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ARTIGO

A TEMÁTICA INDÍGENA NO CURRÍCULO


ESCOLAR À LUZ DA LEI 11.645/2008*

INDIGENOUS ISSUES WITHIN THE SCHOOL


CURRICULUM UNDER THE LAW 11.645/2008

LAS CUESTIONES INDÍGENAS DENTRO DEL CURRÍCULO


ESCOLAR EM VIRTUD DE LA LEY 11.645/2008

Maria da Penha da Silva

Resumo: Esse texto é resultado de uma pesquisa em andamento, que busca investigar por meio da observações
participantes em escolas públicas da Rede Municipal do Recife e Rede Estadual de Pernambuco, embasada em
leituras bibliográfica que discutem as formas de abordagens da diversidade étnica no universo escolar, especifi-
camente a temática indígena após a promulgação da Lei 11.645/2008. Pretendemos contribuir com a discussão
sobre a inserção da temática indígena no espaço escolar por meio de uma breve reflexão sobre a trajetória das
mudanças curriculares no Brasil que convergiu na homologação da citada Lei. Relacionar a formação de profes-
sores com as práticas pedagógicas no que diz respeito à abordagem da diversidade étnica, como também discutir
os subsídios didáticos utilizados para o ensino sobre a história e as culturas dos povos indígenas no Brasil.
Palavras-chave: Índios. Currículo escolar. Diversidade étnica.

Abstract: This text is the result of an ongoing research, that investigates specifically indigenous issues follow-
ing the enactment of Law 11.645/2008.,by means of participant observation in public schools of the Municipal
Network of Recife, Pernambuco State, based on literature readings that discuss the types of approaches to ethnic
diversity in the school environment. The intention is to contribute to the discussion about the inclusion of indig-
enous issues within the school through a brief reflection on the trajectory of the curricular changes in Brazil which
converged on the approval of the above mentioned Law. Relating the training of teachers to the pedagogical prac-
tices with respect to the approach of ethnic diversity, as well as discussing the didactic subsidies used for teaching
about the history and cultures of indigenous peoples in Brazil.
Keywords: Indians. School curriculum. Ethnic diversity.

Resumen: Este texto es el resultado de la investigación en curso, a través de la observación participante en las
escuelas públicas de la Red Municipal de Recife, Estado de Pernambuco, con base en las lecturas de la literatura
que tratan sobre los tipos de enfoques a la diversidad étnica en el ámbito escolar, específicamente las cuestiones
indígenas después de la promulgación de la Ley 11.645/2008. Tenemos la intención de contribuir a la discusión so-
bre la inclusión de las cuestiones indígenas dentro de la escuela a través de breve reflexión sobre la trayectoria de
los cambios curriculares en el Brasil que se reunieron en la aprobación de dicha Ley. Relacionar la formación de los
docentes con las prácticas pedagógicas en relación con acercamiento a la diversidad étnica, así como discutir las
subvenciones didácticas destinadas a la enseñanza de la historia y las culturas de los pueblos indígenas en Brasil.
Palabras clave: Indios. Currículo escolar. La diversidad étnica.

1 AS MUDANÇAS CURRICULARES NO valho (2004), a introdução dos estudos


BRASIL NA PERSPECTIVA DA sobre esse tema por meio dos debates e dis-
DIVERSIDADE ÉTNICA cussões teve início nas duas primeiras
décadas do século XX, ganhando mais
Para discutirmos a mais recente significado nos anos 1940, com a ênfase
mudança no currículo nacional não po- dos grupos étnicos com o enfoque no
deríamos deixar de rever as influências “movimento negro” se contrapondo ao
dos estudos culturais e dos movimentos mito da “democracia racial”. (CARVALHO,
sociais nos currículos escolares no Brasil. 2004, p.34-35).
De acordo com alguns teóricos como Silva Duas décadas depois, esse movimento
(1999), Moreira e Silva (2009) e Car- ganhou força com a inserção dos grupos femi-
* Artigo recebido em agosto 2010 nistas, os esquerdistas e mais os movimentos
Aprovado em outubro 2010

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Maria da Penha da Silva

sociais da educação, com as discussões vol- foi determinada a obrigatoriedade do ensino


