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INSTITUTO DE FILOSOFIA NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS

ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA DA CONQUISTA


________________________________________________________________
CÉLIO BARBOSA DA SILVA

A TRANSCEDÊNCIA HUMANA NAS CATEGORIAS DE CORPO,


PSIQUISMO E ESPÍRITO EM LIMA VAZ

VITÓRIA DA CONQUISTA
2022
INSTITUTO DE FILOSOFIA NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS
CURSO DE FILOSOFIA
________________________________________________________________
CÉLIO BARBOSA DA SILVA

A TRANSCEDÊNCIA HUMANA NAS CATEGORIAS DE


CORPO, PSIQUISMO E ESPÍRITO EM LIMA VAZ

Trabalho monográfico apresentado ao Instituto de


Filosofia Nossa Senhora Vitórias (IFNSV) da
Arquidiocese de Vitória da Conquista como requisito
para aprovação na disciplina de orientação Monográfica
e como exigência parcial para a obtenção do certificado
de Conclusão do Curso de Filosofia.

Orientador: xxxxxx.

VITÓRIA DA CONQUISTA - BA
2022
CÉLIO BARBOSA DA SILVA

A TRANSCEDÊNCIA HUMANA NAS CATEGORIAS DE


CORPO, PSIQUISMO E ESPÍRITO EM LIMA VAZ

BANCA EXAMINADORA

____________________________________
Orientador: xxxxxxxxx

____________________________________
Examinador: xxxxx

____________________________________
Coordenador da Banca:
xxxxxxxxxx

VITÓRIA DA CONQUISTA - BA
2022
RESUMO

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xxxxxxx…

Palavras-chave: xxxxxxxxx.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO

O presente artigo será elaborado com o objetivo de abordar a Antropologia Filosófica do


filósofo, padre Jesuíta, professor e humanista brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz (Ouro
Preto-MG, 1921- Rio de Janeiro-RJ, 2002), especificamente sobre o tema da transcendência
humana nas suas estruturas fundamentais segundo as contribuições desse autor. Lima Vaz é um
grande pensador de saber notório no Brasil, tendo grande apresso pela metafísica clássica,
conseguiu dialogar filosoficamente bem com a modernidade e contemporaneidade, tendo grande
influência no pensamento hegeliano, também se fundamentava em Platão e Tomás de Aquino.
Sua filosofia ficou bastante conhecida no Brasil no auge dos anos 60 (sessenta), principalmente
nos círculos de esquerda do espectro político e ideológico, isso se verifica até nos dias atuais.
Como sua ênfase é no humanismo, conseguiu fazer uma boa leitura dialética da sociedade de seu
tempo “[…] Ao orientar sua reflexão para a análise crítica da realidade sócio-cultural, Lima Vaz
toma posição firme a respeito do sentido transcendente da existência humana e dos rumos da
civilização”.1
Na obra Antropologia Filosofia vol. 1, Lima Vaz apresenta sua Antropologia Filosófica
em duas grandes partes: Histórica e Sistemática (esta última conta com 3 secções, das quais 2
estão no segundo volume). Da parte histórica, Vaz percorre sobre as diferentes concepções
humanas desde a antiguidade grega até os dias contemporâneos, da parte sistemática, esse
volume aborda os objetivos e métodos da antropologia filosófica, na primeira secção desta, trata
das estruturas fundamentais do ser humano tais como: corpo, psiquismo e espírito.
O objetivo desse trabalho é o de abordar e pôr em evidência as dimensões do ser humano em sua
totalidade e trazer uma reflexão acerca de sua transcendentalidade nas áreas de suas estruturas
fundamentais. Para tanto, pretendemos dialogar e compreender o pensamento do autor acerca do
sentido transcendental do ser humano dentro da visão da antropologia filosófica, utilizando a
vasta bibliografia de Henrique Cláudio de Lima Vaz, demonstrando a importância do tema para a
atualidade e despertar o interesse nas pessoas para a reflexão e conhecimento de si mesmas.
Para tanto, o tema referente será desenvolvido na seguinte ordem: Breves conceitos das
concepções históricas do homem, e Estruturas fundamentais do ser humano segundo Lima Vaz
nas categorias de: Copo, Psiquismo e Espírito. Para cada uma dessas categorias serão esplanadas
a pré-compreensão, compressão explicativa e compreensão transcendental. Para cada
compreensão de categoria, será demonstrado onde se encontra sua transcendência.

