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BACHARELADO EM FILOSOFIA
FORTALEZA
2021
Isac Antonio Pereira Parente
FORTALEZA
2021
Isac Antonio Pereira Parente
BANCA EXAMINADORA
Prof. ___________________________________________________________
Prof. ___________________________________________________________
Leitor:
Dedico inteiramente este trabalho ao meu avô
materno e pai, inesquecível amor de minha
vida, Francisco Johnes de Souza Pereira (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu padrinho e então bispo diocesano Dom Rosalvo Cordeiro de Lima,
que nunca me deixou de incentivar e de acreditar na minha vocação. Agora, concluo
jubilosamente os estudos filosóficos como seminarista da sua Diocese de Itapipoca;
Agradeço à minha família, principalmente aos meus pais pelo apoio constante em todas
as minhas escolhas. Quando voltei à casa, fui acolhido com o mesmo amor de quando parti para
ingressar no seminário;
Agradeço aos meus celestiais benfeitores, entre os quais cito: Dra. Jeanne Brasileiro,
Dra. Graciana Menezes, minhas tias Claudiana Cyrino e Vivian Pereira (Vica), bem como ao
Dr. Herton Parente e a Dra. Carol Parente. Também agradeço enfaticamente minha avó materna
Maria Pereira Lima de Souza (Cristina) pela ajuda mensal cuja importância foi singular para
minha permanência no curso;
Por fim, agradeço a fecunda intercessão do meu teórico, São Basílio Magno, por quem
me encantei logo no primeiro contato bibliográfico.
Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver
proscrição social., orçando a existência, em plena
civilização, de verdadeiros infernos, e
desvirtuando, por humana fatalidade, um destino
por natureza divino; enquanto os três problemas do
século - a degradação do homem pelo proletariado,
a prostituição da mulher pela fome e a atrofia da
criança pela ignorância - não forem resolvidos;
enquanto houver lugares onde seja possível a
asfixia social; em outras palavras, e de um ponto
de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra
houver ignorância e miséria, livros como este não
serão inúteis. (Victor Hugo)
RESUMO
Basílio de Cesareia (329 d.C. – 379 d.C.) redigiu a obra que viria a ser considerada pelos
especialistas como o posicionamento oficial da Igreja Primitiva a respeito do uso ou desprezo
dos textos clássicos da paideia grega pelos leitores cristãos, o Discurso aos jovens sobre a
utilidade da literatura pagã. Todavia, a proposta de Basílio aos jovens e também a todo o
público cristão em geral é recolher os conteúdos úteis à aquisição das virtudes à alma e à
conquista da vida futura ou celestial. A presente monografia tem por objetivo fundamental
acusar a existência de um pensamento filosófico essencialmente basiliano. Em vista disso, na
tentativa de apresentar alguns dos mais variados recortes filosóficos dos quais se utilizou o
Bispo de Cesareia em favor da defesa e da argumentação das suas principais ideias, analisar-
se-á a estrutura e as características do referido opúsculo dirigido aos jovens. Ademais, o
trabalho acadêmico fará referência às grandes escolas as quais Basílio frequentou ou mesmo
compartilhou das ideias, a saber, a Escola de Alexandria e a “Escola da Capadócia”; bem como
haverá referência ao cirruculum o qual fora herdado e que posteriormente influenciou na
formação do seu pensamento. Dentre os outros dois padres capadócios, Gregório de Nissa e
Gregório Nanzianzeno, mostrar-se-á que Basílio merece uma maior ênfase justamente pelo
ecletismo de filosofia em seus textos, homilias e demais escritos. Filosofia essa caracterizada,
sobretudo, pela apresentação de um programa ético e moral com fins religiosos.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 55
6
INTRODUÇÃO
O presente trabalho adotou o método qualitativo de pesquisa científica. Sua escrita deu-
se com o auxílio de alguns livros centrais dos estudiosos da Filosofia Patrística como Werner
Jaeger, Claudio Moreschini, Miguel Cabedo e Vasconcelos e Francisco Antonio Garcia
Romero. Além dos muitos artigos científicos analisados, foram deveras consultados os de João
Eduardo Lupi, Ulpiano Vázquez, Soter Schiller, Bruno Gripp, Irineu Letenski, Marco Pensak e
Rogério de Almeida e Helena Papa. Também recorreu-se a teses como as de Márcia Santos
Lemos e a David Timothy Spink Junior. Os textos em espanhol são dos autores Francisco
Maldonado Villena, Francisco Antonio Garcia e Orlando Solano Pinzón. Outros livros e
trabalhos acadêmicos usados com menos frequência serão citados no devido lugar das
referências.
Sabe-se que o processo de cristianização do mundo helênico não foi, de maneira alguma,
unilateral. Enquanto os cristãos procuravam aproveitar os elementos da paideia grega e
interpretá-la a seu favor, o cristianismo inevitavelmente acabou por permitir-se helenizar pela
vasta herança intelectual grega. Da mesma forma, se o cristianismo não conseguisse assumir a
liderança intelectual e cultural do Império, não existiria vitória sobre o mundo pagão.
Entretanto, agora, a novidade da especulação filosofia dar-se-ia em estreita relação com a busca
humana pela verdade, cuja revelação plena achar-se-ia no livro das Sagradas Escrituras. Tal é
o pensamento que Basílio de Cesareia (329 d.C. - 379 d.C.), que “[...] a partir de uma influência
platônica, se move essencialmente no universo das Escrituras [...]” (PENSAK; ALMEIDA,
2020, p. 130) pretende defender no Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã.
o uso da paideia grega, apontará para a paideia cristã como a mais completa forma de educação
e sabedoria humana, posto que conduz ao prêmio da eternidade.
[...] através do estudo das Escrituras, que nos transmitem uma moral de
inspiração divina, é possível descobrir o dever moral. Isto é,
independentemente da inclinação que cada um tiver, é nas Escrituras que se
deve buscar uma conduta reta e que deve ser imitada (PENSAK; ALMEIDA,
2020, p. 133).
Finalmente, analisando as partes do Discurso aos jovens poder-se-á constatar a gama de
metáforas e imagens das quais Basílio se utiliza para bem convencer os pupilos. Também se
apresentará as características gerais e a filosofia do opúsculo aos jovens. Depois, dissertar-se-á
sobre o que pode ser considerada a mais importante temática do texto: a serventia da literatura
para a aquisição das virtudes na vida do cristão. As virtudes que
8
Dessa maneira, o conceito de virtude que será trabalhado nesta monografia não é mais
um conceito para bem compreender Basílio, e sim um conceito indispensável à análise e à
correta interpretação do Discurso aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã. Finalmente,
nas considerações últimas apresentar-se-á um breve balanço geral dos capítulos e o
desenvolvimento da discussão, tendo em vista demonstrar se serão ou não respondidas as
perguntas de partida já lançadas.
Questões Preliminares
1
Compreenda-se escola não no sentido físico-estrutural, como no caso da de Alexandria no Egito, mas enquanto
escola de pensamento, como um conjunto de ideiais semelhantes entre os pensadores. Por isso, durante todo o
trabalho, quando se referiu ao sistema de pensamento comum aos capadócios aspas foram utilizadas.
9
Além disso, observar-se-ão o modo como as correntes filosóficas tais quais o cinismo,
o estoicismo, o platonismo e o aristotelismo foram utilizadas pelos alexandrinos, na organização
e consolidação racional do pensamento cristão. Ora, Basílio estudou nas consideradas escolas
eruditas da época, nas academias de Cesaréia e de Atenas. Ele se destaca no cenário oriental
pela inabalável retórica com a qual escrevia suas obras. O que lhe é próprio, bem mais que nos
outros capadócios, são os recortes das muitas filosofias, não obstante fossem conflitantes entre
si, pois o filósofo cristão era capaz de reuni-las e delas servir-se em benefício da doutrina cristã.
Certamente, sem a influência alexandrina, Basílio não teria conseguido sorver tamanha riqueza
de conhecimento, e a “Escola de Cesaréia” não conseguiria ter alcançado seus audaciosos
objetivos de estruturar a doutrina cristã enquanto um digno corpus filosófico.
Em meados de 331 a.C., próximo ao delta do Rio Nilo, o Imperador Alexandre Magno
fundou a cidade de Alexandria, tornada polo de encontro entre diversos povos, crenças, culturas
e filosofias. Durante o século IV, a oficialização do cristianismo como religião do Império
Romano; a fundação de Constantinopla, que repartiu a administração imperial em duas partes;
e a participação dos cristãos nas classes sociais do Império foram fatos importantes à história
da humanidade2. Dentre os muitos territórios em posse de Roma, a cidade de Alexandria merece
destaque porque:
[...] acolheu também imigrantes; sua população de origem judaica era tão
numerosa que chegou a constituir um terço do total dos habitantes; e motivou
tal intercâmbio com o modo de vida grego que levou a primeira tradução da
Bíblia a tradução dita dos Setenta, do hebraico para o grego; assim a teologia
foi obrigada a repensar-se, mais de dois séculos antes de Cristo, em termos
helenísticos, e, o que não é menos importante, no âmbito de uma cultura local
altamente evoluída. De fato, em Alexandria nasceram, ou por 16 passaram,
grandes nomes do período helenístico e romano: Euclides, o geômetra; Heron,
o inventor de máquinas, Apolônio de Rodes, crítico literário e chefe da grande
biblioteca; Aristarco de Sarnotrácia, também chefe da biblioteca, e crítico da
Iliada; os três famosos geógrafos e astrônomos: Claudio Ptolomeu, Estrabão,
e Eratóstenes de Cirene; Filon, o filósofo judeu; Galeno, o médico; Amônio
Sacas, o platônico, e seu discípulo Plotino. (LUPI, 1994, p. 14).
