoz’, o colonizador, pode
invocar os valores que quiser: verdade, objetividade, justiça, que iremos acatar sem nem mesmo
questionar ou investigar. Isso inclui o que dizem sobre nós mesmos. A espetacular “humildade
insolente”, que veremos mais a frente é um dos traços principais do viralatismo. Nelson
(RODRIGUES, 1993, p.169) alerta: “No subdesenvolvido, a imparcialidade não é uma posição
crítica, mas uma sofisticação insuportável. Fingindo-se de justa”, a imprensa e os entendidos
dizem mentiras, absurdidades. Ou melhor explicando: “Com o cinismo de grande povo, o inglês
inverte magicamente tudo em seu favor. Ao passo que o brasileiro, subdesenvolvido, inverte
tudo em seu prejuízo” (ibidem, p.170). Ou seja, a imparcialidade também afeta o pensar em
países subdesenvolvidos. E mais:
Eis a opinião dos brasileiros sobre os outros brasileiros: - não temos caráter. Se ele
fosse mais compassivo, diria: - “O brasileiro é um mau-caráter”. Vocês entenderam?
O mau caráter tem caráter, mau embora, mas tem. Ao passo que, segundo meu colega,
o brasileiro não tem nenhum. [...] Essa falta de autoestima tem sido a vergonha, sim,
tem sido a desventura de todo um povo (RODRIGUES, 1993, p. 148).

Ainda dentro da alma vira-lata, Ronis de Souza (2017) indica que essa seria outra face,
uma face neutra do viralatismo. Ele aposta que, sob essa face, o brasileiro não se vê mais como
o melhor do mundo, mas também não se vê como o mais desprezível, ou seja, “Nem bom ou
ruim, nem feio ou bonito, alegre ou infeliz, apenas sem caráter”. Mas essa descaracterização
não é vista como boa por Nelson, como se observa na citação acima. Talvez porque apesar de
não se menosprezar, o sujeito também não se impõe, nem reage à situação na qual está. Pelé
não é assim, a majestade reage, se impõe diante dos desafios, ultrapassando-os. Ao assistir um
gol de Pelé, o jornalista pernambucano diz que “Foi um desses momentos em que cada um de
nós deixa de ter vergonha e passa a ter orgulho de sua condição nacional” (RODRIGUES, 1993,
p.67), demonstrando a potência do ato de agir contra tal situação.
Assim, para resumir os aspectos vistos até agora, temos: o âmbito racial, que se baseia
num falso argumento de superioridade de certas raças sobre outras; o sentido moral do
viralatismo que se forma a partir da condenação moral dos colonizadores por certos hábitos e
características dos povos colonizados; e, por fim, o aspecto político-nacional, que mobiliza os
dois anteriores comprimindo-os sobre a proclamada identidade nacional, isto é: os comprime e
os interioriza em qualquer cidadão ligado a esses países. Este último está intimamente ligado
ao Estado-Nação, e tem seus impactos mais nefastos pois sai dos âmbitos particulares e grupais
para afetar publicamente uma quantidade massiva de pessoas, tendo suas consequências em
todos os âmbitos da nação, sobretudo na produção de qualquer conhecimento.
Mas, decerto todos os três aspectos têm origem colonial. Se dando tanto pela construção
do projeto colonial moderno39, que analisaremos no decorrer do presente trabalho, quanto pela
própria obra rodriguiana. Não é à toa que Nelson fica demarcando o subdesenvolvimento ao
redor de sua obra. Usando ainda Pelé enquanto exemplo para analisar os sentidos do
viralatismo, é possível observar a colonialidade presente na recepção de suas ações
‘anticoloniais’. Ao analisar a recepção da imprensa sobre uma falta inevitável40 em campo,
Nelson conclui: “teve a reação própria do subdesenvolvido, condenou Pelé” (ibidem, p.135). A
suposição fica clara quando são observadas mais caracterizações dos brasileiros, como
podemos ver em:
Se examinarmos a nossa história individual e coletiva, esbarraremos, a cada passo,
com exemplos, inequívocos e indeléveis, de humildade. [...] Como explicar essa
instintiva, essa incontrolável tendência para a autonegação? Será o servilismo
colonial que também acometeu o futebol? Ou expulsamos de nós a alma da derrota
ou nem vale a pena competir mais. Com uma humildade assim abjeta, ninguém
consegue nem atravessar a rua, sob pena de ser atropelado por carrocinha de chicabon.
(RODRIGUES, 2013, p.27, grifos nossos)
Os nossos jogadores são tratados como se fossem estrangeiros. [...] Por aí se vê que
admiramos mais os defeitos ingleses do que as virtudes brasileiras. [...] Perguntará o
leitor, em sua espessa ingenuidade: — “O brasileiro não gosta do brasileiro?”.
Exatamente: — o brasileiro não gosta do brasileiro. Ou por outra: — o
subdesenvolvido não gosta do subdesenvolvido. Não temos sotaque, eis o mal, não
temos sotaque. [...] O que nem todos percebem é que o time nacional leva um
maravilhoso trunfo. No México, ele se sentirá muito menos estrangeiro do que aqui.
[...] Se me perguntarem o que deverá fazer a seleção para ganhar a Copa, direi,
singelamente: — “Não nos ler”. [...] O que interessa é fugir da feia e cava depressão
que dos nossos textos emana. (RODRIGUES, 1993, p. 186-189, grifos nossos)

Logo, todas essas três diferentes instâncias (a moral, a racial e a político-nacional)


poderiam ser resumidas e simplificadas em diferentes formas do que Nelson chama de
servilismo colonial. Apesar de diferentes, por afetarem de forma variada diferentes grupos,
todas elas se unem e se sobrepõem a todos os colonizados. Vale ressaltar que, relativo ao
sentimento de inferioridade ou a humildade, o termo “complexo de” é encontrado em diversos
autores, de diversos países diferentes, mudando somente o complemento. A título de exemplo,
podemos citar o estudo feito pelo mexicano Samuel Ramos (2001), que identificou o “complejo
de inferioridad” como traço definidor do povo mexicano, outro colonizado. Outros exemplos

39
Vale demarcar que a colonialidade é constitutiva da modernidade, sendo inseparáveis, segundo Mignolo (2005).
Então, o projeto moderno/civilizador europeu significa nosso sofrimento/exploração. Portanto, os âmbitos raciais,
políticos-nacionais e moralizantes se conectam, pois são elementos básicos fundantes da estrutura moderna.
40
“Refiro-me à bola dividida entre Pelé e um alemão [...]. E o dilema criado para ambos foi o seguinte: — matar
ou morrer. O alemão preferiu matar e Pelé não quis morrer.” (RODRIGUES,1993, p.135)
serão citados ao longo do trabalho, mas ao que tudo indica seria um traço compartilhado por
sociedades colonizadas, já que, ao que parece, se manifesta apenas em ex-colônias, ou seja,
corrobora a hipótese de o complexo ser advindo da colonização.
Por fim, para esgotar a metáfora de Pelé enquanto herói-modelo, podemos lembrar a
Copa de 58, o primeiro título vencido pelo time nacional que Nelson previu: a seleção não “se
inferiorizará diante de ninguém”. Essa imodéstia é o que precisamos ter ao nos defrontar com
os cânones, para podermos degluti-los antropofagicamente (isto é, servir-nos deles ou não) e
fazermos filosofia, não apenas abaixar a cabeça e babarmos de humildade. No atual modelo de
produção filosófica no Brasil, o correto e aceito institucionalmente, geralmente, é que
abaixemos a cabeça e peçamos ‘benças’ aos filósofos euronidenses, submetendo-nos a pensar
como eles, e que não utilizemos deles para pensar conosco; sendo esse último caso até mal
visto.
Por sua generalidade, o conceito literário de complexo de vira-lata permite a aplicação
à filosofia, já que o problema atinge todos os setores. Então, enquanto recorte, podemos afirmar
que estaria no âmbito intelectual filosófico brasileiro, campo de nossa pesquisa. Com isso, em
todo o trabalho, podemos nos deter no dilema shakespeariano adaptado a nossa realidade: “ser
ou não ser vira-latas, eis a questão” (RODRIGUES, 1993, p. 52). A recusa por filosofar, e sim
produzir somente análise da história da filosofia, poderia ser estudada somente pelo espectro da
frustração do Narciso, que, ao importar espelhos europeus procura enxergar uma realidade que
“claramente” não é a sua, e se cospe, se odiando.

O conceito filosófico
A analogia com Narciso não para por aí, podendo ser levada adiante sob a ótica de Ronie
Silveira (2016). Nesta perspectiva, o fenômeno da torre de marfim que a filosofia construiu no
ambiente subdesenvolvido brasileiro (somente para se afastar da realidade que encontrava)
sugere que, sendo a filosofia um produto europeu, sólido e branco, não poderia jamais se
misturar com o ambiente americano, mestiço e instável das colônias e do Brasil, tomando como
analogia uma estufa. “A maior evidência de que realmente existe uma estufa filosófica é
derivada das restrições que nós, os filósofos brasileiros, temos em falar em ‘filosofia brasileira’”
(SILVEIRA, 2016, p.1). De fato, é sabido que “a filosofia foi, no Brasil, desde os tempos da
Colônia, um luxo de alguns senhores ricos e ilustrados” (COSTA, 1967, p. 7), o que acaba
explicando o motivo pelo qual, no geral, a disciplina nunca se preocupou com o país, já que os
patrícios ricos podiam ir para a Europa, e lá se realizavam intelectual e culturalmente. Porém,
após o século XX, isso deveria ter mudado, mas persiste, o que acaba mantendo e explicando
“o motivo pelo qual alguns dos nossos patrícios esqueceram-se e ainda se esquecem, porém,
do meio que os rodeia – fascinados pelo continente de onde partiram as caravelas – que os
enfeitiça ainda com a sua cultura” (ibid., grifos nossos).
Mesmo a Academia Brasileira de Letras não é imune ao problema. Um de seus membros
ao tratar do complexo utiliza um estrangeiro estadunidense como metáfora para nos afirmarmos
positivamente enquanto vira-latas41. Mesmo a rainha da instituição, Rachel de Queiroz (1977),
utiliza uma imagem que remete muito à vergonha de si, típica do narciso às avessas. No seu
discurso de posse, após descrever um cenário em que “era o Brasil uma espécie de província
perdida, cuja capital se situava em Paris”, afirma que alguns escritores tinham “vergonha do
cativeiro”. O cativeiro, nesse sentido, podemos interpretar como a situação colonial, a posição
de submissos e existencialmente atrelados e presos à metrópole. Ampliando o cenário descrito
acima poderia ser algo a mais: a falta de liberdade que se tem quando se está em uma estufa,
limitado a poucas possibilidades e aos rígidos cuidados para não se contaminar.
Outro efeito que poderia ter a transplantação da filosofia para os trópicos foi o
sentimento de inferioridade e inapetência para produzi-la. Demorou muito até podermos
importar decentemente os livros de renomados filósofos, exploradores, aventureiros e
historiadores que os escreviam tomando-nos como assunto, geralmente tratando de nossa
selvageria, barbárie, incompetência política ou qualquer outra má qualidade inerente ao não
europeu ou ao ambiente americano. Nesses livros, seja em obras principais ou em teorias
secundárias, nós, americanos, aparecemos negativamente, mas no meio de uma discussão
relevante culturalmente (politicamente na maioria das vezes). Figuram na lista de exemplos
disso, autores e obras como do próprio Caminha, Thevet, Léry, Von Martius e até Montaigne,
que aqui aparece como uma exceção, pois não deprecia culturalmente os tupinambás que
encontrou. E filósofos ilustrados como Voltaire, que “afirma que os negros são inferiores,
posição seguida por outros filósofos iluministas”, como, “Kant, Hume, Tocqueville e Hegel”
(ANDRADE, 2017, p.305). Curiosa é essa análise de Andrade, pois demonstra o fracasso do
projeto iluminista, que previa o dom da razão a todos os humanos, mas também excluía o dom
de alguns grupos humanos pelos mais diversos motivos, racial sendo o principal. Chegando a
comparar, segundo Érico Andrade (ibidem), os negros a animais, logo os primeiros não teriam
o direito nem a capacidade de se autodeterminar, e também de determinar a imagem que têm
de si mesmos, necessitando da tutoria de outros povos para raciocinar. E com isso podemos nos
questionar, usando estes mesmos autores, se não estamos até agora no comodismo da tutela,

