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Direito Processual Penal Aplicado
Direito Processual Penal Aplicado
PENAL APLICADO
autora
GISELA VASCONCELOS ESPOSEL
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.
Da confissão 85
Classificação da confissão 85
Características da confissão 86
Do valor probatório 86
Da delação ou chamamento do correu 87
Delação premiada 87
Da prova testemunhal 88
Classificação das testemunhas 89
Características 89
Momento para arrolar as testemunhas 89
Da dispensa / isenção do dever de depor 90
Testemunho de policiais 91
Da inquirição das testemunhas 91
Da acareação 94
Da prova documental 95
Da prova indiciária 96
Prezados(as) alunos(as),
7
abordamos a delação premiada, prova testemunhal, pericial, a acareação, a prova
documental e indiciária.
Por fim, encerramos nossa obra falando sobre a prisão processual, ou seja, a
prisão efetuada no curso do processo, que não se confunde com a prisão decor-
rente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Neste ponto,
estudamos a prisão em flagrante e a prisão temporária, esta última prevista na Lei
7960/89.
Ainda no último capítulo, vamos tratar sobre a intervenção corporal, a par-
ticipação do indiciado na fase da investigação criminal, tendo como princípio
norteador o direito a não produzir provas contra si mesmo, ou seja, nemo tenetur
se detegere.
Bons estudos!
1
Sistemas
processuais
penais: acusatório,
inquisitivo e misto
Sistemas processuais penais: acusatório,
inquisitivo e misto
Neste capítulo, vocês irão aprender quais são os sistemas processuais apresen-
tados pela doutrina, suas características e peculiaridades. Sistemas processuais são
concepções teóricas a respeito de uma realidade, de uma experiência real sobre
como administrar as questões penais.
Em outras palavras: O que fazer quando se tem a notícia de um crime?
Como dar a resposta ao cidadão? O sistema processual adotado será crucial para
tais indagações!
Também irão analisar os princípios constitucionais informadores do processo
penal. Deve-se reconhecer a importância da integralização dos princípios como úni-
ca forma de se assegurar um processo justo e garantista. Princípios são mandamentos
de um sistema. Muitas vezes, as respostas para determinadas questões que surgem no
curso de um processo penal encontram-se nos princípios que o informam.
OBJETIVOS
Identificar os sistemas processuais penais e suas características. Distinguir as diferenças
entre os sistemas penais, bem como reconhecer a importância da adoção de um sistema
penal acusatório como forma de se garantir um processo justo.
Analisar os princípios processuais penais e a importância da integralização para a for-
mação de um processo garantista, em que se desenvolva à luz da Constituição da República.
capítulo 1 • 10
Já a forma inquisitorial, segundo o autor, pertence principalmente ao siste-
ma monárquico, com um poder ativo, central, no qual ordena a perseguição dos
crimes no interesse da segurança e da ordem pública, sendo o processo penal um
simples negócio de administração.1
Verifica-se no sistema inquisitorial que a decisão das causas será entregue a
juízes nomeados pelo poder central, mas esses deverão seguir as instruções pelo
legislador. O alvo final é a prova da verdade material em sua mais completa expres-
são. E o caminho em busca da verdade será percorrido em silêncio.
Difere, portanto, do processo acusatório, em que a acusação é formulada pu-
blicamente pelo acusador e o juiz não tem necessidade alguma de provocar uma
confissão. A máxima que orienta todo o processo de acusação é a de que a prova
incumbe ao acusador, não havendo a necessidade de fazer da confissão do réu o
fim das investigações do juiz. Ademais, o juiz não pode ser instituído pelo sobera-
no sob pena de incorrer em desconfiança pública.
A sociedade somente confiará o “poder temível” de decidir sobre os direitos
mais sagrados dos cidadãos os defensores vigilantes e zeladores das liberdades.
A administração das provas será feita inteiramente perante o juiz e a sociedade
tomará parte imediata no resultado, eis que o processo é público e o debate oral.2
É importante que você saiba que, inicialmente, o sistema acusatório era priva-
do , não havendo ação pública, cumprindo às partes pesquisarem e produzirem as
3
provas das suas alegações. Não havia ninguém representando a sociedade, o grupo,
o poder, ou quem detém o poder encarregado de fazer acusações contra os indiví-
duos. Somente com o dano, ou ao menos que alguém se apresentasse como vítima
de um dano e designasse um adversário haveria um processo de ordem penal.4
1 MITTERMARYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Traduzido por Alberto Antonio Soares. Livraria do
Editor, 1871. p. 60-61.
2 MITTERMARYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Traduzido por Alberto Antonio Soares. Livraria do
Editor, 1871. p. 65.
3 Conforme Aury Lopes, na accusatio, a acusação era assumida espontaneamente por um cidadão do povo, na qual
se destacam algumas características: a atuação dos juízes era passiva, mantinham-se afastados da iniciativa e gestão
das provas; as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas; a acusação era por escrito e
indicava as provas; havia contraditório e direito de defesa;os julgamentos eram públicos, com os magistrados votando
ao final sem deliberar. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013, p.107-108.
4 Na lição de Foucault “o que caracterizava uma ação penal era sempre um espécie de duelo, de oposição entre
indivíduos, entre famílias ou grupos. Não havia intervenção de nenhum representante da autoridade.” FOUCAULT,
Michel. A verdade e as formas jurídicas. Traduzido por Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio
de Janeiro: Nau, 1996, p.56.
capítulo 1 • 11
Almeida Júnior exemplifica tal fato ao relatar que o primeiro ato do processo era
a denúncia do fato criminoso e do delinquente feita perante um dos magistrados. O
acusador privado expunha a denúncia, o magistrado exigia os indícios, testemunhas
ou outras provas que houvesse, dava juramento ao acusador e designava o tribunal
competente, convocando os cidadãos que deviam servir de juízes, fazia-lhes prestar
juramento de julgar segundo as leis, invocando até mesmo, a vingança dos deuses
sobre sua raça se as infringissem, fixando, em seguida, o dia do julgamento.
Antes desta data, a exposição da acusação era publicamente afixada no pretó-
rio, com a finalidade de provocar o aparecimento de provas para destruí-la ou for-
tificá-la. Se o acusado era condenado, eram logo tomadas medidas para a execução
da sentença, e se fosse absolvido, procedia-se ao exame da conduta do acusador.5
No entanto, essa forma jurídica foi aos poucos desaparecendo, mostrando-se
insuficiente para as necessidades advindas da modificação do ambiente nas socie-
dades, para a repressão dos delitos, sendo certo que a persecução deixada nas mãos
dos particulares comprometia o próprio combate à delinquência, tornando-se im-
periosa uma ordem jurídica condizente com os novos tempos. Essa transformação
ocorreu paulatinamente, do século XII até o XIV, quando o sistema acusatório
privado foi substituído pelo inquisitorial.
Verificou-se também que a acusação feita pela parte privada era muitas vezes
inspirada por vingança. Segundo Almeida Júnior, transportava-se a ação pública das
mãos das partes para as do juiz, com o poder de dirigir e provocar ex officio os atos
da instrução, essencialmente secreto não pesando qualquer responsabilidade sobre
o inquiridor.
A acusação também se transformou, sendo abandonadas as formas romanas.
Estabelecido o processo escrito, a acusação formal da parte ou da justiça, por um
promotor, só foi estabelecida para depois que a formação da culpa, feita inquisi-
torialmente, em processo sumário, iniciado ou por inquirição secreta nos casos
de devassa, ou por querela do ofendido, ou de qualquer do povo, ou por simples
denúncia de crime público, estivesse encerrada. Somente a partir daí, seguia-se um
processo aberto e ordinário.6
Assim, a atividade persecutória, tarefa até então destinada aos particulares,
com a implementação da inquisição, passou ao encargo da Igreja e do Estado.
Dispensou-se o impulso do acusador, agindo o juiz independentemente de provo-
cação, apresentando a acusação e também proferindo a sentença.
5 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.25.
6 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.227.
capítulo 1 • 12
Do sistema inquisitorial e suas características
capítulo 1 • 13
Nesse sentido, a lição de Luigi Ferrajoli:
10 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.227.
capítulo 1 • 14
É certo que os abusos desnaturaram a instituição causando até mesmo males
superiores aos benefícios, porém, a consequência não poderia ser a abolição do sis-
tema, mas sim a criação de cautelas para o seu aproveitamento. Com isso, desde o
século XVIII, as nações em sua maioria trataram de adotar um sistema misto, em
que os direitos individuais se harmonizassem com as exigências da defesa social.11
Combinavam-se, portanto, as vantagens de ambos os sistemas. Do sistema
acusatório retirava-se a imparcialidade do órgão julgador e do inquisitorial apro-
veitava-se a oficialidade da persecução garantindo maior efetividade no que con-
cerne à punição dos autores.
Verificamos, inicialmente, que o Estado não possuía exclusividade no exercí-
cio da pretensão punitiva, sendo que os próprios particulares exerciam tal ativi-
dade. Somente com a supressão da vingança privada que surge para o Estado o
direito de punir.
Nesse diapasão, Aury Lopes12 afirma que “ao suprimir a vingança privada e
avocar o poder de punir, nasce o processo penal como caminho necessário para
que o Estado legitimamente imponha uma pena”.
O Código de Processo Penal de 1941 nasceu em um momento em que era nítida a
característica repressiva e autoritária, viabilizando práticas arbitrárias em que se adotava
o sistema inquisitorial. Esse Código, como vimos, vigora até os dias atuais com algu-
mas modificações pontuais, mas defasado pelo decurso do tempo e em suas ideologias.
A Constituição da República de 1988 foi um marco diferenciador e, por isso,
para que possamos dar verdadeira aplicação ao Código deve ser feita uma releitura
à luz da própria Constituição e, enfim, adaptarmos ao sistema processual adotado.
11 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.229.
12 Ibidem, p.56-57.
capítulo 1 • 15
Para exemplificarmos, podemos citar o artigo 129, inciso I, da citada
Constituição, haja vista o caráter obrigatório de propositura de ações penais no caso
das ações públicas e das públicas condicionadas à representação; o artigo 5º, LIX,
que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa; e, também no artigo 5º,
LVII, que dispõe sobre o princípio da presunção da inocência.13
Ao formalizar a separação concreta dos poderes de acusação, defesa e julga-
mento, assegurando a independência das partes, a Constituição identifica o siste-
ma acusatório no processo penal.
Do sistema misto
Entretanto, a questão não é tão simples quanto possa parecer. Alguns autores
alegam que a existência do inquérito policial na fase pré-processual é indicativa de
que o sistema vigente seria o misto.
Tornaghi14 aponta que o Direito Brasileiro segue um sistema que, com maior
razão, se poderia denominar misto, pois a apuração do fato e da autoria é fei-
ta no inquérito policial, enquanto o processo judiciário, em suas linhas gerais,
é acusatório.
Tucci15 também defende a tese do sistema misto, ao afirmar que o processo
penal delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade; e, formal-
mente, no tocante ao procedimento desenrolado na segunda fase da persecução
penal, acusatório.
Também na visão de Nucci,16 o sistema adotado no Brasil, embora não oficial-
mente, é o misto. Para o autor, são dois os enfoques a serem observados: o cons-
titucional e o processual. A Constituição prevê princípios que regem o sistema
acusatório, porém o nosso processo penal (procedimentos, recursos, provas etc.) é
regido por código específico, que data de 1941 e, por isso, com uma nítida ótica
inquisitiva, concluindo-se, portanto, que “o encontro dos dois lados da moeda
resultou no hibridismo que temos hoje”.
13 Constituição da República. Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover,
privativamente a ação penal pública, na forma da lei; artigo 5º, LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação
pública, se esta não for intentada no prazo legal; LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória;
14 TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977, p.20.
15 TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.49.
16 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p.122.
capítulo 1 • 16
Apesar dessa controvérsia, é difundido na doutrina que o fator diferencial
entre o sistema acusatório e o inquisitório estaria centrado na gestão da prova.
Ou seja, o que efetivamente diferencia o sistema acusatório do inquisitivo seria a
posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova.17
Assim, entende-se a priori ser a gestão da prova o diferenciador entre os sis-
temas acusatório e inquisitório, indicado até mesmo pelo próprio conceito de
sistema processual.
Em contrapartida, há quem sustente que, embora todos os sistemas sejam
mistos, não existe um princípio fundante misto, na essência será inquisitório ou
acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo.
O sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo, de instrução e
conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material, ao passo que, no
sistema acusatório, a gestão da prova está nas mãos das partes, regendo-se pelo
princípio dispositivo.18
Nessa linha, Coutinho19 afirma que, no processo penal, o sujeito deve conhe-
cer, ter acesso e domínio quanto ao fato criminoso, o que se dá pela reconstituição
precipitada, ou seja, pelo método adotado. No entanto, o autor ressalta que o fim
do sistema ressignifica o seu princípio unificador, revestido de colorido diferente
nos dois sistemas conhecidos. Assim, o princípio unificador será inquisitivo, se o
sistema for inquisitório; e será dispositivo, se o sistema for acusatório.
Enfim, encontrar a melhor qualificação para o sistema processual não é tarefa
fácil, até mesmo pelo fato de o Código de Processo Penal datar de 1941 e a nossa
Constituição ser de 1988. Porém, nesse aspecto, o que existe de relevante é que, a
partir da Constituição, o processo penal deve ser regido pelo princípio democrático.
REFLEXÃO
Como você pode observar, para alguns autores a gestão da prova seria o diferenciador
entre os sistemas acusatório e inquisitório. Sendo assim, qual o seu posicionamento sobre a
atividade probatória do juiz tanto na fase preliminar quanto no curso do processo?
Em outras palavras a atividade probatória do juiz no processo penal viola o sistema acu-
satório implicitamente assegurado no artigo 129, inciso I da Constituição da República?
17 FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.30.
18 LOPES JÚNIOR, op. cit., p.124.
19 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado.
Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194935>.
capítulo 1 • 17
Utilize como ferramenta de reflexão o artigo 156 e incisos do Código de Processo Penal.
Também indico para leitura o artigo do autor Mauro Fonseca Andrade, “A atividade probatória
ex officio judicis na recente Reforma processual Penal”. Disponível em: <www.paginasde-
processopenal.com.br>.