2
A divisão histórico-cronológica acima encontra-se no texto do Prof. Me. Pe. Soter Schiller, OSBM. Segundo o
autor, alguns fatos apresentaram-se como favorecedores ao estabelecimento da Religião Cristã no Ocidente e no
Oriente. Além de terem contribuído à fundação da Cidade de Alexandria e seu centro de estudos acadêmicos. Cf.
SCHILLER, Soter. São Basílio, o “Discurso aos Jovens”. Cristianismo, cultura clássica, educação uma
introdução, 2020, p. 1.
10
[...] A paideia cristã parte da ideia de que pela educação nós formamos o
homem, pela educação nós constituímos em plenitude a condição humana.
A educação na paideia cristã é, então, uma prática social de hominização,
de formação do homem para viver na sociedade terrena e celestial. Essa nova
paideia consiste, pois, em ampliar a dignidade do homem para o que é
atemporal e não espacial, daí a ideia de uma cidade terrena e uma outra
divina, na qual o cristão, esse novo homem, participa em coparticipação.
(FREITAS, 2018, p. 304).
Desse modo, “[...] a religião cristã [...] ofereceu a sua própria filosofia positiva como
base para uma reconciliação entre o mundo antigo e o novo” (JAEGAR, 1961, apud
VASCONCELOS, 2018, p. 18-19). Ora, a aprendizagem cristã pode certamente ser
reconhecida como o primeiro grande sistema universalista, correspondendo em termos políticos
a uma proposta democrática de ensino (FREITAS, 2018). Conseguintemente, iniciou-se uma
transmigração da educação, ou paideia4 grega, para a paideia cristã. Para tanto, os pensadores
Clemente de Alexandria (150 d.C. - 215 d.C.) e Orígenes, respectivamente mestre e discípulo,
em seus estudos filosóficos principiam claramente um sistemático esforço de diálogo entre a fé
3
De acordo com o Jesuíta Argentino Alfredo Sáenz, o declínio da civilização romana aconteceu em paralelo à
difusão do cristianismo. A partir do século III, podia ser observado o fenômeno de desintegração do até então
inabalável império pagão. Cf. SÁENZ, Alfredo. História da Santa Igreja: a barca e as tempestades. Do
nascimento da Igreja ao islamismo, 2020, p. 61 - 64.
4
Considere-se que o termo grego paideia é uma concepção complexa, que não deveria ser reduzida ao simples
termo pedagogia. O sentido mais correto seria a paideia enquanto sistema ético vinculado à cultura e à literatura.
Isto é, o sentido que o homem grego atribuía à paideia deve ser visto como um grande conjunto de noções diversas.
Para maior consulta, indica-se a obra Cristianismo Primitivo e Paideia Grega, do estudioso Werner Jaeger. Obra
através da qual recortamos essa tese, bem algumas outras informações.
11
cristã e as filosofias gregas, por isso são apontados como os principais fundadores 5 da Escola
Catequética de Alexandria. Sobre a educação e o método de ensino próprios das escolas gregas
dos primeiros séculos, afirma-se a seguir:
5
Mesmo com a tese do autor Josep-Ignasi Saranyana, segundo o qual a escola de Alexandrina parece ter sido
fundada por um tal Panteno (+ca. 200), com Clemente e Orígenes alcançou o cume da excelência. Cf.
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval - das origens patrísticas à escola barroca, 2006, p. 54. Mais à
frente, ver-se-á a citação ipsis litteris de Saranyana e a referida ideia.
6
Referência ao corpus filosófico próprio das escolas cristãs, dentre as quais está inclusa a de Alexandria. Para uma
análise mais detalhada, consultar o trabalho do Jesuíta Espanhol Ulpiano Vázquez. Cf. VÁZQUEZ, Ulpiano.
Filosofia e Escritura na Primeira Escola Cristã, 1991, p. 544. Sobre esse curriculum acadêmico, abordar-se-á mais
pormenorizadamente no próximo subtópico: 2.2.
12
Por meio desse arcabouço intelectual, o cristianismo alcançara tal nível de maturidade
que o permitiu possuir uma rica erudição grega. Os primeiros cristãos não tinham ainda escrito
explicitamente sobre o tema educação, posto que ela não era até então reconhecida como
ciência. Todavia, a educação constituía uma preocupação contaste entre eles, inseparável da sua
cosmovisão, pois a importância da educação clássica “[...] era indiscutível e, ao mesmo tempo,
imprescindível para a carreira de um cidadão de escol. O perigo para os jovens cristãos residia
nos enredos e nos temas das obras, de fundo mitológico, de matéria moralmente leviana ou
imoral.[...]” (NUNES, 2018, p. 170). Também era-lhes importante a postura do mestre e do
aluno, que para o sucesso na interação pedagógica dependia dos valores mais fundamentais na
maneira de educar; isto se daria na educação para o respeito e a adesão à Fé (GREGGERSEN,
2005). Embora a civilização helênica:
[...] visse o seu fim marcado pelo emergir do cristianismo, foram herdadas por
este último, num processo de assunção e não de erradicação, não só a
valorização da beleza e das artes, mas também as eruditas categorias do pensar
grego e o compromisso quase ascético em favor da ponderação e do equilíbrio
pessoais. Talvez apenas ao longo deste processo é que se passou a poder falar
efetivamente numa verdadeira cultura cristã, cada vez mais desenvolvida e
consolidada. (VASCONCELOS, 2018, p. 38).
A escola cristã surge [...] como um centro de altos estudos, numa cidade polo
cultural da civilização helenística, apoiada na comunidade judaica imbuída de
cultura grega clássica, à sombra do enorme e tradicional prestigio do Museu,
já sem a Grande Biblioteca, mas ainda com a biblioteca do Sarapeion
(entretanto reforçada), e numa época em que as tendências dos estudos se
voltam mais para a discussão filosófica e teológica. Nessa cidade, ponto de
encontro de culturas e de ideias, é que o cristianismo começa a assumir uma
forma doutrinal sistematizada, e o faz segundo modelos, concepções e
terminologias helenísticas. Em Alexandria, no final do século II d.C., mais do
que em qualquer outro lugar, assistimos ao nascimento do cristianismo como
forma doutrinaria de pensamento. Captar essas ideias originais, esse
nascimento, é chegar ao ponto de partida e ao sentido primordial da formação
dos conceitos que dominaram o Ocidente pelo menos até o final da Idade
Média. (LUPI, 1994, p. 15).
Segundo Lupi (1994), o helenismo foi a cultura que conseguiu impregnar o Ocidente.
A doutrina cristã, unida ao helenismo e por meio dele, tornou-se capaz de dialogar com as
civilizações clássicas. Para que a Igreja nascente conseguisse superar a fragilidade dos seus fieis
mais rudes, a cristandade não pôde desprezar os métodos pagãos de ensino e seus dinamismos
particulares. Em suma, os cristãos admiravam o espírito de equilíbrio próprio do pensamento
racional grego, mas:
7
De acordo com o Sacerdote Português Miguel Cabedo, a metodologia pagã foi relida através da óptica cristã,
dando-lhe nova energia. Portanto, preservando a existência de uma cultura helênica. Cf. VASCONCELOS, Miguel
Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e
tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 17.
8
A fim de um melhor entendimento, seja a expressão atrelada ao sentido de vasto conhecimento filosófico em
circulação nas escolas pagãs gregas. Nelas, o Platonismo e o Aristotelismo obtiveram importante atenção. Cf.
Ibid., 2018, p. 36.
14
perigos reias para a fé e para os costumes dos jovens cristãos uma vez que a
vida dos cristãos, mesmo os mais irrepreensíveis, acontecia impregnada de
paganismo. (VASCONCELOS, 2018, p. 42).
No que tange aos costumes, o perigo tornara-se ainda mais evidente. De fato, o contato
dos estudantes com a mitologia poderia gerar prejuízos aos mais jovens, particularmente por
conta das narrativas de escândalos desencadeados pelos deuses. Pois, para Platão, “quem é novo
não é capaz de distinguir o que é alegórico do que o não é” (PLATÃO, 1983, apud
VASCONCELOS, 2018). Ele também afirmava que a essência de toda educação ou paideia
grega é fundamentada no desejo do homem em tornar-se um cidadão virtuoso, ou seja, dotado
da grande excelência conhecida como areté (FREITAS, 2018). Paradoxalmente ao risco trazido
pelo estudo profano, a estima pela sabedoria e a consideração da contemplação oriunda de uma
vida filosófica são características gregas procuradas e elogiadas pelo público cristão 9.
Entretanto:
9
Informação extraída da obra História Eclesiástica, do historiador Sócrates de Constantinopla. Cf.
CONSTANTINOPLA, Sócrates, H.E. 3, 2017, p. 16.
15
Com efeito, a civilização helênica exerceu uma influência enorme sobre a mentalidade
cristã, impactando principalmente o cristianismo, sobretudo através da filosofia grega. Dessa
forma, o diálogo entre religião cristã e cultura helênica teria sido mais dificultoso sem a
colaboração do pensamento filosófico. No entanto, o processo de cristianização do mundo
grego não foi nada unilateral, posto que, simultaneamente, significou a incrementação da
doutrina cristã (JAEGER, 2014). Então, a divergência entre a paideia grega e o cristianismo
emergente encontrou terreno fecundo na Escola alexandrina, marcadamente nas filosofias de
Orígenes e Clemente de Alexandria. Sendo pensamento deste último levado à Cesaréia graças
10
O trabalho acadêmico do PostDoc. Prof. João Eduardo Pinto Basto sobre a Escola Cristã de Alexandria tem como
objetivo principal destacar a academia alexandrina como matriz das ideias para todo o Ocidente. Cf. LUPI, João
Eduardo Pinto Basto. A Escola de Alexandria como núcleo do Helenismo Cristão, In: Revista de Ciências
Humanas. v.11, n. 15, 1994, p.11-23.
