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DIREITO PROCESSUAL

PENAL APLICADO

autora
GISELA VASCONCELOS ESPOSEL

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima

Autora do original gisela vasconcelos esposel

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media

Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo maria carolina cancella de amorim

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Sumário
Prefácio 7

1. Sistemas processuais penais: acusatório,


inquisitivo e misto 9
Princípios constitucionais e gerais informadores do processo penal 10

Da origem dos sistemas processuais: Do sistema acusatório privado 11


Do sistema inquisitorial e suas características 13
O sistema acusatório adotado implicitamente na
Constituição da República: posicionamento doutrinário 15
Do sistema misto 16

Princípios Constitucionais e gerais informadores do processo penal 18


Do Devido Processo Legal 18
Princípio do Favor Rei ou Favor Libertatis 20
Contraditório 21
Ampla Defesa 23
Verdade material ou substancial / verdade processual 23
Presunção de Inocência (não culpabilidade) 24
Juiz Natural 25
Identidade Física do Juiz 26

2. Inquérito policial, persecução penal do Estado


e polícia judiciária 31
Do conceito e fundamentos do inquérito policial 33
Da natureza jurídica e titularidade 34
As características do inquérito policial 35
O Contraditório e a Ampla defesa no inquérito policial.
Controvérsia. 36
Formas de instauração do inquérito policial 38
Instauração do inquérito policial em casos de denúncia anônima 41
Instauração do inquérito policial em crimes de menor
potencial ofensivo 41
O flagrante delito como forma de instauração do inquérito policial 42
O arquivamento do inquérito policial 46
O arquivamento implícito no ordenamento jurídico brasileiro 47

3. Teoria geral da prova 51


A terminologia, o conceito, a expressão prova para o direito 53
Da natureza jurídica 55
O destinatário da prova, os sujeitos da prova e o objeto da prova 56
Fontes de prova e meios de prova 56

Classificação das provas e o ônus da prova 57

Princípios aplicáveis às provas e a vedação das provas obtidas


por meios ilícitos 61
Dos limites ao direito à prova e da vedação das provas obtidas
por meios ilícitos 61
Da prova ilícita por derivação 62

Princípios da proporcionalidade e razoabilidade 65


Prova ilícita pro reo e pro societate 65
Da prova emprestada e sua validade 65

A busca e apreensão domiciliar e pessoal 66


Da busca domiciliar 66
Da busca pessoal 67

Interceptações telefônicas e sistemas de valoração das provas 68


O conceito de interceptação telefônica: distinção entre
interceptação, escuta e gravação clandestina 68
Hipóteses de cabimento da interceptação telefônica 69
Do prazo de duração 70
Do encontro fortuito de provas 70
Quebra do sigilo de dados telefônicos e interceptação
telefônica 71

Sistemas de valoração de provas 72


4. O interrogatório do réu e a confissão 77
O interrogatório do réu 79
Da obrigatoriedade do interrogatório 80
Do direito ao silêncio 81

Do interrogatório por videoconferência 84


Sistema de inquirição 85

Da confissão 85
Classificação da confissão 85
Características da confissão 86
Do valor probatório 86
Da delação ou chamamento do correu 87
Delação premiada 87

Da prova testemunhal 88
Classificação das testemunhas 89
Características 89
Momento para arrolar as testemunhas 89
Da dispensa / isenção do dever de depor 90
Testemunho de policiais 91
Da inquirição das testemunhas 91

Da prova pericial. Conceito de perícia. Os conceitos de exame


de corpo de delito direto e indireto. O valor probatório da perícia.
O assistente técnico. 92
Do valor probatório da perícia 93
Do assistente técnico 94

Da acareação 94

Da prova documental 95

Da prova indiciária 96

5. A prisão em flagrante e a prisão temporária 99


Prisão em flagrante 102
Situações diversas 109
Da prisão temporária: Lei 7960/89 111
Das hipóteses de cabimento 111
Procedimento 112
Prazos 113

A identificação criminal 115


O exame de DNA como meio de prova 116
Intervenção corporal e a extração do material
genético do acusado 116
O papel do indiciado na investigação criminal:
O princípio do nemo tenetur se detegere e sua conformidade
com a prova produzida por meio de DNA 117
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O presente trabalho tem como principal objetivo o estudo sobre importantes


temas do Direito Processual Penal. Vamos apresentar as suas discussões teóricas
para que você possa entender a aplicação prática de tais institutos.
Iniciamos abordando os sistemas processuais penais, com ênfase ao sistema
adotado em nosso ordenamento jurídico (do tipo acusatório), suas características
e diferenças de um sistema denominado inquisitorial.
Ainda neste primeiro capítulo apresentamos os princípios informadores do
processo penal. Neste ponto, ressalto a importância do estudo em relação a tais
princípios. É imprescindível que você tenha uma base sólida em relação aos prin-
cípios para que possa tramitar facilmente por todos os demais institutos. Não é à
toa que são chamados de princípios norteadores ou informadores.
Em seguida, iremos estudar a primeira fase da persecução penal que se dá atra-
vés do inquérito policial. Trata-se de um procedimento administrativo, investiga-
tório para apurar autoria e materialidade, dando um suporte mínimo para uma
eventual ação penal. Você irá aprender as formas de instauração, suas característi-
cas, as hipóteses de arquivamento e a controvérsia sobre a teoria do arquivamento
implícito em nosso ordenamento jurídico.
O capítulo 3 versa sobre a teoria geral da prova, as provas ilícitas por deri-
vação, prova ilícita em favor do acusado, bem como a busca e apreensão e inter-
ceptação telefônica. Lembramos que é um tema importantíssimo para o direito
processual, pois todo o convencimento do juiz se formará a partir das provas que
são produzidas em juízo. Por isso a importância do estudo da sua parte geral para
que você possa compreender as provas em espécie.
Verifica-se, ainda, a relevância do estudo sobre a Lei 9296/96 que disciplina a
interceptação telefônica, atendendo ao comando constitucional previsto no artigo
5º, inciso XII. Esse tema possui uma incidência prática enorme, basta verificar em
jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Após a análise sobre a parte geral da prova no processo penal, iniciamos com o
interrogatório do acusado e o exercício ao direito ao silêncio, direito este consagra-
do na Constituição (artigo 5º, inciso LXIII). Em seguida, falaremos sobre a con-
fissão do acusado, suas características e valor probatório. Neste mesmo capítulo

7
abordamos a delação premiada, prova testemunhal, pericial, a acareação, a prova
documental e indiciária.
Por fim, encerramos nossa obra falando sobre a prisão processual, ou seja, a
prisão efetuada no curso do processo, que não se confunde com a prisão decor-
rente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Neste ponto,
estudamos a prisão em flagrante e a prisão temporária, esta última prevista na Lei
7960/89.
Ainda no último capítulo, vamos tratar sobre a intervenção corporal, a par-
ticipação do indiciado na fase da investigação criminal, tendo como princípio
norteador o direito a não produzir provas contra si mesmo, ou seja, nemo tenetur
se detegere.

Bons estudos!
1
Sistemas
processuais
penais: acusatório,
inquisitivo e misto
Sistemas processuais penais: acusatório,
inquisitivo e misto

Princípios constitucionais e gerais informadores do processo penal

Neste capítulo, vocês irão aprender quais são os sistemas processuais apresen-
tados pela doutrina, suas características e peculiaridades. Sistemas processuais são
concepções teóricas a respeito de uma realidade, de uma experiência real sobre
como administrar as questões penais.
Em outras palavras: O que fazer quando se tem a notícia de um crime?
Como dar a resposta ao cidadão? O sistema processual adotado será crucial para
tais indagações!
Também irão analisar os princípios constitucionais informadores do processo
penal. Deve-se reconhecer a importância da integralização dos princípios como úni-
ca forma de se assegurar um processo justo e garantista. Princípios são mandamentos
de um sistema. Muitas vezes, as respostas para determinadas questões que surgem no
curso de um processo penal encontram-se nos princípios que o informam.

OBJETIVOS
Identificar os sistemas processuais penais e suas características. Distinguir as diferenças
entre os sistemas penais, bem como reconhecer a importância da adoção de um sistema
penal acusatório como forma de se garantir um processo justo.
Analisar os princípios processuais penais e a importância da integralização para a for-
mação de um processo garantista, em que se desenvolva à luz da Constituição da República.

O processo penal encontra-se situado em uma estrutura que apresenta caracterís-


ticas distintas e se divide, historicamente, nos sistemas inquisitório, acusatório e misto.
Nas lições de Mittermayer, a organização de uma sociedade política irá exercer
sobre os seus desenvolvimentos uma poderosa influência e, onde reina a democra-
cia, domina o processo de acusação, respeitando-se as garantias existentes contra
todos os abusos possíveis.
Há um verdadeiro combate entre duas partes adversas. De um lado, o acusador
emprega todos os meios para convencer o juiz e, de outro lado, o acusado emprega
em sua defesa todas as armas para conquistar a seu favor a opinião do juiz.

capítulo 1 • 10
Já a forma inquisitorial, segundo o autor, pertence principalmente ao siste-
ma monárquico, com um poder ativo, central, no qual ordena a perseguição dos
crimes no interesse da segurança e da ordem pública, sendo o processo penal um
simples negócio de administração.1
Verifica-se no sistema inquisitorial que a decisão das causas será entregue a
juízes nomeados pelo poder central, mas esses deverão seguir as instruções pelo
legislador. O alvo final é a prova da verdade material em sua mais completa expres-
são. E o caminho em busca da verdade será percorrido em silêncio.
Difere, portanto, do processo acusatório, em que a acusação é formulada pu-
blicamente pelo acusador e o juiz não tem necessidade alguma de provocar uma
confissão. A máxima que orienta todo o processo de acusação é a de que a prova
incumbe ao acusador, não havendo a necessidade de fazer da confissão do réu o
fim das investigações do juiz. Ademais, o juiz não pode ser instituído pelo sobera-
no sob pena de incorrer em desconfiança pública.
A sociedade somente confiará o “poder temível” de decidir sobre os direitos
mais sagrados dos cidadãos os defensores vigilantes e zeladores das liberdades.
A administração das provas será feita inteiramente perante o juiz e a sociedade
tomará parte imediata no resultado, eis que o processo é público e o debate oral.2

Da origem dos sistemas processuais: Do sistema acusatório privado

É importante que você saiba que, inicialmente, o sistema acusatório era priva-
do , não havendo ação pública, cumprindo às partes pesquisarem e produzirem as
3

provas das suas alegações. Não havia ninguém representando a sociedade, o grupo,
o poder, ou quem detém o poder encarregado de fazer acusações contra os indiví-
duos. Somente com o dano, ou ao menos que alguém se apresentasse como vítima
de um dano e designasse um adversário haveria um processo de ordem penal.4
1  MITTERMARYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Traduzido por Alberto Antonio Soares. Livraria do
Editor, 1871. p. 60-61.
2  MITTERMARYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Traduzido por Alberto Antonio Soares. Livraria do
Editor, 1871. p. 65.
3  Conforme Aury Lopes, na accusatio, a acusação era assumida espontaneamente por um cidadão do povo, na qual
se destacam algumas características: a atuação dos juízes era passiva, mantinham-se afastados da iniciativa e gestão
das provas; as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas; a acusação era por escrito e
indicava as provas; havia contraditório e direito de defesa;os julgamentos eram públicos, com os magistrados votando
ao final sem deliberar. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013, p.107-108.
4  Na lição de Foucault “o que caracterizava uma ação penal era sempre um espécie de duelo, de oposição entre
indivíduos, entre famílias ou grupos. Não havia intervenção de nenhum representante da autoridade.” FOUCAULT,
Michel. A verdade e as formas jurídicas. Traduzido por Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio
de Janeiro: Nau, 1996, p.56.

capítulo 1 • 11
Almeida Júnior exemplifica tal fato ao relatar que o primeiro ato do processo era
a denúncia do fato criminoso e do delinquente feita perante um dos magistrados. O
acusador privado expunha a denúncia, o magistrado exigia os indícios, testemunhas
ou outras provas que houvesse, dava juramento ao acusador e designava o tribunal
competente, convocando os cidadãos que deviam servir de juízes, fazia-lhes prestar
juramento de julgar segundo as leis, invocando até mesmo, a vingança dos deuses
sobre sua raça se as infringissem, fixando, em seguida, o dia do julgamento.
Antes desta data, a exposição da acusação era publicamente afixada no pretó-
rio, com a finalidade de provocar o aparecimento de provas para destruí-la ou for-
tificá-la. Se o acusado era condenado, eram logo tomadas medidas para a execução
da sentença, e se fosse absolvido, procedia-se ao exame da conduta do acusador.5
No entanto, essa forma jurídica foi aos poucos desaparecendo, mostrando-se
insuficiente para as necessidades advindas da modificação do ambiente nas socie-
dades, para a repressão dos delitos, sendo certo que a persecução deixada nas mãos
dos particulares comprometia o próprio combate à delinquência, tornando-se im-
periosa uma ordem jurídica condizente com os novos tempos. Essa transformação
ocorreu paulatinamente, do século XII até o XIV, quando o sistema acusatório
privado foi substituído pelo inquisitorial.
Verificou-se também que a acusação feita pela parte privada era muitas vezes
inspirada por vingança. Segundo Almeida Júnior, transportava-se a ação pública das
mãos das partes para as do juiz, com o poder de dirigir e provocar ex officio os atos
da instrução, essencialmente secreto não pesando qualquer responsabilidade sobre
o inquiridor.
A acusação também se transformou, sendo abandonadas as formas romanas.
Estabelecido o processo escrito, a acusação formal da parte ou da justiça, por um
promotor, só foi estabelecida para depois que a formação da culpa, feita inquisi-
torialmente, em processo sumário, iniciado ou por inquirição secreta nos casos
de devassa, ou por querela do ofendido, ou de qualquer do povo, ou por simples
denúncia de crime público, estivesse encerrada. Somente a partir daí, seguia-se um
processo aberto e ordinário.6
Assim, a atividade persecutória, tarefa até então destinada aos particulares,
com a implementação da inquisição, passou ao encargo da Igreja e do Estado.
Dispensou-se o impulso do acusador, agindo o juiz independentemente de provo-
cação, apresentando a acusação e também proferindo a sentença.
5  ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.25.
6  ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.227.

capítulo 1 • 12
Do sistema inquisitorial e suas características

O sistema inquisitorial possui características marcantes, tais como: procedi-


mento secreto, formal e escrito; as funções de acusar, julgar e defender concentra-
das nas mãos do inquisidor; procedimento sem contraditório.
O órgão julgador além de decidir o litígio, era incumbido de elaborar a acusa-
ção penal ex officio e produzir as provas, incluída aí a investigação sobre o acusado
que, despido de garantias processuais, era considerado um mero objeto de investi-
gação. O procedimento investigatório secreto era utilizado pelo juiz acusador para
possuir elementos que pudessem ratificar a acusação por ele próprio elaborada.
Verifica-se, nesse sistema, uma supremacia da verdade real em detrimento aos de-
mais valores e interesses. A estrutura do processo inquisitorial foi construída a partir de
um conjunto de instrumentos e conceitos, especialmente o de verdade real ou absoluta.
Para obtenção dessa verdade o inquisidor precisa do corpo do herege, trans-
formando a prisão cautelar em regra geral. Para alcançar tal desiderato, em busca
desta verdade pode ocorrer até mesmo a tortura e, consequentemente, a confissão.
A tortura era um meio para se conseguir a verdade. Uma vez obtida a confissão, o
inquisidor não precisa de mais nada, pois esta é a rainha das provas.7
Adotava-se o sistema da prova legal ou tarifada. Neste o legislador estabelece,
previamente, o valor de cada prova, assim como a hierarquia entre elas, vinculan-
do a atividade de apreciação das provas pelo julgador.
Comparando o sistema acusatório privado com o sistema inquisitorial Galdino
Siqueira afirma que inconvenientes e males resultam desses sistemas: do acusatório
o de ficar o procedimento entregue à iniciativa privada originando em muitos
casos a impunidade; do inquisitorial, o segredo das diligências, as confissões ex-
torquidas pela tortura.8
O sistema inquisitorial predominou até finais do século XVIII início do
século XIX surgindo assim o sistema acusatório, fundado nos ideais iluministas,
a luta pela igualdade, liberdade e separação dos poderes. A crítica ao aparato
repressivo das Monarquias, a sua brutalidade e o processo de urbanização gerado
pela Revolução Industrial serviu de suporte ideológico à Revolução Burguesa do
século XVIII.9

7  LOPES JÚNIOR, p.116.


8  SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal. São Paulo: Livraria Magalhães, 1937, p.9.
9  GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 25.

capítulo 1 • 13
Nesse sentido, a lição de Luigi Ferrajoli:

(...) a batalha cultural e política contra a irracionalidade e o arbítrio desse procedimento


forma um dos motivos animadores de todo o Iluminismo penal reformador. De Thomasius
a Montesquieu, de Beccaria a Voltaire, de Verri a Filangieri e a Pagano, todo o pensa-
mento iluminista concordou com a denúncia da desumanidade da tortura e do caráter
despótico da Inquisição, assim como com o redescobrimento dos valores garantistas da
tradição acusatória, tal como foi transmitida do antigo processo romano ao ordenamento
inglês. Foi, portanto, natural que a Revolução Francesa adotasse – na oportunidade ime-
diatamente seguinte a 1789 – o sistema acusatório, baseado na ação popular, no júri, no
contraditório, na publicidade e oralidade do juízo e na livre convicção do juiz.

Almeida Júnior ao comparar o sistema inquisitivo com o acusatório aponta


quatro seguintes pontos de diferença:10
1. No sistema acusatório admite uma acusação formulada no início da instrução,
com observância do contraditório, defesa livre e debate público entre o acusador
e o acusado. Já no inquisitorial procedem-se as pesquisas antes de qualquer acusa-
ção, o interrogatório do indigitado substitui a defesa e no lugar do debate oral e
público ocorrem as confrontações secretas das testemunhas;
2. O sistema acusatório subordina-se ao método sintético, Assim, afirma o fato
e, enquanto não provado, o acusado é presumidamente inocente; o sistema inqui-
sitorial subordina-se ao método analítico, não afirma o fato, supõe a sua possibili-
dade e probabilidade, presume um culpado, busca e colige os indícios e as provas;
3. O sistema acusatório propõe-se a fazer entrar no espírito do juiz a convicção
da criminalidade; o inquisitorial propõe-se a fornecer ao juiz indícios suficientes
para que a presunção possa ser transformada em realidade;
4. Enfim, um se preocupa com o interesse individual lesado pelo processo, o
outro se preocupa principalmente do interesse público lesado pelo delito.

No entanto, o próprio autor admite que o sistema inquisitorial contenha ele-


mentos que não podem ser desprezados, sendo à época uma garantia de justiça e
liberdade, sendo o procedimento inquisitório o protetor da fraqueza perseguida e
o adversário da força tirânica.
No sistema acusatório privado, os homens de condição humilde estavam ex-
postos às arbitrariedades dos fortes, ricos e poderosos. Era tarefa difícil acusar sem
constrangimento, sem o temor e quase a certeza da vingança.

10  ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.227.

capítulo 1 • 14
É certo que os abusos desnaturaram a instituição causando até mesmo males
superiores aos benefícios, porém, a consequência não poderia ser a abolição do sis-
tema, mas sim a criação de cautelas para o seu aproveitamento. Com isso, desde o
século XVIII, as nações em sua maioria trataram de adotar um sistema misto, em
que os direitos individuais se harmonizassem com as exigências da defesa social.11
Combinavam-se, portanto, as vantagens de ambos os sistemas. Do sistema
acusatório retirava-se a imparcialidade do órgão julgador e do inquisitorial apro-
veitava-se a oficialidade da persecução garantindo maior efetividade no que con-
cerne à punição dos autores.
Verificamos, inicialmente, que o Estado não possuía exclusividade no exercí-
cio da pretensão punitiva, sendo que os próprios particulares exerciam tal ativi-
dade. Somente com a supressão da vingança privada que surge para o Estado o
direito de punir.
Nesse diapasão, Aury Lopes12 afirma que “ao suprimir a vingança privada e
avocar o poder de punir, nasce o processo penal como caminho necessário para
que o Estado legitimamente imponha uma pena”.
O Código de Processo Penal de 1941 nasceu em um momento em que era nítida a
característica repressiva e autoritária, viabilizando práticas arbitrárias em que se adotava
o sistema inquisitorial. Esse Código, como vimos, vigora até os dias atuais com algu-
mas modificações pontuais, mas defasado pelo decurso do tempo e em suas ideologias.
A Constituição da República de 1988 foi um marco diferenciador e, por isso,
para que possamos dar verdadeira aplicação ao Código deve ser feita uma releitura
à luz da própria Constituição e, enfim, adaptarmos ao sistema processual adotado.

O sistema acusatório adotado implicitamente na Constituição da República:


posicionamento doutrinário

A Constituição da República de 1988, ao atribuir privativamente a titularida-


de da ação penal pública ao Ministério Público, fixou um parâmetro de modelo
processual acusatório no Brasil.
A Carta Magna não prevê expressamente qual é o sistema processual por ela
adotada, entretanto, são dispostas, ao longo do seu texto, garantias que identifi-
cam a vigência de um processo acusatório

11  ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v.1. p.229.
12  Ibidem, p.56-57.

capítulo 1 • 15
Para exemplificarmos, podemos citar o artigo 129, inciso I, da citada
Constituição, haja vista o caráter obrigatório de propositura de ações penais no caso
das ações públicas e das públicas condicionadas à representação; o artigo 5º, LIX,
que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa; e, também no artigo 5º,
LVII, que dispõe sobre o princípio da presunção da inocência.13
Ao formalizar a separação concreta dos poderes de acusação, defesa e julga-
mento, assegurando a independência das partes, a Constituição identifica o siste-
ma acusatório no processo penal.

Do sistema misto

Entretanto, a questão não é tão simples quanto possa parecer. Alguns autores
alegam que a existência do inquérito policial na fase pré-processual é indicativa de
que o sistema vigente seria o misto.
Tornaghi14 aponta que o Direito Brasileiro segue um sistema que, com maior
razão, se poderia denominar misto, pois a apuração do fato e da autoria é fei-
ta no inquérito policial, enquanto o processo judiciário, em suas linhas gerais,
é acusatório.
Tucci15 também defende a tese do sistema misto, ao afirmar que o processo
penal delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade; e, formal-
mente, no tocante ao procedimento desenrolado na segunda fase da persecução
penal, acusatório.
Também na visão de Nucci,16 o sistema adotado no Brasil, embora não oficial-
mente, é o misto. Para o autor, são dois os enfoques a serem observados: o cons-
titucional e o processual. A Constituição prevê princípios que regem o sistema
acusatório, porém o nosso processo penal (procedimentos, recursos, provas etc.) é
regido por código específico, que data de 1941 e, por isso, com uma nítida ótica
inquisitiva, concluindo-se, portanto, que “o encontro dos dois lados da moeda
resultou no hibridismo que temos hoje”.

13  Constituição da República. Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover,
privativamente a ação penal pública, na forma da lei; artigo 5º, LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação
pública, se esta não for intentada no prazo legal; LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória;
14  TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977, p.20.
15  TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.49.
16  NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p.122.

capítulo 1 • 16
Apesar dessa controvérsia, é difundido na doutrina que o fator diferencial
entre o sistema acusatório e o inquisitório estaria centrado na gestão da prova.
Ou seja, o que efetivamente diferencia o sistema acusatório do inquisitivo seria a
posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova.17
Assim, entende-se a priori ser a gestão da prova o diferenciador entre os sis-
temas acusatório e inquisitório, indicado até mesmo pelo próprio conceito de
sistema processual.
Em contrapartida, há quem sustente que, embora todos os sistemas sejam
mistos, não existe um princípio fundante misto, na essência será inquisitório ou
acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo.
O sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo, de instrução e
conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material, ao passo que, no
sistema acusatório, a gestão da prova está nas mãos das partes, regendo-se pelo
princípio dispositivo.18
Nessa linha, Coutinho19 afirma que, no processo penal, o sujeito deve conhe-
cer, ter acesso e domínio quanto ao fato criminoso, o que se dá pela reconstituição
precipitada, ou seja, pelo método adotado. No entanto, o autor ressalta que o fim
do sistema ressignifica o seu princípio unificador, revestido de colorido diferente
nos dois sistemas conhecidos. Assim, o princípio unificador será inquisitivo, se o
sistema for inquisitório; e será dispositivo, se o sistema for acusatório.
Enfim, encontrar a melhor qualificação para o sistema processual não é tarefa
fácil, até mesmo pelo fato de o Código de Processo Penal datar de 1941 e a nossa
Constituição ser de 1988. Porém, nesse aspecto, o que existe de relevante é que, a
partir da Constituição, o processo penal deve ser regido pelo princípio democrático.

REFLEXÃO
Como você pode observar, para alguns autores a gestão da prova seria o diferenciador
entre os sistemas acusatório e inquisitório. Sendo assim, qual o seu posicionamento sobre a
atividade probatória do juiz tanto na fase preliminar quanto no curso do processo?
Em outras palavras a atividade probatória do juiz no processo penal viola o sistema acu-
satório implicitamente assegurado no artigo 129, inciso I da Constituição da República?

17  FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.30.
18  LOPES JÚNIOR, op. cit., p.124.
19  COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado.
Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194935>.

capítulo 1 • 17
Utilize como ferramenta de reflexão o artigo 156 e incisos do Código de Processo Penal.
Também indico para leitura o artigo do autor Mauro Fonseca Andrade, “A atividade probatória
ex officio judicis na recente Reforma processual Penal”. Disponível em: <www.paginasde-
processopenal.com.br>.