41
Merval Pereira (2018) se referia a autodeclaração de Obama enquanto um mutt, que ele traduziu por vira-lata.
apontada por Kant em seu famoso texto. Já que a “preguiça e a covardia são as causas pelas
quais uma tão grande parte dos homens, [...] continuem [...], de bom grado menores durante
toda a vida. [...] É tão cômodo ser menor” (KANT, 1985, p.100). Ou então, o papel do filósofo
em Hegel: “Pensar a vida, eis a tarefa!”, como relembra José Reis (2012, p.190-191), até porque
“os europeus não precisam de nós para comentar e compreender os seus textos!”.
Entretanto, a depreciação feita pelos autores não foi motivo suficiente para não sermos
influenciados por essa e outras correntes euronidenses. Mas sendo nós – indiretamente42 – os
negros (e também mestiços) que possuem tais características, seria melhor mesmo nos
mantermos longe de tal atividade pensatória43 e racional que não nos é natural; assim pensavam
os oprimidos, aqueles conscientes dessa opressão ou não. Indiretamente temos hoje,
estruturalmente, por meio de instituições como ANPOF44, ecos de tal comportamento. Ao
focalizarmos e sermos incentivados ao comentário estéril de textos, perdemos a fertilidade
caótica do chão mundano onde estão nossos pés; a cabeça não deveria pensar o que o pé não
toca. Mas nossa completa adequação ao sistema europeu e estadunidense após a
institucionalização da disciplina no país não deve ser ignorada. Isso é algo positivo, já que assim
ganhamos a possibilidade de “jogar” com os “grandes”, pois aprendemos suas regras e cultura.
O problema nessa estratégia é que já estamos fazendo isso há anos e nunca marcamos gol45. Se
quisermos continuar fora de campo, somente nos aquecendo, mas nunca jogando, tal sistema se
mostra ainda um caminho viável.
Os três autores seminais sobre o complexo, Nelson Rodrigues, Cruz Costa e Roland
Corbisier utilizam o mesmo termo psicológico, “complexo”46 para proferirem seus
“diagnósticos”. Os dois primeiros tiveram vivência com disciplina psicológica. João Cruz Costa
talvez seja, entre eles, o que mais tenha tido contato com a área da Psicologia. Estudou Medicina
antes de ingressar na Filosofia, já que pretendia ser psiquiatra, antes de aconselhado pelo grande
psicólogo George Dumas a seguir estudos em Filosofia (CRUZ COSTA, 1975, p.107). E seu

42
Geralmente o discurso racista iluminista estava focado na África, e não na América. Talvez devido ao número
de africanos trazidos para cá, poderíamos nos considerar diasporicamente.
43
Ou então a “atividade mental cerebrina” tão vigorante, a que se refere Lima Barreto (1997, p.76).
44
Pela cisão acadêmica apresentada por Margutti (2018), temos de demarcar novamente que neste trabalho as
obras analisadas são majoritariamente produzidas no seio da ANPOF e, por isso, as críticas são endereçadas a ela.
Porém, o sistema acadêmico como um todo acaba reproduzindo os erros levantados ao longo do trabalho; não
atribuiremos isso às demais instituições por questão de prudência, pois não as verificamos diretamente.
45
Obviamente já até mesmo exportamos filósofos, talvez Newton da Costa seja o exemplo mais recente, porém
ainda assim, são pouco ou nada reconhecidos em solo nacional e internacional.
46
Ao que parece, o sentido e uso que eles utilizam soa denotando uma doença psicológica, isto é, uma
psicopatologia. A utilização pode ser atribuída tanto à fama da psicanálise na época, tanto por se tratar do que de
fato é o problema.
encontro com Freud, fundador da psicanálise e utilizador primário do termo “complexo”, é
considerado por ele como um dos seus momentos marcantes, como declara em entrevista:

Vocês me perguntaram também pelos momentos de meu trabalho. Bem, nesse


momento (eu tinha de 18 para 19 anos) tive um encontro com dois autores que muito
me impressionaram e, ambos, muito preocupados com o destino (digamos assim) do
homem: Freud e Marx. (CRUZ COSTA, 1975, p.108)

Além disso, há o fato de que Cruz Costa pertencia à estrutura acadêmica, e depois da
partida do professor Maugué, foi ele quem assumiu o departamento dando aulas de Psicologia,
Ética e Lógica (CRUZ COSTA, 1975, p.108). Sua preocupação com os “interesses práticos”
do homem o levou à Medicina, “revelando assim um interesse prático pelo homem, se não por
ele, por sua saúde...” (Ibid., p.107), sendo até mesmo essa a sua resposta quando perguntado
por um projeto teórico que tivesse orientado sua obra.
E no caso de Nelson, autor abertamente contra os intelectuais47, já teria suporte pela via
do senso comum midiático, que começava a conhecer Freud, mesmo que em formas de crítica.
Mas o autor de Beijo no Asfalto acabou conhecendo o austríaco por diversos motivos relatados
por seu biógrafo, Ruy Castro, na biografia O Anjo Pornográfico. Na crítica de uma ópera do
autor Carlos de Mesquita, notamos sua proximidade com a psicanálise, pois Nelson reclamava
de a personagem ser “um ser sem complexos, sem recalques e cujas excitações são
maravilhosamente controladas e atenuadas”, e ele ainda recomenda ao maestro “que procure
adquirir uma certa cultura freudiana” (CASTRO, 1992, p.131). Ruy Castro então comenta:
É fácil imaginar o susto que Carlos de Mesquita, já velhinho e coberto de ouropéis,
deve ter levado. Estava quieto no seu canto, dedicando suas fusas e colcheias a um
mundo morto, e vinha este moleque exigir que ele compusesse para buzinas, falasse
de tarados e ainda lesse Freud! (Não que o próprio Nelson tivesse lido Freud em
1936, mas as ideias do pai da psicanálise já eram conhecidas em alguns círculos
do Rio e eram vulgarizadas pelos jornais, geralmente para serem atacadas.
Freud era então o tarado oficial.) (CASTRO, 1992, p.131, grifos nossos)

Castro (Ibidem, p.356) ainda relata a amizade de Nelson com Hélio Pellegrino,
psicanalista que desfez muitos preconceitos tidos por Nelson sobre Freud, o taradão oficial.
Principalmente quando Hélio interpretou as peças de Nelson sob o viés freudiano, tendo se
passado o mesmo caso com outros psicanalistas, como Eduardo Mascarenhas (Ibidem, p.398).
Mesmo tendo dito que detestava psicanálise (Ibid., p.271), ao formular o conceito do complexo
de vira-lata, Nelson se consagra no meio da psicologia social ao ter sua criação usada como

47
Com “postura anti-intelectual”, Nelson fez uma lista com itens que detestava, psicanalistas e sujeitos inteligentes
estavam lá. É irônica e polêmica, como ele gostava de ser. Para saber mais, veja: CASTRO,1992, p.165 e p.271.
categoria e suporte de estudo da sociedade brasileira48, até mesmo por uma psicóloga
junguiana49, e que nos ajuda na pesquisa, haja visto que:
No meio junguiano, esse complexo foi descrito também por Denise Ramos (2004),
Byington (2013) e Câmara (2013), que ratificaram a denominação dada por Nelson
Rodrigues. O termo vira-lata inspira simplicidade, passividade e pouco valor
(CÂMARA, 2013) [...]. Nós compartilhamos esse complexo de inferioridade com
outros países da América Latina, mas lá eles ganharam nomes diferentes por
conta de suas raízes históricas distintas. (NOVAES, 2016, p.11, grifos nossos)

Esses psicólogos, ao aplicarem à teoria junguiana no contexto brasileiro puderam


analisar e confirmar as alegações feitas por Roland, Cruz Costa e Nelson, já que “Jung afirma
que na origem de um complexo está um trauma” (JUNG, 1991 apud NOVAES, 2016, p. 10).
Para mais, o próprio taradão alega que termo ‘complexo’ excede a popularidade habitual da
psicanálise, e já em 1914, aponta usos exagerados e errôneos feitos pelo público:
Por outro lado, a palavra “complexo”, um termo confortável e muitas vezes
indispensável para a síntese descritiva de fatos psicológicos [...]. Nenhum outro nome
e designação que a psicanálise deveu inventar para suas necessidades alcançou tanta
popularidade nem foi sujeito a um emprego abusivo em detrimento de formações
conceituais mais precisas”. (FREUD, 1914, p. 27-28, tradução livre)

E ao relembrarmos as teses levantadas por estes autores, podemos dizer que estão de
acordo com Jung, somente atribuindo traumas diferentes: enquanto Nelson afirma que o trauma
foi a derrota da seleção brasileira na Copa de 50 para o Uruguai, Cruz Costa aposta na
colonização, posição seguida também por Corbisier. Esta última resulta mais verossímil, devido
ao impacto da colonização e suas posteriores consequências, e assim então: “O que nos parece
importante compreender é que estamos mergulhados no contexto ou na situação colonial como
os peixes na água, no sentido de que o contexto nos envolve, nos impregna, nos determina”
(CORBISIER, 1959, p.71).
Camila Novaes, no entanto, detalha as possíveis causas pelas quais o complexo de vira-
lata aflige o país, elencando quatro, no decorrer da história brasileira: “A colonização (ou
melhor, sua invasão pelos portugueses), a escravidão, a ditadura e a opressão da pobreza e da
fome. Traumas culturais são como narrativas-fantasmas, que ecoam negativamente nas
gerações seguintes” (Novaes, 2016, p.13). Nelson, diante disso, só reafirma que estão em
acordo e estaríamos todos em “um afogamento coletivo” (RODRIGUES, 1993, p.28) porque:
Cada um de nós carrega um potencial de santas humilhações hereditárias. Cada
geração transmite à seguinte todas as frustrações e misérias. No fim de certo tempo, o
brasileiro tornou-se um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a

48
Dentre outros estudos citados aqui, esse é relevante, pois associa a corrupção com o viralatismo, tese supracitada
de Jessé de Souza. Conferir: NOVAES, 2016.
49
Carl Jung foi um psicanalista suíço que desenvolveu o conceito de complexo, herdado de Freud.
verdade: - não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.
(RODRIGUES, 1995, p. 20)

Além disso, o último trauma citado por Novaes, também pode ser observado em Nelson
sob a roupagem de subdesenvolvimento (Cf. RODRIGUES, 1994, p.84 – p.96, et seq. – p.120,
et seq.), ou do colonialismo em ambos autores (Cf. CRUZ COSTA, 1967, p. 15, et seq. – p.40
et seq. – p.77 et seq. & RODRIGUES, 1994, p.144, p.153 et seq.) e em todo o livro de Corbisier,
mas a aposta da sensação de inferioridade ser compartilhada principalmente por intelectuais de
outros países latinos somente Cruz Costa faz, como indicado por Marina Massimi (2010, p.51,
grifos nossos):
Parece-nos que essa posição marca também a discussão acerca da identidade latino-
americana travada pelos intelectuais brasileiros nas primeiras décadas do século XX:
Nina Rodrigues, Tobias Barreto, Silvio Romero, Oliveira Viana, todos eles adotam a
tese da inferioridade latino-americana, nas perspectivas das teorias racistas
dominantes na época. [...] Trata-se, em suma, do que João Cruz Costa definiu
como o “complexo de inferioridade” do intelectual latino-americano.