16
a seu discípulo, Gregório Taumaturgo, contemporâneo e concidadão de Basílio. Foi assim que
o curpos filosófico alexandrino influenciou a formação da “Escola da Capadócia”, cujas
características principais serão evidenciadas logo mais à frente.
11
Mais adiante, ver-se-á a proposta de Orígenes, para quem poder-se-ia extrair das filosofias gregas aquilo que
fomentasse a iniciação dos cristãos na doutrina. Cf. VÁZQUEZ, Ulpiano. Filosofia e Escritura na Primeira Escola
Cristã, 1991, p. 543.
17
12
Fieis ou mesmo pensadores cristãos.
13
Referência à preocupação com a capacidade de atração intelectual existente Cristianismo.
18
No entanto, tem-se que o objetivo máximo dos pensadores era detectar nos autores
helenos influentes um movimento dialético entre o tradicional pensamento grego e o novo
pensamento cristão (Schiller, 2020), encaminhava ao diálogo o cristianismo e as filosofias
helenísticas. Nesse sentido, um ponto digno de destaque é o de que uma escola da primeira
metade do séc. III concedeu imensa importância ao estudo da Filosofia e das ciências
propedêuticas. Também ali a dialética e as ciências naturais, bem como a filosofia moral e as
disciplinas todas que nas novas ou antigas filosofias poderiam suscitar o discurso teológico
eram analisadas (Vázquez, 1991). Ora,
Desta arte, o estudo da Filosofia nas academias de alexandrina trouxe como maior
consequência um afastamento periódico da cosmovisão mitológica, “[...] no sentido de uma
racionalização de todas as dimensões da existência e do pensamento, em que a Filosofia surge
como manifestação suprema, particularmente no seu clímax platônico-aristotélico [...]”
(VASCONCELOS, 2018, p. 36). Vê-se na paideia grega determinada aprendizagem iniciática
que transcendia a esfera da fé simples, desejosa de um conhecimento estruturado e sistemático,
a saber, a sabedoria cristã. Com efeito, o distanciamento dos mitos por parte dos alexandrinos,
14
O subtópico seguinte dissertará mais pormenorizadamente sobre as correntes filosóficas as quais recorreram os
capadócios.
15
Dessa forma, a leitura dos escritos pagãos foi, certamente, recomendada desde os inícios da consolidação cristã
nas sociedades.
19
e de forma ainda mais intensa com os capadócios, obteve como resultado a posse daquilo que
de melhor existia no sistema profano em voga, de tal maneira que o arcaico mundo antigo foi
cedendo espaço à uma civilização cristã. Se por um lado:
primordialmente com Orígenes, procurou uma leitura racional dos vários sentidos bíblicos. [...]
Orígenes é, ele próprio, paradigmático da relação entre paideia grega e o cristianismo” (Ibid.,
2018, p. 45). E embora ele tenha vivido como cristão, possuía uma visão helênica diante da
realidade, incluindo sua visão sobre Deus. Sobre a figura importante de Orígenes, Gregório
Taumaturgo justifica sua escolha do estudo atento da Filosofia com tais palavras:
Ele julgou que era bom para nós que estudássemos filosofia com sabedoria,
de tal modo que pudéssemos ler com a maior das diligências tudo quanto se
escrevera, não rejeitando nada (pois que, de facto, não tínhamos ainda a
capacidade de discernir criticamente), exceto as produções dos ateus que, no
seu pensamento, se afastavam da inteligência distinta do homem, negando a
existência de Deus e da Providência. (TAUMATURGO, 1969, apud
VASCONCELOS, 2018, p. 45).
Nesse caso, até o século IV, a filosofia cristã seguiu a perspectiva alexandrina,
especialmente a de Orígenes. Por conseguinte, apresentando os fundamentos da fé através dos
pensamentos filosóficos próprios do helenismo pagão, os capadócios conseguiram superar algo
do seu caráter rudimentar. Tudo o que os gregos tomavam por ciências auxiliares, como
geometria, música, gramática, retórica e astronomia os filósofos cristãos aplicaram à própria
filosofia em relação ao cristianismo (HARL, 1983). Com vistas à reconciliação entre paideia
grega e o cristianismo primitivo, tais atividades racionais construíram-se uma coerente resposta
institucional da Igreja ao mundo helénico. Isto posto, quanto as características gerais e ao
mesmo tempo a importância da Escola de Alexandria para a posterior Escola da Capadócia,
entenda-se que aconteceu:
Portanto, pode-se dizer que Orígenes e Clemente com sua forma de tratar o problema
da existência de um fundamento racional ao cristianismo e sua paideia anteciparam o método
que seria utilizado posteriormente por Basílio e os Padres da Igreja. Se a doutrina cristã
aparecesse como uma continuidade da paideia grega, sua aceitação lógica para os gregos tornar-
se-ia mais fácil (JAEGER, 2014). No ambiente cultural de Alexandria, a tradição grega
assegurou ao cristianismo sua universalidade. Dali, Basílio de Cesareia herdou o conhecimento
cultural e espiritual para os homens de uma nova era: o século IV, a Idade de Ouro da Patrística.
Questões Preliminares
Apresentar-se-á questões tais quais o o pensamento dos três padres capadócios, Basílio
de Cesareia, Gregório de Nazianzeno e Gregório de Nissa; as características da “Escola da
Capadócia” e o lugar de destaque de Basílio entre os demais pensadores orientais do séc. IV.
Primeiro de tudo, ficaram conhecidos como capadócios porque nasceram, viveram suas vidas
e morreram na Província da Capadócia, hoje Turquia. Não bastando o fato de terem nascido em
mesma região, os capadócios participaram ativamente dos conflitos políticos e religiosos em
comum naquele tempo (PAPA, 2010). Figuras como a de Basílio, capazes de dar à literatura
greco-romana uma influência permanente na história e na cultura do seu tempo e até os dias
atuais.
pode ser denominado neoclassicismo cristão16, e por essa razão, o cristianismo do séc. IV
apareceu como herdeiro de tudo o que fosse merecedor de reavivamento na tradição grega,
mostrando-se ao mundo não só novamente fortalecido, mas como o grande preservador de uma
extensa cultura clássica. Ora, a filosofia e a retórica marcavam o cenário educacional de Basílio,
dessa forma, para também dominar a cena, o cristianismo precisava colocá-las a seu serviço
(JAEGER, 2014), por meio da filosofia basiliana isso aconteceu satisfatoriamente.
Sobre o método filosófico de Basílio, veja-se que ele não hesitou em recorrer às
filosofias platônicas, cínicas e estoicas para argumentar pontos essenciais em suas homilias,
bem como bebeu das fontes aristotélicas a fim de solidificar a retórica presente em seus
discursos. Tudo na intenção de converter à fé cristã. Logo, a filosofia de Basílio, por meio da
arte do convencimento, pretendia apresentar a fé aos ainda não crentes (PAPA, 2010). Sua
maior inclinação era unificar os aspectos morais da sociedade com a prática cristã, desejando o
crescimento espiritual e moral dos seus leitores e fieis. Diferentemente dos outros autores
cristãos, ele resolveu essa querela com equilíbrio, determinação firme e inovador discernimento
(MORESCHINI, 2010). Graças a Basílio a Igreja pode emitir uma posição oficial a respeito do
ensinamento pagão e suas consequências à vida cristã, assunto extensamente presente no
Discurso aos Jovens sobre a utilidade da literatura pagã. Para o bispo de Cesareia, a aquisição
de qualquer conhecimento jamais poderia sobrepor-se à educação moral.
16
Para Jaeger, os Padres Capadócios foram responsáveis por um período áureo da era patrística. Graças a eles, o
cristianismo alcançou o estado máximo de conciliação entre o helenismo e a doutrina cristã. Cf. JAEGER, Werner,
Cristianismo primitivo e paideia grega, 2014, pp. 90-91.
17
Novamente recorde-se o sentido da referida escola não tanto como estrutura física, como a alexandrina, mas
enquanto pensamento filosófico em comum partilhado pelos três capadócios.
23
possuía uma maneira própria de expor as ideias, além de os temas aos quais dedicavam erudição
serem diversos. Assim, os Capadócios não pensariam de forma igual todos os assuntos. Decerto,
a questão central que permite uni-los enquanto grupo é a compreensão da realidade18. Contudo,
foi na cidade de Cesaréia que:
[...] sob a proteção do Bispo de Jerusalém, o gênio de Orígenes fez com que
desabrochasse o sonho de Clemente de Alexandria: aprofundar a doutrina
cristã com a ajuda de uma séria reflexão filosófica. A importância do fato de
que esse desabrochar tenha sido também uma instituição, isto é, que pela
primeira vez tenha existido uma escola especificamente cristã dedicada ao
estudo da Sagrada Escritura e em diálogo permanente com a Filosofia, não é
em nada diminuída pela brevidade daquela primavera e nem sequer pela
fragilidade da resposta que foi encontrada para resolver a pendência entre a
Filosofia grega e o Cristianismo ainda marcado pelo seu hebraísmo original e
portador de uma Escritura que ele considerava inalienável, mas que os gregos
consideravam bárbara. Nós somos ainda um fruto daquela floração [...] (LUPI,
1994, p. 14).
