Você está na página 1de 60

FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA

BACHARELADO EM FILOSOFIA

ISAC ANTONIO PEREIRA PARENTE

BASÍLIO DE CESAREIA: A UTILIDADE DA LITERATURA PAGÃ NO


DISCURSO AOS JOVENS

FORTALEZA
2021
Isac Antonio Pereira Parente

BASÍLIO DE CESAREIA: A UTILIDADE DA LITERATURA PAGÃ NO DISCURSO


AOS JOVENS

Monografia apresentada para a conclusão do


Curso de Bacharelado em Filosofia pela
Faculdade Católica de Fortaleza, como parte
das exigências para obtenção do grau de
Bacharel.
Orientador: Dr. Francisco Evaristo Marcos

FORTALEZA
2021
Isac Antonio Pereira Parente

BASÍLIO DE CESAREIA: A UTILIDADE DA LITERATURA PAGÃ NO DISCURSO


AOS JOVENS

Trabalho de Conclusão do Curso de


Bacharelado em Filosofia apresentado à
Faculdade Católica como parte das exigências
para a obtenção do título de Bacharel.
Orientador: : Dr. Francisco Evaristo Marcos

BANCA EXAMINADORA

Aprovado em: ____/____/____. Nota obtida:_________.

Prof. Dr. Francisco Evaristo Marcos


Orientador

Prof. ___________________________________________________________

Prof. ___________________________________________________________
Leitor:
Dedico inteiramente este trabalho ao meu avô
materno e pai, inesquecível amor de minha
vida, Francisco Johnes de Souza Pereira (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu padrinho e então bispo diocesano Dom Rosalvo Cordeiro de Lima,
que nunca me deixou de incentivar e de acreditar na minha vocação. Agora, concluo
jubilosamente os estudos filosóficos como seminarista da sua Diocese de Itapipoca;

Agradeço à minha família, principalmente aos meus pais pelo apoio constante em todas
as minhas escolhas. Quando voltei à casa, fui acolhido com o mesmo amor de quando parti para
ingressar no seminário;

Agradeço aos meus celestiais benfeitores, entre os quais cito: Dra. Jeanne Brasileiro,
Dra. Graciana Menezes, minhas tias Claudiana Cyrino e Vivian Pereira (Vica), bem como ao
Dr. Herton Parente e a Dra. Carol Parente. Também agradeço enfaticamente minha avó materna
Maria Pereira Lima de Souza (Cristina) pela ajuda mensal cuja importância foi singular para
minha permanência no curso;

Agradeço aos muitos amigos que estiveram presente no desenrolar do bacharelado,


cujos nomes marcantes menciono: Alan Sousa, José Igor de Aguiar Albuquerque, Marcelo
Feitoza Muniz e Prof. João Paulo Gomes Lopes;

Por fim, agradeço a fecunda intercessão do meu teórico, São Basílio Magno, por quem
me encantei logo no primeiro contato bibliográfico.
Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver
proscrição social., orçando a existência, em plena
civilização, de verdadeiros infernos, e
desvirtuando, por humana fatalidade, um destino
por natureza divino; enquanto os três problemas do
século - a degradação do homem pelo proletariado,
a prostituição da mulher pela fome e a atrofia da
criança pela ignorância - não forem resolvidos;
enquanto houver lugares onde seja possível a
asfixia social; em outras palavras, e de um ponto
de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra
houver ignorância e miséria, livros como este não
serão inúteis. (Victor Hugo)
RESUMO

Basílio de Cesareia (329 d.C. – 379 d.C.) redigiu a obra que viria a ser considerada pelos
especialistas como o posicionamento oficial da Igreja Primitiva a respeito do uso ou desprezo
dos textos clássicos da paideia grega pelos leitores cristãos, o Discurso aos jovens sobre a
utilidade da literatura pagã. Todavia, a proposta de Basílio aos jovens e também a todo o
público cristão em geral é recolher os conteúdos úteis à aquisição das virtudes à alma e à
conquista da vida futura ou celestial. A presente monografia tem por objetivo fundamental
acusar a existência de um pensamento filosófico essencialmente basiliano. Em vista disso, na
tentativa de apresentar alguns dos mais variados recortes filosóficos dos quais se utilizou o
Bispo de Cesareia em favor da defesa e da argumentação das suas principais ideias, analisar-
se-á a estrutura e as características do referido opúsculo dirigido aos jovens. Ademais, o
trabalho acadêmico fará referência às grandes escolas as quais Basílio frequentou ou mesmo
compartilhou das ideias, a saber, a Escola de Alexandria e a “Escola da Capadócia”; bem como
haverá referência ao cirruculum o qual fora herdado e que posteriormente influenciou na
formação do seu pensamento. Dentre os outros dois padres capadócios, Gregório de Nissa e
Gregório Nanzianzeno, mostrar-se-á que Basílio merece uma maior ênfase justamente pelo
ecletismo de filosofia em seus textos, homilias e demais escritos. Filosofia essa caracterizada,
sobretudo, pela apresentação de um programa ético e moral com fins religiosos.

Palavras-chaves: Cristianismo. Paideia. Virtude. Filosofia.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6

1. A ESCOLA DE ALEXANDRIA: O COMEÇO DE UMA PAIDEIA


CRISTÃ ..................................................................................................................................... 8

1.1. CONTEXTO HISTÓRICO E SUA FUNDAÇÃO ...................................................... 9

1.2. PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS DA ESCOLA ............................................................ 16

2. BASÍLIO ENTRE OS PADRES DA “ESCOLA” DA CAPADÓCIA

2.1. O PENSAMENTO DOS CAPADÓCIOS ................................................................. 22

2.2. A FILOSOFIA DE BASÍLIO .................................................................................... 28

3. BASÍLIO E O “DISCURSO AOS JOVENS SOBRE A UTILIDADE DA


LITERATURA PAGÔ ......................................................................................................... 34

3.1. O DISCURSO: CARACTERÍSTICAS GERAIS E FILOSOFIA DA OBRA .......... 35

3.2. BASÍLIO E A UTILIDADE DA LITERATURA PAGÃ À AQUISIÇÃO DAS


VIRTUDES NOS JOVENS...................................................................................................... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 51

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 55
6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho adotou o método qualitativo de pesquisa científica. Sua escrita deu-
se com o auxílio de alguns livros centrais dos estudiosos da Filosofia Patrística como Werner
Jaeger, Claudio Moreschini, Miguel Cabedo e Vasconcelos e Francisco Antonio Garcia
Romero. Além dos muitos artigos científicos analisados, foram deveras consultados os de João
Eduardo Lupi, Ulpiano Vázquez, Soter Schiller, Bruno Gripp, Irineu Letenski, Marco Pensak e
Rogério de Almeida e Helena Papa. Também recorreu-se a teses como as de Márcia Santos
Lemos e a David Timothy Spink Junior. Os textos em espanhol são dos autores Francisco
Maldonado Villena, Francisco Antonio Garcia e Orlando Solano Pinzón. Outros livros e
trabalhos acadêmicos usados com menos frequência serão citados no devido lugar das
referências.

Sabe-se que o processo de cristianização do mundo helênico não foi, de maneira alguma,
unilateral. Enquanto os cristãos procuravam aproveitar os elementos da paideia grega e
interpretá-la a seu favor, o cristianismo inevitavelmente acabou por permitir-se helenizar pela
vasta herança intelectual grega. Da mesma forma, se o cristianismo não conseguisse assumir a
liderança intelectual e cultural do Império, não existiria vitória sobre o mundo pagão.
Entretanto, agora, a novidade da especulação filosofia dar-se-ia em estreita relação com a busca
humana pela verdade, cuja revelação plena achar-se-ia no livro das Sagradas Escrituras. Tal é
o pensamento que Basílio de Cesareia (329 d.C. - 379 d.C.), que “[...] a partir de uma influência
platônica, se move essencialmente no universo das Escrituras [...]” (PENSAK; ALMEIDA,
2020, p. 130) pretende defender no Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã.

Ademais, a monografia pretende responder as seguintes questões: os cristãos devem


afastar-se completamente da paideia grega? Há pontos comuns entre o helenismo e o
cristianismo dos quais poderiam servir-se o público cristão? Se as resposta s forem positivas,
assim apresentando uma tentativa de conciliação entre as diferentes paideias, pergunta-se quais
obras literárias os cristãos, em especial aqueles mais jovens, deverão selecionar. Por último,
resta interrogar com qual método a juventude da época de Basílio pode seguramente servir-se
dos escritos pagãos sem se preocupar com danos à fé e prejuízos à teleologia da salvação.
Principalmente, tentar-se-á responder se é coerente afirmar e defender uma filosofia particular
do Bispo de Cesareia. Consequentemente, observar-se-á que o conceito de discernimento será
central em todo o desenrolar do pensamento de Basílio. Ao mesmo tempo que o padre justificará
7

o uso da paideia grega, apontará para a paideia cristã como a mais completa forma de educação
e sabedoria humana, posto que conduz ao prêmio da eternidade.

Inicialmente, analisar-se-á o pensamento filosófico circulante neste centro de estudos,


no qual o pensador Orígenes (185 d.C. - 253 d.C.) destaca-se como quem dirigiu com máximo
esplendor a academia egípcia. Também apresentar-se-á quais os princípios filosóficos do
curriculum escolar de Alexandria, principalmente no que diz respeito a retórica e a filosofia.
Além disso, ver-se-á que através de um dos maiores discípulos de Orígenes, Gregório de
Taumaturgo (213 d.C. – 270 d.C.), o novo ensinamento baseado no conhecimento supremo ou
na assimilação ao Deus cristão chegou à região da Capadócia e ao conhecimento dos padres
capadócios, dentre os quais se encontrava Basílio.

Ademais, abordar-se-á as características do pensamento filosófico dos padres


capadócios. Em suma, apresentar-se-á o pensamento geral dos três padres, os quais podem ser
considerados agrupados em um só grupo pela visão do mundo e das questões religiosas ou
políticas da sociedade de seu tempo. Daí resulta o termo “Escola da Capadócia”, não tanto em
relação ao edifício acadêmico, tal qual o de Alexandria, mas enquanto padres de uma
cosmovisão semelhante entre si. Como será demostrado no segundo capítulo, aos capadócios
mais preocupava comunicar seus pensamentos, para isso não se utilizando de volumosos livros
de comentários, como o fazia Orígenes, mas por meio das suas homilias imbuídas de arte
retórica. Além disso, o segundo capítulo tornará evidente, na segunda parte, que Basílio escreve
rodeado pelas interpretações cristãs de Platão, Aristóteles e dos estoicos, sem esquecer de
sublinhar a presença de uma forte retórica e oratória utilizadas como ferramenta de
convencimento não apenas ao pensamento dos leitores, sobretudo dos seus comportamentos.
Dentre os dois outros padres, o pensamento filosófico de Basílio sobressai-se-lhes por conta
das variadas correntes filosóficas que o compõem. Segundo o Bispo de Cesareia,

[...] através do estudo das Escrituras, que nos transmitem uma moral de
inspiração divina, é possível descobrir o dever moral. Isto é,
independentemente da inclinação que cada um tiver, é nas Escrituras que se
deve buscar uma conduta reta e que deve ser imitada (PENSAK; ALMEIDA,
2020, p. 133).
Finalmente, analisando as partes do Discurso aos jovens poder-se-á constatar a gama de
metáforas e imagens das quais Basílio se utiliza para bem convencer os pupilos. Também se
apresentará as características gerais e a filosofia do opúsculo aos jovens. Depois, dissertar-se-á
sobre o que pode ser considerada a mais importante temática do texto: a serventia da literatura
para a aquisição das virtudes na vida do cristão. As virtudes que
8

[...] embora tenham sido desenvolvidas primeiramente por Platão, passando


por Aristóteles e sendo retomadas [...] pelo pensamento cristão, adquirirão,
justamente nos Padres da Igreja e, neste caso particular, em Basílio uma
análise e uma perspectiva essencialmente cristãs. Esta é a razão pela qual
Basílio incessantemente se serve das Escrituras e, de modo especial, dos
Evangelhos e das epístolas paulinas. (PENSAK; ALMEIDA, 2020, p. 131).

Dessa maneira, o conceito de virtude que será trabalhado nesta monografia não é mais
um conceito para bem compreender Basílio, e sim um conceito indispensável à análise e à
correta interpretação do Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã. Finalmente,
nas considerações últimas apresentar-se-á um breve balanço geral dos capítulos e o
desenvolvimento da discussão, tendo em vista demonstrar se serão ou não respondidas as
perguntas de partida já lançadas.

1. A ESCOLA DE ALEXANDRIA: O COMEÇO DE UMA PAIDEIA CRISTÃ

Questões Preliminares

Inicialmente, ver-se-á a origem das correntes filosóficas que chegaram à cidade de


Cesaréia nos tempos de Basílio. Segundamente, dissertar-se-á sobre as características
particulares da “Escola da Capadócia”1, da qual o filósofo compartilhava suas ideias. Por fim,
constatar-se-á a importância da escola cristã catequética de Alexandria, a qual ofereceu as bases
para a filosofia de Basílio e os demais capadócios Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzeno.

Sendo o método educacional no séc. IV basicamente pagão, em Alexandria, na


considerada primeira escola do cristianismo bem alicerçada, Clemente e seu discípulo Orígenes
desenvolveram um novo método filosófico em consonância com a paideia cristã. Tudo isso na
tentativa de conciliar as ideias do mundo grego em decadência e o universo cristão em
surgimento. Através de Gregório Taumaturgo, o origenismo chegou ao seu território de origem,
Cesaréia, expandindo-se nas escolas ali localizadas. Portanto, Basílio bebeu das fontes
alexandrinas originais, que, no entanto, seriam posteriormente ainda mais aprimoradas por ele
e os outros padres capadócios.

1
Compreenda-se escola não no sentido físico-estrutural, como no caso da de Alexandria no Egito, mas enquanto
escola de pensamento, como um conjunto de ideiais semelhantes entre os pensadores. Por isso, durante todo o
trabalho, quando se referiu ao sistema de pensamento comum aos capadócios aspas foram utilizadas.
9

Além disso, observar-se-ão o modo como as correntes filosóficas tais quais o cinismo,
o estoicismo, o platonismo e o aristotelismo foram utilizadas pelos alexandrinos, na organização
e consolidação racional do pensamento cristão. Ora, Basílio estudou nas consideradas escolas
eruditas da época, nas academias de Cesaréia e de Atenas. Ele se destaca no cenário oriental
pela inabalável retórica com a qual escrevia suas obras. O que lhe é próprio, bem mais que nos
outros capadócios, são os recortes das muitas filosofias, não obstante fossem conflitantes entre
si, pois o filósofo cristão era capaz de reuni-las e delas servir-se em benefício da doutrina cristã.
Certamente, sem a influência alexandrina, Basílio não teria conseguido sorver tamanha riqueza
de conhecimento, e a “Escola de Cesaréia” não conseguiria ter alcançado seus audaciosos
objetivos de estruturar a doutrina cristã enquanto um digno corpus filosófico.

1.1. CONTEXTO HISTÓRICO E SUA FUNDAÇÃO

Em meados de 331 a.C., próximo ao delta do Rio Nilo, o Imperador Alexandre Magno
fundou a cidade de Alexandria, tornada polo de encontro entre diversos povos, crenças, culturas
e filosofias. Durante o século IV, a oficialização do cristianismo como religião do Império
Romano; a fundação de Constantinopla, que repartiu a administração imperial em duas partes;
e a participação dos cristãos nas classes sociais do Império foram fatos importantes à história
da humanidade2. Dentre os muitos territórios em posse de Roma, a cidade de Alexandria merece
destaque porque:

[...] acolheu também imigrantes; sua população de origem judaica era tão
numerosa que chegou a constituir um terço do total dos habitantes; e motivou
tal intercâmbio com o modo de vida grego que levou a primeira tradução da
Bíblia a tradução dita dos Setenta, do hebraico para o grego; assim a teologia
foi obrigada a repensar-se, mais de dois séculos antes de Cristo, em termos
helenísticos, e, o que não é menos importante, no âmbito de uma cultura local
altamente evoluída. De fato, em Alexandria nasceram, ou por 16 passaram,
grandes nomes do período helenístico e romano: Euclides, o geômetra; Heron,
o inventor de máquinas, Apolônio de Rodes, crítico literário e chefe da grande
biblioteca; Aristarco de Sarnotrácia, também chefe da biblioteca, e crítico da
Iliada; os três famosos geógrafos e astrônomos: Claudio Ptolomeu, Estrabão,
e Eratóstenes de Cirene; Filon, o filósofo judeu; Galeno, o médico; Amônio
Sacas, o platônico, e seu discípulo Plotino. (LUPI, 1994, p. 14).

2
A divisão histórico-cronológica acima encontra-se no texto do Prof. Me. Pe. Soter Schiller, OSBM. Segundo o
autor, alguns fatos apresentaram-se como favorecedores ao estabelecimento da Religião Cristã no Ocidente e no
Oriente. Além de terem contribuído à fundação da Cidade de Alexandria e seu centro de estudos acadêmicos. Cf.
SCHILLER, Soter. São Basílio, o “Discurso aos Jovens”. Cristianismo, cultura clássica, educação uma
introdução, 2020, p. 1.
10

É certo que no período de despontamento da Religião Cristã, o mundo pagão erudito


achava-se já distante dos tempos áureos, rumando ao declínio3. Os cristãos herdavam dos
gregos uma concepção de educação bastante diferencial. Além de uma mera formação básica,
a educação era compreendida pelos helênicos como um processo formativo continuado no
homem, exterior e interiormente, edificado sobre virtudes que lhe aprimorassem a totalidade
(GREGGERSEN, 2005). Por outro lado, os cristãos mostravam-se dispostos a redescobrir as
inúmeras potencialidades da inteligência pagã, mas sendo cuidadosamente observadas as
divergências entre ambas cosmovisões. Decerto, uma das consequências dessa ressalva deu-se
por parte dos estudantes cristãos no afastamento do pensamento mitológico, impulsionando
assim a formação de uma cultura cristã cada vez mais racionalmente particular e estruturada.
Então, tem-se uma formação acadêmica pautada na responsabilidade, pois:

[...] A paideia cristã parte da ideia de que pela educação nós formamos o
homem, pela educação nós constituímos em plenitude a condição humana.
A educação na paideia cristã é, então, uma prática social de hominização,
de formação do homem para viver na sociedade terrena e celestial. Essa nova
paideia consiste, pois, em ampliar a dignidade do homem para o que é
atemporal e não espacial, daí a ideia de uma cidade terrena e uma outra
divina, na qual o cristão, esse novo homem, participa em coparticipação.
(FREITAS, 2018, p. 304).