tadas para o campo do currículo, tendo como sobre História e Cultura Afro no Ensino Fun-
principal incentivador o educador Paulo Freire damental e Médio nos estabelecimentos de
(SILVA, 1999). ensino públicos ou privados no país, especifi-
Nos anos 1980 intensificou-se a discussão cando que conteúdos referentes a essa temá-
por parte dos homossexuais, igrejas e povos tica devem ser ministrados em todo currículo
indígenas, essa última categoria visando a escolar. Também incluiu no calendário escolar
busca da retomada dos direitos à terra, edu- o Dia Nacional da Consciência Negra, comemo-
cação diferenciada e à saúde. Ainda no final rado em 20 de novembro.
dessa década, os indígenas conquistaram E com mais ênfase ainda percebemos nos
espaço na elaboração da Constituição Federal Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), uma
brasileira promulgada em 1988: proposta inicial de trabalho com a temática “Plu-
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ralidade Cultural” que deveria abordar temas
ensino fundamental, de maneira a assegurar forma- transversais contemplando os estudos das di-
ção básica comum e respeito aos valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais. versidades culturais existentes nas diferentes
§ 2º. O ensino fundamental regular será ministrado regiões do país. (CARVALHO, 2004, p.34-36).
em língua portuguesa, assegurada às comunidades Em 2008, a Lei nº 10.639/2003 sofreu novas
indígenas também a utilização de suas línguas ma-
ternas e processos próprios de aprendizagem. [...] alterações, sendo ampliado seu texto assim ori-
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exer- ginando a Lei nº 11.645/2008, que acrescentou
cício dos direitos culturais e acesso às fontes da
os estudos da história e culturas dos povos in-
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valori-
zação e a difusão das manifestações culturais. dígenas: “Artigo 26-A. Nos estabelecimentos de
§ 1º. O Estado protegerá as manifestações das Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e
das de outros grupos participantes do processo ci-
e privados, torna-se obrigatório o estudo da his-
vilizatório nacional. [...] tória e cultura afro-brasileira e indígena”.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organiza- Se faz necessário muita atenção para o pro-
ção social, costumes, línguas, crenças e tradições, e
os direitos originários sobre as terras que tradicio- cesso de construção do discurso sobre as dife-
nalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, renças culturais (CARVALHO, 2004). Esse mapa
proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRA- da trajetória das discussões vem nos mostrar
SIL, 2008, p.137-146).
os seguimentos que fomentaram os debates
O reconhecimento da diversidade étnica e as pesquisas acadêmicas. Um dos aspectos
representa a garantia do direito à diferença, à em destaque é o posicionamento comum aos
educação diferenciada, onde inclua a valorização grupos que participam do movimento pelo re-
das suas práticas socioculturais, religiosas e pre- conhecimento da diversidade em se contrapor à
servação das línguas originárias de cada povo. visão eurocêntrica e dominante, como também
Na década seguinte essa discussão trouxe à dificuldade em estabelecer conceitos e re-
importantes conteúdos que influenciaram di- ferência sobre as diferenças: o “ser diferen-
retamente na formulação do Plano Decenal te”, “diferente de quem?” Nessa complexidade
de Educação (1993-2003), para em seguida corremos o risco de cairmos no relativismo,
fazer-se presente também na Lei nº 9.394 de o mesmo relativismo do qual em determina-
20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as do momento o movimento multiculturalista
Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB): foi acusado. Uma das acusações foi de enfa-
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio tizar determinadas culturas colocando-as em
devem ter uma base nacional comum, a ser contem- guetos, ignorando conhecimentos comuns im-
plada, em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas ca- portantes para os demais grupos sociais. Sobre
racterísticas regionais e locais da sociedade, da cultu- essa mesma acusação que se fundamenta a
ra, da economia e da clientela. [...]
defesa ao acesso do conhecimento globalizado.
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas e etnias para Sendo essa também uma discussão perigosa no
a formação do povo brasileiro, especialmente das ma- campo do currículo, pois o processo de globali-
trizes indígena, africana e europeia (BRASIL, 1996).
zação está diretamente interligado aos campos
No que diz respeito ao sistema educacio- político e econômico e precisamos observar os
nal brasileiro nota-se na LDB uma sinalização interesses ocultos em determinados conteúdos
para a implementação do artigo constitucional que aparentemente são inocentes, mas, que
citado anteriormente, que resultou na primeira por meio deles são veiculados interesses eco-
mudança curricular oficial referente às ques- nômicos, e assim devemos questionar: quem
tões étnicas no Brasil. Assim, por meio da Lei está conduzindo as discussões? Quais os inte-
10.639/2003, nos seus artigos 26-A e 79-B, resses implícitos nessas discussões?

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A temática indígena no currículo