18
Isto é, a cosmovisão cristã dos Padres Capadócios, segundo os quais o todo da realidade deve ser entendido como
uma obra divina.
19
Assim ficaram conhecidos Basílio e os dois Gregórios pela fidelidade às determinações teológicas do Concílio
de Nicéia (325). Fidelidade expressamente constatada nas suas inumeráveis obras. Cf. PAPA, Helena. Memórias
sobre o imperador Valente nos testemunhos dos Padres Capadócios: a morte do imperador e denúncias contra o
Cristianismo ariano (Séc. IV d.C.), 2020, p. 1.
20
Conflitos tais quais as tentativas dos imperadores romanos em restabelecer a obrigatoriedade do culto pagão, as
heresias primeiras dentro da Igreja, resultando em acontecimentos como o Concílio de Niceia (325 d.C.). Para
maiores estudos, Cf. SÁENZ, Alfredo. História da Santa Igreja: a barca e as tempestades. Do nascimento da
Igreja ao islamismo, 2020, pp. 125 - 131.
24
inclusive do cristão. Tomando essa posição, muito aberta para o seu tempo,
Basílio, junto com alguns seus coetâneos, contribuiu para impedir que uma
determinada ala da elite cristã incluísse na sua “derrubada de ídolos” também
a ciência e a literatura antiga e fez com que no meio cristão prevalecesse a
posição positiva perante a cultura clássica. Assim, por conseguinte, a Igreja
veio a tornar-se o veículo transmissor do patrimônio cultural da Antiguidade
para a Idade Média e para os tempos modernos [...]. (SCHILLER, 2020, p.
11).
Vale salientar que “(...) O edifício teológico de Basílio e dos restantes Padres
Capadócios, filosófica e linguisticamente fundamentado, foi verdadeiramente determinante
para uma defesa hábil e competente da fé de Niceia”. (VASCONCELOS, 2018, p. 34). Os três
eram praticamente concordes em uma avaliação negativa 21 das academias pagãs, não pelas
academias em si, mas pelo ensino proporcionado pelos seus mestres, que representava uma
ameaça à fé dos cristãos envolvidos no percurso acadêmico (VASCONCELOS, 2018). Neste
sentido, os capadócios tiveram como missão conquistar a liderança espiritual dos povos que o
cercavam, e isso justificou a criação de uma literatura religiosa da mais alta qualidade
(GREGGERSEN, 2005). Dos padres membros da “Escola da Capadócia” ainda se define:
[...] com efeito, referem-se inúmeras vezes aos clássicos, citando com destreza
tanto os fundadores da Hélade, Homero e Hesíodo, como os grandes da
filosofia de Atenas, Platão e Aristóteles, e também os neoplatônicos como
Plutarco e Luciano, bem como os autores da nova sofística. Os seus discursos
e, de certo modo, toda a sua oratória, embora não sejam propriamente originais
na forma, recorrem aos artifícios retóricos e às figuras de estilo dos clássicos
para apresentarem um tema que é novo: os problemas da vida e do
pensamento, à luz de um espírito cristão. Embora criticados pelos
contemporâneos pelo uso livre da tradição helénica, os Capadócios defendem-
se com o exemplo de Moisés, que se ilustrara na sabedoria dos Egípcios, para
depois aceder ao mistério do Deus de Israel. (VASCONCELOS, 2018, p. 47).
21
As Escolas poderiam influenciar negativamente os cristãos, posto que algumas determinações do pensamento
pagão entram em conflito com a fé cristã. Os padres usaram do discernimento para afastar os aspectos não
favoráveis e adaptar ao cristianismo aqueles mais compatíveis com os princípios religiosos. Portanto, a avaliação
negativa é apenas parcial.
22
Saudosismos ou mesmo algumas tentativas por parte dos indivíduos de restaurar a paideia clássica em todos os
sentidos, todas elas sem hesito suficiente, como no exemplo do apostata Juliano.
25
verdade, à semelhança das filosofias gregas precedentes; agora, o ponto de partida é a revelação
divina contida na bíblia. Assim,
[...] Todas as tradições, pagã e cristã, foram reinterpretadas a partir dessa fonte
de sentimento religioso, a fim de torná-las mais aceitáveis aos homens da nova
época. Elas começaram por lembrar que tinha sido Platão quem tornou o
mundo da alma visível pela primeira vez a observação interior do homem, e
compreendera que essa medida radical tinha mudado a vida humana. Assim,
Platão se converteu em seu guia nesse caminho ascendente, pois ele Platão os
fazia desviar seus olhos da realidade material e sensível para o mundo
imaterial, no qual os mais nobres da raça humana estavam para torná-lo seu
lar. (JAEGER, 2014, p. 60).
No tempo dos Capadócios a paidéia grega estava habituada ao serviço da cultura cristã,
mas a discussão em torno do papel da filosofia na formação acadêmica dos cristãos ainda
continuava. Basílio comparecera a Escola do excelente orador pagão Libânio 23 e anos depois,
quando em Atenas, provou na experiência pessoal os conflitos levantados pelo curriculum
clássico aos jovens cristãos. Também se tenha que a retórica era ensinamento basilar na paideia
grega. Segundo Helena (2010), no século IV a instrução dos cidadãos era deveras valorizada,
valorização refletida no reconhecimento oficial da profissão de retor. Depois dos estudos em
Cesaréia, Constantinopla e Atenas, Basílio tornou-se retor.
Em meio a tal contexto, Basílio e os dois Gregórios esforçaram-se por dispor tanto a
filosofia quanto a retórica ao emprego cristão (VASCONCELOS, 2018). Esses autores
fundamentaram seus discursos de retórica com argumentos de escritores do passado, como
Hermógenes e Aristóteles. Sendo assim, a retórica religiosa estava impregnada das técnicas
metodológicas de cunho aristotélico (PAPA, 2010). Todavia, para muito além das influências
filosóficas, o marco diferencial dos escritos cristãos era justamente o teocentrismo
(GREGGERSEN, 2005). Esse período é também merecedor de constante rememoração, pois
23
Escola localizada na Capadócia, região de origem dos três padres.
26
Sobre a intenção dos capadócios, Moreschini cita: “[...] Sua mais intima inclinação era
unir os aspectos morais com os sociais e práticos do cristianismo. Sua atividade e sua retórica
tinham o objetivo de suscitar em seu auditório o desejo do crescimento espiritual e moral.”
(MORESCHINI, 2010, p. 77), daí que são considerados únicos em sua abordagem filosófica.
“[...] malgrado a absoluta recusa da estrutura hierárquica do sistema plotiniano, os Padres
capadócios não hesitaram em recorrer a certos pontos essenciais do pensamento de Plotino e
Porfírio [...]” (Ibid., p. 73) para ilustrar suas posições intelectuais. Para Helena (2010), as
disciplinas ensinadas nas academias do séc. IV, como Astrologia, Aritmética e Geometria
estavam submetidas ao aprendizado da retórica, cujo bom uso concederia aos estudantes uma
excelente habilidade metodológica.
Sabe-se que a tolerância civil circulava por quase todo o Império Roman 24o, e as
perseguições aos cristãos por parte das autoridades foram diminuídas ao tempo dos capadócios.
A breve exceção deu-se brevemente durante o reinado do apóstata Juliano (332 d.C. - 363 d.C.),
que procurou retomar a religião e a paideia gregas, impedindo os cristãos de fazer delas um uso
para sua crença. O Imperador Juliano:
[...] excluiu os cristãos como professores das escolas. Ele deve ter percebido
o perigo para a sua causa, que se escondia nas aspirações culturais mais
elevadas dos cristãos, pois tomou medidas para frustrar seu desenvolvimento.
O Estado era, obviamente, capaz de obrigar o seu edito, ao menos por um
curto prazo. Mas em sua tentativa de restaurar o culto religioso e mistérios
gregos e dar-lhes uma organização semelhante a uma igreja, Juliano foi mal
sucedido. Sua mais forte aliada era a paideia das escolas tradicionais, das
quais dependia; os líderes cristãos mais cultos sabiam disso e tentaram eles
mesmos fazer uso desta arma. (JAEGER, 2014, p. 91).
24
Salvo no período breve do reinado de Juliano, o Apóstata. Imperador no tempo de Basílio, também estudara em
Atenas. Cf. VASCONCELOS, Miguel. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 36.
27
O ensinamento de Basílio e dos dois Gregórios alcançou o outro lado do então mundo
conhecido, chegando ao Ocidente, lugar em que, a partir e graças a eles, a abordagem da Igreja
perante os livros profanos e sua função educativa continuou a mesma do lado Oriental
(VASCONCELOS, 2018). Lendo grande parte dos filósofos gregos, como Orígenes havia
indicado, os capadócios estudaram com seriedade a tradição clássica (JAEGER, 2014). E com
25
A subsistência do cristianismo, dessa forma, dependia do bom êxito intelectual dos autores cristãos. Sem esforços
intelectuais, o discurso religioso não encontraria prestígio em meio ao mais sábios da camada social. Daí
compreende-se com qual responsabilidade pregavam os capadócios.
28
maestria conseguiram resolver o conflito em torno da existência ou não de verdades nos textos
pagãos. Ora, os escritos dos padres estavam no contexto da Escola de Alexandria; portanto,
imersos na influência literária de então (VASCONCELOS, 2018). Porém, foi através dos
esforços filosóficos de Basílio que, como em nem outro capadócio, a cultura grega fora elevada.
