Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
O objetivo central de meu estudo tem sido compreender de que forma as
Conferências Populares da Glória tornaram-se um espaço privilegiado para a
circulação e concretização de um projeto educacional maçônico. Experiência
que teria, a meu ver, garantido, em certa medida, ações concretas em prol da
expansão da escolarização popular na Corte entre os anos de 1874 e 1889,
dentre as quais cito a fundação da Associação Promotora da Instrução (1874),
que protagonizou, entre outras iniciativas, a criação da Escola Senador Corrêa
e do Museu Escolar Nacional (1883) – tendo mais tarde a segunda instituição
ganhado a denominação de Pedagogium (1890), ao ser incorporado às
primeiras experiências educacionais da República.3 Além disso, tenho buscado
compreender o papel da organização maçônica no movimento associativista do
final do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, divisando em que medida o
princípio de associação serviu como norte para a consolidação das propostas
de expansão da escolarização popular neste período.
1
Este artigo apresenta alguns resultados de minha pesquisa de doutorado, a qual tem como
temática de investigação a atuação da Maçonaria e de seus maçons no cenário cultural e educacional
brasileiro, no período de transição entre Império e República. A pesquisa tem trilhado as iniciativas
maçônicas em torno da defesa e da expansão da escolarização popular no país, bem como as estratégias
de difusão e circulação de seu ideário político e educacional no período recortado.
2
Doutoranda do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFF;
3
O Museu Pedagogium, criado em 1890, por Benjamim Constant (Dec. nº 667, de 16 de agosto
de 1890), foi considerado uma das mais importantes iniciativas republicanas no campo educacional. Sua
consolidação teria se dado, sobretudo, pela atuação de Joaquim José de Menezes Vieira, seu primeiro
diretor (1890-1896). A gestação da ideia de concretização da instituição, de acordo com Bastos (2008),
teria se dado já na década de 1880, e da qual a República foi herdeira. Segundo Bastos (2008), seu
projeto de criação é de autoria de Franklim Ramiz Galvão, quando atuou como Inspetor da Instrução
Primária e Secundária, quando teria requisitado a biblioteca e o material clássico da extinta Associação
Mantenedora do Museu Escolar (1883) e de sua coirmã, a Associação Promotora da Instrução (1874).
Figura como membro fundador de ambas as instituições o Conselheiro Manoel Francisco Corrêa, o
organizador das Conferências Populares da Glória. Cabe ressaltar, ainda, que tanto Menezes Vieira
quanto Ramiz Galvão foram conferencistas na Tribuna da Glória. Pretendo abordar este assunto no quarto
capítulo da tese. (Sobre o Pedagogium, ver: BASTOS, Maria Helena Câmara, O Pedagogium registros de
memórias da educação no Brasil (18901919). Anais do VII Congresso Luso-brasileiro de História da
Educação, Porto, 2008)
RESUMO
2
Gabinete Liberal. Um grupo de descontentes com a política do Império e
distante dos quadros dirigentes do liberalismo fundou os clubes radicais em
1868. O primeiro foi estabelecido no Rio de Janeiro sob a liderança do senador,
por Goiás, José Inácio Silveira da Mota. A partir desta iniciativa, vários clubes
radicais foram organizados no país, com destaque para o Clube Radical
Paulistano, um dos mais atuantes. Cita-se ainda o clube de Recife, o de
Campinas e outros em cidades nas províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Esse grupo preocupado em promover debates públicos, acabou por
reeditar a experiência de 1849. Assim, no decorrer do ano de 1869, foram
realizados vários debates, que ficaram conhecidos como as “Conferências
Radicais”. Essas conferências foram inicialmente organizadas na Corte e, logo
em seguida, também em São Paulo e Recife.
O debate centrou-se nas críticas à organização política do Império, que
se desdobraram nas propostas de extinção do Poder Moderador, da Guarda
Nacional e do Senado vitalício, na independência do Judiciário, entre outras.
Apesar da conotação política, reformas de liberalização da sociedade são
defendidas, como as liberdades de ensino, de crença e de comércio, tendo os
radicais defendido, também, a abolição da escravidão (CARVALHO, 2007, p.
34).