Dos princípios gerais este é o mais importante. Todos os demais princípios são
corolários deste. Devem ser respeitadas todas as formalidades previstas em lei. É
uma garantia dada ao cidadão de que seus direitos são respeitados.
O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil,
dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro-
cesso legal”, sendo pela primeira vez positivado na ordem jurídico-constitucional
brasileira. A origem do postulado remonta à Magna Carta inglesa, de 1215, no
artigo 39, imposta pelos barões feudais ao Rei João Sem Terra.20
Com efeito, o Rei John, ao assumir a coroa, passou a fazer várias imposições
decorrentes de sua tirania, tais como exigir tributos elevados, fazendo com que os
barões se insurgissem. Enfim, o Rei não resistiu às pressões e acatou os termos de
uma declaração de direitos denominada de Magna Carta, comprometendo-se a
obedecer certas cláusulas, dentre elas a do devido processo legal.
É curioso anotar que a exigência do julgamento, segundo a lei do país ou da
terra, constitui-se no antecedente histórico da expressão mais comum no mundo
jurídico, consagrada pelo Direito norte-americano, due process of law21. Destarte,
sempre se entendeu que as expressões eram sinônimas e, por fim, o due process
of law passou ao Direito norte-americano, incorporado em sua Constituição, na
5ª (1791) e 14ª (1868) emendas22, sendo essa disposição praticamente reproduzi-
da em nossa Constituição Brasileira de 1988, que incorporou o devido processo
legal no sistema jurídico brasileiro, nos seguintes termos: “Art. 5º (..), inciso LIV
– ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
20 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Editora, 1999, p.11.
21 LIMA, Maria Rosynet Oliveira. Devido Processo Legal. 1999, p.31.
22 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição. Princípios Constitucionais do
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.140.
capítulo 1 • 18
Segundo a doutrina, embora a garantia do devido processo legal tenha surgido
com índole eminentemente processual, adquiriu uma dimensão material, ou seja,
um relevante aspecto material.
O princípio, para Rogério Lauria Tucci23, é entendido como a exigência de
processo legislativo regular, bem como razoabilidade e senso de justiça, com nor-
mas enquadradas nos preceitos constitucionais (substantive due process of law), a
face substancial do devido processo legal; a aplicação judicial das normas jurí-
dicas, através do instrumento hábil que é o processo (judicial process). Por fim, o
autor ressalva a paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial.
Humberto Dalla24 também apresenta as duas modalidades do devido proces-
so legal. O substantive due process of law representa a garantia do trinômio vida,
liberdade e propriedade. É necessário que a decisão seja substancialmente razoá-
vel, assim não basta a regularidade formal da decisão, e dessa garantia surgem os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Já o procedural due process of
law é a garantia do pleno acesso à justiça, o direito a ser processado e processar de
acordo com as normas estabelecidas previamente.
Com razão, o processo penal cuida da liberdade do indivíduo, e os procedimentos
ali previstos são essenciais para a imposição da pena privativa de liberdade ou restritiva
de direitos. Assim, o devido processo legal obtém o seu aporte inicial no campo dos in-
teresses contidos na liberdade do indivíduo, para mais tarde verificar que a obediência
à cláusula se fazia necessária também no campo administrativo, civil etc.
É certo que ambos os aspectos são importantes para o presente estudo. Far-se-á
uma análise do processo penal democrático, efetivo e justo, que garante os direitos
fundamentais assegurados na nossa Constituição, à luz do devido processo legal.
Desse modo, em seu aspecto processual, significa que o processo penal deve re-
sultar em oportunidades iguais às partes, com possibilidade de ampla defesa, obser-
vância do contraditório, juiz natural, imparcial, presunção de inocência, fundamen-
tação das decisões. Enfim, é uma garantia do indivíduo, um direito fundamental.25
23 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos
tribunais, 2011, p.61.
24 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. v.1. São Paulo: Saraiva, 2012, p.91.
25 Um Estado de Direito é hoje um Estado de Direitos Fundamentais onde se reconhece aos cidadãos a defesa de sua
autonomia pessoal, invocando direitos políticos fundamentais contra as leis e outros atos do poder público. CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra (PT): Editora Almedina, 1998, p.449.
capítulo 1 • 19
São garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal. Nota-se que
o próprio Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre sua aplicabilidade ao
campo penal:
O exame da cláusula referente ao due process of Law permite nela identificar alguns ele-
mentos essenciais a sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional,
destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas:
direito ao processo, direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação, direito a
um julgamento público e célere, sem dilações devidas, direito ao contraditório e à plenitude
de defesa, direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto, direito
à igualdade entre as partes, direito de não ser processado com fundamento em provas re-
vestidas de ilicitude, direito ao benefício da gratuidade, direito à observância do princípio do
juiz natural, direito ao silêncio, direito à prova, direito de presença e de participação ativa nos
atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.26
EXEMPLOS
1. Artigo 386, inciso VII do CPP em que na dúvida não se condena, na dúvida se absolve.
O legislador fez uma opção pró acusado.
2. Artigo 617 CPP em que se proíbe a Reformatio in pejus (reforma para piorar a
situação do acusado) em recurso exclusivo da defesa.
26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.94.016-SP. Relator: Ministro Celso de Mello.
capítulo 1 • 20
Conforme o dispositivo legal, em sua parte final “... não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. Portanto, se o acusado for con-
denado a uma pena privativa de liberdade de 7 anos de reclusão, por exemplo, se somente a
defesa recorrer visando a melhoria da situação do réu, não pode o Tribunal, ao julgar o recur-
so de Apelação interposto pela defesa, negar provimento ao mesmo e fixar uma reprimenda
maior do que a fixada pelo juízo da condenação.
3. Artigo 621 e incisos do CPP que trata da ação de revisão criminal. É uma ação autôno-
ma de impugnação, somente admitida de processos findos, leia-se com trânsito em julgado,
e de sentença condenatória. Assim, a sentença absolutória no processo penal faz coisa so-
beranamente julgada, pois ainda que se descubram novas provas de culpa do acusado, não
poderá o Ministério Público ajuizar a ação de revisão criminal.
A razão de ser da vedação da revisão pro societate fundamenta-se na necessidade de se
preservar o cidadão sob acusação de possíveis desacertos ocorridos na persecução penal
e para que se tenha maior cuidado dos órgãos estatais no desempenho de suas funções.27
4. Artigo 609 e parágrafo único do CPP que disciplina a possibilidade de somente a
defesa opor embargos infringentes e de nulidade. Trata-se de um recurso privativo da defesa,
quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, ou seja, deci-
são por maioria desfavorável ao acusado.
Exemplo: João foi condenado pelo juiz de primeiro grau e interpõe recurso de apelação,
alegando como tese defensiva a negativa de autoria. No julgamento do recurso, dois desem-
bargadores negam provimento confirmando a sentença proferida pelo juiz, e outro Desem-
bargador (voto vencido) acolhe o pleito defensivo. A decisão foi por maioria, ou seja, não
unânime, desfavorável à defesa. Nesta hipótese, poderá entrar com Embargos Infringentes,
objetivando a ampliação do julgamento e uma possível inversão do mesmo.
Contraditório
27 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p.49.
capítulo 1 • 21
ATENÇÃO
São princípios distintos. O exercício do contraditório possibilita a ampla defesa.
Segundo o dispositivo “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusi-
vamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”.
Sendo assim, só há que se falar em prova produzida em contraditório judicial,
ou seja, durante o processo. Já na primeira fase preliminar (inquérito policial), o
que temos são meros atos de investigação ou elementos informativos.
Assim, predomina na doutrina29 o entendimento de que, durante essa primei-
ra fase, não há que se falar em acusado, réu, nem, portanto, em contraditório e
28 TAVORA, Nestor; RODRIGUES ALENCAR, Rosmar. Curso de Processo penal. 6. ed. Bahia: Jus Podium, 2011, p.111.
29 Nesse sentido: TOURINHO Filho. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p.68; SCARANCE,
Fernandes, Processo penal constitucional. São Paulo: Editora RT, 2012, p.70; MARQUES, Frederico. Tratado de direito
penal. São Paulo: Saraiva, 1964, p.190.
capítulo 1 • 22
prova, mas tão somente em elementos informativos, como menciona a redação do
art. 155 do CPP atualizada pela Lei 11.690/08.
CURIOSIDADE
Você vai estudar esse tópico no Capítulo 2, quando tratarmos de inquérito policial.
Ampla Defesa
capítulo 1 • 23
A verdade real foi dogma do sistema inquisitorial. E com isso a prática das
torturas para se obter a confissão do acusado.
Segundo Polastri no processo dificilmente ou nunca se atingirá a certeza abso-
luta, pois como a instrução probatória equivale à busca do fato histórico, deverá
haver uma reconstrução dos fatos com dados do passado, através da prova, para se
buscar a verdade e, consequentemente, a certeza, e essa forma de reconstrução não
permite, em regra, uma certeza absoluta, mas meramente relativa, tendo em vista
as próprias deficiências humanas. O que terá o juiz é uma aproximação, ou seja,
uma probabilidade, significando que deve buscar algo mais que a simples possibi-
lidade, algo mais próximo da certeza, e isto é que é, em maior ou menor grau, a
probabilidade. É o que se chama de certeza possível.30
ATENÇÃO
Se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, também não pode ser presumidamente inocente. A Constituição não presume
a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado. Evita-se o arbítrio do Esta-
do. Mais vale um culpado solto do que um inocente preso.
30 LIMA, Marcelo Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.27.
31 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição. Princípios Constitucionais do
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.162.
capítulo 1 • 24
Presunção de inocência e prisão processual
Juiz Natural
capítulo 1 • 25
as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema
aleatório do sorteio (distribuição) para que não haja interferência na escolha.32
CURIOSIDADE
O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos iremos tratar em
capítulo próprio.
ATIVIDADES
01. O art. 3º da Lei 9296/96 dispõe o seguinte:
“A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofí-
cio ou a requerimento...”
Ao colocar o juiz durante a fase do Inquérito Policial, colhendo provas, o legislador afrontou:
a) O princípio acusatório.
b) O princípio da ampla defesa.
32 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. P. 109.
capítulo 1 • 26
c) O princípio da igualdade das partes.
d) O princípio da presunção de inocência.
RESUMO
O aluno pode perceber que o nosso processo penal deverá ser democrático e, para que
assim seja, os princípios informadores devem ser observados pelo Estado-Juiz, pelo órgão
acusador e pelo próprio acusado. O processo penal deixa de ser apenas um instrumento de
concretização do direito material, para ser, sobretudo, um instrumento para garantia da reali-
zação da justiça e efetivação dos direitos.
capítulo 1 • 27
Também é de suma importância a identificação do sistema processual adotado em nosso
ordenamento jurídico. Etimologicamente, sistema no aspecto jurídico é o conjunto de normas
que funcionam como uma estrutura organizada dentro do ordenamento, são concepções
teóricas a respeito de uma realidade, por isso a relevância do estudo sobre esse tema. E para
tanto, se faz indispensável o conhecimento dos sistemas e suas respectivas características.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas
Bastos, 1959.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed.
Coimbra (PT): Editora Almedina, 1998.
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Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
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constitucionalmente demarcado. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194935>.
FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
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Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau, 1996.
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MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Editora, 1999.
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Soares. Livraria do Editor, 1871.
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PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. v.1.
São Paulo: Saraiva, 2012
SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal. São Paulo: Livraria Magalhães, 1937.
capítulo 1 • 28
TAVORA, Nestor; RODRIGUES ALENCAR, Rosmar. Curso de Processo Penal. 6. ed.
Bahia: Jus Podium.
TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977.
TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
capítulo 1 • 29
capítulo 1 • 30
2
Inquérito policial,
persecução penal
do Estado e polícia
judiciária
Inquérito policial, persecução penal do Estado
e polícia judiciária
OBJETIVOS
Identificar que a persecução penal se divide em duas etapas, sendo o inquérito policial a
primeira fase da persecução.
Analisar as formas de instauração do inquérito, reconhecer o seu conceito, natureza jurí-
dica e finalidade. Uma vez praticada a infração penal, cumpre ao Estado apurar todas as suas
circunstâncias esclarecendo autoria e materialidade.
Por isso, é de fundamental importância o estudo desta fase inicial de investigação, elucidando
o fato e respectiva autoria e/ou participação para que possa dar ensejo a uma futura ação penal.
capítulo 2 • 32
• Ação penal;
• Execução penal.
A primeira etapa é a que será estudada no presente capítulo. Essa primeira fase
se desenvolve através do inquérito policial. Segundo a Constituição Federal, em
seu artigo 144 §1º, IV e §4º – confere à polícia judiciária, a atribuição para inves-
tigar infrações penais, que é exercida pela Polícia Federal e Polícia Civil.
Conforme leciona o autor Pacelli33, a lei defere a determinados órgãos, responsá-
veis pela segurança pública, a competência para a investigação da existência dos cri-
mes comuns, em geral, e da respectiva autoria, que é a denominada polícia judiciária.
O artigo 4º do CPP estabelece que “a polícia judiciária será exercida pelas
autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim
a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
Sendo assim, a polícia militar (ostensiva/ de segurança) possui como fina-
lidade evitar, prevenir a prática de crimes, já a polícia judiciária se incumbe de
investigar tais crimes. A autoridade policial é o Delegado de Polícia que terá sua
atribuição definida pela circunscricional local, salvo exceções das delegacias espe-
cializadas, como a delegacia da mulher, por exemplo.
A fase inicial da investigação será em regra promovida pela polícia judiciária,
sendo um procedimento pré-processual, administrativo destinado ao esclareci-
mento dos elementos mínimos comprobatórios dos fatos e de sua autoria.
33 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012, p.53.
34 LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.71.
capítulo 2 • 33
Da natureza jurídica e titularidade
capítulo 2 • 34
ATENÇÃO
A lei 12.830/2013 dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo
delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Parágrafo 1º. O delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condu-
ção da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto
em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria
das infrações penais.
É importante salientar que a investigação criminal não é realizada tão somente através do
inquérito policial, mas também realizada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI),
bem como inquéritos realizados pelas autoridades militares etc.