1
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014.p. 23.
1. CONTEXTUALIZANDO O AUTOR

1.1 Breve biografia e principais influências no pensamento filosófico


Henrique Cláudio de Lima Vaz é natural de Ouro Preto (MG), nascido em 24 de agosto
de 1921, tendo como pais biológicos Theodoro Amálio da Fonseca Vaz e Emília Josephine de
Lima Vaz, cresceu em um ambiente com costumes humanista, com 13 anos, na casa de seu avô,
conheceu a obra “República” de Platão e aos 16 anos, conheceu o “Discurso do Método” de
René Descartes, obra da qual foi o seu primeiro livro de aquisição própria.
Em 1938, entrou para a Companhia de Jesus em Nova Friburgo no Rio de Janeiro, na
mesma, cursou Filosofia rigidamente aos moldes escolásticos e com caráter sistemático do
pensar filosófico clássico. O que parece ser negativo e desatualizado, mesmo assim Lima Vaz se
vangloria e reconhece os benefícios de ter passado por esse processo:

[…] Tinha, no entanto, um mérito incontestável: o mérito de existir e, portanto,


de oferecer um bem definido ponto de partida aos que se sentissem chamados a
uma vocação de filósofo. Mérito que dificilmente poderá ser apreciado pelos
que jamais experimentaram as alegrias austeras de um exigente exercício
intelectual, controlado por esse incomparável instrumento de precisão que é o
latim escolástico2.

Segundo o autor, esse modo de estudar possibilita ao estudante um uma enorme chance
de sucesso na vocação filosófica, pois contavam com as referências constantes dos celebres
clássicos Aristóteles e Tomás de Aquino, foi desse modo que ele se sentiu guiado pelo apresso à
Metafísica, e “[…] Foi para mim a primeira experiência, que recordo com extraordinária
emoção, da leitura e meditação de um grande texto filosófico” 3. Lima Vaz também reconhece na
língua latina o instrumento fiel para a transmissão do pensamento, assim afirma “[…] o latim,
nossa língua-mãe filosófica”, demonstrando seu amor e enaltecimento a essa língua. Nesse
itinerário, dois professores são importantes e exerceram grande influência para ele: o Pe.
Eduardo Magalhães Lustosa e o Pe. Francisco Xavier Roser, juntos, eles percorreram o campo da
literatura neo-escolástica. Lima Vaz conclui a Filosofia em 1945 e junto com um grupo de
colegas, já começou a fazer estudo de novos temas filosóficos como existencialismo que
começavam a ficar em muita evidencia na época que coincidia também com o fim da guerra.
Em 1946, inicia o curso de teologia em Roma, e assim como na formação filosófica, a
teológica também era aos mesmos moldes de metodologia a aplicação escolásticas, fazendo parte
dos últimos representantes do “tomismo romano” da Companhia de Jesus. Em 1948 se ordena
Sacerdote e em 1950 conclui seu curso de Licenciatura em Teologia em 1950 com título “O