Os conferencistas “radicais” eram, na sua maioria, jovens da geração do
Segundo Reinado; figurando como mais novo do grupo, Rui Barbosa, com
apenas 20 anos de idade. Vários desses conferencistas se converteram ao
republicanismo no ano seguinte, foi o caso de Francisco Rangel Pestana,
Henrique Limpo de Abreu, Bernardino Pamplona, Silveira da Mota. No grupo
dos radicais identifiquei, ainda, dois que atuaram mais tarde na Tribuna da
Glória: José Liberato Barroso4 e (Pedro) Antônio Ferreira Vianna, sendo o
primeiro também maçom.
4
Nasceu em Aracati, 21 de setembro de 1830, filho de Joaquim Liberato Barroso e Francisca
Luduvina Barroso. Fez os estudos superiores em Recife, na Faculdade de Direito: bacharelou-se em 1852,
doutorou-se em 1857 e, cinco anos depois, aprovado em concurso, passou a integrar o corpo docente. Foi
Deputado Provincial e Deputado-geral pela sua província. Ocupou cargo de Ministro do Império e
presidiu a província de Pernambuco em 1882. Quando Ministro, teve a delicada missão de referendar os
contratos de casamento das Princesas Isabel e Leopoldina e foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem
Ernestina, da Casa Ducal da Saxônia. Um dos fundadores e Presidente da Sociedade de Aclimação do Rio
de Janeiro, cujos objetivos se assemelhavam aos das entidades ecológicas de nossos dias. Entre os
trabalhos que publicou devem ser mencionados: Dissertação na Defesa de Tese para Tomar o Grau de
Doutor em Direito; Criação da Vila do Aracati; Observações Sobre o Artigo 61 da Constituição Política
do Império; necrológio do Desembargador Antônio José Machado; Não se pode dar Conflito entre o
3
Carvalho (2007) aponta, ainda, no ano seguinte ao término das
Conferências Radicais, as conferências realizadas por Quintino Bocaiúva, em
julho de 1870. A temática de suas preleções girou em torno da defesa do
casamento civil, da separação da Igreja e do Estado e do papel da mulher na
sociedade, temas recorrentes na agenda de discussão da Maçonaria naquele
período. Fato que não nos surpreende, por ter sido Quintino Bocaiúva membro
atuante da Maçonaria “republicana”, do Grande Oriente dos Beneditinos.
No entanto, assinala Carvalho (2007), a iniciativa mais exitosa e de
maior duração foi sem dúvida a das Conferências Populares da Glória, tendo
sido a primeira iniciativa de êxito a de promover debates abertos sobre temas
de interesse público. Instituídas em 23 de novembro de 1873, sob a
coordenação do Conselheiro Manoel Francisco Correia (1831-1905) 5, seu
idealizador, essas conferências estenderam-se até a República. Realizadas em
um salão das escolas públicas da Freguesia da Glória, no Rio de Janeiro,
tiveram o intuito, segundo seu organizador, de estabelecer um espaço para a
divulgação da ciência, das artes e da cultura em geral.
De acordo com os levantamentos minuciosos de Fonseca (1996) e
Carula (2007), no período de 1873 a 1880 foram realizadas um total de 354
conferências com a participação de cerca de 90 conferencistas, os quais eram,
em sua maioria, médicos e bacharéis reconhecidos em outros círculos letrados
e institucionais. Muitos deles atuavam junto ao Conselheiro, seja no
parlamento, na Associação Promotora da Instrução, na Sociedade de
Direito e a Moral; Índices Alfabéticos do Código Criminal e do Código Comercial; Compilação das Leis
Provinciais do Ceará; Questões Práticas de Direito Criminal; A Instrução Pública no Brasil (volume de
310 páginas); A Letra de Câmbio Segundo o Direito Pátrio; Contratos e Obrigações Mercantis e O
Espírito do Cristianismo (conferência realizada no Grande Oriente Unido do Brasil). Escreveu e traduziu
novelas do francês, inglês, alemão e espanhol. Defendeu o fim do cativeiro negro, participando de
atividades da Sociedade Abolicionista Cearense. Morreu no Rio de Janeiro, 2 de outubro de
1885.http://www.ceara.pro.br/acl/Patronos/LiberatoBarroso.html
Foi membro do Grande oriente dos Beneditinos (Ver almanak73 p.399)
5
Nasceu a 1º de novembro de 1831, na cidade de Paranaguá (PR); faleceu em junho de 1905, no
Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo; Presidente de Província, Conselheiro
de Estado Extraordinário, Deputado e Senador (1877-1889) pela província do Paraná e Ministro dos
Negócios Estrangeiros no gabinete de Rio Branco; Chefe da Diretoria Geral do Tribunal de Contas
(governo de Floriano Peixoto). Como Chefe da Diretoria Geral de Estatística, dirigiu o primeiro
recenseamento da população do Império. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, membro
fundador da Associação Promotora da Instrução (1874), da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
(1883). Ver BLAKE, 6º volume p. 84-86. Ver ainda:
http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=2062&li=16&lcab=1877-
1878&lf=16
4
Geografia do Rio de Janeiro ou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro;
estando esses intelectuais, de alguma maneira, engajados com a causa da
educação.
