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Introdução

Mangá Para
Quem Não
Os Olhos Conhece
Grandes do
Mangá
Nem tudo
é Olho
Grande
O Mangá
no Brasil

O Fim do
Mangá
parte 1
O Fim do
Mangá
parte 2
O Fim do
Mangá
parte 3

Sobre o
Autor
Introdução
Em 1968, quando eu tinha cinco anos animados da minha vida: Cyborg 009,
para seis anos de idade, achei em algum Samurai Kid, National Kid, Príncipe
canto de casa uma revista feminina que Planeta e outros da primeira leva de animes
– soube depois – era sobre horóscopos e, que foram exibidos no Brasil. Eu os assistia
provavelmente, comprada por minha mãe. encantado pelo simples motivo de que
Creio que o nome dela era “Zodíaco”. o desenho deles era “igual” ao da minha
As coincidências da vida sempre serão “namorada”, facilmente identificáveis pelos
surpreendentes... Eu ainda não sabia ler, mas olhos grandes e brilhantes. E desde então,
comecei a folheá-la porque tinha muitas não perdi nenhum anime que tenha sido
ilustrações e fotos. De repente, ao virar uma exibido nas TVs brasileiras. É claro que
página, me deparei com um desenho em desenhos norte-americanos passavam
preto e branco de uma garota com rosto também, mas nenhum deles me agradava.
lindo, olhos enormes e brilhantes olhando Eu os achava fracos, sem graça, bobos
fixamente para mim. Criança inocente, eu demais. Já os desenhos animados de olhos
me “apaixonei” por aquele desenho, e passei grandes sempre eram mais bem animados,
a vê-lo todos os dias e chamá-la de “minha com personagens mais cativantes, mais
namorada”. Este foi meu primeiro contato ação e emoção. Às vezes alguns
com o mangá (para ser mais exato, shoujo deles me faziam chorar,
mangá, mas não sabia disso na época). De principalmente
uma forma muito real, posso afirmar que o quando algum
mangá foi a primeira paixão da minha vida. personagem
Em 1969 a primeira televisão chegou morria. Coisa
em casa, onde assisti aos primeiros desenhos de criança...

Cyborg 009 e National Kid – duas das primeiras


séries japonesas a serem exibidas nas TVs
brasileiras nos anos 1960.
Os anos passaram, mas a paixão por
animes continuava, até que em 1975
comecei a estudar numa escola particular
no bairro da Liberdade, em São Paulo
(mais coincidências - vai acompanhando!).
Eu voltava para casa só após o fim das
aulas, meu caminho até o ponto de ônibus
passando pelas ruas Galvão Bueno e da
Glória – as mais japonesas do bairro!
Naquela época, quase todas as lojas da
Liberdade tinham cartazes escritos em
japonês – algo que se perdeu quase
totalmente hoje em dia. Perto da
minha escola e no meu caminho
de volta, havia um sebo que
vendia revistas japonesas usadas.
Parando para dar uma olhada
certo dia, vi entre elas umas
revistas de quadrinhos bem grossas
e desenhadas do mesmo “jeito” que a
minha saudosa “namorada” e os animes
que via na TV (nesta época a revista do
Zodíaco já fora jogada fora pela minha
mãe). Foi a primeira vez que tive em minhas
mãos um mangá, e foi também quando
descobri que aqueles desenhos animados
com olhos grandes que tanto me cativaram
eram japoneses. O estrago estava feito e
completo para sempre. Eu era um fã de
quadrinhos e desenhos animados japoneses
num país onde ninguém sabia o que era isso.
O tempo passou, cresci mais um pouco
e em meu primeiro emprego, trabalhei
como office-boy numa empresa que me
enviava todos os dias para pegar o saldo
nos bancos. Era 1979, e para uma empresa
saber o saldo disponível, só enviando um
office-boy para perguntar, pois informação
não era fornecida por telefone e internet era
como ficção científica - inexistente. Alguns
dos bancos em que eu precisava passar
estavam entre mim e o bairro da Liberdade!
E para completar as coincidências, havia
outro sebo com mangás à venda em meu
caminho. Assim que recebi meu primeiro
salário, comprei meu primeiro mangá.
Muitas outras coincidências
levou a ser roteirista, editor e jornalista
aconteceram em minha vida, envolvendo
com algum conhecimento sobre animes
mangás e animes. Narrar todas tomaria
e mangás. Além das muitas revistas
um livro inteiro, e ainda é um pouco
que escrevi tratando exclusivamente
cedo para escrever minhas memórias.
sobre esse assunto, ao longo de meus
Por hora basta saber, caro leitor, que
vinte e cinco anos de carreira editorial
todo este caminho me
e jornalística eu escrevi várias matérias
avulsas, encomendadas por várias editoras.
Tais matérias nem fiquei sabendo em que
revistas foram publicas – se
é que foram publicadas!
Eu as entreguei, fui pago
e parti para o próximo
serviço. Na maioria
dos casos, me esquecia
completamente do que
havia escrito. Para mim,
estavam enterradas e
esquecidas. Nunca mais
seriam aproveitadas.
Mas tudo mudou
quando a Editora
vez na forma de livro.
As matérias que você lerá nas
páginas seguintes não estão organizadas
na ordem em que as escrevi, pois as
coloquei numa sequência explicativa,
começando pelas origens dos mangás
e prosseguindo até os dias atuais.
Procedi desta forma para aqueles
que não sabem nada sobre mangá,
aprenderem gradualmente sem sustos.
E quem já conhece ou curte mangás,
poderá ler tranquilamente e, quem sabe,
descobrir algo que ainda não conhecia.
Porque o prazer de ler livros
está em aprender e descobrir,
desenvolvendo a mente e o espírito.

Boa leitura

Sérgio Peixoto Silva


Editor, redator
e jornalista.

Discovery me ligou e perguntou


untou se
poderia fazer um livro de antologia
com as minhas matérias sobrebre mangás.
Eles sabiam da quantidade de matérias
que escrevi todos estes anos.
s. Aceitei o
serviço de imediato, pois era
ra algo que
há tempos estava pensandoo em fazer,
mas é uma daquelas ideias que ficam
piando na mente e fingimos os não estar
ouvindo. Mas depois da proposta
oposta da
Discovery, ela começou e me bicar
furiosamente. Então, para deixar a
ideia sair de minha cabeça de uma
vez eu liguei meu computador,
dor,
abri a pasta de matérias
antigas e selecionei as que
escrevi sobre mangás. Fiz
uma boa revisão, atualizei
e corrigi informações,
deixando-as prontas
para serem publicadas
novamente, desta
Mangá Para Quem
Não Conhece
matéria a seguir editoras, claro), criando mais

A é indicada
principalmente
para quem não
sabe nada sobre mangá,
mas está interessado
desenhistas de mangá que
o Brasil tem de jogadores
de futebol profissionais.

Mas como
em aprender. Ela não esse mercado
pretende te transformar funciona?
num especialista no tema Tudo começa nas revistas
com um punhado de semanais – algumas delas
parágrafos, mas um pouco vendendo mais de um
de conhecimento da cultura milhão de exemplares
pop nunca é demais, certo? semanalmente, todas com
mais de quatrocentas páginas
Mangá – Negócio por edição, verdadeiras listas
de Bilhões telefônicas! Tente imaginar
Em 2007, o ano mais a quantidade de papel
recente que consegui necessário para dar conta de
informações, a venda de uma única edição – e existem
mangás alcançou a cifra várias delas sendo publicadas!
astronômica de 406 bilhões
de Yens (cerca de 3.6 bilhões
de dólares), e olha que
nesta conta não entram os
ganhos com os produtos
que levam a imagem das
séries mais famosas, nem
dos videogames ou animes!
Portanto, mangá é um
negócio muito sério no
Japão, gerando empregos
para milhões de pessoas
(somando toda a cadeia
de produção: gráficas,
fabricas de papel, de tinta,
distribuidoras e as próprias
Estas revistas semanais Então, um dos poucos
têm em média doze a vinte momentos para relaxar é
séries, cada uma desenhada ler um bom mangá na ida/
por um artista diferente, volta do trabalho/escola.
com 20 páginas em média Mas voltando às revistas
por história. Estes números semanais, elas custam em
quase inacreditáveis para média 500 Yens (uns quatro
nós ocidentais são atingidos dólares). Bem baratas,
por dois motivos básicos: se levarmos em conta a
1 – Japoneses adoram quantidade de páginas e
ler – São educados desde seu formato (que realmente
a infância para tomarem parece uma lista telefônica
gosto pela leitura e, quando – tanto no número de
crescem, não largam páginas como no tamanho!).
este saudável hábito. Agora um detalhe
2 – A pressão do trabalho/ importante: a venda destas
escola – Cerca de 90% dos revistas raramente dá lucro!
japoneses são da classe Se elas cobrirem as despesas,
média, com bons salários. a editora já se considera
Mas para garantir isso, na vantagem. Então, por
trabalham até 14 horas que continuam a publicá-
por dia e se ainda estudam, las, se tanto trabalho
ficam na escola de 8 a 10 não rende? É porque as
horas por dia mais o que se editoras não lucram na
estuda em casa. Apesar de venda das revistas semanais,
terem dinheiro, os japoneses mas sim nas edições
têm pouco tempo para lazer encadernadas chamadas
devido às cargas horárias de Tankoubons (algo como
de trabalho ou estudo. “livro de bolso”), que tem
em média 200 páginas
em formato pequeno e
contém a compilação de,
em média, oito capítulos
de uma mesma série que
já foi publicada em revistas
semanais. Estes Tankoubons
são comprados pelos fãs
de determinadas séries
e têm tiragens menores,
mas a venda é mais
garantida, pois é impressa
a quantidade exata para
atender a procura. Se uma
edição esgota, é lançada
a segunda edição e assim
por diante. Alguns Tankoubons chegam
a ter mais de trinta edições, dependendo
da fama da série e sua procura pelos
fãs. É neste sistema muito inteligente
de vender literalmente a preço de custo
suas séries de mangá ao público, visando
lucrar a médio prazo com a compilação
de dois meses de publicação, que as
editoras japonesas faturam seus bilhões.