Parece ser necessário, ainda desenvolver um olhar sobre Embasados/as nessas teorias pergunta-
o processo educativo não diretamente desenvolvido pelo
sistema educacional, mas que está relacionado mais for-
mos: a trajetória de mudanças ocorridas no
temente com a economia global, a exemplo da indústria currículo escolar no Brasil, como um instru-
cultural, e que tem reflexos no campo curricular. Dois as- mento que percorre caminhos, estabelecendo
pectos importantes desta economia global, que têm refle-
xos na educação são: a fabricação de identidade do que
conteúdos, metas para alcançar conhecimen-
denominaram consumidor e a fabricação da diversidade tos capazes de desenvolver nos indivíduos
cultural do mundo globalizado. (CARVALHO, 2004, p. 74). que deles se apropriam são habilidades “con-
Esses aspectos, citados pela autora, nos sideradas” necessárias para uma convivên-
chama atenção pela forma como os meios de cia harmoniosa na sociedade? Ou devemos
comunicação têm servido de veiculação para pensar no currículo como espaço de reflexão
a “indústria cultural”, que tem se apropriado e construção de conhecimentos capazes de
do discurso multiculturalista e reelaborado reelaborar dinâmicas de convivências e pro-
uma dinâmica de investimento na formação de vocar mudanças de atitudes no público que
identidades do público consumidor, direcionan- dele dispõe e, consequentemente, na socie-
do a produção de seus produtos para deter- dade? Para Moreira e Silva (2009, p.28), a
minados grupos de consumidores e que, con- teoria crítica do currículo mostra-nos que o
sequentemente expandirão entre a rede de currículo não deve ser uma reprodução cul-
suas relações sociais e assim sucessivamente. tural passiva, mas um campo que possibili-
É interessante que ocorra discussões e te reflexões e contestações sobre os modelos
reflexões sobre quem e como está conduzin- de sociedades existentes, para construirmos
do a inserção da temática “diversidade cul- formas de transgredi-las.
tural” e a quem verdadeiramente interessa. De acordo com o autor acima citado, após
Por exemplo: é comum entre os membros as teorias críticas e pós-críticas do currículo,
dos grupos atuantes do “movimento negro”, devemos debruçar outro olhar para o currícu-
o uso dos produtos que os identificam como lo, esqueçamos a “inocência” das propostas
tal: roupas, acessórios, cosméticos e etc, curriculares para observarmos no currículo os
formando-se toda uma rede de consumidores mecanismos de controle social. A seleção dos
em torno de uma caracterização da categoria seus conteúdos está sempre atrelada à forma-
étnica, fortalecendo a indústria desses produ- ção das identidades, pois “Nas teorias do currí-
tos que se apropriam da “indústria cultural”. culo, entretanto, a pergunta o quê? nunca está
Igualmente nesse contexto não é difícil separada de uma outra importante pergunta:
identificar grandes empresas que se apropriam o que eles ou elas devem se tornar?” (SILVA,
do conhecimento de alguns povos indígenas 1999, p. 15, grifo nosso). É nessa perspecti-
para exploração de matérias-primas da região va que gostaríamos de provocar uma reflexão
amazônica, usadas na fabricação de produtos sobre a nova proposta curricular implementada
de beleza, como também veiculam imagens da por meio da Lei nº 11.645/2008, que mantém
mesma região para propagar os produtos. Sig- em cena as discussões sobre a inclusão da di-
nifica que havendo uma valorização da cultura versidade cultural no espaço escolar.
desses povos indígenas nas escolas dos não- Mesmo diante de todo controle social que
-índios, resulta em mais lucros para essas em- as mudanças curriculares estão atreladas, as
presas. Não devemos ser ingênuos e pensar discussões sobre as relações entre currícu-
que a inserção desses valores culturais no cur- lo e cultura têm resultado em avanços signi-
rículo escolar é simplesmente uma conquista ficativos para a Educação, ao mesmo tempo,
dos movimentos sociais e dos grupos étnicos trazendo muitos desafios para toda comuni-
aqui citados, pois pode ser muito mais do que dade escolar que até então vivenciava no seu
isso; a educação está sempre atrelada ao de- cotidiano um currículo afirmativo da cultura
senvolvimento político e econômico, homogeneizadora, carregado de conceitos e
A educação está intimamente ligada à política cul-
preconceitos excludentes que elegem quais os
tural. O currículo nunca é apenas um conjunto neu- saberes que tem maior ou menor valor, que
tro de conhecimentos, que de algum modo aparece merece ou não destaque como conteúdo cur-
nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é
sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da ricular. Essa nova perspectiva de inclusão dos
seleção de alguém, da visão de algum grupo acer- valores socioculturais e históricos indígenas no
ca do que seja conhecimento legítimo. É produto de cotidiano escolar abre espaço para discutirmos
tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e
econômicas que organizam e desorganizam um povo. as reais condições das relações e redes sociais
(APLLE, 2009, p.59, grifo do autor). que os povos indígenas estão inseridos.