Desse modo, “[...] a religião cristã [...] ofereceu a sua própria filosofia positiva como
base para uma reconciliação entre o mundo antigo e o novo” (JAEGAR, 1961, apud
VASCONCELOS, 2018, p. 18-19). Ora, a aprendizagem cristã pode certamente ser
reconhecida como o primeiro grande sistema universalista, correspondendo em termos políticos
a uma proposta democrática de ensino (FREITAS, 2018). Conseguintemente, iniciou-se uma
transmigração da educação, ou paideia4 grega, para a paideia cristã. Para tanto, os pensadores
Clemente de Alexandria (150 d.C. - 215 d.C.) e Orígenes, respectivamente mestre e discípulo,
em seus estudos filosóficos principiam claramente um sistemático esforço de diálogo entre a fé

3
De acordo com o Jesuíta Argentino Alfredo Sáenz, o declínio da civilização romana aconteceu em paralelo à
difusão do cristianismo. A partir do século III, podia ser observado o fenômeno de desintegração do até então
inabalável império pagão. Cf. SÁENZ, Alfredo. História da Santa Igreja: a barca e as tempestades. Do
nascimento da Igreja ao islamismo, 2020, p. 61 - 64.
4
Considere-se que o termo grego paideia é uma concepção complexa, que não deveria ser reduzida ao simples
termo pedagogia. O sentido mais correto seria a paideia enquanto sistema ético vinculado à cultura e à literatura.
Isto é, o sentido que o homem grego atribuía à paideia deve ser visto como um grande conjunto de noções diversas.
Para maior consulta, indica-se a obra Cristianismo Primitivo e Paideia Grega, do estudioso Werner Jaeger. Obra
através da qual recortamos essa tese, bem algumas outras informações.
11

cristã e as filosofias gregas, por isso são apontados como os principais fundadores 5 da Escola
Catequética de Alexandria. Sobre a educação e o método de ensino próprios das escolas gregas
dos primeiros séculos, afirma-se a seguir:

O sistema educacional e de ensino no Império Bizantino no século IV era


ainda basicamente secular, digamos, pagão. Afora escolas catequéticas (que
eram em grande medida teológicas), os cristãos não possuíam nem tinham
compreensivelmente criado estabelecimentos próprios de formação
intelectual e cultural. Por muito tempo ainda eles frequentariam as mesmas
escolas junto com os pagãos e liam os mesmos escritos pagãos. Sobretudo
após a paz constantiniana, os cristãos de condição social mais elevada
frequentavam as escolas helenistas em busca da cultura necessária para
participar da vida pública, o que já lhes convinha, bem como para poder
enfrentar com armas iguais o paganismo e as heresias no seu interno.
(SCHILLER, 2020, p. 2).

Igualmente, as primeiras comunidades católicas, especialmente a comunidade de


Alexandria, desejando apresentar à civilização grega os fundamentos da sua fé, utilizaram-se,
principalmente, de categorias filosóficas6 do pensamento antigo (dos pré-socráticos até
Aristóteles), com especial destaque a Platão. Além disso, adotaram uma valorização da beleza
e das artes e o estudo dos reconhecidos mestres gregos, Homero, Hesíodo, dentre outros. E
nesse contexto de:

[...] assimilação à Gramática, à Retórica e à Dialética, não encontraram


grandes dificuldades para se incorporar ao programa cristão, em vista
do caráter instrumental destas disciplinas. A exemplo das Filológicas, a
Aritmética, a Geometria, a Astronomia e a Música também não foram
obstaculizadas, por serem consideradas apropriadas a fazer parte da
educação dos cristãos, o que pode ser explicado pelo fato de poucos
terem acesso a esses conhecimentos e pela pouca relação dos seus conteúdos
com o cristianismo, conteúdos que, por extensão, não poderiam influir na
formação e no modelo de vida dos cristãos [...]. Em contrapartida, a
relação com a Filosofia foi complexa e a sua assimilação dificultada, em
virtude da natureza de seus conteúdos, que com freqüência se opunham
à doutrina cristã [...] (MELO, 2018, p. 54).

5
Mesmo com a tese do autor Josep-Ignasi Saranyana, segundo o qual a escola de Alexandrina parece ter sido
fundada por um tal Panteno (+ca. 200), com Clemente e Orígenes alcançou o cume da excelência. Cf.
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval - das origens patrísticas à escola barroca, 2006, p. 54. Mais à
frente, ver-se-á a citação ipsis litteris de Saranyana e a referida ideia.
6
Referência ao corpus filosófico próprio das escolas cristãs, dentre as quais está inclusa a de Alexandria. Para uma
análise mais detalhada, consultar o trabalho do Jesuíta Espanhol Ulpiano Vázquez. Cf. VÁZQUEZ, Ulpiano.
Filosofia e Escritura na Primeira Escola Cristã, 1991, p. 544. Sobre esse curriculum acadêmico, abordar-se-á mais
pormenorizadamente no próximo subtópico: 2.2.
12

Por meio desse arcabouço intelectual, o cristianismo alcançara tal nível de maturidade
que o permitiu possuir uma rica erudição grega. Os primeiros cristãos não tinham ainda escrito
explicitamente sobre o tema educação, posto que ela não era até então reconhecida como
ciência. Todavia, a educação constituía uma preocupação contaste entre eles, inseparável da sua
cosmovisão, pois a importância da educação clássica “[...] era indiscutível e, ao mesmo tempo,
imprescindível para a carreira de um cidadão de escol. O perigo para os jovens cristãos residia
nos enredos e nos temas das obras, de fundo mitológico, de matéria moralmente leviana ou
imoral.[...]” (NUNES, 2018, p. 170). Também era-lhes importante a postura do mestre e do
aluno, que para o sucesso na interação pedagógica dependia dos valores mais fundamentais na
maneira de educar; isto se daria na educação para o respeito e a adesão à Fé (GREGGERSEN,
2005). Embora a civilização helênica:

[...] visse o seu fim marcado pelo emergir do cristianismo, foram herdadas por
este último, num processo de assunção e não de erradicação, não só a
valorização da beleza e das artes, mas também as eruditas categorias do pensar
grego e o compromisso quase ascético em favor da ponderação e do equilíbrio
pessoais. Talvez apenas ao longo deste processo é que se passou a poder falar
efetivamente numa verdadeira cultura cristã, cada vez mais desenvolvida e
consolidada. (VASCONCELOS, 2018, p. 38).

Recorrendo principalmente à filosofia, os seguidores da nova Religião conseguiram


superar algo do caráter rudimentar do cristianismo. Ora, o helenismo parecia ser mais uma
questão de cunho intelectual do que étnico, pois na Antiguidade era bastante predominante
aderir a determinados padrões culturais. Compartilhando de alguns desses costumes
civilizacionais helênicos, quais sejam a busca pela qualidade do discurso racional, o
cumprimento das leis cívicas e a valorização das virtudes na formação dos cidadãos, o
cristianismo foi deixando-se helenizar. Em paralelo, os cristãos conseguiram com sucesso
influenciar a literatura grega da qual eram contemporâneos. Logo, enquanto o cristianismo era
helenizado, o helenismo foi cristianizando-se. Nesse ambiente:

[...] desenvolveu-se uma comunidade cristã cuja origem é desconhecida, que


deu como fruto o centro mais florescente do pensamento cristão durante o
século III. Parece que a Escola de Alexandria foi fundada em 180 por um
estóico siciliano, convertido ao cristianismo na maturidade, chamado Panteno
(+ca. 200), que não deixou nada escrito, mas cujos principais ensinamentos
foram recolhidos por um jovem ateniense que lhe sucedeu na direção da
Escola, chamado Clemente de Alexandria (150-215). Com Orígenes (185-
253), anos depois, alcançou máximo esplendor. (SARANYANA, p. 54)
13

Em Alexandria, houve uma mútua aproximação pedagógica7 entre o cristianismo


primitivo e o paganismo decadente. Como efeito, o cristianismo elaborou um corpus literário
cuja finalidade mostrou-se uma espécie de primeiro diálogo com a educação grega. Aos autores
cristãos importava equiparar a verdade cristã como merecedora de dignidade em relação ao
logos grego8. Ora, para o bom êxito da empresa, a Igreja precisaria dizer as verdades da fé por
meio de uma linguagem clara e à altura dos seus estudiosos, e fazia-se necessário formar
homens cristãos aptos para o ensino e a pregação da doutrina, consequentemente eficazes no
esforço intelectual. Por essa razão, a literatura clássica na educação dos cristãos tornou-se
preocupação urgente no tempo de Basílio. Dever-se-ia formá-los em uma escola preparada, daí:

A escola cristã surge [...] como um centro de altos estudos, numa cidade polo
cultural da civilização helenística, apoiada na comunidade judaica imbuída de
cultura grega clássica, à sombra do enorme e tradicional prestigio do Museu,
já sem a Grande Biblioteca, mas ainda com a biblioteca do Sarapeion
(entretanto reforçada), e numa época em que as tendências dos estudos se
voltam mais para a discussão filosófica e teológica. Nessa cidade, ponto de
encontro de culturas e de ideias, é que o cristianismo começa a assumir uma
forma doutrinal sistematizada, e o faz segundo modelos, concepções e
terminologias helenísticas. Em Alexandria, no final do século II d.C., mais do
que em qualquer outro lugar, assistimos ao nascimento do cristianismo como
forma doutrinaria de pensamento. Captar essas ideias originais, esse
nascimento, é chegar ao ponto de partida e ao sentido primordial da formação
dos conceitos que dominaram o Ocidente pelo menos até o final da Idade
Média. (LUPI, 1994, p. 15).

Segundo Lupi (1994), o helenismo foi a cultura que conseguiu impregnar o Ocidente.
A doutrina cristã, unida ao helenismo e por meio dele, tornou-se capaz de dialogar com as
civilizações clássicas. Para que a Igreja nascente conseguisse superar a fragilidade dos seus fieis
mais rudes, a cristandade não pôde desprezar os métodos pagãos de ensino e seus dinamismos
particulares. Em suma, os cristãos admiravam o espírito de equilíbrio próprio do pensamento
racional grego, mas:

[...] a necessária educação era procurada maioritariamente entre os mestres


pagãos, e sobrava para os cristãos a tarefa árdua de eliminar o paganismo
daquilo que era ensinado nas escolas, e discernir quais os materiais aptos a
serem empregados ao serviço de uma paideia que pudesse ser
verdadeiramente cristã. [...] esta educação entre os pagãos trouxe consigo

7
De acordo com o Sacerdote Português Miguel Cabedo, a metodologia pagã foi relida através da óptica cristã,
dando-lhe nova energia. Portanto, preservando a existência de uma cultura helênica. Cf. VASCONCELOS, Miguel
Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e
tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 17.
8
A fim de um melhor entendimento, seja a expressão atrelada ao sentido de vasto conhecimento filosófico em
circulação nas escolas pagãs gregas. Nelas, o Platonismo e o Aristotelismo obtiveram importante atenção. Cf.
Ibid., 2018, p. 36.
14

perigos reias para a fé e para os costumes dos jovens cristãos uma vez que a
vida dos cristãos, mesmo os mais irrepreensíveis, acontecia impregnada de
paganismo. (VASCONCELOS, 2018, p. 42).

No que tange aos costumes, o perigo tornara-se ainda mais evidente. De fato, o contato
dos estudantes com a mitologia poderia gerar prejuízos aos mais jovens, particularmente por
conta das narrativas de escândalos desencadeados pelos deuses. Pois, para Platão, “quem é novo
não é capaz de distinguir o que é alegórico do que o não é” (PLATÃO, 1983, apud
VASCONCELOS, 2018). Ele também afirmava que a essência de toda educação ou paideia
grega é fundamentada no desejo do homem em tornar-se um cidadão virtuoso, ou seja, dotado
da grande excelência conhecida como areté (FREITAS, 2018). Paradoxalmente ao risco trazido
pelo estudo profano, a estima pela sabedoria e a consideração da contemplação oriunda de uma
vida filosófica são características gregas procuradas e elogiadas pelo público cristão 9.
Entretanto:

[...] a educação permaneceu estruturalmente pagã, ainda que sobre mestres


cristãos. E terá contribuído para essa situação um perigo talvez mais subtil,
que era a beleza literária, estética e cultural dos clássicos, alegria e tormento
dos mestres, cristãos convictos, que também se apraziam incorrigivelmente
com o estudo das letras pagãs. (BOULENGER, 1952, p. 20).

Através da Escola de Alexandria, o seguimento cristão configura-se muito mais do que


uma simples seita religiosa. Acerca de sua importância, pode-se afirmar ter sido a primeira das
escolas cristãs que oficialmente tratou da questão da relação entre Cristianismo e Filosofia.
Mais especificamente, abordando a analogia entre a Sagrada Escritura e o pensamento
filosófico. Alexandria também defendeu a reconciliação entre o mundo antigo e o mundo
nascente; recorreu à ideia grega de paideia e deu-lhe significação própria, oferecendo ao mundo
seu próprio sistema filosófico de pensamento; isto é, interpretou o cristianismo em termos da
filosofia grega. A respeito dos considerados seus fundadores, Jaeger cita:

Orígenes e Clemente caminharam nessa estrada de elevadas reflexões, mas


agora era necessário muito mais. Orígenes certamente dera à religião cristã a
sua teologia no espírito da tradição filosófica grega, mas aquilo ao qual
visavam em seu pensamento os Padres da Capadócia era uma civilização cristã
total. A esse empreendimento levavam a contribuição de vasta cultura,
evidente em qualquer parte dos seus escritos. Não obstante suas convicções
religiosas que se oponham a uma revanche da religião grega, que naquele
tempo era solicitada por poderosas forças no Estado (pensemos nas tomadas

9
Informação extraída da obra História Eclesiástica, do historiador Sócrates de Constantinopla. Cf.
CONSTANTINOPLA, Sócrates, H.E. 3, 2017, p. 16.
15

de posição do Imperador Juliano), não mantêm fechado seu elevado apreço


pela herança cultural da Grécia antiga. Encontramos assim nítida linha de
demarcação entre religião grega e cultura grega. E dão vida, em nova forma e
nível diferente, àquela conexão, sem dúvida positiva e produtiva, entre
cristianismo e helenismo, que já encontramos em Orígenes. Não é exagero
nesse caso falar de uma espécie de neoclassicismo cristão, que é mais que fato
puramente formal. Por sua obra, o cristianismo se erige agora como o herdeiro
de tudo aquilo que, na tradição grega, parecia digno de sobrevivência. Não só
por isso reforça a si mesmo e a sua posição no mundo civil, mas salva e dá
vida nova a um patrimônio cultural que, em grande parte, sobretudo nas
Escolas retóricas daquele tempo, tornara-se forma vazia e artificial de uma
tradição clássica já enrijecida. (JAEGAR, 1961, apud REALE, 2017, p. 432-
433).

Tamanho é o contexto civilizacional de que, no século IV, os Padres Capadócios são


beneficiários, enfaticamente Basílio fazendo parte do grupo e sendo descendente da Escola de
Alexandria, a geradora de inúmeras ideias filosófico-teológicas para o Ocidente10. E Orígenes,
o dito fundador da escola, entrou em contato com a Capadócia por meio de um dos seus
discípulos, Gregório de Taumaturgo, posto que:

A atividade filosófico-eclesial de Gregório Taumaturgo foi marcada pelo seu


empenho em favor da evangelização da Capadócia, de onde era originário,
veio por isso a ser o laço que uniu Orígenes aos Padres Capadócios. Estes, por
sua vez, seguiam o método exegético-alegórico de Orígenes e nisso se sentiam
legitimados por reconhecerem semelhante metodologia no interior da própria
Bíblia, intertextualmente, sobretudo no corpus paulino. Entendiam assim que
toda a Sagrada Escritura poderia e deveria ser perpassada por uma tal exegese,
de modo até que os livros históricos do Antigo Testamento fossem encarados,
à luz do Espírito Santo, também como concretizações narrativas das grandes
verdades éticas e filosóficas. (LUPI, 1994, p. 46).

Com efeito, a civilização helênica exerceu uma influência enorme sobre a mentalidade
cristã, impactando principalmente o cristianismo, sobretudo através da filosofia grega. Dessa
forma, o diálogo entre religião cristã e cultura helênica teria sido mais dificultoso sem a
colaboração do pensamento filosófico. No entanto, o processo de cristianização do mundo
grego não foi nada unilateral, posto que, simultaneamente, significou a incrementação da
doutrina cristã (JAEGER, 2014). Então, a divergência entre a paideia grega e o cristianismo
emergente encontrou terreno fecundo na Escola alexandrina, marcadamente nas filosofias de
Orígenes e Clemente de Alexandria. Sendo pensamento deste último levado à Cesaréia graças

10
O trabalho acadêmico do PostDoc. Prof. João Eduardo Pinto Basto sobre a Escola Cristã de Alexandria tem como
objetivo principal destacar a academia alexandrina como matriz das ideias para todo o Ocidente. Cf. LUPI, João
Eduardo Pinto Basto. A Escola de Alexandria como núcleo do Helenismo Cristão, In: Revista de Ciências
Humanas. v.11, n. 15, 1994, p.11-23.
16

a seu discípulo, Gregório Taumaturgo, contemporâneo e concidadão de Basílio. Foi assim que
o curpos filosófico alexandrino influenciou a formação da “Escola da Capadócia”, cujas
características principais serão evidenciadas logo mais à frente.

1.2. PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS DA ESCOLA

O problema primordial a ser resolvido pela Escola de Alexandria girava em torno da


ideia de que haveria verdades11 nos textos dos poetas e filósofos gregos, pois, para alguns
aprendizes se fossem descobertas verdades nos escritos clássicos, isso talvez implicasse em uma
relativização da Sagrada Escritura. Enquanto que responder sobre a inexistência das verdades
seria negar algo evidente aos sentidos. A despeito dos pressupostos racionais existentes na
academia, Josep - Ignasi Saranyanna (2006, p. 54) afirma: “[...] caracterizou-se por suas
preferências filosóficas (optou pelo sistema platônico) e pelo método alegórico na interpretação
das Sagradas Escrituras, herdado de Filon (30 a.C. - 40 d.C.), que, por sua vez, aprendera dos
gregos [...]”. Suscitada pelo judeu Filon de Alexandria, “[...] um dos criadores do
neoplatonismo, e também um dos pensadores que mais contribuíram para a gênese do
gnosticismo” (Ibid., p. 53), essa nova forma exegética consiste em ultrapassar o sentido
meramente textual dos escritos sagrados. Essencialmente, Filon inaugurou “[...] uma peculiar
exegese alegórica do Antigo Testamento, de elementos platônicos e estóicos, que viria a criar
um clima característico em todas as demais escolas fundadas posteriormente em Alexandria
[...]” (Ibid, p. 53). Então, o sentido alegórico tem como função basilar desvelar quaisquer traços
de religiosidade contido nas palavras sagradas. A cerca do principal método de interpretação
escriturístico utilizado pelos capadócios, cita-se:

[...] O sentido alegórico, principal objetivo da exegese alexandrina, distingue-


se do sentido literal, cultivado sobretudo em Antioquia. Este último é o que
significa primariamente um texto da Escritura, e pode ser próprio (se segue o
significado próprio das palavras); ou então impróprio ou figurado, embora
querido diretamente pelo Autor sagrado (por exemplo, em Caná da Galiléi, o
vinho significou propriamente o vinho para beber, embora figuradamente se
referisse ao vinho como símbolo das riquezas messiânicas). O sentido
alegórico, por sua vez, tem caráter espiritual ou místico, e oferece significados
mais profundos do texto sagrado, que emergem quando se lê o Antigo
Testamento à luz do Novo (por exemplo, a Arca de Noé como tipo da Igreja,

11
Mais adiante, ver-se-á a proposta de Orígenes, para quem poder-se-ia extrair das filosofias gregas aquilo que
fomentasse a iniciação dos cristãos na doutrina. Cf. VÁZQUEZ, Ulpiano. Filosofia e Escritura na Primeira Escola
Cristã, 1991, p. 543.
17

o maná como tipo da Eucaristia, a túnica inconsútil como símbolo da unidade


da Igreja, etc.) [...] (SARANYANA, 2006, p. 54).