2
LADUSÃNS, Stanislavs. Rumos da Filosofia Atual no Brasil. São Paulo: Loyola, 1976. P. 299.
3
LADUSÃNS, Stanislavs. Rumos da Filosofia Atual no Brasil. São Paulo: Loyola, 1976. P. 300.
problema da beatitude em Aristóteles e Santo Tomás” e no mesmo ano inicia o doutorado em
Filosofia. Nesse período de estudos teológicos e filosóficos em Roma, marcados segundo ele por
uma “nova literatura teológica” marcada pelo reaparecimento do velho tronco da Teologia e pelo
contato com vários pensamentos e autores que sobretudo emergiam na época, com destaque para
Jean Paul Sartre, Karl Marx, o existencialismo e a dialética, aos quais também teceram críticas,
mas foi o personalismo que forneceu para ele os instrumentos para uma leitura da modernidade
pós-guerra nos seus aspectos sociais e políticas, em 1953 volta para o Brasil e passa a lecionar
por 10 anos na faculdade que antes se formou na Filosofia, nos primeiros anos se apoiavam
muito nos estudos de Platão na dialética e amor ao conhecimento, a parir de 1955 se interessou
mais na filosofia moderna de Descartes e Espinoza. Em 1964 volta para a sua terra natal e passa
a dar aulas na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, nesse mesmo
período, “Lima Vaz foi diretor e co-editor da revista filosófica Síntese Nova Fase de 1976 a
1988, por mais de 25 anos, sendo um dos principais responsáveis pela qualidade e prestígio
adquiridos pela revista”4. Também, aprofundou-se na Fenomenologia do Espírito de Hegel, foi
atuante em vários movimentos eclesiásticos, políticos e socias durante a Ditatura Militar.
Nos seus últimos anos de vida, passou a viver recolhido em sua casa onde foi o seu
período intelectual mais fecundo entrando em contato com o mundo inteiro pela leitura sempre
atualizada. Henrique Cláudio de Lima Vaz faleceu no dia 23 de maio de 2002, às 20 horas, em
Belo Horizonte, MG.

1.2 Método filosófico


Como vimos, desde mais cedo Lima Vaz apreciou a filosofia aristotélica e tomista, esse
aspecto é pertinente até meados de seu curso de teologia quando em 1950 iniciou o doutorado
em Filosofia e na preparação da sua tese (escrita toda em latim) cujo título era: Sobre a
contemplação e a dialética nos diálogos de Platão, ele parte mais para uma abordagem
hegeliana:

[…] busquei interpretar a nóesis em Platão como um resultado intrinsecamente


ligado ao caminho — ou ao método — dialético, e não como uma intuição
inefável e quase mística. Se se pensa que o caminho dialético, na condição
terrestre da alma, se desenvolve no tempo, vê-se que o problema se coloca no
terreno das relações entre o “a priori" da Ideia, dada na reminiscência, e os
métodos dialéticos de descoberta da própria Ideia, os quais têm lugar na
situação temporal da alma, isto é, na História5.

4
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p.16.
5
LADUSÃNS, Stanislavs. Rumos da Filosofia Atual no Brasil. São Paulo: Loyola, 1976. P. 303-304.
A partir de então, Lima Vaz valoriza a “consciência histórica” como meio para se chegar
a verdade, e o sujeito principal desse processo é o ser, que estar na existência primeiramente pela
temporalidade, “[…] Mas, existir temporalmente só se toma existir histórico quando a intenção
da consciência confere ao ‘tempo do mundo’ uma significação de ‘tempo do homem’; quando o
modo temporal do ser-no-mundo toma-se ser-para-a-consciência”6. O mundo é o horizonte de
cada sujeito e cada pessoa estabelece uma relação de intencionalidade com seu horizonte
subjetivo, quando cada horizonte se cruza dialeticamente, passa a existir o tempo histórico, é
pela a consciência que o homem entra nesse tempo e por meio das experiências que ele se ver na
existência histórica, “[…] Portanto, a história não é uma cena que a consciência contempla; é
uma experiência que ela estrutura”7. A “consciência histórica” surge, portanto, do principio do
ser-no-mundo pela consciência que se põe diante dos eventos que fazem parte da vida humana
dos quais ele toma consciência e transmite de geração em geração se colocando na condição da
historicidade, então “[…] o homem existe historicamente na medida em que exprime a
significação do mundo para sua liberdade […]”8. É justamente esse o conceito vazeano de
história: a expressão do ser-no-mundo ao se relacionar com ele pela temporalidade, desse modo,
o homem é ser histórico.
Não é que ele perdeu sua influência pelo aristotelismo e tomismo, mas é que ele renova o
modo de se influenciar nessas correntes e passou a se concentrar mais na filosofia moderna pelo
fato das perspectivas, medos, incertezas e possibilidades do mundo pós-guerra.

