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11/10/2023, 12:34 A História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso Brasileira, do século XVI aos inícios do século XIX:

lo XIX: A contribuição dos Je…

A História das Idéias Psicológicas na Cultura Luso Brasileira, do


século XVI aos inícios do século XIX: A contribuição dos Jesuítas

Marina Massimi1

1. História das idéias psicológicas, na cultura luso-brasileira: do que se trata?

A elaboração dos conhecimentos psicológicos ao longo do tempo nas diferentes culturas é objeto de uma área
de estudos que denomina-se de história das idéias psicológicas. Indica-se com este nome a reconstrução de
conhecimentos e práticas psicológicas presentes no contexto de específicas culturas e sociedades, expressivos
das diversas "visões de mundo" (Chartier, 1990) que as caracterizam. Entende-se por visão de mundo, aquele
conjunto de aspirações, de sentimentos, e de idéias que reúne os membros de um mesmo grupo e os
diferencia de outros grupos sociais.

O estudo da cultura brasileira dos séculos XVI ao século XVIII é particularmente fecundo e propício para
este tipo de investigação: de fato, a produção de idéias e de tentativas de sínteses culturais é uma
característica marcante deste período histórico, conforme assinalado por vários autores (Hansen, 1985;
Morandé, 1984, Morse, 1995, Pecora, 1994). Analisando o conjunto da produção luso-brasileira colonial,
delineiam-se umas temáticas mais relevantes no que diz respeito a conhecimentos e práticas psicológicas,
bem como destaca-se o papel significativo de alguns sujeitos culturais especialmente expressivos e atuantes
no nível da cultura oficial ou no nível da cultura acadêmica e popular brasileira. Com efeito, apesar da
fragmentação e do autodidatismo que caracterizam a realidade do país daquele período, constata-se a
existência de alguns grupos ou realidades culturais que apresentam uma certa homogeneidade, podendo
assim serem considerados em termos de sujeitos culturais, ou seja sujeitos que representam, expressam,
transmitem e preservam determinados modelos culturais.

Evidenciaremos a seguir alguns tópicos da produção cultural de um destes sujeitos, os membros da


Companhia de Jesus - ordem religiosa que no período entre o século XVI e os inícios do século XIX ocupara
um papel relevante no âmbito da cultura brasileira - e que podemos reconhecer como significativos para a
história dos conhecimentos psicológicos na cultura ocidental.

2. Os jesuítas como portadores e transmissores de idéias psicológicas

Ordem religiosa recém surgida quando da vinda de seus padres missionários ao Brasil junto à armada do
Governador Geral português Tomé de Souza em 1549, a Companhia de Jesus originara-se num contexto
cultural muito fecundo da Europa da época. Com efeito, seus inícios aconteceram no âmbito de um pequeno
grupo de docentes e alunos da Universidade de Paris, local de convergência da tradição medieval e dos novos
fermentos do Humanismo e do Renascimento; além disso, a identidade hispânica de seu fundador, Inácio de
Loyola, e de vários entre os primeiros adeptos, proporcionava a colocação da Companhia no âmago de um
dos mais importantes movimentos culturais da Europa da época: a Segunda Escolástica ibérica, escola
filosófica que tencionava abarcar e discutir as novas teorias dos filósofos renascentistas e ao mesmo tempo
manter uma ligação estreita com a tradição filosófica cristã. Inclusive alguns dos membros da Companhia
foram entre os mais ilustres representantes desta corrente de pensamento (Francisco Suarez, Pedro de
Fonseca, Luís de Molina). A proveniência portuguesa ou hispânica de grande parte dos jesuítas que após
1549 chegaram no Brasil e o fato de sua formação espiritual e intelectual ter sido realizada no Colégio das
Artes de Coimbra que fora um dos focos do referido movimento filosófico, reforça ainda mais a significação
do papel cultural que os jesuítas assumiram no Brasil: o de serem portadores e transmissores da tradição
medieval e renascentista da Europa no contexto da colônia além mar, sendo que eles propiciaram e em parte
encarregaram-se de realizar o enxerto das idéias, sonhos e desilusões, riquezas e contradições do Velho
Mundo no terreno fecundo, virgem e desconhecido do Mundo Novo, onde irão estabelecer sua morada. A
educação é reconhecida pelos religiosos - imbuídos pelo espírito da pedagogia humanista - como instrumento
privilegiado para criar um homem novo e uma nova sociedade no Novo Mundo. Por isto a educação das
crianças e a criação de escolas constituíram-se os objetivos prioritários do plano missionário da Companhia,

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no Brasil. Este empreendimento acarretava a necessidade de formular conhecimentos e práticas de caráter


pedagógico e psicológico.