Tais inclinações são esclarecedoras diante do diagnóstico feito por eles, no qual o
intelectual brasileiro (se não o povo em geral) padece de um mal que o impede de se debruçar
sobre si e seu país e também de que, se conhecendo, produza análises relevantes para a
sociedade, contribuindo para o afastamento do papel que atualmente a filosofia ocupa na
sociedade brasileira50. No fim, diz o anjo pornográfico, “só um Freud explicaria [...] em suma,
qualquer derrota do homem brasileiro no futebol ou fora dele” (RODRIGUES, 1993, p.30); e
como ele morreu, perdemos a bússola, então diante disso temos que criar a nossa própria.
Desta maneira com tudo o que vimos, o viralatismo enquanto conceito filosófico deve
abarcar quaisquer indícios de uma espécie de autodepreciação, uma desmoralização, humildade
exaltada, um desmerecimento de algo, uma submissão e um servilismo ao outro
voluntariamente; seja consciente dessa submissão ou não. Resumidamente, pode-se ter como
viralatismo em nossa intelectualidade aquela postura que vê as questões e problemas nacionais
como inferiores e de não merecimento de serem pensadas, apenas e justamente por serem
nacionais. Pode-se salientar que por muitas vezes, repetidas e subsequentes, os filósofos e
filósofas nacionais não atribuem dignidade filosófica às obras de seus compatriotas e às vezes
até às suas próprias. Essa é, por si, uma característica própria da atitude vira-lata que tem suas
raízes na ferida colonial. Segundo essa lógica, as únicas obras que merecem esta dignidade de

50
Filosofia é tida como uma disciplina inútil ou irrelevante por uma parte considerável da população.
análise, estudo e até resposta são apenas as importadas, até porque as obras nacionais não são
sequer conhecidas e muito menos lidas.
A designação de tais características sobre a égide do viralatismo é útil para unirmos em
um só termo as diversas manifestações coloniais que nos afligem ainda hoje. É possível
demonstrar, após fazer tal observação, diversos casos, dentre eles: notar semelhanças e
disparidades entre ex-colônias e como elas lidam com tal resquício cultural da colonização;
modos e maneiras de enfrentamento a esse complexo; a forma como tais submissões
influenciam a produção intelectual e a própria distribuição do trabalho nas colônias, sendo este
último o objeto central deste trabalho, entre outras ferramentas analíticas úteis para o
enfrentamento da vil colonialidade presente no país. Vale destacar que nesta delimitação do
conceito, tentamos evitar ao máximo uma certa tendência ao psicologismo, que seria a
imposição ou suposição de sentimentos nos atores sociais. Aqui, buscamos basear o conceito
na própria atitude dos intelectuais ao produzir suas obras, não supomos sentimentos deles ao
produzi-las.
No entanto, o complexo de vira-latas em si, bem como diz o nome, não é de fácil
definição, porém conclui-se que ele está intimamente ligado com ao menos três sentidos
constituintes da modernidade: o aspecto racial, o moral e o âmbito político-nacional, que acaba
por massificar seus efeitos para massas populacionais de cada país. Mas, no âmbito interno de
cada sujeito das antigas colônias, há um pouco do que aqui chamamos de viralatismo, já que o
viralatismo é tão fruto e consequência da colonialidade quanto a acumulação de capital dos
países ricos é produto da escravidão e do colonialismo. Decerto, este é apenas um recorte,
afinal, o fenômeno pode ser analisado de vários ângulos e ampliado por outros tantos. Porém,
merece especial atenção pois ele acaba por influir e tolher toda e qualquer produção intelectual
nos países colonizados, acarretando problemas sociais massivos nestes países e por outro lado,
impedindo ou dificultando a solução de outros. Tal processo de certa forma explica e sustenta
o mito inicial de inferioridade destes povos, os culpabilizando, ocultando da equação de culpa
a própria metrópole e os antigos colonizadores que os deixaram nesta situação. Talvez por isso
Glauber Rocha (1970) considere, de maneira muito certeira, que a destruição do complexo de
inferioridade seja o principal problema do jogo anticolonial. Conforme este trabalho explica,
lamentavelmente este tema é pouco explorado por autores dos estudos (des, pós, anti) coloniais.

Segundo tempo: o contraviralatismo


Obviamente essa posição não ficaria impune da magnífica dialética. Quando se
movimenta, o vira-lata incita o movimento contrário, e pelas graças da dialética, surge o
contraviralatismo, que seria essa antítese do vira-lata e extremamente contrário a suas
depreciações. A caracterização do colonizado (Cf. RODRIGUES, 1994, p.123) que NR e CC
escolheram criticar, assume caráter peculiar entre os intelectuais das mais diversas épocas que,
como veremos mais à frente, depreciavam o "espírito brasileiro” e, não sem motivo, como
desvenda Marcelino Silva:
Por trás desse sentimento de inferioridade do brasileiro, havia toda uma tradição de
pensamento que, baseando-se em uma valorização da cultura e da composição
étnica europeia, enxergava na impureza racial e cultural da sociedade brasileira a raiz
de seus males e a causa de seu fracasso nos diversos campos da atividade civilizada.
(SILVA, 1997, p. 72, grifos nossos)

Posturas contraviralatas são aquelas que não disfarçam o caráter inicialmente


dependente e desigual do país anteriormente colonizado, mas as enfrentam pensando suas
problemáticas, não apenas reclamando da situação e buscando possíveis culpados, nem as
taxando de problemas inferiores ou impróprios para investigação, mas sim tentando
compreender sua profundidade e procurando formas de libertação daquela situação. A ação
básica de um contraviralata é não retirar a dignidade filosófica de uma obra apenas por se tratar
da obra de um conterrâneo, ou então por ter sua origem no Sul Global. Desde o início da
filosofia brasileira, autores das mais diversas áreas e ideologias marcaram sua presença, se
posicionando contra o abjeto viralatismo. Até hoje, inclusive com os filósofos autodeclarados
brasileiros, isto é, os quais não têm vergonha de seu local de origem e de sua função de filósofo.
Viralatismo e contraviralatismo não estão ligados ao ufanismo. É necessário analisar
criticamente a situação da obra e do autor, não tendo vieses anteriores. Como característica
exemplar dessa não correlação com o ufanismo, Monteiro Lobato pode ser tido como um
contraviralata ao agir em prol do país, mas ao mesmo tempo, como veremos adiante, agiu como
um vira-lata em grande parte de sua vida, com as portas de sua mente escancaradamente abertas
à colonialidade estadunidense. Nesse sentido também se vê limitações nos conceitos, já que
eles se aplicam a posicionamentos e consequentemente às obras que capturam tais posturas
diante das questões.
Como um exemplo de contraviralata, Corbisier por sua vez fundou o Instituto Superior
de Estudos Brasileiros, ISEB, um grupo que apesar do pouco tempo de existência reuniu autores
(Jaguaribe, Sodré, Reale, Vieira Pinto, Guerreiro Ramos) que fomentam até hoje importantes
discussões domésticas sobre nossa nação. São questões talvez ainda pertinentes justamente por
terem sido ignoradas durante todo esse tempo, assim como o próprio tema do viralatismo.
Atualmente, este processo é erguido por uma pequena legião de filósofos e outros intelectuais
que tentam, à sua maneira, se rebelar contra o sistema que, felizmente, não os castrou por
completo nem os alienou da realidade nacional e “subdesenvolvida”. Vejamos agora
posicionamentos comuns de nossa história intelectual, para que fique clara a influência de tais
conceitos.

As ciências brasileiras
O primeiro a defender o Brasil diretamente, até mesmo internacionalmente das críticas
que recebia, foi Manoel Bomfim, segundo Massimi (2010, p.51). Ele é autor de diversos livros
escritos somente com o intuito de rebater as críticas que o país recebia. Professor Bomfim
adentra a bibliografia como um excelente contraponto ao intelectual depreciador, e como
rebatedor das posturas deterministas. Não negando o nosso atraso, indica que: “Sofremos, nesse
momento, uma inferioridade, é verdade, relativamente aos outros povos cultos. É a ignorância,
é a falta de preparo e de educação para o progresso – eis a inferioridade efetiva; mas ela é
curável, facilmente curável” (Bomfim apud Aguiar, 2000 p. 190). Psiquiatra, com particular
vivência com os estudos biológicos, Bomfim em seus diversos livros conceitua o “parasitismo
social”, conceito “que está associado ao sistema colonizador implementado pela colonização
ibérica das Américas” e se traduz em “viver às custas de iniquidades e extorsões” como um
parasita. Por este motivo, segundo Neves (2014, p.1), a referida obra é em si um “discurso de
resistência às nações parasitárias.” Com isso, Manoel, assim como outros autores nesse
trabalho, indica as consequências deixadas pelo colonialismo que sofremos, e ainda conecta a
superação deles por meio de uma exposição desses resultados coloniais ao que chama de
“histórico”51, uma averiguação de causas para tais efeitos. Nosso trabalho pretende colaborar
com essa função para o problema do viralatismo, já que, sob análise bomfiniana:
A cura depende, em grande parte, da importância desse “histórico”, principalmente
quando as condições presentes são relativamente favoráveis, [...] se não tivesse contra
si uma herança funesta. Então, num tal caso, o empenho do clínico é dirigido, todo,
não contra o meio atual, pois que este é propício – mas contra o passado, para vencê-
lo e eliminá-la. [...] é nesse passado, nas condições de formação das nacionalidades
sul-americanas, que reside a verdadeira causa das suas perturbações atuais[...].
Procedamos como procederia um sociólogo avisado; analisemos esse passado, e
vejamos até que ponto por ele se explicam os vícios atuais, até que ponto tais vícios
derivam da herança e educação recebida. (BOMFIM, 2008, p.18-19)

Com o mesmo intuito que Bomfim, Roquete Pinto também foi um médico que batalhou
para se quebrar o mito da superioridade racial das “raças puras”. Apesar de eugenista, o autor
não depreciava seu povo, muito pelo contrário, foi um dos divulgadores, senão o maior
divulgador científico do país. Agiu para educar a maior quantidade de pessoas. Em um escrito,

51
Algo como um histórico médico, necessário de ser levado em conta em análises profundas ao fazer um laudo.
é possível observar que mesmo utilizando critérios racistas, como “povos fortes”, equipara-os
aos mestiços nacionais, contribuindo com a discussão dentre os intelectuais:
Tudo quanto se tem apurado, no laboratório de antropologia do Museu Nacional,
confirma [...] a nossa população mestiça, quando sã, não apresenta nenhum caráter de
degeneração física ou psíquica. [...] não denunciam absolutamente nenhuma
inferioridade biológica. Quanto ao que raça pode dar como energia moral [...] são o
melhor instrumento de que ela não fica a dever nada aos povos fortes.
(ROQUETTE-PINTO, 1927, p. 202, grifos nossos)