OBS.: Artigo 7º XIV da Lei 8.906/94 concede como prerrogativa aos advoga-
dos o livre acesso aos autos do Inquérito policial.
capítulo 2 • 35
Ver súmula vinculante nº 14 do STF: É direito do defensor, no interesse
do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
• Dispensável:
Pergunta-se: Se o inquérito policial tem a finalidade de reunir provas sobre
o fato criminoso e sua autoria, se possui a finalidade de preparar a ação penal em
juízo, poderá, eventualmente, o Ministério Público oferecer denúncia indepen-
dentemente da instauração de inquérito policial?
Resposta: Sim. O inquérito é uma peça dispensável, o Ministério Público pode
dispensá-lo oferecendo a denúncia com base em peça de informação equivalente.
O inquérito policial não é uma peça imprescindível para a ação penal. Assim,
esse procedimento investigatório poderá ser dispensável. O Ministério Público po-
derá oferecer a denúncia com base em peças de informações equivalentes, conforme
o disposto nos artigos 12, 27 e 39 § 5º, 40, 46 & 1º do Código de Processo Penal.
capítulo 2 • 36
Se não há acusação não há que se falar em defesa. Não sendo o inquérito
processo, inexistindo na fase investigatória litigantes ou acusados, não há contra-
ditório. As garantias constitucionais são dadas aos acusados e não a indiciados.
Conforme preceitua Pollastri36, a norma constitucional assegura que o indiciado
tenha assistência familiar e de advogado na defesa de seus direitos podendo entre-
vistar-se com seu patrono constituído, o que não quer dizer direito ao contraditório
na fase investigatória. Salienta ainda o autor que, não sendo o inquérito processo,
inexistindo na fase investigatória litigantes ou acusados, continua a fase de inquérito
ou de investigação penal inquisitiva, não se autorizando o contraditório.
No entanto, há quem defenda a aplicação dos princípios da ampla defesa e do
contraditório no inquérito policial, uma vez que a instauração de um procedimen-
to administrativo atinge direitos fundamentais do investigado com repercussões
na persecução penal.
Quando a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV garante o con-
traditório e a ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo e
aos “acusados em geral”, deve ser feita uma interpretação extensiva e sistemática,
abrangendo igualmente suspeitos e indiciados.
A doutrina ressalta que quando se fala em contraditório na fase pré-processual
faz-se alusão ao seu primeiro momento que é o da informação. E a partir desse
direito a informação que será exercida a defesa.
O indiciado exerce sua defesa apresentando sua versão dos fatos no momento
do interrogatório e até mesmo exercendo o direito ao silêncio, como poderá tam-
bém requerer diligências, juntar documentos etc.
Conclui-se, de acordo com tal parcela da doutrina que existe, sim, contradi-
tório e ampla defesa durante o inquérito, porém ambos limitados. Até porque a
simples instauração de um inquérito pode atingir bens jurídicos relevantes, como
a liberdade, intimidade, o patrimônio etc.
REFLEXÃO
E qual a sua opinião? Será que podemos afirmar que existe contraditório e ampla defesa
na fase do inquérito policial?
capítulo 2 • 37
Formas de instauração do inquérito policial
De acordo com o disposto no artigo 100 do Código Penal, a ação penal é pú-
blica, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. E essa é a
regra, ou seja, no silêncio da lei o crime será de ação penal pública incondicionada.
E nesse caso, o inquérito será instaurado:
De ofício pela autoridade policial (por portaria) a partir da notitia criminis
(notícia do crime). Notitia criminis é o conhecimento pela Autoridade Policial,
espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente criminoso.
Espécies de notitia criminis:
I. De cognição imediata (direta): atividades rotineiras. Nesse caso o Inquérito
policial se inicia através de portaria;
II. De cognição mediata (indireta): de requerimento da vítima, requisição do
Ministério Público ou da “autoridade judiciária”;
III. De cognição forçada ou coercitiva: ocorre no caso de prisão em flagrante,
onde a notícia do crime se dá com a apresentação do autor. O inquérito se inicia
com o auto de prisão em flagrante.
O artigo 5º do CPP estabelece que, nos crimes de ação penal pública, o in-
quérito será iniciado de ofício, mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade
para representá-lo.
Instaurado de ofício é quando o próprio delegado de polícia instaura o inqué-
rito através de uma portaria (peça relatando os fatos), tratando-se de crime de ação
penal pública, a autoridade policial tem a obrigatoriedade de instaurar o inquérito
sempre que tomar conhecimento do fato.
capítulo 2 • 38
Esta peça conterá a exposição do fato criminoso, a capitulação legal da infra-
ção penal e poderá conter determinação de diligências para elucidação do fato e
respectiva autoria.
A notícia do crime pode ser oferecida por qualquer pessoa do povo ou do
próprio conhecimento pessoal da autoridade policial.
OBS.: O artigo 5º fala também que o inquérito poderá ser iniciado mediante
“requisição da autoridade judiciária”. Autoridade judiciária é o juiz, magistrado.
Será que este dispositivo foi recepcionado pela nossa Constituição Federal?
Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verifica-
rem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e
documentos necessários ao oferecimento da denúncia.
Assim, o artigo 5º teria sido derrogado pela CR/88, já que o artigo 129, I, pre-
vê a exclusividade da ação penal pública ao Ministério Público, adotando, como
vimos no capítulo anterior, o sistema acusatório.
O inquérito é uma fase preliminar, procedimento administrativo. Portanto,
admitir que o juiz possa requisitar a sua instauração, viola o sistema acusatório e
a própria imparcialidade do órgão julgador. O correto será o juiz encaminhar a
notícia crime, ou elementos ao ministério público, que ai sim, requisitará a ins-
tauração do inquérito.
capítulo 2 • 39
não poderá ser instaurado sem a devida representação. É de interesse do ofendido
se manifestar ou não.
Esta representação deverá ser feita em um prazo de 06 meses a contar da data
do conhecimento da autoria do fato (artigo 38 do CPP e artigo 103 do CP), caso
contrário ocorrerá a decadência, não podendo ser instaurado o inquérito.
Cita-se como exemplo o crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código
penal. Se a autoridade policial instaurar o inquérito sem a devida manifestação
do ofendido, poderá caracterizar, até mesmo, constrangimento ilegal passível de
impetração de habeas corpus.
O Ministério Público somente poderá requisitar a instauração de inquérito
para apurar crime de ação penal pública condicionada à representação se dispuser
dessa representação da vítima.
A representação deverá ser feita pela própria vítima ou seu representante legal,
e sendo a mesma menor de 18 anos, a representação caberá aos pais ou exercido
por curador especial, na forma do artigo 33 do Código de Processo Penal.
ATENÇÃO
Queixa crime é instrumento da demanda na ação penal privada. Não se confunde com
notícia crime para a instauração do inquérito policial. Não se oferece queixa na delegacia.
Sendo assim, a autoridade policial não poderá proceder de ofício, deverá a parte,
com qualidade para tal, apresentar o requerimento para instauração do inquérito.
Não se exige formalidades sacramentais para o requerimento, devendo ser nar-
rado o fato com elementos para auxiliar em uma investigação.
Diferente da representação, o requerimento é um pedido mais completo com a
narração dos fatos, suposta autoria, horário, local, indicando se possível testemunhas.
Nos casos de flagrante delito nos crimes de ação penal privada, só será efetua-
da a prisão e lavrado o flagrante havendo o requerimento da vítima.
capítulo 2 • 40
Instauração do inquérito policial em casos de denúncia anônima
37 FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 193.
capítulo 2 • 41
Art. 61 da Lei 9099/95 – Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxi-
ma não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Torna-se válido ressaltar que a Lei 9099/95 foi um marco no processo penal,
adotando medidas despenalizadoras, tais como a composição civil dos danos, a
proposta de transação penal, suspensão condicional do processo, não impondo
penas privativas de liberdade.
Os princípios orientadores do juizado são a oralidade, informalidade, econo-
mia processual e celeridade. E o objetivo é sempre que possível a reparação dos
danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
A lei trouxe uma série de inovações entre elas o termo circunstanciado, uma
peça informativa que dá início a persecução penal diferente, portanto, do inqué-
rito e do auto de prisão em flagrante. Este termo circunstanciado é presidido pela
autoridade policial, em que irá analisar a conduta, a sua tipicidade, e verificar
quem seria o suposto autor do fato.
Artigo 69 e parágrafo único da Lei 9099/95 – A autoridade policial que tomar conhe-
cimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente
ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames
periciais necessários.
Parágrafo único – Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente
encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá
prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá
determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de con-
vivência com a vítima.
Caso ocorra a prisão em flagrante, nos moldes do artigo 302 do CPP, ocorrerá o
início de um inquérito policial, em que a peça inaugural é o auto de prisão em flagrante.
A prisão em flagrante é uma espécie de prisão provisória. Independe de ordem
judicial, a análise judicial será feita a posteriori. Para existir flagrante delito, a pes-
soa deve ter sido encontrada em uma das hipóteses do artigo 302 do CPP.
O legislador prevê quatro hipóteses de flagrante delito e a doutrina classifica em
três espécies: flagrante próprio, flagrante impróprio, flagrante ficto ou presumido.
capítulo 2 • 42
Art. 302 do CPP – Considera-se em flagrante delito quem:
I. Está cometendo a infração.
II. Acaba de cometê-la.
III. É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em
situação que faça presumir ser autor da infração.
IV. É encontrado, logo após, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam
presumir ser ele o autor da infração.
capítulo 2 • 43
Trata-se de medida pré-cautelar, verificando a autoridade policial, com base nos depoi-
mentos e no interrogatório do auto de prisão em flagrante, a fundada suspeita contra
o conduzido, ou seja, a presença do fumus boni iuris. A necessidade da prisão será ana-
lisada pelo juiz quando receber a cópia do auto, devendo ser mantida a custódia como
providência cautelar, se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva.
ATENÇÃO
A apresentação espontânea afasta a possibilidade da prisão em flagrante. Para que pos-
samos falar em flagrante delito temos que ter a certeza virtual do crime.
EXEMPLO
Maria chegou à sua residência e viu a babá do seu filho maltratando a criança; em de-
sespero, mata a babá e vai imediatamente à delegacia contar todo o fato, entregando, até
mesmo, a arma do crime. Maria não foi encontrada em flagrante delito, assim deve ser lavrado
um auto de apresentação espontânea voluntária. Caso a autoridade policial entenda que Ma-
ria deva ser presa, o delegado irá representar pela prisão preventiva da mesma, mas jamais
poderá ser lavrado um auto de prisão em flagrante.
capítulo 2 • 44
conveniência da instrução penal. Trata-se do periculum libertatis (perigo na li-
berdade do agente), além de verificar também a presença do fumus comissi delict
(fumaça do cometimento do crime), que seria a prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.
Ausentes tais requisitos o juiz irá conceder a liberdade provisória, com ou sem
fiança, nos termos do artigo 310, inciso III do mesmo diploma legal. Presentes os
requisitos autorizadores, o juiz irá converter a prisão em flagrante em preventiva, e
se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão.
A prisão no curso do processo é uma medida excepcional, ultima ratio. A regra
é a liberdade.
Existem também outras espécies doutrinárias de flagrante:
1. Flagrante preparado; 3. Flagrante forjado;
2. Flagrante esperado; 4. Flagrante retardado.
Súmula 145 do STF – não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.
capítulo 2 • 45
O arquivamento do inquérito policial
capítulo 2 • 46
PERGUNTA
A decisão que determina o arquivamento do inquérito faz coisa julgada material? O en-
tendimento é o de que a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial faz
coisa julgada tão somente formal. Nada impede que, surgindo novas provas, possa ocorrer o
oferecimento da ação penal, ou em havendo notícias de outras provas o inquérito seja desar-
quivado. Somente quando o arquivamento se dê tendo em vista a atipicidade da conduta ou
a presença de qualquer causa extintiva da punibilidade, que ocorrerá a coisa julgada material.
Sendo este inclusive o entendimento dos Tribunais Superiores.
Súmula 524 do STF – Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimen-
to do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.
Artigo 18 do CPP – depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade ju-
diciária por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas
pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
capítulo 2 • 47
arquivamento, o Ministério Público terá que apresentar, de forma fundamentada,
as razões do seu convencimento, como já foi explicado neste capítulo.
Sendo assim, bastaria que o promotor de justiça incluísse o acusado faltante
ou o crime, independentemente de novas provas, não se aplicando, portanto, a
Súmula 524 do STF.
ATIVIDADES
01. Sobre o inquérito policial, julgue os itens abaixo, marcando a opção correta:
a) Em caso de ação penal privada, a instauração do inquérito dar-se-á mediante queixa
crime do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
b) A autoridade policial somente poderá mandar arquivar autos do inquérito policial se o
fato narrado não constituir crime.
c) Para que se tenha o arquivamento do inquérito policial, o Ministério Público deverá re-
querer e a autoridade judiciária, concordando com as razões apresentadas, determinará
o arquivamento.
d) O inquérito policial não poderá ser arquivado se a autoria for desconhecida.
02. O delegado de polícia (I) não pode arquivar inquérito policial porque o (II) arquivamento
do inquérito policial deve ser determinado pelo membro do Ministério Público:
a) Se as duas são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
b) Se as duas são verdadeiras e a segunda não justifica a primeira.
c) Se a primeira é verdadeira e a segunda é falsa.
d) Se a primeira é falsa e a segunda é verdadeira.
e) Se as duas são falsas.
capítulo 2 • 48
04. O Ministério Público recebe peças de informação diretamente do lesado contendo ele-
mentos de materialidade e indícios de autoria. Em caso tal, pode ou deve o parquet:
a) Requisitar instauração de inquérito policial.
b) Denunciar depois de concluído o inquérito policial.
c) Denunciar no prazo de 15 dias.
d) Propor o arquivamento das peças de informação.
05. Antonio Carlos foi vítima de um crime de roubo e compareceu à Delegacia Policial, onde
pediu a instauração de um inquérito policial. Informaram-lhe que ele deveria oferecer uma
queixa crime. Está correta a informação?
RESUMO
Neste capítulo, tratamos de um tema essencial nos estudos do processo penal. A inves-
tigação preliminar, a primeira fase da persecução penal, o inquérito policial.
Inicialmente podemos verificar a importância de uma investigação criminal, pois a partir
desta a autoridade policial poderá indiciar o sujeito, tipificar a sua conduta criminosa e en-
caminhar os autos do inquérito ao seu destinatário final que é o órgão do Ministério Público.