Cabe ressaltar outro motivo que justifica o interesse do estudo do saber dos jesuítas do ponto de vista da
historiografia das idéias psicológicas no Brasil: uma das dimensões principais da espiritualidade da
Companhia e de sua formação é a ênfase no conhecimento de si mesmo e no diálogo interpessoal visando a
compreensão da própria dinâmica interior. O discernimento dos espíritos e a direção espiritual, por exemplo,
recursos utilizados na Companhia para a formação de seus membros, são expressões de uma atenção toda
moderna para com o cuidado de si mesmo e tornam-se normas para a vida individual e social no âmbito da
Companhia. Estes recursos práticos eram aplicados à vida do indivíduo, sendo porém funcionais ao bem-
estar do grupo e destinados à favorecer a adaptação aos diversos contextos de atuação missionária e neles
canalizam-se conceitos teóricos e receitas práticas próprias de toda a tradição clássica e medieval2 .

3. Os Comentários aristotélicos dos Conimbricenses

Uma importante fonte para o conhecimento da teoria psicológica difundida no ambiente cultural da
Companhia de Jesus em Portugal e no Brasil ao longo do período colonial, são alguns comentários às obras
de Aristóteles elaborados pêlos jesuítas portugueses docentes junto ao Colégio de Coimbra, os tratados assim
chamados Conimbricences (termo derivado de Conimbrica, nome latim da cidade de Coimbra) (Lohr, 1995).

Tais comentários eram baseados nos textos gregos de Aristóteles, tendo por objetivos o uso didático (visando
facilitar o trabalho dos alunos e propor um corpo seguro e uniformizado de conhecimentos filosóficos) e a
necessidade de assumir uma posição cultural explicita a favor de Aristóteles e de Santo Tomás, mas ao
mesmo tempo acolhedora dos fermentos culturais novos do Humanismo e da Renascença. Das teorias dos
"modernos" aproveitavam o possível e refutavam os conceitos fundados em posições agnósticas e
naturalistas. A teoria psicológica dos mestres de Coimbra pode ser apreendida pela leitura dos comentários às
obras psicológicas de Aristóteles, a saber: De Anima, Anima Separata, Parva Naturalia, Ética a Nicomaco, De
Generatione et Corruptione.

A concepção psicológica proposta pelos Comentários é claramente inspirada na tradição aristotélico-tomista:


a alma é definida o ato primeiro e substancial do corpo, a forma do corpo e o princípio de toda atividade.
Inovadora, porém, é a ênfase quanto à utilidade concreta da ciência da alma - o que justifica a posição
prioritária que ela ocupa entre as outras disciplinas filosóficas. Com efeito, já no Proêmio do comentário ao
livro De Anima afirma-se que a ciência da alma não é útil apenas ao conhecimento da verdade eterna, não
caduca, mas também à cura das enfermidades do ânimo ("animi morbus")3.

A descrição e a definição conceptual de emoções tais como o medo, o amor, a tristeza, na época denominada
de paixões, são temas recorrentes na literatura jesuítica produzida no Brasil ao longo dos séculos XVI e
XVII. A elaboração de uma teoria completa acerca de tais fenômenos e de seu controle pelo saber da
Companhia, é documentada pela literatura moral e pela oratória sagrada.

4. Os sermões de Antônio Vieira

No século XVII, nos Sermões de Antônio Vieira, encontram-se várias referência às "paixões", sendo estas
reconhecidas como motores do comportamento humano individual e social4. O saber de Vieira acerca da
psicologia das paixões fundamenta-se numa longa tradição teológica, médica e filosófica, em muitos casos
explicitamente documentada e citada5 e que, de qualquer forma, já encontramos nos tratados filosóficos dos
mestres de Coimbra.