A excelência dos estudos de Basílio deu-se primeiro porque seu pai foi proprietário e
mestre em retórica de uma escola na Césareia, recebendo assim uma educação ao nível cultural
mais altivo da época, no esquema da paideia grega imperial. Basílio conquistou excelência na
retórica e na filosofia, porque as academias seguiam o currículo regular, no qual estavam
inclusas as artes liberais e justamente a retórica e a filosofia, todas as disciplinas estando
fundamentadas na leitura dos clássicos (JAEGER, 2014). Depois, nas mais renomadas escolas
de retórica e filosofia de Atenas, o filósofo estudou durante quatro anos. Historicamente, as
academias cristãs continuaram vigorosas até o seu fechamento, em 529 d.C. por mando do dito
Imperador Justiniano (Schiller, 2020). Logo, Basílio amadureceu nos estudos em terra natal,
através da filosofia alexandrina, e posteriormente na grande Atenas. Tal modelo de educação
grega nas escolas caracteriza-se por ter sido:
29
[...] sempre [...] baseada no estudo exaustivo de Homero e nos demais poetas
gregos. Na era helenística, essa educação tradicional, na qual as "artes" dos
sofistas foram acrescenta das, tornou-se uma instituição pública nas cidades
do mundo de fala grega. As profundas investigações de Platão acerca da
natureza do entendimento da mente humana e o melhor método de
aprendizagem levaram-no a proclamar a filosofia como a única paideia
verdadeira; mas isso não mudou o caráter da educação oferecida nas escolas
públicas. A filosofia permaneceu encerrada dentro dos muros das escolas
filosóficas. As pessoas comuns não foram afetadas por isso. Assim, o tipo
literário de educação superior permaneceu intacto, mesmo após o tempo de
Platão. [...] (JAEGER, 2014, p. 100).
Ora, Basílio foi levado a Atenas pelo amigo Gregório Naziazeno, e naquela época a
oposição entre a cidade pagã e Jerusalém era ainda um tanto significativa. Consequentemente,
a investigação da paideia grega por Basílio fez com que ele se debruçasse sem ressalvas iniciais
sobre as filosofias pagãs como a platônica e as considerações sofisticas, aprendendo dos
considerados maiores mestres platônicos e sofistas do seu tempo26. Acerca do mesmo Platão e
do neoplatonismo a influência na filosofia brasiliana é clara, na medida em que os escritos desse
filósofo, principalmente os discursos, enfatizavam a valorização da vida espiritual e,
consequentemente, pregavam a depreciação das coisas terrenas, materiais, passageiras e
sensíveis (LETENSKI, 2019). Não obstante as reinterpretações da filosofia de Platão a partir
das tendências médio e neoplatônicas, o pensamento cristão geral e particularmente o
pensamento dos capadócios será marcado pelo neoplatonismo, e através dele Basílio move-se
no universo das escrituras sagradas (PENSAK; ALMEIDA, 2020). Todavia, os traços próprios
de Basílio distinguem-se pelo fato de que a:
26
Claudio Moreschini desenvolveu um extenso trabalho acerca das filosofias presentes no discurso de Basílio, bem
como as características próprias da sua filosofia. Para uma pesquisa minuciosa, Cf. MORESCHINI, Claudio.
Basílio Magno, 2010.
30
A retórica utilizada por Basílio em suas obras pode ser considerada mais profunda do
que o método utilizado pelos sofistas, posto que importava a ele convencer mais o
comportamento humano que o pensamento. Neste sentido, as cartas de Gregório de Nazianzo e
as do próprio Basílio exibem a influência dos estoicos nos escritos basilianos. O conceito de
apatheia reforça a equivalência entre o ascetismo e a vida filosófica em Basílio, ambas
ferramentas entrelaçadas no desenvolvimento espiritual e moral dos cristãos (PENSAK E
ALMEIDA, 2020). Isto é, o cunho moral era o ponto central o qual interessava Basílio, e não o
mero desenvolvimento erudito dos estudantes cristãos. Essa seria uma motivação primordial
para a transformação interior de uma nova sociedade, antiga ao mesmo tempo, posto que a
transformação preservou alguns aspectos helênicos saudáveis ao cristianismo (Moreschini,
2010). Se a retórica e a filosofia eram essenciais no campo cultural e da educação, o filósofo
não poderia deixar de dispô-las a seu serviço (JAEGER, 2014). Do estilo escriturístico do
filósofo, tenha-se em consideração o seguinte:
Ainda no tocante à problemática do estudo das letras profanas pelos cristãos, Gregório
Nazianzeno resume a situação em voga no seu tempo e do seu amigo Basílio. Havia o
reconhecimento por parte dos homens de bom senso da educação entre o primeiro dos bens à
disposição; não somente uma educação nobre como a dos cristãos, capaz de desconsiderar o
estilo elegante e refinado da linguagem em prol das ideias belas e que conduzissem à salvação,
também a educação pagã, rejeitada pelos cristãos por ser entendida como afastamento de Deus
(VASCONCELOS, apud NAZIANZENO). Entretanto, tanto Gregório quanto Basílio recusam
esse pensamento, considerando-o um grande erro de julgamento. A questão merecia tamanha
ênfase, pois o tema:
Em Basílio, encontram-se recortes de doutrinas filosóficas diferentes entre si, mas que
o filósofo consegue compilá-las em benefício da doutrina cristã, uma herança iniciada pelos
alexandrinos e radicalizada por ele. Foram extrações das filosofias: cínicas, estoicas,
aristotélicas, platônicas, etc27. Da influência de Aristóteles, conhecido como o Filósofo, na
filosofia do padre capadócio constata-se que a ética basiliana aparece como uma ética alicerçada
no conhecimento adquirido pela revelação, ou seja, surge como ética intencional ou teleológica,
pois visa uma finalidade, a saber, a vida eterna (LETENSKI, 2019). Além disso:
[...] Basílio havia postulado uma ética cristã, seu comentário sobre os Salmos
mostra claramente que ele queria usá-los assim. Se fizermos um estudo mais
27
Posto que, Segundo Miguel Cabedo, Basílio experimentou uma excelência educacional no sistema da paideia do
Império, qualidade refletida principalmente na retórica filosófica do capadócio. Aos jovens, sobre como tirar
proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos,
2018, p. 34).
32
cuidadoso, podemos ver que por trás dessa interpretação está a própria
experiência de Basílio com a Ética a Nicômaco de Aristóteles que, sem
dúvida, ele havia estudado cuidadosamente em sua permanência na escola de
Atenas. [...] .(JAEGER, 2014, p. 113).
Até então, ainda não existia uma posição da Igreja a respeito do ensinamento e das
instituições que se dedicavam ao ensino da paideia cristã. Obras sobre a questão ainda não
haviam sido escritas, como depois o fará Basílio no Discurso aos Jovens. Nesse livreto o
filósofo [...] patenteia-lhe a mente ilustrada pelo estudo dos autores clássicos, e revela a sua
intenção de colaborar para a educação moral dos jovens, servindo-se das próprias obras
adotadas nas escolas. (NUNES, 2018, p. 170). Entretanto, os livros dos grandes teólogos da
Escola de Alexandria, Clemente e Orígenes, foram utilizados mais como exemplos do que
propriamente para imitação do conteúdo. Basílio, portanto, teve um estilo próprio de
argumentação e discurso (MORESCHINI, 2010). Para exemplificar o extenso conhecimento
filosófico pagão do Bispo de Cesareia, cita-se:
[...] lembremos que Basílio se inspira até nas Categorias, de Aristóteles (uma
leitura certamente não frequente no cristianismo antigo), como se conclui do
Contra Eunômio I 9,532A; o termo, de origem aristotélica e estoica,
hypokeimenon ("substrato"), empregado por Basílio para indicar a substância
de Deus (Contra Eunômio I 7,525A; 19,556B); os termos paralelos hypostasis
e hyparxis para indicar a existência/subsistência de Deus (Contra Eunômio I
15,548A); schesis, específico para indicar a relação recíproca da "relação entre
as três Pessoas (Contra Eunômio I 20,557B). Ou, um outro exemplo é
constituído pela definição do tempo no Contra Eunômio (1 21,560B), em que
se adapta a definição de Aristóteles (Física IV 11): "o tempo é o intervalo
33
[...] equilíbrio na síntese teológica de Basílio, assim como na dos outros dois
capadócios, [...] fruto de um acordo harmônico com a cultura grega,
largamente acolhida, com as premissas cristãs da renúncia ao mundo e da
fraternidade na ascese a ser praticada em comum. Diante do grande mestre
alexandrino, Basílio foi, como disse sempre Gribomont, "o mais discreto entre
os herdeiros de Orígenes". Scazzoso notava que "o humanismo de Basílio
consistia num grande equilíbrio em sua capacidade de eliminar os elementos
caducos e danosos que a seus olhos constituíam tantos aspectos da cultura
profana ou, ao contrário, os que ficaram estranhos a ela, que caracterizavam o
ascetismo irracional e insubordinado dos “entusiastas”. (MORESCHINI,
2010, p. 131).
28
Isto é, em seus muitos escritos interpretativos.
29
Questões ligadas à ortodoxia da fé no tempo de Basílio, como a trindade ou o arianismo.
34
muitos séculos o documento base para uma elevada educação cristã (MORESCHINI, 2010).
Nele, Basílio de Cesareia mostrará que sua afeição pelas coisas gregas supera meramente a
forma, ou seja, a imitação do helenismo torna-se não só evidente como louvada, isso quando
serve de benefício à formação juvenil dos cristãos.
