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A Lei 11.645/08: uma análise sobre a document ação oficial gerada pelo Projet o de Lei 433/03 …
Giovana de Cássia Ramos Fanelli
DAS RUAS PARA OS CURRÍCULOS: PRECURSORES SOCIAIS E JURÍDICOS DAS LEIS 10.639/03 E 11.645/…
Ana Paula S de Sá
MANIFEST O SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL POR UMA EDUCAÇÃO DESCOLONIAL …
Edilene Ferreira
A LEI 11.645/08: HISTÓRIA E MUDANÇA CURRICULAR
Introdução
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Mestranda pelo programa de pós-graduação em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
repor uma visão pautada no eurocentrismo e, portanto, nesse momento, é essencial recuperar
historicamente como se processou a constituição dessa norma.
Segundo Goodson (2008) para entender uma mudança curricular, é necessário buscar
como a mesma é constituída historicamente, que mudanças são operadas na sociedade para que
determinados grupos comecem a pressionar uma modificação nos conteúdos a serem ensinados
na escola: “qualquer afirmação sobre o currículo deve estar localizado no período histórico em
questão. Em determinados momentos são estabelecidas novas estruturas que, por sua vez,
estabelecem as novas ‘regras do jogo’” (p. 14). Isso nos faz pensar em qual o período histórico
se situa a lei, que não se limita ao primeiro e segundo mandatos do presidente Lula (2003-2010),
em que ocorre sua tramitação. Mas é necessário pensar quais estruturas são criadas para que
houvesse a discussão de um currículo escolar que evidenciasse a diversidade, assim como se
processou lutas e reivindicações para que a temática indígena tornasse um conhecimento
socialmente válido na escola. Nesse sentido, currículo é aqui entendido como arena de disputa
política.
Por outro lado, a Lei 11.645/08 não pode ser desvinculada do Movimento Indígena
Brasileiro, que se iniciou na década de 1970; das conquistas alcançadas por este movimento na
Constituição de 1988; das reivindicações dos professores indígenas entre as década de 1980 e
1990 por uma educação descolonizadora e intercultural; da constituição da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN); do estabelecimento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN´s) e a ênfase na cidadania, ética e diversidade cultural e, mais
recentemente, das políticas afirmativas dos governos de Lula (2003-2010), período em que se
tem a tramitação da lei.
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Desse modo fundamental, nossa discussão se inicia pelo Movimento Indígena e suas
diversas pautas, que serão debatidas a seguir.
Foi organizado inicialmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), criado pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1972. As principais reivindicações do
Movimento Indígena Brasileiro estavam vinculadas às questões de reconhecimento étnico que
se relaciona ao direito às terras originárias, elemento fundamental constitutivo de identidade.
Além da questão da terra, sobretudo nos anos de 1980, passa não apenas a reivindicar uma
educação diferenciada, de qualidade e de respeito à diversidade linguística e cultural dos povos
indígenas (BITTENCOURT e SILVA, 2002) bem como decidir e organizar os processos de
educação formal (PEREIRA, 2010).
Entre o final dos anos 1980 e início dos anos de 1990, período em que tanto finaliza as
discussões da nova Constituição, quanto iniciava debates sobre a nova LDBEN, além das
diversas conquistas pelo Movimento Indígena na Constituição de direitos historicamente
negados, como direito aos seus territórios ancestrais, o de manter suas manifestações culturais,
o reconhecimento da sua organização social, línguas, costumes, e o da educação diferenciada,
bilíngue; teve-se também uma importante mudança na educação escolar indígena, que passava
a ser competência do Ministério da Educação, em 1991, e não mais da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI).
Nessa época, começa a haver diversas reuniões de professores indígenas da região Norte
e Centro-Oeste do país, para discutir a educação que queriam. A princípio, tais reuniões são
coordenadas por organizações não governamentais como o CIMI, indigenistas e diversas
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Outra reunião que merece destaque foi o IV Encontro dos Professores Indígenas do
Amazonas e Roraima, ocorrido em 1991, em Manaus. Reuniram cerca de quarenta e três
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pessoas entre estudantes, lideranças e professores indígenas de quatorze etnias, como os Mura,
Kokama, Mayoruna, Makuxi, Wapixana, Miranha, Ticuna, Taurepang, Kambeba, Pira-Tapuia,
Yanomami, Sateré-Maué, Baniwa, Wairmiri-Atroari. Esta reunião contou com a assessoria do
CIMI, e de professores da UNICAMP e USP, ligados à educação escolar indígena.
É importante salientar que o livro didático é citado na reunião dos professores indígenas
de Rondônia, em 1990. Esse apontamento é bastante significativo, pois ao ter acesso a esse
material didático, sabiam o que era dito e silenciado sobre os povos originários. Sobre essa
questão é bastante significativa a iniciativa dos Terena. Bittencourt (2004) coloca que, por
ocasião de um curso que realizavam na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
durante os anos de 1990, os professores Terena pediram que se produzisse um livro que contasse
a participação dos seus ancestrais na Guerra do Paraguai, algo que está ausente nos livros
didáticos de História. Através de pesquisa de documentos e de depoimentos orais, pouco tempo
depois foi produzido o livro História do Povo Terena. O livro foi escrito em língua portuguesa,
com o objetivo de ser divulgado nas escolas não-indígenas.