Para Vieira, o estudo destes fenômenos psicológicos situa-se no plano de um conhecimento de si mesmo
instrumental à conversão religiosa e ao comportamento virtuoso, em vista da qual o sermão é considerado
meio privilegiado e eficaz, conforme assinala num famoso sermão (As cinco pedras da funda de Davi em
cinco discursos morais, 1676 (vol. 5, 1993). O comportamento, as ações humanas são expressões da maneira

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com que o homem concebe e conhece a si mesmo. "o conhecimento de si mesmo, e o conceito que cada um
faz de si, é uma força poderosa sobre as próprias acções" (idem, vol. 5, 1993, p. 612).

Na perspectiva de Vieira, o verdadeiro conhecimento psicológico brota então do assumirmos esta visada: não
de uma autonomização do campo do psicológico mas pelo contrário de uma sua consideração do ponto de
vista de uma ordem superior da experiência humana, que é a ordem do espiritual. Para atingir esta
perspectiva é preciso "sair", distanciar-se do que de imediato aparece como o ser do homem. Quando a nossa
subjetividade se espelha numa alteridade, e o nosso eu se depara com o Outro, então começamos a adquirir o
verdadeiro conhecimento de nós mesmos. É por isso que "a boca do pregador", semelhante à "boca de Deus",
é o instrumento com que a graça "forma" os homens. É inclusive por isso, em vários de seus Sermões, Vieira
define os pregadores como "médicos das almas".

Vieira não pretende com isso afirmar a impossibilidade de realizar um conhecimento da personalidade
humana do ponto de vista especificamente psicológico, e de fato declara: "Não digo que a alma se não
conhece naturalmente nesta vida, mas quando se conhece naturalmente, é também como Deus pelos seus
efeitos" (ibidem). Em plena consonância com a doutrina tomista - Vieira afirma assim que conhecemos a
alma pelos seus efeitos, ou seja pelas suas funções psicológicas, ou faculdades que evidenciam-se no plano
dos fenômenos. Trata-se então do que na perspectiva tomista define-se como "Psicologia empírica", que
complementa o conhecimento metafísico próprio da alma da "Psicologia racional".

Conhecer a alma "em seu próprio ser e substância" é porém possível somente através do encontro com Deus.
O "espelho perfeito" para o homem conhecer-se a si mesmo é a própria "face de Deus" (p. 625). E a razão
disso é inerente à natureza da alma: "a razão é porque como a alma é uma imagem perfeitissima de Deus, só
à vista do original se pode conhecer perfeitamente a cópia" (p. 625)

Fica claro então o pôr que, na perspectiva de Vieira, conhecimento de si e conversão coincidam: conhecer-se
a si mesmos significa poder viver em conformidade com o próprio ser, esta conformidade sendo possível pela
participação do Ser criador, o Ser de Deus.

5. A correspondência epistolar e os informes dos missionários

Numa perspectiva já voltada para a atuação no campo social da Colônia, a correspondência epistolar e a
literatura de viagem elaborada pelos jesuítas ao longo de sua presença missionária no Brasil do século XVI
ao século XVIII, constituem-se numa fonte importantíssima de transmissão de idéias psicológicas acerca de
si mesmo e do outro. O conhecimento do índio, adquirido pelos missionários jesuítas através da convivência
quotidiana com eles norteada pelo objetivo da evangelização, transmitido e difundido através da
correspondência epistolar é, sucessivamente, organizado em tratados e informes. Nesses documentos o
conhecimento psicossocial, adquirido pela experiência direta, é filtrado pelo crivo da visão antropológica da
teologia católica da época, especialmente da visão elaborada pelos teólogos da Companhia de Coimbra e em
Roma. As proposições desta teologia, comparadas com os resultados concretos da ação evangelizadora, não
definem um modelo unívoco, mas, contradições, dúvidas, revisões estão presentes na representação que o
pensamento jesuíta constrói acerca do índio e do mundo social deste.