Vimos as características peculiares, dentre elas a sua dispensabilidade, ou seja, o mem-
bro do parquet pode até mesmo oferecer a denúncia sem que se tenha tido uma anterior ins-
tauração do inquérito. Basta a presença de outras peças de informação com o fato, autoria,
indicação de tempo, local e elementos de convicção.
Ainda neste capítulo tratamos das formas de instauração do inquérito e vimos que tal
ocorrerá de acordo com a natureza da ação penal do crime em tese praticado. Apresentamos
também a importância da prisão em flagrante e a consequente instauração do inquérito pelo
auto de prisão em flagrante.
Por fim, observamos as questões relativas ao arquivamento e desarquivamento do inqué-
rito, qual o procedimento, quem irá determinar o arquivamento, em quais circunstâncias e a
natureza jurídica desta decisão. Abordamos também a questão relevante sobre a teoria do
arquivamento implícito, deixando claro que para a maioria da doutrina e a própria jurisprudên-
cia tal teoria não se aplica em nosso ordenamento jurídico.
capítulo 2 • 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento no processo penal.
São Paulo: Revista dos tribunais, 2005.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
capítulo 2 • 50
3
Teoria geral da
prova
Teoria geral da prova
99 Provas ilícitas por derivação;
99 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade;
99 Busca e apreensão;
99 Interceptações telefônicas e sistemas de valoração das provas.
Neste capítulo, vocês irão estudar a Teoria Geral da Prova, a expressão prova
para o direito, os destinatários das provas, os sujeitos da prova, bem como a classi-
ficação da prova e o ônus da prova. Iremos abordar, ainda, os princípios aplicáveis
às provas e a vedação das provas obtidas por meios ilícitos, bem como as provas
ilícitas por derivação e a prova ilícita em favor do réu.
Em seguida, trataremos da busca e apreensão domiciliar e pessoal, da inter-
ceptação telefônica e a análise da lei 9296/96 que disciplina a medida excepcional,
destacando a diferença entre interceptação, escuta e gravação clandestina. Além de
estudarmos o prazo de duração e suas hipóteses de cabimento.
Por fim, trataremos dos sistemas de valoração das provas pelo magistrado, ana-
lisando as suas características e diferenças, bem como, apontando qual o sistema
adotado em nosso ordenamento jurídico.
OBJETIVOS
Identificar o conceito de prova para o direito, os meios e fontes de prova. Refletir sobre
as provas ilícitas, as derivadas das ilícitas e sua possível utilização quando for em favor do
acusado. Analisar algumas medidas de índole probatória, como a busca e apreensão e a
interceptação telefônica com todos os seus desdobramentos. Compreender o sistema de
valoração da prova pelo magistrado adotado em um sistema processual acusatório.
Hoje o nosso processo penal deverá ser democrático e, para que assim seja, os
princípios informadores devem ser observados pelo Estado-Juiz, pelo órgão acusador
e pelo próprio acusado. O processo penal deixa de ser apenas um instrumento de con-
cretização do direito material, para ser, sobretudo, um instrumento para a garantia da
realização da justiça e efetivação dos direitos, como vimos no primeiro capítulo.
capítulo 3 • 52
A matéria probatória não escapa dessa atenção, sendo de crucial importância para
o deslinde do processo as questões que a envolvem (a propositura, aquisição, produção
e valoração), pois refletem significativamente nas garantias a serem observadas.
Nesse sentido, é salutar a lembrança de que a questão referente à prova remon-
ta aos ensinamentos bíblicos. O fato encontra-se em I Reis. 3: 16-28. Nessa passa-
gem, duas mulheres mães solteiras, reivindicam ser a mãe de um menino vivo. As
duas moravam juntas, dormiam no mesmo quarto, eram prostitutas e haviam tido
filho recentemente. Puseram-se diante do Rei Salomão para que o mesmo julgasse
a causa com justiça e sabedoria.
A primeira mulher alegava que o filho vivo era dela e que a outra mulher havia
trocado os bebês enquanto a locutora dormia. Afirmava que isso ocorrera porque,
durante a noite, a outra teria se deitado sobre o filho, que veio a falecer, motivo
pelo qual a oponente teria trocado os bebês. Ao amanhecer, a primeira mulher
percebeu que aquele que tinha morrido não era seu filho e começaram a discutir.
Foram ao Palácio do Rei e contaram-lhe a história.
Para dirimir o conflito, Salomão ordenou a um dos seus guardas que cortasse o
bebê ao meio e desse um pedaço para cada uma. A verdadeira mãe chorou e disse
que preferiria ver o seu filho nos braços de outra a morto nos próprios braços,
enquanto a outra disse que a solução era justa. Salomão, reconhecendo a mãe na
primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho.
Esse conto bíblico ressalta a importância do tema a ser abordado neste capí-
tulo. Inicialmente, cada mulher contou a sua história, e Salomão não conseguia
saber quem estava falando a verdade. Com a sabedoria que Deus havia lhe dado,
chegou a tal conclusão, ou seja, será a mãe verdadeira aquela que ama tanto o seu
filho que abriria mão dele a outra pessoa, para que ele não morresse.
Salomão tinha em suas mãos: vida, perspectivas, futuros a serem traçados, e,
aplicando sua técnica, alcançou um resultado justo. A justiça se alcança com a
apreciação correta dos fatos, nascendo, portanto a necessidade da prova.
capítulo 3 • 53
[...] o direito não é aquilo que o judiciário diz que é. E tampouco é/será aquilo que, em
segundo momento, a doutrina, compilando a jurisprudência, diz que ele é a partir de
um repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras. Do mesmo
modo o direito não é um dicionário recheado de conceitos. Na verdade, pensá-lo como
uma ‘lexicografia’ é vê-lo tropeçar no primeiro vendedor de picolés.
capítulo 3 • 54
Não obstante à opinião desses autores, acompanha-se o pensamento de que só
há que se falar em contraditório propriamente dito na fase processual.
Assim, podemos afirmar que prova, para o direito, é a informação quali-
ficada pelo crivo do contraditório. É o objeto do contraditório exercido pelas
partes perante o juiz natural. Sendo este o seu conceito.
Da natureza jurídica
Neste caso, a prova passa a ser um direito inerente ao direito de ação e de defesa. Ou
seja, um desdobramento, um aspecto do direito de ação e de defesa. Portanto, podemos
dizer que a sua natureza jurídica é um direito subjetivo de índole constitucional de esta-
belecer a verdade dos fatos...
Sendo assim, chega-se a uma primeira conclusão, qual seja, a de que o direito
à prova pertence às partes, sendo essa, a sua natureza jurídica, direito inerente ao
próprio direito de ação e de defesa.
43 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.459.
44 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.333.
capítulo 3 • 55
O destinatário da prova, os sujeitos da prova e o objeto da prova
Fontes de prova é tudo aquilo que indica algum fato ou afirmação que neces-
sita de prova, são as pessoas ou coisas das quais se pode conseguir a prova.
Já meios de prova é tudo aquilo que possa servir, direta ou indiretamente, à com-
provação da verdade que se procura no processo. O meio probatório é ilimitado, só
comportando exceções em relação ao estado das pessoas e às provas ilícitas e imorais.
ATENÇÃO
Desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando
a ética e o valor da pessoa humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não
estejam legalmente relacionados no Código de Processo Penal.
capítulo 3 • 56
EXEMPLO
Exemplos práticos de fonte de prova e meio de prova:
• Exemplo 1 - João viu José matar Joaquim. João é meio de prova. É meio de que dispõe
o Ministério Público para provar que José matou Joaquim. São os elementos que podem
justificar ou esclarecer os fatos que se apuram;
• Exemplo 2 - Marta, esposa de João não viu nada. Mas João chegou em casa e contou que
teria visto José matar Joaquim. Marta é fonte de prova, fonte de informação sobre a existên-
cia de um determinado meio de prova.
São 3 (três) os critérios utilizados para a classificação das provas, sendo eles:
quanto ao conteúdo ou objeto, quanto ao sujeito e quanto a forma.
I. Quanto ao conteúdo ou objeto: pode ser direta - se a prova produzida referir-
-se imediatamente ao fato que se procura provar (fato probando), ou indireta - se a
prova produzida diz respeito a outro fato e somente através de um raciocínio lógico
chega-se ao fato que se deseja provar. É um método indutivo, presunções, indícios;
II. Quanto ao sujeito: pode ser pessoal (verificação de pessoa) - é toda afirmação
pessoal que emana de manifestação consciente, seja por conhecimento próprio
ou por terceiros, ou real - que é aquela originada dos vestígios detectados e que
refere-se, geralmente, a coisas, como roupa ensanguentada, fechadura violada, a
perícia realizada em um objeto etc.;
III. Quanto às formas, ou seja, a maneira como as partes apresentam em juízo a
veracidade das suas informações, pode ser testemunhal - afirmação feita por uma
pessoa, documental - prova produzida por afirmação escrita ou gravada e, por
fim, material - exame de corpo de delito, perícias, coisas apreendidas etc.
capítulo 3 • 57
Artigo 156 do CPP - a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facul-
tado ao juiz de ofício:
I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e propor-
cionalidade da medida.
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Observa-se, portanto, que, pelas regras processuais penais, são três as possi-
bilidades do direito à prova: por parte do acusador, por parte do acusado, por
parte do juiz. Antes de analisarmos a constitucionalidade em si desse dispositivo,
é importante levar em consideração o que a doutrina afirma no tocante ao ônus
probatório em matéria processual penal.
Tourinho Filho se posiciona a esse respeito, ao afirmar que caberá à parte
acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua autoria, ou seja, cabe-lhe
demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. E finaliza: “se o
réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte
objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da acusação”.45
Já em relação à defesa, entende-se tratar de uma faculdade processual ou um
direito-faculdade, e não um ônus no sentido literal do termo46, mas um ônus im-
perfeito ou diminuído, conforme ensina Greco Filho: o ônus da prova para a defesa
é um ônus imperfeito ou diminuído, em virtude do princípio in dubio pro reo, que
leva à absolvição, no caso de dúvida quanto à procedência da imputação. Assim, em
princípio, à defesa incumbe a iniciativa da prova das excludentes, mas basta-lhe a
prova de que suscite uma dúvida razoável, porque a dúvida milita em seu favor.47
O artigo 156 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela
Lei 10.690/08, ao prescrever: “a prova da alegação incumbirá a quem fizer; mas
o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar,
de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”, permite ao ma-
gistrado a gestão da prova, sendo para parcela da doutrina48 incompatível com os
princípios garantistas. A postura do juiz como gestor da prova seria um resquício
do juiz inquisidor. Assim, não havendo provas suficientes no processo para emba-
sar o convencimento, deve absolver o réu por insuficiência probatória.
45 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999, p.236.
46 Segundo Badaró, “o ônus envolve as noções de poder e de liberdade, e, justamente por isto, aproxima-se das faculdades.
Há ônus quando o exercício de uma faculdade é condição para se obter uma determinada situação de vantagem ou para
impedir uma situação desvantajosa. O ônus, portanto, é uma faculdade cujo exercício é necessário para a consecução
de um interesse”. BADARÓ, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2012, p.291.
47 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo. Saraiva, 1998, p.205-206.
48 FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.p.42.
capítulo 3 • 58
Os principais argumentos da doutrina contrária à possibilidade de o juiz de-
terminar de ofício a produção da prova são os de que o magistrado criará um elo
com aquela prova, pois ficaria psicologicamente comprometido com o que estava
buscando, ferindo de morte o princípio da imparcialidade, do devido processo
legal para o qual se exige a inércia do órgão julgador, devendo manter-se distante
dos interesses das partes, e o princípio da presunção de inocência, pois, em caso
de dúvida, essa deverá ser interpretada em favor do acusado. Assim, manteve a re-
dação em comento, para a grande maioria da doutrina, perspectiva inquisitorial.49
Tais argumentos procuravam demonstrar que o juiz estaria agindo como
gestor da prova, abandonando o sistema acusatório implicitamente adotado na
Constituição de 1988 e afastando-se ainda mais do modelo constitucional de pro-
cesso, com a possibilidade, até mesmo, de perdas de conquistas já efetivadas. A
atual redação não só manteve a possibilidade de produção probatória de ofício no
curso do processo, como também permitiu a produção antecipada, antes mesmo
do ajuizamento da ação penal, por iniciativa do magistrado.
Quanto à iniciativa probatória na fase da investigação, as críticas foram mais
severas, veementes, entendendo tratar-se de verdadeiro retrocesso, de paten-
te inconstitucionalidade.
Em relação à possibilidade de produção da prova determinada de ofício pelo
juiz no curso do processo, Aury Lopes50 abraça a doutrina de Franco Cordero,
renomado autor italiano, que, na década de sessenta do século passado, sustentou
que o juiz do sistema inquisitivo desenvolveria quadros mentais paranoicos, pois
ficaria psicologicamente comprometido com o resultado do processo, ou seja, com
a condenação do sujeito passivo da persecução penal. Dessa forma, seria um erro
atribuir, em qualquer fase, poderes instrutórios a um juiz. Segundo o autor51, “o
juiz que vai atrás da prova primeiro decide (definição da hipótese) e depois vai
atrás dos fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade já foi tomada)”.
Assim, o juiz, ao agir na busca da prova, estará pré-julgando os fatos e, con-
sequentemente, violando os direitos do acusado, assegurados constitucionalmen-
te, notadamente o da Presunção de Inocência, pois a dúvida deverá sempre ser
49 Segundo André Faria, “a nova redação, ao invés de adaptar o artigo 156 às diretrizes constitucionais, reforçou ainda
mais a postura inquisitorial da legislação brasileira, ampliando os poderes investigatórios do juiz, permitindo que ele atue,
de ofício, até mesmo na fase preliminar. Evidenciou-se, assim, que o código de processo penal brasileiro se perpetua
no tempo, pois sobreviveu à constituição de 1946, serviu à ditadura militar e ainda consegue se sustentar mesmo após
mais de 20 anos da promulgação da constituição democrática de 1988”. FARIA, André. Os poderes instrutórios do juiz
no processo penal. Uma análise a partir do modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2011. p.120.