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Exemplo disso foi a realização da Primeira Conferência Nacional dos Povos Indígenas,
realizado pela FUNAI em parceria com o Ministério da Justiça, em 2006, para orientar políticas
indigenistas através das discussões da conferência. Através do Documento Final, fica expressa
essa reivindicação:
Que o governo federal garanta, crie e implante, no Brasil, espaços nos veículos de
comunicação governamentais e não governamentais para a divulgação das culturas
indígenas como forma sócio-educativa (conforme previsto na Convenção 169 da OIT,
art. 31) (FUNAI, 2006: 36).
Com a participação de 200 etnias e um total de 800 delegados, a conferência foi bastante
polêmica, pois houve a recusa de duas grandes organizações1 do Movimento Indígena em
participar. Tais organizações consideravam que a mesma tinha o objetivo de priorizar os
interesses da FUNAI em detrimento dos próprios indígenas e reafirmar uma política tutelada
por parte do Estado.
Assim que assumiu a presidência em 2003, uma das primeiras ações do presidente Lula
foi aprovar a Lei 10.639, em 9 de janeiro, que introduziu a “História e Cultura Afro-Brasileira”
nos currículos oficiais do ensino fundamental e médio, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da
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As organizações que se recusaram a enviar delegados foram: a Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME).
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Educação Nacional (LDBEN). Tal norma está associada a uma longa batalha do Movimento
Negro no Brasil desde o período da escrita da Constituição de 1988, contra o apagamento
histórico dos povos negros na constituição da sociedade brasileira (CONCEIÇÃO, 2011).
Pouco tempo depois da aprovação dessa norma, a deputada federal Mariângela Duarte
do Partido dos Trabalhadores, pelo estado de São Paulo, apresenta o Projeto de Lei 433/03, que
ampliava o alcance da Lei 10.639/03, já que incluía a “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena” no currículo do ensino básico.
Há todo um procedimento legal percorrido por um projeto de lei até a sua aprovação.
Depois de apresentado à mesa diretora da Câmara ou Senado, após a análise dos requisitos
legais, é direcionado para a comissão que possui competência para discutir a matéria. Na
comissão de interesse, o presidente indica o relator da matéria, isto é, aquele que fará a análise
da proposição legal. Depois da divulgação do relatório, discussão e votação e caso aprovado,
segue para comissão seguinte. Todos os projetos de lei devem obrigatoriamente passar pela
Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, que analisa de forma minuciosa a sua
constitucionalidade. Como o Congresso brasileiro é bicameral, o projeto de lei é analisado nas
duas casas do poder legislativo: Câmara e Senado Federal.
Todo esse processo gerou uma documentação escrita produzida pela Câmara e pelo
Senado. Os documentos escritos que se referem à tramitação na Câmara são: Projeto de Lei
(PL) 433/03; o Parecer do Relator da Comissão de Educação e Cultura; Parecer da Comissão
de Educação e Cultura; Parecer do Relator da Comissão de Constituição e Justiça, Parecer
da Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final. Os documentos escritos referentes à
tramitação no Senado são: Parecer No. 22/2007 e a Redação Final do Projeto No. 1257/2007.
Todas essas fontes foram adquiridas através dos sítios eletrônicos das casas legislativas.
Há também a documentação em áudio, que se refere aos debates nas CEC e CCJC da
Câmara, e vídeos do debate e plenário no Senado, que foram obtidos através do próprio sítio da
Câmara e por meio de pedido ao departamento do Senado, que cuida da guarda desses
documentos. Toda essa documentação está em processo de análise.
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Considerações Parciais
Como esse artigo é fruto de uma pesquisa em andamento, uma das hipóteses levantadas
para recompor historicamente o processo de feitura da Lei 11.645/08, é que a tal norma foi fruto
da reivindicação do Movimento Indígena, notadamente dos professores indígenas. Nesse
sentido, uma das questões que tem se atentado é de perceber se de fato houve essa efetiva
participação na constituição da lei. Outra hipótese é a de que o ambiente institucional criado
pelo governo Lula, com atenção às políticas afirmativas e a aprovação da Lei 10.639/03, teria
favorecido a aprovação da norma.
Essa preocupação com a educação escolar indígena pode ter contribuído para que, como
deputada federal, encaminhasse reivindicações dos povos originários em âmbito federal, como
a questão de que o Estado deveria ser o promotor de políticas públicas para que na educação da
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Percebe-se até o presente momento que havia uma reivindicação legítima por parte do
Movimento Indígena, sobretudo dos professores indígenas para que o Estado realizasse
políticas públicas para que a sociedade envolvente fosse educada para desconstruir preconceitos
em relação aos povos originários e conhecer os diversos protagonismos pela história brasileira.
Referências
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na História do Brasil: revisões
historiográficas, Revista Brasileira de História, São Paulo, n. 75, p. 16-38, 2017. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/2017nahead/1806-9347-rbh-2017v37n75-02.pdf> Acesso
em 27/07/2018.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2002.
CONCEIÇÃO, Manoel Vitorino da. Das reivindicações à Lei: Caminhos da Lei no 10.639/03,
Dissertação do Mestrado, PUC/SP, 2011
CUNHA, Manuela Carneiro da. Políticas culturais e povos indígenas: uma introdução. In:
CUNHA, Manuela Carneiro da, CESARINO, Pedro de Niemeyer (orgs.). Políticas culturais e
povos indígenas. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da Lei Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.