Um exemplo da modalidade pela qual o conhecimento do índio vem sendo construído pelos missionários é o
Diálogo do Padre Nobrega sobre a conversão do gentio (em: Nóbrega, M., 1988). Neste texto, Nóbrega
utiliza a figura retórica do diálogo, comum na cultura da época, para descrever duas visões existentes na
Companhia entre si contraditórias, acerca do índio.

Para comprovar que este alma, Nóbrega baseia-se no fato de que eles possuem todas as "potências"
atribuídas pelos filósofos à alma, a saber "entendimento, memória e vontade". (idem, p. 237). Desse modo, a
demonstração da 'humanidade' do índio é feita a partir do conhecimento de suas características psicológicas.
No que diz respeito ao objetivo específico de nossa análise, é interessante observar que a 'criação' de uma
'psicologia' do índio é esboçada, nesse texto, para corroborar a tese da humanidade do índio, tese que por sua
vez justifica a ação evangelizadora dos religiosos junto a ele. Esta 'psicologia' é baseada por um lado, em
observações derivadas conhecimento direto dos povos indígenas e por outro é construída nos moldes do
modelo cultural europeu da época, - a saber, a filosofia aristotélica-tomista e o humanismo pedagógico -,
doutrinas essas que como vimos permeavam o espírito da formação jesuítica.
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Outros autores jesuítas - tais como José de Anchieta e Fernão Cardim - em seus escritos constróem idéias
psicológicas acerca dos Índios brasileiros, conforme assinalamos em vários trabalhos (Massimi, 1990; 1999).
A leitura atenta destes escritos evidencia que a convivência entre os jesuítas e os índios, ao longo do tempo,
revelando a diversidade cultural e social dos homens dos Novos Mundos, derrubou gradualmente os modelos
culturais tradicionais inicialmente utilizados pelos missionários para explicar os comportamentos dos nativos
brasileiros, impondo-lhes a necessidade de uma observação e de uma aprendizagem de significações e
valores alheios. (Massimi, Mahfoud et alii, 1997).

6. As obras pedagógicas

A crença na possibilidade do homem "fazer-se a si mesmo", característica do Humanismo e do


Renascimento, colocando o ênfase na possibilidade do ser humano ser plasmado através da educação,
encontra nos Novos Mundos recém descobertos o grande laboratório de sua realização. O trabalho
desenvolvido pelos missionários da Companhia de Jesus, visando a criação de escolas para a formação de
crianças indígenas e mestiças, no Brasil colonial, enquadra-se neste contexto: no projeto missionário da
Companhia, através da educação será viável a transformação do homem, da cultura e da sociedade. O homem
em sua origem é, portanto, uma tabula rasa, e o seu desenvolvimento é um processo em que esta tabula
poderá ser preenchida, dependendo do projeto de homem e de sociedade que será proposto, e eventualmente
imposto.

A apresentação clara deste pensamento pode ser encontrada nos textos escritos já no século XVII por um
jesuíta brasileiro, padre Alexandre de Gusmão (1629-1725), pedagogo e literato, fundador do Colégio de
Belém, em Salvador da Bahia, e autor entre outros do tratado Arte de crear bem os filhos na idade da puerícia
(1685) e da novela História de Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito (1685).

Construído conforme o modelo dos tratados humanistas e renascentistas, A Arte de crear bem os filhos abarca
as várias dimensões da Pedagogia. O objetivo do livro (de 387 páginas) é colocado já no Proêmio: a
formação de um "perfeito minino, para que nos annos da Adolescencia chegue a ser hum perfeito mancebo"
(p. II). Ao definir a "puerícia" (=infância), como o período da existência humana em que "a creança, (...) de
sy nam tem acçam racional e, para viver, necessita do alheio socorro" (1685, p. 170), Gusmão retomando
Aristóteles, Tomás e os humanistas, apresenta uma visão da criança como tábua rasa, "disposta para se
formarem nella quaesquer imagens" (idem, p. 4). Encara assim a educação como um recurso fundamental
para o desenvolvimento infantil e para a formação do homem enquanto tal: "Conforme for a primeira
doutrina, conforme a primeira educaçam, que deres a vossos filhos, podereis conhecer, o que ham de vir a
ser. " (idem, p. 2). De modo que Gusmão exorta os educadores a não desanimar frente à incapacidade de
"lavrar" o menino: não se deve atribuir as causas da ineficácia à personalidade deste, mas ocorre recorrer aos
"políticos previstos nesta matéria" (1689, p. 139). Com efeito:

"Nenhum minino ha de tam ruim condiçam, que nam possa ser corregivel e domesticavel. (....). Nam devem os pays desamparar aos
filhos, que sentiram de más condiçoens, desconfiando de fazer nelles frutos, porque nenhum pode ser de tam mao natural, que
doutrinado, e domado, nam possa ser de proveito, por meio da boa creaçam". (1685, p. 138-139).