50 LOPES JUNIOR, Aury, op. cit., p.128.
51 Ibid., 2013, p. 129.
capítulo 3 • 59
interpretada em favor do acusado. Na mesma linha, Geraldo Prado52 afirma que
“quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de pro-
cesso penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente
comprometedora da imparcialidade do julgador”. Salienta ainda que o acusado,
como destinatário da posição jurídica favorável, não pode ser prejudicado pela
aplicação de tal benefício em seu desfavor.
Nesse sentido, Aury Lopes53 é ainda mais contundente ao exigir máxima efi-
cácia à garantia da presunção de inocência, e esse “nível de maturidade jurídica” só
será alcançado com juiz iniciando o processo convencido da inocência do acusado.
Desse modo, a carga probatória estará integralmente nas mãos do acusador.
No entanto, há vozes na doutrina que sustentam opinião intermediária. Gustavo
Badaró54 argumenta com precisão que os poderes instrutórios do juiz não represen-
tam um perigo à sua imparcialidade, desde que se estabeleça em quais medidas po-
derá exercer tais poderes. Ele parte da premissa de que a categoria poderes instrutó-
rios do juiz inclui a busca da fonte de provas (atividade propriamente investigativa),
até a introdução em juízo de provas de cuja existência já tenha conhecimento. Nesse
caso, a imparcialidade só estará em perigo quando o próprio juiz for um “buscador”
de fontes de provas. Difere, portanto, do juiz que, diante da notícia de uma fonte de
prova, determina a produção do meio de prova correspondente.
Assim, não se coloca em risco a imparcialidade do julgador, ao contrário, o resul-
tado da produção daquele meio de prova pode ser em sentido positivo ou negativo
quanto à existência do fato. Ademais, conclui o autor que o juiz, ao determinar uma
produção de provas de ofício, pode conseguir demonstrar a culpa do acusado, sendo
imperiosa a sua condenação, contudo isso não significa perda da imparcialidade, mas o
privilégio de um modelo que permita mais eficiência na reconstrução dos fatos.
Isto posto, de tudo o que foi dito até o presente momento, podemos concluir
que, de um modo geral, a nova redação do artigo em apreço sofre duras críticas
da doutrina, sob o argumento de, em suma, afrontar o sistema acusatório previsto
implicitamente na Constituição de 1988.
Em um atual modelo processual democrático, seria inconcebível a convivência
com um juiz investigador e julgador ao mesmo tempo, isso porque estaria sujeito
a pré-julgar o fato, ferindo a imparcialidade, que deve ser observada ao máximo.
O juiz deve manter-se equidistante do interesse das partes, até porque, con-
sagrando o princípio da presunção de inocência, restando a dúvida, esta deverá
52 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório, p.158.
53 LOPES JUNIOR, Aury, 2013, p.543.
54 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2012, p. 51.
capítulo 3 • 60
sempre ser interpretada em favor do réu, atendendo, assim, às garantias constitu-
cionais previstas na Magna Carta. Frise-se, ainda, que o juiz deverá assumir uma
posição de garante para que as mesmas tenham efetividade.
Dos limites ao direito à prova e da vedação das provas obtidas por meios ilícitos
capítulo 3 • 61
Ao contrário, como qualquer direito também está sujeito a limitações decor-
rentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igual-
mente dignos de proteção. Por isso, correlato ao direito à prova, existe também o
direito à exclusão das provas inadmissíveis.
A admissibilidade da prova consiste numa valoração prévia feita pelo legislador,
já a nulidade da prova é uma consideração posterior à colheita da prova com vícios.
As provas ilegais (gênero) se dividem em (espécies): provas ilícitas e pro-
vas ilegítimas.
• Provas ilegítimas: são aquelas produzidas com violação de normas proces-
suais, como por exemplo, oitiva de uma testemunha proibida de depor;
• Provas ilícitas: são aquelas obtidas com violação de normas materiais ou de
garantias constitucionais, como por exemplo, a confissão mediante tortura.
O artigo 5º, inciso LVI da CR/88 dispõe que “são inadmissíveis, no pro-
cesso, as provas obtidas por meios ilícitos”. Assim, a Constituição Federal ao
assegurar a inadmissibilidade processual da prova ilícita, estabeleceu uma ponte
entre os dois planos. A inadmissibilidade é uma sanção processual para uma vio-
lação de regra material.
Conclui-se, portanto, que o Estado não pode exercer o seu direito de punir se
tal direito veio em decorrência da utilização de provas ilícitas. O motivo da proi-
bição da utilização das provas ilícitas está no seio do princípio do devido processo
legal. A prova ilícita será desentranhada do processo, ou seja, será retirada dos
autos (direito de exclusão), já a prova ilegítima será nula.
Coma a reforma de 2008, o CPP passou a ter uma disciplina expressa sobre a
prova ilícita por derivação. Até então, a vedação da prova ilícita por derivação era de-
fendida pela doutrina e jurisprudência. Observemos o artigo 157 e parágrafos do CPP:
Artigo 157 do CPP - são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do pro-
cesso, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas consti-
tucionais ou legais
Parágrafo 1º - são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras;
capítulo 3 • 62
Parágrafo 2º - considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo
os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz do conduzir ao fato objeto da prova;
Parágrafo 3º - preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acom-
panhar o incidente.
De acordo com o parágrafo 1º, uma vez considerada ilícita a prova, deve ser ve-
rificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na
sentença, conforme o disposto no artigo 573 parágrafo 1º do CPP “a nulidade de um
ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele dependam ou sejam consequência”.
EXEMPLO
Apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime (armas, carro etc.) e que tenham
sido obtidos a partir de uma interceptação sem autorização judicial. Mesmo que a busca e apreen-
são seja regular, por si só, lícita, com o mandado respectivo, é um ato derivado do ilícito anterior.
CONCEITO
Prova ilícita por derivação: a prova ilícita por derivação é exatamente uma prova que,
em si mesma é lícita, mas que somente foi obtida por intermédio de informações ou elemen-
tos decorrentes de uma prova ilicitamente obtida.
Essa teoria foi criada pela jurisprudência norte-americana. Trata-se da teoria dos frutos
da árvore envenenada, assim se a árvore está envenenada os frutos que ela gera estarão
igualmente contaminados. Fruit of the poisonous tree.
ATENÇÃO
Mas a vedação à prova ilícita por derivação não é absoluta, pois a adoção plena desta
teoria poderia dificultar demasiadamente a apuração dos fatos delituosos. Já se aventou a
hipótese de pessoas ligadas a organizações criminosas forjarem uma prova ilícita para com
isso impedir o sucesso das investigações.
Portanto, quando puderem ser obtidas de qualquer forma ou por outra fonte, serão legiti-
madas. Trata-se de uma limitação à vedação da prova ilícita por derivação.
capítulo 3 • 63
REFLEXÃO
O que seria fonte independente de prova?
Na doutrina são denominadas de teoria da fonte independente e descoberta inevitável.
Ambas atacam o nexo causal e servem para mitigar a aplicação da teoria da prova ilícita por
derivação, restringindo ao máximo sua eficácia.
Predomina o entendimento nos Tribunais Superiores de que não se anula a condenação
se a sentença não estiver fundada exclusivamente em prova ilícita. Ainda que se tenha uma
prova ilícita, não se anula a condenação se existirem outras provas, lícitas, aptas a fundamen-
tar a condenação.
Vejamos as regras:
• Inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas (teoria da contaminação);
• Não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade;
• Não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente da
primeira ilícita;
• Desentranhamento e inutilizarão da prova ilícita.
PERGUNTA
Qual o momento processual da decisão do magistrado? No momento da sentença ou antes?
Resposta: entende-se que, se for no momento da sentença, o juiz já se contaminou pela
prova ilícita. Em regra, deve o juiz apreciar a ilicitude da prova antes da audiência de instrução,
sendo possível a interposição de um Recurso em Sentido Estrito, conforme se depreende do
artigo 581, inciso XIII do CPP. Porém, caso a prova seja apresentada em audiência, deve o
juiz manifestar-se acerca de seu desentranhamento na própria sentença, hipótese na qual o
recurso cabível será o de Apelação.
capítulo 3 • 64
Princípios da proporcionalidade e razoabilidade
REFLEXÃO
Será que eu posso admitir no processo uma prova ilícita em favor do acusado, tendo em
vista o princípio constitucional da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos? O
que vocês acham?
Pois bem, é possível que surja um conflito de interesses, de um lado o direito à proteção
de bens constitucionalmente assegurados, do outro a proibição da utilização das provas ilícitas.
OBS.: O critério a ser utilizado para situações de conflito deve ser o da ponde-
ração de interesses, ou seja, aplica-se o princípio da proporcionalidade.
capítulo 3 • 65
A busca e apreensão domiciliar e pessoal
ATENÇÃO
Muito embora tratados de forma unificada, são institutos diversos. Nem sempre a busca
gera a apreensão (quando nada for encontrado) e nem sempre a apreensão advém da busca
(quando ocorrer a entrega voluntária do bem).
Da busca domiciliar
Artigo 5º, inciso XI CR/88 - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desas-
tre ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.
capítulo 3 • 66
• Em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro, durante o dia
ou à noite;
• Por determinação judicial apenas durante o dia.
CONCEITO
O termo domicílio compreende-se além da casa qualquer compartimento habitado, apo-
sento ocupado de habitação coletiva e o compartimento não aberto ao público, onde alguém
exerce profissão ou atividade.
Da busca pessoal
capítulo 3 • 67
Interceptações telefônicas e sistemas de valoração das provas
Estão abrangidas pela Lei 9296/96 tanto a interceptação telefônica quanto a escu-
ta telefônica, pois ambas consistem em processos de captação da comunicação alheia.
A gravação, por si só, não constitui ilícito, mas a divulgação da conversa é
vedada. A divulgação da conversa é prova ilícita, porém a justa causa pode desca-
racterizar a ilicitude da prova. Ex: a vítima grava diálogo com criminoso.
• Princípio da Reserva legal proporcional: a gravação poderá ser utilizada
se o interesse que está sendo protegido for superior ao interesse lesionado. O sigilo
cede diante da justa causa e esse registro pode ser utilizado como meio de prova
no processo.
capítulo 3 • 68
CONCLUSÃO
A lei 9296/96 não abrange a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o
conhecimento do outro. Essa hipótese está fora do regime da lei, sendo considerada válida a
gravação como prova quando houver justa causa, como ocorre em casos de sequestro. Nada
impede que se tenha a autorização judicial, havendo requerimento nesse sentido. Mas não
é necessária a autorização, pois havendo a gravação sem ela, mas estiver fundada na justa
causa, a prova pode ser utilizada.
EXEMPLO
Juiz de direito está sendo investigado por corrupção e é autorizada a interceptação tele-
fônica, na qual o juiz confessa que é corrupto. De acordo com o entendimento dos Tribunais
Superiores, poderá ser utilizada para fins de processo administrativo, pois uma vez que já
ocorreu violação da intimidade não há porque restringir ou limitar o uso da prova emprestada.
Verifica-se que a lei 9296/96 não disciplina quando será cabível, mas sim em
que hipóteses não será admitida. Realizar a interceptação fora dos casos previstos
em lei será considerado prova ilícita.
capítulo 3 • 69
Do prazo de duração
EXEMPLO
João está sendo investigado por crime de tráfico ilícito e, durante a interceptação, admite
a prática de um crime de homicídio. Pergunta-se: a interceptação telefônica pode ser utilizada
como prova do crime de homicídio descoberto fortuitamente?
São 03 correntes:
• 1ª – não poderá ser utilizada. A lei exige que se descreva com clareza o objeto da inves-
tigação;
capítulo 3 • 70
Ver artigo 2º parágrafo único – em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a
situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados,
salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
• 2ª – poderá ser utilizada como prova, desde que haja um liame, um nexo entre o crime
objeto da investigação e o crime descoberto fortuitamente. No exemplo, portanto, admitirá se
tal homicídio se deu para garantir vantagem sobre o tráfico, por exemplo;
• 3ª – poderá ser utilizada como prova, ainda que não haja qualquer liame entre os crimes,
mas desde que o descoberto fortuitamente seja de semelhante gravidade e possa, por si só,
ser objeto de interceptação.
PERGUNTA
A quem cabe requerer a interceptação?
Não se confunde com a interceptação telefônica. Esta diz respeito a algo que
está acontecendo; já a quebra do sigilo de dados telefônicos está relacionada aos
registros documentados e armazenados pelas companhias telefônicas (data da
chamada, horário, duração do uso, número de telefone chamado), ou seja, da-
dos pretéritos.
A proteção a que se refere o artigo 5º inciso XII da CR/88 é da comunicação
de dados e não dos dados em si. Assim, a quebra de sigilo de dados telefônicos
não está submetida à cláusula de reserva de jurisdição. Logo, além das autoridades
capítulo 3 • 71
competentes, Comissões Parlamentares de Inquérito também podem determinar
a quebra do sigilo de dados telefônicos.
Artigo 155 – o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos ele-
mentos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.
capítulo 3 • 72
• Provas não repetíveis: são aquelas que não têm como ser novamente co-
letadas ou produzidas, em virtude do desaparecimento ou destruição da fonte
probatória. Ex: perícia num crime de lesão corporal. Se não se faz imediatamente,
talvez a materialidade já não possa mais ser aferida pelo perito;
• Provas antecipadas: são aquelas produzidas com a observância do con-
traditório real, perante o juiz, antes de ser o momento processual oportuno e até
mesmo antes de iniciado o processo, em razão de sua relevância e urgência. O
contraditório não é diferido, mas realizado no momento da produção da prova, na
presença do juiz, com as partes, acusação e defesa. Pode surgir durante o inquérito
ou no curso do processo.
ATIVIDADES
01. Em relação à prova no processo penal, analise as assertivas a seguir:
I. No ordenamento jurídico brasileiro, não remanescem exceções em relação ao sistema
do livre convencimento motivado, não se aplicando, em qualquer hipótese, os sistemas da
íntima convicção e da prova tarifada;
II. O código de processo penal adotou como regra o livre convencimento motivado do juiz
fundamentado na prova sob o crivo do contraditório;
III. Rege a produção probatória no sistema processual penal brasileiro os seguintes prin-
cípios: princípio do contraditório, da comunhão da prova, da oralidade e princípio da não
auto-incriminação;
IV. Iterativamente, o Superior tribunal de Justiça vem compreendendo que é possível a uti-
lização de prova emprestada no processo penal, desde que ambas as partes dela tenham
ciência e que sobre ela seja possibilitado o exercício do contraditório.