Mangás Para Todos Os


Gostos (e Públicos!)
A venda de mangás é tão
gigantesca, que as revistas se tornaram
segmentadas por idade como em
nenhuma outra parte do mundo:

- Kodomo Mangá – para


Nas duas fotos acima, vemos típicas salas de aula japonesas, Crianças até 12 anos
onde milhões de estudantes passam em média 8 horas de
estudo diário.
- Shoujo Mangá – para
Nas fotos abaixo, uma cena comum em qualquer trem do Japão:
pessoas lendo mangás tranquilamente enquanto vão ou voltam garotas (de 13 a 17 anos)
do serviço/escola.

- Shounen Mangá – para


rapazes (de 13 a 17 anos)

- Seinen Mangá – para


homens (de 18 a 30 anos)
- Josei Mangá – para - Magical Girl – Garotas
mulheres (de 18 a 30 anos) Mágicas (revistas Shoujo,
mas há excessões)
Todas estas categorias têm
publicações próprias, onde - Mecha – Robôs ou
surgem várias subdivisões qualquer aparato mecânico/
de categorias, baseadas de ficção científica (em
na temática da história: revistas Shounen)

- Yuri – romance - Magical Girlfriend


entre garotas (publicadas – Namorada Mágica, uma
em revistas Shoujo) garota extraterrestre ou de
um mundo mágico que, de
- Yaoi – romance entre alguma forma, vem parar
rapazes (por mais que na Terra e se apaixona
pareça estranho, publicadas por algum garoto-padrão
em revistas Shoujo) (dependendo do enredo,
pode ser tanto em revistas
- Harém – um rapaz com Shoujo como Shounen)
várias garotas apaixonadas
por ele (obviamente, Há diversas outras
publicadas em revistas subcategorias como Guerra,
Shounen, mas há algumas Erótico, Ficção Científica etc.
histórias inversas de uma Mas creio que conseguimos
garota disputadas por vários deixar claras a diversidade
rapazes, estas publicadas e compartimentação do
em revistas Shoujo) mercado de mangás no Japão.
Por que os Olhos Grandes? grandes olhos eram famosas e foram
O que todos notam quando veem imitadas por muitos desenhistas de sua
um mangá pela primeira vez são os olhos época, e com o passar dos anos, tornou-se a
exageradamente grandes dos personagens. marca registrada do mangá japonês. Por isso
Este detalhe peculiar e notável dos mangás ele é considerado um precursor do mangá
surgiu na década de 1930 graças a Jun- moderno e criador de sua particularidade
ichi Nakahara (1913-1988), um artista mais icônica. O irônico é que, apesar de quase
de destaque bem conhecido por suas todos os desenhistas de mangá adotarem
ilustrações, desenhos de moda, decoração os olhos grandes e brilhantes criados por
de interiores e confecção de bonecas. Ele Jun-ichi, ele mesmo nunca desenhou um
foi convidado como designer de vestidos e mangá sequer, pois foi um estilista de moda
ilustrador de moda, onde desenvolveu seu que trabalhou desenhando ilustrações de
estilo de desenho até que, no começo dos capa para revistas de mangá. Em 1946
anos 1930, ele começou a ilustrar revistas de ele lançou a sua própria revista de moda,
Shoujo mangá, produzindo a arte da capa de a Soleil, que foi publicada até 1960. Em
diversas edições da “Shojo no Tomo” (Amiga 1947 ele lançou outra revista – a Himawari
das Garotas) até o final dos anos 1930. (Girassol), que durou de 1947 até 1952.
Suas ilustrações líricas de jovens com A loja Soleil, entre os bairros de Shibuya e
Roppongi em Tóquio, continua a vender
cópias de suas ilustrações, e exibe alguns de
seus trabalhos como estilista de roupas.

Imagens à esquerda: ilustrações de Jun-ichi Nakahara (1913-1983) para a revista Shoujo


no Tomo no começo da década de 1930. Imagens à direita: ilustrações de Santou Kyouden
(1761-1816), precursor do mangá que escreveu e ilustrou os próprios livros.
História, Origens e romances, relatos do quotidiano e textos
Significado da Palavra históricos ricamente ilustrados – o
O mangá como conhecemos hoje precursor direto dos quadrinhos.
em dia surgiu no começo dos anos A palavra “mangá” vem da união de dois
1950, mas suas raízes são muito mais kanjis (ideogramas) que juntos significam
antigas. Fortemente influenciada pela “desenhos extravagantes” ou “desenhos
China antiga, o Japão adquiriu dela não irresponsáveis” (o “irresponsável” aqui
somente a escrita, literatura, tecnologias deve ser aplicado no sentido divertido da
de agricultura, manufatura de metais e sua palavra), e começou a ser usada no final
forma de governo. Pintores e desenhistas do século 18, para definir publicações
também foram influenciados pelo estilo de autores como Santou Kyouden – um
clássico chinês, e em pergaminhos com famoso escritor e ilustrador de publicações
mais de mil anos já são encontrados chamadas Sharebon (romance em geral
de humor, mas que retratava fielmente
os costumes e a etiqueta do período
Edo). Sua forma de narração aliada aos
seus desenhos foi o primeiro passo na
direção de quadrinhos ilustrados.
No século 19 surgiram outras formas
de expressão texto-desenho, como o
Hokusai Mangá – uma compilação das

Ao lado: várias revistas de mangá


publicadas entre 1874 até 1914.

Páginas da série de livros Hokusai Mangá.


ilustrações do artista Katsushika Hokusai, os balões para fala de personagens,
num total de 15 volumes. Note-se que a influenciado pelos quadrinhos ocidentais.
palavra “mangá” neste caso ainda se refere a Muitos mangás desta época eram
“desenhos extravagantes”. Apenas no final focados em histórias nacionalistas,
do século 19, quando o ilustrador Rakuten refletindo a sociedade japonesa da
Kitazawa começou a desenhar tiras de época e a política de expansionismo
cunho humorístico em quadrinhos similares militar do governo japonês, mas havia
ao que temos nas tiras de jornal atuais, também espaço para outras formas de
é que a palavra “mangá” passou a definir publicações sobre a vida quotidiana.
as histórias em quadrinhos japonesas.
A primeira revista de mangá publicada
no Japão foi Eshibun Nipponchi de 1874,
da autoria de Kanagaki Robun e Kawanabe
Kyosai, mas não foi muito popular e teve
apenas três edições. Em 1875 surgiu
a Kisho Shimbun, de maior sucesso e
que foi seguida por outras publicações
como Marumaru Shimbun em 1877 e
Garakuta Chinpo, em 1879. A primeira
revista a usar o termo Shounen foi a
Shounen Sekai lançada em 1895 e focada
na guerra sino-japonesa. Esta revista
teve um tremendo sucesso, estimulando
o lançamento de outras publicações.

1900 a 1941
Neste período, o mangá adquiriu
sua forma definitiva, incorporando
Em 1905 é lançada a Shonen Pakku, a japonês proibiu a publicação de revistas
primeira revista de mangá para crianças, em geral, desviando todo o papel para o
uma concorrente da Shounen Sekai (Mundo esforço de guerra. A partir desta época,
Jovem) e em 1906 surge a Shoujo Sekai com a entrada do Japão na Segunda
(Mundo das Garotas), a primeira revista Guerra Mundial e seu lento caminho até
de mangá para o público feminino. Em a derrota em 1945, o mercado de mangá
1924 surge a Kodomo Pakku. Em 1935 ficou parado pela falta de matéria-prima
surge a Mangá no Kuni (o País do Mangá), (papel e tinta), a ida de muitos artistas
explorando a segunda guerra sino-japonesa, para o front e a destruição das indústrias
durando até 1941, ano em que o governo e gráficas japonesas pelos pesados
bombardeios norte-americanos nos últimos
meses da guerra. Mesmo derrotado e
literalmente bombardeado até quase a era
das cavernas, o Japão não demoraria muito
para retomar a publicação de mangás.