Princípios Constitucionais e gerais informadores do processo penal

Do Devido Processo Legal

Dos princípios gerais este é o mais importante. Todos os demais princípios são
corolários deste. Devem ser respeitadas todas as formalidades previstas em lei. É
uma garantia dada ao cidadão de que seus direitos são respeitados.
O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil,
dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro-
cesso legal”, sendo pela primeira vez positivado na ordem jurídico-constitucional
brasileira. A origem do postulado remonta à Magna Carta inglesa, de 1215, no
artigo 39, imposta pelos barões feudais ao Rei João Sem Terra.20
Com efeito, o Rei John, ao assumir a coroa, passou a fazer várias imposições
decorrentes de sua tirania, tais como exigir tributos elevados, fazendo com que os
barões se insurgissem. Enfim, o Rei não resistiu às pressões e acatou os termos de
uma declaração de direitos denominada de Magna Carta, comprometendo-se a
obedecer certas cláusulas, dentre elas a do devido processo legal.
É curioso anotar que a exigência do julgamento, segundo a lei do país ou da
terra, constitui-se no antecedente histórico da expressão mais comum no mundo
jurídico, consagrada pelo Direito norte-americano, due process of law21. Destarte,
sempre se entendeu que as expressões eram sinônimas e, por fim, o due process
of law passou ao Direito norte-americano, incorporado em sua Constituição, na
5ª (1791) e 14ª (1868) emendas22, sendo essa disposição praticamente reproduzi-
da em nossa Constituição Brasileira de 1988, que incorporou o devido processo
legal no sistema jurídico brasileiro, nos seguintes termos: “Art. 5º (..), inciso LIV
– ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

20  MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Editora, 1999, p.11.
21  LIMA, Maria Rosynet Oliveira. Devido Processo Legal. 1999, p.31.
22  CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição. Princípios Constitucionais do
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.140.

capítulo 1 • 18
Segundo a doutrina, embora a garantia do devido processo legal tenha surgido
com índole eminentemente processual, adquiriu uma dimensão material, ou seja,
um relevante aspecto material.
O princípio, para Rogério Lauria Tucci23, é entendido como a exigência de
processo legislativo regular, bem como razoabilidade e senso de justiça, com nor-
mas enquadradas nos preceitos constitucionais (substantive due process of law), a
face substancial do devido processo legal; a aplicação judicial das normas jurí-
dicas, através do instrumento hábil que é o processo (judicial process). Por fim, o
autor ressalva a paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial.
Humberto Dalla24 também apresenta as duas modalidades do devido proces-
so legal. O substantive due process of law representa a garantia do trinômio vida,
liberdade e propriedade. É necessário que a decisão seja substancialmente razoá-
vel, assim não basta a regularidade formal da decisão, e dessa garantia surgem os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Já o procedural due process of
law é a garantia do pleno acesso à justiça, o direito a ser processado e processar de
acordo com as normas estabelecidas previamente.
Com razão, o processo penal cuida da liberdade do indivíduo, e os procedimentos
ali previstos são essenciais para a imposição da pena privativa de liberdade ou restritiva
de direitos. Assim, o devido processo legal obtém o seu aporte inicial no campo dos in-
teresses contidos na liberdade do indivíduo, para mais tarde verificar que a obediência
à cláusula se fazia necessária também no campo administrativo, civil etc.
É certo que ambos os aspectos são importantes para o presente estudo. Far-se-á
uma análise do processo penal democrático, efetivo e justo, que garante os direitos
fundamentais assegurados na nossa Constituição, à luz do devido processo legal.
Desse modo, em seu aspecto processual, significa que o processo penal deve re-
sultar em oportunidades iguais às partes, com possibilidade de ampla defesa, obser-
vância do contraditório, juiz natural, imparcial, presunção de inocência, fundamen-
tação das decisões. Enfim, é uma garantia do indivíduo, um direito fundamental.25

23  TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos
tribunais, 2011, p.61.
24  PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. v.1. São Paulo: Saraiva, 2012, p.91.
25  Um Estado de Direito é hoje um Estado de Direitos Fundamentais onde se reconhece aos cidadãos a defesa de sua
autonomia pessoal, invocando direitos políticos fundamentais contra as leis e outros atos do poder público. CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra (PT): Editora Almedina, 1998, p.449.

capítulo 1 • 19
São garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal. Nota-se que
o próprio Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre sua aplicabilidade ao
campo penal:

O exame da cláusula referente ao due process of Law permite nela identificar alguns ele-
mentos essenciais a sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional,
destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas:
direito ao processo, direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação, direito a
um julgamento público e célere, sem dilações devidas, direito ao contraditório e à plenitude
de defesa, direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto, direito
à igualdade entre as partes, direito de não ser processado com fundamento em provas re-
vestidas de ilicitude, direito ao benefício da gratuidade, direito à observância do princípio do
juiz natural, direito ao silêncio, direito à prova, direito de presença e de participação ativa nos
atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.26

Conclui-se que não há como pensar em aplicação de pena, direito de punir,


sem a observância estrita desse princípio. O processo penal é instrumento neces-
sário para imposição de pena, atendendo sempre a seguinte premissa: se é correto
afirmar que o direito de punir pertence ao Estado, torna-se obrigatória a obser-
vação das garantias fixadas pela Lei Maior, evitando-se qualquer arbítrio estatal.

Princípio do Favor Rei ou Favor Libertatis

É um princípio implícito. Confere-se ao acusado benesses processuais que tem


por escopo minimizar a natural desigualdade existente entre o Estado e o réu, de
maneira a permitir uma paridade de armas.
No conflito entre o ius puniendi do Estado e o ius libertatis do acusado, a balan-
ça deve inclinar-se para esse último. Favor rei é o Estado soberano através do Poder
legislativo confiando ao réu uma série de benesses, de favores processuais penais.
Favor libertatis no sentido de que são favores que tem como destinatário o réu,
portanto, tem como destinatário a sua própria liberdade.

EXEMPLOS
1. Artigo 386, inciso VII do CPP em que na dúvida não se condena, na dúvida se absolve.
O legislador fez uma opção pró acusado.
2. Artigo 617 CPP em que se proíbe a Reformatio in pejus (reforma para piorar a
situação do acusado) em recurso exclusivo da defesa.
26  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.94.016-SP. Relator: Ministro Celso de Mello.

capítulo 1 • 20
Conforme o dispositivo legal, em sua parte final “... não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. Portanto, se o acusado for con-
denado a uma pena privativa de liberdade de 7 anos de reclusão, por exemplo, se somente a
defesa recorrer visando a melhoria da situação do réu, não pode o Tribunal, ao julgar o recur-
so de Apelação interposto pela defesa, negar provimento ao mesmo e fixar uma reprimenda
maior do que a fixada pelo juízo da condenação.
3. Artigo 621 e incisos do CPP que trata da ação de revisão criminal. É uma ação autôno-
ma de impugnação, somente admitida de processos findos, leia-se com trânsito em julgado,
e de sentença condenatória. Assim, a sentença absolutória no processo penal faz coisa so-
beranamente julgada, pois ainda que se descubram novas provas de culpa do acusado, não
poderá o Ministério Público ajuizar a ação de revisão criminal.
A razão de ser da vedação da revisão pro societate fundamenta-se na necessidade de se
preservar o cidadão sob acusação de possíveis desacertos ocorridos na persecução penal
e para que se tenha maior cuidado dos órgãos estatais no desempenho de suas funções.27
4. Artigo 609 e parágrafo único do CPP que disciplina a possibilidade de somente a
defesa opor embargos infringentes e de nulidade. Trata-se de um recurso privativo da defesa,
quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, ou seja, deci-
são por maioria desfavorável ao acusado.
Exemplo: João foi condenado pelo juiz de primeiro grau e interpõe recurso de apelação,
alegando como tese defensiva a negativa de autoria. No julgamento do recurso, dois desem-
bargadores negam provimento confirmando a sentença proferida pelo juiz, e outro Desem-
bargador (voto vencido) acolhe o pleito defensivo. A decisão foi por maioria, ou seja, não
unânime, desfavorável à defesa. Nesta hipótese, poderá entrar com Embargos Infringentes,
objetivando a ampliação do julgamento e uma possível inversão do mesmo.

Contraditório

O princípio do contraditório e da ampla defesa representam o Estado demo-


crático de Direito e garantem a todos o real acesso ao Judiciário. De acordo com
o art. 5, inciso LV CR/88 “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes.”

27  OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p.49.

capítulo 1 • 21
ATENÇÃO
São princípios distintos. O exercício do contraditório possibilita a ampla defesa.

Contraditório é a ciência bilateral de todos os atos do processo. Exige-se ciên-


cia e participação efetivas das partes ao longo de todo o processo. A sentença final
reflete o trabalho intelectual do julgador, mas também das partes.
Este princípio é traduzido pelo binômio ciência e participação, impondo que
às partes deve ser dada a possibilidade de influir no convencimento do magistra-
do, oportunizando-se a participação e manifestação sobre atos que constituem a
evolução do processo.28
Assim, o princípio do contraditório garante que toda a persecução penal seja
desenvolvida observando a igualdade entre as partes, para que tenham a mesma
força (paridade de armas).
Podemos citar como exemplo o artigo 479 do CPP, em que estabelece que
“durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de
objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três)
dias, dando-se ciência à outra parte. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)”.
Assim, é nulo o julgamento do tribunal do júri que violar esta norma. Como
você pode verificar, é de suma importância assegurar às partes o exercício do con-
traditório participativo

O conceito do contraditório previsto no artigo 155 do CPP

Segundo o dispositivo “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusi-
vamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”.
Sendo assim, só há que se falar em prova produzida em contraditório judicial,
ou seja, durante o processo. Já na primeira fase preliminar (inquérito policial), o
que temos são meros atos de investigação ou elementos informativos.
Assim, predomina na doutrina29 o entendimento de que, durante essa primei-
ra fase, não há que se falar em acusado, réu, nem, portanto, em contraditório e
28  TAVORA, Nestor; RODRIGUES ALENCAR, Rosmar. Curso de Processo penal. 6. ed. Bahia: Jus Podium, 2011, p.111.
29  Nesse sentido: TOURINHO Filho. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p.68; SCARANCE,
Fernandes, Processo penal constitucional. São Paulo: Editora RT, 2012, p.70; MARQUES, Frederico. Tratado de direito
penal. São Paulo: Saraiva, 1964, p.190.

capítulo 1 • 22
prova, mas tão somente em elementos informativos, como menciona a redação do
art. 155 do CPP atualizada pela Lei 11.690/08.

CURIOSIDADE
Você vai estudar esse tópico no Capítulo 2, quando tratarmos de inquérito policial.

Ampla Defesa

Ao lado do contraditório temos o princípio da ampla defesa. E esse também


possui um enfoque formal e material. Afirmar que um réu está formalmente assis-
tido significa tão somente que o réu está regularmente assistido por um advogado.
Mas isso não é suficiente, é fundamental que ele esteja também materialmen-
te defendido.
No processo penal a ampla defesa se divide em:
I. Defesa técnica – apresentada pelo advogado, defensor. Defesa técnica comba-
tiva, não necessariamente talentosa. É indispensável;
II. Autodefesa ou defesa pessoal – é aquela apresentada pelo próprio acusado,
no interrogatório por exemplo. No momento em que o acusado exerce sua auto-
defesa ele tem o direito de permanecer calado, conforme previsto na Constituição.
Tem também o direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se
detegere), além de não comparecer a fim de ser interrogado. Conforme previsto no
artigo 457, caput e parágrafos do CPP o julgamento em plenário não será adiado
pelo não comparecimento do acusado solto, e estando o acusado preso, também
não será adiado quando houver pedido de dispensa do comparecimento subscrito
por ele e seu defensor. São, portanto, expressões da defesa pessoal.

Verdade material ou substancial / verdade processual

Parte da ideia de que a função punitiva do Estado só pode fazer-se valer em


face daquele que, realmente, tenha cometido uma infração. Há uma crítica à ex-
pressão verdade real. É uma utopia. A finalidade é a prolação de uma sentença que
se aproxime ao máximo da verdade real dos fatos.
No processo se trabalha com teses, versões. O que temos é a verdade processual,
ou seja, a verdade produzida no processo que pode ou não ser a verdade real dos fatos.

capítulo 1 • 23
A verdade real foi dogma do sistema inquisitorial. E com isso a prática das
torturas para se obter a confissão do acusado.
Segundo Polastri no processo dificilmente ou nunca se atingirá a certeza abso-
luta, pois como a instrução probatória equivale à busca do fato histórico, deverá
haver uma reconstrução dos fatos com dados do passado, através da prova, para se
buscar a verdade e, consequentemente, a certeza, e essa forma de reconstrução não
permite, em regra, uma certeza absoluta, mas meramente relativa, tendo em vista
as próprias deficiências humanas. O que terá o juiz é uma aproximação, ou seja,
uma probabilidade, significando que deve buscar algo mais que a simples possibi-
lidade, algo mais próximo da certeza, e isto é que é, em maior ou menor grau, a
probabilidade. É o que se chama de certeza possível.30

Presunção de Inocência (não culpabilidade)

É um princípio reitor do processo penal e está previsto na Constituição da


República, artigo 5º, inciso LVII “ninguém será considerado culpado até o trânsi-
to em julgado de sentença penal condenatória”.
Parte da doutrina entende existir diferença entre os termos presunção de ino-
cência e de não culpabilidade. Sustenta-se que não se pode presumir a inocência
do réu, se contra ele tiver sido instaurada ação penal, pois, no caso, haverá um
suporte probatório mínimo. O que se poderia presumir é sua não-culpabilidade,
até que assim seja declarado judicialmente. Não se poderia, assim, cogitar-se pro-
priamente em uma presunção.31

ATENÇÃO
Se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, também não pode ser presumidamente inocente. A Constituição não presume
a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado. Evita-se o arbítrio do Esta-
do. Mais vale um culpado solto do que um inocente preso.

30  LIMA, Marcelo Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.27.
31  CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição. Princípios Constitucionais do
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.162.

capítulo 1 • 24
Presunção de inocência e prisão processual

Assim, a decretação da prisão antes da sentença penal condenatória em nada fere o


princípio constitucional da presunção de inocência, isto porque, a própria Constituição
Federal, em seu artigo 5º, inciso LXI admite a prisão processual, como medida excep-
cional em casos de flagrante delito ou por ordem de autoridade judiciária competente.
A prisão processual difere da prisão pena, que decorre de uma sentença penal
condenatória transitado em julgado. A prisão processual é uma medida cautelar
pessoal, pois incide sobre a pessoa e é uma medida excepcional.
No processo, a regra é a liberdade do indivíduo e a prisão somente poderá ser
decretada se devidamente fundamentada, apontando a autoridade judiciária um
dos motivos autorizadores previstos no artigo 312 do CPP (periculum libertatis
e fumus commissi delict), ou seja, perigo na liberdade do indivíduo e fumaça do
cometimento do crime.
De acordo com o dispositivo legal “a prisão preventiva poderá ser decretada
como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da ins-
trução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
Desta forma, você pode concluir que a prisão no curso do processo é constitu-
cional e em nada viola o princípio da presunção de inocência.

Juiz Natural

Este princípio está expressamente previsto na nossa Constituição e esteve presente


desde a Constituição de 1824, sendo omitido em 1937 e previsto novamente em 1946.
Segundo o artigo 5º, inciso LIII “ninguém será processado nem sentenciado
senão por autoridade judiciária competente”, e também se encontra disciplinado
no inciso XXXVII “não haverá juízo ou tribunal de exceção” do mesmo disposi-
tivo constitucional.
Trata-se da existência prévia de um juiz competente, com a competência
delineada nos termos da lei, e na proibição de criação de tribunais de exceção.
Ninguém pode ser julgado por uma autoridade judiciária instituída após o fato.
As regras de determinação de competência devem ser instituídas previamente
aos fatos e de maneira geral e abstrata de modo a impedir a interferência autoritária
externa. Não se admite a escolha do magistrado para determinado caso, nem a exclu-
são ou afastamento do magistrado competente. Quando ocorre determinado fato,

capítulo 1 • 25
as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema
aleatório do sorteio (distribuição) para que não haja interferência na escolha.32

Identidade Física do Juiz

A lei 11.719/08 consagrou expressamente o princípio da identidade física do


juiz no processo penal no parágrafo 2º do artigo 399 do CPP, que dispõe: “o juiz
que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”.
Este princípio objetiva vincular o juiz que presidiu toda a instrução à prolação
da sentença. Assim, o juiz que teve contato direto com as provas produzidas, como
provas, testemunhas, periciais, interrogatório do acusado etc., quem irá proferir a
sentença final.
A ideia da concentração e economia dos atos processuais foi adotada na con-
cepção do novo rito ordinário, simplificando a tramitação do processo. As técnicas
da concentração, imediatidade e economia dos atos processuais, regidas pelo prin-
cípio da simplificação, são as linhas mestras das normas que estabelecem os novos
ritos do processo, viabilizando a sua condução em um prazo razoável de duração.
Porém, será possível mitigá-lo por motivo de licença, afastamento, promoção,
aposentadoria ou outro motivo legal que obste o magistrado que presidiu a instru-
ção de proferir a sentença.

CURIOSIDADE
O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos iremos tratar em
capítulo próprio.

ATIVIDADES
01. O art. 3º da Lei 9296/96 dispõe o seguinte:
“A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofí-
cio ou a requerimento...”
Ao colocar o juiz durante a fase do Inquérito Policial, colhendo provas, o legislador afrontou:
a) O princípio acusatório.
b) O princípio da ampla defesa.

32  GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. P. 109.

capítulo 1 • 26
c) O princípio da igualdade das partes.
d) O princípio da presunção de inocência.

02. No processo penal, as características do sistema acusatório incluem:


I. Clara distinção entre as atividades de acusar e julgar, iniciativa probatória exclusiva das
partes e o juiz como terceiro imparcial e passivo na coleta da prova.
II. Neutralidade do juiz, igualdade de oportunidades às partes no processo e repúdio à
prova tarifada.
III. Predominância da oralidade no processo, imparcialidade do juiz e supremacia da confis-
são do réu como meio de prova.
IV. A publicidade dos atos processuais somente em casos restritos.

Estão corretos apenas os itens:


a) I e II. c) II e III. e) II, III e IV.
b) I e IV. d) I, III e IV.

03. Analise o trecho seguinte do autor L. G. Grandinetti de Carvalho, apontando o princípio


constitucional em questão: “o princípio, assim, reforça o estatuto constitucional da liberdade,
não para tornar o ordenamento incapaz de lidar com a criminalidade e de combatê-la, mas,
sim, para evitar-se a prisão desnecessária e desmotivada. Assim, qualquer dispositivo legal de
lei infraconstitucional que ordene a prisão, deve ser interpretado conforme a Constituição...
que somente admite as modalidades de prisão decretadas com fundamentos igualmente
admitidos pela constituição”.
a) Princípio do juiz natural.
b) Princípio da persuasão racional do juiz.
c) Princípio da presunção de inocência.
d) Princípio da ampla defesa e contraditório.

RESUMO
O aluno pode perceber que o nosso processo penal deverá ser democrático e, para que
assim seja, os princípios informadores devem ser observados pelo Estado-Juiz, pelo órgão
acusador e pelo próprio acusado. O processo penal deixa de ser apenas um instrumento de
concretização do direito material, para ser, sobretudo, um instrumento para garantia da reali-
zação da justiça e efetivação dos direitos.

capítulo 1 • 27
Também é de suma importância a identificação do sistema processual adotado em nosso
ordenamento jurídico. Etimologicamente, sistema no aspecto jurídico é o conjunto de normas
que funcionam como uma estrutura organizada dentro do ordenamento, são concepções
teóricas a respeito de uma realidade, por isso a relevância do estudo sobre esse tema. E para
tanto, se faz indispensável o conhecimento dos sistemas e suas respectivas características.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Freitas
Bastos, 1959.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed.
Coimbra (PT): Editora Almedina, 1998.
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição. Princípios
Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: Cada parte no lugar
constitucionalmente demarcado. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194935>.
FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Traduzido por Roberto Cabral de Melo
Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau, 1996.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.
LIMA, Maria Rosynet Oliveira. Devido Processo Legal. 1999.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
LIMA, Maria Rosynet Oliveira. Devido Processo Legal. 1999.
MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Editora, 1999.
MITTERMARYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Traduzido por Alberto Antonio
Soares. Livraria do Editor, 1871.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2017.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. v.1.
São Paulo: Saraiva, 2012
SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal. São Paulo: Livraria Magalhães, 1937.

capítulo 1 • 28
TAVORA, Nestor; RODRIGUES ALENCAR, Rosmar. Curso de Processo Penal. 6. ed.
Bahia: Jus Podium.
TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977.
TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.

capítulo 1 • 29
capítulo 1 • 30
2
Inquérito policial,
persecução penal
do Estado e polícia
judiciária
Inquérito policial, persecução penal do Estado
e polícia judiciária

Após o estudo sobre sistemas processuais e princípios constitucionais e gerais


informadores do processo penal, você já compreendeu que é de suma importância
distinguir os sistemas adotados, verificar as suas características principais, para
somente então concluir qual o sistema processual adotado em nosso ordenamento
jurídico e, a partir daí, verificar como serão tratadas as questões penais, em outras
palavras, o que fazer quando se tem a notícia de um crime, desde a sua fase inicial.
Assim, neste capítulo, iremos tratar do inquérito policial, o seu conceito, a sua
natureza jurídica, características, bem como as formas de instauração do inquérito
e, por fim, vamos abordar a prisão em flagrante e a consequente instauração do
inquérito através do auto de prisão em flagrante, como também as hipóteses de
flagrante delito previstas em nosso ordenamento jurídico.

OBJETIVOS
Identificar que a persecução penal se divide em duas etapas, sendo o inquérito policial a
primeira fase da persecução.
Analisar as formas de instauração do inquérito, reconhecer o seu conceito, natureza jurí-
dica e finalidade. Uma vez praticada a infração penal, cumpre ao Estado apurar todas as suas
circunstâncias esclarecendo autoria e materialidade.
Por isso, é de fundamental importância o estudo desta fase inicial de investigação, elucidando
o fato e respectiva autoria e/ou participação para que possa dar ensejo a uma futura ação penal.

Quando um agente descumprir a norma geral e abstrata nasce para o Estado


o direito de aplicar a sanção descrita no tipo penal. Mas o Estado necessita de ór-
gãos para fazer valer a norma legal apurando todos os fatos e garantindo ao agente
meios de defesa, assegurado pelo Estado Democrático de Direito.
A persecução penal é o caminho percorrido pelo Estado-Administração para
que seja aplicada uma pena ou medida de segurança àquele que cometeu uma
infração penal. Persecutio vem do latim perseguir, seguir, ir ao encalço.
Surge, assim, a persecução penal, que se desenvolve em 03 etapas:
•  Investigação preliminar;

capítulo 2 • 32
•  Ação penal;
•  Execução penal.

A primeira etapa é a que será estudada no presente capítulo. Essa primeira fase
se desenvolve através do inquérito policial. Segundo a Constituição Federal, em
seu artigo 144 §1º, IV e §4º – confere à polícia judiciária, a atribuição para inves-
tigar infrações penais, que é exercida pela Polícia Federal e Polícia Civil.
Conforme leciona o autor Pacelli33, a lei defere a determinados órgãos, responsá-
veis pela segurança pública, a competência para a investigação da existência dos cri-
mes comuns, em geral, e da respectiva autoria, que é a denominada polícia judiciária.
O artigo 4º do CPP estabelece que “a polícia judiciária será exercida pelas
autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim
a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
Sendo assim, a polícia militar (ostensiva/ de segurança) possui como fina-
lidade evitar, prevenir a prática de crimes, já a polícia judiciária se incumbe de
investigar tais crimes. A autoridade policial é o Delegado de Polícia que terá sua
atribuição definida pela circunscricional local, salvo exceções das delegacias espe-
cializadas, como a delegacia da mulher, por exemplo.
A fase inicial da investigação será em regra promovida pela polícia judiciária,
sendo um procedimento pré-processual, administrativo destinado ao esclareci-
mento dos elementos mínimos comprobatórios dos fatos e de sua autoria.

Do conceito e fundamentos do inquérito policial

Não existe, no código de processo penal, uma definição legal de inquérito


policial, no entanto, podemos conceituar como sendo um procedimento investi-
gatório, que se caracteriza por um conjunto de diligências realizadas com a fina-
lidade de apurar o crime e respectiva autoria possibilitando a regular instauração
da ação penal.
Segundo a doutrina34 o inquérito policial constitui um procedimento escrito,
inquisitivo, com a finalidade de apurar a existência da infração penal e sua autoria,
destinado imediatamente ao Ministério Público, titular privativo da ação penal
pública, ou ao ofendido nos casos de ação penal privada.

33  OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012, p.53.
34  LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.71.

capítulo 2 • 33
Da natureza jurídica e titularidade

No tópico anterior conceituamos o inquérito como sendo um procedimento.