02. Acerca do sistema de apreciação de provas pelo juiz, assinale a opção correta:
a) O Brasil adotou como regra o sistema da prova legal ou tarifada.
b) O Brasil adotou o sistema do livre convencimento motivado do juiz.
c) O Brasil adotou o sistema da íntima convicção do julgador.
d) Todas as alternativas estão incorretas.
capítulo 3 • 73
03. Foi deferida a interceptação telefônica de Joaquim para apurar seu suposto envolvimen-
to no crime de tráfico ocorrido sem sua comunidade. Durante a interceptação descobriu-se
que Joaquim teria dado um tiro em João vindo este a falecer. Pergunta-se: a interceptação
telefônica autorizada para fins de apurar o crime de tráfico servirá como prova do crime de
homicídio descoberto fortuitamente?
04. Para provar a sua inocência, Antônio juntou ao processo uma escuta sem autoriza-
ção judicial. O juiz está convencido da veracidade das informações prestadas. Como de-
verá proceder o magistrado diante do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos?
RESUMO
Verificamos a importância do tema relativo à prova no processo penal, uma vez que o ma-
gistrado formará a sua convicção com base nas provas produzidas em contraditório judicial.
Já diz o ditado “o que não está nos autos não está no mundo”. Podemos analisar a questão
da gestão probatória e a controvérsia em relação à possibilidade de a prova ser determinada
de ofício pelo magistrado.
Estudamos, ainda, os princípios atinentes à prova, em específico a proporcionalidade e
a com isso a admissão da prova ilícita em favo do réu. Vimos também a teoria da prova ilícita
por derivação e sua mitigação prevista na legislação processual.
Em seguida analisamos a Lei 9296/96 que trata da interceptação telefônica e todo o
seu procedimento, além de tratarmos também da busca e apreensão.
Por fim, falamos dos sistemas de avaliação da prova pelo juiz, ressaltando o sistema
adotado em nosso ordenamento jurídico, bem como eventuais exceções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BADARÓ, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsiever, 2012.
FARIA, André. Os poderes instrutórios do juiz no processo penal. Uma análise a partir do modelo
constitucional de processo. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2011.
FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
capítulo 3 • 74
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
MARQUES, Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1964.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas,
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. A conformidade constitucional das leis processuais penais.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
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SCARANCE, Fernandes. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora RT, 2012.
STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999.
capítulo 3 • 75
capítulo 3 • 76
4
O interrogatório do
réu e a confissão
O interrogatório do réu e a confissão
99 Delação premiada;
99 Prova testemunhal;
99 A prova pericial, a acareação, a prova documental e a prova indiciária.
Neste capítulo, vocês irão estudar as provas em espécie, iniciando com o inter-
rogatório, a sua natureza jurídica, o direito ao silêncio assegurado na Constituição,
o interrogatório por videoconferência e sua previsão legal.
Em seguida, falaremos da confissão do acusado, a classificação e características
da confissão, o seu valor probatório, o chamamento de correu e a delação premiada.
Também iremos abordar a prova testemunhal, seu conceito, características, a classifi-
cação das testemunhas, os deveres, as hipóteses de isenção e proibição, a capacidade
para testemunhar e o testemunho dos policiais, bem como a sua validade como prova.
Outro ponto a ressaltar neste capítulo é a prova pericial, os conceitos de exame
de corpo de delito direto e indireto, o valor probatório da perícia e a possibilida-
de de as partes requererem assistente técnico. Analisaremos, ainda, a acareação
realizada em juízo como meio de prova, a prova documental e a classificação dos
documentos e, por fim, a prova indiciária e o seu valor probatório.
OBJETIVOS
Identificar as provas em espécie e o procedimento previsto para a produção de cada uma das
provas. Ressaltar a importância da validade da produção probatória como garantia individual de
que as formas serão respeitadas em consonância com um processo penal justo e democrático.
capítulo 4 • 78
atendendo ao princípio da identidade física do juiz (o juiz que preside a instrução
será o mesmo que irá proferir a sentença). Esta medida é de suma importância,
pois o contato pessoal do juiz com as provas, a coleta pessoal tem uma grande
relevância para a formação do convencimento judicial.
Assim, em princípio, as provas que serão examinadas neste capítulo são apre-
sentadas na audiência de instrução e julgamento, devendo seguir a ordem estabe-
lecida pelo próprio legislador. A audiência de instrução é a oportunidade em que
as partes produzirão as suas provas e rebaterão as apresentadas, em conformidade
com os princípios da ampla defesa e do contraditório. Forma é sinônimo de ga-
rantia no processo penal, os procedimentos são indisponíveis e constituem uma
verdadeira garantia do acusado.
O interrogatório do réu
capítulo 4 • 79
Artigo 400 do CPP - “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo
máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á a tomada de declarações do ofendido, à
inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressal-
vado o disposto no artigo 222 deste código, bem como ao esclarecimento dos peritos,
às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em segui-
da, o acusado”. (grifo nosso)
Nesta linha de raciocínio, o Ilustre autor Eugênio Pacelli55 afirma que a mu-
dança, sobretudo na imposição da audiência uma, determinando a concentração
dos atos de prova, imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo em
que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no
processo. Afirma que sendo o último a ser ouvido, poderá livremente escolher a
estratégia de autodefesa que entender melhor.
No entanto, poderá constituir fonte de prova, sempre que o acusado alegar a
ocorrência de determinado fato ou circunstância.
Da obrigatoriedade do interrogatório
• Previsão legal: artigo 185 c/c 564, inciso III “e” do CPP. A falta do interro-
gatório do réu presente acarreta a nulidade.
ATENÇÃO
Atualmente deve ser feita uma leitura do artigo 260 em consonância com o disposto no
artigo 457 caput e parágrafo 2º do CPP.
Artigo 260 do CPP – se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reco-
nhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade
poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Artigo 457 do CPP – o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado
solto, do assistente, ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.
Parágrafo 2º - se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para
o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu Defensor.
capítulo 4 • 80
de desobediência quando o agente deixa de comparecer ao seu interrogatório em
juízo ou até mesmo para fins de prestar declarações perante a autoridade policial.
Assim, a obrigatoriedade da realização do interrogatório é do réu presente.
Poderá o juiz, a todo tempo, agindo de ofício ou a requerimento das partes, proceder
a novo interrogatório do acusado, justificando-se, principalmente, quando o juiz
que deve proferir a sentença não foi aquele que interrogou o réu, em virtude da ocor-
rência de uma das situações excepcionais do princípio da identidade física do juiz.
Estar presente no processo é um direito do acusado e nunca um dever. O réu
não é objeto do processo e não está obrigado a submeter-se a qualquer tipo de
ato probatório.
A sua presença física ou não é opção dele.
Por maioria de votos o Plenário do Supremo Tribunal Federal já declarou a
impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório.
Pela decisão do Plenário, o agente ou a autoridade que desobedecerem a decisão
poderão ser responsabilizados nos âmbitos disciplinar, civil e penal. As provas ob-
tidas por meio do interrogatório ilegal também podem ser consideradas ilícitas,
sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Segundo a decisão, o instituto cerceia a liberdade de ir e vir e ocorre mediante
um ato de força praticado pelo Estado. Tal decisão foi tomada no julgamento das
Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 394 e 395).
Do direito ao silêncio
• Previsão legal: artigo 5º, inciso LXIII CR/88 – o preso será informado de
seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assis-
tência da família e de advogado;
ATENÇÃO
Não é somente o preso, mas qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimen-
tos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado,
tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de
permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém é obrigado a produzir prova contra
si mesmo.
capítulo 4 • 81
• Do titular do direito ao silêncio: qualquer pessoa diante de qualquer inda-
gação, por autoridade, pública de cuja resposta possa advir imputação ao declaran-
te da prática de crime, ainda que em procedimento e foro diversos. HC 79589/
DF Pleno do STF.
Segundo Aury Lopes Jr56 o direito de calar também estipula um novo dever
para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o
sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem
feitas. Manter-se calado é um direito do imputado e ele tem o dever de ser infor-
mado de suas garantias, passando a existir um dever do Estado que o informe, sob
pena de nulidade por violação das garantias constitucionais.
É a tutela da não autoincriminação compulsória. Direito é uma posição de
vantagem e por isso não poder ser castigado pelo exercício do direito. Trata-se de
um limite ao Estado na busca da verdade.
ATENÇÃO
Não há um direito de mentir em juízo, mas a mentira é um irrelevante penal, uma vez que,
de tal ato, não poderão advir consequências negativas. O direito ao silêncio do acusado inclui
o direito de apresentar versão para encobrir fatos sobre os quais deseja se calar.
capítulo 4 • 82
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos que também se referiram expressamente ao princípio
do direito ao silêncio que estabelece que toda pessoa acusada de um crime tem o
direito de não se autoincriminar.
Para Ariane Trevisan57 o direito da não autoincriminação (princípio do nemo tenetur
se detegere), como categoria de direito fundamental, significa que nenhuma pessoa po-
derá ser obrigada a colaborar ou produzir prova contra si mesmo. Através dele, há a
legitimação ética do processo penal, garantindo a valoração da tortura, do tratamento
desumano ou degradante. Ressalta ainda a autora que este princípio impede a utiliza-
ção de qualquer meio tendente a obrigar o acusado a cooperar na persecução penal.
De acordo com o artigo 187 do CPP – o interrogatório será constituído de
duas partes: sobre a pessoa do acusado (residência, meio de vida ou profissão,
oportunidades sociais etc.) e sobre os fatos.
REFLEXÃO
O direito ao silêncio será exercido em qual momento do interrogatório? No inter-
rogatório de qualificação ou em relação ao mérito?
O entendimento majoritário é o de que o direito ao silêncio somente poderá ser exercido
quanto ao mérito, ou seja, em relação aos fatos que estão sendo imputados ao acusado.
Assim, se declinar falsa identidade poderá responder por crime e, caso se omita em
fornecer dados quanto a sua qualificação responderá por contravenção penal, previsto no
artigo 68 do DL 3688/41.
Trata-se de um direito e, por isso, não pode ser interpretado em desfavor do titular. Inclusive,
as partes, durante os debates no júri, não podem fazer menção ao silêncio do acusado como
argumento de autoridade, evitando que prejudique e influencie no julgamento pelos jurados.
Artigo 478 do CPP – durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade,
fazer referências:
Inciso II – ao silêncio do acusado...
capítulo 4 • 83
Do interrogatório por videoconferência
capítulo 4 • 84
Sistema de inquirição
Artigo 188 CPP – após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o enten-
der pertinente e relevante.
Artigo 474 parágrafo 1º CPP – o Ministério Público, o assistente, o querelante e o de-
fensor, nesta ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.
ATENÇÃO
Havendo mais de um réu, cada um deles será interrogado separadamente, já que o
Código veda o interrogatório conjunto, nos termos do artigo 191 do CPP.
Da confissão
Está prevista nos artigos 197 a 200 do Código de Processo Penal. No dicioná-
rio, confessar significa declarar, revelar, reconhecer a verdade. É a admissão, pelo
acusado, da veracidade da acusação. Possui um valor relativo e é um ato formal,
não haverá confissão ficta ou presumida.
Classificação da confissão
capítulo 4 • 85
• Qualificada: admite a veracidade da acusação, mas indica em prol da sua
defesa causa que exclua o crime ou isente de pena o réu etc.;
• Judicial: feita nos autos do processo penal condenatório;
• Extrajudicial: são aquelas produzidas no inquérito policial ou fora dos au-
tos da ação penal.
Características da confissão
Do valor probatório
Artigo 197 do CPP – o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais pro-
vas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
capítulo 4 • 86
Importante ressaltar que a confissão é uma circunstância atenuante da pena,
prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código penal.
Delação premiada
ATENÇÃO
A principal crítica é a de que afronta as garantias do acusado delatado, pois, na primeira
fase da delação, só há a participação do delator, seu advogado, delegado de polícia e o mem-
bro do ministério público (em fase de inquérito policial) ou somente com o ministério público,
se já encerrado o inquérito, em ambos os momentos sob o mais absoluto sigilo. (Ver artigo 3º,
parágrafo 6º da Lei).
capítulo 4 • 87
Artigo 3º, caput da Lei 12.850/2013 – Em qualquer fase da persecução penal, serão per-
mitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
Inciso I – colaboração premiada.
Da prova testemunhal
É a prova por excelência, sendo o meio de prova mais comum existente no proces-
so. No entanto, pela falibilidade do ser humano, é chamada de “prostituta das provas”.
capítulo 4 • 88
Classificação das testemunhas
Numerárias: são aquelas arroladas pelas partes de acordo com o número má-
ximo previsto em lei.
I. Extranumerárias: ouvidas por iniciativa do magistrado;
II. Informantes: não prestam compromisso de dizer a verdade;
III. Referidas: ouvidas pelo juiz, quando referida por outra testemunha;
IV. Próprias: prestam depoimento sobre o fato objeto do litígio;
V. Impróprias: prestam depoimento sobre um ato do processo, do inquérito
policial etc.;
VI. Diretas: prestam depoimento sobre um fato que presenciaram;
VII. Indiretas: prestam depoimento sobre conhecimento adquiridos por terceiros.
Características
ATENÇÃO
Se uma das partes desistir da oitiva da testemunha arrolada, deverá ser ouvida a parte
contrária até para evitar manobras fraudulentas. Princípio da comunhão das provas, uma vez
arroladas pertencem ao processo, e não às partes.
capítulo 4 • 89
Da dispensa / isenção do dever de depor
Artigo 206 do CPP – a testemunha não poderá eximir-se do dever de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado,
salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e
de suas circunstâncias.
ATENÇÃO
Nessas hipóteses não se deferirá o compromisso de dizer a verdade. Serão ouvidos
como meros informantes.
Artigo 208 do CPP – não se deferirá o compromisso a que alude o artigo 203 aos doen-
tes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que
se refere o artigo 206.