Para Carula (2007), tais preleções, tomadas pela elite letrada carioca
como um novo espaço de sociabilidade, transformaram-se em um locus
privilegiado de formação de opinião pública. Segundo a autora, a tribuna da
Glória ganhara destaque na imprensa, que trazia artigos sobre as ideias ali
difundidas pelos intelectuais presentes naquela tribuna, visibilidade que teria
garantido, em certa medida, a legitimidade deste novo espaço de sociabilidade,
colaborando, assim, para a disseminação e cristalização das ideias
apresentadas. Sua divulgação pela imprensa teria permitido, ainda, a diluição
das contundentes críticas expostas pela comunidade católica, deixando
transparecer o acirramento do embate ideológico entre Igreja e pensamento
liberal, evidente no período.
Para Bastos (2002), as conferências da Glória podem ser consideradas
como uma modernização intelectual que procurava corresponder às mudanças
socioeconômicas do período. Elas estiveram intimamente vinculadas à
ampliação do mercado editorial, em especial no campo educativo, como
também à expansão das iniciativas de criação das bibliotecas populares e
pedagógicas no final do século XIX.
Diante do exposto, busquei neste trabalho evidenciar o engajamento de
intelectuais maçons6 que atuaram na idealização e efetivação das
Conferências Populares da Glória. Sustento a hipótese de que essas
conferências teriam servido como um espaço privilegiado de circulação de um
ideário educacional maçônico. Em especial, o projeto de expansão da
escolarização popular por intermédio da mobilização da sociedade pelo
princípio da associação.
Como suporte empírico, tenho recorrido à imprensa maçônica, em
especial, o Boletim do Grande Oriente do Brasil (1871-1880), à revista
Conferências Populares, publicada em 1876, o Almanak Laemmert (1870-
6
A atuação desses maçons é compreendia neste trabalho a partir das noções de intelectual e
engajamento propostas por Sirinelli (2003), que compreende a especialização e o reconhecimento de um
intelectual em uma dada sociedade a partir de suas ações nesta mesma sociedade. Dito de outro modo, o
status de um intelectual só se legitima pelo seu engajamento e por suas intervenções nos debates da
cidade, colocando-se a serviço das causas que defende (SIRINELLI, 2003).
5
1889), além do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Apresento a seguir os
primeiros resultados de minha pesquisa, guardando a devida atenção ao
caráter preliminar dos mesmos.
7
Filho do tenente coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, o presidente do grande conselho
provincial na república do Equador, como tal assinado na ata lavrada a 26 de agosto de 1821 na cidade de
Fortaleza, capital do Ceará, e dona Ana Tristão de Araripe, nasceu na cidade do Icó a 7 de outubro de
1821. Bacharel em ciências sociais e jurídicas pela faculdade de S. Paulo, tendo feito parte do respectivo
curso na de Olinda, dedicou-se à magistratura, em que exerceu vários cargos, até o de ministro do
supremo tribunal de justiça e do supremo tribunal federal, em que se empossou, sendo agraciado com o
título de conselho do Imperador D. Pedro II e condecorado com o oficialato da ordem da Rosa.