Você sabe a diferença entre procedimento e processo? No direito, a lingua-
gem é fundamental, sendo imprescindível utilizarmos os termos corretos, técni-
cos, abandonando a linguagem usual, cotidiana.
Pois bem, processo é a relação processual existente, permitindo o exercício da
função jurisdicional, a solução dos conflitos, a realização da justiça, já o procedi-
mento é o aspecto extrínseco do processo, é o meio, a forma utilizada, o caminho
para o exercício de tal função jurisdicional.
De acordo com o Ilustre autor Aury Lopes35 “processo remete à existência
de uma pretensão acusatória deduzida em juízo, frente a um órgão jurisdicional,
estabelecendo situações jurídico-processuais dinâmicas, que dão origem a expec-
tativas, perspectivas, chances, cargas e liberação de cargas, pelas quais as partes
atravessam rumo a uma sentença favorável (ou desfavorável, conforme o aprovei-
tamento das chances e liberação de cargas e assunção de riscos).
Noutra dimensão, por procedimento entende-se o lado formal da atuação
judicial, o conjunto de normas reguladoras do processo ou ainda o caminho (iter)
ou itinerário que percorrem a pretensão acusatória e a resistência defensiva, a fim
de que obtenham a satisfação do órgão jurisdicional.
Portanto, em hipótese alguma o inquérito policial possui a natureza jurídica
de processo. Não há uma pretensão deduzida em juízo, não há uma acusação for-
mal, mas sim o que se tem é um mero procedimento.
Trata-se de um procedimento administrativo, investigatório, que se caracteri-
za por um conjunto de diligências realizadas com a finalidade de apurar o crime e
respectiva autoria, possibilitando a regular instauração da ação penal.
Essa investigação preliminar situa-se na fase pré-processual, cujo titular é o
Delegado de Polícia (autoridade policial), que preside as atividades com o fim
de averiguar todos os fatos e suas circunstâncias. No âmbito federal, é a polícia
federal, conforme preceitua a CR/88 em seu artigo 144 parágrafo 1º, inciso IV.
De acordo com o código de processo penal, esse procedimento terá um prazo
de 10 dias, quando o indiciado estiver preso e 30 dias quando solto, salvo exceções
previstas em leis especiais, tais como a Lei 11.343/06 relativa aos crimes de tóxi-
cos, em que prevê o prazo de 30 dias para encerramento do inquérito quando o
indiciado estiver preso e 90 dias quando solto.
35  LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2017, p.719.

capítulo 2 • 34
ATENÇÃO
A lei 12.830/2013 dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo
delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Parágrafo 1º. O delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condu-
ção da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto
em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria
das infrações penais.
É importante salientar que a investigação criminal não é realizada tão somente através do
inquérito policial, mas também realizada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI),
bem como inquéritos realizados pelas autoridades militares etc.

As características do inquérito policial

•  Inquisitivo ou inquisitorial: a autoridade policial o conduz discricionaria-


mente, realizando as diligências que lhe pareçam necessárias. Prescinde para a sua
atuação a provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício
(pesquisa, investiga, indaga). A autoridade policial irá direcionar a investigação da
forma que melhor entender. Na fase pré- processual, para a maioria da doutrina,
não se verifica o contraditório e a ampla defesa, não havendo acusação formal. O
indiciado é mero objeto de investigação. (Artigos 6º e 14º do CPP);
•  Escrito ou formal: as peças serão reduzidas a escrito, prevalecendo a forma
documental, e com isso possibilita que o Delegado possa acompanhar as investi-
gações, até porque, tendo em vista a finalidade do inquérito, não se concebe uma
investigação verbal;
•  Sigiloso: o Código de Processo Penal em seu artigo 20 prevê o sigilo na
condução das investigações para que a investigação não seja frustrada. A autorida-
de policial pode decretar o sigilo das investigações, caso entenda que a divulgação
pela imprensa das investigações frustra o objetivo principal do inquérito (apurar a
autoria e materialidade).

OBS.: Artigo 7º XIV da Lei 8.906/94 concede como prerrogativa aos advoga-
dos o livre acesso aos autos do Inquérito policial.

capítulo 2 • 35
Ver súmula vinculante nº 14 do STF: É direito do defensor, no interesse
do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
•  Dispensável:
Pergunta-se: Se o inquérito policial tem a finalidade de reunir provas sobre
o fato criminoso e sua autoria, se possui a finalidade de preparar a ação penal em
juízo, poderá, eventualmente, o Ministério Público oferecer denúncia indepen-
dentemente da instauração de inquérito policial?
Resposta: Sim. O inquérito é uma peça dispensável, o Ministério Público pode
dispensá-lo oferecendo a denúncia com base em peça de informação equivalente.
O inquérito policial não é uma peça imprescindível para a ação penal. Assim,
esse procedimento investigatório poderá ser dispensável. O Ministério Público po-
derá oferecer a denúncia com base em peças de informações equivalentes, conforme
o disposto nos artigos 12, 27 e 39 § 5º, 40, 46 & 1º do Código de Processo Penal.

Art. 39 § 5º “O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com


a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação
penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias.”
•  Discricionário: o ordenamento jurídico autoriza o delegado a conduzir as
investigações da forma que melhor lhe aprouver. O indiciado e a vítima podem até
requerer algumas diligências poderá deferi-las ou não;
•  Indisponível: o procedimento investigatório não poderá ser arquivado pela
autoridade policial, pois ao final será remetido à autoridade competente (artigos 17
e 18, CPP).

O Contraditório e a Ampla defesa no inquérito policial. Controvérsia.

Segundo doutrina majoritária, não há que se falar em ampla defesa e contra-


ditório no inquérito policial. Tratando-se de um procedimento administrativo que
tem como finalidade apurar a prática de um fato supostamente criminoso, não há
que se falar ou aplicar tais princípios, pois o indiciado não está sendo acusado de
nada, é apenas objeto de investigação. Ademais, assegurar um contraditório neste
momento seria ilógico, prejudicando as investigações.

capítulo 2 • 36
Se não há acusação não há que se falar em defesa. Não sendo o inquérito
processo, inexistindo na fase investigatória litigantes ou acusados, não há contra-
ditório. As garantias constitucionais são dadas aos acusados e não a indiciados.
Conforme preceitua Pollastri36, a norma constitucional assegura que o indiciado
tenha assistência familiar e de advogado na defesa de seus direitos podendo entre-
vistar-se com seu patrono constituído, o que não quer dizer direito ao contraditório
na fase investigatória. Salienta ainda o autor que, não sendo o inquérito processo,
inexistindo na fase investigatória litigantes ou acusados, continua a fase de inquérito
ou de investigação penal inquisitiva, não se autorizando o contraditório.
No entanto, há quem defenda a aplicação dos princípios da ampla defesa e do
contraditório no inquérito policial, uma vez que a instauração de um procedimen-
to administrativo atinge direitos fundamentais do investigado com repercussões
na persecução penal.
Quando a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV garante o con-
traditório e a ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo e
aos “acusados em geral”, deve ser feita uma interpretação extensiva e sistemática,
abrangendo igualmente suspeitos e indiciados.
A doutrina ressalta que quando se fala em contraditório na fase pré-processual
faz-se alusão ao seu primeiro momento que é o da informação. E a partir desse
direito a informação que será exercida a defesa.
O indiciado exerce sua defesa apresentando sua versão dos fatos no momento
do interrogatório e até mesmo exercendo o direito ao silêncio, como poderá tam-
bém requerer diligências, juntar documentos etc.
Conclui-se, de acordo com tal parcela da doutrina que existe, sim, contradi-
tório e ampla defesa durante o inquérito, porém ambos limitados. Até porque a
simples instauração de um inquérito pode atingir bens jurídicos relevantes, como
a liberdade, intimidade, o patrimônio etc.

REFLEXÃO
E qual a sua opinião? Será que podemos afirmar que existe contraditório e ampla defesa
na fase do inquérito policial?

36  LIMA, Marcellus Polastri. 2009, p. 88.

capítulo 2 • 37
Formas de instauração do inquérito policial

Dependendo da natureza jurídica da ação penal, o inquérito policial terá uma


forma de instauração peculiar. Portanto, imprescindível que se saiba qual a natu-
reza jurídica da ação penal do crime em tese praticado.
Ou seja, verifica-se inicialmente qual teria sido e crime. Este crime é de ação
penal pública? Incondicionada? Condicionada à representação? Ação penal priva-
tiva do ofendido? Senão, vejamos:

Crimes de ação penal pública incondicionada

De acordo com o disposto no artigo 100 do Código Penal, a ação penal é pú-
blica, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. E essa é a
regra, ou seja, no silêncio da lei o crime será de ação penal pública incondicionada.
E nesse caso, o inquérito será instaurado:
De ofício pela autoridade policial (por portaria) a partir da notitia criminis
(notícia do crime). Notitia criminis é o conhecimento pela Autoridade Policial,
espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente criminoso.
Espécies de notitia criminis:
I. De cognição imediata (direta): atividades rotineiras. Nesse caso o Inquérito
policial se inicia através de portaria;
II. De cognição mediata (indireta): de requerimento da vítima, requisição do
Ministério Público ou da “autoridade judiciária”;
III. De cognição forçada ou coercitiva: ocorre no caso de prisão em flagrante,
onde a notícia do crime se dá com a apresentação do autor. O inquérito se inicia
com o auto de prisão em flagrante.

O artigo 5º do CPP estabelece que, nos crimes de ação penal pública, o in-
quérito será iniciado de ofício, mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade
para representá-lo.
Instaurado de ofício é quando o próprio delegado de polícia instaura o inqué-
rito através de uma portaria (peça relatando os fatos), tratando-se de crime de ação
penal pública, a autoridade policial tem a obrigatoriedade de instaurar o inquérito
sempre que tomar conhecimento do fato.

capítulo 2 • 38
Esta peça conterá a exposição do fato criminoso, a capitulação legal da infra-
ção penal e poderá conter determinação de diligências para elucidação do fato e
respectiva autoria.
A notícia do crime pode ser oferecida por qualquer pessoa do povo ou do
próprio conhecimento pessoal da autoridade policial.
OBS.: O artigo 5º fala também que o inquérito poderá ser iniciado mediante
“requisição da autoridade judiciária”. Autoridade judiciária é o juiz, magistrado.
Será que este dispositivo foi recepcionado pela nossa Constituição Federal?

Inicialmente devemos lembrar que requisição, diferente de requerimento, tem


natureza de determinação, de ordem. No entanto, a requisição pode ser indeferida
quando manifestamente ilegal.
Pois bem, voltamos à indagação. Será que uma autoridade judiciária poderá
requisitar a instauração de um inquérito policial? A doutrina entende que a função
de requisitar a instauração de inquérito policial é privativa do Ministério Público.
O juiz deveria proceder de acordo com o disposto no artigo 40 do CPP.

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verifica-
rem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e
documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Assim, o artigo 5º teria sido derrogado pela CR/88, já que o artigo 129, I, pre-
vê a exclusividade da ação penal pública ao Ministério Público, adotando, como
vimos no capítulo anterior, o sistema acusatório.
O inquérito é uma fase preliminar, procedimento administrativo. Portanto,
admitir que o juiz possa requisitar a sua instauração, viola o sistema acusatório e
a própria imparcialidade do órgão julgador. O correto será o juiz encaminhar a
notícia crime, ou elementos ao ministério público, que ai sim, requisitará a ins-
tauração do inquérito.

Crimes de ação penal pública condicionada à representação

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 5º do CPP, nos crimes em que a ação


pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado o inquérito.
Representação é a manifestação de vontade inequívoca da vítima em ver o
suposto autor do fato criminoso respondendo uma ação penal. Assim, se a ação
for pública, mas condicionada à representação do ofendido, o inquérito policial

capítulo 2 • 39
não poderá ser instaurado sem a devida representação. É de interesse do ofendido
se manifestar ou não.
Esta representação deverá ser feita em um prazo de 06 meses a contar da data
do conhecimento da autoria do fato (artigo 38 do CPP e artigo 103 do CP), caso
contrário ocorrerá a decadência, não podendo ser instaurado o inquérito.
Cita-se como exemplo o crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código
penal. Se a autoridade policial instaurar o inquérito sem a devida manifestação
do ofendido, poderá caracterizar, até mesmo, constrangimento ilegal passível de
impetração de habeas corpus.
O Ministério Público somente poderá requisitar a instauração de inquérito
para apurar crime de ação penal pública condicionada à representação se dispuser
dessa representação da vítima.
A representação deverá ser feita pela própria vítima ou seu representante legal,
e sendo a mesma menor de 18 anos, a representação caberá aos pais ou exercido
por curador especial, na forma do artigo 33 do Código de Processo Penal.

Crimes de ação penal privativa do ofendido

A ação penal privada é de interesse exclusivo do ofendido, em que irá ponderar


a conveniência e oportunidade de promover ou não a queixa crime. O inquérito só
poderá ser instaurado com o requerimento da vítima (artigo 5º parágrafo 5º do CPP).

ATENÇÃO
Queixa crime é instrumento da demanda na ação penal privada. Não se confunde com
notícia crime para a instauração do inquérito policial. Não se oferece queixa na delegacia.

Sendo assim, a autoridade policial não poderá proceder de ofício, deverá a parte,
com qualidade para tal, apresentar o requerimento para instauração do inquérito.
Não se exige formalidades sacramentais para o requerimento, devendo ser nar-
rado o fato com elementos para auxiliar em uma investigação.
Diferente da representação, o requerimento é um pedido mais completo com a
narração dos fatos, suposta autoria, horário, local, indicando se possível testemunhas.
Nos casos de flagrante delito nos crimes de ação penal privada, só será efetua-
da a prisão e lavrado o flagrante havendo o requerimento da vítima.

capítulo 2 • 40
Instauração do inquérito policial em casos de denúncia anônima

A simples delatio criminis não pode ensejar a instauração do inquérito, pois


poderia prestigiar a prática da vingança privada. A própria CR?88, em seu artigo
5º, inciso IV veda a prática do anonimato. A autoridade policial deverá, primeira-
mente, confirmar a informação, verificar a sua procedência, para aí sim proceder
a instauração do procedimento.
O Código Penal tipifica a conduta de dar causa a investigação policial contra
alguém, imputando-lhe de que o sabe inocente (artigo 339 CP), não faz sentido,
portanto, que uma simples delatio possa dar ensejo a instauração do inquérito.
Conforme dispõe o art. 5º parágrafo 3º do CPP, qualquer pessoa do povo
que tiver conhecimento da existência da infração penal em que caiba ação pública
poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial e esta, veri-
ficada a procedência das informações, mandará instaurar o inquérito.
De fato, não se pode movimentar a polícia com base em notícias anônimas.
Após a denúncia anônima, deverão ser realizadas diligências investigativas para,
então, instaurar o devido inquérito. Sendo este também o entendimento jurispru-
dencial (STJ HC 104005 RJ).

Instauração do inquérito policial em crimes de menor potencial ofensivo

A CR/88, no inciso I do artigo 98, estabeleceu a criação dos juizados especiais


para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Assim, entrou
em vigor a lei 9099/95 que disciplina o procedimento a ser adotado nos crimes de
menor potencial ofensivo, que são aqueles que a lei comine pena máxima não superior
a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa e as contravenções penais. Trata-se do
procedimento sumaríssimo, conforme o disposto no artigo 394, inciso III do CPP.
De acordo com Antonio Scarrance37, o aumento da criminalidade e, conse-
quentemente, do número de processos, a necessidade de descongestionar a máqui-
na judiciária, de melhorar a eficiência do sistema, de primar por maior rapidez na
solução das causas e de diminuir o custo do sistema judiciário, justificou a adoção
dessas alternativas simplificadoras.

37  FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 193.

capítulo 2 • 41
Art. 61 da Lei 9099/95 – Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxi-
ma não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Torna-se válido ressaltar que a Lei 9099/95 foi um marco no processo penal,
adotando medidas despenalizadoras, tais como a composição civil dos danos, a
proposta de transação penal, suspensão condicional do processo, não impondo
penas privativas de liberdade.
Os princípios orientadores do juizado são a oralidade, informalidade, econo-
mia processual e celeridade. E o objetivo é sempre que possível a reparação dos
danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
A lei trouxe uma série de inovações entre elas o termo circunstanciado, uma
peça informativa que dá início a persecução penal diferente, portanto, do inqué-
rito e do auto de prisão em flagrante. Este termo circunstanciado é presidido pela
autoridade policial, em que irá analisar a conduta, a sua tipicidade, e verificar
quem seria o suposto autor do fato.

Artigo 69 e parágrafo único da Lei 9099/95 – A autoridade policial que tomar conhe-
cimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente
ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames
periciais necessários.
Parágrafo único – Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente
encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá
prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá
determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de con-
vivência com a vítima.

Conclui-se, sendo assim, que não se fala em instauração de inquérito policial


para os crimes de menor potencial ofensivo.

O flagrante delito como forma de instauração do inquérito policial

Caso ocorra a prisão em flagrante, nos moldes do artigo 302 do CPP, ocorrerá o
início de um inquérito policial, em que a peça inaugural é o auto de prisão em flagrante.
A prisão em flagrante é uma espécie de prisão provisória. Independe de ordem
judicial, a análise judicial será feita a posteriori. Para existir flagrante delito, a pes-
soa deve ter sido encontrada em uma das hipóteses do artigo 302 do CPP.
O legislador prevê quatro hipóteses de flagrante delito e a doutrina classifica em
três espécies: flagrante próprio, flagrante impróprio, flagrante ficto ou presumido.

capítulo 2 • 42
Art. 302 do CPP – Considera-se em flagrante delito quem:
I. Está cometendo a infração.
II. Acaba de cometê-la.
III. É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em
situação que faça presumir ser autor da infração.
IV. É encontrado, logo após, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam
presumir ser ele o autor da infração.

Os incisos I e II seriam o flagrante próprio, real, o inciso III o flagrante impró-


prio, e o inciso IV o ficto ou presumido.
Flagrante leva a ideia de imediatidade e o legislador apresente uma ordem
decrescente da certeza visual do crime. Nos incisos I e II, o agente é encontrado
praticando a infração ou acabou de praticar, por isso considerado flagrante pró-
prio, real, verdadeiro. Também se aplica nas hipóteses de crimes permanentes, em
que a consumação se protrai no tempo e entende-se o agente em flagrante delito
enquanto não cessar a permanência, conforme artigo 303 do CPP.
No inciso III do artigo 302 há uma perseguição e essa deve ser contínua e
ininterrupta para que configure o flagrante delito. Assim, alguém pode ser preso
horas, dias, meses após o crime em situação de flagrante, contanto que tenha
ocorrido essa perseguição contínua. Já o inciso IV trata do flagrante ficto ou pre-
sumido, quando o agente é encontrado “logo depois” com instrumentos, armas,
objetos que façam presumir ser ele o autor da infração.
A autoridade policial está no estrito cumprimento do dever legal, uma vez que
o artigo 301 estabelece que as autoridades policiais e seus agentes deverão prender
quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
São 5 (cinco) os momentos do flagrante: captura, condução, autuação e en-
carceramento. Importante destacar que a prisão de qualquer pessoa deverá ser
imediatamente comunicada ao juiz competente, ao Ministério Público e à família
do preso ou à pessoa por ele indicada.
Após ser apresentado o preso à autoridade competente, esta irá ouvir o condu-
tor, as testemunhas que o acompanharam e procederá ao interrogatório do preso,
colhendo após cada oitiva as respectivas assinaturas, lavrando-se afinal, o auto de
prisão em flagrante (artigo 304 do CPP).
Segundo Scarance Fernandes38, a única espécie que independe de decisão da au-
toridade judiciária é a prisão em flagrante, conforme autorização do art. 5º, LXI, da
Constituição Federal. Isso porque, nesse caso, o fato de o agente ser surpreendido
no cometimento do crime vincula-o à prática delituosa como o seu provável autor.
38  FERNANDES, Antonio Scarance. A reação defensiva à imputação. São Paulo: RT, 2002, p. 137.

capítulo 2 • 43
Trata-se de medida pré-cautelar, verificando a autoridade policial, com base nos depoi-
mentos e no interrogatório do auto de prisão em flagrante, a fundada suspeita contra
o conduzido, ou seja, a presença do fumus boni iuris. A necessidade da prisão será ana-
lisada pelo juiz quando receber a cópia do auto, devendo ser mantida a custódia como
providência cautelar, se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva.

ATENÇÃO
A apresentação espontânea afasta a possibilidade da prisão em flagrante. Para que pos-
samos falar em flagrante delito temos que ter a certeza virtual do crime.

EXEMPLO
Maria chegou à sua residência e viu a babá do seu filho maltratando a criança; em de-
sespero, mata a babá e vai imediatamente à delegacia contar todo o fato, entregando, até
mesmo, a arma do crime. Maria não foi encontrada em flagrante delito, assim deve ser lavrado
um auto de apresentação espontânea voluntária. Caso a autoridade policial entenda que Ma-
ria deva ser presa, o delegado irá representar pela prisão preventiva da mesma, mas jamais
poderá ser lavrado um auto de prisão em flagrante.

O auto de prisão em flagrante deverá ser encaminhado ao juiz competente em


até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão.
O juiz irá analisar a legalidade e necessidade da prisão. Se verificar que a pri-
são é ilegal, deverá fundamentadamente relaxá-la, mas sendo a prisão legal, porém
desnecessária, deverá conceder liberdade provisória em favor do preso.
Ilegalidade é um vício que tanto pode ser formal ou material. O vício será
material quando o agente não se encontrar em situação de flagrante delito e será
formal quando a própria formalidade do título prisional não atendeu ao ordena-
mento jurídico. Em ambas as hipóteses deverá a autoridade judiciária relaxar a
prisão (artigo 310, inciso I CPP).
Mas sendo a mesma legal, o juiz passará ao exame da necessidade da sua
manutenção. Verificará se estão presentes ou ausentes os requisitos autoriza-
dores da prisão preventiva, previstos no artigo 312 do CPP, quais sejam, ga-
rantia da ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal e por

capítulo 2 • 44
conveniência da instrução penal. Trata-se do periculum libertatis (perigo na li-
berdade do agente), além de verificar também a presença do fumus comissi delict
(fumaça do cometimento do crime), que seria a prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.
Ausentes tais requisitos o juiz irá conceder a liberdade provisória, com ou sem
fiança, nos termos do artigo 310, inciso III do mesmo diploma legal. Presentes os
requisitos autorizadores, o juiz irá converter a prisão em flagrante em preventiva, e
se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão.
A prisão no curso do processo é uma medida excepcional, ultima ratio. A regra
é a liberdade.
Existem também outras espécies doutrinárias de flagrante:
1. Flagrante preparado; 3. Flagrante forjado;
2. Flagrante esperado; 4. Flagrante retardado.

O flagrante preparado ocorre quando o agente prepara a situação para a cap-


tura do infrator. Já se sabe que o agente pratica o crime, mas ainda não conseguiu
encontrá-lo em situação de flagrante criminosa. Nesta hipótese, faz-se um aparato,
cria-se uma cena, um teatro, provocando o comportamento do agente para indu-
zi-lo a praticar o crime, e no momento em que irá praticar, prende-o em flagrante
delito. Para a doutrina é um flagrante ilegal e deve ser imediatamente relaxado.

Súmula 145 do STF – não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.

O flagrante esperado é legal. Ocorre quando já se sabe que o agente vai


praticar a infração, mas não se induz, não prepara, não provoca. Não há qualquer
participação no comportamento do agente. Tal flagrante é válido, legal.
O flagrante forjado ou fabricado é o flagrante ilegal por excelência. Ocorre
quando se forja uma situação de crime que não existe, é o famoso exemplo de blitz
em que o policial forja a prática de um crime.
Por fim, temos o flagrante retardado, postergado ou diferido. Retarda-se
a captura do agente para um momento mais propício, oportuno. É hipótese de
flagrante legal, válido e está previsto na Lei 12.850/13 em seu artigo 8º - consiste
a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à
ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida
sob observação e acompanhamento para que a medida se concretize no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

capítulo 2 • 45
O arquivamento do inquérito policial

Concluído o inquérito policial, a autoridade policial encaminhará ao


Ministério Público para que possa dar a sua opinio delict. Presentes as condições
para o legítimo exercício da ação penal (possibilidade jurídica do pedido, interes-
se de agir, legitimidade das partes e justa causa) o membro do parquet oferecerá
a denúncia, requisitará outras diligências imprescindíveis para a acusação ou irá
requerer o arquivamento do inquérito policial.
Entenda-se por justa causa o suporte probatório mínimo de indícios de auto-
ria e materialidade do fato.
Prevê o artigo 28 do CPP - se o órgão do Ministério Público, ao invés de
apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quais-
quer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões
invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador geral,
e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para
oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz
obrigado a atender.
Verifica-se que somente o ministério público poderá requerer o arquivamento
do inquérito policial. Não pode a autoridade policial arquivar autos do inquérito,
sendo o destinatário final o MP, como também não poderá o juiz determinar de
ofício o arquivamento.
Se o juiz concordar com as razões apresentadas pelo Promotor irá determinar
o arquivamento, caso contrário, ou seja, discordando do mesmo, irá encaminhar
ao Procurador Geral de Justiça. É uma função anômala de fiscalizar o princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública.
É importante notar que o Ministério Público deverá de forma fundamentada
apresentar as razões, os motivos de tal requerimento, sendo esta uma exigência
legal prevista no artigo 28 do CPP.
Arquivar significa determinar o encerramento das investigações, inviabilizar o
exercício da ação penal.
Assim, o juiz terá tão somente duas opções: acolher a promoção do MP e
determinar o arquivamento, ou encaminhar o IP ao PGJ.

capítulo 2 • 46
PERGUNTA
A decisão que determina o arquivamento do inquérito faz coisa julgada material? O en-
tendimento é o de que a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial faz
coisa julgada tão somente formal. Nada impede que, surgindo novas provas, possa ocorrer o
oferecimento da ação penal, ou em havendo notícias de outras provas o inquérito seja desar-
quivado. Somente quando o arquivamento se dê tendo em vista a atipicidade da conduta ou
a presença de qualquer causa extintiva da punibilidade, que ocorrerá a coisa julgada material.
Sendo este inclusive o entendimento dos Tribunais Superiores.