1946 a 1970
Durante a ocupação militar no pós-
guerra (1945-1952), e sem muitos mangás
para ler, a opção dos japoneses eram os
comics que vinham na bagagem dos
soldados ianques. Por isso, quando a década
de 1950 começou, os mangás estavam
influenciados pelo estilo norte-americano.
Era o surgimento do mangá moderno, com
a linguagem e o estilo que conhecemos
atualmente, que teve uma fantástica explosão

Após a Segunda Guerra, Osamu Tezuka se tornou o principal autor


de mangá do Japão com seus personagens e séries humanistas.
de criatividade de 1952 a 1960, liderados peso em julho de 1968: a Shounen Jump, que
entre outros por Osamu Tezuka, o criador atualmente lidera o mercado em numero
de Jungle Taitei (Kimba, 1950), Tetsuwan de venda de exemplares com 2.800.000
Atomu (Astro Boy, 1952) e Ribon no Kishi – isso mesmo: dois milhões e oitocentos mil
(A Princesa e o Cavaleiro, 1953), entre exemplares semanais, fazendo as duas revistas
centenas de outros personagens. Tal foi sua veteranas comerem poeira (Magazine
criatividade e sua influencia, que após sua vende 1.800.000/semana e Sunday
morte recebeu o título de Mangá no Kami- “modestos” 900.000/semana). De fato, os
sama (O deus do Mangá). Mas houve outros jovens japoneses gostam de ler mangá.
artistas desta época que também tiveram
sua fatia no desenvolvimento do mangá O começo da década de 1960 traria as
moderno: Machiko Hasegawa (Sazae-san, que primeiras animações para TV produzidas
foi publicado no jornal Asahi Shimbum por no Japão, que receberam o nome de Anime
quase 30 anos ) com seu estilo de narrativa (variação da palavra “Animation”), mas o
com 4 quadrinhos na vertical, chamados
de Yonkoma (mangá de quatro quadrinhos),
e Mitsuteru Yokoyama, criador de Tetsujin
28 Go ou Iron Man 28 e Giant Robot – os
primeiros robôs gigantes dos mangás.
O final da década de 1950 veria o
surgimento de duas das mais tradicionais
revistas de mangá para garotos: a Shounen
Sunday e Shounen Magajin (do inglês
“magazine”) – ambas lançadas no mesmo
dia: 17 de março de 1959! Elas continuam
sendo lançadas semanalmente até hoje,
disputando ferrenhamente a preferência dos
leitores. Mas ambas ganhariam um rival de
Ao lado: capas das primeiras edições da
Shounen Sunday e Shounen Magazine –
ambas lançadas no mesmo dia!
Abaixo: Giant Robot,
um dos primeiros
robôs gigantes
dos mangás e
animes.
foco aqui é o mangá, e por isso não falaremos robô gigante pilotado (1972), além de suas
do desenvolvimento dos animes que controvertidas séries Cutie Honey (1973)
tomariam um espaço igual ao deste texto. e Devilman (1973). Apesar de terem
Mas vale dizer que desde seu surgimento, durado poucos anos, elas polemizaram
os animes foram e continuam sendo uma muito em sua época, pois Go Nagai ousou
extensão dos mangás – ou melhor, uma desenhar personagens totalmente nus em
versão em movimento dos mangás, pois seus mangás, o que gerou muito protesto
as maiorias das séries são adaptações de dos moralistas de plantão. Mas além do
mangás de sucesso. Estas versões animadas polêmico Go Nagai, surgiu em 1969 um
são tão fiéis, que copiam não só a história grupo de garotas que revolucionariam os
e os diálogos, como também a maioria dos mangás femininos na década seguinte: as
ângulos das cenas. Essa fórmula é seguida Magnificent 24s, por terem, em sua maioria,
fielmente até hoje, desde os mangás de 24 anos em 1973, quando conseguiram
maior sucesso que se tornaram os primeiros notoriedade por seus mangás ousados e
animes para TV, como Tetsuwan Atomu inovadores. Entre estas artistas que criariam
ou Tetsujin 28 Go (ambos de 1963). o estilo definitivo que seria a marca dos
Shoujo Mangás estavam Ryoko Ikeda com
1970 em Diante seus legendários Orpheus no Mado (A Janela
Além do início da exploração de mangás de Orpheus, 1975) e Versailles no Bara (A
de sucesso para animes, a década de 1960 Rosa de Versailles, 1979), Hagio Moto com
trouxe uma nova geração de jovens artistas seu clássico de ficção científica Juichinin
que eram adolescentes ou crianças quando Iru (Eles eram Onze, 1975), Yumiko Oshina
Tezuka começou a publicar Atomu em e seu The Star of Cottonland (1978), Keiko
1952. Desta nova geração se destacam Takemiya e seu épico espacial Tera E (Para
Go Nagai com Mazinger Z – o primeiro a Terra, 1977), e a “caçula” Ryoko Yamagishi

Ryoko Ikeda e Lady Oscar, sua O violento Devilman, criado por Go Nagai.
personagem mais famosa, do
mangá A Rosa de Versailes.
com o premiado Hi Izuru Tokoro no Tenshi mudanças básicas em sua forma de
(Imperador da Terra do Sol Nascente, publicação. Mudam os autores e alguns
1980). Com seus trabalhos, essas garotas detalhes nos estilos de desenho e roteiro,
talentosas mudaram totalmente os rumos mas o – digamos – “princípio ativo” continua
do mangá feminino, impondo um novo imutável. As únicas mudanças expressivas nos
estilo de desenho com olhos ainda maiores e últimos 15 anos foram o aumento de cenas
mais brilhantes que os criados por Jun-ichi, sensuais e eróticas tanto nos mangás shoujo e
aliados a uma narrativa poética e delicada, shounen, como um refinamento nos cenários
mais uma total liberdade na disposição dos e itens mecânicos em séries de FC. No mais,
quadrinhos dentro de uma página, como se as sequências de luta dos mangás nos anos
fossem quadros clássicos, cheios de detalhes. 1970 em diante se tornaram cada vez mais...
Sobre as revistas de Shoujo mangá,
alguma delas são mais antigas que as suas
equivalentes Shounen. As três maiores
atualmente, todas de publicação semanal
são: Ciao (990.000 exemplares, lançada
em 1977), Nakayoshi (400.000 exemplares,
lançada em 1954) e Ribon (380.000
exemplares, lançada em 1955). Mas no
total, existem cerca de quarenta revistas
Shoujo de periodicidade semanal, quinzenal
ou mensal nas livrarias japonesas. Devido
a esta saturação do mercado, as vendas
ficam mais baixas que as suas equivalentes
Shounen, mesmo tendo uma quantidade
similar de publicações. Isso se explica pelo
fato de o público masculino consumir
muito mais mangás que o feminino.
No geral, desde o começo da década
de 1980, os mangás não tiveram muitas
Ao lado: Ilustração do mangá Hi Izuru Tokoro no Tenshi (1980).
Abaixo: três revistas populares de shoujo mangá: Ciao, Nakayoshi e Ribon.
realistas, chamemos assim. Mas no Ocidente
elas ainda são consideradas “violentas demais
para crianças”. E sim, elas realmente são
violentas para crianças de 11 anos ou menos.
Mas todos se esquecem que no Japão tais
sequências de luta são publicadas em revistas
para adolescentes! Aqui no Brasil, não existe
este controle por idade, simplesmente porque
se convencionou que “quadrinhos são para
crianças”. Assim, mangás destinados para
leitores acima de 13 anos são classificados
e vendidos como se fossem para crianças
menores de 11 anos, que acabam tendo
acesso a revistas que não deveriam por
causa da pouca idade e pela incapacidade
de diferenciar a realidade da fantasia!
Enfim, o mercado de mangá, juntamente
com seus desdobramentos em animes e
videogames, está em mais de 100 países ao
redor do globo – uma prova da eficiência
e qualidade dos desenhistas e de
suas histórias. Só há que lamentar
a falta de desenvolvimento, pois
há mais de 30 anos se segue a
mesma fórmula. Será que teremos
algum dia nos mangás uma
nova explosão de criatividade
como a que aconteceu nos
dez primeiros anos após a
Segunda Guerra? Só o futuro
responderá esta pergunta.
Os Olhos Grandes
do Mangá

Todos conhecem a marca registrada


das histórias em quadrinhos japonesas, Mitos sobre Olhos
chamadas “mangás”: os personagens têm Em meus vinte anos como editor/
sempre olhos grandes. Mas poucos sabem redator de revistas/matérias sobre mangás/
como ficaram assim, cheios de olhões, animes, e quarenta e cinco anos como
e acabam inventando as mais absurdas fã (desde 1968), li e ouvi as teorias e
teorias. Para acabar com estes achismo comentários mais absurdos possíveis sobre
e esclarecer o público eos fãs em geral, o porquê de os desenhos dos quadrinhos e
esta matéria a seguir conta as origens e desenhos animados japoneses – chamados
os responsáveis pelo desenvolvimento entre os fãs de “mangá” e “anime” - serem
dos olhos grandes dos mangás. desenhados com “aqueles absurdos olhos
grandes” (comentário de uma colega de
classe no colegial). Cito alguns deles para
que você, leitor, veja o quanto as pessoas
gostam de “teorizar” sobre um assunto
quando nem sequer o conhecem ou
entendem: “Os japoneses desenham com
olhos grandes porque têm INVEJA dos
olhos dos ocidentais”; “Japoneses têm
COMPLEXO DE INFERIORIDADE
por terem olhos pequenos, então por
isso desenham olhos grandes”; e a
pérola máxima até hoje não superada –
“personagens de mangá são FALSOS
porque os autores desenham eles com
olhos grandes, coisa que os japoneses não
têm!” Acreditem, estas frases são verídicas
e mostram o quão mal informadas e
preconceituosas são as pessoas comuns. É
por isso que uma matéria esclarecendo a
origem e a evolução dos “olhos grandes”
se faz necessária – não apenas para as
pessoas comuns, mas também para os
fãs mais jovens, que começaram a curtir
mangá/anime a partir de Bleach/Naruto/
CLAMP e nem se importaram em saber
das origens daquele que é o detalhe mais
marcante e conhecido dos mangás/animes.