Artigo 207 do CPP - são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, mi-
nistério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar o seu testemunho.
capítulo 4 • 90
Testemunho de policiais
Artigo 212 do CPP – as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à teste-
munha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação
com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único – sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá completar a inquirição.
capítulo 4 • 91
Da prova pericial. Conceito de perícia. Os conceitos de exame de
corpo de delito direto e indireto. O valor probatório da perícia. O
assistente técnico.
ATENÇÃO
Mesmo o saber científico é relativo e tem prazo de validade. Perícia é uma declaração
técnica acerca de um elemento de prova. A prova pericial é considerada uma prova técnica,
na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico. É um meio
de prova como qualquer outra, lembrando que não há hierarquia entre os meios de prova.
CONCEITO
Corpo de delito: é o conjunto de vestígios materiais ou visíveis deixados pela infração.
PERGUNTA
Todo crime demanda a necessidade de perícia? Ver artigo 158 do CPP.
capítulo 4 • 92
• Exame de corpo de delito direto e indireto:
Artigo 158 do CPP – quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de
corpo de delito direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Artigo 167 do CPP – não sendo possível o exame de corpo de delito direto, por haverem
desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
ATENÇÃO
O exame indireto será admitido quando os vestígios desaparecerem e aprova testemu-
nhal irá suprir a falta do exame direto. Mas também poderá ter a comprovação indireta atra-
vés de fotografias, gravações, áudios etc.
capítulo 4 • 93
Artigo 182 do CPP – o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo,
no todo ou em parte.
Do assistente técnico
Artigo 159 parágrafo 5º, inciso II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar
pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
Da acareação
capítulo 4 • 94
• Testemunhas;
• Acusado e vítima;
• Testemunha e vítima;
• Vítimas.
Da prova documental
capítulo 4 • 95
ATENÇÃO
Temos uma exceção no procedimento do tribunal do júri, em que os documentos devem
ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis.
Artigo 479 do CPP – durante o julgamento não será permitida a leitura de documento
ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima
de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
Da prova indiciária
• Valor probante: possui valor probante como qualquer outra prova, tendo em
vista o princípio do livre convencimento motivado do juiz (não há hierarquia entre os
meios de prova). Assim, até mesmo um único indício poderá servir de base para o aco-
lhimento da pretensão punitiva, desde que se mostre suficiente para convencer o juiz.
Conforme leciona Eugênio Pacelli58 a prova indiciária, ou prova por indícios, terá
a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que
por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar. Por exemplo, tratando-se de
prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam
no mundo das ideias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia.
58 Oliveira, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.430.
capítulo 4 • 96
ATIVIDADES
01. Quanto à validade da prova no processo penal:
a) O depoimento de testemunha colhido no inquérito policial serve para condenar o acu-
sado.
b) A prova pericial colhida durante a investigação deverá ser repetida no processo para fins
de convencimento do julgador.
c) O juiz, de acordo com a jurisprudência pacífica, pode produzir prova durante o inquéri-
to policial.
d) Todas as provas possuem um valor relativo.
RESUMO
Neste capítulo, estudamos as provas em espécie, sua natureza jurídica, a classificação
segundo a doutrina, o procedimento previsto e o seu valor probatório.
Como já mencionamos, a prova é o centro nervoso do processo e por isso é um tema de
grande relevância para o nosso estudo.
capítulo 4 • 97
A reconstrução de um determinado fato irá instruir o órgão julgador a formar a sua con-
vicção e de forma motivada proferir a sua sentença final. Inicialmente, o juiz desconhece o
fato, e será através da prova que ele irá tentar se aproximar da realidade fática.
O direito à prova, conforme vimos, pertence às partes, mas, uma vez produzidas, perten-
cem ao processo, sendo este o princípio da comunhão das provas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
capítulo 4 • 98
5
A prisão em
flagrante e a prisão
temporária
A prisão em flagrante e a prisão temporária
99 Intervenção corporal, identificação criminal por meio de material genético;
99 DNA e o princípio do nemo tenetur se detegere.
OBJETIVOS
Identificar as prisões no curso do processo e a sua excepcionalidade, ou seja, ressaltar
que se trata de ultima ratio, de uma medida cautelar que incide sobre a pessoa e, portanto,
somente poderá ser decretada em situações excepcionais e devidamente fundamentada.
Ressaltar a importância do princípio do nemo tenetur se detegere, como consequência do
direito ao silêncio consagrado na nossa Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXIII). Assim,
ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo, sendo este um princípio basilar no
estudo da participação do indiciado na investigação criminal.
capítulo 5 • 100
transitada em julgado, como uma resposta do Estado ao infrator como uma retri-
buição ao mal praticado.
A prisão sem pena não decorre de uma sentença penal condenatória transitada
em julgado, será decretada no curso do processo.
Segunda a CR/88 ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Como medidas cautelares, possuem as seguintes características: jurisdicionali-
dade, acessoriedade, instrumentalidade, provisoriedade e homogeneidade.
• Jurisdicionalidade: as medidas cautelares estão submetidas em primeiro
lugar à análise judicial de sua adoção, por se tratarem de restrição a direitos. São
adotadas por decisão judicial fundamentada da autoridade judiciária competente;
• Acessoriedade: a medida cautelar segue a sorte da principal, sendo dela
dependente. Quando houver o resultado do processo principal, a medida cautelar
perde a sua eficácia;
• Instrumentalidade: a medida cautelar serve de instrumento, de modo e de
meio para se atingir a medida principal. Meios para assegurar a eficácia prática de
um procedimento principal;
• Provisoriedade: a medida cautelar dura enquanto não for proferida a medi-
da principal e enquanto os requisitos que a autorizarem estiverem presentes;
• Homogeneidade: proporcionalidade entre o que está sendo dado e o que
será concedido, não sendo admitido que a restrição à liberdade durante o curso do
processo seja mais severa que a sanção aplicada ao final.
capítulo 5 • 101
São os requisitos do periculum libertatis e fumus commissi delict.
O periculum libertatis é o perigo na liberdade do indivíduo a justificar a sua
prisão, já o fumus commissi delict é a fumaça do cometimento do crime. Torna-se
importante analisarmos tais requisitos legais, uma vez que o juiz irá converter a
prisão em flagrante em preventiva se os mesmos estiverem presentes.
Garantia da ordem pública tem como finalidade tutelar, proteger a ordem
pública, a convivência harmônica em sociedade. Impedir que o réu, em liberdade,
prossiga praticando crimes. O clamor público, por si só, não justifica a neces-
sidade da prisão.
Garantia da ordem econômica é para evitar a perturbação ao livre exercício
de qualquer atividade econômica, seja pelo risco de reiteração de práticas que
gerem perdas financeiras, seja por colocar em perigo a credibilidade e o funciona-
mento do sistema financeiro.
Conveniência da instrução criminal é para evitar que o réu em liberdade
perturbe a instrução, ameaçando testemunhas, vítimas, tentando corromper as au-
toridades, desaparecendo com os vestígios dos crimes. Assim, a liberdade do indi-
víduo coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo.
Aplicação da lei penal significa a prisão para evitar que o réu fuja, frustrando
a concretização do direito de punir da lei penal. Esse risco de fuga não pode ser
presumido, mas fundado em circunstâncias concretas.
Já o fumus commissi delict é a prova da existência do crime e indícios sufi-
cientes de autoria, ou seja, a fumaça do cometimento do crime.
Conforme já mencionamos, a prisão no curso do processo será sempre a
ultima ratio, sendo decretada somente se revelarem inadequadas ou insuficientes
as medias cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do CPP.
ATENÇÃO
A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão, mas em razão
da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa aplicável ao caso.
Prisão em flagrante
capítulo 5 • 102
• Previsão legal: artigo 301 – 310 do CPP;
• Conceito: flagrante é a certeza visual do crime, possui a ideia de imediatidade;
• Natureza jurídica: segundo alguns autores a prisão em flagrante é um ato
meramente administrativo sem natureza jurisdicional, uma vez que, a análise judi-
cial será feita posteriormente, não depende de autorização judicial prévia. Parcela
da doutrina afirma que a prisão em flagrante teria sim, natureza cautelar, como as
demais hipóteses de prisão processual, já que a sua manutenção é delimitada no
tempo. E, por fim, outra corrente sustenta que a prisão possui natureza pré-cautelar;
Sendo este o entendimento do Professor Luis Flavio Gomes59 ao afirmar que
a prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar porque não tem o escopo de
tutelar o processo ou o seu resultado final, sim, ela se destina a colocar o preso à
disposição do juiz, para que tome as providências cabíveis.
Flagrante vem do latim queimar, arder. De acordo com o autor Renato
Brasileiro de Lima60, a expressão “flagrante” deriva do latim flagrare, e flagrantis
(ardente, brilhante, resplandencente), que no léxico, significa acalorado, evidente,
notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma caracterís-
tica do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida
ou acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização
judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo
de autodefesa da sociedade.
• Sujeito ativo da prisão em flagrante: é aquele que realiza a prisão da pessoa
que está em uma das situações do artigo 302 do CPP. De acordo com o disposto
no artigo 301 do CPP “qualquer pessoa do povo poderá e a autoridade policial e
seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”;
Sendo assim, qualquer pessoa do povo pode prender em flagrante (estaria
em exercício regular do direito), trata-se do flagrante facultativo. Já a autoridade
policial e seus agentes devem (estrito cumprimento do dever legal), é o flagrante
obrigatório ou compulsório.
REFLEXÃO
A autoridade policial e seus agentes têm o dever de prender a qualquer custo? Não, age
quando pode.
59 GOMES, Luiz Flavio; MARQUES, Ivan Luis. Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Editora RT, 2011, p.90.
60 LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011,
p.177.
capítulo 5 • 103
EXEMPLO
Um policial se depara com um assalto em um banco com 5 agentes armados. Se o poli-
cial agir irá colocar em risco a vida de todas as pessoas que estão no Banco. Assim, o dever
de agir é quando for possível.
capítulo 5 • 104
presumir ser o autor da infração. O artigo 290 parágrafo 1º do CPP dá o conceito
de o que seria uma perseguição para o legislador, senão vejamos:
Artigo 290 parágrafo 1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:
a) Tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido
de vista.
b) Sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco
tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.
PERGUNTA
Quanto tempo depois poderá o agente ser preso em flagrante? 24 horas? 1 semana?
10 dias? 30 dias?
Resposta: Não existe um prazo, contanto que a perseguição tenha se iniciado logo após
o crime e seja contínua e ininterrupta.
ATENÇÃO
A expressão “logo após” refere-se ao fato praticado, é um intervalo mínimo entre o crime
e o início da perseguição. Um prazo razoável para que a autoridade policial e seus agentes
cheguem ao local do fato, colham as informações e saiam ao encalço do autor da infração.
capítulo 5 • 105
No entanto, parcela da doutrina62 afirma que o encontro a que se refere o
legislador é o casual, fortuito, entre o agente ou qualquer pessoa do povo, desde
que o encontro ocorresse logo depois da prática do crime.
• Da lavratura do auto de prisão em flagrante: De acordo com a legisla-
ção processual penal, apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o
condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e
recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o
acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,
colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade,
afinal, o auto. (Artigo 304 do CPP);
Sendo assim, em regra a autoridade policial do local da prisão quem irá presidir
a lavratura do auto de prisão em flagrante, mas se neste local não houver Delegado,
o preso será apresentado ao local mais próximo, conforme o artigo 308 do CPP.
Artigo 308 do CPP – Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a pri-
são, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo.
capítulo 5 • 106
Faz-se um aparato, provoca o comportamento do agente para induzi-lo a prá-
tica do crime, e no momento em que irá praticar, prende-o em flagrante delito.
Súmula 145 do STF – Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.
Artigo 17 do CP - não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
EXEMPLOS
1. A patroa que, desconfiada da empregada, deixa o dinheiro à mostra e fica de espreita até
o momento em que a empregada pega o dinheiro e a patroa a surpreende;
2. Dono do estabelecimento comercial que tem a certeza de que seu funcionário está
retirando dinheiro do caixa, mas nunca o pegou em situação de flagrante, ou seja, não tem a
certeza visual do crime. Portanto, prepara, provoca, cria, induz à prática do mesmo.
ATENÇÃO
Artigo 33 da Lei 11.343/06 e a prisão em flagrante:
O artigo 33 da lei de drogas é de conteúdo variado, trata-se de um crime de ação múl-
tipla. O tipo penal contém 18 verbos, assim, ainda que o agente pratique mais de uma ação,
sucessivamente, responderá por crime único.
Questão controvertida é a dos policiais que se fazem passar por usuários, induzindo o
agente a efetuar a venda da droga. Nesses casos, há quem sustente a ilegalidade da prisão,
pois segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há crime quando a prepa-
ração do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação (Súmula 145 do STF).
Porém, normalmente, a conduta de vender é antecedida de outras que são permanentes.
O caráter permanente da infração conclui que o agente estava em situação de flagrante
delito. As modalidades de guardar, ter em depósito, trazer consigo, o estado de flagrância é
permanente e, portanto, a prisão seria legal, válida.
capítulo 5 • 107
“Em se tratando o tráfico de drogas, nas condutas de guardar, transportar e
trazer consigo, de delito de natureza permanente, a prática criminosa, in casu, se
consumou antes mesmo da atuação policial (compra fictícia), o que afasta a alega-
ção de flagrante preparado.” (Resp 1.455.188/SP, j. 19/02/2019).
• Flagrante esperado: ocorre quando se sabe que o agente irá praticar a infra-
ção, mas não se induz, não se prepara, não provoca, não há qualquer participação
direta. Simplesmente aguarda, espera a ocorrência do crime. A polícia tem notícias
de que um crime será cometido e passa a monitorar, esperar a atividade criminosa
e prender o agente em flagrante delito;
O conhecimento da ocorrência da infração normalmente se dá através de de-
núncias anônimas ou através de atividades investigatórias. Podemos citar como
exemplo, quando os policiais recebem a notícia de que em determinado local
estejam praticando o crime de tráfico de entorpecentes. Assim, vão até o local e
aguardam, ficam de espreita e, de fato, percebem o entra e sai de pessoas em uma
casa. Em determinado momento, entram no local e apreendem grande quantida-
de de drogas. A prisão em flagrante é legal e válida.
• Flagrante forjado ou fabricado: é o flagrante ilegal por excelência. Ocorre
quando é criada, forjada uma situação fática para tentar legitimar uma prisão.