Súmula 524 do STF – Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimen-
to do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.
Artigo 18 do CPP – depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade ju-
diciária por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas
pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

Qual seria a diferença entre o dispositivo legal e o enunciado da Súmula? a di-


ferença é clara. O artigo 18 trata do desarquivamento do inquérito já o enunciado
trata de ação penal.
Para que ocorra o desarquivamento basta notícia de outras provas, mas para
que tenhamos o oferecimento da denúncia, são exigidas novas provas. Prova
nova é a prova que altera substancialmente o quadro probatório que determinou
o arquivamento.

O arquivamento implícito no ordenamento jurídico brasileiro

O arquivamento implícito seria aquele em que o membro do ministério públi-


co não inclui na denúncia um indiciado, ou em se tratando de mais de um crime,
não inclui todos eles. Sendo objetivo (omissão em relação aos fatos imputados)
e subjetivo (omissão em relação aos sujeitos). Para os que admitem tal instituto,
havendo o arquivamento implícito do inquérito policial, o promotor de justiça
somente poderia ajuizar a ação penal em relação ao outro acusado, ou incluísse
outro crime, caso houvesse novas provas (Súmula 524 do STF).
No entanto, a doutrina majoritária, assim como a jurisprudência, não ad-
mitem a aplicação do arquivamento implícito em nosso ordenamento jurídico.
O arquivamento está expresso, previsto no artigo 28 do CPP. Para que haja o

capítulo 2 • 47
arquivamento, o Ministério Público terá que apresentar, de forma fundamentada,
as razões do seu convencimento, como já foi explicado neste capítulo.
Sendo assim, bastaria que o promotor de justiça incluísse o acusado faltante
ou o crime, independentemente de novas provas, não se aplicando, portanto, a
Súmula 524 do STF.

ATIVIDADES
01. Sobre o inquérito policial, julgue os itens abaixo, marcando a opção correta:
a) Em caso de ação penal privada, a instauração do inquérito dar-se-á mediante queixa
crime do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
b) A autoridade policial somente poderá mandar arquivar autos do inquérito policial se o
fato narrado não constituir crime.
c) Para que se tenha o arquivamento do inquérito policial, o Ministério Público deverá re-
querer e a autoridade judiciária, concordando com as razões apresentadas, determinará
o arquivamento.
d) O inquérito policial não poderá ser arquivado se a autoria for desconhecida.

02. O delegado de polícia (I) não pode arquivar inquérito policial porque o (II) arquivamento
do inquérito policial deve ser determinado pelo membro do Ministério Público:
a) Se as duas são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
b) Se as duas são verdadeiras e a segunda não justifica a primeira.
c) Se a primeira é verdadeira e a segunda é falsa.
d) Se a primeira é falsa e a segunda é verdadeira.
e) Se as duas são falsas.

03. Em relação ao inquérito policial:


a) É um procedimento que pode ser presidido tanto pelo delegado de polícia quanto pelo
membro do Ministério Público, desde que, neste último caso, tenha sido este o órgão
responsável pela investigação.
b) É um procedimento inquisitorial, escrito, formal, sigiloso e dispensável
c) Gera, quando arquivado, preclusão absoluta, não sendo possível o início de ação penal,
ainda que tenha por fundamento a existência de novas provas.
d) É um procedimento escrito, obrigatório e preparatório da ação penal, imprescindível para
embasar o oferecimento da denúncia.

capítulo 2 • 48
04. O Ministério Público recebe peças de informação diretamente do lesado contendo ele-
mentos de materialidade e indícios de autoria. Em caso tal, pode ou deve o parquet:
a) Requisitar instauração de inquérito policial.
b) Denunciar depois de concluído o inquérito policial.
c) Denunciar no prazo de 15 dias.
d) Propor o arquivamento das peças de informação.

05. Antonio Carlos foi vítima de um crime de roubo e compareceu à Delegacia Policial, onde
pediu a instauração de um inquérito policial. Informaram-lhe que ele deveria oferecer uma
queixa crime. Está correta a informação?

RESUMO
Neste capítulo, tratamos de um tema essencial nos estudos do processo penal. A inves-
tigação preliminar, a primeira fase da persecução penal, o inquérito policial.
Inicialmente podemos verificar a importância de uma investigação criminal, pois a partir
desta a autoridade policial poderá indiciar o sujeito, tipificar a sua conduta criminosa e en-
caminhar os autos do inquérito ao seu destinatário final que é o órgão do Ministério Público.
Vimos as características peculiares, dentre elas a sua dispensabilidade, ou seja, o mem-
bro do parquet pode até mesmo oferecer a denúncia sem que se tenha tido uma anterior ins-
tauração do inquérito. Basta a presença de outras peças de informação com o fato, autoria,
indicação de tempo, local e elementos de convicção.
Ainda neste capítulo tratamos das formas de instauração do inquérito e vimos que tal
ocorrerá de acordo com a natureza da ação penal do crime em tese praticado. Apresentamos
também a importância da prisão em flagrante e a consequente instauração do inquérito pelo
auto de prisão em flagrante.
Por fim, observamos as questões relativas ao arquivamento e desarquivamento do inqué-
rito, qual o procedimento, quem irá determinar o arquivamento, em quais circunstâncias e a
natureza jurídica desta decisão. Abordamos também a questão relevante sobre a teoria do
arquivamento implícito, deixando claro que para a maioria da doutrina e a própria jurisprudên-
cia tal teoria não se aplica em nosso ordenamento jurídico.

capítulo 2 • 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento no processo penal.
São Paulo: Revista dos tribunais, 2005.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

capítulo 2 • 50
3
Teoria geral da
prova
Teoria geral da prova
99 Provas ilícitas por derivação;
99 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade;
99 Busca e apreensão;
99 Interceptações telefônicas e sistemas de valoração das provas.

Neste capítulo, vocês irão estudar a Teoria Geral da Prova, a expressão prova
para o direito, os destinatários das provas, os sujeitos da prova, bem como a classi-
ficação da prova e o ônus da prova. Iremos abordar, ainda, os princípios aplicáveis
às provas e a vedação das provas obtidas por meios ilícitos, bem como as provas
ilícitas por derivação e a prova ilícita em favor do réu.
Em seguida, trataremos da busca e apreensão domiciliar e pessoal, da inter-
ceptação telefônica e a análise da lei 9296/96 que disciplina a medida excepcional,
destacando a diferença entre interceptação, escuta e gravação clandestina. Além de
estudarmos o prazo de duração e suas hipóteses de cabimento.
Por fim, trataremos dos sistemas de valoração das provas pelo magistrado, ana-
lisando as suas características e diferenças, bem como, apontando qual o sistema
adotado em nosso ordenamento jurídico.

OBJETIVOS
Identificar o conceito de prova para o direito, os meios e fontes de prova. Refletir sobre
as provas ilícitas, as derivadas das ilícitas e sua possível utilização quando for em favor do
acusado. Analisar algumas medidas de índole probatória, como a busca e apreensão e a
interceptação telefônica com todos os seus desdobramentos. Compreender o sistema de
valoração da prova pelo magistrado adotado em um sistema processual acusatório.

Hoje o nosso processo penal deverá ser democrático e, para que assim seja, os
princípios informadores devem ser observados pelo Estado-Juiz, pelo órgão acusador
e pelo próprio acusado. O processo penal deixa de ser apenas um instrumento de con-
cretização do direito material, para ser, sobretudo, um instrumento para a garantia da
realização da justiça e efetivação dos direitos, como vimos no primeiro capítulo.

capítulo 3 • 52
A matéria probatória não escapa dessa atenção, sendo de crucial importância para
o deslinde do processo as questões que a envolvem (a propositura, aquisição, produção
e valoração), pois refletem significativamente nas garantias a serem observadas.
Nesse sentido, é salutar a lembrança de que a questão referente à prova remon-
ta aos ensinamentos bíblicos. O fato encontra-se em I Reis. 3: 16-28. Nessa passa-
gem, duas mulheres mães solteiras, reivindicam ser a mãe de um menino vivo. As
duas moravam juntas, dormiam no mesmo quarto, eram prostitutas e haviam tido
filho recentemente. Puseram-se diante do Rei Salomão para que o mesmo julgasse
a causa com justiça e sabedoria.
A primeira mulher alegava que o filho vivo era dela e que a outra mulher havia
trocado os bebês enquanto a locutora dormia. Afirmava que isso ocorrera porque,
durante a noite, a outra teria se deitado sobre o filho, que veio a falecer, motivo
pelo qual a oponente teria trocado os bebês. Ao amanhecer, a primeira mulher
percebeu que aquele que tinha morrido não era seu filho e começaram a discutir.
Foram ao Palácio do Rei e contaram-lhe a história.
Para dirimir o conflito, Salomão ordenou a um dos seus guardas que cortasse o
bebê ao meio e desse um pedaço para cada uma. A verdadeira mãe chorou e disse
que preferiria ver o seu filho nos braços de outra a morto nos próprios braços,
enquanto a outra disse que a solução era justa. Salomão, reconhecendo a mãe na
primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho.
Esse conto bíblico ressalta a importância do tema a ser abordado neste capí-
tulo. Inicialmente, cada mulher contou a sua história, e Salomão não conseguia
saber quem estava falando a verdade. Com a sabedoria que Deus havia lhe dado,
chegou a tal conclusão, ou seja, será a mãe verdadeira aquela que ama tanto o seu
filho que abriria mão dele a outra pessoa, para que ele não morresse.
Salomão tinha em suas mãos: vida, perspectivas, futuros a serem traçados, e,
aplicando sua técnica, alcançou um resultado justo. A justiça se alcança com a
apreciação correta dos fatos, nascendo, portanto a necessidade da prova.

A terminologia, o conceito, a expressão prova para o direito

Inicialmente, cabe ressaltar que o próprio conceito de prova é controverso,


e, no entendimento de muitos juristas, essa terminologia é empregada de forma
atécnica, sendo importante, portanto, apresentar uma breve explanação sobre o
instituto, pois, segundo Lênio Streck39:
39  STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001,.115.

capítulo 3 • 53
[...] o direito não é aquilo que o judiciário diz que é. E tampouco é/será aquilo que, em
segundo momento, a doutrina, compilando a jurisprudência, diz que ele é a partir de
um repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras. Do mesmo
modo o direito não é um dicionário recheado de conceitos. Na verdade, pensá-lo como
uma ‘lexicografia’ é vê-lo tropeçar no primeiro vendedor de picolés.

Não é incomum a utilização do termo “prova” na fase preliminar investigató-


ria. O inquérito policial é um procedimento administrativo, no qual serão realiza-
das diligências para apurar autoria e materialidade, dando um suporte probatório
mínimo para o órgão acusador, como vocês já puderam aprender no capítulo que
tratamos do inquérito policial.
Assim, predomina na doutrina40 o entendimento de que, durante essa primeira
fase não há que se falar em acusado, réu, nem, portanto, em contraditório e prova,
mas tão somente em elementos informativos, como menciona a redação do art. 155
do CPP atualizada pela Lei 11.690/08.
Existe, entretanto, entendimento contrário. Assim, Aury Lopes41 sustenta que
a informação de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito
policial é genérica, infundada, pecando por reducionismo. Em relação ao direito
de defesa, o autor cita, como exemplos, a possibilidade de o indiciado exercer no
interrogatório policial sua autodefesa positiva ou negativa (ora dando sua versão
sobre os fatos, ora exercendo o direito ao silêncio), o requerimento de diligências e
de juntar documentos e, por fim, a possibilidade de se impetrar habeas corpus, que
constitui inegavelmente um meio de defesa.
Também quanto ao contraditório, Lopes Júnior42 reconhece a sua existên-
cia no curso das investigações, porém afirma que a sua eficácia é insuficiente e
deve ser potencializada. Inicialmente o autor menciona que o artigo 5º, LV, da
Constituição da República, não pode ser interpretado de forma restrita e afirma
que houve uma “confusão terminológica”, ao se falar em processo administrativo,
quando deveria ser procedimento. Ademais, o fato de o legislador constituinte men-
cionar acusados e não indiciados não seria, para o autor, um impedimento para a
sua aplicação na investigação preliminar, até porque a expressão utilizada foi, acu-
sados em geral, devendo nela ser compreendido também o indiciado, pois qualquer
forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo.
40  Nesse sentido: TOURINHO Filho. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p.68; SCARANCE,
Fernandes. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora RT, 2012, p.70; MARQUES, Frederico. Tratado de direito
penal. São Paulo: Saraiva, 1964, p.190.
41  LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 338.
42  Ibid., p.338.

capítulo 3 • 54
Não obstante à opinião desses autores, acompanha-se o pensamento de que só
há que se falar em contraditório propriamente dito na fase processual.
Assim, podemos afirmar que prova, para o direito, é a informação quali-
ficada pelo crivo do contraditório. É o objeto do contraditório exercido pelas
partes perante o juiz natural. Sendo este o seu conceito.

Da natureza jurídica

A prova é um direito das partes, e, como direito subjetivo, sempre corres-


ponderá a um dever de outrem. O titular do direito de ação é, simultaneamente,
titular do direito à prova. E todo acusado, sendo titular do direito de defesa, é
também titular do direito à prova.
Autor e acusado são credores do direito à prova, sendo devedores o legislador
(este não pode editar leis suprimindo o direito à prova) e o próprio juiz, que, no
processo penal, não poderá limitar a atividade probatória para além do que a lei já
faz. Dessa afirmação, alcançamos a natureza jurídica da prova – direito das partes
correlacionado aos direitos de ação e defesa. A prova passa a ser direito inerente ao
direito de ação e defesa, conforme ensina Paulo Rangel43:

Neste caso, a prova passa a ser um direito inerente ao direito de ação e de defesa. Ou
seja, um desdobramento, um aspecto do direito de ação e de defesa. Portanto, podemos
dizer que a sua natureza jurídica é um direito subjetivo de índole constitucional de esta-
belecer a verdade dos fatos...

Na mesma linha de raciocínio, Eugênio Pacelli de Oliveira44 também afirma


que o réu tem direito à prova:

Como decorrência do princípio e em consequência do exercício da ampla defesa, pode-


-se afirmar que o réu tem direito à prova. Desnecessário afirmar que igual direito assiste
ao órgão da acusação, já que o direito do réu à prova tem como pressupostos a existên-
cia e o exercício do direito da acusação.

Sendo assim, chega-se a uma primeira conclusão, qual seja, a de que o direito
à prova pertence às partes, sendo essa, a sua natureza jurídica, direito inerente ao
próprio direito de ação e de defesa.

43  RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.459.
44  OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.333.

capítulo 3 • 55
O destinatário da prova, os sujeitos da prova e o objeto da prova

O destinatário da prova é o órgão jurisdicional (Juiz, Desembargador,


Ministro) e não o Ministério Público. Este é o órgão acusador e destinatário dos
elementos de informação. Os sujeitos da prova são as pessoas responsáveis pela
produção da prova, como já vimos anteriormente, o direito à prova pertence às
partes, sendo estas responsáveis para a sua produção.
São 4 (quatro) as fases da atividade probatória e cada fase possui a
sua peculiaridade:
•  Proposta de prova;
•  Aquisição/admissão da prova;
•  Introdução/produção da prova;
•  Valoração/apreciação da prova.

O objeto da prova ou thema probandum é o próprio fato ou acontecimento que


deve ser conhecido pelo juiz, o que as partes desejam demonstrar, já o objeto de pro-
va são todos os fatos, principais ou secundários que exigem uma apreciação judicial.
Somente os fatos que possam gerar alguma dúvida, que exijam uma compro-
vação é que constituem objeto de prova. Excluem-se os fatos notórios (fazem parte
da cultura e informação de um povo).

Fontes de prova e meios de prova

Fontes de prova é tudo aquilo que indica algum fato ou afirmação que neces-
sita de prova, são as pessoas ou coisas das quais se pode conseguir a prova.
Já meios de prova é tudo aquilo que possa servir, direta ou indiretamente, à com-
provação da verdade que se procura no processo. O meio probatório é ilimitado, só
comportando exceções em relação ao estado das pessoas e às provas ilícitas e imorais.

ATENÇÃO
Desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando
a ética e o valor da pessoa humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não
estejam legalmente relacionados no Código de Processo Penal.

capítulo 3 • 56
EXEMPLO
Exemplos práticos de fonte de prova e meio de prova:
•  Exemplo 1 - João viu José matar Joaquim. João é meio de prova. É meio de que dispõe
o Ministério Público para provar que José matou Joaquim. São os elementos que podem
justificar ou esclarecer os fatos que se apuram;
•  Exemplo 2 - Marta, esposa de João não viu nada. Mas João chegou em casa e contou que
teria visto José matar Joaquim. Marta é fonte de prova, fonte de informação sobre a existên-
cia de um determinado meio de prova.

Classificação das provas e o ônus da prova

São 3 (três) os critérios utilizados para a classificação das provas, sendo eles:
quanto ao conteúdo ou objeto, quanto ao sujeito e quanto a forma.
I. Quanto ao conteúdo ou objeto: pode ser direta - se a prova produzida referir-
-se imediatamente ao fato que se procura provar (fato probando), ou indireta - se a
prova produzida diz respeito a outro fato e somente através de um raciocínio lógico
chega-se ao fato que se deseja provar. É um método indutivo, presunções, indícios;
II. Quanto ao sujeito: pode ser pessoal (verificação de pessoa) - é toda afirmação
pessoal que emana de manifestação consciente, seja por conhecimento próprio
ou por terceiros, ou real - que é aquela originada dos vestígios detectados e que
refere-se, geralmente, a coisas, como roupa ensanguentada, fechadura violada, a
perícia realizada em um objeto etc.;
III. Quanto às formas, ou seja, a maneira como as partes apresentam em juízo a
veracidade das suas informações, pode ser testemunhal - afirmação feita por uma
pessoa, documental - prova produzida por afirmação escrita ou gravada e, por
fim, material - exame de corpo de delito, perícias, coisas apreendidas etc.

•  Do ônus da prova: inicialmente devemos ressaltar que ônus não se confun-


de com dever. Trata-se de uma posição de vantagem, caso contrário arcará com
o prejuízo de sua inação. Vamos analisar o dispositivo legal que trata da matéria.

capítulo 3 • 57
Artigo 156 do CPP - a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facul-
tado ao juiz de ofício:
I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e propor-
cionalidade da medida.
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Observa-se, portanto, que, pelas regras processuais penais, são três as possi-
bilidades do direito à prova: por parte do acusador, por parte do acusado, por
parte do juiz. Antes de analisarmos a constitucionalidade em si desse dispositivo,
é importante levar em consideração o que a doutrina afirma no tocante ao ônus
probatório em matéria processual penal.
Tourinho Filho se posiciona a esse respeito, ao afirmar que caberá à parte
acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua autoria, ou seja, cabe-lhe
demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. E finaliza: “se o
réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte
objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da acusação”.45
Já em relação à defesa, entende-se tratar de uma faculdade processual ou um
direito-faculdade, e não um ônus no sentido literal do termo46, mas um ônus im-
perfeito ou diminuído, conforme ensina Greco Filho: o ônus da prova para a defesa
é um ônus imperfeito ou diminuído, em virtude do princípio in dubio pro reo, que
leva à absolvição, no caso de dúvida quanto à procedência da imputação. Assim, em
princípio, à defesa incumbe a iniciativa da prova das excludentes, mas basta-lhe a
prova de que suscite uma dúvida razoável, porque a dúvida milita em seu favor.47
O artigo 156 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela
Lei 10.690/08, ao prescrever: “a prova da alegação incumbirá a quem fizer; mas
o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar,
de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”, permite ao ma-
gistrado a gestão da prova, sendo para parcela da doutrina48 incompatível com os
princípios garantistas. A postura do juiz como gestor da prova seria um resquício
do juiz inquisidor. Assim, não havendo provas suficientes no processo para emba-
sar o convencimento, deve absolver o réu por insuficiência probatória.
45  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999, p.236.
46  Segundo Badaró, “o ônus envolve as noções de poder e de liberdade, e, justamente por isto, aproxima-se das faculdades.
Há ônus quando o exercício de uma faculdade é condição para se obter uma determinada situação de vantagem ou para
impedir uma situação desvantajosa. O ônus, portanto, é uma faculdade cujo exercício é necessário para a consecução
de um interesse”. BADARÓ, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2012, p.291.
47  GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo. Saraiva, 1998, p.205-206.
48  FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.p.42.

capítulo 3 • 58
Os principais argumentos da doutrina contrária à possibilidade de o juiz de-
terminar de ofício a produção da prova são os de que o magistrado criará um elo
com aquela prova, pois ficaria psicologicamente comprometido com o que estava
buscando, ferindo de morte o princípio da imparcialidade, do devido processo
legal para o qual se exige a inércia do órgão julgador, devendo manter-se distante
dos interesses das partes, e o princípio da presunção de inocência, pois, em caso
de dúvida, essa deverá ser interpretada em favor do acusado. Assim, manteve a re-
dação em comento, para a grande maioria da doutrina, perspectiva inquisitorial.49
Tais argumentos procuravam demonstrar que o juiz estaria agindo como
gestor da prova, abandonando o sistema acusatório implicitamente adotado na
Constituição de 1988 e afastando-se ainda mais do modelo constitucional de pro-
cesso, com a possibilidade, até mesmo, de perdas de conquistas já efetivadas. A
atual redação não só manteve a possibilidade de produção probatória de ofício no
curso do processo, como também permitiu a produção antecipada, antes mesmo
do ajuizamento da ação penal, por iniciativa do magistrado.
Quanto à iniciativa probatória na fase da investigação, as críticas foram mais
severas, veementes, entendendo tratar-se de verdadeiro retrocesso, de paten-
te inconstitucionalidade.
Em relação à possibilidade de produção da prova determinada de ofício pelo
juiz no curso do processo, Aury Lopes50 abraça a doutrina de Franco Cordero,
renomado autor italiano, que, na década de sessenta do século passado, sustentou
que o juiz do sistema inquisitivo desenvolveria quadros mentais paranoicos, pois
ficaria psicologicamente comprometido com o resultado do processo, ou seja, com
a condenação do sujeito passivo da persecução penal. Dessa forma, seria um erro
atribuir, em qualquer fase, poderes instrutórios a um juiz. Segundo o autor51, “o
juiz que vai atrás da prova primeiro decide (definição da hipótese) e depois vai
atrás dos fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade já foi tomada)”.
Assim, o juiz, ao agir na busca da prova, estará pré-julgando os fatos e, con-
sequentemente, violando os direitos do acusado, assegurados constitucionalmen-
te, notadamente o da Presunção de Inocência, pois a dúvida deverá sempre ser
49  Segundo André Faria, “a nova redação, ao invés de adaptar o artigo 156 às diretrizes constitucionais, reforçou ainda
mais a postura inquisitorial da legislação brasileira, ampliando os poderes investigatórios do juiz, permitindo que ele atue,
de ofício, até mesmo na fase preliminar. Evidenciou-se, assim, que o código de processo penal brasileiro se perpetua
no tempo, pois sobreviveu à constituição de 1946, serviu à ditadura militar e ainda consegue se sustentar mesmo após
mais de 20 anos da promulgação da constituição democrática de 1988”. FARIA, André. Os poderes instrutórios do juiz
no processo penal. Uma análise a partir do modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2011. p.120.
50  LOPES JUNIOR, Aury, op. cit., p.128.
51  Ibid., 2013, p. 129.

capítulo 3 • 59
interpretada em favor do acusado. Na mesma linha, Geraldo Prado52 afirma que
“quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de pro-
cesso penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente
comprometedora da imparcialidade do julgador”. Salienta ainda que o acusado,
como destinatário da posição jurídica favorável, não pode ser prejudicado pela
aplicação de tal benefício em seu desfavor.
Nesse sentido, Aury Lopes53 é ainda mais contundente ao exigir máxima efi-
cácia à garantia da presunção de inocência, e esse “nível de maturidade jurídica” só
será alcançado com juiz iniciando o processo convencido da inocência do acusado.
Desse modo, a carga probatória estará integralmente nas mãos do acusador.
No entanto, há vozes na doutrina que sustentam opinião intermediária. Gustavo
Badaró54 argumenta com precisão que os poderes instrutórios do juiz não represen-
tam um perigo à sua imparcialidade, desde que se estabeleça em quais medidas po-
derá exercer tais poderes. Ele parte da premissa de que a categoria poderes instrutó-
rios do juiz inclui a busca da fonte de provas (atividade propriamente investigativa),
até a introdução em juízo de provas de cuja existência já tenha conhecimento. Nesse
caso, a imparcialidade só estará em perigo quando o próprio juiz for um “buscador”
de fontes de provas. Difere, portanto, do juiz que, diante da notícia de uma fonte de
prova, determina a produção do meio de prova correspondente.
Assim, não se coloca em risco a imparcialidade do julgador, ao contrário, o resul-
tado da produção daquele meio de prova pode ser em sentido positivo ou negativo
quanto à existência do fato. Ademais, conclui o autor que o juiz, ao determinar uma
produção de provas de ofício, pode conseguir demonstrar a culpa do acusado, sendo
imperiosa a sua condenação, contudo isso não significa perda da imparcialidade, mas o
privilégio de um modelo que permita mais eficiência na reconstrução dos fatos.
Isto posto, de tudo o que foi dito até o presente momento, podemos concluir
que, de um modo geral, a nova redação do artigo em apreço sofre duras críticas
da doutrina, sob o argumento de, em suma, afrontar o sistema acusatório previsto
implicitamente na Constituição de 1988.
Em um atual modelo processual democrático, seria inconcebível a convivência
com um juiz investigador e julgador ao mesmo tempo, isso porque estaria sujeito
a pré-julgar o fato, ferindo a imparcialidade, que deve ser observada ao máximo.
O juiz deve manter-se equidistante do interesse das partes, até porque, con-
sagrando o princípio da presunção de inocência, restando a dúvida, esta deverá
52  PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório, p.158.
53  LOPES JUNIOR, Aury, 2013, p.543.
54  BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2012, p. 51.

capítulo 3 • 60
sempre ser interpretada em favor do réu, atendendo, assim, às garantias constitu-
cionais previstas na Magna Carta. Frise-se, ainda, que o juiz deverá assumir uma
posição de garante para que as mesmas tenham efetividade.