Porém, apesar de se dedicarem a isso, nenhum dos dois autores acima teve tanta
influência como a de Paulo Prado. Rico, influente nos meios intelectuais, Prado apesar de
estimular a produção intelectual nacional52, mantinha-se convicto da incapacidade absoluta
nacional. A convicção é tamanha que figura no subtítulo de seu livro: Ensaio sobre a tristeza
brasileira; remetendo a música de Jobim evocada no começo deste trabalho, “A felicidade”. O
livro, no entanto, corrobora as discrepantes diferenças entre os retratos do Brasil. Para ele, o
que tínhamos de bom, era importado, o que confrontava a visão que temos de nós, criando uma
constatação paradoxal:
Nesta terra, em que quase tudo dá, importamos tudo: das modas de Paris – ideias
e vestidos – ao cabo de vassoura e ao palito. Transplantados, são quase nulos os focos
de reação intelectual e artística. Passa pelas alfândegas tudo que constitui as bênçãos
da civilização: saúde, bem-estar material, conhecimentos, prazeres, admirações, senso
estético. (PRADO, 2001, p. 204, grifos nossos)

Em contrapartida, Alberto Guerreiro Ramos foi o sociólogo negro responsável por


colocar em pauta, corretamente53, o problema do negro brasileiro. Em toda sua obra busca
desfazer os erros e abandonos que sofreu a população negra no país, para com isso atingir e
resolver seu objetivo maior, o problema nacional, que para ele seria resolvido pela integração
de todos os brasileiros. Guerreiro Ramos se preocupava em como a importação deliberada de
padrões poderia afetar o desenvolvimento e a população. Ao analisar o poder que a Europa
exerceu sobre sociedades não europeias, define um processo e suas consequências: “o processo
de europeização do mundo tem abalado os alicerces das culturas que alcança. [...] promove,
nestas últimas, manifestações patológicas” (GUERREIRO RAMOS, 1954, p.24), e prossegue
argumentando:
Ora, o Brasil, como uma sociedade europeizada, não escapa, quanto à estética social,
à patologia coletiva acima descrita. O brasileiro, em geral, e, especialmente, o
letrado, adere psicologicamente a um padrão estético europeu [...]. Isto é verdade,
tanto com referência ao brasileiro de cor como ao claro - Este fato de nossa psicologia
coletiva é, do ponto de vista da ciência social, de caráter patológico, exatamente

52
Participou e financiou a Semana de Arte Moderna, ou Semana de 22.
53
Em O problema do negro na sociologia brasileira de 1954, tenta corrigir a maneira como o povo negro (e
mestiço) foi analisado erroneamente por outros autores relevantes na sociologia da época.
porque traduz a adoção de um critério artificial, estranho à vida, para a avaliação [...].
Trata-se, aqui, de um caso de alienação que consiste em renunciar à indução de
critérios locais ou regionais de julgamento [...], por subserviência inconsciente a um
prestígio exterior. O que explica, portanto, esse ‘problema’ de nossa ciência social é
uma alienação, uma forma mórbida de psicologia coletiva, a patologia social do
brasileiro (GUERREIRO RAMOS,1954, p.25, grifos nossos)

Guerreiro Ramos trabalha na construção de um diagnóstico para o brasileiro e elenca


problemas como a “falta de suficiência da comunidade, de autodesprezo, de um sentimento
coletivo de inferioridade, da renúncia de critérios naturais de vida, em benefício de critérios
artificiais, dogmáticos ou abstratos” (GUERREIRO RAMOS, 1959, p.26). Independentemente
do que sejam tais “critérios naturais da vida”, foquemos na descrição dos sintomas, que são
completamente compatíveis com o complexo listado por Nelson Rodrigues, Roland Corbisier
e Cruz Costa. Atentemos, no entanto, a tal “insuficiência comunitária”, que poderia ser um
apontamento para entendermos as causas pelas quais o campo filosófico brasileiro não constitui
uma tradição, e até mesmo porque os filósofos brasileiros sobrevivem sem muita colaboração
e coesão em suas práticas. O que se encontra são pequenos grupos que se reúnem em volta de
determinado assunto (e.g. existencialismo ou filosofia moderna) ou autor (euronidense, claro)
que produzem pesquisas, em sua maioria sob um aspecto diferente dentro do assunto estipulado,
não havendo muitas obras coletivas e colaborativas entre os filósofos, salvo exceção as
temáticas54.
Outro intelectual, já mais próximo da filosofia que também nos interessa para análise
do viralatismo foi Silvio Romero. Romero foi pioneiro em estudar filosofia no Brasil, mas
também ao analisar relações sociais no país, principalmente no âmbito racial. Mesmo tendo
aderido as eugenias vigentes no século XIX e dito que a miscigenação era um fator de
inconstância moral da população (ROMERO apud GUERREIRO RAMOS, 1959, p.6), não
cedeu a importação de categorias para analisar o contexto local, tendo ousado usar a própria
cabeça para analisar as relações entre os países conquistados e os colonizadores, almejando uma
emancipação dos negros, como apontado por Guerreiro Ramos (1959, p.6 et seq.). Nas palavras
de Ramos, Romero se esforçou para:
[...] induzir da realidade brasileira os critérios de investigação do ‘problema’ do negro.
Graças a isto, identificou o sentimento de – ‘vergonha’ da camada letrada pelas
origens raciais da população e inclinou-se pela busca de uma solução desta
inautenticidade. [...] assinalou a deficiência fundamental dos estudiosos: a adoção
literal de categorias europeias, das quais suspeitou com fundamento. Aliás, Silvio
Romero, em toda sua obra, principalmente em sua famosa História da Literatura
Brasileira (1a edição, 1888), acentuou o caráter inautêntico da cultura brasileira,

54
Pode-se questionar se há isso na filosofia mundial, ou se os debates que os nossos comentadores produzem não
se aproximam disso. Contudo, felizmente parece haver uma mudança em ação, obras coletivas têm surgido.
decorrente da prática intensiva e extensiva de transplantação. (GUERREIRO
RAMOS, 1954, p.7)

Não sendo suficiente isso, Silvio Romero ainda lastimava, segundo Lilia Moritz, a
“‘pouca originalidade da cultura brasileira’ e apontava a ‘cópia’ como uma pista, um sinal
revelador de nosso maior mal: ‘Essa mania de passar pelo que não somos’” (ROMERO,
1910, apud SCHWARCZ, 1994, p. 2, grifos nossos). Assim, cabe perguntar, que mania é essa?

As letras brasileiras
No meio intelectual e literário, há uma “velha praga”55 que faz com que os exemplos
tanto na literatura quanto na crítica literária e obras intelectuais indiquem uma depreciação pelo
Brasil e até uma adoração desequilibrada por outro país, às vezes até no mesmo livro.
Geralmente esse posicionamento está acompanhado por um abandono do contexto nacional,
somente sendo usado para criticá-lo, e não construtivamente. Mas também há intelectuais que
ufanam até demais o país que os cerca, passando a delirar em cima do concreto. Aqui faremos
uma análise de autores que corroboram as teses acima levantadas, não necessariamente
afirmando, nominalmente, o conceito de viralatismo, ou o negando, mas contendo sintomas
valiosos para o diagnóstico vira-lata.
A “inconstância constante” apontada como uma de nossas características56 se torna
vigente em alguns casos. Um dos maiores símbolos e epítomes de um completo vira-lata (que
se torna alguém que se importa com a realidade nacional) é o famoso escritor paulista José
Monteiro Lobato. Ele era adepto da eugenia vigente na época, chegando até mesmo a defender
a Ku-Klux-Klan, grupo estadunidense57 famoso por suas posições racistas. Em uma carta
de 1928, o autor reclama do Brasil:
País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan, é país
perdido para altos destinos [...] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos
aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, [...], e sempre
demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva. (LOBATO
apud DIAS, 2013)

O atraso brasileiro foi por muito tempo sustentado “cientificamente”. A teoria eugenista
é uma doutrina pseudocientífica e determinista, pelo fato de atribuir o sucesso ou fracasso de

55
Título de uma famosa carta de Lobato, na qual destaca a ignorância e o abandono do caboclo nacional. É um
protótipo do Urupês. Lá, se inspirando no indigenismo de Alencar, faz o mesmo com o caboclo, porém, ao invés
de exceder suas virtudes como Alencar fez com o indígena, ressalta os defeitos do caboclo.
56
Antônio de Vieira (2001, p. 422) diz que os indígenas brasileiros são “a mais bruta, a mais ingrata, a mais
inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo”, o que reverbera na literatura.
57
País pelo qual as babas bovinas de Lobato molhavam sua gravata.
um povo e nação por suas características raciais ou geográficas (por exemplo, em condições
climáticas, afirmavam que o frio favorecia a razão e o calor a preguiça: imagine-se o clima
tropical...), o que fazia com que seus adeptos brasileiros, no geral, só vissem salvação para os
males nacionais em uma solução: a miscigenação com raças brancas, tornando assim o país
menos negro e então digno de alguma saída da situação de atraso. Como cita Schwarcz 58: “O
Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução”
(LACERDA apud SCHWARCZ, 1993, p.11).
Tal teoria era aceita pela maioria dos intelectuais da época, composta majoritariamente
por juristas e médicos59. Lobato compartilhou sua distinção ao expor sua opinião através de
uma personagem no livro O presidente negro, de 1926, que contrariando os contemporâneos e
dialogando com a ideologia da época, assume-se mais pessimista e vê no plano que estavam
desenvolvendo os eugenistas do século XIX uma “solução medíocre”, como podemos observar:
Não acho, disse ela. A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças, fundindo-
as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selvagem e o branco
sofreu a inevitável piora de caráter, consequente a todos os cruzamentos entre raças
díspares. (LOBATO, 2019, p.65.)

Há representações de Lobato, famosas por serem bastante racistas e racialistas60, como


Tia Nastácia e Tio Barnabé, personagens mais centrais em sua obra. A saga racista de Monteiro
Lobato avançou, chegando até mesmo a ter contatos com obras de Renato Kehl, um famoso
eugenista da época. E em um texto onde o usa de interlocutor, Lobato despeja seu viralatismo
geograficamente justificado dizendo que:
Temos literatura; ciência quase nenhuma. O esforço disciplinado que a ciência pede
não condiz com o nosso temperamento de povo tropical, tão mais amigo da rua que
dos interiores. A rua é literária e a ciência só germina no recesso silencioso dos
gabinetes e laboratórios – instituições nitidamente peculiares aos climas frios. Como
pode medrar a meditação, o estudo longo, numa terra em que o calor constantemente
nos toca para a rua – para o ar livre? Falta na obra de R. Kehl uma página sobre a
função do frio no desenvolvimento da ciência e da atitude científica... (LOBATO,
Monteiro, 1957b, p.81.)