Do Proto-mangá à
Segunda Guerra
Como qualquer outra criação da mente
humana, o mangá não surgiu num passe
de mágica, prontinho e com personagens
cheios de olhos grandes e brilhantes. O
mangá “comercial” que compramos na
banca da esquina e lemos confortavelmente
em nossas casas, já traduzidos para o
português, é o resultado de quase mil anos
no aprimoramento da arte de desenhar,
escrever e criar estórias. Centenas de ideias
e invenções humanas colaboraram direta e
indiretamente na evolução lenta e gradativa
do mangá – e a maioria das pessoas que
participaram do processo viveu e morreu
sem imaginar o que ajudou a criar. O
mangá não tem um criador supremo – usados para proteger o pergaminho quando
centenas de desenhistas conhecidos ou enrolado. Um rolo de madeira está ligado
não ajudaram em seu desenvolvimento. na extremidade esquerda e forma um
O que podemos chamar de “proto- eixo para ajudar a abrir o pergaminho.
mangá” são os emakimono – pergaminhos Os primeiros emakimono, com sua
com ilustrações intercalando textos, forma narrativa mesclando imagem e
contando uma história à medida que texto, nada mais eram do que simples
eram desenrolados. Um Pergaminho cópias traduzidas dos pergaminhos de
de Rolagem chinês ou um Emakimono rolagem chineses, que os faziam pelo menos
tem mais ou menos o mesmo formato: desde o Período das Primaveras e Outonos
de 20 a 30 centímetros de largura por 9 (770 AC até 481 AC), ou seja, mais de
a 12 metros de comprimento. Ele pode mil anos antes dos japoneses. A China
ser desenrolado à medida que se lê ou já criava pergaminhos de rolagem com
totalmente, dependendo do tamanho e ilustrações e textos pelo menos desde o
do seu conteúdo. No caso de um texto, período da Dinastia Han Oriental (25 até
desenrola-se aos poucos, assim como 220 DC), como prova o Pergaminho das
num texto com imagens. Quando Admoestações da Instrutora do Tribunal
se trata de uma grande ilustração no de Justiça (Nsh Zhēntú), pintado para
pergaminho, ele é aberto totalmente. ilustrar um texto poético escrito em 292
Há um suporte de seda protetora e DC, por Zhang Hua. O poema narra como
decorativa com um pequeno etiqueta- a Imperatriz Jia repreendia e dava conselhos
título sobre ele. Na extremidade direita para as mulheres da Corte Imperial.
há uma madeira que serve como suporte. Considera-se o emakimono um alicerce
Um cordão de seda e um prendedor são para o mangá por ser a primeira forma de

À esquerda: ilustração do emakimono (pergaminho com


ilustrações) “Genji Monogatari”, datado de 1650.
À direita: Ukiyo-e (xilogravura) do século 18.
Apesar dos séculos que
os separam, os Ukyo-e e
as ilustrações de mangás/
animes ainda mantêm
muitas similaridades nos
traços, poses e cores.

narrativa a unir texto e imagem no Japão. O


emakimono mais antigo com esta forma de
narração é um trecho do Genji Monogatari
(a História de Genji), o primeiro romance
japonês escrito por Murasaki Shikibu em
1.120 DC, narrando a vida e os amores
do Príncipe Genji. Sua importância está
em ser o primeiro emakimono com um
texto genuinamente japonês, e não uma de um ponto de tinta branca para simular
simples cópia traduzida do chinês. brilho ou sobrancelhas expressivas. Os
Por séculos os emakimono foram a ilustradores de emakimono já valorizavam
única forma de literatura ilustrada, acessíveis os olhos como forma de expressão, mas
apenas aos nobres e ricos, sendo feitas à ainda faltava muito para aqueles olhos
mão e por isso, caríssimos. Os artesãos que vemos em mangás femininos como
que criavam estes pergaminhos – por Sailor Moon, tão cheios de brilho que
vezes demorando anos para fazer apenas parecem uma constelação de estrelas,
um emakimono, com muitos metros mas o rumo já estava traçado.
de comprimento – eram desenhistas de No começo do período Edo (1603
talento que lançaram as bases do desenho até 1868) surgem os Ukiyo-e. Em geral
de mangá: poses dramáticas simulando usando folhas de papel grandes, continham
movimento, cenários elaborados, empenho uma ilustração e um breve texto descritivo,
nos pequenos detalhes, cores suaves e o em geral abordando momentos de peças
que nos interessa nesta matéria: olhos teatrais, cenas de contos populares ou
destacados e bem “vivos”, sejam pelo uso enalteciam guerreiros famosos. Um
Como é feito um Ukyo-e: cola-se o desenho na madeira e
depois se esculpe em relevo até ter um “carimbo”. Cores
são pintadas a mão ou aplicadas usando carimbos de
ukyo-e – um para cada cor.

Ukiyo-e (“Retratos do Mundo Flutuante”, fama dentro e fora do Japão até hoje. Mas
numa tradução aproximada) é a forma sua colaboração ao mangá foi uma série
japonesa da xilogravura – ilustrações de livros chamada Hokusai Mangá – uma
desenhadas em uma folha transparente coleção de desenhos e esboços de vários
e depois aplicadas em ripas de madeira assuntos como paisagens, flora e fauna,
dura que em seguida são “esculpidas” em vida cotidiana e criaturas sobrenaturais.
relevo poupando os traços do desenho. O “mangá” do título não se refere as
Uma vez pronta, se passa tinta apenas na histórias em quadrinhos que conhecemos
parte em relevo, sendo pressionada em atualmente, mas ao sentido caricato e
uma folha como se fosse um carimbo divertido dos desenhos. Foram publicados
gigante. Os retoques, correções e colorido 15 volumes a partir de 1814 até 1834,
são aplicados à mão após a secagem. Este com milhares de ilustrações e esboços. Os
método permite a reprodução exata de um
mesmo desenho centenas de vezes, e por
isso mesmo a preço bem mais baixo que
um emakimono totalmente feito a mão.
Por serem feitos em série, eram
mais baratos e podiam ser adquiridos
por comerciantes e pessoas da “classe
média”, ajudando na difusão deste
tipo de arte. Os desenhos dos ukiyo-e
eram tão bem trabalhados quanto nos
emakimono, e alguns artistas davam
muito destaque aos olhos, mas utilizando
os mesmos artifícios dos atores da época:
“maquiando” sobrancelhas e pálpebras.
Os primeiros mangás com este nome
foram criados por Katsushika Hokusai
(1760-1849) um dos maiores artistas de
ukiyo-e, ilustrador e gravurista no final do
Período Edo. Sua obra mais conhecida é a
série em ukiyo-e “Trinta e Seis Vistas do
Monte Fuji” (1830 a 1833), que lhe deu
Páginas da série Hokusai Mangá, feitas por Katsushika Hokusai, que
usou pela primeira vez a palavra “mangá” associada a desenhos.
três últimos volumes foram publicados desenho/narrativa, visando agradar a
postumamente, dois deles montados por seus leitores, já que cada uma tinha
seu editor a partir de material inédito. O público-alvo diferente. Nos mangás
volume final tem desenhos publicados para rapazes predominavam estórias de
anteriormente e mais alguns que não foram guerra, aventura e heroísmo, cores fortes
feitos por Hokusai. Mas a palavra mangá, e desenhos mais “realistas”. Nas revistas
daí por diante, ficou definitivamente ligada de mangá feminino, estórias de romance
aos desenhos. Tais livros pareciam mais e fantasia, com desenhos mais delicados,
emakimonos na forma de livros ocidentais, cores suaves e olhos mais elaborados
mas a palavra “pegou” para definir para dar ênfase nas expressões faciais.
narrativas ilustradas, e com o surgimento Os Shoujo Mangá (mangás para
das primeiras revistas em quadrinhos na garotas) têm até hoje olhos enormes. Mas
Europa por volta de 1860/70, publicações há outra característica que os diferem dos
similares surgiram no Japão de 1874 em Shounen Mangá (mangás para rapazes):
diante se autodenominando “mangás”. os corpos dos personagens são em geral
Por volta de 1900 já havia várias mais esguios ou se preferir, “esticados”,
revistas de mangá para rapazes, moças e sempre fazendo movimentos suaves e
crianças – separadinhas por sexo e idade, delicados. Esse diferencial físico e de
exatamente como são publicadas até hoje. linguagem visual vem das raízes do Shoujo
Com o surgimento de várias as
publicações e a criação de um mercado
consumista, as revistas de mangá
desenvolveram formas particulares de