1.3 Breves conceitos das concepções históricas sobre o homem

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1.4 O conceito de transcendência na Antropologia Filosófica

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2. ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DO SER HUMANO SEGUNDO LIMA VAZ

6
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de Filosofia VI: ontologia e história. São Paulo: Loyola, 2001. P. 219.
7
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de Filosofia VI: ontologia e história. São Paulo: Loyola, 2001. P. 222.
8
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de Filosofia VI: ontologia e história. São Paulo: Loyola, 2001. P. 224.
Para tratarmos da filosofia vazeana acerca do ser humano na perspectiva antropológica,
faz-se mister notarmos o fio condutor da sua investigação que é a pergunta: quem é o Homem?
Ao elaborar uma resposta que contemple a antropologia filosófica, Vaz denomina categorias as
dimensões que compõe o homem em sua totalidade, são elas: categoria de corpo próprio,
categoria de psiquismo e categoria do espírito.
Vejamos então como são apresentadas essas categorias e como elas possuem em si o
valor transcendental, lembrando aqui que não se trata de uma abordagem religiosa, mas apenas
filosófica do existir.

2.1 Categoria do corpo próprio


Lima Vaz começa discorrendo sobre o corpo humano como tal e para além da sua
realidade física e ou biológica, evidenciando assim sua importância como princípio da pessoa na
existência. Essa dimensão é a primeira que faz com que o homem tenha consciência de si mesmo
como ser no mundo. A categoria de corpo é vista por diversas formas ao longo da história e daí
há sempre um discursão e reflexão a respeito da sua real compreensão e significado, coube a
antropologia filosófica se debruçar na investigação daquilo que o corpo humano representa:

Por outro lado, a simbólica do corpo em seus aspectos mais diversos é,


indiscutivelmente, um dos polos organizadores do imaginário social das
sociedades conhecidas e, particularmente, da sociedade contemporânea. […]
por conseguinte, o problema do corpo próprio ou, em termos filosóficos, o
problema da categoria de corporalidade é não somente um problema fundamental para a
Antropologia filosófica, mas é o seu ponto de partida, pois a autocompreensão
do homem encontra seu núcleo germinal na compreensão de condição
corporal.” (Lima Vaz, 1991, p. 157-158)

O corpo, que para Lima Vaz é uma categoria da pessoa humana, constitui assim o ponto
de partida para a investigação antropológica do ser humano, nele se encontra a identidade e a
evidência concretas da pessoa, é pelo corpo que o homem se encontra na existência, no corpo é
que o homem encontra o princípio de sua relação com mundo e com os outros seres.
Passemos então para a pré-compreensão do corpo, trata-se da compreensão e distinção do
corpo como matéria e como organismo (totalidade física e biológica) e do corpo como corpo
próprio (totalidade intencional). Este estudo se faz necessário pois o ser humano não é como
qualquer objeto que ocupa lugar e matéria no espaço, ele vai além dessa realidade, é sujeito ativo
no seu existir e na existência que lhe cerca. Assim nos diz Lima Vaz:

[…] o homem é também seu corpo próprio, mas não o é pura e simplesmente
por identidade, mas tem seu corpo próprio, sendo capaz de dar-lhe uma
intencionalidade que transcende o nível do físico e do biológico. É no sentido
dessa distinção entre o ser e o ter o corpo que o corpo é, para o homem, um
“corpo vivido” (corps vécu), não no sentido da vida biológica, mas da vida intencional.
(Lima Vaz, 1991, p. 159)