E justamente nesse interlocutor, o tema da falta de orgulho nacional também aparece


numa obra clássica de eugenia. Conclui-se então que os sintomas de viralatismo estão presentes

58
Sobre a difusão das teorias deterministas do ambiente e da raça no séc. XIX, ver: SCHWARCZ, 1993.
59
As faculdades só foram construídas com a vinda dos colonos para cá. As faculdades de Medicina datam da fuga
da família real para o Brasil, em 1808. Com isso, há a fundação da Faculdade de Medicina da Bahia e do Rio de
Janeiro. E por volta de 1827 é fundada a Faculdade de Direito de Olinda e de São Paulo. Mas a primeira instituição
de ensino superior no Brasil foi do curso de Engenharia Militar no Arsenal de Marinha, em 1797.
60
Para entender a confusão racial em Lobato e saber mais sobre, ver: LAJOLO, 1998.
nas diversas ideologias. Podemos observar, em certa passagem de Renato Kehl, passos para um
reaparecimento:
Eis aí, senhores, o que poderia dizer sobre a Eugenia no Brasil. Numa terra grandiosa,
bela e rica como a nossa, tudo nos impõe o dever de sermos otimistas, otimistas no
bom sentido devemos frisar. Precisamos, portanto, nos congregar sob a bandeira de
um ideal comum, para torná-la cada vez mais próspera e feliz. O ideal máximo seria
o da regeneração eugênica do nosso povo – regeneração esta que pressupõe saúde,
paz, justiça e educação. Precisamos vê-lo sob uma administração moralizadora e
sinceramente patriótica. Só então poderemos ter maior orgulho de sermos
brasileiros. (KEHL, 1929, p. 58, grifos nossos)

Sua eugenia e a posterior transição para ‘nacionalista’ fica evidente em sua literatura
com outros dois personagens que marcam bem ambas posições de Lobato. O primeiro da época
eugênica é Jéca Tatu, um caboclo, uma espécie degenerada que não sabe fazer nada além de
destruir o terreno em que vive, um ser desnecessário, um “funesto parasita da terra [...], um
homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra
das zonas fronteiriças. À medida que o progresso vem chegando[...], vai ele refugindo em
silêncio, com o seu cachorro” (LOBATO, 1957a, p.271), e que também servia de “símbolo de
preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e
embotamento" (PALMA, 2006). O cachorro, é claro, assim como o próprio caboclo não podia
deixar de ser mestiço, ou seja, vira-lata. Ainda sobre a falta de inaptidão, até mesmo mental de
Jeca, Lobato ao descrever a preparação do personagem para produzir qualquer ideia que seja,
diz que é preciso “sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destrava a língua e a
inteligência. Não vê que... De pé ou sentado, as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não
há de dizer coisa com coisa.” (LOBATO, 1957a, p.169). Seguindo esta ideia, imaginem se para
um ‘Jeca filósofo’ seria possível filosofar em alemão61, ou mesmo em brasileiro.
Mas conforme seu interesse pela realidade nacional aumentou, as campanhas do
movimento sanitarista62 (em alta no momento), começam a ter influência sobre Lobato,
levando-o a ter contato com diversas pesquisas sobre saúde pública, de cientistas como Artur
Neiva e Belisário Pena, ambos do laboratório de Manguinhos. Isso o faz rever sua teoria,
adquirindo uma cultura da higiene63, modificando o Jeca Tatu, que agora era uma vítima de
muitas coisas, mas principalmente da fome, miséria e de doenças, que lhe acentuavam a falta
de apoio do governo, que somente o abandonava, se tornando um ser sem acesso a nada. Ele

61
Referência a uma questão suscitada por Caetano Veloso na música Língua, em que diz: “se você tem uma ideia
incrível é melhor fazer uma canção/ está provado que só é possível filosofar em alemão” (VELOSO, 2003, p. 291),
brincando com a tese imperialista heideggeriana.
62
Sobre o sanitarismo no Brasil, ver: HOCHMAN; LIMA, 1996.
63
A respeito da questão da higiene, mudança ocorrida no final do séc. XIX, ver: CHALHOUB, 1996.
agora era um trabalhador sem-terra, inimigo do 'latifúndio', demonstrando que o atraso era um
problema político (ou de classe), e não racial. E com isso chegamos no segundo personagem,
Jeca foi transmutado no seu outro-eu, mais evoluído, o Zé Brasil. Afonso Schmidt comentando
tal mudança, observa que:
Começou pelo “Jeca Tatu”, acabou pelo “Zé Brasil”. Entre ambos, há um curso de
evolução política que durou quarenta anos. Vai da simples constatação das nossas
deficiências à proclamação formal da luta entre o latifundiário Tatuira e o coitado do
Zé Brasil, descalço, subalimentado, opilado, analfabeto, sem vintém, sem um palmo
de chão, sem direito e sem liberdade. Esse incrível Zé Brasil que é perseguido e
humilhado pelos Tatuiras nacionais e estrangeiros, pelos que o exploram, pelos que
lhe arrebatam a terra, o ferro, o petróleo, o trabalho e tudo aquilo — que é
indiscutivelmente seu — mas que ele ainda não tem forças para defender.
(SCHMIDT, 1948, p. 300)

Zé (ou Jeca) agora é um coitado, vítima basicamente do contexto social. É a aparente


melhora da caricatura do povo brasileiro, demonstrando que há alguma salvação para os males
nacionais. Tal proximidade com a medicina fez com que sua eugenia fosse transmutada em um
higienismo, doutrina também vigente na época, segundo a qual toda a massa de caboclos
analfabetos poderia ser salva, se fosse saneada, higienizada e limpa, e tivesse acesso a
saneamento básico e alimentação para um bom desenvolvimento. Lobato é um ótimo exemplo
pois mudou de um eugenista vira-lata que depreciava o Brasil sem salvação enquanto babava
pelos EUA, para alguém que se importa com a realidade nacional e se empenha para melhorá-
la, tornando-se um dos maiores incentivadores de ciência para o povo e, consequentemente, a
sua modernização, agindo em prol do país e crendo em sua salvação e seu progresso ao
“esclarecimento”. Nesse sentido, caso fossem recortadas as obras iniciais, Lobato
indiscutivelmente age enquanto vira-lata, porém, em suas últimas obras, age como um
contraviralata pois tenta defender o “Brasil” da exploração estrangeira. Apesar de exemplificar
uma trajetória curiosa do viralatismo, Lobato não responde à pergunta levantada acima sobre
qual mania que nos assume e nos faz querer ser outros. E como já adentramos no campo
literário, podemos ver um romance famoso na área.

Bovarismo brasileiro: Entre a literatura e a filosofia?


O romance Madame Bovary de Gustave Flaubert retrata o dilema de querer e de fingir
ser algo que não é. Algo que seria exatamente o problema do viralatismo e até mesmo do
colonizado, que sonha em ser colonizador. No livro, a personagem que o nomeia, Emma Bovary
depois de ter se idealizado vivendo uma vida assim como das mulheres dos livros romanescos
que lia, investe suas forças em fingir ser algo a mais do que de fato é: esposa de um médico
medíocre. Essa é a introdução da psicanalista Maria Rita Kehl (2018, p.13), mas o fenômeno
de bovarismo já é amplamente conhecido, devido à conceituação do termo feita por Jules
Gaultier, psicólogo e filósofo que tomou o bovarismo como característica paranoica, ou seja,
delirante do sujeito moderno. O romance bem como o conceito foram aproveitados e bem
aclimatados ao contexto nacional intelectual, devido às diversas apropriações brasileiras64.
Sendo essenciais, segundo Maria de Carvalho (2012, p.7) para autores já citados, como Paulo
Prado65, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto Schwarz e até mesmo Paulo Arantes.
Após uma defesa de que o bovarismo seria uma característica definidora do sujeito
moderno, Kehl lembra que o traço foi citado até mesmo por um de nossos primeiros
historiadores do pensamento nacional. Sérgio Buarque ao reviver as críticas feitas ao império,
lembra que o império teria sido responsável por difundir um “bovarismo nacional, grotesco e
sensaborão” e alerta que não devemos esquecer “de que o mal não diminuiu com o tempo”
(HOLANDA apud KEHL, 2018, p. 18). O alerta é relevante pois foi no tempo do império que
se difundiu a imagem do intelectual bacharelesco e verborrágico. Mas o problema do bovarismo
não fica somente na esfera do indivíduo somente, obviamente se espalha para o meio social.
“Foi provavelmente Lima Barreto o primeiro artista a transportar para a crítica literária
brasileira o conceito de bovarismo” (CARVALHO, 2012, p.2). Afonso Lima Barreto também
denunciou “os comportamentos cotidianos de impostura” na realidade brasileira, ao fazer
resenha sobre o livro de Gaultier, conforme apontado por Maria de Carvalho e Maria Rita Kehl
(2018, p.18). Além disso, ele é um autor importante para nossa argumentação enquanto também
denuncia a característica tragicômica de nossos intelectuais. Em Triste Fim de Policarpo
Quaresma, o personagem principal é um nacionalista de carteirinha, que buscando nossas
raízes, fala até mesmo tupi e incorpora ações dos nativos tupinambás na sociedade moderna. O
personagem dedica sua vida ao país, porém como aponta Carvalho (2012, p.7), “o Brasil que
ele conhecia, fechado em seu gabinete, era um país que lhe fora ensinado pelos livros. Obrigado
a confrontar o país real com a pátria imaginária, Policarpo se desencanta”, revelando o desajuste
existente entre o intelectual (nesse caso, uma exceção já que é ufanista e idealista e não vira-
lata europeizado) e a sociedade que o cerca. Um cuidado que temos que ter pois, mesmo ao ler
nossos autores66, não podemos abdicar da vivência no mundo. Policarpo produz passagens

64
Conferir a esse respeito as obras que fazem um mapeamento dessa recepção, como a obra: DALVI, 2016 e
também CARVALHO, 2012.
65
Esse autor admite a existência de um “bovarismo paulista” (PRADO, 2001, p. 184), não sendo sem razão, o
estado mais moderno do país. Corroborando a tese de modernidade/colonialidade de Mignolo.
66
Nas palavras do autor, o intelectual “vivia imerso no seu sonho, incubado e mantido vivo pelo calor dos livros.
[...] os grandes estudiosos, os sábios e inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as
donzelas das poesias de outras épocas” (BARRETO, 1997, p.50).
interessantes67, como quando o personagem observa que “tornava-se [...] preciso arranjar
alguma coisa própria, original, uma criação da nossa terra e dos nossos ares”, pois tentava uma
“reforma, a emancipação de um povo”, o brasileiro. Mas logo lhe alertam sobre essa busca que
estava empreendendo: “É possível que isto seja muito brasileiro, mas é bem triste”. O intelectual
então, decepcionado, exclama: “Entre nós [...] não se leva a sério essas tentativas nacionais,
mas, na Europa, todos respeitam e auxiliam”.
Em Os Bruzundangas, Lima Barreto cria uma sociedade parodiada do Brasil do começo
do começo do século XX. Não ao acaso, utiliza um estrangeiro que de passagem à Bruzundanga,
a descreve. No livro, ele descreve a sociedade em tópicos, e em cada tópico definia como ela
era. E ao falar dos sábios de Bruzundanga, que entre parênteses demonstrava a que o tópico
estava “a desenvolver”, Lima Barreto já nos diz muito, ou talvez o suficiente sobre a figura do
intelectual do país, quando afirma que:
“É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais autores estrangeiros [...] Não é, como
se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre para aumentá-lo com
os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em tal país.
Sábio, é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros.
Houve um que, quando morreu, não se pôde vender-lhe a biblioteca, pois todos os
livros estavam mutilados. Ele cortava-lhes as páginas para pregar no papel em que
escrevia os trechos que citava e evitar a tarefa maçante de os copiar.
Há mais de século que se estudam nas suas escolas superiores, as altas ciências;
entretanto os sábios da Bruzundanga não têm contribuído com cousa alguma para o
avanço delas. (BARRETO, 1922, p. 64)