Princípios aplicáveis às provas e a vedação das provas obtidas por


meios ilícitos

•  Princípio da autorresponsabilidade das partes: significa que as partes as-


sumirão as consequências de sua inatividade ou erro. Este princípio decorre do
ônus da prova, uma vez que o direito à prova pertence às partes e elas deverão exer-
cer. Portanto, deverão observar o momento adequado para a sua produção etc.;
•  Princípio da aquisição ou comunhão da prova: uma vez produzida a pro-
va pertence ao processo, e não mais à parte que a produziu, tanto que a Defesa,
por exemplo, poderá fazer perguntas as testemunhas arroladas pela acusação e
vice-versa. Assim, não se admite a desistência da oitiva de uma testemunha sem a
anuência da parte contrária;
•  Princípio da oralidade: as provas devem ser realizadas na presença do Juiz
natural e, sempre que possível, orais, não sendo substituídas por declarações escritas,
pois não possui o mesmo valor. Deste princípio decorre a concentração dos atos em
uma só audiência (artigo 400 do CPP) e a publicidade, ou seja, os atos processuais,
em regra, serão públicos, salvo hipóteses excepcionais de segredo de justiça etc.;
•  Princípio do livre convencimento motivado: iremos analisar quando tra-
tarmos dos sistemas de avaliação da prova pelo magistrado, mas significa que as
provas possuem um valor relativo, não havendo hierarquia entre os meios de prova;
•  Princípio da não autoincriminação compulsória (ninguém é obrigado a
produzir prova contra si mesmo). Vamos analisar no momento em que abordar-
mos o interrogatório do acusado e seu direito ao silêncio.

Dos limites ao direito à prova e da vedação das provas obtidas por meios ilícitos

O processo penal é de natureza pública, e assim, como já vimos, como meio


probatório deve ser ilimitado. Porém, o direito das partes à introdução, no proces-
so, das provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que
se assentam suas pretensões, embora de índole constitucional não é, entretanto,
absoluto.

capítulo 3 • 61
Ao contrário, como qualquer direito também está sujeito a limitações decor-
rentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igual-
mente dignos de proteção. Por isso, correlato ao direito à prova, existe também o
direito à exclusão das provas inadmissíveis.
A admissibilidade da prova consiste numa valoração prévia feita pelo legislador,
já a nulidade da prova é uma consideração posterior à colheita da prova com vícios.
As provas ilegais (gênero) se dividem em (espécies): provas ilícitas e pro-
vas ilegítimas.
•  Provas ilegítimas: são aquelas produzidas com violação de normas proces-
suais, como por exemplo, oitiva de uma testemunha proibida de depor;
•  Provas ilícitas: são aquelas obtidas com violação de normas materiais ou de
garantias constitucionais, como por exemplo, a confissão mediante tortura.

O artigo 5º, inciso LVI da CR/88 dispõe que “são inadmissíveis, no pro-
cesso, as provas obtidas por meios ilícitos”. Assim, a Constituição Federal ao
assegurar a inadmissibilidade processual da prova ilícita, estabeleceu uma ponte
entre os dois planos. A inadmissibilidade é uma sanção processual para uma vio-
lação de regra material.
Conclui-se, portanto, que o Estado não pode exercer o seu direito de punir se
tal direito veio em decorrência da utilização de provas ilícitas. O motivo da proi-
bição da utilização das provas ilícitas está no seio do princípio do devido processo
legal. A prova ilícita será desentranhada do processo, ou seja, será retirada dos
autos (direito de exclusão), já a prova ilegítima será nula.

Da prova ilícita por derivação

Coma a reforma de 2008, o CPP passou a ter uma disciplina expressa sobre a
prova ilícita por derivação. Até então, a vedação da prova ilícita por derivação era de-
fendida pela doutrina e jurisprudência. Observemos o artigo 157 e parágrafos do CPP:
Artigo 157 do CPP - são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do pro-
cesso, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas consti-
tucionais ou legais
Parágrafo 1º - são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras;

capítulo 3 • 62
Parágrafo 2º - considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo
os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz do conduzir ao fato objeto da prova;
Parágrafo 3º - preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acom-
panhar o incidente.
De acordo com o parágrafo 1º, uma vez considerada ilícita a prova, deve ser ve-
rificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na
sentença, conforme o disposto no artigo 573 parágrafo 1º do CPP “a nulidade de um
ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele dependam ou sejam consequência”.

EXEMPLO
Apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime (armas, carro etc.) e que tenham
sido obtidos a partir de uma interceptação sem autorização judicial. Mesmo que a busca e apreen-
são seja regular, por si só, lícita, com o mandado respectivo, é um ato derivado do ilícito anterior.

CONCEITO
Prova ilícita por derivação: a prova ilícita por derivação é exatamente uma prova que,
em si mesma é lícita, mas que somente foi obtida por intermédio de informações ou elemen-
tos decorrentes de uma prova ilicitamente obtida.
Essa teoria foi criada pela jurisprudência norte-americana. Trata-se da teoria dos frutos
da árvore envenenada, assim se a árvore está envenenada os frutos que ela gera estarão
igualmente contaminados. Fruit of the poisonous tree.

ATENÇÃO
Mas a vedação à prova ilícita por derivação não é absoluta, pois a adoção plena desta
teoria poderia dificultar demasiadamente a apuração dos fatos delituosos. Já se aventou a
hipótese de pessoas ligadas a organizações criminosas forjarem uma prova ilícita para com
isso impedir o sucesso das investigações.
Portanto, quando puderem ser obtidas de qualquer forma ou por outra fonte, serão legiti-
madas. Trata-se de uma limitação à vedação da prova ilícita por derivação.

capítulo 3 • 63
REFLEXÃO
O que seria fonte independente de prova?
Na doutrina são denominadas de teoria da fonte independente e descoberta inevitável.
Ambas atacam o nexo causal e servem para mitigar a aplicação da teoria da prova ilícita por
derivação, restringindo ao máximo sua eficácia.
Predomina o entendimento nos Tribunais Superiores de que não se anula a condenação
se a sentença não estiver fundada exclusivamente em prova ilícita. Ainda que se tenha uma
prova ilícita, não se anula a condenação se existirem outras provas, lícitas, aptas a fundamen-
tar a condenação.
Vejamos as regras:
•  Inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas (teoria da contaminação);
•  Não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade;
•  Não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente da
primeira ilícita;
•  Desentranhamento e inutilizarão da prova ilícita.

OBS.: O parágrafo 3º fala da inutilizarão da prova ilícita.

PERGUNTA
Qual o momento processual da decisão do magistrado? No momento da sentença ou antes?
Resposta: entende-se que, se for no momento da sentença, o juiz já se contaminou pela
prova ilícita. Em regra, deve o juiz apreciar a ilicitude da prova antes da audiência de instrução,
sendo possível a interposição de um Recurso em Sentido Estrito, conforme se depreende do
artigo 581, inciso XIII do CPP. Porém, caso a prova seja apresentada em audiência, deve o
juiz manifestar-se acerca de seu desentranhamento na própria sentença, hipótese na qual o
recurso cabível será o de Apelação.

capítulo 3 • 64
Princípios da proporcionalidade e razoabilidade

Prova ilícita pro reo e pro societate

REFLEXÃO
Será que eu posso admitir no processo uma prova ilícita em favor do acusado, tendo em
vista o princípio constitucional da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos? O
que vocês acham?
Pois bem, é possível que surja um conflito de interesses, de um lado o direito à proteção
de bens constitucionalmente assegurados, do outro a proibição da utilização das provas ilícitas.

OBS.: O critério a ser utilizado para situações de conflito deve ser o da ponde-
ração de interesses, ou seja, aplica-se o princípio da proporcionalidade.

A razoabilidade e proporcionalidade seriam princípios que poderiam even-


tualmente, autorizar a superação das vedações às provas ilícitas. Assim, a partir da
proporcionalidade a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando
se revelasse a favor do réu, em que a ponderação entre o direito de liberdade de
um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova
dessa inocência.
Justificativa: A garantia individual da inadmissibilidade das provas ilícitas
não pode ser utilizada contra o próprio réu titular da garantia, além de estar ampa-
rado por uma causa excludente da ilicitude. Excepcionalmente, admite-se a prova
ilícita para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente.
Lembre-se: A condenação de um inocente é a mais abominável
das violências.

Da prova emprestada e sua validade

É a prova obtida a partir de outra produzida em processo distinto. Consiste


no transporte de determinada prova de um processo para outro. Só será possível a
sua admissão se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo
onde essa foi produzida, observando assim, o princípio do contraditório.

capítulo 3 • 65
A busca e apreensão domiciliar e pessoal

•  Natureza jurídica: providência cautelar;


•  Previsão legal: artigo 240 - 250 do CPP;
•  Busca: é uma medida instrumental com a finalidade de obtenção de provas,
que visa a encontrar pessoas e coisas;
•  Apreensão: medida cautelar probatória que se destina a garantia da prova.
E pode ter o condão assecuratório, ou seja, assegurar o bem para futura restituição
à vítima.

ATENÇÃO
Muito embora tratados de forma unificada, são institutos diversos. Nem sempre a busca
gera a apreensão (quando nada for encontrado) e nem sempre a apreensão advém da busca
(quando ocorrer a entrega voluntária do bem).

Como medida cautelar e excepcional, exige-se o risco de perecimento e de-


saparecimento da pessoa ou coisa que se quer conservar - periculum in mora e de
razoável probabilidade de que o objeto da diligência relaciona-se a fato criminoso
- fumus boni iuris.
Poderá ser realizada:
•  Em momento anterior ao inquérito policial;
•  Durante o inquérito policial;
•  No curso do processo;
•  Na fase da execução da pena.

Da busca domiciliar

Artigo 5º, inciso XI CR/88 - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desas-
tre ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.

Assim, a garantia de inviolabilidade do domicílio não tem caráter absoluto,


pois, mesmo sem o consentimento do morador, pode-se nele penetrar:

capítulo 3 • 66
•  Em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro, durante o dia
ou à noite;
•  Por determinação judicial apenas durante o dia.

Com o consentimento válido do morador, a autoridade policial poderá en-


trar na casa a qualquer hora do dia ou da noite e lá realizar a busca, mesmo sem
mandado judicial. Esse consentimento deverá ser expresso e espontâneo, sendo
nulo o consentimento viciado levando o agente ao erro, quando, por exemplo, os
policiais não se identificam como tais.
Em caso de flagrante delito, poderá a autoridade policial ingressar na casa e
proceder à busca dos elementos necessários. Destacamos os crimes permanentes,
em que a consumação se protrai no tempo e a todo momento estará o agente em
flagrante delito. Assim, enquanto o crime estiver ocorrendo (manter em depósito,
guardar, etc.), poderá a autoridade proceder à busca a qualquer hora do dia ou da
noite, ainda que sem autorização judicial.

CONCEITO
O termo domicílio compreende-se além da casa qualquer compartimento habitado, apo-
sento ocupado de habitação coletiva e o compartimento não aberto ao público, onde alguém
exerce profissão ou atividade.

Para alguns, entende-se noite o período compreendido entre às 18 horas e às


06 horas. Já outros defendem que se deve considerar como noite o período que se
inicia no momento em que o Sol se põe e se estende até o seu novo surgimento
(critério físico - astronômico).

Da busca pessoal

Realiza-se a busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém


oculte consigo arma proibida ou objetos relacionados com a infração penal. Incide
diretamente sobre o corpo de alguém. A diligência pode abranger, conforme o
caso, a revista do corpo da pessoa, de suas vestes, de bolsas, pastas ou de veículos.
A lei prevê que a busca em mulher seja feita por outra mulher, caso não impor-
te em retardamento ou prejuízo da diligência, nos termos do artigo 249 do CPP.

capítulo 3 • 67
Interceptações telefônicas e sistemas de valoração das provas

Interceptações telefônicas – Lei 9296/96. A lei veio atender a um coman-


do constitucional.

ARTIGO 5º, inciso XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.

A tutela das comunicações é a tutela da intimidade, da vida privada. A regra


é a inviolabilidade das comunicações telefônicas. A defesa constitucional da nossa
intimidade é a regra, a limitação para efeito de prova é exceção.

O conceito de interceptação telefônica: distinção entre interceptação, escuta e


gravação clandestina

•  Interceptação: captação da conversa por terceiro, sem o conhecimento dos


interlocutores (grampo);
•  Escuta telefônica: captação da conversa por terceiro, com conhecimento
de um dos interlocutores;
•  Gravação clandestina: o próprio interlocutor grava a sua conversa. Não
existe a figura do terceiro.

Estão abrangidas pela Lei 9296/96 tanto a interceptação telefônica quanto a escu-
ta telefônica, pois ambas consistem em processos de captação da comunicação alheia.
A gravação, por si só, não constitui ilícito, mas a divulgação da conversa é
vedada. A divulgação da conversa é prova ilícita, porém a justa causa pode desca-
racterizar a ilicitude da prova. Ex: a vítima grava diálogo com criminoso.
•  Princípio da Reserva legal proporcional: a gravação poderá ser utilizada
se o interesse que está sendo protegido for superior ao interesse lesionado. O sigilo
cede diante da justa causa e esse registro pode ser utilizado como meio de prova
no processo.

Artigo 5º inciso X CR/88 – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a


imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

capítulo 3 • 68
CONCLUSÃO
A lei 9296/96 não abrange a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o
conhecimento do outro. Essa hipótese está fora do regime da lei, sendo considerada válida a
gravação como prova quando houver justa causa, como ocorre em casos de sequestro. Nada
impede que se tenha a autorização judicial, havendo requerimento nesse sentido. Mas não
é necessária a autorização, pois havendo a gravação sem ela, mas estiver fundada na justa
causa, a prova pode ser utilizada.

A interceptação telefônica, como medida excepcional, só será autorizada para


fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Mas feita a inter-
ceptação, o seu resultado poderá ser levado para processo administrativo, civil etc.
uma vez que já houve a violação da intimidade não porque restringir ou limitar o
uso da prova emprestada.

EXEMPLO
Juiz de direito está sendo investigado por corrupção e é autorizada a interceptação tele-
fônica, na qual o juiz confessa que é corrupto. De acordo com o entendimento dos Tribunais
Superiores, poderá ser utilizada para fins de processo administrativo, pois uma vez que já
ocorreu violação da intimidade não há porque restringir ou limitar o uso da prova emprestada.

Hipóteses de cabimento da interceptação telefônica

De acordo com o artigo 2º - Não será admitida a interceptação de comunica-


ções telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;


II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Verifica-se que a lei 9296/96 não disciplina quando será cabível, mas sim em
que hipóteses não será admitida. Realizar a interceptação fora dos casos previstos
em lei será considerado prova ilícita.

capítulo 3 • 69
Do prazo de duração

Artigo 5º - a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a


forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Em relação ao prazo são 04 as correntes doutrinárias:


•  1ª corrente – a renovação só pode ocorrer uma única vez, logo a duração
máxima seria de 30 dias;
•  2ª corrente – a renovação só pode ocorrer uma única vez, porém quando
houver justificação exaustiva do excesso e quando a medida for absolutamente
indispensável, é possível a renovação do prazo da interceptação, mas esse excesso
não pode ofender a razoabilidade;
•  3ª corrente – o limite máximo seria de 60 dias, pois quando decretado o
Estado de defesa, o Presidente da República pode limitar o direito ao sigilo da
comunicação telegráfica e telefônica e não ultrapassará sessenta dias;
•  4ª corrente – o prazo da interceptação pode ser renovado indefinidamente,
desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova (posição majoritária).

A doutrina defende ser essa última a posição mais acertada, ao argumento de


que com a crescente criminalidade, é ingênuo acreditar que a interceptação pelo
prazo de 30 dias possa levar ao esclarecimento de determinado fato criminoso.
Sendo essa também a posição do STF e STJ. (STF, RHC 88371/SP, 2ª T.,
j.14.11.06).

Do encontro fortuito de provas

EXEMPLO
João está sendo investigado por crime de tráfico ilícito e, durante a interceptação, admite
a prática de um crime de homicídio. Pergunta-se: a interceptação telefônica pode ser utilizada
como prova do crime de homicídio descoberto fortuitamente?
São 03 correntes:
•  1ª – não poderá ser utilizada. A lei exige que se descreva com clareza o objeto da inves-
tigação;

capítulo 3 • 70
Ver artigo 2º parágrafo único – em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a
situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados,
salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
•  2ª – poderá ser utilizada como prova, desde que haja um liame, um nexo entre o crime
objeto da investigação e o crime descoberto fortuitamente. No exemplo, portanto, admitirá se
tal homicídio se deu para garantir vantagem sobre o tráfico, por exemplo;
•  3ª – poderá ser utilizada como prova, ainda que não haja qualquer liame entre os crimes,
mas desde que o descoberto fortuitamente seja de semelhante gravidade e possa, por si só,
ser objeto de interceptação.

PERGUNTA
A quem cabe requerer a interceptação?

Autoridade policial civil ou militar, Ministério Público, ou mesmo ordenada ex


officio. O juiz deverá decidir o pedido no prazo de 24 horas conforme o disposto no
artigo 4º parágrafo 2º da Lei. Deferida, a interceptação será mantida em segredo de
justiça e autuada em apenso aos autos do inquérito ou do processo criminal e con-
terá todos os atos realizados, de que forma foram feitos e a transcrição da gravação.
Apenas serão utilizadas para fins de apreciação do juiz aquelas interceptações
que forem tomadas como prova do processo, as demais serão inutilizadas por de-
cisão judicial.

Quebra do sigilo de dados telefônicos e interceptação telefônica

Não se confunde com a interceptação telefônica. Esta diz respeito a algo que
está acontecendo; já a quebra do sigilo de dados telefônicos está relacionada aos
registros documentados e armazenados pelas companhias telefônicas (data da
chamada, horário, duração do uso, número de telefone chamado), ou seja, da-
dos pretéritos.
A proteção a que se refere o artigo 5º inciso XII da CR/88 é da comunicação
de dados e não dos dados em si. Assim, a quebra de sigilo de dados telefônicos
não está submetida à cláusula de reserva de jurisdição. Logo, além das autoridades

capítulo 3 • 71
competentes, Comissões Parlamentares de Inquérito também podem determinar
a quebra do sigilo de dados telefônicos.

Sistemas de valoração de provas

Sistema de provas é o critério utilizado pelo magistrado para valorar as provas


produzidas no processo pelas partes. São três os sistemas previstos ao longo da
História, para ajudar na construção do convencimento.
•  Sistema da prova legal ou tarifada: o valor da prova vem previamente fixa-
do em lei e o magistrado deve ater-se aos ditames preestabelecidos. A confissão era
considerada a rainha das provas, uma prova absoluta. E por isso tinha-se a prática
veemente da tortura para que o suposto autor do crime confessasse a infração.
Desta forma, o juiz não possui qualquer discricionariedade;
•  Sistema da íntima convicção do julgador ou certeza moral do Juiz: nesse
sistema o juiz não precisa fundamentar sua decisão e muito menos obedecer a
critérios de avaliação das provas. Confere ao juiz total liberdade na formação do
seu convencimento, sem necessidade de apresentar as razões da sua convicção. O
juiz decide sem demonstrar os argumentos e elementos que amparam e legitimam
a sua decisão. Tal sistema encontra-se no Tribunal do júri, em que o Conselho de
Sentença irá absolver ou condenar o acusado sem motivar o seu veredicto, preva-
lecendo o princípio do sigilo das votações;
•  Sistema do livre convencimento motivado do Juiz: é o sistema adotado
em nosso ordenamento jurídico, em que o juiz é livre para apreciar as provas pro-
duzidas, não estando preso a qualquer critério legal, mas deverá fundamentar a
sua decisão sob pena de nulidade, nos termos do artigo 93, IX da CR/88. Não há
qualquer hierarquia entre os meios de provas e todas possuem, portanto, o mesmo
valor. É adotado pelo Código de Processo Penal.

Artigo 155 – o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos ele-
mentos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.

•  Provas cautelares: são aquelas em que existe um risco do desaparecimento


do objeto da prova em razão do decurso do tempo. O contraditório será diferido,
realizado em momento posterior. Ex: interceptação telefônica, faz-se um laudo de
verificação de autenticidade de voz;

capítulo 3 • 72
•  Provas não repetíveis: são aquelas que não têm como ser novamente co-
letadas ou produzidas, em virtude do desaparecimento ou destruição da fonte
probatória. Ex: perícia num crime de lesão corporal. Se não se faz imediatamente,
talvez a materialidade já não possa mais ser aferida pelo perito;
•  Provas antecipadas: são aquelas produzidas com a observância do con-
traditório real, perante o juiz, antes de ser o momento processual oportuno e até
mesmo antes de iniciado o processo, em razão de sua relevância e urgência. O
contraditório não é diferido, mas realizado no momento da produção da prova, na
presença do juiz, com as partes, acusação e defesa. Pode surgir durante o inquérito
ou no curso do processo.

ATIVIDADES
01. Em relação à prova no processo penal, analise as assertivas a seguir:
I. No ordenamento jurídico brasileiro, não remanescem exceções em relação ao sistema
do livre convencimento motivado, não se aplicando, em qualquer hipótese, os sistemas da
íntima convicção e da prova tarifada;
II. O código de processo penal adotou como regra o livre convencimento motivado do juiz
fundamentado na prova sob o crivo do contraditório;
III. Rege a produção probatória no sistema processual penal brasileiro os seguintes prin-
cípios: princípio do contraditório, da comunhão da prova, da oralidade e princípio da não
auto-incriminação;
IV. Iterativamente, o Superior tribunal de Justiça vem compreendendo que é possível a uti-
lização de prova emprestada no processo penal, desde que ambas as partes dela tenham
ciência e que sobre ela seja possibilitado o exercício do contraditório.

Estão corretas as assertivas:


a) I, II e IV. d) II e IV apenas.
b) I, II e III. e) II, III e IV apenas.
c) I e III apenas.

02. Acerca do sistema de apreciação de provas pelo juiz, assinale a opção correta:
a) O Brasil adotou como regra o sistema da prova legal ou tarifada.
b) O Brasil adotou o sistema do livre convencimento motivado do juiz.
c) O Brasil adotou o sistema da íntima convicção do julgador.
d) Todas as alternativas estão incorretas.

capítulo 3 • 73
03. Foi deferida a interceptação telefônica de Joaquim para apurar seu suposto envolvimen-
to no crime de tráfico ocorrido sem sua comunidade. Durante a interceptação descobriu-se
que Joaquim teria dado um tiro em João vindo este a falecer. Pergunta-se: a interceptação
telefônica autorizada para fins de apurar o crime de tráfico servirá como prova do crime de
homicídio descoberto fortuitamente?

04. Para provar a sua inocência, Antônio juntou ao processo uma escuta sem autoriza-
ção judicial. O juiz está convencido da veracidade das informações prestadas. Como de-
verá proceder o magistrado diante do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos?

RESUMO
Verificamos a importância do tema relativo à prova no processo penal, uma vez que o ma-
gistrado formará a sua convicção com base nas provas produzidas em contraditório judicial.
Já diz o ditado “o que não está nos autos não está no mundo”. Podemos analisar a questão
da gestão probatória e a controvérsia em relação à possibilidade de a prova ser determinada
de ofício pelo magistrado.
Estudamos, ainda, os princípios atinentes à prova, em específico a proporcionalidade e
a com isso a admissão da prova ilícita em favo do réu. Vimos também a teoria da prova ilícita
por derivação e sua mitigação prevista na legislação processual.
Em seguida analisamos a Lei 9296/96 que trata da interceptação telefônica e todo o
seu procedimento, além de tratarmos também da busca e apreensão.
Por fim, falamos dos sistemas de avaliação da prova pelo juiz, ressaltando o sistema
adotado em nosso ordenamento jurídico, bem como eventuais exceções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FARIA, André. Os poderes instrutórios do juiz no processo penal. Uma análise a partir do modelo
constitucional de processo. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2011.
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GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.

capítulo 3 • 74
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
MARQUES, Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1964.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas,
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. A conformidade constitucional das leis processuais penais.
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RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SCARANCE, Fernandes. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora RT, 2012.
STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
TORNAGHI, Helio. Instituições de Processo Penal. v.2. São Paulo: Saraiva, 1977.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999.

capítulo 3 • 75
capítulo 3 • 76
4
O interrogatório do
réu e a confissão
O interrogatório do réu e a confissão
99 Delação premiada;
99 Prova testemunhal;
99 A prova pericial, a acareação, a prova documental e a prova indiciária.

