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A LEI 11.645/08: HISTÓRIA E


MUDANÇA CURRICULAR GIOVANA
DE CÁSSIA RAMOS FANELLI
Giovana de Cássia Ramos Fanelli
XXIV Encontro Estadual da ANPUH - História e democracia: precisamos falar sobre isso

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A Lei 11.645/08: uma análise sobre a document ação oficial gerada pelo Projet o de Lei 433/03 …
Giovana de Cássia Ramos Fanelli

DAS RUAS PARA OS CURRÍCULOS: PRECURSORES SOCIAIS E JURÍDICOS DAS LEIS 10.639/03 E 11.645/…
Ana Paula S de Sá

MANIFEST O SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL POR UMA EDUCAÇÃO DESCOLONIAL …
Edilene Ferreira
A LEI 11.645/08: HISTÓRIA E MUDANÇA CURRICULAR

GIOVANA DE CÁSSIA RAMOS FANELLI*

Introdução

A Lei 11.645/08, que inclui a “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” em todo o


currículo da educação básica, privilegiando as disciplinas escolares de História, Artes e Língua
Portuguesa, completou neste ano, dez anos. Como currículo pré-ativo, por um lado rompe com
uma história escolar de tradição eurocêntrica, em que a história nacional foi forjada,
evidenciando sobretudo, protagonistas de origem europeia e “branca”; por outro lado,
representa um marco fundamental na construção de um currículo que prima pela diversidade e
que traz ao debate educacional sujeitos historicamente minimizados ou silenciados na
constituição de nossa história. Desse modo, a lei estabelece uma “nova tradição” escolar
(BITTENCOURT, 2014).

É importante ressaltar o momento histórico em que esse artigo é produzido. A Lei


11.645/08 se constitui como um marco republicano, de cumprimento da Constituição e
possibilidade de aprofundamento da democracia, já que várias vozes e diversos sujeitos são
postos como protagonistas da construção da história e da sociedade brasileira. Contudo,
desde 2016, devido ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, vivenciamos
um reposicionamento da cidadania, em que direitos duramente conquistados através da
Constituição de 1988 estão sendo questionados e atacados. Tais mudanças têm afetado
sobremaneira a educação brasileira e o ensino de história. Alvo de intensas disputas por grupos
que querem apagar a história mais recente do nosso país, percebe-se um movimento real de
retrocesso nos conteúdos a serem ensinados. Essa questão está materializada na última versão
pela Base Nacional Comum Curricular, que tem poder normativo. Nesse sentido, a Lei
11.645/08 se constitui como fundamental para se contrapor a uma história escolar que venha

*
Mestranda pelo programa de pós-graduação em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
repor uma visão pautada no eurocentrismo e, portanto, nesse momento, é essencial recuperar
historicamente como se processou a constituição dessa norma.

Segundo Goodson (2008) para entender uma mudança curricular, é necessário buscar
como a mesma é constituída historicamente, que mudanças são operadas na sociedade para que
determinados grupos comecem a pressionar uma modificação nos conteúdos a serem ensinados
na escola: “qualquer afirmação sobre o currículo deve estar localizado no período histórico em
questão. Em determinados momentos são estabelecidas novas estruturas que, por sua vez,
estabelecem as novas ‘regras do jogo’” (p. 14). Isso nos faz pensar em qual o período histórico
se situa a lei, que não se limita ao primeiro e segundo mandatos do presidente Lula (2003-2010),
em que ocorre sua tramitação. Mas é necessário pensar quais estruturas são criadas para que
houvesse a discussão de um currículo escolar que evidenciasse a diversidade, assim como se
processou lutas e reivindicações para que a temática indígena tornasse um conhecimento
socialmente válido na escola. Nesse sentido, currículo é aqui entendido como arena de disputa
política.

Há uma questão importante que diz respeito à desconstrução da imagem do “índio


genérico” (sem história, vitimizado e fadado ao desaparecimento), que inicia-se pela
Antropologia durante a década de 1970, e depois mais tardiamente pela História. Entretanto
não podemos dizer que tais mudanças de paradigmas dessas ciências ressoam diretamente até
a lei. Entretanto é relevante colocar que tal mudança de paradigma das pesquisas dessas ciências
tem apontado, ainda que de forma tímida, diversos protagonismos dos povos indígenas ao longo
da história do Brasil, desde o período colonial até a atualidade (ALMEIDA, 2017).