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Maria da Penha da Silva

2 A LEI Nº 11.645/2008: de Educação Artística, Literatura e História do


propõe efetivas mudanças na abordagem da Brasil. Se deverá estar presente em todo cur-
temática indígena? rículo escolar, porque, entretanto, atribuir res-
ponsabilidade a determinadas áreas mais que
As discussões sobre a referida Lei têm em outras para inserção dos referidos conteú-
o propósito de facilitar a compreensão do dos?! Correremos o risco de permanecer com
processo de imobilidade que se encontra uma abordagem restrita, onde as demais áreas
à inserção da temática indígena no espaço se sentirão desobrigadas a vivenciá-los, ou
escolar. Observamos que seu texto trata a ainda, por outro lado, os conteúdos serem tra-
questão de forma superficial no que diz res- tados no âmbito dos temas transversais. Então
peito aos níveis de ensino no qual será es- devemos perguntar como tem ocorrido a abor-
tudada a referida temática. O Artigo citado, dagem dessa temática no âmbito do ensino das
por exemplo, assim expressa: “Nos estabele- Artes, Literatura e História do Brasil? Partindo
cimentos de Ensino Fundamental e de Ensino da observação de atividades vivenciadas em
Médio”, excluindo a Educação Infantil e Edu- algumas redes públicas municipais e na rede
cação de Jovens e Adultos como modalidades estadual de ensino em Pernambuco, percebe-
de ensino a serem contempladas. mos que a tentativa de contemplar a cultura
A Lei nº 11.645/2008 também abriga ex- afro-brasileira e indígena na área de Educa-
pressões que estão ultrapassadas nas discus- ção Artística, na sua maioria, ocorre apenas na
sões atuais e podem trazer interpretações su- ênfase em aspectos simbólicos representati-
perficiais e panfletárias, a exemplo de: “a luta vos do chamado folclore brasileiro: as danças,
dos negros e dos povos indígenas”, “resgatan- músicas e ritos, culinária, artefatos utilitários
do”, “contribuições nas áreas sociais”, “forma- ou decorativos, tudo sempre superficialmente
ção da sociedade nacional”. Essas expressões lembrado nas datas comemorativas.
dão margem a interpretações deturpadas: “a Quando se trata da Literatura, uma pri-
luta dos negros e dos povos indígenas” pode dar meira pergunta: como a literatura regional e
lugar a uma abordagem na qual esses povos nacional apresenta essa temática? De acordo
foram e continuam sendo pensados apenas com a pesquisa realizada por Silva (2008),
como vítimas permanentemente em lutas. Uma ocorreu uma abordagem preconceituosa for-
abordagem na qual não haverá espaço para a mulada por alguns escritores pernambucanos
reflexão sobre as inter-relações sociopolíticos do início do século XX, sobre as expressões
desses grupos, na convivência com os demais socioculturais indígenas no Nordeste: “Escrito-
grupos sociais no Brasil. A expressão “resga- res e vários estudiosos, como Gilberto Freyre,
tando” nos reporta a algo que está estático, Estevão Pinto, Câmara Cascudo, dentre
quando sabemos que todos os grupos humanos outros, reafirmam o desaparecimento dos in-
vivenciam processos de reelaborações sociocul- dígenas no processo de miscigenação racial,
turais contínuos. Assim é impossível conside- integração cultural e dispersão no conjunto da
rar a possibilidade de manter essa ou aquela população regional” (SILVA, 2008, p.30).
cultura como estática, capaz de ser resgatada. O pesquisador observou nos seus estudos
Já a expressão “contribuições nas áreas sociais” que os referidos escritores geralmente agre-
substitui a ideia da importante atuação desses garam nas suas obras a ideia da extinção
povos no contínuo processo sociopolítico e his- dos povos indígenas como resultado do pro-
tórico do país por uma “mera contribuição”. A cesso de “mestiçagem”, e ainda reforçaram
expressão: “formação da sociedade nacional” essa possibilidade em seus textos por meio
reforça a ideia corrente de incorporação dos dos verbos sempre empregados no pretérito.
valores socioculturais desses indivíduos no Quando os referidos autores citados por Silva
contexto nacional remetendo-nos à “teoria da (2008) se referiram aos poucos indivíduos
mestiçagem”, na qual os negros e os índios são indígenas, enfatizaram que esses não pos-
vistos como um dos elementos apenas forma- suíam mais “características típicas” dos seus
dores da sociedade brasileira. E quando é de povos, assim recebendo o nome de “rema-
interesse dos administradores dessa sociedade, nescentes, caboclos ou mestiços”. É comum
esses elementos aparecem ou desaparecem encontrar nessas obras termo como: “assi-
oportunamente da cena nacional. milação cultural”, “aculturação”, “cruzamen-
No que se refere aos conteúdos mencio- to”, esse último se refere ao relacionamento
nados na Lei, serão ministrados no âmbito de sexual entre índios e não-índios e essa ex-
todo currículo escolar em especial nas áreas pressão os remetem a animais.

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A temática indígena no currículo