Questões pré-liminares
Tendo estudado nas mais capacitadas escolas imperiais do séc. IV, o filósofo sorveu
conhecimentos dos grandes mestres de retórica e oratória (ROMERO, 2011). Sem esquecer a
importância das principais correntes filosóficas em circulação nas escolas, como as dos
estoicos, aristotélicos e platônicos (JUNIOR, 2014). Dessa forma, a filosofia marca presença
em toda a argumentação lógica e dialética do texto, objetivando convencer os jovens ao claro
discernimento entre os conteúdos úteis e inúteis à alma cristã. Citando inúmeros exemplos de
personagens ou livros da literatura helênica, Basílio pretende relacionar a literatura grega com
a literatura cristã, como também analisar a possibilidade de conciliação harmoniosa entre ambas
(VASCONCELOS, 2018). Consequentemente, a triagem dos jovens procura consolidar a
identidade cristã, principalmente no que se refere à aquisição das virtudes (VASCONCELOS,
2018).
crentes, tanto os da época do Basílio, quanto os cristãos de hoje. Por essa razão, o pequeno texto
tornou-se a posição oficial da Igreja sobre a utilidade da literatura pagã aos seus fieis cristãos
(JAEGER, 2014).
Nesse período, enquanto os pagãos escreviam livros para transmitir suas ideias e
preservar as tradições herdadas pelos antigos, os cristãos foram mais adiante, posto que além
de adaptarem as obras e os recursos pagãos a si, adaptaram-nos para discorrer sobre a fé,
recorrendo à retórica para difundir o cristianismo (LEMOS, 2009). Com esta finalidade, os
intelectuais da fé, entre os quais está Basílio, contaram com os recursos escritos e orais, quais
30
Utilizar-se-á como base a tradução de Miguel Cabedo e Vasconcelos. Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo.
Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução:
Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, pp. 70-109.
31
Perante os muitos títulos os quais se pode seguramente nomear o texto de Basílio, adotou-se o de Discurso aos
jovens sobre a utilidade da literatura pagã, como o fez o patrólogo italiano Claudio Moreschini. Cf.
MORESCHINI, Claudio, Basílio Magno, 2010, pp. 122-129. Principalmente se se recordada a ideia de que o
escrito carece de um título específico. Logo, não há nenhum comprometimento do estudo científico de Basílio e
sua obra.
36
hinos, homilias, sermões, para comunicar as verdades contidas no texto sagrado. Em tais obras,
o padre grego usa de um estilo simples, todavia, nos “ [...] textos [...] destinados a um mundo
cultural mais refinado, [...] algumas homilias e sobretudo algumas epístolas, atingem às vezes
uma grande elegância. [...]” (BERARDINO, 2002). Consequentemente, as estruturas filosóficas
encontradas nos escritos dos autores dos séculos III e IV é uma apologia em ato, na tentativa de
conduzir os pagãos mais cultos à religião cristã (SANTOS, 2003). Werner Jaeger (2014) afirma
que o livreto aos jovens permanece até então como a autoridade máxima sobre a questão de
valorização dos estudos clássicos para a Igreja. Define-se, assim, o seguinte:
32
Contentou-se com a proposta de datação dada por Mário Naldini, a saber, que o Discurso aos jovens foi escrito
entre os anos 370 – 375 a.C., um momento posterior ao dito edito do Imperador Juliano, sendo Basílio já bispo de
Cesareia. Cf. NALDINI, Mário, Basilio di Cesarea. Discorso ai Giovani. Oratio ad adolescentes com la versione
latina di Leonardo Bruni, 1984, p. 16.
33
Tradução minha.
37
Teoricamente, Letenski (2019) afirma que a persuasão eficaz de Basílio acontece graças
ao bom uso da retórica e da filosofia, e ambas de tal modo relacionadas que não se consegue
separá-las com facilidade. Moreschini (2010) firma que a retórica basiliana tinha a finalidade
maior de convencer o comportamento humano dos leitores, e não apenas convencer seus
pensamentos. De acordo com Romero (2011), outro aspecto a ser considerado é que o incentivo
de Basílio aos jovens está arraigado em um modelo erudição capaz de combinar as verdades
cristãs com a cultura pagã.
No Discurso aos Jovens, Basílio acabou tornando evidente o que ele pensava a respeito
da literatura clássica e o seu contributo na formação do jovem cristão (SCHILLER, 2021). Ao
que parece para Moreschini (2010), a obra aos jovens não deseja diretamente abordar a relação
entre sabedoria pagã e sabedoria cristã, embora o título pareça propor. O mais importante é
considerar que não era, até então, coisa óbvia aos cristãos como poderiam aproveitar-se da
literatura pagã. O ponto a ser considerado gira em torno de uma obra deveras conhecida e
bastante estudada, que é:
o bem é definido como algo que impele à ação virtuosa (VILLENA, 2010). Todavia, apesar da
dita semelhanças com os princípios estóicos e a consequente conclusão de que a ética cínico-
estóica influenciou a moral cristã, é o elemento platônico que ostenta preeminencia no Discurso
(VILLENA, 2020).
[...] Não vos admireis que, indo vós todos os dias à escola, também, da minha
parte, vos diga que descobri bastantes vantagens no contacto com os homens
ilustres da Antiguidade, que vos deixaram palavras tais que fazem de vós seus
discípulos. Eis-me aqui para vos aconselhar precisamente isto: por um lado,
não deveis, nem que seja uma só vez, seguir estes homens por onde quer que
eles vos levem, entregando-lhes o leme do vosso pensamento, como se fora
um barco; por outro lado, recebendo deles o que é útil, deveis ter consciência
do que é de aproveitar e do que é de desprezar. (VASCONCELOS, 2018, p.
71).
34
Provavelmente, Basílio realizou seus estudos superiores em Constantinopla e Atenas, os grandes centros
acadêmicos da época. Cf. ROMERO, Francisco, Basilio de Cesareia – A LOS JÓVENES, EXHORTACIÓN A UM
HIJO ESPIRITUAL, 2011, p. 8.
39
qual educação favoreceria seu desenvolvimento moral. A respeito do seu itinerário acadêmico
recorde-se que:
Com a morte de seu pai em 345, Basílio mudou-se para a região metropolitana
de Cesareia. Esse deslocamento permitiu que Basílio tivesse acesso às
melhores escolas de retórica do Mediterrâneo Oriental, pois, pouco tempo
após o início dos seus estudos em Cesareia, Basílio mudou-se para
Constantinopla, uma referência no estudo da retórica. Em Constantinopla,
Basílio foi ensinado por Libânio por dois anos. Libânio foi um filósofo e
professor de retórica que estava iniciando sua carreira acadêmica no mesmo
tempo em que Basílio começava sua formação acadêmica. Ao desenvolver-se
nos estudos da retórica em Constantinopla, Basílio buscou aprofundar ainda
mais seus estudos, mudando-se para a cidade de Atenas, capital mundial do
estudo da retórica naquela época. Assim, [...] Basílio deslocou-se para Atenas,
o centro cultural grego. Essa mudança foi um marco na vida de Basílio,
tornando-se o auge da sua formação acadêmica. (JUNIOR, 2014, p. 24).
Há muitas razões, ó jovens, para que eu vos dê conselhos, que julgo serem os
melhores e que acredito que vos será útil adotardes. O facto de ter a idade que
tenho e de já me ter exercitado em muitas práticas e de ter algumas vezes
tomado parte em vicissitudes sucessivas que tudo ensinam fez que me tornasse
de tal modo experiente nos assuntos humanos que posso mostrar aos que estão
na vida há menos tempo o caminho mais seguro. Pela afinidade natural, dirijo-
me a vós logo a seguir aos vossos pais, a ponto de nutrir eu próprio por vós
uma simpatia não inferior à que eles vos têm. Se não me engano em relação
ao que pensais, parece-me que, olhando para mim, não sentis saudade
daqueles que vos geraram. [...] (VASCONCELOS, 2018, p. 71)
Entrementes, o texto não possui nenhum título específico, como era propriamente
característico dos escritos antigos. O que há é uma espécie de título anteposto. Soter Schiller
(2021) assegura que aos jovens não tem o formato e a estrutura próprias das grandes homilias
basilianas. Logo, seria mais adequado etiquetá-lo como logos-discurso, cuja intencionalidade
central é argumentar e convencer o público leitor sobre uma questão determinada. Por isso,
40
ainda seguindo o pensamento de Platão, “São Basílio começa por estabelecer (cap. II) que "esta
vida humana é absolutamente sem valor, e que todo objeto que se limite a esta vida não pode
ser tido como um verdadeiro bem. [...]” (NUNES, 2018, p. 171). Ainda sobre a estrutura
filosófica da obra, Villena (2010) reforça a tese que:
Dessa forma, Claudio Moreschini (2010) define que a referência aos clássicos
encontradas espalhadas sobre a obra de Basílio devem ser consideradas menções superficiais,
firmadas apenas para causar boa impressão nos leitores mais cultos. Portanto, a obra Aos jovens
possibilita um programa de vida virtuosa no qual não se apelaria imediatamente às Escrituras
Sagradas (JUNIOR, 2014). Para os adolescentes e depois ao púbico cristão em geral, o critério
de valorazão deve ser o que é útil à vida eterna, e o que o for é merecedor de amor e busca
constante. Já aquilo que para a vida eterna não conduz, o filósofo recomenda negligência e
tratamento como mera inutilidade (NUNES, 2018). Ora,
[...] É à vida superior, diz São Basílio, que os Livros Sagrados nos conduzem
por meio do ensinamento dos mistérios. Mas, por enquanto, antes de chegar à
idade em que se possa penetrar na profundeza dessas obras, cumpre-nos
exercitar o "olho da alma" noutros livros que são meras "sombras e espelhos"
dos primeiros. [...] (NUNES, 2018, p. 171).