É certo que os novos defensores da religião12, sobretudo aqueles membros da Escola


alexandrina, desejavam abordar mais radicalmente o fundamento da própria crença. Daí que a
questão predominante na literatura dos padres dos séculos II ao IV tenha sido analisar e
solucionar a tensão advinda do encontro entre sabedoria cristã, cujas raízes remontam ao
monoteísmo judaico e no conceito de povo escolhido, e a sabedoria pagã, constituída pelo culto
aos deuses e utilizando-se de categorias como mito, pólis e logos, valorizando a palavra como
expressão máxima do discurso racional (LETENSKI, 2019). Portanto, se os cristãos não
justificassem coerentemente as razões pelas quais tinham fé, não se teria uma verdadeira
discussão, ou um debate digno da atenção dos mais ilustres mestres da época 13. Ainda mais
sabendo que:

Os gregos distinguem educação de formação, dada as especificidades de cada


uma. O termo formação geralmente é associado a aprendizagens externas e
atitude interior, as quais se manifestam numa forma integral no homem, e que
só termina com o termino da existência humana [...] (FREITAS, 2018, p. 294)

Apesar de complexa a relação entre educação cristã e os conteúdos das disciplinas


clássicas, tenha-se “que a doutrina cristã seja filosofia não é uma questão que [...] se permita
duvidar e menos ainda disputar. Essa será uma tradição que os seguidores de Orígenes, dos
Capadócios [...], mantiveram e manterão em todas as épocas” (VÁZQUEZ, 1991, p. 541). Em
contrapartida, alguns dos:

[...] intelectuais cristãos também viam com certa desconfiança a Retórica,


mas a desqualificação que faziam dela não teve a mesma dimensão da
que faziam da Filosofia. Enfim, a Filosofia, como uso metódico da razão e da
investigação racional, representava uma poderosa ameaça, que merecia
estudo cuidadoso e deveria ser trabalhada com precaução, ante as supostas
heresias dela decorrentes, que constantemente questionavam as verdades
da nova fé, tidas como absolutas. Em decorrência disso, o processo de
assimilação da cultura clássica pelo cristianismo não apresentou
uniformidade, conforme ficou expresso no fluente debate desenvolvido pelos
principais Padres da Igreja, entre os séculos I e IV da Era Cristã [...]. (MELO,
2008, p. 55).

12
Fieis ou mesmo pensadores cristãos.
13
Referência à preocupação com a capacidade de atração intelectual existente Cristianismo.
18

No entanto, tem-se que o objetivo máximo dos pensadores era detectar nos autores
helenos influentes um movimento dialético entre o tradicional pensamento grego e o novo
pensamento cristão (Schiller, 2020), encaminhava ao diálogo o cristianismo e as filosofias
helenísticas. Nesse sentido, um ponto digno de destaque é o de que uma escola da primeira
metade do séc. III concedeu imensa importância ao estudo da Filosofia e das ciências
propedêuticas. Também ali a dialética e as ciências naturais, bem como a filosofia moral e as
disciplinas todas que nas novas ou antigas filosofias poderiam suscitar o discurso teológico
eram analisadas (Vázquez, 1991). Ora,

[...] A certeza da dignidade filosófica da doutrina cristã que paira soberana


sobre todo o discurso de Gregório lhe permitirá ao mesmo tempo entregar-se
à dialética que ele apresenta como a gramática do espírito e, graças a ela,
dedicar-se ao entusiasmo racional (logikón thauma) (111) das ciências: a
física, ensinada por Deus, a geometria e a astronomia, que Gregório denomina
"sagradas" porque nos tornam o céu acessível [...]. (VÁZQUEZ, 1991, p. 544).

Também por meio de correntes14 como o platonismo, o estoicismo e o aristotelismo, os


alexandrinos analisavam as mais variadas indagações filosóficas a respeito da visão geral de
mundo, sociedade e em especial da religião. Para o sucesso na argumentação, serviram-se
frequentemente de filósofos como Orígenes (185 d.C. – 253 d.C.), que lançou problemas
pertinentes e “[...] organizou a primeira consolidação do pensamento cristão, foi porque seu
mestre Clemente lhe ensinou que só poderia fazê-lo se usasse, como método e paradigma, a
filosofia grega [...]” (LUPI, 1994, p. 22). Já antes dos Padres Capadócios, Clemente de
Alexandria recomendava a leitura e o estudo dos escritos de Platão, Xenofonte, Antístenes, e
algumas doutrinas pitagóricas15.

Desta arte, o estudo da Filosofia nas academias de alexandrina trouxe como maior
consequência um afastamento periódico da cosmovisão mitológica, “[...] no sentido de uma
racionalização de todas as dimensões da existência e do pensamento, em que a Filosofia surge
como manifestação suprema, particularmente no seu clímax platônico-aristotélico [...]”
(VASCONCELOS, 2018, p. 36). Vê-se na paideia grega determinada aprendizagem iniciática
que transcendia a esfera da fé simples, desejosa de um conhecimento estruturado e sistemático,
a saber, a sabedoria cristã. Com efeito, o distanciamento dos mitos por parte dos alexandrinos,

14
O subtópico seguinte dissertará mais pormenorizadamente sobre as correntes filosóficas as quais recorreram os
capadócios.
15
Dessa forma, a leitura dos escritos pagãos foi, certamente, recomendada desde os inícios da consolidação cristã
nas sociedades.
19

e de forma ainda mais intensa com os capadócios, obteve como resultado a posse daquilo que
de melhor existia no sistema profano em voga, de tal maneira que o arcaico mundo antigo foi
cedendo espaço à uma civilização cristã. Se por um lado:

[...] os autores cristãos denunciavam e criticavam os sofistas, o seu estilo vão


e particularmente as suas tendências menos religiosas, por outro lado,
acabavam por recorrer aos mesmos subterfúgios literários. Esta aparente
contradição tem, porém, uma explicação que a dirime, uma vez que não
podemos ajuizar sobre os textos, e os discursos dos cristãos sem ter em conta
os seus destinatários. Na realidade, se os Padres queriam persuadir em favor
da maior bondade da fé cristã, era necessário que se exprimissem num tipo de
linguagem que fosse não apenas entendido com facilidade, mas acima de tudo
apreciado, mesmo que com esse fim se tivesse que romper com os modelos
estéticos de um estilo ático erudito. (...) era preciso bem falar para entender a
verdade [...]. (VASCONCELOS, 2018, p. 50).

Dessa forma, o cristianismo é contemplado também enquanto conjunto de verdades


explicáveis e demonstráveis racionalmente, tendo em consideração que os gregos defendiam
um conceito diferencial de educação, muito além da mera formação básica. Para eles, a
educação dava-se em um processo contínuo exterior e interiormente ao homem (FREITAS,
2018). No que se refere à função pedagógica dos sistemas filosóficos trazidos de Alexandria
para a Cesaréia de Basílio, importa o seguinte:

[...] na narração dos estudos que eram levados a cabo no Didaskalcion de


Cesaréia, a passagem para a Teologia apenas completa a relação das matérias
que eram ensinadas. •- É surpreendente que o conteúdo da didaskalia teológica
seja ainda um estudo massivo da filosofia; Orígenes julgava bom fazer-nos
estudar a filosofia, obrigando-nos a ler com toda a nossa energia todos os
textos existentes dos antigos filósofos e poetas, sem rejeitar ou afastar
nenhum, porque ainda não possuíamos a capacidade de julgá-los (151).
Unicamente os ateus, que se excluem por si mesmos da teologia, e os
epicuristas, que Orígenes considerava "a vergonha da filosofia", não eram
lidos. Quanto ao resto, Orígenes incentivava a leitura sem manifestar
preferência ou desprezo por nenhuma escola filosófica, grega ou bárbara
(153). É supreendente que para tornar-nos aptos para receber a palavra da
verdade (98), um tão longo processo tenha sido julgado necessário e que a
filosofia desempenhasse nesse processo a função pedagógica de tanta
importância [...]. (VÁZQUEZ, 1991, p. 543).

Interessados em fundamentar seu discurso dos alexandrinos, filósofos como Clemente


e Orígenes desenvolveram uma extensa linha de raciocínio que solidificasse a doutrina cristã.
Muitas vezes, os considerados fundadores da Escola catequética “[...] procuraram um tipo de
reflexão filosófica que, partindo da revelação bíblica, buscasse positivamente a verdade. [...]”
(VASCONCELOS, 2018, p. 44). Além do que, a interpretação alexandrina da Bíblia, “[...]
20

primordialmente com Orígenes, procurou uma leitura racional dos vários sentidos bíblicos. [...]
Orígenes é, ele próprio, paradigmático da relação entre paideia grega e o cristianismo” (Ibid.,
2018, p. 45). E embora ele tenha vivido como cristão, possuía uma visão helênica diante da
realidade, incluindo sua visão sobre Deus. Sobre a figura importante de Orígenes, Gregório
Taumaturgo justifica sua escolha do estudo atento da Filosofia com tais palavras:

Ele julgou que era bom para nós que estudássemos filosofia com sabedoria,
de tal modo que pudéssemos ler com a maior das diligências tudo quanto se
escrevera, não rejeitando nada (pois que, de facto, não tínhamos ainda a
capacidade de discernir criticamente), exceto as produções dos ateus que, no
seu pensamento, se afastavam da inteligência distinta do homem, negando a
existência de Deus e da Providência. (TAUMATURGO, 1969, apud
VASCONCELOS, 2018, p. 45).

Nesse caso, até o século IV, a filosofia cristã seguiu a perspectiva alexandrina,
especialmente a de Orígenes. Por conseguinte, apresentando os fundamentos da fé através dos
pensamentos filosóficos próprios do helenismo pagão, os capadócios conseguiram superar algo
do seu caráter rudimentar. Tudo o que os gregos tomavam por ciências auxiliares, como
geometria, música, gramática, retórica e astronomia os filósofos cristãos aplicaram à própria
filosofia em relação ao cristianismo (HARL, 1983). Com vistas à reconciliação entre paideia
grega e o cristianismo primitivo, tais atividades racionais construíram-se uma coerente resposta
institucional da Igreja ao mundo helénico. Isto posto, quanto as características gerais e ao
mesmo tempo a importância da Escola de Alexandria para a posterior Escola da Capadócia,
entenda-se que aconteceu:

Um decisivo avanço [...] dado pelos grandes professores da próspera escola


catequista dos séculos II e III em Alexandria, Clemente (que morreu em 217)
e Orígenes (184-254). Eles não apenas forjaram a teologia cristã como ciência,
mas também elaboraram uma hierarquia das ciências, na qual a teologia se
encontra no seu ápice. Orígenes disse: “Se os filhos dos sábios universais da
geometria, música, gramática, retórica e astronomia afirmam que são servos
da filosofia podemos, assim, dizer o mesmo da filosofia em sua relação com
a teologia”. (Cf. DAWSON, C. Op. cit., p. 66.) De forma consequente ele
exige do teólogo que estude profundamente os escritos da antiga filosofia e
seja justo na interpretação de todos. Em seus próprios ensinamentos Orígenes,
de fato, também se ocupa com uma ampla integração, ampla demais para a
Igreja, dos pensamentos cristãos e neoplatônicos. Em sua obra principal, Dos
princípios, ele concebe a relação entre Deus e o filho de Deus como a da luz
com o brilho que dela se irradia. O Filho de Deus está, assim, na mesma
distância de ambas, entre Deus e os homens como intermediador. (STORIG,
2009, p. 183).
21

Portanto, pode-se dizer que Orígenes e Clemente com sua forma de tratar o problema
da existência de um fundamento racional ao cristianismo e sua paideia anteciparam o método
que seria utilizado posteriormente por Basílio e os Padres da Igreja. Se a doutrina cristã
aparecesse como uma continuidade da paideia grega, sua aceitação lógica para os gregos tornar-
se-ia mais fácil (JAEGER, 2014). No ambiente cultural de Alexandria, a tradição grega
assegurou ao cristianismo sua universalidade. Dali, Basílio de Cesareia herdou o conhecimento
cultural e espiritual para os homens de uma nova era: o século IV, a Idade de Ouro da Patrística.

2. BASÍLIO ENTRE OS PADRES DA “ESCOLA” DA CAPADÓCIA

Questões Preliminares

Apresentar-se-á questões tais quais o o pensamento dos três padres capadócios, Basílio
de Cesareia, Gregório de Nazianzeno e Gregório de Nissa; as características da “Escola da
Capadócia” e o lugar de destaque de Basílio entre os demais pensadores orientais do séc. IV.
Primeiro de tudo, ficaram conhecidos como capadócios porque nasceram, viveram suas vidas
e morreram na Província da Capadócia, hoje Turquia. Não bastando o fato de terem nascido em
mesma região, os capadócios participaram ativamente dos conflitos políticos e religiosos em
comum naquele tempo (PAPA, 2010). Figuras como a de Basílio, capazes de dar à literatura
greco-romana uma influência permanente na história e na cultura do seu tempo e até os dias
atuais.

Observou-se o impacto da paideia grega sobre a doutrina cristã, bem como as


implicações da filosofia helênica sobre o pensamento dos Padres da Igreja, o que figurou como
que uma luta entre o mundo clássico e o cristianismo emergente. Entretanto, os homens da
geração dos capadócios deram uma nova ênfase acerca do problema cultural, pois mesmo sendo
grandes apreciadores de Orígenes, apresentaram suas ideias particulares nas obras que
escreveram e nesses escritos conseguiram exibir a ampla cultura que conheciam. Quando
estudantes, seguiram o curriculum típico das academias pagãs, nas quais estudavam-se as artes
liberais e com ainda mais ênfase a filosofia e a retórica, todas elas alicerçadas nos textos dos
escritores clássicos. (JAEGER, 2014). Nesse contexto, os capadócios inauguraram algo que
22

pode ser denominado neoclassicismo cristão16, e por essa razão, o cristianismo do séc. IV
apareceu como herdeiro de tudo o que fosse merecedor de reavivamento na tradição grega,
mostrando-se ao mundo não só novamente fortalecido, mas como o grande preservador de uma
extensa cultura clássica. Ora, a filosofia e a retórica marcavam o cenário educacional de Basílio,
dessa forma, para também dominar a cena, o cristianismo precisava colocá-las a seu serviço
(JAEGER, 2014), por meio da filosofia basiliana isso aconteceu satisfatoriamente.

Sobre o método filosófico de Basílio, veja-se que ele não hesitou em recorrer às
filosofias platônicas, cínicas e estoicas para argumentar pontos essenciais em suas homilias,
bem como bebeu das fontes aristotélicas a fim de solidificar a retórica presente em seus
discursos. Tudo na intenção de converter à fé cristã. Logo, a filosofia de Basílio, por meio da
arte do convencimento, pretendia apresentar a fé aos ainda não crentes (PAPA, 2010). Sua
maior inclinação era unificar os aspectos morais da sociedade com a prática cristã, desejando o
crescimento espiritual e moral dos seus leitores e fieis. Diferentemente dos outros autores
cristãos, ele resolveu essa querela com equilíbrio, determinação firme e inovador discernimento
(MORESCHINI, 2010). Graças a Basílio a Igreja pode emitir uma posição oficial a respeito do
ensinamento pagão e suas consequências à vida cristã, assunto extensamente presente no
Discurso aos Jovens sobre a utilidade da literatura pagã. Para o bispo de Cesareia, a aquisição
de qualquer conhecimento jamais poderia sobrepor-se à educação moral.

2.1. O PENSAMENTO DOS CAPADÓCIOS

Segundo Claudio Moreschini (2008, p. 537), a “Escola da Capadócia”17 revela-se sinal


de “uma feliz unidade” isso graças à uma única “visão de conjunto” (Ibid., p. 537) exposta no
pensamento dos seus três expoentes máximos, Basílio de Cesárea (329 d.C. - 379 d.C.),
Gregório de Nissa (335 d.C. - 394 d.C.) e Gregório Nazianzeno (329 d.C. - 390 d.C.), e “[...]
não vemos nestes três homens qualquer entusiasmo menos ponderado, qualquer lacuna de
espírito crítico por tudo o que seja grego [...]” (VASCONCELOS, 2018, p. 48). À tal unidade
Moreschini denomina “humus filosófico” (MORESCHINI, 2008, p. 537). Porém, cada padre

16
Para Jaeger, os Padres Capadócios foram responsáveis por um período áureo da era patrística. Graças a eles, o
cristianismo alcançou o estado máximo de conciliação entre o helenismo e a doutrina cristã. Cf. JAEGER, Werner,
Cristianismo primitivo e paideia grega, 2014, pp. 90-91.
17
Novamente recorde-se o sentido da referida escola não tanto como estrutura física, como a alexandrina, mas
enquanto pensamento filosófico em comum partilhado pelos três capadócios.
23

possuía uma maneira própria de expor as ideias, além de os temas aos quais dedicavam erudição
serem diversos. Assim, os Capadócios não pensariam de forma igual todos os assuntos. Decerto,
a questão central que permite uni-los enquanto grupo é a compreensão da realidade18. Contudo,
foi na cidade de Cesaréia que:

[...] sob a proteção do Bispo de Jerusalém, o gênio de Orígenes fez com que
desabrochasse o sonho de Clemente de Alexandria: aprofundar a doutrina
cristã com a ajuda de uma séria reflexão filosófica. A importância do fato de
que esse desabrochar tenha sido também uma instituição, isto é, que pela
primeira vez tenha existido uma escola especificamente cristã dedicada ao
estudo da Sagrada Escritura e em diálogo permanente com a Filosofia, não é
em nada diminuída pela brevidade daquela primavera e nem sequer pela
fragilidade da resposta que foi encontrada para resolver a pendência entre a
Filosofia grega e o Cristianismo ainda marcado pelo seu hebraísmo original e
portador de uma Escritura que ele considerava inalienável, mas que os gregos
consideravam bárbara. Nós somos ainda um fruto daquela floração [...] (LUPI,
1994, p. 14).