Representou sua província natal em várias legislaturas da assembleia geral, presidiu as províncias do Pará
e do Rio Grande do Sul, e foi ministro da fazenda no governo do marechal Deodoro, ocupando depois o
cargo de ministro da justiça e negócios interiores. É sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e de outras associações de letras, e escreveu: Relações do
Império do Brasil: compilação jurídica. Rio de Janeiro, 1874, 375 pags. In-4º. Males presentes por
Philopoemen. Pernambuco, 1864, 64 pags. In 4º.
BLAKE, 7º VOLUME, PAGS 320-324
6
episódio que reforçaria uma possível ligação desses conferencistas com a
Maçonaria.8
Apesar de Carula (2007) não aprofundar tais assertivas, seu trabalho
serviu como ponto de partida para minhas investigações. De fato, pelo que
pude levantar até o presente momento, dos conferencistas listados
anteriormente pela autora, que estiveram presentes nas Conferências do
Grande Oriente, somente os dois últimos não foram identificados como
maçons. Os demais aparecem de forma recorrente nas fontes consultadas
como filiados aos dois Grandes Orientes existentes no período.9
Do que pude levantar, fica claro que era prática bastante difundida na
década de 1870 a ocorrência de conferências dentro da Maçonaria, sejam
aquelas organizadas no âmbito de Lojas ou por grupo de maçons fora dos
limites da instituição. Vale citar como exemplo, neste período, as Conferências
Democráticas do Cassino10, série de preleções realizadas em Lisboa em 1871,
organizadas por um grupo de intelectuais, liderados por Antero de Quental.
Segundo trabalho de Monteiro (2006), há várias evidências sobre a
relação da Maçonaria com a realização dessas conferências. A pesquisadora
aponta a ligação de alguns desses intelectuais com tal instituição, como foi o
8
Ver conferencistas maçons Quadro 3.
9
A atuação maçônica no território brasileiro, apesar de ininterrupta, ocorreu em ritmo bastante
peculiar. No decorrer de seu processo de institucionalização e expansão no século XIX, cisões e conflitos
marcaram a dinâmica desta organização, evidenciando limites e contradições. Tais conflitos tornaram-se
mais evidentes com a divisão da Ordem em dois polos de ação, quando, no período entre 1863 e 1883, a
Maçonaria transformou-se em um campo de disputa entre diferentes concepções sobre a forma de atuação
na sociedade. Observa-se neste período uma acirrada polarização de seu poder central, dividido entre duas
Obediências distintas: O Grande Oriente do dos Beneditinos, de orientação republicana, liderado por
Saldanha Marinho, e o Grande Oriente do Brasil do Lavradio, de orientação monarquista, liderado pelo
Visconde do Rio Branco. Segundo o autor, a primeira Obediência sofria grande influência da corrente
maçônica francesa, adepta a uma atuação mais vigorosa e política da maçonaria na sociedade, enquanto, a
segunda, com maior influência da corrente inglesa, sustentava a ideia de que a maçonaria deveria se
identificar com a fraternidade universal, restringindo sua ação à filantropia, à beneficência e ao
aperfeiçoamento moral e intelectual das massas. Essas discordâncias não impediram, em certa medida,
que a Maçonaria apresentasse um projeto de ação mais ou menos coeso no período. Para Barata (1999), a
“alta política” empreendida por esta instituição pode ser observada a partir de seu engajamento nos
grandes temas que agitaram o cenário político e social da época, como o movimento abolicionista e o
movimento republicano, como também seu envolvimento em projetos sociais, dos quais a expansão da
escolarização popular ganhou centralidade. Sobre isso, ver também Colussi (2003).
10
Refere-se a uma série de cinco palestras realizadas no Cassino Lisbonense, no ano de 1871, pelo
grupo do Cenáculo, grêmio formado por um grupo de jovens escritores e intelectuais liderados
ideologicamente por Antero de Quental e José Fontana, grupo do qual fizeram parte alguns dos maiores
escritores da Literatura portuguesa no período, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, entre outros.