O princípio do estado do homem no mundo é o seu corpo, mas esse corpo pode se
manifestar ou se apresentar em dois aspectos; estar aí e ser aí. Por estar, compreende-se a
primeira condição da matéria, como presença física, passiva. Por ser, entende-se como um ser
ativo, que por sua condição física, age na existência das coisas, é um ser que não se encaixa no
determinismo, antes interfere na existência, isso porque estabelece a relação e interação com os
seres vivos e a natureza. Como o corpo possibilita o homem entrar no tempo e no espaço, essa
dual presença como totalidade físico-orgânica e totalidade intencional é compreendida
respectivamente como identidade visual, objeto do tempo, isto é, pela idade o corpo humano
muda sua aparência (acidente), e também compreendida como sujeito social, cultural e
psicológico. É o corpo vivido ou a vida no corpo, que é o mesmo que a relação do homem com o
meio que o cerca e consigo mesmo. “No entender de Lima Vaz, o corpo propriamente humano
difere dos outros corpos, entendidos como corpo físico e corpo biológico, denominando-o assim
de corpo próprio […]”9.
Passada as primeiras compreensões e definições do corpo humano para a visão da
antropologia filosófica, é dado que o mesmo corpo é o objeto de estudo da filosofia. Assim nos
fala Lima Vaz:

O primeiro passo nesse sentido é dado no terreno da aporética histórica. Se


percorremos a história das concepções do homem, veremos que um dos fios
contínuos que a orientam é o problema do corpo, que surge como primeiro
enigma para o homem que se volta para a compreensão de si mesmo. Esse fio
interpretativo pode ser acompanhado desde as culturas mais primitivas,
passando pelas representações religiosas mais evoluídas, para finalmente atingir o
pensamento filosófico e científico no momento em que ele faz sua aparição nos
albores da Grécia clássica. […] O segundo passo nos leva para o terreno da
aporética crítica. Aqui a interrogação filosófica se dirige à oposição ou à
tensão que se estabelece entre o sujeito que pergunta a partir de sua identidade ou
egoidade como sujeito interrogante e o corpo enquanto corpo objeto ou seja,
compreendido na objetividade do mundo. Essa posição se estabelece segundo
duas direções do estar-no-mundo pelo corpo: a direção que aponta para o
mundo dos objetos ou das coisas onde o corpo situa o homem e os submete às leis
gerais da natureza; e a direção que aponta para a interioridade do sujeito segundo a
qual o corpo é assumido no âmbito propriamente humano da intencionalidade e se
torna corpo próprio. Essa oposição, pois, manifesta de um lado a possibilidade
da coisificação do corpo; e, de outro, a possibilidade de sua espiritualização.”
(Lima Vaz, 1991, p. 162-163)

Na verdade, essa investigação se estende ao longo da história desde as sociedades mais


primitivas, e o corpo humano sempre constituiu um enigma para a compreensão pelo fato dele
9
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p.36.
ser complexo no seu fenômeno, ainda mais levando em consideração as perspectivas culturais e
religiosas ao longo dos tempos. O principal problema para essa enigmática é a reconhecida
dualidade corpo-alma tomada de ângulos diferentes das concepções como: religiosa que concebe
o dualismo gnóstico e maniqueísta; filosófica com principalmente o dualismo platônico e
cartesiano; bíblico-cristã na linha da moral, transcendência e salvação; e científica moderna
baseada nas teorias reducionistas.
A sentido transcendental do corpo humano é justamente a sua intencionalidade que o faz ser um
corpo vivente, isto é, o homem não somente está no mundo, mas também é no mundo e dá
significado ao mundo pelo seu corpo próprio, que é o mesmo quer não ser regido pelo
determinismo da sua natureza.

2.2 Categoria de psiquismo


Essa categoria constitui a dimensão do segundo degrau da identidade da pessoa:

Desse modo, a tradição ocidental conhece, com relação à estrutura psíquica do


homem, dois esquemas fundamentais: o esquema dual (relação alma-corpo) e o
esquema trial (relação corpo-alma-espírito) […]. Desde o início, pois, de nossa
reflexão sobre o psíquico ele aparece como situado numa posição mediadora
entre o corporal e o espiritual.” (Lima Vaz, 1991, p. 167-168)