Na historiografia, os três nicenos19 tornaram-se conhecidos não apenas porque foram


conterrâneos e coetâneos, mas também por terem participado dos conflitos político-religiosos
em comum, incluindo a intensa defesa do dogma trinitário20. Basílio, bispo de Cesaréia, seu
irmão Gregório, bispo de Nissa e o outro Gregório, bispo de Nazianzo despontam no horizonte
cristão como homens dotados de “uma homogeneidade de experiências culturais, de interesses
eclesiais e teológicos” (MORESCHINI, 2008, p. 537). Basílio e os dois Gregórios não deram
continuidade ao programa de desenvolvimento da religião cristã em seu tempo, mas preferiram
revelar suas ideias nas obras que escreveram. Pode-se dizer que de certo modo superaram
Orígenes, a quem eles muito se referem, posto que tinham em consideração o estabelecimento
de uma civilização inteiramente cristã (JAEGER, 2014), retomando a herança helênica mais
consistentemente do que aqueles que os antecederam (REALE, 2017). Por isso, há uma nova
abordagem dos homens daquela geração sobre o problema cultural. A saber:

[...] o estudo dos clássicos adequadamente discernido e selecionado, pode


oferecer uma boa base para a formação moral e intelectual do homem,

18
Isto é, a cosmovisão cristã dos Padres Capadócios, segundo os quais o todo da realidade deve ser entendido como
uma obra divina.
19
Assim ficaram conhecidos Basílio e os dois Gregórios pela fidelidade às determinações teológicas do Concílio
de Nicéia (325). Fidelidade expressamente constatada nas suas inumeráveis obras. Cf. PAPA, Helena. Memórias
sobre o imperador Valente nos testemunhos dos Padres Capadócios: a morte do imperador e denúncias contra o
Cristianismo ariano (Séc. IV d.C.), 2020, p. 1.
20
Conflitos tais quais as tentativas dos imperadores romanos em restabelecer a obrigatoriedade do culto pagão, as
heresias primeiras dentro da Igreja, resultando em acontecimentos como o Concílio de Niceia (325 d.C.). Para
maiores estudos, Cf. SÁENZ, Alfredo. História da Santa Igreja: a barca e as tempestades. Do nascimento da
Igreja ao islamismo, 2020, pp. 125 - 131.
24

inclusive do cristão. Tomando essa posição, muito aberta para o seu tempo,
Basílio, junto com alguns seus coetâneos, contribuiu para impedir que uma
determinada ala da elite cristã incluísse na sua “derrubada de ídolos” também
a ciência e a literatura antiga e fez com que no meio cristão prevalecesse a
posição positiva perante a cultura clássica. Assim, por conseguinte, a Igreja
veio a tornar-se o veículo transmissor do patrimônio cultural da Antiguidade
para a Idade Média e para os tempos modernos [...]. (SCHILLER, 2020, p.
11).

Vale salientar que “(...) O edifício teológico de Basílio e dos restantes Padres
Capadócios, filosófica e linguisticamente fundamentado, foi verdadeiramente determinante
para uma defesa hábil e competente da fé de Niceia”. (VASCONCELOS, 2018, p. 34). Os três
eram praticamente concordes em uma avaliação negativa 21 das academias pagãs, não pelas
academias em si, mas pelo ensino proporcionado pelos seus mestres, que representava uma
ameaça à fé dos cristãos envolvidos no percurso acadêmico (VASCONCELOS, 2018). Neste
sentido, os capadócios tiveram como missão conquistar a liderança espiritual dos povos que o
cercavam, e isso justificou a criação de uma literatura religiosa da mais alta qualidade
(GREGGERSEN, 2005). Dos padres membros da “Escola da Capadócia” ainda se define:

[...] com efeito, referem-se inúmeras vezes aos clássicos, citando com destreza
tanto os fundadores da Hélade, Homero e Hesíodo, como os grandes da
filosofia de Atenas, Platão e Aristóteles, e também os neoplatônicos como
Plutarco e Luciano, bem como os autores da nova sofística. Os seus discursos
e, de certo modo, toda a sua oratória, embora não sejam propriamente originais
na forma, recorrem aos artifícios retóricos e às figuras de estilo dos clássicos
para apresentarem um tema que é novo: os problemas da vida e do
pensamento, à luz de um espírito cristão. Embora criticados pelos
contemporâneos pelo uso livre da tradição helénica, os Capadócios defendem-
se com o exemplo de Moisés, que se ilustrara na sabedoria dos Egípcios, para
depois aceder ao mistério do Deus de Israel. (VASCONCELOS, 2018, p. 47).

Seguindo a cronologia expressa por Saranyana (2006, p. 53), da segunda etapa do


pensamento filosófico cristão, ou seja, do Concílio de Nicéia (325 d. C.) à queda do Império
Romano do Ocidente (476), interessam os dois Gregórios e Basílio. Embora posições
positivas22 frente ao helenismo ainda existissem, mesmo moderadas, a novidade dava-se na
especulação filosófica utilizada pelos capadócios não como resultado da busca humana pela

21
As Escolas poderiam influenciar negativamente os cristãos, posto que algumas determinações do pensamento
pagão entram em conflito com a fé cristã. Os padres usaram do discernimento para afastar os aspectos não
favoráveis e adaptar ao cristianismo aqueles mais compatíveis com os princípios religiosos. Portanto, a avaliação
negativa é apenas parcial.
22
Saudosismos ou mesmo algumas tentativas por parte dos indivíduos de restaurar a paideia clássica em todos os
sentidos, todas elas sem hesito suficiente, como no exemplo do apostata Juliano.
25

verdade, à semelhança das filosofias gregas precedentes; agora, o ponto de partida é a revelação
divina contida na bíblia. Assim,

[...] Todas as tradições, pagã e cristã, foram reinterpretadas a partir dessa fonte
de sentimento religioso, a fim de torná-las mais aceitáveis aos homens da nova
época. Elas começaram por lembrar que tinha sido Platão quem tornou o
mundo da alma visível pela primeira vez a observação interior do homem, e
compreendera que essa medida radical tinha mudado a vida humana. Assim,
Platão se converteu em seu guia nesse caminho ascendente, pois ele Platão os
fazia desviar seus olhos da realidade material e sensível para o mundo
imaterial, no qual os mais nobres da raça humana estavam para torná-lo seu
lar. (JAEGER, 2014, p. 60).

No tempo dos Capadócios a paidéia grega estava habituada ao serviço da cultura cristã,
mas a discussão em torno do papel da filosofia na formação acadêmica dos cristãos ainda
continuava. Basílio comparecera a Escola do excelente orador pagão Libânio 23 e anos depois,
quando em Atenas, provou na experiência pessoal os conflitos levantados pelo curriculum
clássico aos jovens cristãos. Também se tenha que a retórica era ensinamento basilar na paideia
grega. Segundo Helena (2010), no século IV a instrução dos cidadãos era deveras valorizada,
valorização refletida no reconhecimento oficial da profissão de retor. Depois dos estudos em
Cesaréia, Constantinopla e Atenas, Basílio tornou-se retor.

Em meio a tal contexto, Basílio e os dois Gregórios esforçaram-se por dispor tanto a
filosofia quanto a retórica ao emprego cristão (VASCONCELOS, 2018). Esses autores
fundamentaram seus discursos de retórica com argumentos de escritores do passado, como
Hermógenes e Aristóteles. Sendo assim, a retórica religiosa estava impregnada das técnicas
metodológicas de cunho aristotélico (PAPA, 2010). Todavia, para muito além das influências
filosóficas, o marco diferencial dos escritos cristãos era justamente o teocentrismo
(GREGGERSEN, 2005). Esse período é também merecedor de constante rememoração, pois

[...] Muito já se falou a respeito dos vários renascimentos que a cultura


clássica, tanto grega quanto romana, teve no decorrer da história, no Oriente
e no Ocidente. Porém, deu-se pouca atenção ao fato de que, no quarto século,
a era dos grandes Padres da Igreja, temos um autêntico renascimento que deu
à literatura greco-romana algumas dentre as maiores personalidades, que
exerceram influência duradoura na história e na cultura da era tardia até nossos
dias. [...] (JAEGAR, 2014, p. 91)

23
Escola localizada na Capadócia, região de origem dos três padres.
26

Sobre a intenção dos capadócios, Moreschini cita: “[...] Sua mais intima inclinação era
unir os aspectos morais com os sociais e práticos do cristianismo. Sua atividade e sua retórica
tinham o objetivo de suscitar em seu auditório o desejo do crescimento espiritual e moral.”
(MORESCHINI, 2010, p. 77), daí que são considerados únicos em sua abordagem filosófica.
“[...] malgrado a absoluta recusa da estrutura hierárquica do sistema plotiniano, os Padres
capadócios não hesitaram em recorrer a certos pontos essenciais do pensamento de Plotino e
Porfírio [...]” (Ibid., p. 73) para ilustrar suas posições intelectuais. Para Helena (2010), as
disciplinas ensinadas nas academias do séc. IV, como Astrologia, Aritmética e Geometria
estavam submetidas ao aprendizado da retórica, cujo bom uso concederia aos estudantes uma
excelente habilidade metodológica.

Sabe-se que a tolerância civil circulava por quase todo o Império Roman 24o, e as
perseguições aos cristãos por parte das autoridades foram diminuídas ao tempo dos capadócios.
A breve exceção deu-se brevemente durante o reinado do apóstata Juliano (332 d.C. - 363 d.C.),
que procurou retomar a religião e a paideia gregas, impedindo os cristãos de fazer delas um uso
para sua crença. O Imperador Juliano:

[...] excluiu os cristãos como professores das escolas. Ele deve ter percebido
o perigo para a sua causa, que se escondia nas aspirações culturais mais
elevadas dos cristãos, pois tomou medidas para frustrar seu desenvolvimento.
O Estado era, obviamente, capaz de obrigar o seu edito, ao menos por um
curto prazo. Mas em sua tentativa de restaurar o culto religioso e mistérios
gregos e dar-lhes uma organização semelhante a uma igreja, Juliano foi mal
sucedido. Sua mais forte aliada era a paideia das escolas tradicionais, das
quais dependia; os líderes cristãos mais cultos sabiam disso e tentaram eles
mesmos fazer uso desta arma. (JAEGER, 2014, p. 91).

Essa política anticristã defendia o retorno ao helenismo, isto é, a um classicismo cultural


e político, sem excluir o retorno ao culto dos deuses pagãos. Significava, em outras palavras,
tornar a paideia grega um artigo de fé. Assim, a religião passaria a funcionar como objeto de
restauração política e educacional do paganismo (JAEGER, 2014). Sobre a diferença de
reconhecimento das paideias entre pagãos e cristãos, afirma-se:

Os próprios filósofos gregos tinham reconhecido as então denomina das artes


liberais como a propaideia da filosofia. Agora, no esquema de Clemente, a
própria filosofia é rebaixada a uma propaideia da teologia cristã, que é a gnose

24
Salvo no período breve do reinado de Juliano, o Apóstata. Imperador no tempo de Basílio, também estudara em
Atenas. Cf. VASCONCELOS, Miguel. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 36.
27

final. Mas somente a propaideia (filosofia) vem do homem; a verdadeira


paideia em si mesma provém de Deus [...] (JAEGER, 2014, p. 79)

Em alerta às decisões reformistas do imperador Juliano, Basílio e os padres voltaram


atenção ao problema da relação entre as letras clássicas e a fé cristã, pois, caso os cristãos se
mostrassem incapazes de assumir a liderança intelectual e cultural, não haveria vitória política
e, consequentemente, a segurança da religião cristã25. No entanto, seria insuficiente proclamar
Cristo como o novo pedagogo da humanidade, seguindo Clemente de Alexandria. Somente
mostrando a força do espírito intelectual, os cristãos conduziriam o ensinamento que lhes era
contemporâneo. Em suma, era necessário que eles construíssem uma paideia cristã (JAEGER,
2014), e nos três padres não se deixa de observar qualquer traço menos entusiasmado para isso.
Entretanto, essa edificação não aconteceria sem:

[...] uma meditação profunda acerca da conexão entre o cristianismo e a


Orígenes e Clemente iniciaram essa linha de pensamento em um alto nível,
mas agora muito mais era necessário. [...] Eles movimentaram, para essa
tarefa, uma ampla cultura que é manifesta em todos os lugares em seus
escritos. Apesar de suas convicções religiosas, que eram opostas ao
reavivamento da religião grega clássica, tentado pelas forças poderosas dentro
do Estado em seu tempo, eles não ocultam sua grande estima herança cultural
da antiga Grécia, essa é a linha crucial demarcação que eles traçaram entre a
religião grega e a cultura. Assim, eles chegaram a reviver a relação positiva e
produtiva do cristianismo e do helenismo que nós já encontramos em
Orígenes, mas em uma nova forma e em um nível ente. Não é muito dizer que,
no caso deles, pode se falar um tipo de neoclassicismo cristão que é mais do
que de caráter meramente formal. O cristianismo, por meio deles, para emergir
como o herdeiro de tudo que parecia digno de reviver na tradição grega. Desse
modo, não somente fortalece a si e sua posição no mundo civilizado, mas
preserva revive uma herança cultural que, em uma ampla extensão,
especialmente nas escolas de retórica daquele tempo, tinha se tornado uma
variação vazia e artificial de um modelo clássico petrificado: Muito tem sido
dito acerca dos vários renascimentos que a cultura clássica, tanto grega quanto
romana, tinham experimentado na história do Oriente e Ocidente. [...]
(JAEGER, 2014, p. 90-91)

O ensinamento de Basílio e dos dois Gregórios alcançou o outro lado do então mundo
conhecido, chegando ao Ocidente, lugar em que, a partir e graças a eles, a abordagem da Igreja
perante os livros profanos e sua função educativa continuou a mesma do lado Oriental
(VASCONCELOS, 2018). Lendo grande parte dos filósofos gregos, como Orígenes havia
indicado, os capadócios estudaram com seriedade a tradição clássica (JAEGER, 2014). E com

25
A subsistência do cristianismo, dessa forma, dependia do bom êxito intelectual dos autores cristãos. Sem esforços
intelectuais, o discurso religioso não encontraria prestígio em meio ao mais sábios da camada social. Daí
compreende-se com qual responsabilidade pregavam os capadócios.
28

maestria conseguiram resolver o conflito em torno da existência ou não de verdades nos textos
pagãos. Ora, os escritos dos padres estavam no contexto da Escola de Alexandria; portanto,
imersos na influência literária de então (VASCONCELOS, 2018). Porém, foi através dos
esforços filosóficos de Basílio que, como em nem outro capadócio, a cultura grega fora elevada.

2.2. A FILOSOFIA DE BASÍLIO

Dentre os padres capadócios, o pensamento de Basílio de Cesaréia realça sobre os


demais por conta das diversas partes que o compõem, graças ao ensino recebido das academias
nas quais estudara. É inevitável a consideração do bispo de Cesaréia sobre o estudo da literatura
e poesia gregas e o valor para a formação dos jovens cristãos. Para Basílio, não se tratava de
deturpação da cultura pagã, do contrário, acontecia uma elevação (LUPI, 1994). Ele alegava
que os escritores cristãos de sua época atacavam o helenismo por mera fraqueza, mesmo que a
imitasse. Então, a filosofia de Basílio ressalta que a admiração dos cristãos pela educação grega
ia além da forma (JAEGER, 2014). A despeito dos estudos juvenis do filósofo, cita-se:

Chegado à adolescência, Basílio continuou os seus estudos nas escolas de


Cesareia, «de onde prosseguiu paras as escolas de retórica mais conceituadas
do Mediterrâneo oriental, onde foi aluno do mestre pagão Libânio, entre
outros, e em Constantinopla por cerca de um ano, tendo seguido em 349 para
Arenas, ainda um centro da cultura grega», [...] em Cesareia, tendo aí sido
discípulo de Himério, retórico e sofista pagão da Bitínia, e do cristão
Proarésio, também ele retórico e sofista. [...]. (VASCONCELOS, 2018, p. 22-
23).

A excelência dos estudos de Basílio deu-se primeiro porque seu pai foi proprietário e
mestre em retórica de uma escola na Césareia, recebendo assim uma educação ao nível cultural
mais altivo da época, no esquema da paideia grega imperial. Basílio conquistou excelência na
retórica e na filosofia, porque as academias seguiam o currículo regular, no qual estavam
inclusas as artes liberais e justamente a retórica e a filosofia, todas as disciplinas estando
fundamentadas na leitura dos clássicos (JAEGER, 2014). Depois, nas mais renomadas escolas
de retórica e filosofia de Atenas, o filósofo estudou durante quatro anos. Historicamente, as
academias cristãs continuaram vigorosas até o seu fechamento, em 529 d.C. por mando do dito
Imperador Justiniano (Schiller, 2020). Logo, Basílio amadureceu nos estudos em terra natal,
através da filosofia alexandrina, e posteriormente na grande Atenas. Tal modelo de educação
grega nas escolas caracteriza-se por ter sido:
29

[...] sempre [...] baseada no estudo exaustivo de Homero e nos demais poetas
gregos. Na era helenística, essa educação tradicional, na qual as "artes" dos
sofistas foram acrescenta das, tornou-se uma instituição pública nas cidades
do mundo de fala grega. As profundas investigações de Platão acerca da
natureza do entendimento da mente humana e o melhor método de
aprendizagem levaram-no a proclamar a filosofia como a única paideia
verdadeira; mas isso não mudou o caráter da educação oferecida nas escolas
públicas. A filosofia permaneceu encerrada dentro dos muros das escolas
filosóficas. As pessoas comuns não foram afetadas por isso. Assim, o tipo
literário de educação superior permaneceu intacto, mesmo após o tempo de
Platão. [...] (JAEGER, 2014, p. 100).

Ora, Basílio foi levado a Atenas pelo amigo Gregório Naziazeno, e naquela época a
oposição entre a cidade pagã e Jerusalém era ainda um tanto significativa. Consequentemente,
a investigação da paideia grega por Basílio fez com que ele se debruçasse sem ressalvas iniciais
sobre as filosofias pagãs como a platônica e as considerações sofisticas, aprendendo dos
considerados maiores mestres platônicos e sofistas do seu tempo26. Acerca do mesmo Platão e
do neoplatonismo a influência na filosofia brasiliana é clara, na medida em que os escritos desse
filósofo, principalmente os discursos, enfatizavam a valorização da vida espiritual e,
consequentemente, pregavam a depreciação das coisas terrenas, materiais, passageiras e
sensíveis (LETENSKI, 2019). Não obstante as reinterpretações da filosofia de Platão a partir
das tendências médio e neoplatônicas, o pensamento cristão geral e particularmente o
pensamento dos capadócios será marcado pelo neoplatonismo, e através dele Basílio move-se
no universo das escrituras sagradas (PENSAK; ALMEIDA, 2020). Todavia, os traços próprios
de Basílio distinguem-se pelo fato de que a:

[...] cultura clássica e formação cristã em Basilio se compenetram


reciprocamente, mesmo se não com a convicção e a sensibilidade literária que
caracterizam Gregório Nazianzeno. Basílio é menos propenso à paideia do
passado e a crê superada, mas não objeto de condenação absoluta. Como
observa Naldini, em Basílio aquilo que para outros autores cristãos,
especialmente na área latina, constituiu um dissídio às vezes dramático foi
resolvido com pacífica determinação no íntimo de uma consciência
equilibrada e ao mesmo tempo firme e inovadora. Certamente seus interesses
ascéticos são indiscutíveis, mas ele soube manifestá-los de modo que evitasse,
como se viu em seu contexto, os extremismos de tipo eustaciano no campo
ético-dogmático, assim como (o que aqui nos interessa) a exasperação de
condenação e de rejeição dos valores de cultura não cristã. (MORESCHINI,
2010, p. 125).