Uma das obras literária que os/as profes- as profissionais interessados/as nessa dis-
sores/as por muito tempo usaram e muitos cussão, mesmo porque a formação desses/as
ainda tem como referência para suas aulas na sua maioria não permitiu ou não promo-
é O povo brasileiro de Darcy Ribeiro. O livro veu oportunidades de reflexões possibilitando
é uma tentativa de explicar a “formação do a desconstrução de alguns conceitos criados
Brasil” a partir do olhar de um antropólogo. O e registrados na História do Brasil contada a
autor trouxe importante contribuição no que partir do olhar do colonizador. É interessante
se refere às denúncias das violências contra os pensarmos sobre toda a trajetória dessa dis-
povos indígenas pelo processo de colonização, cussão: currículo, formação continuada e re-
entretanto em comum aos autores pernambu- cursos didáticos, no contexto que se propõe
canos reafirmou a ideia do extermínio progres- a Lei. É possível, portanto, transformar essa
sivo dos índios no Nordeste, justificando que realidade? Ou será mais uma “novidade” que
juntamente com as violências o processo de permanecerá só no ideário educacional?!
miscigenação sucumbiu esses povos. Sua re-
ferência aos índios enfatiza alguns grupos na 3 A HISTÓRIA INDÍGENA NO BRASIL NO
região amazônica que segundo ele mantém a CURRÍCULO NACIONAL:
quais as condições dos subsídios didáticos
identidade indígena por viverem isolados. Essa
e da formação continuada para
leitura é extremamente preconceituosa, refor-
os/as docentes?
çando o estereótipo sobre o indígena construí-
do na escola e na mídia. Segundo Sacristán (1999), devemos estar
O autor defendeu que o Brasil é uma nação atentos aos recursos disponíveis para se trabalhar
“mestiça”, onde todos/as são brasileiros/as re- a diversidade cultural, pois existe uma moldagem
sultantes da “mistura de raças”, formando uma no que propõe os conteúdos e o que se pratica em
etnia única. E para tanto ocorreu uma destruição sala de aula, sendo essa moldagem efetivada por
das diversas culturas existentes anteriormente, meio dos recursos didáticos em especial o livro,
No plano étnico-cultural, essa transfiguração se
Todos os materiais pedagógicos que são utilizados
dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unifi-
por professores e alunos são mediadores muito de-
cando, na língua e nos costumes, os índios desen- cisivos da cultura nas escolas, porque são os artífices
gajados de seu viver gentílico, os negros trazidos do que e do como se apresenta essa cultura a pro-
da África, e os europeus aqui aquerenciados. Era fessores e alunos. Ali se reflete de forma bastante
o brasileiro que surgia, construído com os tijo- elaborada a cultura real que se aprende. Esta é a ra-
los dessas matrizes à medida que elas iam sendo zão pela qual os materiais são elementos estratégicos
desfeitas. (RIBEIRO, 2010, p. 27). para introduzir qualquer visão alternativa da cultura.
(SACRISTÁN, 1999, p. 89).
A teoria da “mestiçagem” até então em
voga, fundamentou um currículo desvincula- O autor também afirmou que se faz neces-
do da realidade cultural brasileira. Como toda sário observar a forma de silenciamento das
teoria do currículo tradicional se apropriou de culturas consideradas inferiores por meio da
estratégias de dominação através da constru- exaltação da cultura dominante, nas gravuras
ção de identidades sociais que correspondiam e nos textos dos livros didáticos, como também
á ideologia da homogeneidade cultural. na mídia e nos meios de comunicação.
A questão é que quando se trata de Lite- Pensando na realidade brasileira onde
ratura Brasileira ou regional, mesmo que en- ainda temos como subsídios básicos mais uti-
contrássemos obras literárias que tenham uma lizados em sala de aula os livros didáticos, nos
abordagem significativa, onde essas estariam preocupa as formas de abordagem da história
disponíveis à comunidade escolar? Quantas bi- e culturas indígenas nos livros de História do
bliotecas escolares existem na rede pública? E Brasil. Os estudos atuais sobre os povos indí-
qual a diversidade do acervo literário que trata genas no país, “além de evidenciarem a an-
das questões relacionadas à história afro ou tiguidade da presença desses povos, tem re-
indígena? Quais instrumentos serão utilizados velado a grande diversidade e pluralidade das
pelo/a professor/a de Literatura para desen- sociedades nativas encontradas pelos coloni-
volver um estudo crítico sobre os povos indíge- zadores”. (SILVA, 2007, p. 3).
nas? Por fim, se pensarmos nos estudos dessa O avanço nas pesquisas acadêmicas tem
temática na área de História do Brasil, quais desconstruído a ideia segundo a qual índio é um
são os/as professores/as que discutem esses ser pertencente a um passado distante, enquanto
conteúdos na sala de aula de forma crítica? os livros didáticos de História do Brasil geralmen-
A exemplo dos estabelecimentos em que te nos ensinam que os colonizadores europeus
trabalhamos, observamos que são poucos os/ foram “conquistadores” e que os negros foram

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Maria da Penha da Silva

escravos “apenas vítimas”. Não aparecem os informações e dados estatísticos ultrapassa-