Neste capítulo, vocês irão estudar as provas em espécie, iniciando com o inter-
rogatório, a sua natureza jurídica, o direito ao silêncio assegurado na Constituição,
o interrogatório por videoconferência e sua previsão legal.
Em seguida, falaremos da confissão do acusado, a classificação e características
da confissão, o seu valor probatório, o chamamento de correu e a delação premiada.
Também iremos abordar a prova testemunhal, seu conceito, características, a classifi-
cação das testemunhas, os deveres, as hipóteses de isenção e proibição, a capacidade
para testemunhar e o testemunho dos policiais, bem como a sua validade como prova.
Outro ponto a ressaltar neste capítulo é a prova pericial, os conceitos de exame
de corpo de delito direto e indireto, o valor probatório da perícia e a possibilida-
de de as partes requererem assistente técnico. Analisaremos, ainda, a acareação
realizada em juízo como meio de prova, a prova documental e a classificação dos
documentos e, por fim, a prova indiciária e o seu valor probatório.

OBJETIVOS
Identificar as provas em espécie e o procedimento previsto para a produção de cada uma das
provas. Ressaltar a importância da validade da produção probatória como garantia individual de
que as formas serão respeitadas em consonância com um processo penal justo e democrático.

A leitura da Lei 11.719/08, que alterou vários dispositivos legais do Código,


revela que a ideia da concentração e economia dos atos processuais foi adotada na
concepção do novo rito ordinário, simplificando a tramitação do processo. Aliás,
as técnicas da concentração, imediatidade e economia dos atos processuais, regidas
pelo princípio da simplificação, são as linhas mestras das normas que estabelecem
os novos ritos do processo penal, viabilizando a condução do processo dentro de
uma perspectiva real de duração razoável.
E por isso, seguindo este raciocínio, todas as provas são produzidas em uma só
audiência, na presença do juiz natural, conforme o disposto no artigo 400 do CPP,

capítulo 4 • 78
atendendo ao princípio da identidade física do juiz (o juiz que preside a instrução
será o mesmo que irá proferir a sentença). Esta medida é de suma importância,
pois o contato pessoal do juiz com as provas, a coleta pessoal tem uma grande
relevância para a formação do convencimento judicial.
Assim, em princípio, as provas que serão examinadas neste capítulo são apre-
sentadas na audiência de instrução e julgamento, devendo seguir a ordem estabe-
lecida pelo próprio legislador. A audiência de instrução é a oportunidade em que
as partes produzirão as suas provas e rebaterão as apresentadas, em conformidade
com os princípios da ampla defesa e do contraditório. Forma é sinônimo de ga-
rantia no processo penal, os procedimentos são indisponíveis e constituem uma
verdadeira garantia do acusado.

O interrogatório do réu

Previsão legal: artigo 185 e seguintes do CPP.

•  Conceito: é o ato processual no qual o juiz ouve o acusado, perguntando


acerca dos fatos que lhe são imputados, permitindo que o réu apresente ao juiz
a sua versão dos fatos. É o momento em que o acusado terá para se manifestar
no processo;
•  Natureza jurídica: sempre existiu uma controvérsia se seria meio de prova
ou meio de defesa. Mas o posicionamento atual é o de que o interrogatório é ine-
gavelmente um meio de defesa (STF - HC 94.601/CE - 2ª Turma).
Com a reforma de 2008, a maioria da doutrina afirma ser o interrogatório
um verdadeiro meio de defesa, sendo o momento em que o réu poderá exercer
pessoalmente a sua defesa. Essa ideia foi reforçada pelo fato, inclusive, de ser o
interrogatório o último ato a ser realizado na audiência de instrução e julgamento.
Antes da reforma de 2008, o juiz recebia a denúncia e citava o réu para ser
interrogado. Com a nova redação o interrogatório passou a ser o último ato reali-
zado na audiência de instrução, conforme o disposto no artigo 400 do CPP.
A identificação da natureza jurídica do interrogatório como subprincípio do
direito à ampla defesa, traz como consequência importante a definição do mo-
mento processual mais adequado para que o acusado seja ouvido no processo.
O interrogatório realizado antes das demais provas prejudica as explicações
do acusado, uma vez que ele não tem conhecimento consistente do que existe de
efetivo no conjunto probatório.

capítulo 4 • 79
Artigo 400 do CPP - “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo
máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á a tomada de declarações do ofendido, à
inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressal-
vado o disposto no artigo 222 deste código, bem como ao esclarecimento dos peritos,
às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em segui-
da, o acusado”. (grifo nosso)

Nesta linha de raciocínio, o Ilustre autor Eugênio Pacelli55 afirma que a mu-
dança, sobretudo na imposição da audiência uma, determinando a concentração
dos atos de prova, imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo em
que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no
processo. Afirma que sendo o último a ser ouvido, poderá livremente escolher a
estratégia de autodefesa que entender melhor.
No entanto, poderá constituir fonte de prova, sempre que o acusado alegar a
ocorrência de determinado fato ou circunstância.

Da obrigatoriedade do interrogatório

•  Previsão legal: artigo 185 c/c 564, inciso III “e” do CPP. A falta do interro-
gatório do réu presente acarreta a nulidade.

ATENÇÃO
Atualmente deve ser feita uma leitura do artigo 260 em consonância com o disposto no
artigo 457 caput e parágrafo 2º do CPP.

Artigo 260 do CPP – se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reco-
nhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade
poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Artigo 457 do CPP – o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado
solto, do assistente, ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.
Parágrafo 2º - se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para
o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu Defensor.

O direito de não comparecer é uma decorrência lógica do direito ao silêncio


assegurado na própria Constituição. Por conseguinte, não importará em crime
55  Oliveira, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.370.

capítulo 4 • 80
de desobediência quando o agente deixa de comparecer ao seu interrogatório em
juízo ou até mesmo para fins de prestar declarações perante a autoridade policial.
Assim, a obrigatoriedade da realização do interrogatório é do réu presente.
Poderá o juiz, a todo tempo, agindo de ofício ou a requerimento das partes, proceder
a novo interrogatório do acusado, justificando-se, principalmente, quando o juiz
que deve proferir a sentença não foi aquele que interrogou o réu, em virtude da ocor-
rência de uma das situações excepcionais do princípio da identidade física do juiz.
Estar presente no processo é um direito do acusado e nunca um dever. O réu
não é objeto do processo e não está obrigado a submeter-se a qualquer tipo de
ato probatório.
A sua presença física ou não é opção dele.
Por maioria de votos o Plenário do Supremo Tribunal Federal já declarou a
impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório.
Pela decisão do Plenário, o agente ou a autoridade que desobedecerem a decisão
poderão ser responsabilizados nos âmbitos disciplinar, civil e penal. As provas ob-
tidas por meio do interrogatório ilegal também podem ser consideradas ilícitas,
sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Segundo a decisão, o instituto cerceia a liberdade de ir e vir e ocorre mediante
um ato de força praticado pelo Estado. Tal decisão foi tomada no julgamento das
Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 394 e 395).

Do direito ao silêncio

•  Previsão legal: artigo 5º, inciso LXIII CR/88 – o preso será informado de
seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assis-
tência da família e de advogado;

ATENÇÃO
Não é somente o preso, mas qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimen-
tos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado,
tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de
permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém é obrigado a produzir prova contra
si mesmo.

capítulo 4 • 81
•  Do titular do direito ao silêncio: qualquer pessoa diante de qualquer inda-
gação, por autoridade, pública de cuja resposta possa advir imputação ao declaran-
te da prática de crime, ainda que em procedimento e foro diversos. HC 79589/
DF Pleno do STF.

Segundo Aury Lopes Jr56 o direito de calar também estipula um novo dever
para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o
sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem
feitas. Manter-se calado é um direito do imputado e ele tem o dever de ser infor-
mado de suas garantias, passando a existir um dever do Estado que o informe, sob
pena de nulidade por violação das garantias constitucionais.
É a tutela da não autoincriminação compulsória. Direito é uma posição de
vantagem e por isso não poder ser castigado pelo exercício do direito. Trata-se de
um limite ao Estado na busca da verdade.

ATENÇÃO
Não há um direito de mentir em juízo, mas a mentira é um irrelevante penal, uma vez que,
de tal ato, não poderão advir consequências negativas. O direito ao silêncio do acusado inclui
o direito de apresentar versão para encobrir fatos sobre os quais deseja se calar.

Se o acusado atribuir a outrem a autoria do crime que lhe é imputado, sa-


bendo ser este inocente, não cometerá crime de denunciação caluniosa, se o fizer
para se defender, mas se ele mentir para confessar crime que não cometeu, poderá
responder pelo delito de autoacusação falsa.
Estabelece o artigo 186 do CPP – depois de devidamente qualificado e cien-
tificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de
iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem imputadas.
Parágrafo único – o silêncio que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa.
Correto o legislador, pois se o silêncio é um direito do acusado, o mesmo
jamais poderá ser prejudicado pelo seu exercício.
Além desse direito estar previsto na Constituição de 88, possui previsão tam-
bém em tratados internacionais de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, como
56  LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013, p.644.

capítulo 4 • 82
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos que também se referiram expressamente ao princípio
do direito ao silêncio que estabelece que toda pessoa acusada de um crime tem o
direito de não se autoincriminar.
Para Ariane Trevisan57 o direito da não autoincriminação (princípio do nemo tenetur
se detegere), como categoria de direito fundamental, significa que nenhuma pessoa po-
derá ser obrigada a colaborar ou produzir prova contra si mesmo. Através dele, há a
legitimação ética do processo penal, garantindo a valoração da tortura, do tratamento
desumano ou degradante. Ressalta ainda a autora que este princípio impede a utiliza-
ção de qualquer meio tendente a obrigar o acusado a cooperar na persecução penal.
De acordo com o artigo 187 do CPP – o interrogatório será constituído de
duas partes: sobre a pessoa do acusado (residência, meio de vida ou profissão,
oportunidades sociais etc.) e sobre os fatos.

REFLEXÃO
O direito ao silêncio será exercido em qual momento do interrogatório? No inter-
rogatório de qualificação ou em relação ao mérito?
O entendimento majoritário é o de que o direito ao silêncio somente poderá ser exercido
quanto ao mérito, ou seja, em relação aos fatos que estão sendo imputados ao acusado.
Assim, se declinar falsa identidade poderá responder por crime e, caso se omita em
fornecer dados quanto a sua qualificação responderá por contravenção penal, previsto no
artigo 68 do DL 3688/41.
Trata-se de um direito e, por isso, não pode ser interpretado em desfavor do titular. Inclusive,
as partes, durante os debates no júri, não podem fazer menção ao silêncio do acusado como
argumento de autoridade, evitando que prejudique e influencie no julgamento pelos jurados.

Artigo 478 do CPP – durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade,
fazer referências:
Inciso II – ao silêncio do acusado...

OBS.: a presença do defensor constituído ou nomeado é condição de validade


do ato e se o advogado constituído não comparecer, apesar de regularmente inti-
mado, o juiz irá nomear defensor para o ato. Sendo assegurada também a possibi-
lidade de entrevistar-se reservadamente com seu advogado.
57  FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

capítulo 4 • 83
Do interrogatório por videoconferência

Trata-se de uma mitigação ao direito de presença do acusado perante o juiz na-


tural. É uma modalidade excepcional. Até o advento da Lei 11.900/09, prevalecia
o entendimento da inconstitucionalidade da medida.
Afirmava-se que pelo interrogatório o juiz mantém contato direto com o acusa-
do e esse contato propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado.
•  Argumentos contrários: o interrogatório é o momento em que o acusado
exerce o seu direito de autodefesa e a adoção da videoconferência torna a atividade
judiciária mecânica e insensível;
•  Argumentos favoráveis: maior celeridade, redução de custos e segurança
aos procedimentos judiciais.

Com a entrada em vigor da Lei 11.900/09, o Código de Processo Penal passou


a disciplinar a realização do interrogatório por videoconferência em determinadas
situações, conforme se depreende do artigo 185 parágrafo 2º:
•  Prevenir risco à segurança pública, quando existir fundada suspeita de que
o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão possa fugir du-
rante o deslocamento;
•  Viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja
relevante dificuldade para o seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou
outra circunstância pessoal;
•  Impedir a influência do réu no ânimo da testemunha ou da vítima, desde
que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência;
•  Responder à gravíssima questão de ordem pública.

Verifica-se, portanto, que o interrogatório pelo método da videoconferência é


uma medida excepcional. Assim, desde que observadas todas as garantias funda-
mentais do acusado, não há como vislumbrar nulidade na utilização do método,
uma vez que não existe nulidade sem prejuízo.
O próprio legislador faz a ressalva chamando a atenção para que sejam assegu-
radas tais garantias, conforme se depreende no parágrafo 5º do artigo 185 do CPP.

Artigo 185 parágrafo 5º do CPP – em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz ga-


rantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor, se realizado
por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados
para a comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado, presente na
sala de audiência do fórum, e entre este e o preso.

capítulo 4 • 84
Sistema de inquirição

Sistema presidencialista de inquirição:

As partes passaram a ter a possibilidade de após as indagações do juiz, sugeri-


rem perguntas ao magistrado, sem que possam indagar diretamente. No procedi-
mento do júri, todavia, uma vez encerradas as indagações do juiz, as partes pode-
rão diretamente fazer perguntas ao acusado. Apenas os jurados devem interrogar
o réu por intermédio do juiz.

Artigo 188 CPP – após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o enten-
der pertinente e relevante.
Artigo 474 parágrafo 1º CPP – o Ministério Público, o assistente, o querelante e o de-
fensor, nesta ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.

ATENÇÃO
Havendo mais de um réu, cada um deles será interrogado separadamente, já que o
Código veda o interrogatório conjunto, nos termos do artigo 191 do CPP.

Trata-se de um ato personalíssimo, judicial e oral (exceção ao mudo em que as


perguntas são feitas oralmente e ele responderá por escrito) e realizado a qualquer
momento, até mesmo em segundo grau.

Da confissão

Está prevista nos artigos 197 a 200 do Código de Processo Penal. No dicioná-
rio, confessar significa declarar, revelar, reconhecer a verdade. É a admissão, pelo
acusado, da veracidade da acusação. Possui um valor relativo e é um ato formal,
não haverá confissão ficta ou presumida.

Classificação da confissão

•  Simples: ocorre quando o réu se limita a admitir a veracidade da acusação;


•  Complexa: houver mais de uma imputação e todas forem admitidas
no processo;

capítulo 4 • 85
•  Qualificada: admite a veracidade da acusação, mas indica em prol da sua
defesa causa que exclua o crime ou isente de pena o réu etc.;
•  Judicial: feita nos autos do processo penal condenatório;
•  Extrajudicial: são aquelas produzidas no inquérito policial ou fora dos au-
tos da ação penal.

OBS.: a confissão prestada unicamente na fase do inquérito não terá valor


algum como prova, se não confirmada em juízo.

Características da confissão

•  Divisível: o juiz pode considerar em parte a confissão;


•  Retratável: o juiz fará o confronto com as demais provas podendo ignorar a
retratação se esta, ao contrário da confissão, não estiver em consonância com as provas.

A característica da divisibilidade significa que o juiz pode considerar verdadei-


ra uma parte da confissão e inverídica outra parte, não sendo obrigado a valorar a
confissão como um todo.
Já a retratabilidade significa dizer que se o réu confessar em juízo e depois vol-
tar atrás, se retratar, o juiz irá confrontar a confissão e a retratação com os demais
meios de prova produzidos no processo. Assim, pode o juiz considerar verdadeira
a confissão e falsa a retratação.
Tempos atrás, a confissão era considerada a rainha das provas, pois tinha um
valor probatório absoluto, sendo usual a prática da tortura, para retirar do acusado o
reconhecimento da sua culpa. Vigorava o sistema da prova legal ou tarifada. Assim,
uma vez obtida a confissão, já se permitia ao juiz proferir uma sentença condenatória.

Do valor probatório

Atualmente, no sistema do livre convencimento motivado, a confissão terá


um valor relativo como qualquer outro meio de prova, devendo ser confrontada
com as demais provas.

Artigo 197 do CPP – o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais pro-
vas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

capítulo 4 • 86
Importante ressaltar que a confissão é uma circunstância atenuante da pena,
prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código penal.

Da delação ou chamamento do correu

É a atribuição da prática do crime por terceiro, feita pelo acusado, em seu


interrogatório e pressupõe que o delator também confesse a sua participação.

Delação premiada

É feita por um investigado, suspeito, indiciado ou réu. É a incriminação de um


terceiro, sendo concedidos benefícios ao delator como redução de pena, e até mesmo
perdão judicial. Também pode ser beneficiado quando fornecer voluntariamente in-
formações que permitam a localização da vítima ou recuperação do produto do crime.
Sendo assim, é uma técnica de investigação com benefícios concedidos pelo
Estado àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato
criminoso. Também precisamente denominada de colaboração premiada, uma
vez que, nem sempre dependerá de uma delação.
O procedimento completo foi previsto na Lei 12.850/13, que prevê medidas
de combate às organizações criminosas. Os benefícios como já falado variam de
perdão judicial, redução da pena e substituição por penas restritivas de direito.
O benefício vai depender da efetividade da colaboração, ou seja, do resultado
útil, com a identificação dos cúmplices, os crimes por eles praticados etc.

ATENÇÃO
A principal crítica é a de que afronta as garantias do acusado delatado, pois, na primeira
fase da delação, só há a participação do delator, seu advogado, delegado de polícia e o mem-
bro do ministério público (em fase de inquérito policial) ou somente com o ministério público,
se já encerrado o inquérito, em ambos os momentos sob o mais absoluto sigilo. (Ver artigo 3º,
parágrafo 6º da Lei).

Somente após será levado ao magistrado para homologação e aí sim, com


o recebimento da denúncia, terá a possibilidade do exercício do contraditório e
ampla defesa.

capítulo 4 • 87
Artigo 3º, caput da Lei 12.850/2013 – Em qualquer fase da persecução penal, serão per-
mitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
Inciso I – colaboração premiada.

Da prova testemunhal

•  Previsão legal: artigo 202 e seguintes do CPP;


•  Conceito: é toda pessoa estranha ao processo que irá dar seu depoimento
sobre os fatos relacionados à infração, ou seja, concernentes à causa, mediante
compromisso de dizer a verdade.

É a prova por excelência, sendo o meio de prova mais comum existente no proces-
so. No entanto, pela falibilidade do ser humano, é chamada de “prostituta das provas”.

Capacidade para testemunhar

Artigo 202 do CPP – toda pessoa poderá ser testemunha.


Qualquer pessoa pode, em tese, ser testemunha de um fato. Não se exige qual-
quer qualidade ou requisito para que possa ser ouvida em juízo, pouco importa a
capacidade intelectual, grau de escolaridade etc.
Assim, crianças e portadores de doença ou incapacidade mental podem dar o
seu depoimento, incumbindo ao Juiz estabelecer o valor devido às palavras.

Número de testemunhas que podem ser arroladas em juízo:

O número de testemunhas dependerá do procedimento a ser adotado:


•  Procedimento comum ordinário: podem ser arroladas até 08 testemunhas
para cada parte (artigo 401 do CPP);
•  Procedimento comum sumário: podem ser arroladas até 05 testemunhas
para cada parte (artigo 532 do CPP);
•  Procedimento do Tribunal do Júri: podem ser arroladas até 08 testemu-
nhas na primeira fase (artigo 406 do CPP) e 05 testemunhas na segunda fase
(artigo 422 do CPP);
•  Procedimento sumaríssimo: para a maioria da doutrina até 05 testemu-
nhas (artigo 66 parágrafo único e artigo 77 parágrafo 2º c/c artigo 538 do CPP).

capítulo 4 • 88
Classificação das testemunhas

Numerárias: são aquelas arroladas pelas partes de acordo com o número má-
ximo previsto em lei.
I. Extranumerárias: ouvidas por iniciativa do magistrado;
II. Informantes: não prestam compromisso de dizer a verdade;
III. Referidas: ouvidas pelo juiz, quando referida por outra testemunha;
IV. Próprias: prestam depoimento sobre o fato objeto do litígio;
V. Impróprias: prestam depoimento sobre um ato do processo, do inquérito
policial etc.;
VI. Diretas: prestam depoimento sobre um fato que presenciaram;
VII. Indiretas: prestam depoimento sobre conhecimento adquiridos por terceiros.

Características

I. Judicialidade: só é prova testemunhal aquela produzida em juízo;


II. Oralidade: colhida por meio de uma narrativa verbal;
III. Objetividade: a testemunha deve depor sobre fatos sem externar opiniões ou
emitir juízo de valor;
IV. Retrospectividade: depoimento sobre fatos pretéritos;
V. Imediação: depoimento sobre o que captou imediatamente por meio de seus
sentidos;
VI. Individualidade: cada testemunha prestará seu depoimento separadamente.

Momento para arrolar as testemunhas

O Ministério Público e o querelante: na denúncia ou queixa (artigo 41 do


CPP) e o acusado na resposta à acusação (artigo 396 – A do CPP).
Uma vez arroladas tempestivamente, à parte é garantido o direito de ouvi-las
e, portanto devem ser notificadas para comparecerem em juízo.

ATENÇÃO
Se uma das partes desistir da oitiva da testemunha arrolada, deverá ser ouvida a parte
contrária até para evitar manobras fraudulentas. Princípio da comunhão das provas, uma vez
arroladas pertencem ao processo, e não às partes.

capítulo 4 • 89
Da dispensa / isenção do dever de depor

De acordo com o disposto no artigo 206 do CPP trata-se de um dever de


depor. A testemunha não poderá eximir-se do dever de depor, porém algumas
pessoas são dispensadas, isentas do dever do depor e outras são proibidas.

Artigo 206 do CPP – a testemunha não poderá eximir-se do dever de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado,
salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e
de suas circunstâncias.

•  Fundamento da dispensa: a solidariedade e o amor que devem estar pre-


sentes em todas as relações familiares. O vínculo de parentesco será aferido no
momento do depoimento e não no momento em que o fato se deu.

ATENÇÃO
Nessas hipóteses não se deferirá o compromisso de dizer a verdade. Serão ouvidos
como meros informantes.

Artigo 208 do CPP – não se deferirá o compromisso a que alude o artigo 203 aos doen-
tes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que
se refere o artigo 206.

Já as pessoas proibidas do dever de depor estão previstas no artigo 207 do CPP.


O objeto da tutela é o sigilo profissional.

Artigo 207 do CPP - são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, mi-
nistério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Assim, se a parte desinteressada o desobrigar serão ouvidos com o compro-


misso de dizer a verdade. Salvo o advogado que mesmo que a parte interessada o
desobrigue, ele não poderá depor, conforme determina o Código de Ética e disci-
plina da OAB em seu artigo 26.

capítulo 4 • 90
Testemunho de policiais

Pacificou-se o entendimento de que, tal como qualquer outra pessoa, os servi-


dores policiais não estão impedidos de testemunhar e o valor de suas declarações
é pleno, desde que prestados de forma livre, coerente com as demais provas e
sem contradições.
Assim, não há qualquer restrição ou proibição de que o policial seja ouvido
como testemunha.
As críticas existem ao argumento de que se o policial foi o responsável pela pri-
são do acusado, buscará sempre que possível, convencer o juiz do seu testemunho,
correndo-se o risco de tentar até mesmo prejudicar o réu.
Já os argumentos favoráveis são os de que os policiais que eventualmente parti-
ciparam da prisão do acusado, estariam mais do que ninguém, preparados para es-
clarecer todos os fatos e sendo agentes do Estado merecem toda a sua credibilidade.
Realmente, não há qualquer razão plausível para que se coloque sob suspeita o
depoimento dado por um policial legitimado para combater o crime. Se testemu-
nha, obviamente, será confrontado com os demais meios de prova, atendendo ao
princípio do livre convencimento motivado do juiz.
Sendo este o entendimento dos Tribunais (HC 393.516/MG 6º T STJ).

Da inquirição das testemunhas

Artigo 212 do CPP – as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à teste-
munha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação
com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único – sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá completar a inquirição.

O artigo em tela trata do sistema de inquirição das testemunhas. Antes da


reforma de 2008, prevalecia o denominado sistema presidencialista, no qual as
perguntas às partes eram formuladas por intermédio do juiz, conforme estabelecia
a antiga redação “... as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formu-
lará à testemunha...”.
A nova redação adota o sistema da inquirição direta e cruzada, semelhante ao
sistema norte-americano (adversarial system) de modo que as perguntas às partes
são formuladas diretamente às testemunhas, iniciando-se por quem as arrolou,
colocando a atuação do magistrado de forma supletiva ao disciplinar – no seu
parágrafo único- que ele poderá complementar.

capítulo 4 • 91
Da prova pericial. Conceito de perícia. Os conceitos de exame de
corpo de delito direto e indireto. O valor probatório da perícia. O
assistente técnico.

•  Conceito de perícia: é o exame feito por pessoas com conhecimentos técni-


cos, indispensável para a comprovação de fatos que interessam à decisão da causa.
O juiz não possui conhecimento técnico em todas as áreas. A prova pericial é
considerada uma prova técnica, pois se exige um conhecimento técnico, científico
ou artístico de determinado assunto. É uma regra de segurança jurídica para evitar
condenações infundadas;
Atualmente o legislador exige um único perito oficial e na falta de perito
oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de
diploma de curso superior. (Artigo 159 e parágrafo 1º do CPP).

ATENÇÃO
Mesmo o saber científico é relativo e tem prazo de validade. Perícia é uma declaração
técnica acerca de um elemento de prova. A prova pericial é considerada uma prova técnica,
na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico. É um meio
de prova como qualquer outra, lembrando que não há hierarquia entre os meios de prova.