Por outro lado, o opúsculo é também considerado como parenesis, significando uma
espécie de conselho ou exortação, gênero comumente encontrado nos escritos da oratória
antiga. Romeu (2011) defende que desde os sofistas, passando por Platão e Aristóteles, até os
estoicos e os epicuristas, conservam-se protótipos de textos do gênero logos, no qual Basílio
escreveu o Discurso. Segundo Moreschini (2010), este tipo de interpretação confirma a
influência do estoico Plutarco sobre Basílio; porém, no que se refere à influência dos estoicos
em geral, o significativo não é estabelecer a medida a qual foram os autores e as obras utilizadas,
35
Tradução minha.
41
importa sim valorizar a maneira de tal utilização pelo autor. No entanto, exclui-se a dependência
de um para o outro. Posteriormente, Moreschini (2010) afirma sobre o platonismo presente no
Discurso aos jovens,:
Sobre Orígenes, Moreschini (2010) também o reafirma como composição essencial nas
obras de Basílio, próprio da tradição patrística. Seguindo aquele grande filósofo, Basílio opta
por interpretar com princípios cristãos questões prevalentemente filosóficas. Diferentemente
dos outros autores cristãos, sobretudo os latinos, Basílio resolve com determinação pacífica e
consciência equilibrada a situação da paideia passada, evitando as posições extremistas de
cunho ético-dogmático e descartando uma rejeição ferrenha dos valores da cultura pagã
(MORESCHINI, 2010). Tenha-se que a literatura clássica prepararia os jovens para a sabedoria
suprema contida nas Sagradas Escrituras. Tem, então, valor propedêutico (SCHILLER, 2021).
Além disso, nos capítulos do Ad adolescentes:
No geral, Basílio sustenta que o discernimento cuidadoso dos clássicos oferece uma
formação não só intelectual, mas moral do homem. Ao superiorizar a cultura cristã perante a
sabedoria pagã, através da revelação contida nos escritos sagrados, Basílio termina excluindo-
se do plano de fundo grego, ao mesmo tempo que continua recorrente àquela cultura para
explicar e reafirmar o conteúdo da sabedoria cristã, contudo, não sem antes examiná-la
cuidadosamente (LETENSKI, 2019). Ressalte-se que Basílio herda de Platão a ideia da
superioridade da alma perante o corpo como a grande diferenciação das duas vidas (NUNES,
2018). O filósofo afirma que:
[...] Basílio chega a tomar os clássicos não como um percurso alternativo para
o crescimento moral, mas como parte da formação cristã. O desafio era obter
uma união moralmente frutuosa com os poetas e pensadores pagãos (3, 8). Os
cristãos podiam continuar a encontrar uma utilidade nesses textos? Eles
podiam contribuir com aquele programa moral pelo qual os cristãos queriam
substituí-los? Ou, de preferência, eram destinados à extinção?
(MORESCHINI, 2010, p. 123-124).
No opúsculo aos jovens, citando a presença de sabedoria pagã nos testemunhos bíblicos
de Moisés e Daniel36, o filósofo opta por suavizar a tensão existente entre os dois modelos de
cultura. Moisés como quem estimulou a mente primeiro com as ciências egípcias, Daniel por
ter sido formado na ciência dos caldeus, quando em Babilônia (SCHILLER, 2021). Verifica-se
que o humanismo basiliano consiste precisamente no seu equilíbrio de eliminar os elementos
danosos à perspectiva cristã. Por essa razão, a Oratio é vista como um escrito normativo que
exalta a valorização da literatura pagã. Todavia, o objetivo do texto de Basílio é suscitar nos
jovens o discernimento necessário perante os conteúdos da sabedoria pagã, se são conformes
ou não aos valores da religião cristã. Segundo Basílio:
[...] Devemos tirar partido destes textos, de acordo, em tudo, com a imagem
das abelhas. Estas não se aproximam de todas as flores, nem tentam levar a
totalidade daquelas em que poisam; mas, tomando quanto das flores serve para
36
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 75.
44
De acordo com Irineu Letenski (2019), o Discurso aos jovens é composto formalmente
por 10 capítulos, os quais se dividem em duas partes principais. Na primeira parte, dos capítulos
I ao VI, Basílio recorre aos muitos escritos da literatura profana, argumentando que o
conhecimento dos clássicos pagãos é de serventia para a vida espiritual. Partilhando do
princípio filosófico estoico de que a sabedoria é alcançada através da experiência, o filósofo
apresenta-se diante dos adolescentes como quem retem experiência de vida suficiente para saber
que, se seus conselhos forem, os jovens seguramente conseguirão adquirir vasto conteúdo
intelectual. (VILLENA, 2010). Uma vez determinado
37
Trata-se da distinção entre os conteúdos nocivos ou não à prática das virtudes cristãs. Essencialmente, o
discernimento pedagógico tem por finalidade o fortalecimento do espírito e a preparação para o estudo das
Sagradas Escrituras.
38
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 79
45
No capítulo I, o autor aconselha aos jovens o uso correto dos autores pagãos, mostrando-
lhes o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado, e no capítulo IV os saberes profanos são
firmemente considerados benéficos à alma, desde que das exposições escritas se acolham
aquelas nas quais se acham atitudes louváveis dos autores. Para o padre, se forem recolhidas
das obras dos filósofos, dos poetas e dos prosadores o que for útil e em conformação com a
verdade, os leitores procederão como pessoas sábias (NUNES, 2018). Dessa forma:
pelas dos prosadores, não depreciemos os benefícios que delas possam provir.
(VASCONCELOS, 2018, p. 87).
O tema da virtude em Basílio possui um tom nitidamente platônico com traços estoicos.
Conquistá-la como perente requer árduo combate, repleto de suor e cansaço. Para Platão, a
virtude é dos bens o único inalienável, já que permanece durante a vida e após a morte., deve-
se aproveitar todo elogio a virtude e incentivar o descrédito ao vício (NUNES, 2018). No
Discurso, a narrativa acerca da virtude identifica-se com o exemplo da carruagem39. Para
Basílio, os vícios são como feras as quais se precisa imperiosamente domar, ainda que para isso
seja preciso castigar o corpo e os impulsos passionais. Significa coibí-los com a razão. Quem
atingir o cume da estrada, poderá contemplar quão bela e perfeita ela é, além de bem mais
agradável quando comparada à vereda sombria que leva aos vícios. Nunes (2018) apresenta
que, da semelhante forma como pensava Platão, Basílio entendia que as paixões seriam
dominadas por meio da Filosofia. Acerca do caminho das virtudes, o filósofo incentiva aos
jovens com tais palavras:
[...] Que outra coisa podemos assumir que Hesíodo tivesse em mente, ao
compor [...] versos que todos cantam, senão exortar os jovens à virtude?
«Escarpado no princípio, dificil de atravessar, repleto de muitos suores e de
árduos trabalhos é o caminho ingreme que sobe até à virtude.». Por isso, por
causa da sua inclinação, nem todos são capazes de o subir nem de, mesmo
subindo, chegar facilmente ao cume. Porém, quem está já no topo pode ver
como ele é plano e belo, como é fácil e transponível, e como é mais agradável
que o caminho que leva ao vício, caminho que a multidão pode escolher, dada
a sua acessibilidade, como dissera este mesmo poeta. A mim parece-me que
ele não expôs isto com nenhuma outra finalidade senão a de nos exortar à
virtude e de nos incentivar, a todos, a sermos bons, de tal forma que não
esmoreçamos diante dos trabalhos árduos, desistindo antes do fim.
(VASCONCELOS, 2018, p. 81).
Ademais, o caminho para alcançar a virtude é deveras difícil. Basílio apresenta a noção
aristotélica de que sem o exercício constante das virtudes, o hábito não se consolidaria. Elas
são importantes pois através dela Basílio diz será adquirido um tesouro para a otra vida
(NUNES, 2018). Por isso cita, no capítulo VIII, o esforço e a constância como duas qualidades
essenciais ao modo virtuoso de proceder. Os cristãos são comparados aos artesãos e músicos,
ambos com o desejo da excelência e do domínio dos intrumentos de trabalho dos quis se
39
Segundo Basílio, os prazeres e os vícios devem ser domados pelos cristãos, assim como são domados dois cavalos
selvagens em uma carroagem. Para o bom êxito na empresa, faz-se indispensável domar o corpo, reprimindo-o e
castigando-o. Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São
Basílio de Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, p. 101.
47
utilizam. São comparados também aos atletas, que não obstante as dificuldades e os fracassos
alcançam o objetivo quando muito se exercitaram. A vida moral requereria, para Basílio,
igualmente às artes e competições, treinamento e perseverança. (VILLENA, 2010). Essa ideia
de que a prática virtuosa trará o esperado adestramento, é de forte inspiração da filosofia estoica
(SCHILLER, 2021). Cabe a Basílio, dessa forma, responsabilizar os jovens da própria
autonomia intelectual, exortando-os a discernir entre o bem e o mal. Isso Basílio o faz com
maestria logo nos primeiros capítulos da obra ao definir:
Se há alguma afinidade entre as duas doutrinas, conhecê-las ser-nos-á útil; se
não há, o facto de, ao estabelecermos o paralelo, reconhecermos a diferença
não será de somenos para a confirmação do melhor. A que coisa, porém,
compararão estes dois ensinamentos, para se poder obter uma imagem? Na
verdade, tal como é virtude própria de uma árvore cobrir-se de frutos na
estação certa, com o adorno das folhas que se agitam em volta dos ramos;
assim também a verdade é o fruto essencial para a alma; e não é desaprazível
que ela se revista da sabedoria profana, tal como as folhas que dão resguardo
e boa aparência ao fruto temporão. (VASCONCELOS, 2018, p. 75).