Por outro lado, a Lei 11.645/08 não pode ser desvinculada do Movimento Indígena
Brasileiro, que se iniciou na década de 1970; das conquistas alcançadas por este movimento na
Constituição de 1988; das reivindicações dos professores indígenas entre as década de 1980 e
1990 por uma educação descolonizadora e intercultural; da constituição da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN); do estabelecimento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN´s) e a ênfase na cidadania, ética e diversidade cultural e, mais
recentemente, das políticas afirmativas dos governos de Lula (2003-2010), período em que se
tem a tramitação da lei.
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Desse modo fundamental, nossa discussão se inicia pelo Movimento Indígena e suas
diversas pautas, que serão debatidas a seguir.

O Movimento Indígena Brasileiro e a luta por uma educação descolonizadora

O Movimento Indígena Brasileiro é formado a partir da década de 1970 e está inserido


tanto em um contexto internacional do pós-guerra, de mudanças da postura da Igreja Católica
em relação a sua atuação missionária e apoio à luta dos povos indígenas (CUNHA, 2016) quanto
no florescimento dos movimentos indígenas latino-americanos, que reivindicavam o direito à
autodeterminação e ao território ancestral. No contexto nacional, insere-se entre diversos
movimentos sociais, no período da Ditadura Civil Militar (1964-1985).

Foi organizado inicialmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), criado pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1972. As principais reivindicações do
Movimento Indígena Brasileiro estavam vinculadas às questões de reconhecimento étnico que
se relaciona ao direito às terras originárias, elemento fundamental constitutivo de identidade.
Além da questão da terra, sobretudo nos anos de 1980, passa não apenas a reivindicar uma
educação diferenciada, de qualidade e de respeito à diversidade linguística e cultural dos povos
indígenas (BITTENCOURT e SILVA, 2002) bem como decidir e organizar os processos de
educação formal (PEREIRA, 2010).

Entre o final dos anos 1980 e início dos anos de 1990, período em que tanto finaliza as
discussões da nova Constituição, quanto iniciava debates sobre a nova LDBEN, além das
diversas conquistas pelo Movimento Indígena na Constituição de direitos historicamente
negados, como direito aos seus territórios ancestrais, o de manter suas manifestações culturais,
o reconhecimento da sua organização social, línguas, costumes, e o da educação diferenciada,
bilíngue; teve-se também uma importante mudança na educação escolar indígena, que passava
a ser competência do Ministério da Educação, em 1991, e não mais da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI).

Nessa época, começa a haver diversas reuniões de professores indígenas da região Norte
e Centro-Oeste do país, para discutir a educação que queriam. A princípio, tais reuniões são
coordenadas por organizações não governamentais como o CIMI, indigenistas e diversas
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organizações pró-indígenas e instituições importantes como a Universidade de São Paulo


(USP), a Universidade de Campinas (UNICAMP) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ).

As discussões dessas reuniões transformaram-se em documentos que eram


encaminhados ao Congresso Nacional e a órgãos do poder Executivo. Três reuniões em
especial, além de refletirem sobre os desafios, dificuldades e possibilidades para a educação
escolar indígena, também traziam reflexões sobre as relações construídas entre os povos
indígenas e a sociedade envolvente que necessitava mudanças, pois ainda prevaleciam visões
preconceituosas, redutoras e vitimizadoras dos povos originários.

A primeira reunião de professores indígenas, que apontava a necessidade de que a


sociedade envolvente devesse mudar o seu modo de se relacionar com os povos originários foi
o I Encontro de Educação Escolar Indígena do Mato Grosso, realizado na aldeia Salto de
Mulher, em 1989. Teve a presença de trinta e quatro professores indígenas de doze etnias:
Karajá, Xavante, Bororo, Bakairi, Paresi, Kauabi, Apiaká, Munduruku, Rikbtsa, Nambikuara,
Terena e Tikuna. Nesta reunião produziu-se um documento com três itens fundamentais, que
objetivava firmar uma educação escolar indígena específica e primar pela autodeterminação e
cultura dos povos originários.