Ilustrações de capa da Shoujo no Tomo feitas por


Jun-ichi Nakahara durante a década de 1930.
Duas ilustrações em art déco de 1920. Dá para ver o quanto
Mangá moderno, criado pelo desenhista estas ilustrações influenciaram no estilo de Nakahara!
Nakahara Jun-ichi (1913-1983). Na
década 1930, suas ilustrações de moças
com olhos grandes e corpos esguios
eram muito famosas, sendo possível ver
a influência da art déco em seu trabalho
(onde o que não falta são corpos esguios).
Durante a década de 1930 com a invasão
da Machúria pelo Japão e os constantes
“incidentes” com a China que culminaram
na segunda guerra sino-japonesa de 1937
em diante, Nakahara insistia em passar com
suas ilustrações leves e graciosas uma
mensagem positiva para as jovens. O
governo militarista japonês não gostou
disso e proibiu seu trabalho,
chamando-o de “doentio”.
Mas Jun-ichi seria
vingado quando
este mesmo
governo perdeu
a guerra e foi
dissolvido para
sempre, e ele estava
livre para voltar a
desenhar. Em
1946, criou a sua própria revista fazendo tudo
praticamente sozinho, chamada
de Soleil. Em 1947 lançou a revista
Himawari (Girassol), seguido
de Onna no Heya (O Quarto
da Mulher), todas dedicadas
às mulheres. Seu estilo de
desenho e principalmente de
desenhar olhos influenciou
vários outros artistas que
também fizeram fama
como desenhistas de
mangá feminino: Makoto
Takahashi (1934-ainda
Acima: da esquerda para a
direita: duas ilustrações de
Matsomoto katsuji da década de
1930, que foi influenciado pelos
“olhos grandes” de Nakahara, e
Makoto Takahashi, que criou os
maiores e mais brilhantes olhos
do shoujo mangá!
desenhando), Katsuji Matsomoto (1904- nos olhos dos personagens de mangá
1986) e o estilista de moda Jun Ashida criados por Jun-ichi, que já estavam bem
(1930), discípulo direto de Nakahara e próximos ao que temos atualmente. Esta
ainda vivo. Por toda influência que realizou evolução, no entanto, encontrou um fim
com seu trabalho, Nakahara é considerado repentino em 1941 quando os mangás
um dos principais precursores do Shoujo foram proibidos por ordem do governo.
Mangá e “pai” dos olhos grandes. Todo o papel e tinta deveriam ser usados
Mas havia também forte influência no esforço de guerra. E até 1946, os
estrangeira, além da art déco europeia: mangás no Japão ficaram parados.
os comics e desenhos animados norte-
americanos. Basta ver a primeira versão do Os Olhos Grandes
Mickey (1928), Minnie (1928), Popeye Ficam Maiores!
(1929) e Betty Boop (1930) – todos possuem Após a derrota na Segunda Guerra,
olhos bem grandes. Mas aqui, vale lembrar apesar de cidades inteiras destruídas e a
que Jun-ichi começou a fazer ilustrações maioria do seu parque industrial arrasado
para revistas de Shoujo mangá alguns anos pelos bombardeiros, lentamente o Japão
depois da primeira publicação do ratinho voltou a publicar mangás. Não havia
de Walt Disney, portanto, a influência é mais um controle férreo do governo
relativa. E um dos mangás mais populares e nem censura, então, as editoras e
no Japão da década de 1930, o cão Norakuro os desenhistas de mangá puderam se
(1931), era desenhado num estilo totalmente desenvolver livremente. Surge uma
ocidental – quase uma cópia do Mickey – nova geração de artistas, mas apenas
incluindo os olhos grandes com “brilho”.
É nesta época que se começa a evolução
um recebeu postumamente o título
de “Deus do Mangá” por sua grande
produção, criatividade e variedade
de histórias: Osamu Tezuka (1928-
1989). Com seu estilo influenciado
diretamente por Disney, de qual sexo
ou idade sempre se declarou fã, Tezuka
é considerado o responsável pelas
características atuais do mangá moderno:
traço limpo, enquadramentos e cenas
cinematográficas, linhas de movimento
e histórias emotivas e humanistas.
Osamu Tezuka não é, como alguns
dizem, o “inventor” do mangá. Mas é
com certeza o artista que revigorou e
popularizou esta forma de quadrinho
no Japão após a Segunda Grande
Guerra. Sua obra total chega a mais
de 700 volumes com cerca de 150.000
páginas, porém, menos de 20% dos seus
mangás foram publicados em outros
países. De Buda a Hitler, do Japão
antigo ao futuro distante, suas estórias
foram tão variadas quanto criativas.
Criou milhares de personagens – muito
mais que Disney. Quando pequeno, sua
mãe o levava para concertos e peças no
Teatro de Takarazuka. Seu pai tinha
um projetor de filmes em que exibia
desenhos animados americanos como
Popeye, Betty Boop e Mickey Mouse
(de onde imitou o estilo de desenho
e os olhos grandes). Influenciado por
animações de Max Fleischer e Walt
Disney, assistiu a Bambi mais de 80 vezes!
Sua fama começou em 1947 ao desenhar
a série Shin Takarajima (A Nova Ilha
do Tesouro), produziu a primeira série
animada para TV – Tetsuwan Atomu
(Astro Boy, 1963-1966). A obra de
sua vida é a série Hi no Tori (Fênix),
que ele iniciou em 1954 e continuou
produzindo esporadicamente até o fim da
vida, num total de 12 volumes. Após sua
morte, recebeu o título único de Mangá
no Kami-sama (Deus do Mangá).
Influenciados por seu sucesso e estilo
de desenho, cada novo artista imitava ou
“inspirava-se” em Tezuka, alguns criando
seu próprio “estilo” de olho grande, sendo
que as mulheres desenhistas de mangás
femininos foram as que mais capricharam,
transformando os olhos em gigantescas
bolas de gude cheias de estrelinhas! Desde
a década de 1970 a divisão de estilos se
tornou marcante: os mangás masculinos
usam olhos “menores” (e mesmo assim,
maiores que os desenhados no Ocidente) e
um traço mais realista quanto à anatomia
dos personagens (com exceções: One Piece,
por exemplo!). Mangás femininos têm olhos
realmente grandes e cheios de brilhos, com
uma anatomia menos realista. Tal separação
muito agrada aos leitores de ambos os sexos,
apesar de que no resto do mundo os fãs não
japoneses raramente notam ou se importam
para quem seu mangá favorito foi criado.
E mesmo com os maiores olhos de
qualquer quadrinho, os personagens
dos mangás continuaram bonitos de
se ver. Os japoneses, após mil anos de
refinamento em desenho, conseguiram
um feito único: rostos mais alienígenas
que humanos, sem parecerem grotescos
ou deformados. Em nenhum outro
lugar do mundo isso se repetiu.
Olhos Para Todos os Gostos
Várias vezes ouvi de pessoas que viam
desenhos japoneses pela primeira vez o
seguinte comentário: “todos são iguais por
causa destes olhos grandes”. Um comentário
de leigos, pois nunca os olhos desenhados
por um mangaká (desenhista de mangá) são
iguais ao de outro mangaká. Mais do que no
traço, arte-final ou roteiro, é nos olhos dos
personagens que está muito do estilo de um
desenhista. Caso duvide desta afirmação,
compare os olhos de Sailor Moon com
os de Seiya ou Naruto. Até mesmo um
amador que nada entende de desenho
verá a diferença. Assim como existem
milhares de mangakás no Japão, há milhares
de olhos diferentes: grandes, pequenos,
quadrados, redondos, realistas, exóticos...
é um catálogo sem fim e cresce mais todo
ano, conforme novos mangakás surgem.