26
Claudio Moreschini desenvolveu um extenso trabalho acerca das filosofias presentes no discurso de Basílio, bem
como as características próprias da sua filosofia. Para uma pesquisa minuciosa, Cf. MORESCHINI, Claudio.
Basílio Magno, 2010.
30

A retórica utilizada por Basílio em suas obras pode ser considerada mais profunda do
que o método utilizado pelos sofistas, posto que importava a ele convencer mais o
comportamento humano que o pensamento. Neste sentido, as cartas de Gregório de Nazianzo e
as do próprio Basílio exibem a influência dos estoicos nos escritos basilianos. O conceito de
apatheia reforça a equivalência entre o ascetismo e a vida filosófica em Basílio, ambas
ferramentas entrelaçadas no desenvolvimento espiritual e moral dos cristãos (PENSAK E
ALMEIDA, 2020). Isto é, o cunho moral era o ponto central o qual interessava Basílio, e não o
mero desenvolvimento erudito dos estudantes cristãos. Essa seria uma motivação primordial
para a transformação interior de uma nova sociedade, antiga ao mesmo tempo, posto que a
transformação preservou alguns aspectos helênicos saudáveis ao cristianismo (Moreschini,
2010). Se a retórica e a filosofia eram essenciais no campo cultural e da educação, o filósofo
não poderia deixar de dispô-las a seu serviço (JAEGER, 2014). Do estilo escriturístico do
filósofo, tenha-se em consideração o seguinte:

[...] de Basílio, de vemos considerar sua "retórica" e, precisamente, o modo


como ele permitiu que suas homilias, por exemplo, fossem conformadas de
modo somente limitado pelos artifícios tradicionais (sem os quais, no entanto,
teria sido impossível até somente redigi-las ou recitá-las). Ele insiste no fato
de que o cristianismo tinha suas próprias regras para a comunicação Como
disse na homília Sobre o mártir Górdio 2, "o estilo do ensino apto a Deus não
conhece as regras da retórica". Nesta asserção tão cheia de segurança
percebesse o temor de que alguns de seus ouvintes esperassem dele uma
oratória mais afinada à escolar. O motivo para dar tanto significado a esse
contraste entre a oratória cristă e a sofistica era, como disse o próprio Basílio,
o fato de que a homilia devia sugerir a imitação das virtudes do mártir [...].
(MORESCHINI, 2010, p. 121).

Ainda no tocante à problemática do estudo das letras profanas pelos cristãos, Gregório
Nazianzeno resume a situação em voga no seu tempo e do seu amigo Basílio. Havia o
reconhecimento por parte dos homens de bom senso da educação entre o primeiro dos bens à
disposição; não somente uma educação nobre como a dos cristãos, capaz de desconsiderar o
estilo elegante e refinado da linguagem em prol das ideias belas e que conduzissem à salvação,
também a educação pagã, rejeitada pelos cristãos por ser entendida como afastamento de Deus
(VASCONCELOS, apud NAZIANZENO). Entretanto, tanto Gregório quanto Basílio recusam
esse pensamento, considerando-o um grande erro de julgamento. A questão merecia tamanha
ênfase, pois o tema:

[...] da linguagem, de maneira alguma significou uma matéria irrelevante.


Com a linguagem grega todo um mundo de conceitos, categorias de
31

pensamento, metáforas herdadas, e conotações sutis entram no pensamento


cristão. [...]. (JAEGER, 2014, p. 13).

Ademais, durante os anos em Atenas e em Constantinopla, graças ao contato com o


orador Libânio, a tentativa de resolver a tensão entre o cristianismo e o curriculum pagão
clássico despertara a atenção de Basílio. Retornando a Cesaréia, Basílio e Gregório afastaram-
se da sedução da paideia profana e começaram a ler as obras e conhecer a tradição de Orígenes
(Moreschini, 2010). Nesse sentido, com os recursos intelectuais desenrolados em Atenas,
Basílio e Gregório compuseram obras como a Philokalia, cuja estrutura consiste na organização
dos vários fragmentos dos escritos do Orígenes, mas sem comentários de nenhum dos dois
autores. A Philokalia apresenta-se como um esboço dos problemas que poderiam colocar os
cristãos em dificuldades diante dos não crentes (ibid), o que, para Marco e Rogério (2020) pode
ser entendido como um prelúdio para um futuro tratado moral de Basílio. Rememore-se que o
quadro da relação de Orígenes com a filosofia foi confirmado pelo seu mais conhecido
discípulo, o capadócio Gregório Taumaturgo, que levaria à Capadócia o ensinamento do mestre.
Dessa maneira, o Taumaturgo figurou-se o elo entre Orígenes e Basílio junto aos capadócios,
todos estes seus leitores e admiradores assíduos. Por conseguinte:

[...] os Padres capadócios da igreja seguiram o método de Orígenes, e assim


fizeram muitos outros entre os teólogos cristãos, sem que isso implicasse
sempre na aceitação de toda a interpretação de Orígenes. O que lhes pareceu
justificar seu método de tratar esse problema foi o fato de que esse método
alegórico já havia sido usado pelos autores bíblicos em algumas ocasiões,
mesmo pelo próprio apóstolo Paulo. [...] (JAEGER, 2014, p. 69).

Em Basílio, encontram-se recortes de doutrinas filosóficas diferentes entre si, mas que
o filósofo consegue compilá-las em benefício da doutrina cristã, uma herança iniciada pelos
alexandrinos e radicalizada por ele. Foram extrações das filosofias: cínicas, estoicas,
aristotélicas, platônicas, etc27. Da influência de Aristóteles, conhecido como o Filósofo, na
filosofia do padre capadócio constata-se que a ética basiliana aparece como uma ética alicerçada
no conhecimento adquirido pela revelação, ou seja, surge como ética intencional ou teleológica,
pois visa uma finalidade, a saber, a vida eterna (LETENSKI, 2019). Além disso:

[...] Basílio havia postulado uma ética cristã, seu comentário sobre os Salmos
mostra claramente que ele queria usá-los assim. Se fizermos um estudo mais

27
Posto que, Segundo Miguel Cabedo, Basílio experimentou uma excelência educacional no sistema da paideia do
Império, qualidade refletida principalmente na retórica filosófica do capadócio. Aos jovens, sobre como tirar
proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos,
2018, p. 34).
32

cuidadoso, podemos ver que por trás dessa interpretação está a própria
experiência de Basílio com a Ética a Nicômaco de Aristóteles que, sem
dúvida, ele havia estudado cuidadosamente em sua permanência na escola de
Atenas. [...] .(JAEGER, 2014, p. 113).

Já que é muito comum entre os Padres do séc. IV a utilização de elementos próprios da


filosofia pagã, destacadamente a de Platão, Aristóteles e dos estóicos, não poderia ser diferente
com Basílio de Cesareia, enfaticamente no que diz respeito à questão platônica da assimilação
a Deus (PENSAK E ALMEIDA, 2020). Em relação aos vários escritos filosóficos estudados
por Basílio, tem-se:

[...] Do mesmo modo, na escolha dos autores, poetas, historiadores e filósofos,


Basílio, mesmo no âmbito de sua educação sofistica, se move segundo um
inteligente discernimento. O elemento essencial e de terminante para Basílio
é o da utilidade moral. Assim, também nas páginas de empenho mais
estritamente literário, são fundamentais a compreensão e a aceitação dos
mistérios da revelação cristã, pela qual o conhecimento e a utilização razoável
e crítica da cultura pagã se tornam útil propedêutica àquela que, na experiência
de Moisés, Basílio chama de "contemplação da realidade" (Discurso aos
jovens 3) e designa com a expressão platônico-bíblica "assimilação a Deus".
(MORESCHINI, 2010, p. 126).

Até então, ainda não existia uma posição da Igreja a respeito do ensinamento e das
instituições que se dedicavam ao ensino da paideia cristã. Obras sobre a questão ainda não
haviam sido escritas, como depois o fará Basílio no Discurso aos Jovens. Nesse livreto o
filósofo [...] patenteia-lhe a mente ilustrada pelo estudo dos autores clássicos, e revela a sua
intenção de colaborar para a educação moral dos jovens, servindo-se das próprias obras
adotadas nas escolas. (NUNES, 2018, p. 170). Entretanto, os livros dos grandes teólogos da
Escola de Alexandria, Clemente e Orígenes, foram utilizados mais como exemplos do que
propriamente para imitação do conteúdo. Basílio, portanto, teve um estilo próprio de
argumentação e discurso (MORESCHINI, 2010). Para exemplificar o extenso conhecimento
filosófico pagão do Bispo de Cesareia, cita-se:

[...] lembremos que Basílio se inspira até nas Categorias, de Aristóteles (uma
leitura certamente não frequente no cristianismo antigo), como se conclui do
Contra Eunômio I 9,532A; o termo, de origem aristotélica e estoica,
hypokeimenon ("substrato"), empregado por Basílio para indicar a substância
de Deus (Contra Eunômio I 7,525A; 19,556B); os termos paralelos hypostasis
e hyparxis para indicar a existência/subsistência de Deus (Contra Eunômio I
15,548A); schesis, específico para indicar a relação recíproca da "relação entre
as três Pessoas (Contra Eunômio I 20,557B). Ou, um outro exemplo é
constituído pela definição do tempo no Contra Eunômio (1 21,560B), em que
se adapta a definição de Aristóteles (Física IV 11): "o tempo é o intervalo
33

coextensivo à constituição do mundo" (definição que se lê também em


Gregório Nazianzeno, Oração 38,7). (MORESCHINI, 2013, p. 538-539).

Na exegese basiliana28, o filósofo é movido a servir-se ora do método literal, ora do


método alegórico, em momentos prevalecendo a letra, outros a alegoria. Tudo dependia do
público ao qual pregava, bem como da natureza e do gênero textual, sem esquecer das
finalidades últimas, principalmente se doutrinais29. Ele prefere refutar o radicalismo alegorista,
seguindo a tendência recente do alexandrinismo, era necessário submeter o escrito a um exame
crítico que coadunasse à personalidade eclesial e religiosa do pastor (MORESCHINI, 2010). O
honrável destaque do filósofo dá-se, sobretudo, pelo:

[...] equilíbrio na síntese teológica de Basílio, assim como na dos outros dois
capadócios, [...] fruto de um acordo harmônico com a cultura grega,
largamente acolhida, com as premissas cristãs da renúncia ao mundo e da
fraternidade na ascese a ser praticada em comum. Diante do grande mestre
alexandrino, Basílio foi, como disse sempre Gribomont, "o mais discreto entre
os herdeiros de Orígenes". Scazzoso notava que "o humanismo de Basílio
consistia num grande equilíbrio em sua capacidade de eliminar os elementos
caducos e danosos que a seus olhos constituíam tantos aspectos da cultura
profana ou, ao contrário, os que ficaram estranhos a ela, que caracterizavam o
ascetismo irracional e insubordinado dos “entusiastas”. (MORESCHINI,
2010, p. 131).

O ecletismo filosófico é uma característica fortemente constatada em Basílio, bem mais


que nos dois Gregórios. O filósofo pretendia propor um discurso persuasivo com vistas à
conversão à fé cristã, para tanto utilizando-se dos manuais retóricos de Aristóteles (PAPA,
2010). Enquanto o pensamento de Orígenes encontrava-se nos inúmeros e volumosos livros por
ele escritos, os capadócios comunicavam suas ideias ao orbe cristão, especialmente através da
retórica presente em suas homílias (JAEGER, 2014). Todavia, sem deixar oculto o origenismo,
componente imprescindível da posição cultural de Basílio e da paideia cristã a qual pertencia e
lutava por defender. O Bispo de Cesareia se distinguia dos demais padres nos estudos porque,
para ele, nenhuma ciência deveria ocupar o espaço da educação moral e deveria superá-la.
Basílio recebeu e exerceu uma influência enorme no séc. IV, isso graças a sua intensa relação
com a filosofia. Com o fim de se adquirir virtudes para o bem do próximo e para a conquista
da vida futura é que a seriedade moral e o comportamento ético embasados nos escritos do
filósofo darão origem ao Discurso aos Jovens sobre o a utilidade da literatura pagã, durante

28
Isto é, em seus muitos escritos interpretativos.
29
Questões ligadas à ortodoxia da fé no tempo de Basílio, como a trindade ou o arianismo.
34

muitos séculos o documento base para uma elevada educação cristã (MORESCHINI, 2010).
Nele, Basílio de Cesareia mostrará que sua afeição pelas coisas gregas supera meramente a
forma, ou seja, a imitação do helenismo torna-se não só evidente como louvada, isso quando
serve de benefício à formação juvenil dos cristãos.

3. BASÍLIO E O “DISCURSO AOS JOVENS SOBRE A UTILIDADE DA


LITERATURA PAGÔ

Questões pré-liminares

Inicialmente abordar-se-á a obra o Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura


pagã, de Basílio de Cesareia. São muitas as dificuldades com as quais se depara no estudo do
texto, tais como a incerteza sobre a datação, o gênero e o público específico a quem o escrito é
endereçado. Apesar do não-encerramento dessas questões, os estudiosos conseguiram delinear
paralelos bastante coerentes na apresentação das suas ideias. Todavia, as convicções sobre o
Discurso estão mais na sua intencionalidade do que nas características estruturais da obra.

Tendo estudado nas mais capacitadas escolas imperiais do séc. IV, o filósofo sorveu
conhecimentos dos grandes mestres de retórica e oratória (ROMERO, 2011). Sem esquecer a
importância das principais correntes filosóficas em circulação nas escolas, como as dos
estoicos, aristotélicos e platônicos (JUNIOR, 2014). Dessa forma, a filosofia marca presença
em toda a argumentação lógica e dialética do texto, objetivando convencer os jovens ao claro
discernimento entre os conteúdos úteis e inúteis à alma cristã. Citando inúmeros exemplos de
personagens ou livros da literatura helênica, Basílio pretende relacionar a literatura grega com
a literatura cristã, como também analisar a possibilidade de conciliação harmoniosa entre ambas
(VASCONCELOS, 2018). Consequentemente, a triagem dos jovens procura consolidar a
identidade cristã, principalmente no que se refere à aquisição das virtudes (VASCONCELOS,
2018).

Bem mais do que um tratado pedagógico ou um rico elogio do cristianismo à paideia


grega, o Discurso aos jovens consiste em uma exortação ao público cristão para que, com
legitimidade e segurança, provasse da literatura pagã, o que poderia não desprezar, mas
valorizar os valores evangélicos e a tentativa cristã da conquista da vida futura
(VASCONCELOS, 2018). Logo, o Discurso termina por estender-se à toda a comunidade dos
35

crentes, tanto os da época do Basílio, quanto os cristãos de hoje. Por essa razão, o pequeno texto
tornou-se a posição oficial da Igreja sobre a utilidade da literatura pagã aos seus fieis cristãos
(JAEGER, 2014).

3.1. O DISCURSO: CARACTERÍSTICAS GERAIS E FILOSOFIA DA OBRA

No pensamento basiliano, ao refletir-se sobre a educação do século IV, época em que


viveu Basílio de Cesaréia, o encontro entre a paideia grega e a paideia cristã era uma questão
crucial à educação cristã. Conforme explicita Letenski (2019), entres os anos 370 e 375 d.C.
Basílio redigiu o Discurso aos Jovens sobre a utilidade da literatura pagã30. Uma vez fixado o
contexto histórico-cultural de redação do Discurso31, considere-o como um símbolo da não-
resistência de Basílio à sabedoria pagã, o que posteriormente viria a ser a posição oficial da
Igreja primitiva ante a tradição clássica. Historicamente :

Os escritores pagãos e cristãos dos séculos IV e V d.C, que tinham acesso ao


sistema escolar, aprendiam leitura e escrita, gramática e retórica em obras de
autores como Homero, Virgílio, Cícero, entre outros do período clássico. Para
Moreschini e Norelli, a “mentalidade estética” desses homens, independente
da fé, era a mesma, mas cada autor imprimia sua marca pessoal nos conteúdos,
na forma e na linguagem utilizada no texto. Nesta conjuntura, não havia
gêneros literários exclusivamente pagãos ou cristãos, com raras exceções,
como a homilia, que é uma “exegese do texto sacro realizada na sinagoga” e
amplamente utilizada na Igreja cristã. Os autores seguidores da nova fé
colocaram a serviço da atividade religiosa as formas literárias tradicionais com
algumas adaptações. (LEMOS, 2009, p. 93).

Nesse período, enquanto os pagãos escreviam livros para transmitir suas ideias e
preservar as tradições herdadas pelos antigos, os cristãos foram mais adiante, posto que além
de adaptarem as obras e os recursos pagãos a si, adaptaram-nos para discorrer sobre a fé,
recorrendo à retórica para difundir o cristianismo (LEMOS, 2009). Com esta finalidade, os
intelectuais da fé, entre os quais está Basílio, contaram com os recursos escritos e orais, quais

30
Utilizar-se-á como base a tradução de Miguel Cabedo e Vasconcelos. Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo.
Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução:
Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, pp. 70-109.
31
Perante os muitos títulos os quais se pode seguramente nomear o texto de Basílio, adotou-se o de Discurso aos
jovens sobre a utilidade da literatura pagã, como o fez o patrólogo italiano Claudio Moreschini. Cf.
MORESCHINI, Claudio, Basílio Magno, 2010, pp. 122-129. Principalmente se se recordada a ideia de que o
escrito carece de um título específico. Logo, não há nenhum comprometimento do estudo científico de Basílio e
sua obra.
36

hinos, homilias, sermões, para comunicar as verdades contidas no texto sagrado. Em tais obras,
o padre grego usa de um estilo simples, todavia, nos “ [...] textos [...] destinados a um mundo
cultural mais refinado, [...] algumas homilias e sobretudo algumas epístolas, atingem às vezes
uma grande elegância. [...]” (BERARDINO, 2002). Consequentemente, as estruturas filosóficas
encontradas nos escritos dos autores dos séculos III e IV é uma apologia em ato, na tentativa de
conduzir os pagãos mais cultos à religião cristã (SANTOS, 2003). Werner Jaeger (2014) afirma
que o livreto aos jovens permanece até então como a autoridade máxima sobre a questão de
valorização dos estudos clássicos para a Igreja. Define-se, assim, o seguinte:

[...] “os escritores cristãos, ao contrário dos pagãos, obtiveram sucesso na


transmissão de suas teorias para as massas” e conseguiram divulgar suas
concepções dentro e fora dos círculos intelectuais. Croke e Emmett
corroboram com esta tese. Para estes autores, a história produzida,
especialmente a partir do início do século V d.C., não era “mais o setor
particular da elite literária”. (LEMOS, 2009, p. 100-101).