Entre os itens elencados no documento, o terceiro tocava na questão da necessidade de


a sociedade envolvente ser educada para desconstruir preconceitos em relação aos povos
indígenas: “A sociedade envolvente deve ser educada no sentido de abolir a discriminação
histórica manifestada constantemente, nas suas relações com os povos indígenas” (CIMI, 1992:
32). Segundo Grupioni (1991), esse documento foi enviado à Brasília e praticamente
incorporado ao primeiro substitutivo da LDBEN.

No ano seguinte, em 1990, é realizado o I Encontro de Professores Indígenas de


Rondônia, com a presença de dezessete professores de treze etnias, como os Nambikuara,
Tupari, Cinta Larga, Suruí, Karitiana, Gavião, Arara, Jaboti, Tenharin, Terena, Aikanã,
Parintintin, Uru-eu-wau-wau. Enviando também à Brasília, o documento possuía oito
reivindicações, entre elas destaca-se o último item: “Queremos a colaboração dos senhores
senadores para que o respeito aos índios e suas culturas nas escolas não indígenas e nos livros
didáticos” (CIMI, 1992: 33).

Outra reunião que merece destaque foi o IV Encontro dos Professores Indígenas do
Amazonas e Roraima, ocorrido em 1991, em Manaus. Reuniram cerca de quarenta e três
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pessoas entre estudantes, lideranças e professores indígenas de quatorze etnias, como os Mura,
Kokama, Mayoruna, Makuxi, Wapixana, Miranha, Ticuna, Taurepang, Kambeba, Pira-Tapuia,
Yanomami, Sateré-Maué, Baniwa, Wairmiri-Atroari. Esta reunião contou com a assessoria do
CIMI, e de professores da UNICAMP e USP, ligados à educação escolar indígena.

Esse encontro se notabiliza pela elaboração da chamada “Declaração de Princípios”, um


documento com quinze reivindicações que tratam desde a participação da comunidade indígena
na elaboração dos currículos, da isonomia salarial dos professores indígenas em relação aos
professores não indígenas na federalização do ensino, o que evitaria que a educação escolar
indígena ficasse refém de interesses de grupos políticos locais (GRUPIONI, 1991). Chama
atenção o item “13” da declaração que diz “Na escola dos não-índios será corretamente tratada
e veiculada a história e cultura dos povos indígenas, afim de acabar com preconceitos e o
racismo” (CIMI, 1992: 35).

O que se percebe é que, os professores indígenas ao discutir a educação escolar que


queriam, com ensino bilingue e/ou multilíngue e intercultural, em que os conhecimentos da
sociedade envolvente não se sobrepusessem aos conhecimentos de suas próprias sociedades, os
debates dessas reuniões também disparam reflexões sobre a forma como a sociedade nacional
se relacionava com os povos originários. Se preconceitos, equívocos e visões exóticas foram
disseminados pela escola, essa mesma instituição poderia fazer o trabalho inverso, a partir do
momento que reconhecesse a rica diversidade étnica presente no Brasil, sua história e a
contemporaneidade dos povos originários. A educação é evocada como meio de compor novos
significados em relação aos povos indígenas.

É importante salientar que o livro didático é citado na reunião dos professores indígenas
de Rondônia, em 1990. Esse apontamento é bastante significativo, pois ao ter acesso a esse
material didático, sabiam o que era dito e silenciado sobre os povos originários. Sobre essa
questão é bastante significativa a iniciativa dos Terena. Bittencourt (2004) coloca que, por
ocasião de um curso que realizavam na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
durante os anos de 1990, os professores Terena pediram que se produzisse um livro que contasse
a participação dos seus ancestrais na Guerra do Paraguai, algo que está ausente nos livros
didáticos de História. Através de pesquisa de documentos e de depoimentos orais, pouco tempo
depois foi produzido o livro História do Povo Terena. O livro foi escrito em língua portuguesa,
com o objetivo de ser divulgado nas escolas não-indígenas.
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Apesar do Ministério da Educação sinalizar com dispositivos legais, como a reafirmação