Então, se Desenho
Olhos Grandes, já
Desenho Mangá?
A resposta para esta pergunta é NÃO!
O mangá é muito mais do que apenas olhos
grandes. Há todo um conjunto de técnicas
e detalhes que precisam ser dominados
como enquadramentos de cena, linhas de
movimento, narrativa cinematográfica,
onomatopeias, arte-final, sombreamento
e aplicação de retícula (os “tons cinza”
que dão volume ao desenho). Quando se
domina o conjunto destas técnicas é que
se pode falar com relativa segurança que se
desenha parecido com mangá. E mesmo
assim, mangá é o nome para as histórias em
quadrinhos desenhadas no Japão, não o nome
de um estilo de desenho. Portanto, mesmo
que você desenhe uma história com
todos os quesitos requeridos à perfeição,
ainda não será tecnicamente considerado
um mangá, porque não foi desenhado
no Japão. Mas debate-se ultimamente o
surgimento de um estilo chamado “mangá
Arthur Garcia, um dos desenhistas brasileiros que foi influenciado diretamente pelos mangás.
brasileiro”, onde se enquadram todos os de desenho e modo de desenhar os “olhos
desenhos feitos por brasileiros, imitando o grandes”, e então pratique um pouco mais.
mangá japonês. Uma discussão que ainda Depois de tudo isso, num processo de vários
está longe de terminar. Por hora, o mais anos (e não meses como alguns pensam)
importante é que os desenhistas brasileiros de muita prática, você sem perceber terá se
aprendam a desenhar bem e absorver tudo tornado um desenhista. Achou que seria
que o mangá tem de bom a oferecer. fácil e rápido? Nada disso, caro leitor! Como
Mas para ser um bom desenhista de tudo o mais na vida, ser um bom desenhista
mangá é preciso estudar muito e praticar exige treino, muito treino, com doses
bastante (entenda-se, desenhar todo dia). fortes de determinação, força de vontade
Depois, praticar mais ainda. Pesquise e paciência. Todo esforço é recompensado,
referências e pratique mais (copiar desenhos quando não se desiste do objetivo.
de um mangaká que se gosta não é pecado Mas se você não quer ser um mangaká
e é até recomendável – desde que não profissional, mas apenas desenhar por
vire vício). Aprenda na prática a técnica hobby ou só ler como passatempo,
e os conceitos enquanto desenha mais. então dispense estes conselhos.
Desenvolva no processo seu próprio estilo Escolha seu caminho e seja feliz!
Nem tudo é
Olho Grande
Acha que todos os mangás têm
olhos grandes? Nada disso! Há exceções
característica tão forte e marcante que
se destaca na primeira olhada, como as
à regra, e em alguns casos, nem há histórias em quadrinhos do Japão. Mas o
como diferenciar um mangá sem mangá é muito mais que olhos grandes,
olhos grandes de um quadrinho norte- pois outras características são: traços
americano ou europeu. Conheça a seguir limpos, riqueza de detalhes em cenários
alguns dos desenhistas japoneses que não e maquinaria, uso constante de linhas de
se deixaram seduzir pelos olhos grandes! fundo para simular movimento, ângulos
cinematográficos e closes dramáticos
Marca Registrada fazem parte desta técnica. Atualmente,
Para a maioria das pessoas, identificar vários países orientais imitam o estilo
um mangá (literalmente “quadrinhos
irresponsáveis” – no sentido divertido da
palavra), como são chamadas as histórias
em quadrinhos publicadas no Japão, é
fácil: se os personagens tiverem olhos
grandes e brilhantes – bingo – mangá
na certa! Este detalhe no rosto dos
personagens de quadrinhos e desenhos
animados japoneses se tornou uma marca
registrada reconhecida mundialmente, e
conquistou uma legião de fãs em todo o
mundo. Nenhum outro país possui uma
mangá, criando suas próprias versões há mais de 70 anos, as histórias nos
como o Manhwa da Coreia e o Manhua mangás em algum momento terminam,
da China. Mas por que o mangá faz sendo substituídos por uma nova série
tanto sucesso? assim que a anterior perde o interesse
do público. Graças a esta constante
Como não é este o objetivo desta renovação, o mangá está sempre
matéria, segue uma explicação rápida: atualizado com os gostos do público
o mangá é produzido no Japão para leitor.
públicos direcionados por sexo e idade,
com o grau de “realismo” e ”violência” Quanto à origem dos “olhos
aumentando juntamente com a idade grandes” corrigimos uma informação
do leitor. Usando uma linguagem visual passada erroneamente em várias
cinematográfica e histórias emotivas matérias e livros: Osamu Tezuka não é
onde os valores humanos positivos são o criador dos olhos grandes no mangá!
explorados sem apelar para exageros Sem dúvidas ele foi o mais criativo
irreais como vemos, por exemplo, nos e versátil mangaká (desenhista de
desenhos do Pernalonga, o mangá se mangá), a ele devemos a disseminação
torna mais “convincente” e por efeito, do estilo e a criação das primeiras
agrada a seus leitores. E ao contrário séries animadas para TV no Japão com
de personagens como o Superman, seus personagens de olhos enormes.
publicado em constantes “renovações” Sem Tezuka, o mangá não seria o
que é hoje, e ele faz por merecer o Clover” em abril de 1934, considerada
título de “Mangá no Kami-sama” (o precursora do mangá moderno. Ele
Deus dos Mangás). Mas os olhos fazia ilustrações com personagens
grandes já existiam desde a década de de olhos grandes, influenciado como
1920, criados por Jun-ichi Nakahara vários outros mangakás da época pelas
(1913-1983), ilustrador que trabalhou belas personagens de olhos grandes
inicialmente como desenhista de moda presentes nas ilustrações de Jun-
até ser convidado para fazer as capas ichi. Estes e outros desenhistas dos
da revista de mangá feminino “Shoujo anos 1920/30, que seguiram o estilo
no Tomo” (Amiga das Garotas) até o do ilustrador Jun-ichi, são de fato
final dos anos 1930. Apesar de não os primeiros mangakás a desenhar
ter sido um mangaká, as personagens personagens com olhos grandes e
com olhos grandes de Jun-ichi brilhantes.
impressionaram e influenciaram vários
desenhistas, criando assim os olhos
grandes utilizados até hoje. Outro
Mangás Diferentes
Mas se engana quem acha que
grande expoente dos “olhos grandes”
todo mangá é desenhado com olhões,
– e este sim um mangaká – foi Katsuji
pois assim como nem todo brasileiro
Matsumoto (1904-1986), que publicou
joga futebol ou samba, nem todos os
a história de 16 páginas “Nazo no

À esquerda: Golgo 13. De


cima para baixo: Blade of
Immortal e Sanctuary. Ainda
mangás, apesar de não
terem olhos grandes.
mangakás desenham no “tradicional”. de Kamui (em 1993, sobre ninjas),
Como já explicamos acima, os mangás Vagabond (espadachins), Monster
são publicados em revistas para (suspense) e Blade – A Lâmina do
crianças, adolescentes e adultos. A Imortal (espadachins).
maioria esmagadora dos olhos grandes
estão nas revistas para adolescentes, Mas entre as revistas para garotas
seguidas pelas infantis – mas são (chamadas de shoujo mangá) e para
quase nulas nas revistas para público garotos (os shounen mangá)
adulto, quando o nome mangá é há também desenhos que
abandonado e substituído por “gekigá” em nada lembram o estilo
(literalmente, “desenhos dramáticos”) esperado dos quadrinhos
que foi cunhado pelo desenhista/ japoneses. Falando
roteirista Yoshihiro Tatsumi, que claramente, existem nos
desejava um novo termo para definir os Japão algumas centenas
“mangás para adultos” que ele e outros de mangakás que
“mangákas” produziam. No gekigá as não desenham olhos
histórias abordam temas como política, grandes – mas mesmo
ficção científica “realista”, mistérios
e dramas psicológicos. E para este
tipo de história, os olhos grandes
realmente não se encaixam por serem...
fantasiosos demais! Aqui no Brasil,
muitos gekigás já foram publicados:
Golgo 13 (um assassino profissional),
Sanctuary (thriller político), A Lenda
assim, seus trabalhos ainda são mangás!
Porque, independente do estilo de
desenho, mangá é toda e qualquer história
em quadrinho desenhada no Japão –
tenha ou não grandes e brilh- olhos!
Quando um desenhista em outro país
desenha sua história cheia de personagens
com olhões tão grandes e/ou até melhor
que um desenhista japonês, então seu
trabalho não pode ser considerado um
mangá? Sim, é isso mesmo! O motivo
para tal classificação é que o mangá não
é um estilo de desenho, mas um nome
para definir os quadrinhos produzidos
dentro do Japão. É por isso que existe
o Manhwa coreano, o Manha chinês, o
Comics norte-americano e Quadrinhos no
Brasil! Portanto, quando alguém diz que
“desenhou um mangá”, e não é japonês
morando no Japão, está cometendo um
pequeno equívoco! Atualmente se discute
o uso do termo “mangá brasileiro”, mas o
conceito desta ideia surgiu há menos de
dez anos, então ainda vai demorar em se
chegar a um consenso. Por hora, mangás,
só os do Japão!

As Exceções da Regra
A seguir, apresentamos três
mangakás que, definitivamente, não
seguem a “cartilha dos olhos grandes”.
Nós os selecionamos entre quase meia
centena de outros artistas japoneses por
dois motivos: serem desconhecidos no
Brasil e desenharem bem fora do padrão
japonês. Qualquer um deles poderia
publicar tranquilamente na Europa ou
Américas, e ser confundido com um
desenhista de quadrinhos local! Além
dos estilos de desenho incomuns para
um japonês, suas histórias são também
bem diferentes do que esperamos de um
mangá tradicional, como Cavaleiros do
Zodíaco ou Naruto. Mas ainda assim,
são mangakás!
Matsumoto Jiro
Nascido em 1970, publica
profissionalmente desde 1996. Possui
um estilo de desenho bem rabiscado
e muito diferente do que estamos
acostumados a ver nos mangás,
com seus traços limpos e definidos.
O resultado final lembra mais um
rascunho, mas um rascunho muito
bem feito, do ponto de vista visual e
narrativo! Suas histórias não abordam
um único tema, e Jiro já tratou de
quase tudo utilizado no estilo seinen
(mangás para homens adultos): drama,
psicológico, ação, fantasia, ficção
científica, tragédia, aventura e até
mesmo robótica! O ponto comum
em quase todas as suas histórias são
personagens sofridos, angustiados,
traumatizados – por vezes, no limite
da sanidade – e que ganham contornos
bem mais realistas e dramáticos
justamente por causa do desenho que
mais parece um rascunho. Ah, sim, os
“olhos de mangá” ainda estão presentes
em suas personagens femininas – mas
quase desaparecem por conta dos
traços rachurados. Seus trabalhos de
maior relevância são: Alice in Hell
(Alice no Inferno) e Mikai no Hoshi
(Planeta Incivilizado).