•  Do exame de corpo de delito: é o exame técnico da coisa ou pessoa que


constitui a própria materialidade do crime. É a perícia feita sobre os elementos
que constituem a própria materialidade do crime (cadáver no crime de homicídio,
lesões deixadas na vítima nos crimes de lesões corporais, a coisa subtraída no crime
de furto, a substância entorpecente no tráfico etc.);

CONCEITO
Corpo de delito: é o conjunto de vestígios materiais ou visíveis deixados pela infração.

PERGUNTA
Todo crime demanda a necessidade de perícia? Ver artigo 158 do CPP.

capítulo 4 • 92
•  Exame de corpo de delito direto e indireto:

Artigo 158 do CPP – quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de
corpo de delito direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

I. Crimes que deixam vestígios; não transeuntes; de fato permanente: são


aqueles que deixam um resultado material do crime. (Exemplo: homicídio, abor-
to, furto qualificado etc.);
II. Crimes que não deixam vestígios; transeuntes; de fatos não permanentes:
em geral são os crimes praticados por palavras, tais como os crimes contra a honra,
ameaça, apologia a crimes etc.

O exame de corpo de delito direto é quando a análise recai diretamente


sobre o objeto sem intermediações, já o exame indireto é a exceção. A prova tes-
temunhal irá suprir a ausência quando os vestígios desaparecerem, como também
pode haver comprovação indireta através de filmagens, fotografias, gravações etc.
O exame indireto seria tecnicamente um laudo emitido a partir des-
sas informações. Assim, a partir do depoimento das testemunhas, o exame
será elaborado.

Artigo 167 do CPP – não sendo possível o exame de corpo de delito direto, por haverem
desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

ATENÇÃO
O exame indireto será admitido quando os vestígios desaparecerem e aprova testemu-
nhal irá suprir a falta do exame direto. Mas também poderá ter a comprovação indireta atra-
vés de fotografias, gravações, áudios etc.

Do valor probatório da perícia

O sistema adotado para apreciação do laudo pericial é o liberatório e não o vin-


culatório. Assim, o juiz não está vinculado ao laudo, podendo decidir contrariamente.
Mas o fará de forma fundamentada, não podendo ser resultado de um ato imotivado,
cabendo o juiz justificar racionalmente sua discordância, indicando o motivo pelo qual
afastou a conclusão de determinado laudo. O juiz é o perito dos peritos.

capítulo 4 • 93
Artigo 182 do CPP – o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo,
no todo ou em parte.

Do direito das partes em relação à prova pericial:


I. Requerer a sua produção;
II. Apresentar quesitos com antecedência mínima de 10 dias da realização da
perícia;
III. Se possível, acompanhar a prova;
IV. Manifestar-se sobre a prova, podendo requerer nova perícia, sua complemen-
tação ou esclarecimentos;
V. Indicar assistente técnico, que elaborará parecer sobre a perícia realizada.

Do assistente técnico

•  Previsão legal: artigo 159 parágrafo 5º, inciso III do CPP.


Quando o Estado determina a realização de perícia, é possível que as partes
ofereçam peritos auxiliares. O juiz irá admitir a sua entrada. O assistente técnico
vai discutir o método utilizado pelo perito. Trata-se de um auxiliar das partes do-
tado de conhecimentos científicos.
No processo penal, o assistente técnico não acompanha a realização da perícia.
Depois de realizada a perícia pelo perito oficial é que ingressa o assistente técnico e
esse irá discutir o método utilizado pelo perito, o laudo do perito oficial.

Artigo 159 parágrafo 5º, inciso II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar
pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

Da acareação

•  Previsão legal: artigo 229 e 230 do CPP.


Trata-se de um ato processual que consiste em colocar duas ou mais pessoas
em presença uma das outras para que esclareçam pontos divergentes de seus de-
poimentos, declarações. Colocar cara a cara, frente a frente.
De acordo com o disposto no artigo 229 do CPP, será possível a acarea-
ção entre:
•  Acusados;
•  Acusados e testemunhas;

capítulo 4 • 94
•  Testemunhas;
•  Acusado e vítima;
•  Testemunha e vítima;
•  Vítimas.

Segundo o princípio da não autoincriminação compulsória, acusado e indicia-


do poderão recusar-se a participar da acareação.
A acareação poderá ser realizada tanto na primeira fase da persecução penal
(inquérito policial), quanto durante a instrução criminal e para que seja realizada
a acareação é necessária a prévia declaração das pessoas envolvidas, que exista uma
divergências entre as declarações e que o fato a que se pretende esclarecer seja
relevante para o deslinde da causa. Tal ato pode ser de suma importância para o
convencimento o julgador.
Reforçando o sistema acusatório, entende-se que a acareação deve depender
da iniciativa das partes, não devendo ser determinada de ofício pelo juiz.
Existem críticas em relação à acareação realizada entre acusado e testemunha, uma
vez que, esta última assume o compromisso de dizer a verdade, enquanto que o réu
pode até mesmo mentir em juízo. Sendo também preocupante a acareação realizada
entre acusado e vítima, principalmente em crimes de violência ou grave ameaça.

Da prova documental

•  Previsão legal: artigo 231 e seguintes do CPP.


Para o processo penal documentos são quaisquer escritos, instrumentos ou
papéis, públicos ou particulares, conforme o disposto no artigo 232 do CPP.
Assim, também será aberta a possibilidade da juntada de fitas de áudio, vídeo,
fotografias, tecidos e objetos móveis que possam ter eficácia probante e sejam in-
corporados no processo. Mesmo que não sejam documentos no sentido estrito são
equiparados para fins probatórios.
Os documentos poderão ser juntados ao processo até o encerramento da ins-
trução, sendo observado o princípio do contraditório, dando a parte contrária a
possibilidade de conhecer e impugnar. Assim, sempre que o Ministério Público
juntar um documento, deverá o juiz dar vista para a defesa conhecer e se manifes-
tar em relação ao documento.
Como já estudamos, contraditório é a ciência bilateral dos atos realizados
no processo.

capítulo 4 • 95
ATENÇÃO
Temos uma exceção no procedimento do tribunal do júri, em que os documentos devem
ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis.

Artigo 479 do CPP – durante o julgamento não será permitida a leitura de documento
ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima
de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.

O argumento é para evitar a surpresa no momento do julgamento


em plenário.
Para que o documento tenha eficácia probante, o mesmo deverá ser autêntico
(integridade material) que decorre da certeza de que o documento provém do
autor nele indicado e a veracidade (integridade ideológica) que consiste na exata
correspondência entre a representação e o fato.

Da prova indiciária

•  Previsão legal: artigo 239 do CPP;


•  Conceito: Trata-se de prova indireta. Chega-se a conclusão a partir de um
raciocínio lógico indutivo;

Artigo 239 do CPP – considera-se indício a circunstância conhecida e provada que,


tendo relação com o fato autorizam, por indução concluir-se a existência de outra ou
outras circunstâncias.

•  Valor probante: possui valor probante como qualquer outra prova, tendo em
vista o princípio do livre convencimento motivado do juiz (não há hierarquia entre os
meios de prova). Assim, até mesmo um único indício poderá servir de base para o aco-
lhimento da pretensão punitiva, desde que se mostre suficiente para convencer o juiz.

Conforme leciona Eugênio Pacelli58 a prova indiciária, ou prova por indícios, terá
a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que
por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar. Por exemplo, tratando-se de
prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam
no mundo das ideias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia.
58  Oliveira, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.430.

capítulo 4 • 96
ATIVIDADES
01. Quanto à validade da prova no processo penal:
a) O depoimento de testemunha colhido no inquérito policial serve para condenar o acu-
sado.
b) A prova pericial colhida durante a investigação deverá ser repetida no processo para fins
de convencimento do julgador.
c) O juiz, de acordo com a jurisprudência pacífica, pode produzir prova durante o inquéri-
to policial.
d) Todas as provas possuem um valor relativo.

02. Assinale a alternativa correta.


a) O silêncio do acusado importará em confissão.
b) A confissão será indivisível e retratável.
c) A confissão será divisível e retratável.
d) O silêncio do acusado não importará confissão.

03. Estão dispensados do dever de depor, exceto:


a) Pai do acusado. c) Filho adotivo do acusado.
b) Irmão do acusado. d) Padrinho do acusado.

04. Sobre acareação não é possível afirmar que:


a) Pode ocorrer na instrução criminal e no inquérito policial.
b) É necessário que as pessoas acareadas não tenham prestado suas declarações.
c) Pode ocorrer entre acusados.
d) Pode ocorrer entre testemunha e acusado.

RESUMO
Neste capítulo, estudamos as provas em espécie, sua natureza jurídica, a classificação
segundo a doutrina, o procedimento previsto e o seu valor probatório.
Como já mencionamos, a prova é o centro nervoso do processo e por isso é um tema de
grande relevância para o nosso estudo.

capítulo 4 • 97
A reconstrução de um determinado fato irá instruir o órgão julgador a formar a sua con-
vicção e de forma motivada proferir a sua sentença final. Inicialmente, o juiz desconhece o
fato, e será através da prova que ele irá tentar se aproximar da realidade fática.
O direito à prova, conforme vimos, pertence às partes, mas, uma vez produzidas, perten-
cem ao processo, sendo este o princípio da comunhão das provas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

capítulo 4 • 98
5
A prisão em
flagrante e a prisão
temporária
A prisão em flagrante e a prisão temporária
99 Intervenção corporal, identificação criminal por meio de material genético;
99 DNA e o princípio do nemo tenetur se detegere.

Neste capítulo, vocês irão estudar as prisões processuais, mais especificamente


prisão em flagrante e temporária. Vamos ver as hipóteses de flagrante delito, suas
espécies, a previsão legal, os possíveis vícios materiais e formais, o relaxamento da
prisão e lavratura do auto de prisão em flagrante.
Em seguida, falaremos da prisão temporária prevista na Lei 7960/89, as hipó-
teses de cabimento, seu prazo de duração a autoridade competente para decretá-la
e o seu procedimento.
Ainda neste capítulo, iremos tratar da identificação criminal, o exame de
DNA como meio de prova, a intervenção corporal e a extração do material gené-
tico do acusado.
Por fim, vamos verificar o papel do indiciado na investigação criminal, o prin-
cípio da não autoincriminação compulsória e a sua conformidade com a prova
produzida por meio de DNA.

OBJETIVOS
Identificar as prisões no curso do processo e a sua excepcionalidade, ou seja, ressaltar
que se trata de ultima ratio, de uma medida cautelar que incide sobre a pessoa e, portanto,
somente poderá ser decretada em situações excepcionais e devidamente fundamentada.
Ressaltar a importância do princípio do nemo tenetur se detegere, como consequência do
direito ao silêncio consagrado na nossa Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXIII). Assim,
ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo, sendo este um princípio basilar no
estudo da participação do indiciado na investigação criminal.

O nosso Código de Processo Penal contempla medidas cautelares reais e tam-


bém medidas cautelares pessoais. Essas incidem sobre a pessoa, restringindo o seu
direito de locomoção e estão disciplinadas no artigo 282 e seguintes do CPP.
A prisão é a ultima ratio, só será possível se for necessária e adequada.
É um instituto que tanto pode ser estudado no direito penal e no direito
processual penal. A prisão penal é a que decorre de uma sentença condenatória

capítulo 5 • 100
transitada em julgado, como uma resposta do Estado ao infrator como uma retri-
buição ao mal praticado.
A prisão sem pena não decorre de uma sentença penal condenatória transitada
em julgado, será decretada no curso do processo.
Segunda a CR/88 ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Como medidas cautelares, possuem as seguintes características: jurisdicionali-
dade, acessoriedade, instrumentalidade, provisoriedade e homogeneidade.
•  Jurisdicionalidade: as medidas cautelares estão submetidas em primeiro
lugar à análise judicial de sua adoção, por se tratarem de restrição a direitos. São
adotadas por decisão judicial fundamentada da autoridade judiciária competente;
•  Acessoriedade: a medida cautelar segue a sorte da principal, sendo dela
dependente. Quando houver o resultado do processo principal, a medida cautelar
perde a sua eficácia;
•  Instrumentalidade: a medida cautelar serve de instrumento, de modo e de
meio para se atingir a medida principal. Meios para assegurar a eficácia prática de
um procedimento principal;
•  Provisoriedade: a medida cautelar dura enquanto não for proferida a medi-
da principal e enquanto os requisitos que a autorizarem estiverem presentes;
•  Homogeneidade: proporcionalidade entre o que está sendo dado e o que
será concedido, não sendo admitido que a restrição à liberdade durante o curso do
processo seja mais severa que a sanção aplicada ao final.

Desta forma, a prisão no curso do processo só será possível se for necessária,


adequada, proporcional e os princípios da dignidade da pessoa humana, presun-
ção de não culpabilidade, motivação das decisões devem estar presentes.
Analisa-se até que ponto podemos invadir os direitos individuais, se é de fato
necessária a prisão para o regular andamento do processo. E não devemos esquecer
que todas as medidas cautelares devem ser devidamente fundamentadas, sob pena de
nulidade, conforme artigo 93, inciso IX da CR/88 e artigos 283 e 315, ambos do CPP.
Quando se fala em necessidade da prisão cautelar, deve-se verificar se nenhu-
ma das medidas cautelares diversas da prisão é suficiente (artigo 319 do CPP).
Segundo o disposto no artigo 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decre-
tada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência
da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

capítulo 5 • 101
São os requisitos do periculum libertatis e fumus commissi delict.
O periculum libertatis é o perigo na liberdade do indivíduo a justificar a sua
prisão, já o fumus commissi delict é a fumaça do cometimento do crime. Torna-se
importante analisarmos tais requisitos legais, uma vez que o juiz irá converter a
prisão em flagrante em preventiva se os mesmos estiverem presentes.
Garantia da ordem pública tem como finalidade tutelar, proteger a ordem
pública, a convivência harmônica em sociedade. Impedir que o réu, em liberdade,
prossiga praticando crimes. O clamor público, por si só, não justifica a neces-
sidade da prisão.
Garantia da ordem econômica é para evitar a perturbação ao livre exercício
de qualquer atividade econômica, seja pelo risco de reiteração de práticas que
gerem perdas financeiras, seja por colocar em perigo a credibilidade e o funciona-
mento do sistema financeiro.
Conveniência da instrução criminal é para evitar que o réu em liberdade
perturbe a instrução, ameaçando testemunhas, vítimas, tentando corromper as au-
toridades, desaparecendo com os vestígios dos crimes. Assim, a liberdade do indi-
víduo coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo.
Aplicação da lei penal significa a prisão para evitar que o réu fuja, frustrando
a concretização do direito de punir da lei penal. Esse risco de fuga não pode ser
presumido, mas fundado em circunstâncias concretas.
Já o fumus commissi delict é a prova da existência do crime e indícios sufi-
cientes de autoria, ou seja, a fumaça do cometimento do crime.
Conforme já mencionamos, a prisão no curso do processo será sempre a
ultima ratio, sendo decretada somente se revelarem inadequadas ou insuficientes
as medias cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do CPP.

ATENÇÃO
A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão, mas em razão
da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa aplicável ao caso.

Prisão em flagrante

99 Hipóteses de prisão em flagrante;


99 Lavratura do auto de prisão em flagrante.

capítulo 5 • 102
•  Previsão legal: artigo 301 – 310 do CPP;
•  Conceito: flagrante é a certeza visual do crime, possui a ideia de imediatidade;
•  Natureza jurídica: segundo alguns autores a prisão em flagrante é um ato
meramente administrativo sem natureza jurisdicional, uma vez que, a análise judi-
cial será feita posteriormente, não depende de autorização judicial prévia. Parcela
da doutrina afirma que a prisão em flagrante teria sim, natureza cautelar, como as
demais hipóteses de prisão processual, já que a sua manutenção é delimitada no
tempo. E, por fim, outra corrente sustenta que a prisão possui natureza pré-cautelar;
Sendo este o entendimento do Professor Luis Flavio Gomes59 ao afirmar que
a prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar porque não tem o escopo de
tutelar o processo ou o seu resultado final, sim, ela se destina a colocar o preso à
disposição do juiz, para que tome as providências cabíveis.
Flagrante vem do latim queimar, arder. De acordo com o autor Renato
Brasileiro de Lima60, a expressão “flagrante” deriva do latim flagrare, e flagrantis
(ardente, brilhante, resplandencente), que no léxico, significa acalorado, evidente,
notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma caracterís-
tica do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida
ou acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização
judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo
de autodefesa da sociedade.
•  Sujeito ativo da prisão em flagrante: é aquele que realiza a prisão da pessoa
que está em uma das situações do artigo 302 do CPP. De acordo com o disposto
no artigo 301 do CPP “qualquer pessoa do povo poderá e a autoridade policial e
seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”;
Sendo assim, qualquer pessoa do povo pode prender em flagrante (estaria
em exercício regular do direito), trata-se do flagrante facultativo. Já a autoridade
policial e seus agentes devem (estrito cumprimento do dever legal), é o flagrante
obrigatório ou compulsório.

REFLEXÃO
A autoridade policial e seus agentes têm o dever de prender a qualquer custo? Não, age
quando pode.

59  GOMES, Luiz Flavio; MARQUES, Ivan Luis. Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Editora RT, 2011, p.90.
60  LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011,
p.177.

capítulo 5 • 103
EXEMPLO
Um policial se depara com um assalto em um banco com 5 agentes armados. Se o poli-
cial agir irá colocar em risco a vida de todas as pessoas que estão no Banco. Assim, o dever
de agir é quando for possível.

•  Sujeito passivo da prisão: é a pessoa que se encontra em flagrante delito,


ou seja, o autor da infração. Em regra, qualquer pessoa pode ser presa em flagran-
te. Existem algumas exceções constitucionais, como, por exemplo, o Presidente
da República que somente será levado ao cárcere quando houver sentença penal
condenatória (artigo 86 parágrafo 3º da CR/88). Também Magistrados e mem-
bros do Ministério Público só irão para o cárcere em razão do flagrante se o crime
for inafiançável;
•  Hipóteses de flagrante delito: o artigo 302 do Código de Processo Penal
apresenta as hipóteses de flagrante delito, em uma ordem decrescente de imediati-
dade, de certeza visual do crime;

Artigo 302 do CPP – Considera-se em flagrante delito quem:


I. Está cometendo a infração;
II. Acaba de cometê-la;
III. É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido, ou por qualquer pessoa, em
situação que faça presumir ser autor da infração;
IV. É encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam
presumir ser ele autor da infração.

De acordo com a doutrina, as hipóteses previstas nos incisos I e II são denomi-


nadas flagrante real, verdadeiro, próprio ou propriamente dito; o inciso III seria o
flagrante impróprio, e o inciso IV seria o flagrante ficto ou presumido.
O flagrante previsto no inciso I ocorre quando o infrator é surpreendido cometen-
do a infração descrita no tipo penal, e inclusive, dependendo da situação pode até mes-
mo evitar a consumação do crime, fazendo com que o agente responda por tentativa.
O flagrante previsto no inciso II ocorre quando o agente acaba de cometer a
infração e a consumação muito provavelmente já se deu.
O inciso III é denominado, conforme mencionado anteriormente, flagrante
impróprio ou também quase flagrante, afastando-se um pouco da ideia de cer-
teza visual do crime. Para que estejamos diante de um flagrante impróprio, deve
ocorrer a perseguição, essa ser logo após a prática do crime e em situação que faça

capítulo 5 • 104
presumir ser o autor da infração. O artigo 290 parágrafo 1º do CPP dá o conceito
de o que seria uma perseguição para o legislador, senão vejamos:

Artigo 290 parágrafo 1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:
a) Tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido
de vista.
b) Sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco
tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

Assim, a perseguição deve ser contínua e ininterrupta. E não necessariamente


o agente deve estar sendo avistado, ou seja, não se exige o contato visual.

PERGUNTA
Quanto tempo depois poderá o agente ser preso em flagrante? 24 horas? 1 semana?
10 dias? 30 dias?
Resposta: Não existe um prazo, contanto que a perseguição tenha se iniciado logo após
o crime e seja contínua e ininterrupta.

ATENÇÃO
A expressão “logo após” refere-se ao fato praticado, é um intervalo mínimo entre o crime
e o início da perseguição. Um prazo razoável para que a autoridade policial e seus agentes
cheguem ao local do fato, colham as informações e saiam ao encalço do autor da infração.

Por fim, o inciso IV do dispositivo legal trata do flagrante ficto ou presu-


mido, quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas,
objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Segundo Aury Lopes61, não há prisão em flagrante quando o agente que aca-
bou de subtrair um veículo é detido, por acaso, em barreira rotineira da polícia,
ainda que esteja na posse de objeto furtado. Isso porque não existiu um encontrar
de quem procurou (casual, portanto). Não significa que a conduta seja impunível,
nada disso. O crime, em tese, existe. Apenas não há uma situação de flagrância
para justificar a prisão com esse título. Para o autor é o encontrar de quem procu-
rou, perseguiu e depois, perdendo o rastro, segue buscando o agente.
61  LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2017. p.605.

capítulo 5 • 105
No entanto, parcela da doutrina62 afirma que o encontro a que se refere o
legislador é o casual, fortuito, entre o agente ou qualquer pessoa do povo, desde
que o encontro ocorresse logo depois da prática do crime.
•  Da lavratura do auto de prisão em flagrante: De acordo com a legisla-
ção processual penal, apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o
condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e
recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o
acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,
colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade,
afinal, o auto. (Artigo 304 do CPP);
Sendo assim, em regra a autoridade policial do local da prisão quem irá presidir
a lavratura do auto de prisão em flagrante, mas se neste local não houver Delegado,
o preso será apresentado ao local mais próximo, conforme o artigo 308 do CPP.

Artigo 308 do CPP – Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a pri-
são, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo.

A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados ime-


diatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada. O auto de prisão em flagrante será encaminhado em até 24
horas depois da realização da prisão ao juiz competente. Se o autuado não informar
o nome do advogado, será encaminhada cópia integral para a defensoria pública.
No mesmo prazo de 24 horas, será entregue ao preso, mediante recibo, nota
de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor
e os das testemunhas. (Artigo 306 e parágrafos do CPP)
Espécies doutrinárias de flagrante delito:
I. Flagrante preparado ou provocado;
II. Flagrante esperado;
III. Flagrante forjado, fabricado;
IV. Flagrante diferido, retardado, postergado.

O flagrante preparado ou provocado ocorre quando o agente prepara a si-


tuação para a captura do agente. Já se sabe que o mesmo pratica o crime, mas
não conseguiu encontrá-lo em situação de flagrante delito, em situação criminosa.
Não se tem a certeza visual do crime para que possa prendê-lo em flagrante delito.
62  PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 527.

capítulo 5 • 106
Faz-se um aparato, provoca o comportamento do agente para induzi-lo a prá-
tica do crime, e no momento em que irá praticar, prende-o em flagrante delito.

Súmula 145 do STF – Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.

No direito penal denomina-se de delito putativo por obra do agente provo-


cador. Assim, jamais ocorrerá a consumação do crime, sendo, portanto, crime
impossível, de acordo com o artigo 17 do Código penal.

Artigo 17 do CP - não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

EXEMPLOS
1. A patroa que, desconfiada da empregada, deixa o dinheiro à mostra e fica de espreita até
o momento em que a empregada pega o dinheiro e a patroa a surpreende;
2. Dono do estabelecimento comercial que tem a certeza de que seu funcionário está
retirando dinheiro do caixa, mas nunca o pegou em situação de flagrante, ou seja, não tem a
certeza visual do crime. Portanto, prepara, provoca, cria, induz à prática do mesmo.

ATENÇÃO
Artigo 33 da Lei 11.343/06 e a prisão em flagrante:
O artigo 33 da lei de drogas é de conteúdo variado, trata-se de um crime de ação múl-
tipla. O tipo penal contém 18 verbos, assim, ainda que o agente pratique mais de uma ação,
sucessivamente, responderá por crime único.
Questão controvertida é a dos policiais que se fazem passar por usuários, induzindo o
agente a efetuar a venda da droga. Nesses casos, há quem sustente a ilegalidade da prisão,
pois segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há crime quando a prepa-
ração do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação (Súmula 145 do STF).
Porém, normalmente, a conduta de vender é antecedida de outras que são permanentes.
O caráter permanente da infração conclui que o agente estava em situação de flagrante
delito. As modalidades de guardar, ter em depósito, trazer consigo, o estado de flagrância é
permanente e, portanto, a prisão seria legal, válida.

capítulo 5 • 107
“Em se tratando o tráfico de drogas, nas condutas de guardar, transportar e
trazer consigo, de delito de natureza permanente, a prática criminosa, in casu, se
consumou antes mesmo da atuação policial (compra fictícia), o que afasta a alega-
ção de flagrante preparado.” (Resp 1.455.188/SP, j. 19/02/2019).

•  Flagrante esperado: ocorre quando se sabe que o agente irá praticar a infra-
ção, mas não se induz, não se prepara, não provoca, não há qualquer participação
direta. Simplesmente aguarda, espera a ocorrência do crime. A polícia tem notícias
de que um crime será cometido e passa a monitorar, esperar a atividade criminosa
e prender o agente em flagrante delito;
O conhecimento da ocorrência da infração normalmente se dá através de de-
núncias anônimas ou através de atividades investigatórias. Podemos citar como
exemplo, quando os policiais recebem a notícia de que em determinado local
estejam praticando o crime de tráfico de entorpecentes. Assim, vão até o local e
aguardam, ficam de espreita e, de fato, percebem o entra e sai de pessoas em uma
casa. Em determinado momento, entram no local e apreendem grande quantida-
de de drogas. A prisão em flagrante é legal e válida.
•  Flagrante forjado ou fabricado: é o flagrante ilegal por excelência. Ocorre
quando é criada, forjada uma situação fática para tentar legitimar uma prisão.
Exemplo clássico é quando policiais, em uma blitz, forjam a ocorrência de um
crime, colocando drogas ou armas no interior do veículo.
Flagrante diferido, retardado, postergado: é a ação controlada prevista no
artigo 8º da Lei 12.850/13.