do artigo 242 da Constituição que diz que “ O ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente
das matrizes indígena, africana e europeia”, repetido no quarto parágrafo do artigo 26 da
LDBEN e, mesmo com a elaboração dos PCN´s de História e de Pluralidade Cultural que trazia
novos entendimentos sobre os povos originários, o Movimento Indígena continuava a pleitear
que o Estado desenvolvesse ações educativas para combater o preconceito contra tais povos.

Exemplo disso foi a realização da Primeira Conferência Nacional dos Povos Indígenas,
realizado pela FUNAI em parceria com o Ministério da Justiça, em 2006, para orientar políticas
indigenistas através das discussões da conferência. Através do Documento Final, fica expressa
essa reivindicação:

Que o governo federal garanta, crie e implante, no Brasil, espaços nos veículos de
comunicação governamentais e não governamentais para a divulgação das culturas
indígenas como forma sócio-educativa (conforme previsto na Convenção 169 da OIT,
art. 31) (FUNAI, 2006: 36).

Com a participação de 200 etnias e um total de 800 delegados, a conferência foi bastante
polêmica, pois houve a recusa de duas grandes organizações1 do Movimento Indígena em
participar. Tais organizações consideravam que a mesma tinha o objetivo de priorizar os
interesses da FUNAI em detrimento dos próprios indígenas e reafirmar uma política tutelada
por parte do Estado.

Apesar da discordância de uma parte significativa do Movimento Indígena, o que fica


claro é que as reivindicações para que o Estado realizasse ações educativas para veicular a
riqueza cultural dos povos indígenas, assim como sua contemporaneidade, permanecem atuais.

A tramitação da Lei 11.645/08

Assim que assumiu a presidência em 2003, uma das primeiras ações do presidente Lula
foi aprovar a Lei 10.639, em 9 de janeiro, que introduziu a “História e Cultura Afro-Brasileira”
nos currículos oficiais do ensino fundamental e médio, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da

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As organizações que se recusaram a enviar delegados foram: a Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME).
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Educação Nacional (LDBEN). Tal norma está associada a uma longa batalha do Movimento
Negro no Brasil desde o período da escrita da Constituição de 1988, contra o apagamento
histórico dos povos negros na constituição da sociedade brasileira (CONCEIÇÃO, 2011).

Pouco tempo depois da aprovação dessa norma, a deputada federal Mariângela Duarte
do Partido dos Trabalhadores, pelo estado de São Paulo, apresenta o Projeto de Lei 433/03, que
ampliava o alcance da Lei 10.639/03, já que incluía a “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena” no currículo do ensino básico.

Há todo um procedimento legal percorrido por um projeto de lei até a sua aprovação.
Depois de apresentado à mesa diretora da Câmara ou Senado, após a análise dos requisitos
legais, é direcionado para a comissão que possui competência para discutir a matéria. Na
comissão de interesse, o presidente indica o relator da matéria, isto é, aquele que fará a análise
da proposição legal. Depois da divulgação do relatório, discussão e votação e caso aprovado,
segue para comissão seguinte. Todos os projetos de lei devem obrigatoriamente passar pela
Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, que analisa de forma minuciosa a sua
constitucionalidade. Como o Congresso brasileiro é bicameral, o projeto de lei é analisado nas
duas casas do poder legislativo: Câmara e Senado Federal.

Iniciado na Câmara, o PL 433/03 passou pela Comissão de Educação e de Cultura (CEC)


e pela Comissão de Constituição e de Justiça e Cidadania (CCJC). Depois da tramitação na
Câmara, entre 2003 e 2005, foi enviado como Projeto de Lei da Câmara (PLC) 109/05 ao
Senado. Nessa casa tramitou apenas na Comissão de Educação e, depois de aprovado, foi
votado em plenário, nos períodos de 2006 e 2008.