Racionalistas, herdeiros do positivismo de Comte, do idealismo de Hegel e do socialismo utópico de
Proudhon e Saint-Simon, em defesa da relevância de um reformismo social para Portugal. Ver Monteiro
(2006).
7
caso de Antônio Ennes, autor da peça teatral Os Lazaristas, cuja
representação gerou polêmicas, sobretudo por parte da comunidade católica
portuguesa e também brasileira, devido à tônica anticlerical dada pelo citado
autor à obra.11
Em minha investigação, realizada em publicações do Boletim do Grande
Oriente do Brasil entre 1871 a 1880, encontrei diversos registros que
evidenciam a preocupação da Maçonaria e de seus maçons com a organização
de Conferências. Sob a influência da maçonaria francesa e com uma tônica
fortemente anticlerical, esses intelectuais estiveram imbuídos não apenas em
difundir os preceitos maçônicos, mas, sobretudo, debater temas pertinentes à
época, como o casamento civil, a família, o ensino laico, a educação das
classes operárias, o princípio de associação e o papel da mulher na sociedade.
Assim, propõem-se:
11
Em sua pesquisa, Monteiro (2006) buscou reconstituir historicamente o impacto ideológico
provocado pela censura da representação da peça Os Lazaristas, no Brasil, em 1875. Nesse trabalho a
pesquisadora trouxe à luz fortes indícios do vínculo da Maçonaria brasileira com as produções culturais
em fins do século XIX. MONTEIRO (2006).
12
Ver Boletim do Grande Oriente do Brasil, maio de1872, p. 182.
8
Araripe, os médicos Dr. Luiz Correia de Azevedo, Dr. Soeiro Guarany e
Francisco Antônio de Carvalho (Júnior).
Inicialmente essa Oficina realizou algumas discussões sobre pontos
filosóficos de interesse maçônico, com o intuito de induzir seus membros aos
estudos dos “mistérios” da Ordem. Posteriormente, tais discussões
constituíram-se na principal ordem do dia dos trabalhos da Loja, franqueando
suas sessões aos obreiros das outras oficinas do Círculo. Mais tarde, esses
eventos extrapolaram os limites internos, abrindo-se para o público profano,
com a presença também do público feminino. Sobre tal iniciativa, assinalou o
articulista do Boletim do Grande Oriente do Brasil, em seu 2º número, em
janeiro de 1872:
9
as ideias apresentadas naquela tribuna, o articulista, ao elogiar a iniciativa
patriótica do irmão, traça alguns comentários, os quais revelam a relevância
dada à expansão da educação popular:
[...]
Nós, sonhando liberdades de toda a casta, só esquecemos a
verdadeira, a positiva liberdade do homem, isto é, o saber.
Para consegui-lo, pois, convém dar à instrução pública uma
forma rigorosa e com a máxima possibilidade de bom êxito; isto
só o consegue o ensino obrigatório.14
14
Ver Boletim do Grande Oriente do Brasil, dezembro de 1873, p. 892 a 894.
10
AS CONFERÊNCIAS POPULARES E A ASSOCIAÇÃO PROMOTORA DA
INSTRUÇÃO (1874)
15
Ver Conferências Populares, livro 1, janeiro de 1876, p. 7-8.
11
E, assim, reforça o orador que “aquele que se isola em censurável
egoísmo, não procurando senão o bem-estar individual mutila o nobre fim da
criatura humana, a quem a Divina Providência, para dar-lhe maior realce, fez a
um tempo membro de uma família e cidadão de um Estado” (CORREIA,
1876).16
Diria que o Conselheiro Correia utilizou a tribuna da Glória como espaço
de mobilização de seus pares no sentido de sustentar ações para a
concretização de projetos de expansão da escolarização popular, dos quais
faziam parte a criação e manutenção de escolas e bibliotecas.
Nessa direção, como parte desta iniciativa, em janeiro de 1874, no
espaço das Conferências, foram criadas duas associações voltadas para
educação popular. A Associação Promotora da Instrução de Meninos e a
Associação Promotora da Instrução de Meninas. Sobre isso, publicou o Jornal
do Commercio, em 1º de janeiro de 1874:
16
Idem, p. 9.
12
aulas do Curso Noturno de São Cristovão, estabelecimento mantido por esta
associação.