conflitos, as mobilizações e demais estratégias de dos. Outro aspecto importante é a ênfase dada
resistências negras na sociedade escravocrata. E aos povos indígenas na região amazônica; são
os índios, ora aparecem como povos de cultura poucas as informações sobre povos indígenas
comum entre si, como se todos se comportassem no Nordeste, assim reproduzindo a antiga ideia,
igualmente, não importando qual a região habi- como vimos tão evidenciadas pelos estudos li-
tavam ou qual o seu povo, ora eram “pacíficos”, terários e em algumas pesquisas acadêmicas
“inocentes” e “incapazes”, necessitados de prote- regionais, que não existem índios no Nordeste.
ção e tutela do Estado. Outras vezes, A coleção Indagações sobre o currículo é
Mesmo quando afirmam que os índios não foram outro subsídio distribuído pelo MEC às unidades
passivos diante da colonização, alguns autores não escolares públicas, trazendo dentre outros os
deixam de atribuir a eles uma idéia de demérito. Em
textos “Currículo, conhecimento e Cultura” e “Di-
muitos casos, a agência indígena é apresentada na
figura daqueles que lutaram contra outros índios ou versidade e Cultura”, com conteúdos atuais que
negros, formando bandeiras ou atuando como capi- servem como ponto de partida para uma discus-
tães do mato. (GOBBI, 2006, p. 73).
são sobre a inserção dessa temática na escola. A
A pesquisadora ainda ressaltou na sua exemplo do que expressou uma das autoras,
pesquisa a ênfase que os livros didáticos dão A incorporação da diversidade no currículo deve ser
à valorização da cultura europeia as “grandes entendida não como uma ilustração ou modismo. An-
tes, deve ser compreendida no campo político e ten-
invenções”, as ciências e medicina, enquanto so no qual as diferenças são produzidas, portanto,
no que se referem a outros povos tudo parece deve ser vista como um direito. Um direito garantido
uma “contribuição inferior” e apenas folclórica. a todos e não somente àqueles que são considerados
diferentes. (GOMES, 2008, p.30).
Iniciamos em 2009 uma análise de alguns
livros didáticos de História indicados e usados No trabalho citado, os questionamentos ao
para o Ensino Fundamental I e II em algumas trato dado à diversidade cultural na escola foram
escolas públicas na Cidade do Recife, e per- feitos com afirmações coerentes sobre a reali-
cebemos que apesar das pesquisas acadêmi- dade atual. Já Moreira e Candau (2008), na dis-
cas afirmarem avanços significativos no olhar cussão sobre currículo, conhecimento e Cultura,
sobre o índio, atualmente muitos livros con- entre outros aspectos, destacaram a preocupa-
tinuam reproduzindo as mesmas imagens ção com as formas como determinados conteú-
de tempos passados, a exemplo de algumas dos aparecem ou não nos livros didáticos,
gravuras encontradas em livros didáticos do Ao observarmos com cuidado os livros didáticos,
Ensino Fundamental I que aparecem descon- podemos verificar que eles não costumam incluir,
entre os conteúdos selecionados, os debates, as
textualizadas, isoladas, desconexas. discordâncias, os processos de revisão e de ques-
Dos livros analisados, em um dos tópicos tionamento que marcam os conhecimentos e os
se fazia referências às brincadeiras infantis saberes em muitos de seus contextos originais.
(MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 23).
de diferentes grupos humanos. Na gravura
que representa as brincadeiras das crianças Além dessa observação os/as autores/as
indígenas, encontramos a seguinte cena: um propõem que devemos questionar o porquê do
grupo de crianças do sexo masculino seminus silenciamento e o que fazer para mudar.
tomando banhos de rio, outras pulando de Como havíamos observado, os subsídios di-
uma árvore para outra junto com um pequeno dáticos vêm carregados de conteúdos com sig-
macaco. Não há identificação de qual povo in- nificados que precisam ser analisados e questio-
dígena são aquelas crianças. A impressão que nados. Porém, uma das muitas dificuldades no
essa imagem transmitiu é que as crianças indí- ambiente escolar objetivando um melhor apro-
genas são tão selvagens quanto o animal que veitamento crítico dos poucos subsídios didáticos
aparece junto a elas! oferecidos está em reunir tempo e lugar apro-
O Ministério da Educação (MEC) enviou priado para que os/as docentes possam estabe-
recentemente às escolas públicas mais uma lecer momentos de estudos e discussões sobre
coleção de vídeos da TV Escola. E nessa coleção o conteúdo desses subsídios, sem que haja pre-
encontramos alguns conteúdos que se aproxi- juízos para o cumprimento dos dias letivos. Uma
mam de uma tentativa possível de iniciarmos das principais preocupações diz respeito às es-
um diálogo sobre a diversidade étnica e cultural tratégias pedagógicas desenvolvidas no âmbito
no ambiente escolar. A citada coleção foi produ- escolar para realização desses estudos.
zida no ano de 2006, ou seja, dois anos antes Faz-se necessário a formação continua-
da Lei nº 11.645/2008 e distribuída para as da dos/as educadores/as sistematicamente
escolas quatro anos depois! Significa que trouxe dentro do ambiente escolar, como meio de

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A temática indígena no currículo