Todo esse processo gerou uma documentação escrita produzida pela Câmara e pelo
Senado. Os documentos escritos que se referem à tramitação na Câmara são: Projeto de Lei
(PL) 433/03; o Parecer do Relator da Comissão de Educação e Cultura; Parecer da Comissão
de Educação e Cultura; Parecer do Relator da Comissão de Constituição e Justiça, Parecer
da Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final. Os documentos escritos referentes à
tramitação no Senado são: Parecer No. 22/2007 e a Redação Final do Projeto No. 1257/2007.
Todas essas fontes foram adquiridas através dos sítios eletrônicos das casas legislativas.

Há também a documentação em áudio, que se refere aos debates nas CEC e CCJC da
Câmara, e vídeos do debate e plenário no Senado, que foram obtidos através do próprio sítio da
Câmara e por meio de pedido ao departamento do Senado, que cuida da guarda desses
documentos. Toda essa documentação está em processo de análise.
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Considerações Parciais

O PL 433/03, projeto de lei da autoria da deputada Mariângela Duarte, teve uma


tramitação relativamente rápida, pois em cinco anos foi aprovada. Contudo, isso não significa
que não houve “batalhas políticas” ou que não tenha sofrido modificações no percurso de sua
tramitação. Assim como mudança curricular é aqui entendida como campo de disputas políticas
(GOODSON, 2001, 2008), já que inclusões de temas ou sua exclusão são disputadas por
diferentes grupos, a lei também é entendida como “espaço de conflito” (THOMPSON, 1987),
considerando que uma norma é produzida em uma sociedade que possui grupos com interesses
contraditórios e antagônicos.

Como esse artigo é fruto de uma pesquisa em andamento, uma das hipóteses levantadas
para recompor historicamente o processo de feitura da Lei 11.645/08, é que a tal norma foi fruto
da reivindicação do Movimento Indígena, notadamente dos professores indígenas. Nesse
sentido, uma das questões que tem se atentado é de perceber se de fato houve essa efetiva
participação na constituição da lei. Outra hipótese é a de que o ambiente institucional criado
pelo governo Lula, com atenção às políticas afirmativas e a aprovação da Lei 10.639/03, teria
favorecido a aprovação da norma.

Através de dados levantados sobre a deputada Mariângela Duarte até o presente


momento, percebeu-se alguns indícios que não devem ser desconsiderados na análise da
pesquisa. Sua atuação política durante os anos de 1990, em que exerceu dois mandatos de
deputada estadual por São Paulo pelo PT, destacou-se pela defesa da escola pública em todos
os níveis, em especial pela criação da Universidade Estadual – Campus Litoral Paulista, em
oposição ao veto de Geraldo Alckmin. Nos anos 2000 e 2001, teve algumas ações em relação
aos interesses dos povos indígenas do litoral paulista: expediu requerimento nº 261/2000,
requisitando informações à Secretaria de Educação sobre projetos educativos a serem
implementados nas aldeias de Bertioga, Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá e, em 2001, foi autora
da Emenda 2341 ao Projeto de Lei Orçamentário, que cobrava recursos para o ensino bilíngue,
português e tupi-guarani.

Essa preocupação com a educação escolar indígena pode ter contribuído para que, como
deputada federal, encaminhasse reivindicações dos povos originários em âmbito federal, como
a questão de que o Estado deveria ser o promotor de políticas públicas para que na educação da
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sociedade envolvente, fosse ensinada a rica diversidade étnica presente no país e o


protagonismo de diversos povos ao longo da história.

Percebe-se até o presente momento que havia uma reivindicação legítima por parte do
Movimento Indígena, sobretudo dos professores indígenas para que o Estado realizasse
políticas públicas para que a sociedade envolvente fosse educada para desconstruir preconceitos
em relação aos povos originários e conhecer os diversos protagonismos pela história brasileira.

Cabe agora continuar a análise de toda documentação, escrita e audiovisual para


perceber se há efetiva participação do Movimento Indígena na feitura e pressão pela aprovação
da Lei 11.645/08. Também será fundamental perceber se houve e como foi a atuação de grupos
contrários à norma e de que maneira construíram seus discursos para desqualificar o projeto de
lei.

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