Sobre o desenvolvimento estrutural do Discurso aos jovens, também Bruno Gripp


(2019) acredita não existir um consenso exato tanto em relação ao gênero como quanto a
datação exatas32. O que se discute com maior importância é a possibilidade do texto como uma
homilia ou mesmo um discurso, mas externo ao ambiente litúrgico, fato que o aproxima
consideravelmente do gênero retórico epidítico, recurso próprio para uma argumentação de
grandes ideias. Todavia:

E em um jogo refinado, Basílio segue os gregos em conteúdo e forma: ele cita


com facilidade os principais autores da escola, especialmente Platão e
Plutarco, e escreve como um aticista consumado, de acordo com as diretrizes
da Segunda Sofística, mas sem seus abusos retóricos; pelo contrário, com
equilíbrio, elegância e clareza de estilo e sintaxe, além de uma riqueza singular
de vocabulário, como se pode verificar pela simples leitura do divertido
tratado. Por outro lado, Naldini mostrou que Basílio segue de perto o ideal
educativo origeniano. Tanto Orígenes como Capadócios pretendem, através
da educação, criar nos alunos a capacidade de escolher adequadamente (IX 19
e 27) tendo a virtude como meta, e dar-lhes um viático (X 3 e 5) para ajudá-
los no difícil caminho (V 3.). O outro princípio básico levantado por essas
duas mentes prodigiosas do Cristianismo é a coerência no comportamento, a
adequação das palavras e do modo de vida (VI 5ss.), Firmeza nas convicções
(IX 28 ss.): Só assim apode tertar-se a aproximação progressiva a Deus (V
16). (ROMERO, 2011, p. 14-15).33

32
Contentou-se com a proposta de datação dada por Mário Naldini, a saber, que o Discurso aos jovens foi escrito
entre os anos 370 – 375 a.C., um momento posterior ao dito edito do Imperador Juliano, sendo Basílio já bispo de
Cesareia. Cf. NALDINI, Mário, Basilio di Cesarea. Discorso ai Giovani. Oratio ad adolescentes com la versione
latina di Leonardo Bruni, 1984, p. 16.
33
Tradução minha.
37

Teoricamente, Letenski (2019) afirma que a persuasão eficaz de Basílio acontece graças
ao bom uso da retórica e da filosofia, e ambas de tal modo relacionadas que não se consegue
separá-las com facilidade. Moreschini (2010) firma que a retórica basiliana tinha a finalidade
maior de convencer o comportamento humano dos leitores, e não apenas convencer seus
pensamentos. De acordo com Romero (2011), outro aspecto a ser considerado é que o incentivo
de Basílio aos jovens está arraigado em um modelo erudição capaz de combinar as verdades
cristãs com a cultura pagã.

[...] B. explica como a filosofia e a paideia atenienses conduzem o


homem a uma atitude que se aproxima do ascetismo cristão. Os dois
escritos deixam sistematicamente na sombra a fundamentação bíblica,
de suprema autoridade para B., limitando-se a preparar inteligências
acostumadas também com outros modelos. (BERARDINO, 2002, p.
215-216)

No Discurso aos Jovens, Basílio acabou tornando evidente o que ele pensava a respeito
da literatura clássica e o seu contributo na formação do jovem cristão (SCHILLER, 2021). Ao
que parece para Moreschini (2010), a obra aos jovens não deseja diretamente abordar a relação
entre sabedoria pagã e sabedoria cristã, embora o título pareça propor. O mais importante é
considerar que não era, até então, coisa óbvia aos cristãos como poderiam aproveitar-se da
literatura pagã. O ponto a ser considerado gira em torno de uma obra deveras conhecida e
bastante estudada, que é:

[...] dirigida aos jovens, infelizmente de difícil datação. Nela concorrem de


maneira pragmática os dois momentos ou os dois componentes que assinalam
substancialmente a posição de Basílio. Uma proposta de datação aventada por
alguns estudiosos seria de que essa pequena obra constituiria uma resposta
imediata ao famoso édito de 362, com o qual o imperador Juliano interditava
aos cristãos o ensino das letras. A maior parte dos estudiosos, ao contrário,
concebe que o discurso, na redação definitiva, pertence à plena maturidade de
Basílio. O escritor pontuou seu raciocínio de densas citações e reminiscências
pagãs, escolhendo frequentemente elementos da mitologia e mesmo da
literatura de caráter mais popular. [...] (MORESCHINI, 2010, p. 122)

Dessa forma, o envolvimento de Basílio com a filosofia acontecia principalmente com


relação à moral e à ética, quando no tocante ao comportamento constante em busca da virtude
para o bem do próximo (PENSAK; ALMEIDA, 2020). Além do que, os conceitos de
aproveitamento e utilidade das coisas está mui presente no pensamento dos estoicos. Citando
apenas um exemplo disso, referindo-se a concepção estóica de bem, Sexto Empírico afirma que
38

o bem é definido como algo que impele à ação virtuosa (VILLENA, 2010). Todavia, apesar da
dita semelhanças com os princípios estóicos e a consequente conclusão de que a ética cínico-
estóica influenciou a moral cristã, é o elemento platônico que ostenta preeminencia no Discurso
(VILLENA, 2020).

Conforme afirma Schiller (2021), o Ad adolescentes não seria um tratado pedagógico,


mas uma discussão em torno do uso da literatura clássica por parte de jovens na idade escolar,
cuidando de [...] advertir os adolescentes cristãos contra as insídias e as ameaças das obras dos
escritores pagãos. lhe deram a experiência das coisas humanas, permitindo-lhe indicar aos que
começam a estabelecer a própria vida o caminho mais seguro. [...] (NUNES, 2018, p. 170).
Basílio menciona sua própria experiência de vida estudantil e [...] Confessa que a idade
alcançada por ele, as mil provações passadas, a escola das vicissitudes [...] lhe deram a
experiência das coisas humanas, permitindo-lhe indicar aos que começam a estabelecer a
própria vida o caminho mais seguro. [...] (ibid). Posteriormente, delineia qual a sua real intenção
no discurso, a saber:

[...] Não vos admireis que, indo vós todos os dias à escola, também, da minha
parte, vos diga que descobri bastantes vantagens no contacto com os homens
ilustres da Antiguidade, que vos deixaram palavras tais que fazem de vós seus
discípulos. Eis-me aqui para vos aconselhar precisamente isto: por um lado,
não deveis, nem que seja uma só vez, seguir estes homens por onde quer que
eles vos levem, entregando-lhes o leme do vosso pensamento, como se fora
um barco; por outro lado, recebendo deles o que é útil, deveis ter consciência
do que é de aproveitar e do que é de desprezar. (VASCONCELOS, 2018, p.
71).

Entrando em contato com os pensadores mais ilustres, como é firmemente evidenciado


na obra do historiador Eunápio, em seu livro A vida dos sofistas (JUNIOR, 2014), o elemento
singular na vida do bispo de Cesareia em Atenas34 foi a absorção da filosofia antiga,
principalmente a da escola platônica. Assim como em Platão, Basílio defendia que o objetivo
das ações de todo cristãos é em preparação para a outra vida (NUNES, 2018). De acordo com
os autores Marcos Antônio e Rogério Miranda (2020), além da filiação dos estudantes com os
mestres e professores escolhidos, as academias exigiam dos alunos o compromisso com o
curriculum estudantil. Durante sua estadia em Atenas, a interrogação de Basílio dar-se-ia sobre

34
Provavelmente, Basílio realizou seus estudos superiores em Constantinopla e Atenas, os grandes centros
acadêmicos da época. Cf. ROMERO, Francisco, Basilio de Cesareia – A LOS JÓVENES, EXHORTACIÓN A UM
HIJO ESPIRITUAL, 2011, p. 8.
39

qual educação favoreceria seu desenvolvimento moral. A respeito do seu itinerário acadêmico
recorde-se que:

Com a morte de seu pai em 345, Basílio mudou-se para a região metropolitana
de Cesareia. Esse deslocamento permitiu que Basílio tivesse acesso às
melhores escolas de retórica do Mediterrâneo Oriental, pois, pouco tempo
após o início dos seus estudos em Cesareia, Basílio mudou-se para
Constantinopla, uma referência no estudo da retórica. Em Constantinopla,
Basílio foi ensinado por Libânio por dois anos. Libânio foi um filósofo e
professor de retórica que estava iniciando sua carreira acadêmica no mesmo
tempo em que Basílio começava sua formação acadêmica. Ao desenvolver-se
nos estudos da retórica em Constantinopla, Basílio buscou aprofundar ainda
mais seus estudos, mudando-se para a cidade de Atenas, capital mundial do
estudo da retórica naquela época. Assim, [...] Basílio deslocou-se para Atenas,
o centro cultural grego. Essa mudança foi um marco na vida de Basílio,
tornando-se o auge da sua formação acadêmica. (JUNIOR, 2014, p. 24).

Na análise de Soter Schiller (2021), o exame interno do Discurso evidencia que os


destinatários das palavras de Basílio são aqueles que começaram a vida estudantil. São unidos
ao filósofo por uma espécie de ligação natural, pois estavam longe da casa e dos pais, isso por
causa da frequência diária às escolas. É um tanto improvável que o vínculo entre Basílio e os
estudantes seja de cunho familiar. O afeto dirigido aos jovens logo no início do escrito (tratá-
los como filhos) dar-se-ia com a tentativa de conquistar-lhes a confiança, seja pela experiência
de vida do padre ou por sua grande capacidade intelectual. Portanto, antes de parentes, os
pupilos figuram jovens cristãos em idade escolar sob a responsabilidade ou mesmo tutela de
Basílio, que cita:

Há muitas razões, ó jovens, para que eu vos dê conselhos, que julgo serem os
melhores e que acredito que vos será útil adotardes. O facto de ter a idade que
tenho e de já me ter exercitado em muitas práticas e de ter algumas vezes
tomado parte em vicissitudes sucessivas que tudo ensinam fez que me tornasse
de tal modo experiente nos assuntos humanos que posso mostrar aos que estão
na vida há menos tempo o caminho mais seguro. Pela afinidade natural, dirijo-
me a vós logo a seguir aos vossos pais, a ponto de nutrir eu próprio por vós
uma simpatia não inferior à que eles vos têm. Se não me engano em relação
ao que pensais, parece-me que, olhando para mim, não sentis saudade
daqueles que vos geraram. [...] (VASCONCELOS, 2018, p. 71)

Entrementes, o texto não possui nenhum título específico, como era propriamente
característico dos escritos antigos. O que há é uma espécie de título anteposto. Soter Schiller
(2021) assegura que aos jovens não tem o formato e a estrutura próprias das grandes homilias
basilianas. Logo, seria mais adequado etiquetá-lo como logos-discurso, cuja intencionalidade
central é argumentar e convencer o público leitor sobre uma questão determinada. Por isso,
40

ainda seguindo o pensamento de Platão, “São Basílio começa por estabelecer (cap. II) que "esta
vida humana é absolutamente sem valor, e que todo objeto que se limite a esta vida não pode
ser tido como um verdadeiro bem. [...]” (NUNES, 2018, p. 171). Ainda sobre a estrutura
filosófica da obra, Villena (2010) reforça a tese que:

[...] a crítica moderna se acha dividida ao determinar o fundamento pagão


predominante sobre o qual foi eregido este escrito. Existem aqueles, como
Roggisch e Pohlenz, que se esforçam para enfatizar que este trabalho transpira
essencialmente um pano de fundo platônico. Enquanto Roggisch o limita ao
campo pedagógico e ascético, Pohlenz vai além e afirma que o pano de fundo
ideológico que o permeia é platônico e neoplatônico. Rist, por outro lado,
reduz a relevância da marca platônica e argumenta, pelo contrário, que a fonte
mais usada é Plutarco, que em última análise é considerado um estóico,
embora sua visão particular nem sempre coincida com os dogmas
fundamentais de estoicismo tradicional.]. (VILLENA, 2010, p. 228).35

Dessa forma, Claudio Moreschini (2010) define que a referência aos clássicos
encontradas espalhadas sobre a obra de Basílio devem ser consideradas menções superficiais,
firmadas apenas para causar boa impressão nos leitores mais cultos. Portanto, a obra Aos jovens
possibilita um programa de vida virtuosa no qual não se apelaria imediatamente às Escrituras
Sagradas (JUNIOR, 2014). Para os adolescentes e depois ao púbico cristão em geral, o critério
de valorazão deve ser o que é útil à vida eterna, e o que o for é merecedor de amor e busca
constante. Já aquilo que para a vida eterna não conduz, o filósofo recomenda negligência e
tratamento como mera inutilidade (NUNES, 2018). Ora,

[...] É à vida superior, diz São Basílio, que os Livros Sagrados nos conduzem
por meio do ensinamento dos mistérios. Mas, por enquanto, antes de chegar à
idade em que se possa penetrar na profundeza dessas obras, cumpre-nos
exercitar o "olho da alma" noutros livros que são meras "sombras e espelhos"
dos primeiros. [...] (NUNES, 2018, p. 171).

Por outro lado, o opúsculo é também considerado como parenesis, significando uma
espécie de conselho ou exortação, gênero comumente encontrado nos escritos da oratória
antiga. Romeu (2011) defende que desde os sofistas, passando por Platão e Aristóteles, até os
estoicos e os epicuristas, conservam-se protótipos de textos do gênero logos, no qual Basílio
escreveu o Discurso. Segundo Moreschini (2010), este tipo de interpretação confirma a
influência do estoico Plutarco sobre Basílio; porém, no que se refere à influência dos estoicos
em geral, o significativo não é estabelecer a medida a qual foram os autores e as obras utilizadas,

35
Tradução minha.
41

importa sim valorizar a maneira de tal utilização pelo autor. No entanto, exclui-se a dependência
de um para o outro. Posteriormente, Moreschini (2010) afirma sobre o platonismo presente no
Discurso aos jovens,:

[...] A importância do conhecimento de si mesmo, a necessidade da


purificação interior, o ideal da liberdade que supera a escravidão das riquezas
e da fama são todos princípios que voltam repetidamente nos escritos tardios
de Basílio e derivam da tradição do platonismo cristão (isto é, origeniano),
pelo qual era tão forte mente influenciado. (MORECHINI, 2010, p. 124).

Sobre Orígenes, Moreschini (2010) também o reafirma como composição essencial nas
obras de Basílio, próprio da tradição patrística. Seguindo aquele grande filósofo, Basílio opta
por interpretar com princípios cristãos questões prevalentemente filosóficas. Diferentemente
dos outros autores cristãos, sobretudo os latinos, Basílio resolve com determinação pacífica e
consciência equilibrada a situação da paideia passada, evitando as posições extremistas de
cunho ético-dogmático e descartando uma rejeição ferrenha dos valores da cultura pagã
(MORESCHINI, 2010). Tenha-se que a literatura clássica prepararia os jovens para a sabedoria
suprema contida nas Sagradas Escrituras. Tem, então, valor propedêutico (SCHILLER, 2021).
Além disso, nos capítulos do Ad adolescentes:

[...] a retórica e a filosofia se influenciavam mutuamente, e dialeticamente, na


antiguidade na medida em que a retórica não somente servia como um
instrumento de persuasão, mas também ajudava a formular, disseminar e
transformar as ideias provindas de tradições filosóficas que, por assim dizer,
já começavam a cristalizar-se e, portanto, a perder seu frescor e sua novidade
iniciais. Isto se revela ainda mais verdadeiro, sublinha o autor, na elevada
cultura retórica do século IV. Daí a inevitável conclusão de Kustas: “O que
Basílio recebe da filosofia ou de outra área do conhecimento passa
primeiramente através do filtro retórico e é visto por ele, como deve ser visto
por nós, em termos retóricos. (LETENSKI, 2019, p. 57).

A exortação aos jovens é bastante peculiar, principalmente pelo estilo filosófico de


Basílio, que mais do que nos dois Gregórios, acham-se doutrinas diversas, dando ao seu
pensamento uma rica conformação eclética (MORESCHINI, 2010). Basílio surge
imprescindivelmente como anunciador do ideal cristão, os conteúdos da filosofia por ele
utilizados adaptando e diferenciando os filósofos, as formas e os conteúdos dos seus saberes.
Apesar de ter sido professor de retórica, o Discurso aos Jovens apresenta um estilo claro e
sucinto. Não obstante as muitas metáforas e imagens, o escrito distancia-se dos excessos
estilísticos dos retóricos da sofistica clássica (VASCONCELOS, 2018). Ainda a respeito da
filosofia basiliana inserida no opúsculo, tenha-se:
42

Para dar um exemplo desse conhecimento da filosofia e da terminologia


filosófica pagã, recordemos que Basílio recorre até mesmo às Categorias de
Aristóteles (uma leitura certamente não frequente no cristianismo antigo),
como se pode ver em Contra Eunômio 19, 532A, no termo de origem
aristotélica e estoica hypokeimenon ("substrato") empregado por Basílio para
indicar a substância de Deus (Contra Eunômio I, 7, 525A; 19, 556B), nos
termos paralelos hypostasis e hyparxis para indicar a existência/subsistência
de Deus (Contra Eunômio I, 15, 548A), no uso de schesis, específico para
indicar o vínculo de "relação" das três Pessoas entre si (Contra Eunômio I, 20,
557B). Outro exemplo é constituído pela definição do tempo em Contra
Eunômio I, 21, 560B, em que adapta a definição de Aristóteles da Física IV,
11: "o tempo é o intervalo coextensivo à constituição do mundo" (definição
que se lê também em Gregório Nazianzeno, Oração 38,7). (MORESCHINI,
2010, p. 127).

No geral, Basílio sustenta que o discernimento cuidadoso dos clássicos oferece uma
formação não só intelectual, mas moral do homem. Ao superiorizar a cultura cristã perante a
sabedoria pagã, através da revelação contida nos escritos sagrados, Basílio termina excluindo-
se do plano de fundo grego, ao mesmo tempo que continua recorrente àquela cultura para
explicar e reafirmar o conteúdo da sabedoria cristã, contudo, não sem antes examiná-la
cuidadosamente (LETENSKI, 2019). Ressalte-se que Basílio herda de Platão a ideia da
superioridade da alma perante o corpo como a grande diferenciação das duas vidas (NUNES,
2018). O filósofo afirma que:

[...] Na verdade, a habituação às palavras dos homens vis é um caminho em


direção aos seus catos. Por isso, devemos guardar a alma com toda a
vigilância, não vá acontecer que, ao acolhermos o prazer das palavras, nos
passe despercebido algo de pior, tal como aqueles que, com o mel, tomam o
veneno. Não elogiaremos em tudo os poetas; não o faremos quando injuriam,
quando troçam, quando retratam os apaixonados e os embriagados, nem
quando confinam a bem-aventurança a uma mesa repleta e a canções
licenciosas. (VASCONCELOS, 2018, p. 77).