O “fato de nosso sistema intelectual ter sido caracterizado, desde sua legitimação, pelo
‘receio de ser original’” (CARVALHO ,2012, p.7) faz com que os sábios façam “um relatório
deste tamanho e nada dizem” (BARRETO,1922, p.21). A posição é similar à de Gomes (1994,
p.14) afirmando que se continuarmos com esse tipo de prática filosófica no Brasil, nada
poderemos “dizer de importante, que importe”. O nosso sistema e ensino colonial ainda ativos
seriam então um dos responsáveis por nosso viralatismo. Maria de Carvalho se utiliza dos
estudos de Luís Costa Lima sobre a obra de Barreto e aponta as raízes de nosso servilismo
colonial:
A consequência mais perversa desse estado de coisas foi impedir, mesmo após a
independência política do Brasil, o livre desenvolvimento de discursos e construções
epistemológicas realmente emancipadas, já que, segundo Costa Lima, “não ser capaz
de teorizar significa, no melhor dos casos, adaptar, e, no caso normal, manter um
estatuto colonial” (LIMA, 1981, p. 15 apud Carvalho, 2012, p.7)

67
Faremos, a seguir, um recorte de passagens que se encontram em: BARRETO, 1997, p.34-37.
Este argumento é similar ao de Kehl ao afirmar que as sociedades periféricas do
capitalismo (Brasil sendo uma delas) tomam as revoluções industriais e burguesas europeias
como referência, o que tem como consequência na relação delas (centro e periferia) que o
periférico passa necessariamente pela fantasia de torna-se um outro, pois assim, atingiria a
suposta modernização. Mas diferente de ter atingido tais objetivos, nessas sociedades teve efeito
contrário. Nas palavras da autora:
O bovarismo dos países periféricos não favoreceu sua modernização; pelo contrário,
sempre inibiu e obscureceu a busca de caminhos próprios, emancipatórios, capazes de
resolver as contradições próprias de sua posição no cenário internacional – a começar
pela dependência em relação aos países ricos. Se a forma predominante do
bovarismo brasileiro consiste em nos tomarmos sempre por não brasileiros
(portugueses no século XVIII, ingleses ou franceses no XIX, norte-americanos no
XX), nossa melhor literatura também tem seu personagem bovarista: é Rubião
(KEHL, 2015, p.20, grifos nossos)

No romance machadiano Quincas Borba, quem dá nome ao livro é, não casualmente,


um filósofo. Conhecemos muito pouco do filósofo no livro, já que quem é o protagonista é seu
herdeiro, Rubião, um antigo professor e agora influente capitalista. Mas ao que sabemos,
Joaquim Borba dos Santos, foi o criador de uma “singular filosofia. Era homem de muito saber,
e cansava-se em batalhar contra esse pessimismo amarelo e enfezado” (ASSIS, 1994, p.11). Na
página seguinte descobrimos que ele era um homem “a quem se atribuía uma peleja filosófica”;
em nossos termos, podemos fazer um paralelo com o jogo colonial já falado, até porque tal
pessimismo é uma das características do viralatismo. E o complexo aflige a todos, mesmo “um
dos maiores homens do tempo, - superior aos seus patrícios” (ibidem, p.124), somente variando
a forma que reagimos a ele. Essa questão de influenciar a todos é um comportamento similar
ao da filosofia criada por Joaquim, chamado carinhosamente de Quincas. O humanitismo é um
princípio que atinge todo ser vivente, ou melhor: “uma verdade que nas cousas anda, que mora
no visível e invisível” (ASSIS, 1994, p.6). E esse princípio, nada mais do que a luta pela vida,
e é resumido na máxima: “Ao vencedor as batatas”, mas para consegui-las tem que haver
esforço, tem que haver luta. A peleja é irrevogável porque “humanitas precisa comer” (ibidem).
A fome é quase antropofágica, comendo o que pode para poder aproveitar em sua vivência.
Porém, por outro lado, como Machado (1994, p.39) deixou claro: “Rubião não era
filósofo”. Ele não compreende a filosofia criada por seu amigo e nem tem sequer a capacidade
de desdenhar das filosofias em geral (ibidem, p.5). Mas, contrariamente, é tido como um
filósofo por seus amigos, ou seja, é como um filósofo farsante, um não filósofo. É curioso notar
que a postura de Rubião é bem próxima da postura observada por Ronie Silveira (2016), que
descreve que os filósofos brasileiros se fecham em uma estufa, isolados da sociedade. Notamos
isso na passagem: “Estranhavam alguns que ele não tratasse nunca de filosofia, mas a lenda
explicava esse silêncio pelo próprio método filosófico do mestre, que consistia em ensinar
somente aos homens de boa vontade” (ibidem, p.124). A incompreensão de Rubião da teoria
criada por seu amigo é propícia para introduzirmos um conceito que também se coaduna ao que
aqui chamamos viralatismo.
Há na literatura (e talvez nos intelectuais em geral também) o “mal-estar da cópia” que
o mestre da crítica literária brasileira, Roberto Schwarz define como:
esse sentimento negativo que temos em relação à produção nacional e a concomitante
necessidade de cobrar uma certa singularidade local. É como se cada geração
intelectual tivesse de “passar a limpo” tudo que foi feito no passado e recomeçar do
zero; ou, como bem disse lvan Lessa, “a cada dez anos esquecer o que se passou na
última década (SCHWARZ, 1987 apud SCHWARCZ, 1994, p.2).

Schwarz inovou ao ler Machado de Assis e interpretá-lo como um autor denunciador


das fatalidades e abusos da época, e não como um autor conservador como era tido antes.
Machado de Assis é, indiscutivelmente, nosso maior literato-filósofo68 e assim como todos
citados nesse trabalho não poderia deixar de fazer sua diagnose da produção intelectual.
Na “Teoria do medalhão”69, Machado vai além. Sua crônica se baseia na conversa franca
de um pai aconselhando o filho. Janjão, o filho, acabará de maturar, e tinha todas as qualidades
e virtudes necessárias para se tornar um medalhão famoso e ilustre. E os conselhos do pai se
direcionam a um “que-fazer” da vida para ser exitoso enquanto medalhão. Aqui tomaremos o
medalhão como nossos ilustres (desconhecidos) filosofantes nacionais. Já que assim como
Janjão, parecem aptos.
Mas quais são as virtudes necessárias para ser medalhão? Obviamente, a mais “perfeita
inópia mental”, seja pela fidelidade com que repetes o que escutam (ou leem), o que indica
“certa carência de ideias”, quanto a se adequar para caber nas roupas e ideologias mais vistosas
que acabam de serem importadas; a aparência é importante. Ter também cuidado com as ideias,
mas “melhor será não as ter absolutamente”. Deve-se abafa-las e escondê-las até a morte. E
Machado afirma que há os medalhões completos e incompletos; a distinção se dá na forma
como lidam quando são atingidos por ideias próprias.
Os medalhões completos, se enchem de verborragia e mergulham em um “regime
debilitante, ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc”. E jamais andam só, já que

68
Sobre o lado filósofo, infelizmente pouco explorado de Machado, há diversos artigos, inclusive de autores
expressivos como Sérgio Buarque de Holanda e Miguel Reale. Também há livros: MAIA, 2007 e MARTINS,
2017.
69
Assim como feito com Oswald de Andrade, os enxertos foram retirados de: ASSIS, 2019, p.101-108.
“a solidão é oficina de ideias”. Por isso, sempre visitam gabinetes e departamentos, pois lá, se
encontrará companheiros para não interrogar diretamente, mas só compartir opiniões e assim,
“setenta e cinco por cento desses estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e tal
monotonia é grandemente saudável. Com este regime durante oito, dez, dezoito meses –
suponhamos dois anos – reduzes o intelecto, [...] à disciplina”. Imagine com quatro anos de
formação inclinada nesta disciplina, o pai de Janjão estaria orgulhoso do regime “especulativo”
de nossas graduações e doutorados. E aconselha:
Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é
de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de
agradecimento. [...]. Alguns costumam renovar o sabor de uma citação intercalando-
a numa frase nova, original e bela, mas não te aconselho esse artifício: seria
desnaturar-lhe as graças vetustas. Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não
passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas
consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e pública. Essas fórmulas
têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil. [...] (ASSIS, 2019, p.104)

Logo, dentro dessa “arte difícil de pensar o pensado” as terminologias devem ser usadas,
mas com certeza esvaziadas de sentido. Na arte de pensar, a filosofia não poderia ficar de fora,
e quanto a isso o diálogo abaixo poderia ser uma recomendação do próprio sistema acadêmico-
filosófico brasileiro:
- Nenhuma filosofia?
- Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da
história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com frequência, mas
proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por
outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc. (ASSIS,
2019, p.107, grifos nossos)

A metafísica é bem vista pelos medalhões, pois é “mais fácil e mais atraente”, “não
obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado,
formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória”. E por fim, Machado por
seu interlocutor enfatiza, pleno: “Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao
canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por
Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não.” Este é
o fim do manual para ser um completo medalhão, havendo somente uma consideração sobre o
próprio manual, nas palavras de um pai amoroso: “Rumina bem o que te disse, meu filho.
Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Maquiavel”.
O filósofo Henry Junior (2018)70 se utiliza da obra machadiana para também analisar a
prática filosófica no Brasil. E declara que aqui não há medalhões completos, o que por mais
que possa chocar (devido a semelhança na descrição acima), justifica o lugar comum na
filosofia brasileira de não considerar os nossos autores antigos como filósofos, dando uma série
de outros títulos a eles71. Ele se utiliza da frase de Machado: “com os suspiros de uma geração
é que se amassam as esperanças de outra”, ou seja, tentamos sempre superar nossos
antepassados, copiando de melhor maneira a cultura euronidense do que nosso orientador fez,
pois, a proibição ao pensar autonomamente tem que ser mantida: ideias somente as de outros!
Acresce-se a isso uma clausura: tem que ser pensado pelos euronidenses.
O autor, como um excelente discípulo do bruxo do Cosme velho, se mantém longe da
ironia, afirmando o seguinte: “não existe uma filosofia brasileira, caso contrário não se
perguntaria tanto por ela. Então, copistas são o que de mais original conseguimos produzir nessa
área?”. Henry nos diz que os copistas se tornaram o “medalhão da filosofia, com doutorado
e tudo” e declara que há medalhões-filósofos para todos os gostos e de todas as idades. E mais:
‘fulano poderia ter sido um grande filósofo, se quisesse, mas não quis’ – enquanto
isso, nós criamos uma tradição de comentários dos comentadores desses filósofos,
além de mantermos a atenção voltada para toda a tradição metafísica, que também
tem entre nós grandes especialistas. Se nós ‘amassamos as esperanças’ das gerações
anteriores? Nem isso, porque à medida que a filosofia brasileira – sempre a
universitária, pois tudo o que está fora dela e que poderia ser considerado um
exercício filosófico não existe para quem normatiza a área – era sucedida por
novas gerações, o único amasso produzido era da qualidade, cada vez mais superficial,
cada vez mais tateante, até o lugar onde estamos hoje, quando produzimos uma
quantidade abundante de artigos em geral irrelevantes. (BURNETT JUNIOR, 2018)

Logo, a transgressão moral de pensar por conta própria não é nem cogitada. Considere:
Mas como poderiam fazer diferente, se hoje um bom pesquisador é aquele que se
ocupa principalmente de coisas sérias72, profundas, conceituais e ocultas, mas
somente as tradicionais? Ter ideias autônomas passaria por enfrentar a menoridade do
lugar onde brotariam essas ideias, mas e se o lugar envergonha o medalhão, e se os
problemas tacanhos de paisinho deslocado não são dignos de consideração intelectual
[...] Melhor é abafá-las [...] seria uma filosofia pobrinha. (BURNETT JUNIOR, 2018)