Motofumi Kobayashi
Nascido em 1951, este mangaká
veterano desde o início de sua carreira
em 1985, desenha apenas história
militar – para ser mais exato, Segunda
Guerra Mundial – e sempre do ponto
de vista do soldado alemão! Para
nós que conhecemos as atrocidades
nazistas, espanta que existam
quadrinhos onde soldados das temíveis
tropas SS sejam os personagens
principais, mas há explicação para
isso. Os trabalhos de Kobayashi são
publicados em revistas de modelismo
(que tratam principalmente de
miniaturas dos tanques da Segunda
Guerra), onde histórias retratando
combates verídicos, descritos em
detalhes, são de interesse dos leitores.
Seu traço em absolutamente nada
lembra os tradicionais mangás –
está muito mais para um desenhista
europeu do que para um japonês! Mas
como seu alvo é um nicho de público
interessado apenas na Segunda Guerra
e em miniaturas de tanques alemães,
seu traço e estilo de narrativa estão no
lugar certo! Alguns de seus trabalhos
mais conhecidos são Panzer Vor!,
Panzergrenadier, The Blacky Knight
History e as biografias em “mangá”
do Marechal Rommel, Michael
Witmman (comandante de tanque das
SS) e Jochen Peiper (comandante nas
Waffen-SS). Também fez um ótimo
mangá sobre uma hipotética invasão
russa à ilha de Hokkaido em algum
ano da década de 1980 (Battle Over
Hokkaido) e sua continuação em
Tóquio (Tokyo Wars). Seu trabalho
mais conhecido no Ocidente é Cat
Shit One, chamado nos EUA de
Apocalypse Meow, onde bichinhos
fofinhos como coelhos e gatos
antropomórficos tomam o lugar dos
humanos durante a Guerra do Vietnã.

Yukinobu Hoshino
Nascido em 1958, seu traço é tão
“americano”, que poderia facilmente
desenhar uma edição do Homem
de Ferro e ninguém perceberia se
tratar de um mangaká! Desde seu
primeiro trabalho publicado em
1975, ele se dedica a um único
tema: ficção científica! Mas sem as
esperadas batalhas espaciais épicas.
Hoshino leva ficção muito a sério,
e suas histórias sempre tratam de
exploração e desenvolvimento espacial,
de mundos alienígenas exóticos e suas
formas de vida ainda mais exóticas;
das velhas superstições, sonhos,
cobiças e pecados humanos levados
ao espaço. A única coisa que pode
ser identificada nos desenhos que faz
como sendo “mangá”, é o capricho
nos detalhes, seja nas naves espaciais
ou nos mundos alienígenas nascidos
de sua imaginação. Seu estilo de
narrativa lembra muito o do escritor
de ficção científica Arthur C. Clarke
(2001 – Uma Odisseia no Espaço,
A cidade e as Estrelas e Encontro
com Rama entre outras obras). Não
à toa o trabalho mais conhecido de
Hoshino – e um dos melhores mangás
de FC já feitos – se chama 2001
Nights, uma epopeia espacial com
três volumes (700 páginas) narrando
quase 400 anos da evolução das viagens
espaciais até a humanidade alcançar
as estrelas. Outros mangás de sua
autoria são: Kotetsu no Queen (A
Rainha Blindada), Stardust Memories,
Blue City, Munakata Kyoju Denkiko
(Considerado Professor Lendário
Munakata) e uma rara exceção, El
Alamein no Shinden (Templo de El
Alamein), uma coletânea de histórias
com soldados do Afrika Corps alemão,
na Segunda Guerra.

Como você acaba de aprender, há


muitas maneiras de se contar e desenhar
uma história, e só porque não tem
olhos grandes, não significa que deixou
de ser uma mangá! Mas até aí, quanto
japoneses acham que todos os brasileiros
jogam bem futebol, né? Portanto, vamos
deixar estas ideias pré-concebidas de
lado e curtir os mangás por aquilo que
têm de bom e – às vezes – de diferente.
O Mangá
no Brasil
O mangá está há muito mais
tempo no Brasil do que a maioria
das pessoas imagina. Os primeiros
mangás desenhados por brasileiros
foram publicados nos anos 1960, há
mais de 40 anos atrás! Conheça a
seguir quem foram estes pioneiros,
e como conseguiram publicar os
primeiros quadrinhos com personagens
de olhos grandes neste País!

Os Tempos Negros
Como já disse um editor de mangá
numa palestra anos atrás, o mangá não
começou quando você, leitor, nasceu.
Há um longo caminho até chegarmos
aos dias atuais, onde comprar
mangás ficou fácil e barato com
dezenas de títulos disponíveis
confortavelmente em qualquer
banca de esquina. Existiram
tempos negros em que ser fã
de mangás no Brasil era um ato
de coragem. Como não havia títulos
em português, a saída era comprar nas
livrarias da Liberdade que importavam
mangás do Japão. Mas os atendentes
destas livrarias não viam com bons
olhos “gaijins” comprando mangás. Era
preciso persistência (e dinheiro) para muita persistência e a coragem de
comprar um mangá importado, sendo um editor para que os primeiros
tratado pelos lojistas com desprezo e desenhos no estilo mangá desenhados
desconfiança. Mostrar mangás para por brasileiros fossem publicados, e
amigos, parentes e colegas de escola era mesmo assim, trinta anos se passaram
procurar encrenca. Afinal, só “malucos” desde a primeira tentativa até que as
viam aquelas revistas com quadrinhos publicações de mangá ganhassem um
“de trás para frente” e cheios daqueles espaço digno nas bancas e livrarias.
“desenhos estranhos de olhos grandes”. Pesquisar o começo da história do
Desenhar no estilo mangá era mangá no Brasil – seja ele desenhado
considerado quase um sacrilégio! Por aqui ou importado – foi difícil. Não há
total desconhecimento e preconceito, os nenhum livro sobre o assunto, e mesmo
editores mais “esclarecidos” diziam que esse as editoras que os publicaram não se
tipo de desenho “não vendia” no Brasil, importaram em fazer registros precisos.
porque ninguém gostava dele (na verdade, Apesar das dificuldades, conseguimos
os editores é que não gostavam, e reunir de maneira cronológica e
achavam que os leitores pensavam resumida muitas informações que
como eles. Mas nenhum destes agora apresentamos a você. Haverá
profissionais se deu ao trabalho de muitas referências de datas, pessoas
fazer uma pesquisa para confirmar e editoras, portanto, é um texto que
esta opinião). Foi preciso exige atenção. Vamos começar?
Primeiras Décadas A Primeira Geração dos
Os mangás chegaram ao Brasil junto Mangás Nacionais
com primeira leva de colonos japoneses As possibilidades de publicações usando
a partir de 1908. No Japão, desde 1878 o estilo mangá eram virtualmente nulas –
já havia revistas periódicas. Conforme tanto por desconhecimento da existência
os colonos japoneses chegavam ao deste estilo de desenho como desinteresse
Brasil e iam criando núcleos e pequenas comercial dos editores. Foi uma iniciativa
comunidades, surgiram livrarias que isolada que publicou a primeira revista
importavam livros e revistas do Japão, com desenhos no estilo – chamemos assim
em encomendas por navio que chegavam – “mangá brasileiro”. A Editora Edrel,
mensalmente. Entre estas revistas, fundada em 1966 por Salvador Bentivegna,
é claro, vinham também os mangás. Jinki Yamamoto e Minami Keizi, que ficou
Existiram mais de 20 livrarias e sebos responsável pela parte editorial da Edrel,
que vendiam exclusivamente revistas em fins de 1966 lançou a revista “Álbum
japonesas entre as décadas de 1950 e Encantado” com lombada quadrada e capa
1980, só no bairro da Liberdade em São dura com fábulas adaptadas ou escritas pelo
Paulo. Houve também uma “locadora próprio Minami e ilustradas por Fabiano
de mangá” que alugava revistas por 10% Dias. Os desenhos de Osamu Tezuka
do valor de capa por dia. Haviam outras foram a base para os desenhos de Minami e
livrarias nos estados de São Paulo, Santa Fabiano. Foi a primeira publicação nacional a
Catarina e Paraná. Mas a apesar da
grande quantidade de revistas importadas Claudio Seto (1944 –
do Japão, elas ficavam limitadas aos 2008), um dos mais
produtivos desenhistas
japoneses e seus descendentes, sendo da época da Editora
muitos poucos os brasileiros que tinham Edrel. Ao lado,
duas das revistas
acesso ou interesse nestas publicações. desenhadas por
ele: O Samurai
Os mangás, por décadas, ficaram (1968) e O
limitados à colônia japonesa no Brasil. ninja (1967).
ter desenhos de mangá feitos por brasileiros. da Cova; Paulo Fukue fazia Tarun, Super
Com um bom retorno nas vendas, Heros, Pabeyma e estórias avulsas de faroeste
Minami decidiu investir no “mangá e terror. Apesar da forte censura por conta da
nacional”, reunindo em torno de si vários ditadura militar, Minami tomou o cuidado
desenhistas – em sua maioria, nisseis – de não abordar temas políticos, religiosos ou
todos eles tinham em comum gostar e de alguma forma polêmicos. A Edrel estava
serem influenciados pelo mangá: Chuji indo muito bem nas vendas, tendo começado
Seto Takeguma (mais conhecido como negociações para publicar mangás japoneses
Cláudio Seto), os irmãos Paulo I. Fukue e com as devidas adaptações para o sistema
Roberto Fukue, Fernando Ikoma, Lucílio ocidental de leitura. Mas em 1972, por
C. Zawadzki e outros. Inspirando-se nas desentendimentos sobre a linha editorial com
publicações japonesas onde as revistas são Jinki Yamamoto (Salvador Bentivega já havia
divididas por sexo e idade, Minami criou se desligado da empresa), Minami saiu da
duas linhas editoriais: uma para jovens e Edrel. Em seu lugar ficou Paulo Fukue, que
outra para adultos (onde foram feitos os um mês depois de assumir o posto foi preso e
primeiros quadrinhos eróticos do Brasil surrado nas dependências da Polícia Federal
no estilo mangá). Surgia assim a primeira não ter sido cauteloso com o que publicava
geração de desenhistas brasileiros de mangá. como Minami. Após este incidente, Paulo
Para dar conta da produção, Minami Fukue e Jinki saíram da Edrel, que entrou em
organizou três equipes de trabalho que decadência por má administração dos novos
tinham muito para desenhar: Cláudio Seto
tinha proprietários, encerrando suas atividades
era responsável
re pelas revistas O Samurai, em 1975. Por sua iniciativa em publicar as
Flavo Ninja e Maria Erótica; Fernando
Flavo, primeiras revistas com mangás desenhados
Ikoma
Ikom produzia Cibele, a Espiã de Vênus, Satã, no Brasil, Minami Keizi é chamado por
Alma Penada, Fikom, Play Boy e A Turma
a Alm muitos de “o pai do mangá brasileiro”.