Schiller (2021) também reforça a tese de que o platonismo encontrado no Discurso aos
jovens corresponde-se com perfeição na relação entre música e virtude. Tanto em Platão quanto
em Basílio, a peça chave está na boa escolha. Enquanto Platão observava a dualidade da música,
que quando ruim poderia seriamente comprometer o espírito do cidadão, e quando boa ajudaria
na formação moral e na moderação do sujeito; Basílio utiliza-se da igual comparação ao aludir
à figura de Davi40, para quem a boa melodia tem poder curativo e pode afastar da alma muitos
males. Mencionando a insistência na doutrina platônica da purificação da alma, o bispo de
Cesareia defende que:
De acordo com Basílio, a escolha das coisas úteis exige um afastamento das realidades
terrenas através do exercício purificador das virtudes, como acreditavam os cínicos, os estoicos
40
Cf. VASCONCELOS, Miguel Cabedo. Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura - São Basílio de
Cesareia. Introdução, estudo e tradução: Miguel Cabedo e Vasconcelos, 2018, pp. 99-102.
48
Nós, por nossa parte, tomamos como certo, meus filhos, que esta vida humana
não vale absolutamente coisa alguma e não pensamos de todo que ela seja um
bem, nem designamos como tal aquilo que nos dá proveito apenas nesta vida.
Não julgamos, portanto, que seja grande ou sequer digno de anseio nem a
notabilidade dos antepassados, nem a força do corpo, nem a beleza, nem a
grandiosidade, nem as honras de todos os homens, nem a própria realeza, nem
aquilo que se possa dizer das realidades humanas; e não olhamos para aqueles
que têm estas coisas, mas vamos mais longe nas nossas esperanças, tudo
fazendo com vista à preparação de uma outra vida. (VASCONCELOS, 2018,
p. 73).
O discernimento cristão das coisas úteis e inúteis ao espírito traz como prêmio um
conjunto de virtudes conhecidas como pré-evangélicas. Já que a sabedoria dos pagãos careceria
de valor e sentido profundos e suficientes à vida cristã, o padre então exorta a juventude à
abertura consciente à fé. Dessa forma, o filósofo de Cesareia valoriza o papel indispensável das
Escrituras como caminho para alcançar a vida futura. Paralelamente, vê-se que os escritos
profanos são como uma sombra ou um espelho diante da realidade Sagrada das Escrituras
(VASCONCELOS, 2018). A esse respeito, a consideração, por parte de Basílio, do estudo das
obras pagãs como preparação e iniciação para o estudo das escrituras e também bastante
semelhante ao que Sêneca entende pensa sobre a função das artes liberais (VILLENA, 2010).
Como já o referido exemplo das folhas que cobrem e protegem o fruto, a sabedoria pagã não é
algo supérfluo (VILLENA, 2010). À plenitude cristã:
Em íntima conexão com o tema das virtudes está o da hipocrisia e das aparências.
Similarmente a Platão, Basílio qualifica a atitude de aparentar uma coisa e ser outra como uma
das atitudes mais depreciáveis. Afirmsava que tinha razão Platão em denunciar tamanha
injustiça o parecer justo quando não se é em verdade (NUNES, 2018). Por isso, no capítulo VI
os jovens e todos os cristão são intimados pelo filósofo a serem coerentes com os elogios feitos
à virtude. Assim como em Aristóteles, não bastaria conhecer as virtudes, sem antes exercitá-las
com a prática (VILLENA, 2010). Então, o bispo incentiva que a bida dos leitores seja a
realização dos elogios (NUNES, 2018). Mais a frente, no capítulo IX, Basílio desenrola melhor
a questão da coerência e desenvolve:
No capítulo X, o último capítulo da obra aos jovens, o filósofo determina que aquelas
virtudes pré-evangélicas apesar de serem originadas da paideia grega consumam-se e
completam-se com plenitude nas escrituras bíblicas. É somente a Escritura Sagrada a única
fonte por meio da qual o dever moral é fornecido corretamente, inclinando os jovens cristãos à
reta conduta, pois a moral bíblica tem sua inspiração divina (PENSAK; ALMEIDA, 2020).
Assim, tudo o que se pode aprender da literatura pagã se encontra, de uma forma mais completa
e perfeita, na literatura cristã, já que em coisa alguma se compara a vida terrena, quando ladeada
a eternidade e a consequente tese platônica da imortalidade da alma (VILLENA, 2010). Além
disso, o final do capítulo culmina com o ápice da relação entre as culturas pagãs e cristãs: a
pedagogia das virtudes (VASCONCELOS, 2018). Acerca da consideração geral da literatura
pagã, Basílio define que:
[...] não devemos acolher tudo indistintamente, mas apenas quanto nos for útil.
Seria vergonhoso, de facto, que entre os alimentos recusássemos os
prejudiciais e, sem discernimento algum relativamente aos saberes que ali
41
Tradução minha.
50
Está de acordo com as linhas de Irineu Letenski (2019) que ao destacar a superioridade
da sabedoria cristã, Basílio automaticamente exclui-se do pano de fundo através do qual recebeu
formação, a saber, a paideia grega. Todavia, ao mesmo tempo faz parte da cultura pagã,
recorrendo-lhe para aprofundar e explicar o que se encontra na sabedoria cristã. Por um lado,
a filosofia basiliana mostra-se como uma ética fundamentada na doutrina cristã revelação e, por
conseguinte, uma doutrina da intencionalidade à vida eterna, sem esquecer do exercício racional
e dos apelos à cultura pagã como participantes no caminho da salvação. Basílio, nas palavras
quase finais do Discurso aos jovens, leva os jovens cristãos à profunda reflexão sobre a
efemeridade da matéria nos seguintes termos:
Que havemos então de fazer?, poderá alguém perguntar. Que outra coisa senão
cuidar da alma, pondo de parte toda a ocupação restante? Não devemos ser
escravos do corpo, senão por absoluta necessidade. Mas devemos dar à alma
o que de melhor houver, e por meio da filosofia, libertá-la como que da prisão
dos seus laços com as paixões do corpo; e, ao mesmo tempo, fazendo que o
corpo se torne superior às paixões, temos de dar ao ventre o necessário mas
não o mais agradável. (VASCONCELOS, 2018, p. 97).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viu-se que sem a colaboração intelectual da Escola de Alexandria teria sido bem mais
dificultosa a construção de uma paideia iminentemente cristã e suficientemente poderosa, capaz
de converter os intelectuais pagãos. Pretende-se expor o contexto histórico e as características
52
principais da grande escola alexandrina, na qual em nenhum outro centro acadêmico do Oriente
haveria maior preocupação por parte da geração cristã acerca na aproximação cultural e
intelectual entre a paideia grega e a paideia cristã. Além disso, no século IV, a era Idade de
Ouro dos Padres da Igreja, houve um renascimento da cultura greco-romana motivado por três
grandes nomes: Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno.
Entrementes, o aproveitamento da literatura clássica deve acontecer se, e apenas se, não
houver desvios da única e mais importante teleologia de Basílio: a aquisição de virtudes à alma,
na intenção da conquista dos cristãos da vida futura. Compreendeu-se que Basílio acredita em
uma conciliação entre as culturas pagã e cristã. Neste sentido, a preocupação do filósofo dava-
se no contato dos jovens com as matérias das academias de então, pois era inevitável que eles
se confrontassem com mestres e pagãos e obras escritas por descrentes da fé cristã. Outro
conceito importante é o de discernimento, metódo segundo o qual os adolescentes devem
selecionar o que é útil e proveitoso do que não o é, sem deixar de esquecer que a utilidade ou
inutilidade dos conteúdos se dá em ligação estreita com a aquisição das ditas virtudes. Ora, o
Bispo de Cesareia precisava orientar os pupilos de sua região sobre os cuidados aos quais
deveriam ter no trato com as mais variadas opções de leitura, isso tudo com finalidades
superiores. Por conseguinte, a preocupação sobre a boa ou má utilização da literatura clássica
encontra campo fértil no ambiente social do padre oriental.
53
[...] constatar que ele era dotado de uma habilidade literária a partir do
conhecimento dos clássicos da “sabedoria pagã”, de modo que ele próprio
convida seus leitores a também utilizar-se dessa sabedoria. Ele possuía
igualmente um conhecimento filosófico relacionado com a cosmologia do
qual surgiu o Hexaemeron, uma série de nove homilias que descrevem e
analisam osseis dias da criação. Este conhecimento filosófico de Basílio
também era habitado por uma questão moral, ou seja, pela influência recebida
dos estoicos referente a problemática das paixões. [...] (PENSAK;
ALMEIDA, 2020, p. 134).
Por fim, o pensamento filosófico de Basílio tornou-se como que a primeira posição
oficial da Igreja sobre o uso correto da literatura cristã por parte dos cristãos, estendendo-se do
público juvenil ao público em geral. Atualmente, é mui importante para as reflexões
54
contemporâneas porque oferece uma postura de diálogo equilibrado entre Religião e Mundo. E
Basílio, no Discurso aos jovens, foi quem iniciou seu ponta pé inicial.Vive-se em tempos de
perigosas polarizações intelectuais e políticas. Ecos do autor influenciaram e ainda influenciam
em áreas do saber como a literatura, a teologia e a filosofia, tanto na Idade Média como na
Renascença e nos dias presentes. Tendo em vista o apresentado nos três capítulos, considere-se
que as perguntas de partidas da presente monografia foram satisfatoriamente respondidas.
55
REFERÊNCIAS
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de Miguel Cabedo e Vasconcelos. Lisboa: Universidade Católica, 2018. 120 p.
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