A responsabilidade pelo processo de aprendizagem da criança depende então dos pais e dos educadores,
comparados aos agricultores que lançam as primeiras sementes da doutrina na terra que são os ânimos
infantis, ou a pintores que pintam o painel em branco, ou a escultores que dão forma à pedra.

Um aspecto especialmente inovador da posição de Gusmão refere-se à questão da instrução feminina. Diante
do preconceito difundido na mentalidade da época, da inferioridade intelectual da mulher, Gusmão declara:
"Pode vir em questam, se he conveniente, que as filhas aprendam as artes liberaes desde mininas, assim como he certo dos filhos
mininos. Ao que respondo que nam só he convenviente, mas grande glória para o sexo feminino". (1685, p. 383).

Cuidados para com o desenvolvimento psicológico são propostos juntamente a cuidados para com o
desenvolvimento moral: já vimos que esta abordagem, tão diferente da nossa, é porém própria da tradição
que fundamenta a cultura do século XVII. A integração da dimensão psicológica no conjunto das demais
dimensões do ser humano, inclusive a ética, caracteriza a concepção de homem e da psicologia própria desta
tradição, num continuo que desde o mundo clássico estende-se até ao século XIX, (pois é somente então que

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cada uma destas dimensões que compõem a antropologia tornar-se-ão autônomas umas das outras
constituindo-se inclusive em áreas de conhecimento independentes).

A novela alegórica História do Predestinado Peregrino e seu irmão Precito, do mesmo Alexandre de Gusmão,
publicada em Évora em 1685, é uma parábola destinada a evidenciar a importância da educação, no que diz
respeito à escolha do projeto de vida individual (Silva e Massimi, 1997). De fato, Predestinado e Precito são
dois irmãos, cada um deles escolhendo o próprio caminho, um em direção do Bem (simbolizado de forma
alegórica pela cidade de Jerusalém), outro para o Mal (a cidade de Babilônia). A determinação do rumo a
seguir e da meta a ser alcançada depende da "companhia" escolhida (Predestinado escolheu por esposa a
razão; Precito a própria vontade) mas também da Escola (o primeiro freqüentou a "Escola da Verdade" e o
segundo a "Escola da Mentira"). O tema da existência humana como "peregrinação", herança medieval que,
como veremos no próximo capítulo, é amplamente retomada pelo Barroco luso-brasileiro, expressa a
concepção dinâmica do ser humano, que caracteriza a pedagogia de Gusmão: inserido na história e
influenciado pelas circunstâncias, o homem é um ser em movimento. Sua personalidade é construída por
escolhas de tipo ético, continuamente realizadas ao longo do tempo (nas várias fases do "percurso"): nesse
sentido, a psicologia jesuítica nunca independe da moral. É esta, de fato, a qualidade de sua matriz
aristotélico-tomista.

Desse modo, o ideal humanista do desenvolvimento como abertura às infinitas possibilidades do ser, e da
confiança na educação entendida como o processo através do qual estas possibilidades convergem na escolha
e na construção eficaz de um certa modalidade de ser homem, chegara ao Brasil pela influência da
Companhia de Jesus e de seus pedagogos. É assim que algumas décadas após a publicação do tratado de
Gusmão, Manoel de Andrade Figueiredo, natural do Espírito Santo e ex-aluno do Colégio da Companhia de
Jesus, caligrafo da Corte de Lisboa, escrevera em seu livro Nova escola para aprender a ler, escrever e contar
(1722), oferecido ao rei de Portugal Dom João V: "A boa doutrina emenda a má natureza" (p. 2).

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