superar as desinformações generalizadas por Outros elementos estavam expostos de


parte desses profissionais sobre a temática in- forma exótica (folclórica): eram pratos com
dígena (e afro), pois continuam reproduzindo comidas consideradas “típicas” dos povos indí-
os conhecimentos adquiridos na trajetória da genas como o beiju, tapioca, macaxeira, peixe
sua formação acadêmica, acarretando visíveis assado, etc. Peças de cerâmicas pintadas com
e sérios prejuízos para a formação de cidadãos tintas usadas para peças artesanais populares
que deveriam tornar-se conscientes e críticos. em geral. Tratava-se de uma tentativa de re-
Como constatação dessa realidade, re- presentar a cultura material indígena. O grupo
latamos o exemplo de uma exposição que de estudantes que expunha esse material in-
visitamos recentemente em uma cidade do formou da intenção em reproduzir artefatos de
interior do Estado de Pernambuco, onde acon- cerâmicas, que se reportassem às peças en-
tecia uma feira agro-ecológica municipal. Na contradas em civilizações indígenas antigas.
ocasião, uma escola pública local “orgulho- Perguntamos se o povo indígena do Cacique
samente” homenageava o falecido Cacique homenageado possui a prática de confeccionar
“Xicão Xukuru” (o povo indígena Xukuru do peças em cerâmica, responderam negativa-
Ororubá habita os municípios de Pesqueira e mente. E mais uma vez afirmaram se tratar de
Poção, na região do Agreste Pernambucano). uma prática do passado.
Na citada exposição observarmos o produto Diante daquela situação, constatamos que
das desinformações, resultando em muitas o conhecimento sobre os povos indígenas dis-
abordagens deturpadas e representações fol- cutido nas salas de aula naquela escola, ainda
clorizadas sobre os povos indígenas. se detém às práticas passadas e não se in-
Na referida exposição havia muitos traba- vestigou quais os atuais processos e relações
lhos e notava-se um esforço grande em envol- socioculturais vivenciadas pelos povos indíge-
ver todas as modalidades de ensino da escola. nas, sobretudo os Xukuru do Ororubá ali sendo
Vimos produções de crianças e adultos, mas lembrados. O espaço reservado à história do
todas voltadas para um só olhar: a representa- referido povo foi reduzido a alguns artefatos:
ção do índio “selvagem”, de tanga e flecha em barretinas (adorno para cabeça feito de palha,
punho. Algumas crianças, pintadas nos rostos usadas pelo povo Xukuru) e flechas, além
e nos corpos, com uma espécie de vestuário de fotos da visita a uma das aldeias Xukuru,
feito de sacos de nylon e que se propunham embora não existisse uma legenda informando
a representarem os indígenas mais se asse- qual aldeia, e recortes de notícias sobre as mo-
melhavam com mendigos do que com índios! bilizações reivindicatórias periódicas ou anual-
Espalharam muitos cartazes com cópias de mente promovidas pelos Xukuru do Ororubá.
gravuras de subsídios didáticos onde as re- A referida exposição culminou com a apre-
presentações são sempre dos povos indígenas sentação um tanto folclorizada de um pequeno
como seres exóticos. Várias maquetes repre- grupo de índios Xukuru, que fizeram uma
sentavam pequenas aldeias, não identificadas, rápida apresentação de danças “típicas”, com
onde as figuras humanas eram índios guerrei- todos os participantes caracterizados. Lamen-
ros e do sexo masculino, ou seja, em nenhum tavelmente não houve uma fala sequer sobre a
dos trabalhos aparecia a figura feminina. história daquele povo, bem como o significado
Numa dessas maquetes, as moradias que das danças. Observamos que o público ali pre-
compunham o cenário eram típicas dos antigos sente concebia aqueles indivíduos como seres
povos indígenas norte-americanos. Outras alienígenas. Finda a apresentação, muitas das
eram compostas por representações de “ocas” pessoas pousavam para fotos ao lado daqueles
como única forma de moradia dos povos indí- seres “exóticos”, vistos e nomeados generica-
genas no Brasil, revelando um desconhecimen- mente apenas como “os índios”.
to da diversidade entre eles e seus padrões Reconhecemos o grande empenho, os es-
socioculturais. O mais interessante era que forços, a dedicação e o entusiasmo por parte
os “guerreiros indígenas”, com suas flechas da equipe gestora, corpo docentes e discentes
em punho, haviam capturado ursos pandas e daquela escola para vivenciarem e apresenta-
os mantinham em um cercado de madeira no rem a história e a cultura indígena. Mas, o que
centro da aldeia, representando a prática da ocorreu foi uma abordagem superficial e com
caça, como algo comum a todos os povos in- muitos equívocos. Com a proposta de home-
dígenas. Não existem registros da existência nagear o falecido Cacique “Xicão Xucuru” e o
do habitat desse animal asiático no território povo Xukuru do Ororubá, a temática indígena
brasileiro! Imaginemos em Pernambuco! além de generalizada, foi apresentada de forma

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Maria da Penha da Silva

fragmentada e ao mesmo tempo gerando um 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS


amontoado de informações desconexas. Seria
mais proveitoso se a abordagem tivesse se Compreendemos que discutir a inclusão
detido exclusivamente sobre a história socio- da diversidade cultural no currículo escolar é
político da figura homenageada e seu povo, antes de tudo reconhecer as especificidades
assim reduziria o risco de se tornar uma abor- inerentes a determinados grupos humanos. É
dagem meramente folclórica. Segundo Olivei- direcionar um olhar diferente do que ocorria no
ra (2003), é comum encontrarmos abordagens currículo anterior, nos aspectos relacionados a
semelhantes às formas descritas acima, gênero, crenças, etnias, etc. É necessário en-
tender que não diz respeito apenas em buscar
A preocupação docente em enriquecer a aula e tor-
nar mais fácil e real a teoria tem sido um campo exercer “a tolerância” em sala de aula, ou re-
no qual discretamente a supremacia social e cultu- alizar “breves visitas” à cultura do outro, ou
ral é estabelecida. Além disso, a escola freqüente-
ainda “contemplar” minorias que estavam ex-
mente se utiliza de artefatos culturais de “outras”
culturas para acentuar, frisar, a “diferença”. Assim, cluídas ou mal representadas nesse currículo.
ao utilizar utensílios da cultura indígena para tornar Porém, pensamos que a dificuldade maior está
concreta a prática pedagógica, a escola transpõe o
em desenvolver um processo de construção do
significado de instrumentos de trabalho e práticas
culturais mostrando-as como instrumentos lúdicos, conhecimento dos/as docentes em relação à te-
decorativos e, às vezes, ludopedagógicos, além de mática indígena, tendo em vista que a maioria
marcá-los como pertencentes a uma cultura “exóti-
das instituições formativas desses profissio-
ca”. (OLIVEIRA, 2003, p. 31).
nais, apresentadas aqui nesse texto, ainda
A autora indicou a necessidade de uma não dispõe de pessoas qualificadas para tratar
abordagem desse conteúdo de forma que do assunto aqui citado. Sendo assim torna-se
discuta as relações interculturais, vinculadas difícil a efetivação de um currículo democráti-
as relações interpessoais dos indivíduos no co, o qual viabilize espaços que favoreçam o
processo de convivência familiar e social ine- reconhecimento da diversidade e uma convi-
rente a todo e qualquer grupo humano. vência respeitosa baseada no diálogo entre os
É necessário discutir então, em quais diferentes atores sociopolíticos, oportunizando
as condições, em que espaço escolar e seus igualmente o acesso e a socialização dos múl-
agentes educadores encontram-se para con- tiplos saberes. Pretendemos dar continuidade
duzir a inclusão da temática indígena no cur- a essa pesquisa ampliando a análise bibliográ-
rículo e a quem realmente interessa que essa fica e dos subsídios didáticos, entrevistando
abordagem ocorra da forma apresentada. docentes, coordenadores pedagógicos e ges-
O que dizer do Estado de Pernambuco onde tores sobre a inserção da referida temática no
são conhecidos atualmente 11 povos indíge- espaço escolar.
nas e que mantém um sistema educacional
público nas escolas para não-índios, no qual REFERÊNCIAS
professores/as ministram aulas em disciplinas
para a qual não são habilitados/as a lecioná- APPLE, Michael W. A política do conheci-
-las (a exemplo da disciplina equivocadamente mento oficial: faz sentido a idéia de um
chamada “Educação indígena”, quando deveria currículo nacional? In: MOREIRA, Antonio
ser “Educação Escolar Indígena”, pois sobre Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.).
Educação indígena quem tem méritos para Currículo, cultura e sociedade. 11. ed. São
tratar são os próprios índios!)?! Paulo: Cortez, 2009.
Nessa tão conhecida situação, muitas BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
escolas se deparam com docentes que em República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
final de carreira profissional, sem nenhuma Senado Federal, 2008.
experiência sobre o assunto, estão ministran- ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
do a disciplina “Educação indígena” no Curso de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
Normal Médio (antigo Magistério). São em sua educação nacional. Brasília, DF, 20 dez. 1996.
grande maioria professoras que se negam a Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ler, a estudar e aprofundar seus conhecimen- ccivil_03/LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 14
tos para lecionar sobre a temática indígena. O set. 2009.
que podemos esperar dos/as futuros/as pro- CARVALHO, Rosângela Tenório de. Discursos
fessores/as formados/as nesses cursos, que pela intercultural idade no campo curricular
vão atuar no Ensino Fundamental e continuar da educação de jovens e adultos no Brasil nos
reproduzindo as mesmas visões equivocadas? anos 1990. Recife: Bagaço, 2004.

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A temática indígena no currículo

GOBBI, Izabel. A temática indígena e a OLIVEIRA, T. S de. Olhares que fazem a


diversidade cultural nos livros didáticos de “diferença”. Revista Brasileira de Educação,
História. 2006. Dissertação (Mestrado em Campinas, n. 22, p. 25-34, jan./abr. 2003.
Ciências Sociais) – São Carlos, Universi- RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 7. ed. São
dade Federal de São Carlos, São Carlos, Paulo: Companhia das Letras, 2010.
2006.
SACRISTÁN, J. Gemeno. Currículo e diversi-
GOMES, Nilma Lino. Diversidade e cur- dade cultural. In: SILVA, T. T.; MOREIRA, A.
rículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, F. B. (Org.). Territórios contestados. 3. ed.
Sandra D.; NASCIMENTO, A. R. do (Org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
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MEC, 2008. SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história
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MOREIRA, Antonio. Flávio B.; CANDAU, PE), 1959-1988. 2008. Tese (Doutorado em
V. M. Conhecimento e cultura. In: BEAU- História) – Universidade Estadual de Campi-
CHAMP, Janete; PAGEL, Sandra D.; NASCI- nas, Campinas, 2008.
MENTO, A. R. do (Org.). Indagações sobre
______. História, povos indígenas e Educa-
currículo. Brasília, DF: MEC, 2008.
ção: (re)conhecendo e discutindo a diversida-
MOREIRA, Antonio Flávio B.; SILVA, Tomaz de cultural. In: ENCONTRO PERNAMBUCANO
Tadeu da (Org.). Currículo, cultura e socie- DE ENSINO DE HISTÓRIA, 1., 2007, Recife.
dade. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2009. Recife, 2007. 11p.

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