Uma vez que o ser humano estar no mundo e é um ser no mundo, ele é constituído de
uma outra dimensão importante que media esses dois estados ou categorias de sua estrutura
fundamental segundo Lima Vaz. A passagem do estar pra o ser ou da presença natural para a
presença intencional acontece por meio do psiquismo, que é uma interiorização do eu como um
ser único, um homem interior. “O psiquismo, diferente do corpo próprio, não é a presença
imediata do homem no mundo, mas mediata, isto é, situa o homem no mundo externo através do
mundo interno”10. O psiquismo forma o elo que liga as experiências e condições humanas
corporais para às espirituais e vice-versa. A essa relação interativa das estruturas fundamentais
do ser humano a respeito da categoria de psiquismo, nos fala o autor:

A pré-compreensão do psíquico tem lugar nesse campo definido pela referência


da vida consciente ao polo do Eu. Por outro lado, no entanto, o psíquico é a
captação do mundo exterior e é a tradução ou a reconstrução desse mundo
exterior num mundo interior que se edifica sobre dois grandes eixos: o imaginário e o
afetivo ou o eixo da representação ou o eixo da pulsão. (Lima Vaz, 1991, p.
169)

10
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p. 37-38.
Partindo para a compreensão filosófica e ou transcendental do psiquismo, considerando-o
como parte indispensável para a pessoa humana, tendo também já considerado seu corpo
enquanto estado para o ser, sua transcendência é justamente pelo fato dela ser o elo entre o
imanente e o transcendente do ser humano, assim, é estabelecida a possibilidade de o ser ir além
do seu estado como somático, biológico e físico no mundo para o seu ser como sujeito, como
fenômeno, como ativo na existência. O psíquico é possível por causa do ser somático, assim, ele
consegue sentir, interpretar, situar-se, identificar-se. O ser humano formado para o mundo, pelo
psiquismo, começa a formar-se no mundo e a formar o mundo, essas ações são expressas
claramente pelo corpo em forma visível, embora muitas das ações psíquicas não exigem ou não
são acompanhadas pelas ações corporais:

O psíquico se apresenta, pois, como domínio de uma presença mediata do


homem a si mesmo, presença essa mediatizada pelo mundo interior do próprio
psiquismo. Podemos dizer, portanto, que estruturalmente o psiquismo é o sujeito
exprimindo-se na forma de um eu psicológico, unificador de vivências, estados
e comportamentos. (Lima Vaz, 1991, p. 176)

O psiquismo transcende o corpo humano pelas paixões, emoções, apetites, desejos


memórias, comportamentos, entre outros. É dentro dessa mesma dimensão que estão as
intensidades e a frequência com que essas ações acontecem, é nela que a pessoa humana
direciona suas experiências de vida no mundo, ou seja, o corpo está em contato o tempo todo
com o mundo enquanto dimensão física, e pelo psíquico, o corpo passa a se manifestar e a
interagir com as realidades físicas e passa para um nível de experiencias além daquelas que estão
presas no tempo e no espaço. Entretanto, a dimensão psíquica é apenas uma parte constitutiva do
ser humano e não constitui em si toda a totalidade da pessoa e não é somente por ela que o
homem se determina no mundo, “O problema ou perigo que se apresenta aqui é a dimensão
psíquica do homem não abrir-se a dialética do espírito e assim poder fechar-se num
egocentrismo sobre si mesmo e bloquear o dinamismo do ser”11.

2.3 Categoria de espírito


Nessa categoria, caracteriza-se o ponto mais elevado e propício para a abertura do
homem à transcendência, é nesse ponto onde o ser encontra sua abertura para o Outro nas
relações, na intersubjetividade e na intercambialidade. Por mais que aqui o espírito seja abordado
pela antropologia filosófica, na verdade essa dimensão vai além dessa perspectiva, vai mais para
uma linha metafísica:

11
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p. 38.
No horizonte do espirito, o Outro desenha necessariamente seu perfil como
outro relativo na relação intersubjetiva, e se anuncia misteriosamente como outro
absoluto na relação que deverá ser dita propriamente de transcendência”. (Lima
Vaz, 1991, p. 181-182)

Ainda na mesma direção, Lima Vaz reconhece que o espírito vai além do que a
antropologia filosófica pode abordar:

O espírito é, segundo a terminologia clássica, um perfectio simplex: em si


mesmo, atualidade infinita de ser. Por isso mesmo, é pelo espírito que o homem
participa do infinito […]. (Lima Vaz, 1991, p. 183)

Na antropologia filosófica vazeana, a compreensão de espírito está intimamente ligada


àquela questão antropológica fundamental, quem é o homem? Isso porque ao chegar na
dimensão do espírito, é onde se encontra a manifestação e noção em nível elevado de Ser
enquanto unidade, verdade e bondade, das quais constituem as propriedades transcendentais da
pessoa humana, sem o espírito, a pessoa não passaria do nível, estar-no-mundo como ser
biopsíquico. Lima Vaz elabora três níveis para a compreensão do espírito: “O primeiro é o nível
da história, chamada pré-compreensão; o segundo é o nível científico ou compreensão
explicativa; o terceiro é o nível da filosofia ou da compreensão filosófica” 12. Para o primeiro
nível, são as experiências do ser no mundo que inicia a atividade espiritual, relação dialética
entre sua essência (em-si) e seu sujeito (para-si) caracterizando sua presença reflexiva, atividade
essa que é manifestada principalmente pela linguagem. Para o segundo nível, o da compreensão
explicativa, não se trata simplesmente de uma abordagem científica que possa explicar
sistematicamente essa categoria (embora algumas operações do espírito podem ser objetos da
ciência), trata-se da identidade reflexiva consigo mesmo caracterizando desse modo, a própria
ciência e sendo objeto da mesma, como na abordagem dos estudos da linguagem, da sociologia e
da psicologia, que analisam as atividades humanas como cultura, religião e arte, pois “[…] com
efeito, só pelo espírito o homem opera humanamente e produz obras propriamente humanas”
(Lima Vaz, 1991, p. 191), então, é justamente nessas obras e procedimentos que se encontra o
objeto das ciências humanas. Para o terceiro nível, entendendo que o espírito ultrapassa os
conceitos antropológicos, compreende-se a noção de ser da pessoa, por isso é uma abordagem
filosófica e, portanto, mas já com características transcendentais. Justamente sobre esse terceiro
nível de compreensão do espírito, é que encontramos o terreno propício para tratar de
transcendência, para tanto é importante saber que:
12
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p. 39.
[…] A categoria do espírito no homem ou a estrutura noético-pneumática
de seu ser é atravessada pela tensão entre o categorial e o transcendental,
entre o nível conceptual da afirmação do homem como espírito e o nível
conceptual da afirmação da transcendência do espírito sobre o homem.”
(Lima Vaz, 1991, p. 191)

Essa tensão é o mesmo que dizer: o homem que se apresenta como espírito e o espírito
que se apresenta sobre o homem. Para Pozzo (2014, p. 42) é nessa dialética “[…] que se
apresentam as maiores dificuldades para a compreensão da categoria de espírito, sem esquecer
que, para a elaboração dessa categoria deve-se levar em conta tanto a dimensão categorial, como
a dimensão transcendental”13. Para Lima Vaz, o caminho seguro para o centro da noção
conceitual de espírito se encontra na concepção histórica ocidental:

Sabemos que quatro temas fundamentais se entrecruzam na


Begriffsgeschichte14 do termo espírito: o tema do espirito como vida
(pneûma), o tema do espirito como inteligência (noûs), o tema do espírito
como razão (logos) e o tema do espírito como consciência-de- si (synesis).”
(Lima Vaz, 1991, p. 192)

O quadro a seguir apresenta a relação conceitual desses quatros temas em relação as


dimensões categorial e transcendental:

Quadro 01- conceito de espírito nas dimensões categorial e transcendental


CONCEITO DIMENSÃO CATEGORIAL DIMENSÃO TRANSCENDENTAL
Pneûma Ato Vida
Noûs Uno absoluto Inteligência
Logos Sabedoria Norma/ordem
Synesis Objetividade/intersubjetividade Pensamento do pensamento/ reflexibilidade
Fonte: Elaboração própria