Por fim, o autor pondera: os copistas “orientandos assumem mediunicamente o carma


de seus orientadores, que por sua vez incorporaram as grandes cisões históricas da filosofia

70
Por ser um extenso artigo online, iremos destacar os enxertos sem referenciar as páginas, porém todas podem
ser encontradas em: BURNETT JUNIOR, 2018.
71
“Pensador” é a mais usada ultimamente; sendo uma forma de apagar a competência acadêmica/filosófica do
autor(a). Somos um país de muitos pensadores, mas nenhum filósofo? Eles pensaram o que? Mas também outros
termos, como diletante ou filosofante, como faz Cruz Costa.
72
De acordo com Gomes (1994, p.12) sérias são aquelas “coisas que vêm sendo discutidas na Sorbonne, em
Oxford, publicadas em Paris ou Berlim, apresentadas em congressos”. Assim a forma séria de expor o discurso
surge sempre lá fora, sendo importada.
tradicional, e assim todos se sentem continuadores desse monumental legado”. E dessa forma,
sempre tentaremos ser mais “medalhões que nossos orientadores, entre os quais alguns que
ousaram se deixar afligir por ideias próprias”. Então, nessa busca de se adequar melhor ao
sistema castrador que deu lugar a nossos orientadores (por vezes, felizmente, um medalhão
incompleto, isto é, ousa pensar apesar do sistema limitante) tenta-se ser um medalhão completo,
o que explica o desejo de ser mais filosofante73 a cada nova geração, rebaixando os antigos
filósofos compatriotas no processo. Palacios (2004, p.18) enfatiza que são acadêmicos
posteriores que se colocam “numa situação de inferioridade com relação aos filósofos clássicos,
mas de superioridade com relação a seus contemporâneos”, criando então um “amasso” ainda
maior na história da filosofia brasileira.
Com isso, a história da filosofia no Brasil se torna pobre, principalmente porque ficamos
sem filósofos “maiores”, dado que todos que existem (e que se sabe da existência) são
rechaçados por seus próximos. E os nomes sem marcas negativas são poucos, o que não é algo
ruim, deve-se criticar imensamente nossos filósofos e também os outros. Porém, o que define e
encerra o motivo para deixar de estudar um filósofo? Por hora, mesmo Heidegger, simpatizante
dos nazistas e os muitos outros nomes racistas da história da filosofia não deixaram de ser
estudados por isso, mas isso se dá por um motivo. Claro que por conta dos “quilos de medo”
que se faz a tradição (BURNETT JUNIOR, 2018), mas também porque seu pensamento e obra
não se esvaziam diante disso. Porém os filósofos no Brasil sequer sabem o que os filósofos
entre nós produziram, sobre o que falaram e quão ruim ou boa é sua obra. Apenas os apagam.
Voltando ao mote central, como um aluno que fuzila tanto o sistema onde obteve sua
formação quanto seus professores, Paulo Arantes (1993, p.37) continua e ainda ergue a
discussão de que existe um bovarismo filosófico. Segundo ele, existe um medo do ridículo, um
“sentimento íntimo de impropriedade que chegava a assumir a forma de auto desmoralização
preventiva” e que atingiria mais aqueles que eram mais sensíveis “ao vírus do falso rigor”, ou
seja, aqueles que tinham timidez técnica especulativa, fazendo história da filosofia e não
filosofando. Arantes afirma que Cruz Costa convivia com este vírus-doença e a “trazia à flor da
pele”; o que explica talvez, porque o baluarte uspiano se considera um filosofante e não um
filósofo, já que seria “impróprio”. É importante observar que a desmoralização presente nesta
descrição está plenamente conectada com o aspecto moral do viralatismo.
Como é sabido, um dos lugares comuns de nossa tradição cultural concerne o caráter
progressista do interesse pelo assunto nacional, via de regra (a da condição periférica

73
Isto é, um(a) copista de alto nível.
do país) mascarado pela cortina de fumaça da novidade metropolitana, consumida sem
critério pelo bovarismo das elites divorciadas do país real (ARANTES, 1993, p.90)74.

Paulo Arantes (1996, p.15) declara ainda que Cruz Costa, sendo “gordo e baixinho”75
não tem porte físico para ser um filósofo maior, sobraria então o tamanho fluminense do Brasil.
“Ora, tudo está em saber o que seja essa medida diminuída, esse 'tamanho fluminense'
em que se reconhece a marca do país. Porque será menor” (SCHWARZ, 2000, p.68). O autor
explica que o tamanho fluminense resulta da questão irresolvida de duas ideologias diversas,
tendo sua causa na vigência e no sentido prejudicado e esvaziado que tinham as ideologias
europeias deslocadas para o Brasil, em outras palavras, “nada é mais brasileiro que esta
literatura mal-resolvida” (SCHWARZ, 2000, p.70)76. As duas ideologias seriam a cultura
importada e a local. Assim, nas letras brasileiras temos a combinação da forma europeia e
matéria local, o que tem por conclusão um “resultado precário da combinação de forma
europeia e matéria local, que resulta engraçado. Substituindo o primeiro efeito, rebaixado a
elemento, aparece um segundo, diverso e desabusado, cuja graça está nas desgraças do
primeiro”. Isto seria útil, de acordo com Roberto Schwarz, para demonstrar o quão impróprio
as ideologias europeias são entre nós. Logo, o tamanho fluminense é algo “nacionalista e
imitativo”, sempre demarcando a “referência transatlântica”, transoceânica.
Mas será possível fazer algo nacional sem ser imitativo? É óbvio que sim, tanto é que
já foi e está sendo feito. A questão parece estar em desapegar dos modelos e teóricos
euronidenses. Quanto a isso, vale reforçar que se aplica até mesmo a autores que aspirem
criticar o eurocentrismo. Grosfoguel expõe a percepção e o desconforto que ocorreu ao notar
que mesmo entre autores focados em criticar o eurocentrismo e a modernidade imperialista
europeia, estes aspirantes preferiam epistemologicamente utilizar autores ocidentais. Logo:
Os seus membros subestimaram, na sua obra, as perspectivas étnico-raciais oriundas
da região, dando preferência sobretudo a pensadores ocidentais. Isto está relacionado
com o segundo aspecto que queria salientar: os latino-americanistas deram preferência
epistemológica ao que chamaram “os quatro cavaleiros do Apocalipse”. [...] Ao
preferirem pensadores ocidentais como principal instrumento teórico, traíram o seu
objetivo de produzir estudos subalternos. (GROSFOGUEL, 2008, p.116)

74
O divórcio das elites se deve ao apartamento da realidade, como foi explicado anteriormente.
75
Diante disso cabe o questionamento: teria o gênio filosófico um critério estético, selecionando em quem vai
encarnar? Se sim, isso explicaria o porquê de somente estudarmos homens brancos durante a graduação.
76
É curioso notar que Schwarz (op.cit. p.70) está analisando a obra de José Alencar, ícone da literatura nacional e
nacionalista, e Alencar usa o tamanho fluminense como defesa para as críticas que recebeu. Interpretando a
submissão como um acerto na imitação, e não um defeito de composição, de imenso valor mimético, como realça
o autor.
Ou seja, o uso desses autores constrangeu e limitou a crítica produzida. Quais seriam os
quatro cavaleiros que assombram e reprimem a produção filosófica no Brasil? Sequer se sabe.
Mas desta maneira, ainda que existam filósofos nacionais tentando pensar em nossa
situação, são produções em sua maioria pouco ambiciosas (na “radicalidade da sua crítica”) ou
então pouco contundentes, já que como desterrados em sua própria casa, os filósofos optam
“por fazer estudos sobre a perspectiva subalterna, em vez de os produzir com essa perspectiva
e a partir dela” (GROSFOGUEL, ibidem). Não assumindo uma característica local, ou então,
com a licença da última flor de lácio77: não se permitindo ser aonde está. Então há uma extrema
necessidade de expandir o cânone filosófico, até então vazio ou paupérrimo de autores não
euronidenses.
Arantes, Schwarz e Grosfoguel têm em comum uma crítica lúcida ao sistema-mundo
capitalista que segrega os países explorados e ex-colonizados para as margens. E ao dissertar
sobre a “globalização perversa” que se impõe ao mundo contemporâneo, Milton Santos, o
geógrafo (e filósofo) elabora as limitações dessa globalização. Debruçando-se sobre a
racionalidade dominante até então, ou seja, o “racionalismo europeu, que é o bisavô das ideias
de racionalismo tecnocrático hoje dominantes” (SANTOS, 2003, p.60). Ele declara o que
considera ser um fato: a “realização cada vez mais densa do processo de globalização enseja o
caldeamento, ainda que elementar, das filosofias produzidas nos diversos continentes, em
detrimento do racionalismo europeu” (ibidem). Ou seja, para ele, as “outras formas de
racionalidade” produzidas pelos países periféricos, que “são produzidas e mantidas pelos que
estão ‘embaixo’, sobretudo os pobres [...] conseguem escapar ao totalitarismo da racionalidade
dominante” (ibidem, p.59) e assim, num futuro, irão superá-lo. Uma filosofia desde a baixo para
chegar ao topo, não parece nada ruim.
Por fim, ao encerrar a explícita literatice, fiquemos com a já famosa e esplêndida frase:
Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra que nos
exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos,
ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõe, ninguém as tomará do
esquecimento, descaso ou compreensão. Ninguém, além de nós, poderá dar vida a
essas tentativas muitas vezes débeis, outras vezes fortes, sempre tocantes, em que os
homens do passado, no fundo de uma terra inculta, em meio a uma aclimação penosa
da cultura europeia, procuravam estilizar para nós, seus descendentes, os sentimentos
que experimentavam, as observações que faziam – dos quais se formavam os nossos
(CANDIDO, 1975, p. 10).

77
Em outras palavras: aproveitando a diferença entre ser e estar possível na língua portuguesa.
Apito final: O jogo só acaba quando termina
Por fim, Frantz Fanon, autor basilar nos estudos descoloniais78 também nos ajuda a
entender o complexo de inferioridade do colonizado, termo que ele especificamente utiliza
(veja: FANON, 1968, p.74). Ao escrever o livro Os Condenados da Terra, Fanon analisa como
funciona a relação colonizador-colonizado nos mais diversos âmbitos, e nos esclarece como se
dá o controle e o domínio da população ocupada pelo invasor. O martinicano, ao tratar do
domínio colonial e de como esse se impõe obliterando a cultura do colonizado declara que
particularmente: “o intelectual lança-se freneticamente na aquisição furiosa da cultura do
ocupante, tendo o cuidado de caracterizar pejorativamente sua cultura nacional, ou encastela-
se na enumeração circunstanciada, metódica, passional e rapidamente estéril dessa cultura”
(FANON, 1968, p.198, grifos nossos) e mais adiante, na mesma página, afirma que “envidam-
se todos os esforços para levar o colonizado a confessar a inferioridade de sua cultura”. Tais
declarações nos fazem lembrar da torre de marfim que se enclausurou a filosofia no Brasil,
depois de os filósofos e os intelectuais depreciarem ao máximo a cultura e povo local.
Mas o guerrilheiro intelectual deixa um fio de esperança para esses intelectuais
colonizados. Com instrumentos psiquiátricos, analisa uma possibilidade de emancipação, algo
que precisamos, como já vimos. Dissertando sobre o método terapêutico de Fanon, Thiago
Sapede afirma que:
Em outras palavras, na medida em que um sistema de injustiças é internalizado por
sua ‘vítima’, ele se torna parte dela e só pode ser terapeuticamente tratado se vinculado
pela ação do sujeito. O indivíduo, portanto, para a psicanálise, só pode superar uma
questão (patológica, por exemplo) que está em si, na medida em que se responsabiliza
por ela. (SAPEDE, 2011, p.51-52)

Talvez este seja um caminho para nos emanciparmos do jugo colonial; inclusive, devido
a nosso hábito de querer aprovação euronidense, creio que é relevante ressaltar que esta é uma
solução digna de aprovação kantiana. Então, nos conscientizando de nossa situação de
colonizados, tomando as rédeas de nossa formação, podemos assim interromper o ciclo vicioso
e ao que parece viciante (vide a longa permanência) de depreciar-nos. Isto em todos os âmbitos
possíveis e imagináveis, já que como espero ter deixado claro, o viralatismo se instaura em
todos os aspectos da vida do colonizado, impactando profundamente e particularmente a vida
intelectual. Logo, o viralatismo em análise expõe e põe em questão toda a construção do
conhecimento no Sul Global e demais locais colonizados.