Artigo 8º - consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administra-


tiva relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Retarda-se a captura do agente para um momento mais propício, oportuno.


Conforme a doutrina63 a prática tem demonstrado que, muitas vezes, é estrategi-
camente mais vantajoso evitar a prisão, num primeiro momento, de integrantes
menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e pos-
sibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de
prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação.
63  ARAÚJO DA SILVA, Eduardo. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003, p.93.

capítulo 5 • 108
Citamos o exemplo apresentado pelo Professor Aury Lopes64: diante de uma
complexa organização criminosa que tem por objeto o roubo de cargas e posterior
distribuição a uma rede de fornecedores, a polícia deixa de prender aqueles agentes
que cometeram o roubo no momento em que o estão praticando, para, monitoran-
do-os, descobrir o local em que a carga é escondida e o caminhão desmontado para
ser vendido em um desmanche ilegal. De posse dessas informações, descobre ainda
quem são os receptadores e, quando tiver provas suficientes dos crimes e da estrutura
da organização criminosa, realiza a prisão em flagrante de todos os agentes.

Situações diversas

•  A prisão em flagrante nos crimes permanentes:

Artigo 303 do CPP – Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante


delito enquanto não cessar a permanência.

Crimes permanentes são aqueles em que a consumação se protrai, se prolonga


no tempo e, por isso, é perfeitamente válida e legal a prisão em flagrante. Trata-se
do flagrante real, propriamente dito (está cometendo a infração).
Em todos os casos a consumação se prolonga no tempo, fazendo com que
se tenha um estado de flagrância permanente. Enquanto durar a permanência, o
agente poderá ser preso em flagrante.
•  A prisão em flagrante nos crimes de menor potencial ofensivo:
São considerados crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxi-
ma não seja superior a 2 (dois) anos. O procedimento adotado será o sumaríssimo
previsto na lei 9099/95.

Artigo 61 da Lei 9099/95 – Consideram-se infrações penais de menor potencial ofen-


sivo, para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior à 2 (dois)anos, cumulada ou não com multa.
Parágrafo único do artigo 69 da Lei 9099/95 – Ao autor do fato que, após a lavratura do
termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele
comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. (...)

Torna-se válido lembrar que a prisão em flagrante possui dois momentos, quais
sejam: prisão captura e a lavratura do auto de prisão em flagrante. O primeiro
momento sempre poderá ocorrer, até porque a conduta não foi descriminalizada,
64  LOPES JUNIOR, Aury. Op. cit.

capítulo 5 • 109
mas simplesmente passou a ser considerada de menor potencial ofensivo, sendo
aplicadas as medidas despenalizadoras da Lei 900/95, tais como composição civil
dos danos, transação penal etc.
•  A prisão em flagrante nos crimes de ação penal privada e pública con-
dicionada á representação:
O Estado só poderá agir se houver manifestação de vontade do ofendido.
Assim como o inquérito policial não poderá ser instaurado sem a manifestação da
vontade do ofendido ou requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Somente à vista de manifestação de vontade do ofendido ou requisição do Ministro
da Justiça é que poderá haver prisão em flagrante. Caso contrário, ausente estará uma
condição específica de procedibilidade para a formalização do ato de prender.
A polícia nessa hipótese deve limitar-se a praticar atos tendentes a evitar a
consumação do crime ou a impedir que a presença do infrator no local venha a
conturbar a ordem.
•  Prisão em flagrante nos crimes habituais:
Crimes habituais são aqueles que exigem a prática reiterada da conduta, a sua
habitualidade. Exemplos: manter casa de prostituição (artigo 229 do CP), exercí-
cio irregular da medicina (artigo 282 do CP).

PERGUNTA
É possível a prisão em flagrante nos crimes habituais?

Parcela da doutrina afirma ser inadmissível a prisão em flagrante nos crimes


habituais, conforme afirma Guilherme de Souza Nucci65 crimes habituais não ad-
mitem prisão em flagrante. O delito habitual é aquele cuja consumação se dá
através da prática de várias condutas, em sequência, de modo a evidenciar um
comportamento, um estilo de vida do agente, que é indesejável pela sociedade,
motivo pelo qual foi objeto de previsão legal. Uma única ação é irrelevante para
o Direito Penal. Somente o conjunto se torna figura típica, o que é fruto da ava-
liação subjetiva do juiz, dependente das provas colhidas, para haver condenação.
Assim, concluem ser inadmissível a prisão em flagrante nos crimes habituais,
pois este se caracteriza pela prática reiterada, repetida de condutas que isolada-
mente consideradas não possuem relevância penal. O flagrante não retrataria um
crime, mas apenas, o ato isolado que constitui indiferente penal.
65  Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora RT, 2011, p.633.

capítulo 5 • 110
No entanto, a posição contrária argumenta que será possível, desde que, no ato,
consiga comprovar a habitualidade da conduta, como, por exemplo, de pessoa que
exerce ilegalmente a medicina, em que se encontre agenda com marcações de clien-
tes. Inclusive, se a autoridade policial já tiver uma prova anterior da habitualidade,
a prisão em flagrante poderá ser efetuada diante da prática de qualquer novo ato.

Da prisão temporária: Lei 7960/89

•  Previsão legal: Lei 7960/89.


Da constitucionalidade da prisão temporária: assim que entrou em vigor, alguns
autores alegaram que tal espécie de prisão cautelar seria inconstitucional na sua e
no seu conteúdo. Inicialmente, haveria um vício de iniciativa, pois foi uma medida
provisória convertida em lei, ou seja, Poder Executivo legislando sobre matéria de
processo penal que é da competência privativa da União, segundo o disposto no
artigo 22, inciso I da CR/88, e também esta lei também seria materialmente incons-
titucional, pois em um Estado Democrático de Direito, não se pode permitir que o
Estado se utilize da prisão para investigar, famosa “prisão para averiguações”.
A prisão temporária será decretada pelo juiz, mediante requerimento do Ministério
Público ou representação da autoridade policial. É a garantia da jurisdicionalidade.
Não será decretada de ofício pelo juiz. Deverá ser por ordem escrita e fundamen-
tada, atendendo ao comando da própria Constituição (artigo 93, inciso IX, em que
todas as decisões devem ser devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade).
Segundo a lei 7960/89, na hipótese de representação da autoridade policial,
o juiz, antes de decidir, deverá ouvir o parecer do Ministério Público (artigo 2º,
parágrafo único).

Das hipóteses de cabimento

As hipóteses de cabimento estão previstas no artigo I e incisos da lei.

Art.1º - Caberá a prisão temporária:


I. Quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II. Quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários
ao esclarecimento de sua identidade;
III. Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legisla-
ção penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes.

capítulo 5 • 111
No inciso III, o legislador elenca um rol taxativo, numerus clausus, fechado.
Trata-se do fumus commissi delicti (fumaça do cometimento do crime).

PERGUNTA
A aplicação dos incisos do artigo 1º é cumulativa ou alternativa? Poderá ser decretada a
prisão temporária somente com base no inciso I? Ou inciso II? Ou só no inciso III?

Inicialmente, afirma-se que a prisão temporária por crime que não esteja pre-
visto no rol do inciso III será ilegal. Não faz sentido o legislador elencar um rol
exaustivo de crimes, se qualquer outro crime não previsto ali pudesse ser objeto
de prisão temporária. Assim, é indispensável a existência de fundadas razões de
autoria e participação nos crimes previamente relacionados.
Exigir a presença dos três incisos tornaria a medida de difícil aplicação, pois mes-
mo sendo necessária a prisão, se o agente tivesse residência fixa e identidade certa, não
poderia ser decretada, uma vez que o inciso II fala quando o indiciado não tiver resi-
dência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.
A prisão temporária também somente poderá ser decretada quando impres-
cindível para as investigações do inquérito policial. Não cabe prisão temporária no
curso do processo.
Conclui-se, portanto, que sempre serão necessários os incisos I e III, pois
o inciso I representa a necessidade da prisão (periculum libertatis) e o inciso III
demonstra o fumus commissi delict. Mas somente quando combinados, de forma
isolada não justificam a prisão temporária.
Já a aplicação do inciso II é complementar e não essencial. O agente pode não
ter residência fixa ou identidade certa e a prisão não ser necessária para a investi-
gação, pois, por exemplo, já se encontra praticamente concluída.

Procedimento

A Lei 7960/89 dispõe que a prisão temporária somente poderá ser decreta
pelo juiz, ou seja, autoridade judiciária, não sendo possível, portanto, a autoridade
policial (leia-se Delegado de Polícia) decretar a prisão.

Art. 2º - A prisão temporária será decretada pelo juiz, em face da representação da au-
toridade policial ou de requerimento do Ministério Público...

capítulo 5 • 112
Como a prisão temporária somente será decretada na fase do inquérito, não
poderá ser decretada de ofício, atendendo ao sistema acusatório adotado em nosso
ordenamento jurídico. Haverá a necessidade de requerimento do MP ou de repre-
sentação do Delegado. No caso de representação, deverá ser ouvido o Ministério
Público antes de o juiz decidir (art. 2 parágrafo 1º). Mas o juiz não ficará vincula-
do ao parecer do membro do Parquet.
O despacho que decretar a prisão deverá ser devidamente fundamentado e
proferido dentro do prazo de 24 horas, contados a partir do recebimento da repre-
sentação ou do requerimento. O juiz poderá determinar que o preso lhe seja apre-
sentado, bem como solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial
e, até mesmo, submetê-lo a exame de corpo de delito. A finalidade é o controle
judicial, tendo em vista a excepcionalidade da medida. Lembrando que a prisão
temporária tem natureza de cautelar, sendo também, a ultima ratio.
O próprio legislador se preocupou com a integridade física do preso e de-
terminou que os mesmos deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos
demais detentos (art. 3º da Lei 7960/89).
Efetuada a prisão, o detento será informado de todos os seus direitos, conforme
preceitua a Constituição Federal em seu artigo 5º. O mandado de prisão será expedido
em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa,
e a prisão somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial.

Prazos

De acordo com o artigo 2º a prisão temporária será decretada por 5 dias pror-
rogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

ATENÇÃO
Se o crime for hediondo o prazo será de 30 dias prorrogável por igual período, podendo
durar até 60 dias. (art. 2º parágrafo 4º da Lei 8072/90). Qualquer prazo que ultrapasse,
a prisão será ilegal devendo ser imediatamente relaxada.
Contudo, nada impede que ele seja colocado em liberdade antes desses prazos, pela
própria autoridade policial, desde que não tenha mais interesse para a investigação. Se o
prazo de 3 dias, por exemplo, for suficiente para a autoridade policial realizar a diligência, não
há razão para sacrificar mais ainda a liberdade do indivíduo.

capítulo 5 • 113
OBS.: a prisão temporária é dirigida à investigação, não sobrevive no curso
do processo. Não cabe prisão temporária quando já tiver sido concluído o inqué-
rito policial.

PERGUNTA
Findo o prazo de 5 dias, a autoridade policial terá que imediatamente colocar o preso em
liberdade ou há a necessidade de expedição do alvará de soltura?

Não há previsão legal que discipline a necessidade da expedição do alvará de


soltura. Para a maioria da doutrina, a autoridade policial poderá colocar o preso
imediatamente em liberdade findo o prazo de 5 dias, caso não haja prorrogação.

Art. 2º parágrafo 7º - Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de detenção, o preso deverá ser
posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada a sua prisão preventiva.

O nome da prisão já indica isso. Ela é temporária e o preso somente perma-


necerá na prisão caso haja a conversão da prisão temporária em preventiva. Sendo
caso de prorrogação do tempo da prisão, a autoridade policial deverá, antes de
esgotar o prazo de 5 dias, providenciar a obtenção da decisão de prorrogação por
parte do juiz, pois vencido o prazo, já não será mais possível a prorrogação, deven-
do ser o preso colocado em liberdade.
Conforme Marcellus Polastri Lima66, não se pode defender que a autoridade
policial deve aguardar o alvará de soltura a ser expedido pelo juiz, já que tal seria
contra o espírito da lei e caso não se dê a liberação, vencido este prazo, incidirá a
autoridade em policial em crime de abuso de autoridade.
Mas alguns autores alegam a necessidade da expedição do alvará de soltura em
favor do preso, sob o argumento de que a Lei 4898/54 – Lei de abuso de autoridade
– disciplina em seu art. 4º alínea “i” que constitui também abuso de autoridade pro-
longar a execução da prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando
de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.
Sendo assim, segundo alguns autores, não exigir a expedição do alvará de sol-
tura faz com que tal lei caísse no vazio, ou seja, fosse letra morta. O juiz iria sempre
se livrar do crime de abuso de autoridade, não havendo o suporte fático para que
a norma pudesse incidir.
66  LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.637.

capítulo 5 • 114
Porém, conforme já mencionado, a maioria da doutrina afirma que a ordem
de soltura está implicitamente prevista no mandado de prisão, uma vez que, a
prisão possui prazo determinado.

A identificação criminal

Segundo o art. 5º inciso LVIII da CR/88 a pessoa civilmente identificada não


deverá ser submetida à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em
lei. Entenda-se como identificação criminal a reunião de informações acerca de
alguém envolvido em uma prática criminosa (folhas de antecedentes criminais e
registros policiais). Os dados são coletados no momento da prisão em flagrante
ou quando o mesmo for indiciado no inquérito policial. Em caso de dúvida sobre
a identidade do suposto criminoso, a autoridade policial procederá à colheita de
suas impressões digitais (método datiloscópico) e fotografia.
Mas para que não haja constrangimento e não viole a Constituição, a
Lei 12.037/2009 estabelece que o processo datiloscópico e o fotográfico somente
ocorrerão nas seguintes hipóteses:
1. Documento apresentar rasura ou haver indício de falsificação;
2. O indiciado portar documentos de identidade com informações conflitantes
entre si;
3. A identificação criminal for essencial às investigações policiais;
4. Constar de registros policiais o uso de outros nomes;
5. Quando o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da
expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos
caracteres essenciais.

Assim, fora dessas hipóteses, basta a pessoa apresentar o documento de iden-


tidade ou outro documento público que permita a identificação que não será
submetido à identificação criminal. À luz da Constituição Federal e das garan-
tias constitucionais, a identificação criminal será uma exceção para os civilmen-
te identificados.
É importante compreendermos que a lei assegura que quando houver neces-
sidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências
necessárias para evitar o constrangimento do identificado, sua exposição na mídia
etc. (art. 4º).

capítulo 5 • 115
O exame de DNA como meio de prova

Inicialmente, é importante lembrarmos que o exame de DNA está relaciona-


do com a produção de prova no processo civil, com testes que visam a confirmar a
paternidade e o consequente registro e fixação de pensão alimentícia.
Apesar de o nosso ordenamento jurídico adotar como sistema de avaliação da
prova o do livre convencimento motivado do julgador, ou seja, o juiz é livre para
apreciar as provas produzidas em contraditório judicial (art.155 do CPP), não há
hierarquia entre os meios de prova, o resultado do exame do DNA nas ações de
investigação de paternidade constitui uma prova inequívoca.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula de nº 301 dis-
pondo que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se a exame
de DNA induz presunção iuris tantum de paternidade. Assim, caso ele se recuse a
realizar o exame, são atribuídos os mesmos efeitos da confissão ficta.
O exame de DNA também se faz presente nos processos criminais, nos deno-
minados crimes que deixam vestígios, como por exemplo, o crime de homicídio,
em que possibilita descobrir eventuais criminosos. No entanto, essa questão não é
pacífica na doutrina e podemos citar 3 (três) correntes sobre o assunto.
Para a primeira corrente é obrigatório o exame de DNA e a sua recusa pode
até mesmo resultar em crime de desobediência à ordem de judicial, constituindo
uma confissão.
Já para os adeptos da segunda corrente, o acusado poderá se recusar a fazer o
exame, mas a sua negativa resulta na presunção dos fatos alegados contra o mesmo.
Por fim, a terceira corrente afirma que o acusado não será obrigado a se subme-
ter à realização do exame e a sua negativa não implica em presunção de veracidade.
Sendo assim, essa matéria nos leva ao seguinte questionamento:
O investigado e até mesmo acusado, está obrigado a submeter-se ao exame
do DNA?
Vamos tratar dessa questão quando abordarmos o princípio do nemo tenetur se
detegere (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo) no último tópico
deste capítulo.

Intervenção corporal e a extração do material genético do acusado

Algumas provas dependem da colaboração do acusado para a sua produção


que implicam em intervenção corporal e outras independem da intervenção física
no acusado. As provas que dependem da intervenção corporal podem ser invasivas

capítulo 5 • 116
ou não invasivas. Assim, define-se intervenção corporal como a utilização do cor-
po do acusado para efeitos de investigação.
Como exemplo clássico de prova invasiva citamos a coleta de sangue, para pos-
terior análise de DNA, com a finalidade de identificar autores do crime. Quando
o acusado consente não há problema algum, pois estamos diante da autodefesa do
mesmo, o problema consiste quando não há o consentimento, ou seja, quando ele
se recusa a colaborar.
Diante dos princípios do nemo tenetur se detergere e da presunção de inocência
(não culpabilidade), entendemos que o sujeito não pode ser obrigado a submeter-
-se às intervenções corporais.
Nesse sentido, Aury Lopes Junior67, afirma que a prova da alegação dos fatos
incumbe a quem acusa, portanto, o sujeito passivo não pode ser compelido a auxi-
liar a acusação. Ademais, submeter o sujeito passivo a uma medida de intervenção
corporal sem o seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a
confissão. Por fim, ainda salienta o autor que junto ao direito de defesa existem ou-
tros direitos fundamentais que impedem as intervenções, como o direito à vida, à li-
berdade, à integridade física e moral e o de que ninguém será submetido à tortura ou
tratamento desumano, isto é, direitos que preservam a dignidade da pessoa humana.
Dentre as provas não invasivas, citamos como exemplo os exames de material
fisiológicos, identificação datiloscópica, como também exame realizado através de
fios de cabelo etc.

O papel do indiciado na investigação criminal: O princípio do nemo tenetur se


detegere e sua conformidade com a prova produzida por meio de DNA68

O princípio do nemo tenetur se detergere garante ao indiciado ou acusado o


direito de não produzir provas contra si mesmo, de permanecer em silêncio nos
interrogatórios durante a fase preliminar (inquérito policial) e em juízo.
A primeira referência expressa ao princípio foi no Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, em 1966 em que o seu art. 14, nº 3, alínea g diz que
toda pessoa acusada de um crime tem o direito de não ser obrigada a depor contra
si mesma, nem a confessar-se culpada. Na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto São José da Costa Rica – 1969), foi reconhecido, também, tal

67  LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001,
p.323 -324.
68  QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p.56.

capítulo 5 • 117
princípio como uma das garantias mínimas a serem observadas em relação às pes-
soas acusadas da prática de um delito.
O Brasil ratificou o Pacto Internacional e a Convenção Americana (Decreto
nº 678, de 06/11/992) passando tal princípio a ter previsão em nossa legisla-
ção. Segundo a autora Maria Elizabeth Queijo o princípio do nemo tenetur se
detegere, como direito fundamental, objetiva proteger o indivíduo contra excessos
cometidos pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra
violência físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na
investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibidos de inter-
rogatório, sugestões e dissimulações.
Este princípio reforça a ideia do sistema acusatório em que falamos no primei-
ro capítulo do livro, pois deixa o juiz afastado em relação à produção probatória.
O direito da não autoincriminação compulsória faz parte do conjunto de garan-
tias que compõe o devido processo legal.
A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXIII garante que o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe asse-
gurada a assistência da família e de advogado.
É uma decorrência lógica do princípio da não autoincriminação compulsória.
O acusado deverá ser cientificado do seu direito e não o sendo, a sua manifestação
será inutilizada.
É o que estabelece o artigo 186 e parágrafo único do CPP, atendendo à
Constituição de 88, senão vejamos:

Art. 186 – Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação,


o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único – O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpre-
tado em prejuízo da defesa.

Conclui-se que em nosso ordenamento jurídico pátrio, o acusado não é obri-


gado a contribuir para a solução do caso penal, devendo a acusação buscar outras
formas para demonstrar os fatos alegados na pretensão acusatória. Ao acusado é
dado o direito a não auto - incriminar-se, não produzir provas contra si mesmo,
devendo ser processado de acordo com as garantias de um devido processo legal,
tendo seus direitos assegurados, como o contraditório e a ampla defesa.

capítulo 5 • 118
ATIVIDADES
01. Sobre as prisões cautelares admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, assinale a
alternativa que reproduz corretamente conceito jurídico ou dispositivo legal:
a) Considera-se em flagrante delito quem é perseguido, pela autoridade, pelo ofendido
ou por qualquer pessoa, logo após ocorrer situação que faça suspeitar ser ele o autor
da infração.
b) A falta de testemunhas da infração impedirá o auto de prisão em flagrante ainda que
com o condutor assinem outras duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação
do preso à autoridade.
c) Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, fundamentadamente, relaxar a
prisão ilegal com arbitramento de fiança.
d) Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo
apresentado à do lugar mais próximo, quando, por motivos de saúde, não puder aguardar
o restabelecimento da primeira.
e) Considera-se em flagrante delito quem é encontrado logo depois, com instrumentos,
armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

02. A prisão temporária:


a) Será decretada pelo juiz, pelo prazo de 10 dias, prorrogável por igual período, em caso
de extrema e comprovada necessidade.
b) Somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial.
c) Poderá, em caso de extrema gravidade e urgência, ser decretada pelo Ministério Público,
face a representação da autoridade policial.
d) Decorrente de requerimento do Ministério Público poderá ser decretada por prazo supe-
rior a 10 dias, desde que por meio de despacho fundamentado.
e) Não implica em nenhum privilégio para o preso, que poderá permanecer na mesma cela
dos demais presidiários.

03. O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo:


a) Após decisão de tribunal superior.
b) Após o trânsito em julgado de decisão judicial.
c) Em caso de decisão de órgão judicial internacional.
d) Após o trânsito em julgado de decisão administrativa.
e) Nas hipóteses previstas em lei.

capítulo 5 • 119
04. A disposição constitucional que assegura ao preso o direito ao silêncio consubstancia
o princípio da:
a) Inexigibilidade de autoincriminação. d) Oralidade.
b) Verdade real. e) Cooperação processual.
c) Indisponibilidade.

RESUMO
Verificamos a importância do tema relativo à prisão processual, de natureza cautelar
estudada no processo penal. Vimos a diferença entre prisão pena (decorre de uma sen-
tença penal condenatória transitada em julgado) e prisão sem pena, como instrumento do
processo. Iniciamos o capítulo apresentando as características das medidas cautelares para
entendermos a natureza da prisão processual. Após analisamos a prisão em flagrante, suas
hipóteses legais e várias situações que são apresentadas pela doutrina e jurisprudência.
Vimos também a participação do acusado na investigação criminal e durante a fase do
processo. Nesse ponto, de fundamental importância o direito ao silêncio assegurado na
Constituição Federal, não sendo, portanto, obrigado a se submeter à coleta de provas contra
si mesmo. Ainda foi feita a análise das intervenções corporais invasivas e não invasivas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO DA SILVA, Eduardo. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.
GOMES, Luiz Flavio; MARQUES, Ivan Luis. Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Editora RT, 2011.
LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
-----------------------. Sistemas de investigação preliminar no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora RT, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas,
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003.

capítulo 5 • 120
GABARITO
Capítulo 1

01. A. 02. A. 03. C.

Capítulo 2

01. C. 03. B.

02. C. 04. C.

05. A informação está incorreta. A queixa crime é instrumento da ação penal privada. Será
intentada pelo ofendido no momento em que ajuíza a ação penal. Equivale a denúncia nos
crimes de ação penal pública. O correto é Antonio Carlos apresentar uma notícia crime (co-
nhecimento de um crime) e a partir desta noticia crime, a autoridade policial irá instaurar
inquérito policial.
Ver artigos 5°, inciso I e artigo 29 do CPP.

Capítulo 3

01. E. 02. B.

03. São três correntes. A primeira corrente não admite pois como já vimos faz uma interpre-
tação literal do disposto no artigo 2º parágrafo único da lei 9296/96 em que dispõe que deve
ser descrita com clareza a situação objeto da investigação. Já a segunda corrente admite
desde que haja um liame, um nexo entre o crime objeto da interceptação e o descoberto de
forma fortuita. Por fim, a terceira corrente admite, independentemente de qualquer conexão
entre os crimes, mas desde que seja de semelhante gravidade.

04. O magistrado deverá aceitar a prova, uma vez que foi adquirida em favor do réu, ou seja,
para provar a sua inocência. Entende-se que ele está amparado por uma causa excludente
da própria ilicitude da conduta e, ademais, tal princípio é uma garantia do acusado e jamais
deve ser interpretado em seu desfavor.

capítulo 5 • 121
Capítulo 4

01. D. 03. D.

02. D. 04. B.

Capítulo 5

01. E. 03. E.

02. B. 04. A.

capítulo 5 • 122
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 123
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 124
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 125
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 126
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 127
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 128

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