Conforme Gripp (2019), é importante ressaltar a importância do escrito para a


conservação dos textos clássicos, já que grande parte dos clássicos, mesmo os escritos
filosóficos em língua grega ou árabe, passou pela avaliação dos membros eclesiásticos. Não
obstante a brevidade do texto, o peso que carrega é indubitável. (ROMERO, 2011). A obra do
bispo Basílio tem sido considerada pela cristandade como o marco inicial para o humanismo
cristão, posto que foi formulada com claridade destacável (VILLENA, 2010).
43

3.2. BASÍLIO E A UTILIDADE DA LITERATURA PAGÃ À AQUISIÇÃO DAS


VIRTUDES NOS JOVENS

No Ad adolescentes, Basílio recomenda a superioridade moral diante do estudo


simplório da literatura. A possibilidade de um quadro moral para a vida virtuosa sem primeiro
recorrer ao uso das Escrituras mostra-se o desafio central. Escrevendo sobre a negação de si
mesmo e apoiando a vida simplória, supõem-se nos capítulos VII e IX da obra um âmbito
estendido ao círculo monástico, isto é, dedicado aos leitores habituados à vida e à prática cristã.
Em Basílio, “[...] assim como nos Padres da Igreja, o termo filosofia reveste-se de acepção
especial, valendo para significar concepção cristã da vida, vida monástica, vida ascética. [...]”
(NUNES, 2018 p. 174). Seguindo tradicionalmente o mesmo otimismo de Orígenes e da
tradição cristã anterior, o filósofo acredita que a atenção dos leitores era despertada pelas
palavras e ações dos homens virtuosos, aos quais os mais jovens queriam exaltar e celebrar
(MORESCHINI, 2010). Assim,

[...] Basílio chega a tomar os clássicos não como um percurso alternativo para
o crescimento moral, mas como parte da formação cristã. O desafio era obter
uma união moralmente frutuosa com os poetas e pensadores pagãos (3, 8). Os
cristãos podiam continuar a encontrar uma utilidade nesses textos? Eles
podiam contribuir com aquele programa moral pelo qual os cristãos queriam
substituí-los? Ou, de preferência, eram destinados à extinção?
(MORESCHINI, 2010, p. 123-124).

No opúsculo aos jovens, citando a presença de sabedoria pagã nos testemunhos bíblicos
de Moisés e Daniel36, o filósofo opta por suavizar a tensão existente entre os dois modelos de
cultura. Moisés como quem estimulou a mente primeiro com as ciências egípcias, Daniel por
ter sido formado na ciência dos caldeus, quando em Babilônia (SCHILLER, 2021). Verifica-se
que o humanismo basiliano consiste precisamente no seu equilíbrio de eliminar os elementos
danosos à perspectiva cristã. Por essa razão, a Oratio é vista como um escrito normativo que
exalta a valorização da literatura pagã. Todavia, o objetivo do texto de Basílio é suscitar nos
jovens o discernimento necessário perante os conteúdos da sabedoria pagã, se são conformes
ou não aos valores da religião cristã. Segundo Basílio:
[...] Devemos tirar partido destes textos, de acordo, em tudo, com a imagem
das abelhas. Estas não se aproximam de todas as flores, nem tentam levar a
totalidade daquelas em que poisam; mas, tomando quanto das flores serve para

36
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 75.
44

o seu trabalho, não se importam com o resto. E nós, se formos sensatos,


tomando destes textos quanto se adapta a nós e é conforme à verdade,
passaremos adiante o que resta. E tal como evitamos os espinhos ao colher as
flores dos roseirais; assim também nos preservaremos do que é prejudicial, ao
colher de tais textos apenas o que é útil. Para começar, convém observar cada
um dos saberes e adaptá-los à finalidade, levando, como diz o provérbio
dórico, a pedra para junto do fio. (VASCONCELOS, 2018, p. 79).

Fazendo uso correto da inteligência os jovens terão um claro discernimento37, colhendo


o que é útil à vida espiritual. Isso é ilustrado evidentemente pelo exemplo das abelhas 38, que
colhem e recolhem das mais variadas flores os conteúdos necessários para o fabrico do mel. À
mesma atividade é igualado o leitor cristão (SCHILLER, 2021). Por essa razão, para os cristãos
“[...] é vantajoso o conhecimento das ciências profanas, uma vez que para a alma o fruto
essencial é a verdade, que, numa comparação feliz, se envolve graciosamente na folhagem que
na árvore proporciona ao fruto um abrigo benfazejo. [...]” (NUNES, 2018, p. 171-172).
Portanto, o fundamento e o critério de discernimento deve ser, evidentemente, a procura pela
virtude (PINZÓN, 2021). No capítulo VII, Basílio insiste que se deve estudar os atos de homens
nobres que estejam em acordo com o ensinamento das Escrituras (PADELFORD, 1902).
Basílio afirma que:
[...] quase todos os poetas que têm fama pela sua sabedoria, cada um com
menor ou maior força, elogiaram a virtude nos seus escritos. Devemos escutá-
los e também esforçar-nos para demonstrar na nossa vida tais palavras. Porque
aquele que pelos atos confirma a virtude que junto dos outros não passa de
palavras só esse é sábio; os outros esvoaçam como sombras.
(VASCONCELOS, 2018, p. 85)

De acordo com Irineu Letenski (2019), o Discurso aos jovens é composto formalmente
por 10 capítulos, os quais se dividem em duas partes principais. Na primeira parte, dos capítulos
I ao VI, Basílio recorre aos muitos escritos da literatura profana, argumentando que o
conhecimento dos clássicos pagãos é de serventia para a vida espiritual. Partilhando do
princípio filosófico estoico de que a sabedoria é alcançada através da experiência, o filósofo
apresenta-se diante dos adolescentes como quem retem experiência de vida suficiente para saber
que, se seus conselhos forem, os jovens seguramente conseguirão adquirir vasto conteúdo
intelectual. (VILLENA, 2010). Uma vez determinado

37
Trata-se da distinção entre os conteúdos nocivos ou não à prática das virtudes cristãs. Essencialmente, o
discernimento pedagógico tem por finalidade o fortalecimento do espírito e a preparação para o estudo das
Sagradas Escrituras.
38
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 79
45

[...] o princípio de que vale a pena aplicar-se às ciências externas, passa


Basílio a examinar o devido modo dessa aplicação. Primeiramente, ele
considera as obras dos poetas, e diz que só se devem ler os que são
homens de bem. Eles merecem amor e imitação por preferirem ações e
palavras condignas. Os que se comprazem, entretanto, com o
enaltecimento de personagens viciosas devem ser evitados, porque
"quem se acostuma às palavras más, encaminha-se aos atos
correspondentes". [...] (NUNES, 2018, p. 172)

No capítulo I, o autor aconselha aos jovens o uso correto dos autores pagãos, mostrando-
lhes o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado, e no capítulo IV os saberes profanos são
firmemente considerados benéficos à alma, desde que das exposições escritas se acolham
aquelas nas quais se acham atitudes louváveis dos autores. Para o padre, se forem recolhidas
das obras dos filósofos, dos poetas e dos prosadores o que for útil e em conformação com a
verdade, os leitores procederão como pessoas sábias (NUNES, 2018). Dessa forma:

[...] o que mais sobressai neste tratado é, justamente, a intenção pedagógica


de Basílio, que se volta para os jovens estudantes e, indiretamente, para as
pessoas desejosas de cultura a fim de lhes propor conselhos úteis e sugestões
sobre o modo de adquirir conhecimentos nas obras da literatura pagã e, assim,
progredir na vida do espírito. Trata-se, portanto, de uma obra de caráter
pedagógico e ao mesmo tempo ético e espiritual, na medida em que ela encerra
uma proposta de ascese cristã. Na verdade, não é de admirar o fato de ter
Basílio adotado um método centrado na retórica clássica grega, porquanto as
instâncias pedagógicas do ensino cristão tinham como pano de fundo a
educação clássico-pagã, onde predominavam, conforme eu avancei mais
acima, a dialética e a retórica. De resto, a dinâmica do ensino se baseava
também na leitura assídua e no exercício mnemônico que se fazia sobre os
clássicos gregos. (LETENSKI, 2019, p. 57-58).

Dos capítulos VII ao X o filósofo expõe comportamentos virtuosos de personagens


comumente encontrados na cultura pagã. Ora, Basílio defende que “[...] Entre os bens, somente
a virtude é inalienável e permanece na vida de quem morre. [...] (VASCONCELOS, 2018, p.
83). Além disso, o capítulo III à medida que demonstra a diferença entre uma e outra culturas
ajudará os jovens pouco ao pouco a conformar-se com a melhor (LETENSKI, 2019). Basílio
propõe aos adolescentes que, frente as palavras e ações virtuosas dos homens de bem, a atitude
é acolhe-las e imitá-las. Para o bispo de Cesareia, o bem reside na virtude mesma, ou em quem
dela participa (VILLENA, 2010). E sobre a encontro das virtudes, Basílio insiste que

De entre os escritos, acolhemos desta maneira aqueles que contêm os preceitos


do bem. Uma vez que as boas ações dos homens antigos nos são conservadas
por uma tradição contínua, preservadas seja pelas palavras dos poetas seja
46

pelas dos prosadores, não depreciemos os benefícios que delas possam provir.
(VASCONCELOS, 2018, p. 87).

O tema da virtude em Basílio possui um tom nitidamente platônico com traços estoicos.
Conquistá-la como perente requer árduo combate, repleto de suor e cansaço. Para Platão, a
virtude é dos bens o único inalienável, já que permanece durante a vida e após a morte., deve-
se aproveitar todo elogio a virtude e incentivar o descrédito ao vício (NUNES, 2018). No
Discurso, a narrativa acerca da virtude identifica-se com o exemplo da carruagem39. Para
Basílio, os vícios são como feras as quais se precisa imperiosamente domar, ainda que para isso
seja preciso castigar o corpo e os impulsos passionais. Significa coibí-los com a razão. Quem
atingir o cume da estrada, poderá contemplar quão bela e perfeita ela é, além de bem mais
agradável quando comparada à vereda sombria que leva aos vícios. Nunes (2018) apresenta
que, da semelhante forma como pensava Platão, Basílio entendia que as paixões seriam
dominadas por meio da Filosofia. Acerca do caminho das virtudes, o filósofo incentiva aos
jovens com tais palavras:
[...] Que outra coisa podemos assumir que Hesíodo tivesse em mente, ao
compor [...] versos que todos cantam, senão exortar os jovens à virtude?
«Escarpado no princípio, dificil de atravessar, repleto de muitos suores e de
árduos trabalhos é o caminho ingreme que sobe até à virtude.». Por isso, por
causa da sua inclinação, nem todos são capazes de o subir nem de, mesmo
subindo, chegar facilmente ao cume. Porém, quem está já no topo pode ver
como ele é plano e belo, como é fácil e transponível, e como é mais agradável
que o caminho que leva ao vício, caminho que a multidão pode escolher, dada
a sua acessibilidade, como dissera este mesmo poeta. A mim parece-me que
ele não expôs isto com nenhuma outra finalidade senão a de nos exortar à
virtude e de nos incentivar, a todos, a sermos bons, de tal forma que não
esmoreçamos diante dos trabalhos árduos, desistindo antes do fim.
(VASCONCELOS, 2018, p. 81).

Ademais, o caminho para alcançar a virtude é deveras difícil. Basílio apresenta a noção
aristotélica de que sem o exercício constante das virtudes, o hábito não se consolidaria. Elas
são importantes pois através dela Basílio diz será adquirido um tesouro para a otra vida
(NUNES, 2018). Por isso cita, no capítulo VIII, o esforço e a constância como duas qualidades
essenciais ao modo virtuoso de proceder. Os cristãos são comparados aos artesãos e músicos,
ambos com o desejo da excelência e do domínio dos intrumentos de trabalho dos quis se

39
Segundo Basílio, os prazeres e os vícios devem ser domados pelos cristãos, assim como são domados dois cavalos
selvagens em uma carroagem. Para o bom êxito na empresa, faz-se indispensável domar o corpo, reprimindo-o e
castigando-o. Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São
Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 101.
47

utilizam. São comparados também aos atletas, que não obstante as dificuldades e os fracassos
alcançam o objetivo quando muito se exercitaram. A vida moral requereria, para Basílio,
igualmente às artes e competições, treinamento e perseverança. (VILLENA, 2010). Essa ideia
de que a prática virtuosa trará o esperado adestramento, é de forte inspiração da filosofia estoica
(SCHILLER, 2021). Cabe a Basílio, dessa forma, responsabilizar os jovens da própria
autonomia intelectual, exortando-os a discernir entre o bem e o mal. Isso Basílio o faz com
maestria logo nos primeiros capítulos da obra ao definir:
Se há alguma afinidade entre as duas doutrinas, conhecê-las ser-nos-á útil; se
não há, o facto de, ao estabelecermos o paralelo, reconhecermos a diferença
não será de somenos para a confirmação do melhor. A que coisa, porém,
compararão estes dois ensinamentos, para se poder obter uma imagem? Na
verdade, tal como é virtude própria de uma árvore cobrir-se de frutos na
estação certa, com o adorno das folhas que se agitam em volta dos ramos;
assim também a verdade é o fruto essencial para a alma; e não é desaprazível
que ela se revista da sabedoria profana, tal como as folhas que dão resguardo
e boa aparência ao fruto temporão. (VASCONCELOS, 2018, p. 75).

Schiller (2021) também reforça a tese de que o platonismo encontrado no Discurso aos
jovens corresponde-se com perfeição na relação entre música e virtude. Tanto em Platão quanto
em Basílio, a peça chave está na boa escolha. Enquanto Platão observava a dualidade da música,
que quando ruim poderia seriamente comprometer o espírito do cidadão, e quando boa ajudaria
na formação moral e na moderação do sujeito; Basílio utiliza-se da igual comparação ao aludir
à figura de Davi40, para quem a boa melodia tem poder curativo e pode afastar da alma muitos
males. Mencionando a insistência na doutrina platônica da purificação da alma, o bispo de
Cesareia defende que:

[...] A purificação da alma, para vos dizer de uma só vez e adequadamente,


consiste em desprezar o prazer que vem das sensações: não regaleis os olhos
com as exibições vãs dos charlatães nem com os espetáculos dos corpos que
se deixam invadir pelo aguilhão do prazer; e não deixeis que pelos ouvidos,
ressoe uma melodia dissoluta para a alma. É natural que as paixões
procedentes do servilismo e da pequenez nasçam de um género de música
como esse. Mas devemos perseguir a outra música, que é melhor e leva ao que
é melhor; desta se serviu David, o autor dos cânticos sagrados que, como se
diz, restabeleceu da loucura o rei. (VASCONCELOS, 2018, p. 99).

De acordo com Basílio, a escolha das coisas úteis exige um afastamento das realidades
terrenas através do exercício purificador das virtudes, como acreditavam os cínicos, os estoicos

40
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, pp. 99-102.
48

e os plantonistas (MORESCHINI, 2010). Conforme pensava a filosofia dos cínicos, Basílio


concebia que é próprio de alguém inifel dedicar cuidados excessivos com aos requintes e
enfeites pessoais (NUNES, 2018). Para ele, os bens terrenos são comparados a um nada quando
colocados ao lado dos bens eternos. Basta aos cristãos contentar-se apenas com o suficiente ao
sustento das necessidades primárias (VILLENA, 2010). Perante os dons celestes, os bens
materiais não passam de vanidade (VASCONCELOS, 2018). A despeito dessas noções de
desprezo à realidade material, o capítulo II evidencia que a vida eterna é o objetivo supremo
dos cristãos (PADELFORD, 1902). Portanto, a transcendência humana é o âmbito elevado pelo
filósofo. Novamente, ele acentua a superioridade da paideia cristã ao propor que:

Nós, por nossa parte, tomamos como certo, meus filhos, que esta vida humana
não vale absolutamente coisa alguma e não pensamos de todo que ela seja um
bem, nem designamos como tal aquilo que nos dá proveito apenas nesta vida.
Não julgamos, portanto, que seja grande ou sequer digno de anseio nem a
notabilidade dos antepassados, nem a força do corpo, nem a beleza, nem a
grandiosidade, nem as honras de todos os homens, nem a própria realeza, nem
aquilo que se possa dizer das realidades humanas; e não olhamos para aqueles
que têm estas coisas, mas vamos mais longe nas nossas esperanças, tudo
fazendo com vista à preparação de uma outra vida. (VASCONCELOS, 2018,
p. 73).

O discernimento cristão das coisas úteis e inúteis ao espírito traz como prêmio um
conjunto de virtudes conhecidas como pré-evangélicas. Já que a sabedoria dos pagãos careceria
de valor e sentido profundos e suficientes à vida cristã, o padre então exorta a juventude à
abertura consciente à fé. Dessa forma, o filósofo de Cesareia valoriza o papel indispensável das
Escrituras como caminho para alcançar a vida futura. Paralelamente, vê-se que os escritos
profanos são como uma sombra ou um espelho diante da realidade Sagrada das Escrituras
(VASCONCELOS, 2018). A esse respeito, a consideração, por parte de Basílio, do estudo das
obras pagãs como preparação e iniciação para o estudo das escrituras e também bastante
semelhante ao que Sêneca entende pensa sobre a função das artes liberais (VILLENA, 2010).
Como já o referido exemplo das folhas que cobrem e protegem o fruto, a sabedoria pagã não é
algo supérfluo (VILLENA, 2010). À plenitude cristã:

[...] conduzem as Sagradas Escrituras, que nos ensinam o inefável. Na medida


em que, pela sua antiguidade, não é possível perscrutar toda a profundidade
do seu sentido, é noutros escritos não totalmente distintos, como em sombras
e em espelhos, que nos exercitamos com os olhos da alma. [...] Tal como os
tintureiros preparam primeiro, nas suas soluções, aquilo que receberá a tinta,
e assim aplicam a cor, que pode ser púrpura ou qualquer outra; da mesma
maneira, se a noção de bem é para nós indelével, também nós, depois de
termos sido iniciados nos mistérios profanos", escutaremos os ensinamentos
49

sagrados e inefáveis. E nós que estamos habituados a ver o sol na água


lançaremos o olhar para a própria luz. (VASCONCELOS, 2018, p. 73-75)

Em íntima conexão com o tema das virtudes está o da hipocrisia e das aparências.
Similarmente a Platão, Basílio qualifica a atitude de aparentar uma coisa e ser outra como uma
das atitudes mais depreciáveis. Afirmsava que tinha razão Platão em denunciar tamanha
injustiça o parecer justo quando não se é em verdade (NUNES, 2018). Por isso, no capítulo VI
os jovens e todos os cristão são intimados pelo filósofo a serem coerentes com os elogios feitos
à virtude. Assim como em Aristóteles, não bastaria conhecer as virtudes, sem antes exercitá-las
com a prática (VILLENA, 2010). Então, o bispo incentiva que a bida dos leitores seja a
realização dos elogios (NUNES, 2018). Mais a frente, no capítulo IX, Basílio desenrola melhor
a questão da coerência e desenvolve:

[...] três ideias básicas para um cristão: a preocupação com a alma em


detrimento do cuidado com o corpo, o desprezo pela riqueza e, se possuída, o
uso adequado dela e, por fim, aversão ao engano e a aparências. Se para um
cristão o que é realmente importante é a vida eterna, que só pode ser desfrutada
por sua alma imortal, é lógico que é a ela a quem dirige toda a sua atenção,
preocupando-se em libertá-la, como se fosse uma prisão, dos apetites inerentes
ao corpo. Os dois conceitos, o do cuidado da alma, como elemento mais sutil
e imperecível, e o do corpo, como prisão e sua prisão perecível, são tratados
em paralelo.. (VILLENA, 2010, p. 240).41

No capítulo X, o último capítulo da obra aos jovens, o filósofo determina que aquelas
virtudes pré-evangélicas apesar de serem originadas da paideia grega consumam-se e
completam-se com plenitude nas escrituras bíblicas. É somente a Escritura Sagrada a única
fonte por meio da qual o dever moral é fornecido corretamente, inclinando os jovens cristãos à
reta conduta, pois a moral bíblica tem sua inspiração divina (PENSAK; ALMEIDA, 2020).
Assim, tudo o que se pode aprender da literatura pagã se encontra, de uma forma mais completa
e perfeita, na literatura cristã, já que em coisa alguma se compara a vida terrena, quando ladeada
a eternidade e a consequente tese platônica da imortalidade da alma (VILLENA, 2010). Além
disso, o final do capítulo culmina com o ápice da relação entre as culturas pagãs e cristãs: a
pedagogia das virtudes (VASCONCELOS, 2018). Acerca da consideração geral da literatura
pagã, Basílio define que:

[...] não devemos acolher tudo indistintamente, mas apenas quanto nos for útil.
Seria vergonhoso, de facto, que entre os alimentos recusássemos os
prejudiciais e, sem discernimento algum relativamente aos saberes que ali

41
Tradução minha.
50

mentam a nossa alma, levássemos tudo à nossa frente, arrastando qualquer


coisa como uma torrente. E mais: que sentido tem que um timoneiro não deixe
o seu navio ao sabor dos ventos mas que o dirija sem demora para o porto, e
que um arqueiro desfira certeiro sobre o alvo, e até mesmo que um ferreiro ou
um carpinteiro visem a finalidade própria do seu ofício; e que nós, pelo
contrário, tenhamos ficado atrás de tais artífices, no que toca a sermos capazes
de discernir os nossos interesses?. (VASCONCELOS, 2018, p. 91).