78
O apreço pelo termo descoloniais e não decoloniais segue recomendação de Margutti (2018, p.235, et seq) que
expõe que no termo decolonial, se esconde “um anglicismo disfarçado em neologismo”, o que acarreta num
desrespeito de “nossa grafia em benefício de uma grafia estrangeira”.
No entanto, insisto que devemos tomar cuidado com a tendência de ver nossas questões
como inferiores pois é possível que, embora cientes da existência de tal comportamento, não
pensemos que somos atingidos por ele. Isto é: os filósofos e filósofas de países colonizados não
se veem enquanto vira-latas, na maior parte do tempo por não saberem ou não darem bola para
tais problemáticas tidas por eles como menores, e assim acabam perpetuando a postura para as
outras gerações. A isso equivale dizer: o complexo de inferioridade, tal qual outros dispositivos
coloniais se adequaram muito bem a nossa realidade e são sofisticados o suficiente para
passarem despercebidos. E aí justamente que está sua letalidade. Matando lentamente e
suprimindo a intelectualidade dos países coloniais é que se mantém o dispositivo operante.
Devido ao nosso passado colonial, o dispositivo da colonialidade é, sem dúvidas,
fundamentalmente estruturante (no sentido de continuar operante) como se pode comprovar
pela escassa lista de filósofos não euronidenses conhecidos pela maioria dos estudantes de
filosofia de todo o mundo. Quer dizer, supondo que esta ‘lista’ tenha mais do que três nomes.
Por estarmos demasiado apegados aos modelos e teóricos euronidenses, torna-se mais
complicado ainda nos enxergarmos e vermos nossos problemas.
No Brasil, o modo de ensino e o sistema de valoração (ainda colonial) é um dos
mecanismos usados para fomentar o viralatismo. São tolhidas e taxadas de achismos ou
devaneios qualquer tentativa de filosofar. Aparentemente, foi definido previamente que no
Brasil só se produziria comentários de história da filosofia (especialmente a europeia) e
qualquer tentativa que escape a isso é duramente massacrada. Geralmente, há somente uma
forma certa e aceita de filosofia, a de comentários, que é extremamente acadêmica79, e isso é
um grave problema. Os que sustentam essa única maneira, ao que tudo indica, não sabem que
a filosofia é, como o ser, que se diz de muitas formas, e todas devem ser ponderadas e criticadas
por seus conteúdos. Pois até onde se sabe, é assim que fizemos filosofia até agora, criticando
as obras e ponderando sobre as opiniões alheias. Porém, por outro lado, além das formas de
conteúdo filosófico, há uma extrema necessidade de expandir também o cânone filosófico. Seria
incrível a filosofia no Brasil sair da universidade para tomar um arzinho, uma vez que não se
pode esquecer das vivências. Apesar de parecer utópico, dada as artimanhas e arapucas do
viralatismo narradas no decorrer do trabalho, isso é possível, tal como espero ter ficado claro
ao leitor deste trabalho.
Um último ponto que merece atenção novamente é o apontamento de Nelson Rodrigues
(1993, p.169) a respeito de que “no subdesenvolvido, a imparcialidade não é uma posição

79
O que rejeita outros formatos de escrita ou produção em geral. Sócrates e Platão jamais se graduariam em nossas
universidades dado que um nada escreveu e o outro apenas escrevia e filosofava em diálogos.
crítica”. Aqui, interpreto imparcialidade por não tomar partido nessa disputa secular entre
colonizadores e colonizados. E de fato, ao tentar escapar da dicotomia, geralmente se aproxima
da alienação; situação de inúmeros colegas de profissão que não se perguntam nem o porquê
não conhecem os filósofos e as filósofas de seu país. E esse desconhecimento não é sem razão,
há um apagamento e ocultamento sistemático de filósofos não canônicos, entre eles, os
brasileiros. Nesse sentido, a alienação da “imparcialidade” pode ser prejudicial ao filosofar nos
países anteriormente colonizados. Conforme aponta Cabrera, no caso latinamericano, o
filosofar deve se impor contra aquilo que impede seu surgimento:
o pensamento desde América latina é insurgente, e [...] será insurgente ou não será
(ou continuará não sendo); ele não pode simplesmente surgir, mas deve insurgir-
se contra tudo aquilo que o impede de surgir. Se a nossa situação inicial de
dependência e resistência for escondida ou mascarada, e teimarmos em tentar fazer
surgir a filosofia desde América Latina nos próprios termos do colonizador, como
‘contribuições’ aos 25 séculos de pensamento europeu, então, simplesmente, nunca
surgiremos. Para surgir, temos que criar as condições de nossa visualização como
pensadores a partir da nossa própria história, que é, precisamente, uma história de
dominação e resistência. (CABRERA, 2015, p.6, grifos nossos)

Ao nos alienar, acabamos por ocultar que o problema existe, situação de muitos dentro
da comunidade filosófica brasileira, como atesta o próprio Cabrera (2013, p.79): “Nenhum
problema, e, portanto, nenhuma necessidade de solução. Solucionar o quê, se tudo está tão
bem...?”80. Mas viabilizar uma solução para o problema ainda é algo distante, porém estudar as
bases do fundo buraco no qual nos encontramos pode mostrar alguns elementos úteis para isso.
Não tratar nossas questões, aquelas que emergem de nosso cotidiano, como problemáticas
menores é um caminho que parece produtivo para esses primeiros passos. Produzir filosofia
justamente a partir e com essa perspectiva (e não apenas sobre ela) também pode ajudar.
Cabrera (ibidem) impõe um dilema que também pode ser capaz de produzir mudanças e resume
a questão dos filósofos e filósofas brasileiras diante do viralatismo e das demais artimanhas da
colonialidade: “O que preferes ser: um grande comentador ou um pequeno filósofo?”.
Mas apesar do dilema, o jogo só acaba quando termina, e a tensão colonial está longe
de acabar. É bem provável que o viralatismo não esgote o sentimento depreciativo da
intelectualidade brasileira e subdesenvolvida em geral. Mas pode ajudar a entendê-la,
principalmente enquanto uma ferramenta de análise para as obras produzidas justamente por tal
intelectualidade. E por intelectualidade me refiro a todas as áreas de conhecimento, não só a
filosofia, e nem só obras expressas textualmente.

80
Os constantes ataques dos mais diversos tipos (inutilidade, ad hominem aos estudantes pelo ministro da
educação, entre outros danos) que sofre a disciplina de filosofia na história do país podem ter relação com o
abandono do contexto, apesar de obviamente ter diversos motivos.
A colonialidade é bastante complexa e multifacetada, e neste trabalho nos focamos em
apenas um dos sentidos possíveis dela: o complexo de inferioridade. Contudo, ainda restam
muitas outras facetas para serem exploradas. Espero que este trabalho possa servir de apoio e
estímulo para fomentar questões não resolvidas, como a seguinte: seria possível haver uma
colonialidade interna no Brasil (país continental) que possa fazer por exemplo nordestinos
serem complexados por sudestinos? Letícia Cesarino (2017, p.86-87) explana a respeito do
assunto. A suposição de que os países subdesenvolvidos sofrem com o viralatismo, de maneira
similar como o Brasil, realmente se sustenta e se aplica a todos os países ex-colônias? Como
fica, por exemplo, o caso de colônias não exploratórias? Como podemos, na prática, despertar
os filósofos do Brasil desse mal que aqui foi explorado? A filosofia produzida fora da academia
e, portanto, longe dos sistemas de disciplinamento estará liberta do viralatismo? Ou ainda assim
carregará mazelas? O além do homem nietzschiano (muito estudado por aqui, mas pouquíssimo
aplicado), aquele que estaria apto para cessar o ressentimento da colonização, o mesmo que é
capaz de mergulhar dentro de si e encontrar a potência necessária para jogar, criar e filosofar,
um ser além do vira-lata, poderia nos ajudar a transgredir as amarras morais do viralatismo?
Todas essas são questões que podem emergir e urge responder.
Agradecimentos
Gostaria de encerrar este trabalho agradecendo primeiramente ao meu orientador
Fernando Bonadia, pelas inúmeras vezes que me forneceu suporte, correções e incentivos. Mas
também e principalmente por ter me ensinado a transgredir. E ainda no Departamento de Teoria
e Planejamento de Ensino do Instituto de Educação da UFRRJ, agradeço ao mestre Bruno
Bahia, professor que me convenceu a permanecer no curso de Filosofia e tornou possível a
jornada que agora tem seu encerramento ritualístico.
Segundamente, devo dizer que sou grato aos componentes da banca da apresentação
desta monografia. Independentemente do resultado desta partida, aprecio o tempo e dedicação
empregados na análise deste trabalho. Obrigado por terem aceitado fazer parte disso.
Por fim, mas nem um pouco menos importante, gostaria de agradecer também a todos
os professores do Departamento de Filosofia da UFRRJ, pois cada um à sua maneira me deu
incentivos e técnicas para a criação deste trabalho. Especialmente, preciso agradecer:
Ao professor Admar Costa, que com seu domínio sobre o conteúdo conseguiu me
encantar com as relações entre Platão e situações cotidianas, equilibrando eximiamente o estudo
do texto e a análise da vida.
Ao professor Francisco de Moraes, que com seus argumentos e gargalhadas em nossas
trocas habituais se tornou um grande interlocutor, moldando definitivamente o professor e o
filósofo que me tornei.
À professora Nelma Medeiros, que foi a primeira pessoa a me atentar que nossos
“pensadores” podem e devem pensar sem um parâmetro europeu, e sozinhos já produzem
filosofia. Postura que impactou completamente minha formação, e a quem sou encarecidamente
grato por ter me dado a chave para sair da prisão do eurocentrismo.
Aos professores Renato Valois e Robinson Guitarrari, que juntos me ensinaram a ler e
analisar cuidadosamente o pensamento dos autores, o que me ajudou imensamente a chegar
aonde cheguei. Particularmente, porque tendo recebido o método estruturalista de forma
magnífica, consegui perceber suas qualidades e seus perigos, para então poder reagir.

Por outro lado, não só academicamente vive o homem e por isso, muito deste trabalho
também carrega minha vida afetiva e dessa maneira necessito explicitar minha gratidão para
com minha família e meus amigos. Sobretudo aos amigos que se reuniam nas mesas para
jogar conversas e baralhos, e encarnavam o espírito dionisíaco enquanto filosofávamos ébrios.
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