O Curso Noturno Gratuito de S. Cristovão foi fundado em 1875, no morro
do Pedregulho, bairro de São Cristovão, transferindo-se logo em seguida para
a Praça D. Pedro I, neste mesmo bairro, local onde funcionou por vários anos.
No ano de sua fundação teve como diretor o Dr. Joaquim José de Amorim de
Carvalho. Em 1877, assume esta função o Dr. Manoel Cândido da Veiga e
Souza. Neste mesmo ano o Almanak publicou o seguinte registro sobre o
curso:
[...]
Associação Promotora tem procurado, tanto quanto lhe
permitem suas forças, o maior impulso possível a fim de que o
curso ocupe em breve um dos primeiros lugares entre os
estabelecimentos dessa ordem. Acha-se em organização uma
biblioteca que será oportunamente franqueada ao público.
Com o intuito de que sejam as aulas aproveitadas por todas as
classes da sociedade, funciona uma aula exclusivamente
destinada a escravos.
As aulas funcionam todos os dias das 4 horas da tarde às 9
horas da noite, ensinando-se as seguintes matérias: instrução
primária, português, francês, aritmética e geografia. A matrícula
em geral, no presente ano de 1877, já atinge ao número de 70,
nas diversas aulas inauguradas em janeiro. (grifos meus).17
17
Ver ALMANAK LAEMMERT, 1877, p. 502.
13
atendido por este Curso, o texto nos revela a intenção, por parte da
associação, de marcar sua posição diante da escolarização de uma parcela da
população cuja condição cativa contradiz à condição de classe social denotada
pelo texto. O que se revela por trás da intenção de registrar tal proposta? Teria
a associação levado a cabo esta iniciativa? Quais as concepções que
nortearam esta proposta? Quem eram os sujeitos que a associação buscava
realmente atender?
Vale, ainda, ressaltar os conteúdos oferecidos pelo curso, que, em certa
medida, amplia seu atendimento para além da formação elementar, ao oferecer
matérias como o francês e a geografia. Outro aspecto relevante é a
preocupação em criar uma biblioteca popular, projeto este que, segundo meu
levantamento, parece ter sido concretizado apenas em 1884, tendo como
primeiro Bibliotecário Dr. Antonio da Cunha Barbosa.
Em relação à Associação Promotora da Instrução de Meninas, até o
momento não foram encontrados registros que evidenciem a atuação desta
instituição como mantenedora de estabelecimentos voltados para a instrução.
Apenas no ano de 1875, publicou-se a aprovação, pela presidência desta
Associação, da abertura de um internato gratuito para meninas e a fundação de
uma biblioteca no mesmo internato. No entanto, não encontrei registros sobre
este estabelecimento.18.
No início da década de 1880, ocorre a fusão das duas associações, pelo
decreto nº 8229, de 26 de agosto de 1881, passando a denominar-se
Associação Promotora da Instrução.
Neste mesmo ano são iniciadas as obras de construção de prédios
próprios para as escolas mantidas pela associação, tendo como engenheiro
responsável Antônio de Paula Freitas. Além do curso noturno de São
Cristovão, são registradas, a partir deste ano, mais duas escolas mantidas pela
associação: A Escola da Glória, que mais tarde ganhou a denominação de
Escola Senador Correia, e a Escola de Santa Izabel, que funcionou na Rua do
Boulevard 28 de setembro, na Vila Izabel, tendo como superintendente de suas
aulas Carlos Américo dos Reis.
18
Idem, 1875, p. 466.
14
Em 1882, ainda sob a direção de Manoel Cândido da Veiga e Souza, o
Curso de São Cristovão passa a funcionar em prédio próprio ainda inacabado,
na Praça D. Pedro I, nº 7.19 Outras mudanças são empreendidas no curso,
entre elas cita-se a ampliação das aulas. Além das já citadas anteriormente,
são oferecidas também aulas de geometria, inglês, doutrina cristã, latim e
religião. Além disso, nota-se a frequência de ambos os sexos, sendo que, no
ano de 1884, o curso registrou para o sexo masculino 245 alunos e para o sexo
feminino 95 alunas matriculadas, apresentando-se como estabelecimento
misto20.