Está de acordo com as linhas de Irineu Letenski (2019) que ao destacar a superioridade
da sabedoria cristã, Basílio automaticamente exclui-se do pano de fundo através do qual recebeu
formação, a saber, a paideia grega. Todavia, ao mesmo tempo faz parte da cultura pagã,
recorrendo-lhe para aprofundar e explicar o que se encontra na sabedoria cristã. Por um lado,
a filosofia basiliana mostra-se como uma ética fundamentada na doutrina cristã revelação e, por
conseguinte, uma doutrina da intencionalidade à vida eterna, sem esquecer do exercício racional
e dos apelos à cultura pagã como participantes no caminho da salvação. Basílio, nas palavras
quase finais do Discurso aos jovens, leva os jovens cristãos à profunda reflexão sobre a
efemeridade da matéria nos seguintes termos:

Que havemos então de fazer?, poderá alguém perguntar. Que outra coisa senão
cuidar da alma, pondo de parte toda a ocupação restante? Não devemos ser
escravos do corpo, senão por absoluta necessidade. Mas devemos dar à alma
o que de melhor houver, e por meio da filosofia, libertá-la como que da prisão
dos seus laços com as paixões do corpo; e, ao mesmo tempo, fazendo que o
corpo se torne superior às paixões, temos de dar ao ventre o necessário mas
não o mais agradável. (VASCONCELOS, 2018, p. 97).

Por mais que o filósofo explicite a riqueza de conteúdos intelectuais e exemplos


virtuosos na literatura grega, os jovens são admoestados a não acolherem sem o discernimento
necessário as primeiras noções com as quais se deparam nos textos do tesouro pagão. Graças
ao pequeno livreto cristãos do mundo grego adquiriam a consciência de que a literatura grega
poderia ser estudada por eles, isso para seu próprio benefício. Sabe-se que no Ocidente, a obra
alcançou apogeu no período do Renascimento, tentando encontrar nela um elogio cristão à
cultura clássica. O fato é que, com vasta erudição nos recursos linguísticos e estilísticos, Basílio
propõe no escrito aos jovens uma licença intelectual ao aprendizado dos textos pagãos, sem
esquecer-se da chave cristã para o discernimento e a leitura crítica das obras profanas
(VASCONCELOS, 2018).
51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na seguinte pesquisa abordou-se a temática da influência da cultura helênica sobre o


desenvolvimento intelectual do cristianismo nascente, acima de tudo através da filosofia e das
suas ferramentas argumentativas. Ora, o contato da filosofia grega com a doutrina cristã trouxe
consequências imprescindíveis ao desenvolvimento da religião nascente. De maneira geral
mostrou-se que o processo de configuração da religião cristã no Império Romano não se deu de
forma alguma sem influências de uma cultura sobre a outra, assim como se abordou a
importância da Escola de Alexandria para a conquista vitoriosa da doutrina cristã sobre a
civilização grega. Depois, ressaltou-se os princípios filosóficos defendidos pelos padres
capadócios, dentre os quais se encontra e destaca o pensamento filosófico de Basílio de
Cesareia.

Primeiramente, evidenciou-se os conceitos de paideia grega e paideia cristã. Naquela


ocasião, o contexto histórico da época de Basílio exigia que os cristãos demonstrassem aos
intelectuais pagãos a qualidade de suas obras literárias. Portanto, em partes, tratava-
essencialmente de um combate intelectual entre o decadente mundo clássico e o cristianismo
emergente. Com muita certeza, sem a influência da filosofia alexandrina Basílio não teria
conseguido compor o Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã. Dessa maneira,
a noção de ecletismo filosófico encontrou plano propício nos discursos e nas obras basilianas,
sobretudo graças as filosofias de Orígenes e Clemente de Alexandria. Não obstante o tradicional
seguimento do pensamento de Orígenes, constatou-se que os padres capadócios não a aceitaram
completamente. De fato,

[...] Basílio de Cesareia foi um tributário da “sabedoria pagã” e da “sabedoria


cristã” ao mesmo tempo. Pode-se dizer que foi por meio de Clemente de
Alexandria e Orígenes que o bispo-monge teve contato com muitas questões
que se originaram na “sabedoria pagã”, como por exemplo, o Logos, o
domínio das paixões e a assimilação a Deus. Com efeito, as principais
demandas que retornaram em Basílio a partir dos dois expoentes da
“sabedoria cristã” foram aquelas que, direta ou indiretamente, são
provenientes dopensamento moral de Orígenes, ou seja, o livre-arbítrio
e, principalmente, as virtudes. (PENSAK; ALMEIDA, 2020, p. 132).

Viu-se que sem a colaboração intelectual da Escola de Alexandria teria sido bem mais
dificultosa a construção de uma paideia iminentemente cristã e suficientemente poderosa, capaz
de converter os intelectuais pagãos. Pretende-se expor o contexto histórico e as características
52

principais da grande escola alexandrina, na qual em nenhum outro centro acadêmico do Oriente
haveria maior preocupação por parte da geração cristã acerca na aproximação cultural e
intelectual entre a paideia grega e a paideia cristã. Além disso, no século IV, a era Idade de
Ouro dos Padres da Igreja, houve um renascimento da cultura greco-romana motivado por três
grandes nomes: Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno.

Depois, foi útil a compreensão da “Escola da Capadócia”. Dentres os capadócios é


Basílio quem claramente pretende conduzir os cristãos ao caminho da salvação; além disso, o
pensador deseja apresentar a fé aos não-crentes. “[...] Com efeito, além da influência platônica,
a ética de Basílio possui um forte fundamento naquilo que provinha dos estoicos. [...]”
(PENSAK; ALMEIDA, 2020, p. 135). São essas as intenções e as características mais
particulares de sua filosofia. O bispo preocupa-se com uma educação clássica que conduza à
moral e aos costumes voltados ao bem do próximo e à salvação do espírito. Por essa razão,
deve-se considerar a presença de um extenso programa filosófico e ético em Basílio, já que é,

[...] é possível identificar que Basílio exercia uma forte influência na


época e também que ele tinha uma profunda relação com a filosofia,
principalmente pelo seu elevado nível de seriedade moral e pelo fato de ele
enfatizar a ética a partir do comportamento e da busca constante da virtude
para agir, sobretudo, em favor do próximo (PENSAK; ALMEIDA, 2020, p.
132).

Entrementes, o aproveitamento da literatura clássica deve acontecer se, e apenas se, não
houver desvios da única e mais importante teleologia de Basílio: a aquisição de virtudes à alma,
na intenção da conquista dos cristãos da vida futura. Compreendeu-se que Basílio acredita em
uma conciliação entre as culturas pagã e cristã. Neste sentido, a preocupação do filósofo dava-
se no contato dos jovens com as matérias das academias de então, pois era inevitável que eles
se confrontassem com mestres e pagãos e obras escritas por descrentes da fé cristã. Outro
conceito importante é o de discernimento, metódo segundo o qual os adolescentes devem
selecionar o que é útil e proveitoso do que não o é, sem deixar de esquecer que a utilidade ou
inutilidade dos conteúdos se dá em ligação estreita com a aquisição das ditas virtudes. Ora, o
Bispo de Cesareia precisava orientar os pupilos de sua região sobre os cuidados aos quais
deveriam ter no trato com as mais variadas opções de leitura, isso tudo com finalidades
superiores. Por conseguinte, a preocupação sobre a boa ou má utilização da literatura clássica
encontra campo fértil no ambiente social do padre oriental.
53

Atente-se que o conceito de virtude respondeu satisfatoriamente aos objetivos propostos


na introdução, a saber, se seria coerente afirmar e defender uma filosofia de Basílio no Discurso
aos jovens. A juventude é central na questão porque Basílio acredita que os jovens ainda não
possuem nem preparação e nem capacidade intelectuais para aprofundarem-se no ensinamento
e nas verdades reveladas na Escritura Divina. Bem mais do que um tratado pedagógico, o Ad
adolescentes constitui-se uma exortação aos jovens para que não recusem os escritos que
contenham louvores ou incentivos à prática das virtudes. Ao mesmo tempo em que se utiliza
dos artifícios e da própria filosofia pagã, Basílio o faz na tentativa de conduzir os jovens ao
caminho da verdade revelada na Escritura. Assim, pode-se

[...] constatar que ele era dotado de uma habilidade literária a partir do
conhecimento dos clássicos da “sabedoria pagã”, de modo que ele próprio
convida seus leitores a também utilizar-se dessa sabedoria. Ele possuía
igualmente um conhecimento filosófico relacionado com a cosmologia do
qual surgiu o Hexaemeron, uma série de nove homilias que descrevem e
analisam osseis dias da criação. Este conhecimento filosófico de Basílio
também era habitado por uma questão moral, ou seja, pela influência recebida
dos estoicos referente a problemática das paixões. [...] (PENSAK;
ALMEIDA, 2020, p. 134).

Consequentemente, o filósofo acaba por enaltecer a paideia cristã e sua literatura


perante a cultura e o ensino gregos. Dessa forma, Basílio termina por excluir-se do pano de
fundo filosófico do qual se utiliza e era comum no seu tempo, edificando uma filosofia
originada do seu pensamento religioso e fortemente marcada pela transcendência humana no
desejo de desprezar os bens terrenos no almejar os bens futuros. Por fim, tanto os pensamentos
quanto os conceitos expostos responderam satisfatoriamente aos objetivos iniciais,
principalmente porque

[...] as considerações de São Basílio, no pequeno tratado Aos jovens sobre a


maneira de tirar proveito das letras pagãs, procedem "de um espírito
extraordinariamente largo e aberto para o seu tempo, e exerceram decisiva
influência sobre a posição da Igreja em face do patrimônio cultural da
Antigüidade". [...] em conclusão, [...] esse tratado de São Basílio possui valor
perene para os estudiosos cristãos, especialmente para os jovens que começam
a explorar na adolescência, com o seu espírito crítico e inquieto, o mundo
maravilhoso das letras e o repousante jardim da cultura (NUNES, 2008, p.
175).

Por fim, o pensamento filosófico de Basílio tornou-se como que a primeira posição
oficial da Igreja sobre o uso correto da literatura cristã por parte dos cristãos, estendendo-se do
público juvenil ao público em geral. Atualmente, é mui importante para as reflexões
54

contemporâneas porque oferece uma postura de diálogo equilibrado entre Religião e Mundo. E
Basílio, no Discurso aos jovens, foi quem iniciou seu ponta pé inicial.Vive-se em tempos de
perigosas polarizações intelectuais e políticas. Ecos do autor influenciaram e ainda influenciam
em áreas do saber como a literatura, a teologia e a filosofia, tanto na Idade Média como na
Renascença e nos dias presentes. Tendo em vista o apresentado nos três capítulos, considere-se
que as perguntas de partidas da presente monografia foram satisfatoriamente respondidas.
55

REFERÊNCIAS

BERARDINO, Angelo Di. Dicionáro Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Tratução de.


Cristina Andrade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 1490 p.

CESAREA, Basilio de. A LOS JÓVENES: Cómo sacar provecho de la literatura


griega/EXORTACIÓN A UN HIJO ESPIRITUAL. Tradução de Francisco Antonio García
Romero. Madri: Ciudad Nueva, 2011. 124 p.

CESAREIA, São Basílio de. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura. Tradução
de Miguel Cabedo e Vasconcelos. Lisboa: Universidade Católica, 2018. 120 p.

CONSTANTINOPLA, Sócrates de. História Eclesiástica/1. Trad. Francisco Antonio García


Romero. Madri: Ciudad Nueva, 2017. 384 p.

FREITAS, Charles Lamartine de Sousa. A influência da concepção de educação grega na


constituição histórica da paideia cristã. Revista Filosofia e Educação. Campinas, v. 10, n. 2,
p. 287-309, 2018.

GREGGERSEN, Gabriele. Paideia dos Pais da Igreja. Revista Caminhando. São Paulo, v. 9,
n. 1[15],p. 71-84, 2005.

GRIPP, Bruno Salviano. Tradução do <i> Discurso aos jovens, sobre como tirar proveito
das letras gregas</i> de Basílio de Cesareia: Translation of Basil of Caesarea’s Address
to the Young on the Usefulness of Greek Literature. Revista Rónai. Juiz de Fora, v. 7, n. 2, p.
69-91, 2019.

HARL, Marguerite. “Introduction” a ORIGÉNE, Philocalie 1-20 sur les Écritures, Sources
Chrétiennes. Paris: SOURCES CHRÉTIENNES, 1983. 594 p.

JAEGER, Werner. Cristianismo Primitivo e Paideia Grega. Tradução de Daniel da Costa.


Santo André: Academia Cristã, 2014. 128 p.

JUNIOR, David Timothy Spink. Basílio de Cesareia e a Justiça Social. Rio Grande do Norte,
2014. 55 f. Dissertação (Bacharelado em Histótia). Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, 2014.

LEMOS, Márcia Santos. Cristãos, pagãos e cultura escrita: as representações do poder no


império romano dos séculos iv e v d.c. Nitéroi, 2009. 270 f. Dissertação (Doutorado em
56

História). Universidade Federal Fluminense, 2009.

LETENSKI, Irineu. A Cultura Cristã e a Cultura Pagã na Perspectiva de Basílio Magno.


Revista Basilíade. Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 53-67, 2019.

LUPI, João Eduardo Pinto Bastos. A escola de Alexandria como núcleo do Helenismo Cristão.
Revista de Ciências Humanas. Santa Catarina, v. 11, n. 15, p. 11-23, 1994.

MELO, José Joaquim Pereira. Padres da Igreja e o diálogo com o pensamento clássico. Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2008.

MORESCHINI, Claudio. História da Filosofia Patrística. Tradução de Orlando Sores


Moreira. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2018. 784 p.

_____________. Basílio Magno. São Paulo: Loyola, 2011. Tradução de Francisco Gomes
Figueiredo de Moraes. 136 p.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Antiguidade Cristã – O


pensamento educacional dos mestres e escritores cristãos no fim do mundo antigo. 2. ed.
Campinas: KÍRION. 308 p. (Coleção Ruy Nunes).

PAPA, Helena Amália. Conflito Político-Religioso e Embate Discursivo entre Eunômio de


Cízico e Basílio de Cesareia: utilização do manual de Aristóteles. Revisa História e
Religiosidades. São Paulo, v. 29, n. 1, p. 211-232, 2010.

PAPA, Helena Amália. Memórias sobre o imperador Valente nos testemunhos dos Padres
Capadócios: a morte do imperador e denúncias contra o Cristianismo ariano (Séc. IV d.C.).
Jornal História. São Paulo, v. 39, p. 1-14, 2020.

PENSAK, M. A. ; ALMEIDA, R. M. de.; Basílio de Cesareia e as Virtudes Cardeais. Revista


Helleniká. Curitiba, v. 2, n. 2, p. 129-145, 2020.

REALI, Giovanni; Antiseri, Dario. Filosofia: Antiguidade e Idade Média, vol. 1. Tradução
de José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2017. 704 p. (Coleção Filosofia).

SÁENZ, Alfredo. História da Santa Igreja: a barca e as tempestades. Do nascimento da


Igreja ao islamismo. Rio de Janeiro: Centro Dom Bosco, 2020. 512 p.

SANTOS, Bento Silva. Platonismo e Cristianismo: irreconciabilidade radical ou elementos


57

comuns?. Revista Veritas. Porto Alegre, v. 48, n. 3, p. 323-336, 2003.

SARANYANA, Josep-Ignasi. A FILOSOFIA MEDIEVAL – DAS ORIGENS


PATRÍSTICAS À ESCOLA BARROCA. Tradução de Fernando Salles. São Paulo: Instituto
Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. 600 p.

SCHILLER, Soter. São Basílio, o “Discurso aos Jovens” Cristianismo, cultura clássica,
educação uma introdução. Curitiba: FASBAM, 2021.

SOLANO PINZON, Orlando. San Basilio, relato de Dios para la Iglesia. Revista
Franciscanum. Colômbia, v. 63, n.175, p .1-22, 2021.

STORIG, Hans Joachim. História Geral da Filosofia. Vários tradutores. Petrópolis: Vozes,
2009. 688 p.

VÁZQUEZ, Ulpiano. Filosofia e Escritura na Primeira Escola Cristã. Revista Síntese. Belo
Horizonte, v. 18 n. 55, p. 539-546, 1991.

VILLENA, Francisco Maldonado. El pensamiento ético de Séneca en el opúsculo A los jóvenes


de Basilio de Cesarea. Revista Florentia Iliberritana. Granada, n. 21, p. 227-245, 2010.

Você também pode gostar