Exemplo clássico é quando policiais, em uma blitz, forjam a ocorrência de um
crime, colocando drogas ou armas no interior do veículo.
Flagrante diferido, retardado, postergado: é a ação controlada prevista no
artigo 8º da Lei 12.850/13.
capítulo 5 • 108
Citamos o exemplo apresentado pelo Professor Aury Lopes64: diante de uma
complexa organização criminosa que tem por objeto o roubo de cargas e posterior
distribuição a uma rede de fornecedores, a polícia deixa de prender aqueles agentes
que cometeram o roubo no momento em que o estão praticando, para, monitoran-
do-os, descobrir o local em que a carga é escondida e o caminhão desmontado para
ser vendido em um desmanche ilegal. De posse dessas informações, descobre ainda
quem são os receptadores e, quando tiver provas suficientes dos crimes e da estrutura
da organização criminosa, realiza a prisão em flagrante de todos os agentes.
Situações diversas
Torna-se válido lembrar que a prisão em flagrante possui dois momentos, quais
sejam: prisão captura e a lavratura do auto de prisão em flagrante. O primeiro
momento sempre poderá ocorrer, até porque a conduta não foi descriminalizada,
64 LOPES JUNIOR, Aury. Op. cit.
capítulo 5 • 109
mas simplesmente passou a ser considerada de menor potencial ofensivo, sendo
aplicadas as medidas despenalizadoras da Lei 900/95, tais como composição civil
dos danos, transação penal etc.
• A prisão em flagrante nos crimes de ação penal privada e pública con-
dicionada á representação:
O Estado só poderá agir se houver manifestação de vontade do ofendido.
Assim como o inquérito policial não poderá ser instaurado sem a manifestação da
vontade do ofendido ou requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Somente à vista de manifestação de vontade do ofendido ou requisição do Ministro
da Justiça é que poderá haver prisão em flagrante. Caso contrário, ausente estará uma
condição específica de procedibilidade para a formalização do ato de prender.
A polícia nessa hipótese deve limitar-se a praticar atos tendentes a evitar a
consumação do crime ou a impedir que a presença do infrator no local venha a
conturbar a ordem.
• Prisão em flagrante nos crimes habituais:
Crimes habituais são aqueles que exigem a prática reiterada da conduta, a sua
habitualidade. Exemplos: manter casa de prostituição (artigo 229 do CP), exercí-
cio irregular da medicina (artigo 282 do CP).
PERGUNTA
É possível a prisão em flagrante nos crimes habituais?
capítulo 5 • 110
No entanto, a posição contrária argumenta que será possível, desde que, no ato,
consiga comprovar a habitualidade da conduta, como, por exemplo, de pessoa que
exerce ilegalmente a medicina, em que se encontre agenda com marcações de clien-
tes. Inclusive, se a autoridade policial já tiver uma prova anterior da habitualidade,
a prisão em flagrante poderá ser efetuada diante da prática de qualquer novo ato.
capítulo 5 • 111
No inciso III, o legislador elenca um rol taxativo, numerus clausus, fechado.
Trata-se do fumus commissi delicti (fumaça do cometimento do crime).
PERGUNTA
A aplicação dos incisos do artigo 1º é cumulativa ou alternativa? Poderá ser decretada a
prisão temporária somente com base no inciso I? Ou inciso II? Ou só no inciso III?
Inicialmente, afirma-se que a prisão temporária por crime que não esteja pre-
visto no rol do inciso III será ilegal. Não faz sentido o legislador elencar um rol
exaustivo de crimes, se qualquer outro crime não previsto ali pudesse ser objeto
de prisão temporária. Assim, é indispensável a existência de fundadas razões de
autoria e participação nos crimes previamente relacionados.
Exigir a presença dos três incisos tornaria a medida de difícil aplicação, pois mes-
mo sendo necessária a prisão, se o agente tivesse residência fixa e identidade certa, não
poderia ser decretada, uma vez que o inciso II fala quando o indiciado não tiver resi-
dência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.
A prisão temporária também somente poderá ser decretada quando impres-
cindível para as investigações do inquérito policial. Não cabe prisão temporária no
curso do processo.
Conclui-se, portanto, que sempre serão necessários os incisos I e III, pois
o inciso I representa a necessidade da prisão (periculum libertatis) e o inciso III
demonstra o fumus commissi delict. Mas somente quando combinados, de forma
isolada não justificam a prisão temporária.
Já a aplicação do inciso II é complementar e não essencial. O agente pode não
ter residência fixa ou identidade certa e a prisão não ser necessária para a investi-
gação, pois, por exemplo, já se encontra praticamente concluída.
Procedimento
A Lei 7960/89 dispõe que a prisão temporária somente poderá ser decreta
pelo juiz, ou seja, autoridade judiciária, não sendo possível, portanto, a autoridade
policial (leia-se Delegado de Polícia) decretar a prisão.
Art. 2º - A prisão temporária será decretada pelo juiz, em face da representação da au-
toridade policial ou de requerimento do Ministério Público...
capítulo 5 • 112
Como a prisão temporária somente será decretada na fase do inquérito, não
poderá ser decretada de ofício, atendendo ao sistema acusatório adotado em nosso
ordenamento jurídico. Haverá a necessidade de requerimento do MP ou de repre-
sentação do Delegado. No caso de representação, deverá ser ouvido o Ministério
Público antes de o juiz decidir (art. 2 parágrafo 1º). Mas o juiz não ficará vincula-
do ao parecer do membro do Parquet.
O despacho que decretar a prisão deverá ser devidamente fundamentado e
proferido dentro do prazo de 24 horas, contados a partir do recebimento da repre-
sentação ou do requerimento. O juiz poderá determinar que o preso lhe seja apre-
sentado, bem como solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial
e, até mesmo, submetê-lo a exame de corpo de delito. A finalidade é o controle
judicial, tendo em vista a excepcionalidade da medida. Lembrando que a prisão
temporária tem natureza de cautelar, sendo também, a ultima ratio.
O próprio legislador se preocupou com a integridade física do preso e de-
terminou que os mesmos deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos
demais detentos (art. 3º da Lei 7960/89).
Efetuada a prisão, o detento será informado de todos os seus direitos, conforme
preceitua a Constituição Federal em seu artigo 5º. O mandado de prisão será expedido
em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa,
e a prisão somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial.
Prazos
De acordo com o artigo 2º a prisão temporária será decretada por 5 dias pror-
rogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
ATENÇÃO
Se o crime for hediondo o prazo será de 30 dias prorrogável por igual período, podendo
durar até 60 dias. (art. 2º parágrafo 4º da Lei 8072/90). Qualquer prazo que ultrapasse,
a prisão será ilegal devendo ser imediatamente relaxada.
Contudo, nada impede que ele seja colocado em liberdade antes desses prazos, pela
própria autoridade policial, desde que não tenha mais interesse para a investigação. Se o
prazo de 3 dias, por exemplo, for suficiente para a autoridade policial realizar a diligência, não
há razão para sacrificar mais ainda a liberdade do indivíduo.
capítulo 5 • 113
OBS.: a prisão temporária é dirigida à investigação, não sobrevive no curso
do processo. Não cabe prisão temporária quando já tiver sido concluído o inqué-
rito policial.
PERGUNTA
Findo o prazo de 5 dias, a autoridade policial terá que imediatamente colocar o preso em
liberdade ou há a necessidade de expedição do alvará de soltura?
Art. 2º parágrafo 7º - Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de detenção, o preso deverá ser
posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada a sua prisão preventiva.
capítulo 5 • 114
Porém, conforme já mencionado, a maioria da doutrina afirma que a ordem
de soltura está implicitamente prevista no mandado de prisão, uma vez que, a
prisão possui prazo determinado.
A identificação criminal
capítulo 5 • 115
O exame de DNA como meio de prova
capítulo 5 • 116
ou não invasivas. Assim, define-se intervenção corporal como a utilização do cor-
po do acusado para efeitos de investigação.
Como exemplo clássico de prova invasiva citamos a coleta de sangue, para pos-
terior análise de DNA, com a finalidade de identificar autores do crime. Quando
o acusado consente não há problema algum, pois estamos diante da autodefesa do
mesmo, o problema consiste quando não há o consentimento, ou seja, quando ele
se recusa a colaborar.
Diante dos princípios do nemo tenetur se detergere e da presunção de inocência
(não culpabilidade), entendemos que o sujeito não pode ser obrigado a submeter-
-se às intervenções corporais.
Nesse sentido, Aury Lopes Junior67, afirma que a prova da alegação dos fatos
incumbe a quem acusa, portanto, o sujeito passivo não pode ser compelido a auxi-
liar a acusação. Ademais, submeter o sujeito passivo a uma medida de intervenção
corporal sem o seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a
confissão. Por fim, ainda salienta o autor que junto ao direito de defesa existem ou-
tros direitos fundamentais que impedem as intervenções, como o direito à vida, à li-
berdade, à integridade física e moral e o de que ninguém será submetido à tortura ou
tratamento desumano, isto é, direitos que preservam a dignidade da pessoa humana.
Dentre as provas não invasivas, citamos como exemplo os exames de material
fisiológicos, identificação datiloscópica, como também exame realizado através de
fios de cabelo etc.
67 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001,
p.323 -324.
68 QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p.56.
capítulo 5 • 117
princípio como uma das garantias mínimas a serem observadas em relação às pes-
soas acusadas da prática de um delito.
O Brasil ratificou o Pacto Internacional e a Convenção Americana (Decreto
nº 678, de 06/11/992) passando tal princípio a ter previsão em nossa legisla-
ção. Segundo a autora Maria Elizabeth Queijo o princípio do nemo tenetur se
detegere, como direito fundamental, objetiva proteger o indivíduo contra excessos
cometidos pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra
violência físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na
investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibidos de inter-
rogatório, sugestões e dissimulações.
Este princípio reforça a ideia do sistema acusatório em que falamos no primei-
ro capítulo do livro, pois deixa o juiz afastado em relação à produção probatória.
O direito da não autoincriminação compulsória faz parte do conjunto de garan-
tias que compõe o devido processo legal.
A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXIII garante que o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe asse-
gurada a assistência da família e de advogado.
É uma decorrência lógica do princípio da não autoincriminação compulsória.
O acusado deverá ser cientificado do seu direito e não o sendo, a sua manifestação
será inutilizada.
É o que estabelece o artigo 186 e parágrafo único do CPP, atendendo à
Constituição de 88, senão vejamos:
capítulo 5 • 118
ATIVIDADES
01. Sobre as prisões cautelares admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, assinale a
alternativa que reproduz corretamente conceito jurídico ou dispositivo legal:
a) Considera-se em flagrante delito quem é perseguido, pela autoridade, pelo ofendido
ou por qualquer pessoa, logo após ocorrer situação que faça suspeitar ser ele o autor
da infração.
b) A falta de testemunhas da infração impedirá o auto de prisão em flagrante ainda que
com o condutor assinem outras duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação
do preso à autoridade.
c) Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, fundamentadamente, relaxar a
prisão ilegal com arbitramento de fiança.
d) Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo
apresentado à do lugar mais próximo, quando, por motivos de saúde, não puder aguardar
o restabelecimento da primeira.
e) Considera-se em flagrante delito quem é encontrado logo depois, com instrumentos,
armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
capítulo 5 • 119
04. A disposição constitucional que assegura ao preso o direito ao silêncio consubstancia
o princípio da:
a) Inexigibilidade de autoincriminação. d) Oralidade.
b) Verdade real. e) Cooperação processual.
c) Indisponibilidade.
RESUMO
Verificamos a importância do tema relativo à prisão processual, de natureza cautelar
estudada no processo penal. Vimos a diferença entre prisão pena (decorre de uma sen-
tença penal condenatória transitada em julgado) e prisão sem pena, como instrumento do
processo. Iniciamos o capítulo apresentando as características das medidas cautelares para
entendermos a natureza da prisão processual. Após analisamos a prisão em flagrante, suas
hipóteses legais e várias situações que são apresentadas pela doutrina e jurisprudência.
Vimos também a participação do acusado na investigação criminal e durante a fase do
processo. Nesse ponto, de fundamental importância o direito ao silêncio assegurado na
Constituição Federal, não sendo, portanto, obrigado a se submeter à coleta de provas contra
si mesmo. Ainda foi feita a análise das intervenções corporais invasivas e não invasivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO DA SILVA, Eduardo. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.
GOMES, Luiz Flavio; MARQUES, Ivan Luis. Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Editora RT, 2011.
LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
-----------------------. Sistemas de investigação preliminar no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora RT, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas,
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003.
capítulo 5 • 120
GABARITO
Capítulo 1
Capítulo 2
01. C. 03. B.
02. C. 04. C.
05. A informação está incorreta. A queixa crime é instrumento da ação penal privada. Será
intentada pelo ofendido no momento em que ajuíza a ação penal. Equivale a denúncia nos
crimes de ação penal pública. O correto é Antonio Carlos apresentar uma notícia crime (co-
nhecimento de um crime) e a partir desta noticia crime, a autoridade policial irá instaurar
inquérito policial.
Ver artigos 5°, inciso I e artigo 29 do CPP.
Capítulo 3
01. E. 02. B.
03. São três correntes. A primeira corrente não admite pois como já vimos faz uma interpre-
tação literal do disposto no artigo 2º parágrafo único da lei 9296/96 em que dispõe que deve
ser descrita com clareza a situação objeto da investigação. Já a segunda corrente admite
desde que haja um liame, um nexo entre o crime objeto da interceptação e o descoberto de
forma fortuita. Por fim, a terceira corrente admite, independentemente de qualquer conexão
entre os crimes, mas desde que seja de semelhante gravidade.
04. O magistrado deverá aceitar a prova, uma vez que foi adquirida em favor do réu, ou seja,
para provar a sua inocência. Entende-se que ele está amparado por uma causa excludente
da própria ilicitude da conduta e, ademais, tal princípio é uma garantia do acusado e jamais
deve ser interpretado em seu desfavor.
capítulo 5 • 121
Capítulo 4
01. D. 03. D.
02. D. 04. B.
Capítulo 5
01. E. 03. E.
02. B. 04. A.
capítulo 5 • 122
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 123
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 124
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 125
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 126
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 127
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 128