A escola Senador Correia, construída a partir de recursos agenciados
por uma comissão21, inaugurou suas aulas noturnas a dois de abril de 1883,
sob a direção de Ubaldino do Amaral. As matérias lecionadas eram geografia,
aritmética, história do Brasil, gramática portuguesa, leitura, francês e doutrina
cristã. Neste ano registrou-se o número de 346 alunos matriculados nas
diversas aulas da escola. Pelo que pude levantar, diferentemente do curso de
São Cristovão, não eram oferecidas, na escola Senador Correia, aulas de
instrução primária.
A Escola Senador Correia tem sua instalação definitiva em prédio
próprio, em sessão solene de 11 de setembro de 1888, no Largo do Machado,
Catete. No Almanak do ano seguinte, 1889, a Associação registra o mesmo
endereço como sua sede. Traz, ainda, a informação de que todos os prédios
das escolas mantidas pela Associação estavam concluídos, possuindo mobílias
especialmente encomendadas para elas.
Na década de 1880, outras associações também aparecem de forma
menos sistemática em meu levantamento, das quais destacamos a Associação
Propagadora dos Cursos Noturnos e Associação Protetora da Instrução da
Freguesia do Engenho Velho. Nas administrações dessas duas instituições
aparecem nomes que estiveram presentes também na administração da
Associação Promotora, como também conferencistas e maçons. Na primeira,
localizamos como Presidente Honorário o Barão Homem de Mello, que em
19
Tudo indica que a finalização das obras deste prédio ocorreu no ano de 1887, tendo naquele ano
como diretor o Sr. Alexandre da Silva Vaz e como Superintendente das aulas o Dr. Francisco de Assis
Mascarenhas. Idem, 1887, parte IV, p. 1574.
20
Idem, 1884, parte IV, p. 1249.
21
Sobre essa comissão, ver: ALMANAK LAeMMERT, 1883, parte IV, p. 1321.
15
anos anteriores figura como sócio integrante do corpo administrativo da
Associação Promotora da Instrução. Além deste, consta ainda como Presidente
Dr. Carlos Leôncio de Carvalho, Bento da Cunha Figueiredo e o Barão de São
Félix (Vice-Presidente), este último, membro do Grande Oriente dos
Beneditinos.22 Nas publicações do Almanak sobre tal associação não há
registros sobre endereço de sua sede nem escolas mantidas pela mesma. Já a
Associação Protetora da Instrução da Freguesia do Engenho Velho, com sede
na rua S. Francisco Xavier, 7, teria sido fundada oficialmente em 20 de
setembro de 1883 e mantinha o Liceu do Engenho Velho, cujas aulas noturnas
funcionavam cotidianamente das 6 às 9 horas. Consta como Presidente da
mesma instituição o Barão de Ibituruna, também ex-membro da Associação
Promotora da Instrução, Alexandre José Soeiro de Faria Guarany (2º
Presidente), conferencista e membro da Loja Maçônica 18 de Julho.23
Diante desses indícios, poderíamos levantar como hipótese a ideia de
que tais autores faziam parte de uma mesma rede de sociabilidade, na qual
sustentaram, de forma sistemática e concreta, o princípio de associação como
elemento primordial para o projeto de expansão da escolarização popular
naquele período. Neste caso, estariam eles multiplicando suas frentes de
atuação? Cabe ainda ressaltar que esta Associação apresentou um padrão
diferenciado em relação às outras associações particulares mantenedoras da
instrução popular no período, como a Sociedade Auxiliadora da Indústria
Nacional, a Associação Propagadora da Instrução das Classes Operárias da
Freguesia da Lagoa e o Liceu de Artes e Ofícios. Sua diferenciação residiria no
fato de que ela não recebia subvenções do Estado. Sua sólida organização lhe
permitiu angariar recursos para a construção e manutenção de suas escolas,
modelo que mais se aproxima ao defendido pelo seu idealizador e presidente,
que sempre sustentou o papel da sociedade civil enquanto ente colaborador do
Estado, em defesa do desenvolvimento social e econômico de uma nação.