Portanto, a determinação essencial de espírito enquanto espírito vem da sua dimensão


transcendental, daquilo que o homem faz sem se prender ou se determinar na objetividade do
mundo, já sua determinação enquanto espírito humano vem de sua dimensão categorial que é seu
aspecto imanente, na objetividade, relacionamento e finitude do mundo. Com base nesses quatro
temas fundamentais que nos introduziu no centro conceitual e da reflexão da natureza do
espírito, segundo Lima Vaz, essa categoria fundamental do ser humano pode ser resumidamente

13
POZZO, Edson Luiz Dal. A dimensão do espírito e a relação com a transcendência em Lima Vaz: uma resposta
ao niilismo contemporâneo. Tese (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2014. p. 42.
14
Trata-se de um termo em alemão que quer dizer história dos conceitos também chamada de história conceitual,
é um campo da História voltado para a análise histórica dos conceitos.
compreendia como estrutura cognitiva e volitiva, um ser capaz de entender a objetividade do
mundo e capaz de decidir na subjetividade em relação ao mesmo.

3. CONCLUSÃO
Ao fim deste trabalho, onde tratamos de transcendência humana nas categorias de corpo,
psiquismo e espírito segundo a obra Antropologia Filosofia vol. 1 de Henrique Claudio Lima
Vaz, em vista dos argumentos apresentados, podemos dizer que o ser humano em geral
manifesta sua transcendência pelo copo, psiquismo e espírito. No corpo pelo fato dele ser o
primeiro aspecto da pessoa quanto a sua existência e identidade, e é desse modo que o homem
passa a ter consciência de si mesmo como ser no mundo, por conseguinte, o corpo não é somente
um ser vivo, pela intencionalidade é um ser vivido, daqui temos o sentido transcendental do
corpo que em Lima Vaz é “corpo próprio”. No psiquismo é estabelecida a passagem do estar pra
o ser ou da presença natural para a presença intencional, ou ainda, do corpo vivo por seu aspecto
biofísico para o corpo vivido na sua intencionalidade. O sentido transcendental no psiquismo é
porque ele situa o homem no mundo externo através do mundo interno, o psiquismo transcende o
corpo humano pelas paixões, emoções, apetites, desejos, memórias, comportamentos, entre
outros. No espírito encontramos a própria transcendência humana, pois é nesse ponto que o
homem encontra sua abertura para o Outro nas relações, na intersubjetividade e na
intercambialidade. É pelo espírito que a pessoa passa do nível de estar-no-mundo como ser
biopsíquico, a característica essencial de espírito enquanto espírito vem da sua dimensão
transcendental, daquilo que o homem faz sem se prender ou se determinar na objetividade do
mundo.
É justamente sobre essas reflexões a respeito do ser humano em sua totalidade que este
trabalho objetivou, e Lima Vaz em sua obra Antropologia Filosofia vol.1 nos forneceu essa
reflexão, que na verdade é uma continuidade da antropologia filosófica com todo o seu acervo
conceitual que possui acerca da pessoa humana ao longo da história, mas com a ótica vazeana
que é orientada no humanismo cristão. Podemos concluir que o homem é essencialmente um ser
transcendente, isso se verifica ao começar pelo seu corpo que de início difere de qualquer outro
corpo vivo pelo fato da sua intencionalidade, isto é, as expressões corporais, as ações e
intervenções na realidade aponta para uma vida interior que vai além do seu ser somático, essa
vida interior passa pelo psiquismo e espírito. O corpo, psíquico e espírito se relacionam
dialeticamente, e nem um desses se prendem a si mesmos. Também, a investigação
antropológica a cerca do ser humano segundo a filosofia vazeana, por mais que possua elementos
evidentes sobre a totalidade da pessoa humana, não é o último estudo sobre o assunto, pelo
contrário, amplia ainda mais os horizontes de investigação sobre quem é o Homem? Com certeza
essa aporética deixa em aberto o obvio, o ser humano é um mistério inesgotável, isso porque
cada pessoa é única na existência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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