Bastos (2008) assinala que esta Associação teria funcionado como
coirmã da Sociedade Mantenedora do Museu Escolar Nacional (1883), das
quais foram requisitados, por B. Franklin Ramiz Galvão, Inspetor Geral da
Instrução Primária e Secundária, a biblioteca e o material clássico do Museu
22
Idem, 1881, p. 502.
23
Idem, 1888, parte IV, p. 1586.
16
Escolar Nacional, a fim de integrarem o Pedagogium, museu pedagógico criado
na República, em 1890, por Benjamin Constant.
Segundo a autora, a Sociedade Mantenedora do Museu Escolar
Nacional, criada também por proposição do Conselheiro Manoel Francisco
Correia, logo após o encerramento da Exposição Pedagógica, em setembro de
1883, teve a finalidade de fundar e manter Museu Pedagógico do Rio de
Janeiro. 24
A identificação dos nomes que compuseram a Diretoria desta
Associação, no ano de sua fundação, constitui-se em indício relevante para
essa pesquisa, uma vez que vários de seus membros eram filiados à
Maçonaria ou guardaram uma estreita ligação com ela. Além da já citada
filiação do Conselheiro Manoel Francisco Correia, como 2º Vice-Presidente,
também eram maçons o Presidente e o 1º Vice-Presidente da Associação,
respectivamente Conde d’Eu e o Senador Visconde do Bom Retiro. Sobre o
Conselheiro Leôncio de Carvalho, que ocupou nesta Diretoria o cargo de 1º
Secretário, há fortes indícios de sua estreita relação com a Maçonaria, tendo
fundado, já em 1882, em São Paulo, com o apoio da maçonaria paulista, a
Sociedade Propagadora da Instrução Popular, mais tarde, Liceu de Artes e
Ofício.25
Vale, ainda, ressaltar a estreita relação entre autores com
direcionamentos políticos aparentemente contrários, visto que o grupo que
esteve à frente da organização das conferências e da Associação Promotora
da Instrução teve significativa penetração na ordem política imperial. O que
contrasta com a trajetória, por exemplo, de Benjamim Constant, republicano
24
Para Bastos (2008), os eventos em torno da criação do Museu Escolar Nacional (1883) e de
outros projetos que envolveram a realização de pareceres, conferências, inserem-se na representação da
modernidade educacional brasileira expressa já na década de 1870. Tais eventos, de certo modo, reitera a
autora, decorrem da participação de seus idealizadores nas exposições internacionais, do contato com
publicações e de visitas a instituições educacionais estrangeiras. Práticas que teriam colocado o país em
contato com o processo de consolidação da educação como signo de civilização e de progresso.
(BASTOS, 2002, p. 2)
25
Fizeram parte desta diretoria também o Conselheiro Franklim Américo de Menezes Dória, como
2º Secretário, e Honório A. Ribeiro, com o seu tesoureiro. Sobre isso, ver BASTOS (2008). Sobre a
ligação de Leôncio de Carvalho com a Maçonaria, ver ainda:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=ma
rcos_texto&cd_verbete=3768.
17
histórico e responsável pela criação do Pedagogium, “flor exótica” do projeto
educacional republicano (BASTOS, 2008).
Os indícios que emergiram na pesquisa vão revelando a complexidade
que envolve tal interseção, a qual não pode ser apreendida apenas pela filiação
partidária dos autores envolvidos e nos permite compreendê-la como uma rede
de sociabilidade, que se articula a partir de afinidades diversas ─ ideológicas,
profissionais, familiares, de amizades e associativas. Esses indícios
possibilitam, ainda, incluí-la na sociabilidade maçônica, visto que vários destes
intelectuais eram maçons ou tiveram uma estreita relação com a Maçonaria,
afinidade que teria contribuído para a consolidação de projetos voltados para a
difusão da instrução elementar, nas últimas décadas do Império.
REFERÊNCIAS
18
COLLICHIO, Therezinha A. F. Dois eventos importantes para a história da
educação brasileira: A Exposição pedagógica de 1883 e as Conferências
Populares da Freguesia da Glória. In: Revista da Faculdade de Educação/USP.
São Paulo. Vol. 13, nº 2. Julho-dezembro de 1987.
FONTES
19