Minami
Min ami Ke
Keizi
eizi (1
(1945
945-2009
20 – na fotoo, em exposição dos desenhistas da
Editora Edrel em 1970), mes esmo sob pr press
essão e vigilância constante da
ditadura militar, publicou vár
várias revistas inspiradas nos mangás.
Grafipar, uma Breve Era de influências do mangá, estes eram tentativas
Prata “puras” de seguir o estilo. Super Pinóquio era
Em 1977, em Curitiba, a Editora Grafipar uma “cópia carbono” do Astro Boy de Osamu
lançou a revista Personal, com quadrinhos Tezuka, e Robô Gigante era claramente
eróticos nacionais – alguns deles no estilo inspirado no anime (desenho animado)
mangá. Como venderam bem, foram Gundam, com personagens copiados de
lançadas várias revistas de quadrinhos outras séries de mangá da época. Em
eróticos produzidas por desenhistas 1983 a Grafipar encerrou as publicações
brasileiros: Claudio Seto, Roberto de quadrinhos/mangás brasileiros por
Kussumoto, Ataíde, Shimamoto, Magno. problemas administrativos. Mas nos seus
O sucesso destas revistas entre 1979 e 1980 seis anos de publicações, surgiu a segunda
abriu as portas para uma nova geração de geração de quadrinhistas brasileiros e
desenhistas/roteiristas/editores que em sua manteve, apesar de por um breve período,
maioria ainda estão na ativa, como Franco a publicação de “mangás brasileiros”.
de Rosa, Walmir Amaral, Imamura, Rodval
Matias, Mozart Couto, Gustavo Machado, Piratarias, Clubes
Paulo Hamasaki, Bonini, Sergio Lima e e Publicações
Watson Portela. Em 1980 o departamento Paralelo ao fim dos “mangás
de arte passou ao comando de Claudio Seto brasileiros” da Grafipar, pequenas editoras
e colocou-se nas capas o selo “Bico de Pena”. começaram a publicar mangás eróticos
As revistas da Grafipar então melhoraram sem licença ou direito autoral pago. O
a qualidade e começaram a estampar um método seguido era mais ou menos o
anúncio provocativo com os dizeres “Leia mesmo: compravam-se revistas de mangás
Quadrinho Nacional”. Desta época, três eróticos importados do Japão nas livrarias
títulos no estilo mangá merecem destaque: do bairro da Liberdade, tiravam-se
Xanadu (roteiro e desenhos de Watson xeroxes das páginas para serem retocadas
Portela), Robô Gigante (Watson Portela e e “traduzidas” – na maioria dos casos, as
Franco de Rosa) e Super Pinóquio (roteiro traduções eram inventadas já que não
e desenhos de Cláudio Seto), todos com havia ou não se queria pagar um tradutor.
apenas uma edição. Diferentes de outras Centenas destas publicações piratas
revistas da Grafipar como Maria Erótica e chegaram às bancas entre 1984 e 2005,
Katy Apache de Cláudio Seto, que tinham feitas por uma vintena de editoras. Apesar

Três revistas de “mangá nacional” publicadas na fase final da Editora Grafipar: Robô Gigante, Super Pinóquio e Xanadu.
como Erica Awano e
Eduardo Francisco.
Por volta de 1987 uma
editora cujo nome não
conseguimos descobrir
publicou na integra o
primeiro volume do mangá
Mazinger Z, de Go Nagai,
o primeiro robô gigante
pilotado dos mangás. Foi a
primeira revista publicada
no Brasil (e provavelmente
no Ocidente) que seguiu a
forma japonesa de leitura
da direita para a esquerda.
Mas a editora fechou e a
venda foi tão baixa que é
da qualidade (e ética) questionável destas muito raro achar um exemplar da única
publicações, graças a elas muitos mangás edição publicada, se tornando um item
eróticos foram lidos por brasileiros. quase lendário nas coleções dos fãs.
Em 1985, a Nova Sampa Diretriz Em 1988 houve duas tentativas
Editoral publicou a minissérie de cinco valentes: a Editora Dealer lançou o
edições Drácula – A Sombra da Noite, com primeiro capítulo do mangá de ficção
roteiro de Ataíde Braz e desenhos de científica Cobra, esta editora pretendia
Neide Harue, imitando o estilo clássico lançar também o mangá Baoh, mas
dos mangás femininos. Foi um grande ficou só nisso. A Editora Cedibra
sucesso de vendas, além de ser a primeira lançou junto com seu pacote de revistas
série de mangá desenhada no Brasil da editora norte-americana First
publicada até o fim, num total de quase
300 páginas. A Nova Sampa publicaria
O Retorno de Drácula – Um Vampiro no
Ragtime com a mesma dupla de autores
em 1987, mas não repetiu o sucesso
e ficou apenas na primeira edição.
Surgiram na década de 1980 os
primeiros clubes para fãs de mangá –
Abrademi em 1984 e ORCADE em 1988,
que mantiveram uma longa parceria
com a Gibiteca Municipal Henfil de
São Paulo de 1990 a 2003, se tornando
o único ponto de encontro semanal
para fãs de mangá em todo o país e
também um viveiro de jovens talentos,
onde se encontravam vários desenhistas
novatos que atualmente são profissionais,
Comics, a série Lobo Solitário. Foi uma 1990 a primeira fase do mangá
publicação que recebeu uma impressão Criyng Freeman numa minissérie de
de alta qualidade e que teve muita quatro partes. Em setembro desse
repercussão da imprensa na época, mesmo ano, publicou em formatinho
durando nove edições. Mas a Cedibra parte da série Lobo Solitário, num
enfrentou problemas financeiros total de 27 edições, até 1996.
por conta dos frustrados planos
econômicos da era Sarney, tendo AC e DC – Antes de
que cancelar todas as publicações. Cavaleiros e Depois
Em dezembro de 1990 até 1998 de Cavaleiros
é lançada com grande divulgação O ano de 1994 se tornaria um
na imprensa a versão colorida e marco para mangás e animes no
invertida de Akira pela Editora Globo. Brasil devido ao lançamento na TV
Aproveitando o sucesso de Akira, a Manchete do anime Cavaleiros do
Editora Abril publicou seus primeiros Zodíaco, que foi um sucesso estrondoso
mangás: Mai a Garota Sensitiva com
oito edições entre agosto e novembro
de 1992, e A Lenda de Kamui com três
edições entre janeiro e março de 1993.
A Nova Sampa publicou em
de audiência e milhões de bonecos 1995 até hoje. A maioria eram cópias
dos personagens da série vendidos pioradas da Herói e não passaram da
nos três anos seguintes. Seguindo a primeira edição, pois o objetivo delas
linha do oportunismo, surge em 1994 era pegar carona no sucesso que a
a revista Herói, criada pela Editora Herói fazia enquanto teve Cavaleiros
Acme em parceria com a Nova Sampa. do Zodíaco na capa. Mas entre todas
Ela vinha com matérias sobre filmes, estas, algumas merecem destaque
cinema e quadrinhos, mas sempre porque foram realmente informativas.
estampando na capa da alguma A Nova Sampa publicou seis
imagem de Cavaleiros do Zodíaco em edições da Japan Fury, a primeira
publicações semanais (algumas vezes, revista brasileira totalmente dedicada
até duas vezes por semana) e vendendo a matérias sobre animes e mangás
centenas de milhares de exemplares. japoneses. Com o fim da Japan
Após a Herói, mais de setenta outras Fury sua equipe foi para a Editora
revistas “informativas” sobre anime/ Magnum, onde lançou em 1996 a
mangá/cinema foram lançadas de revista Animax, que durou 50 edições
e publicou duas revistas com “mangás outros que ainda estão desenhando
nacionais” em 1997: Megaman com o páginas de quadrinhos/mangá neste
personagem de videogame de mesmo momento – em sua maioria, para
nome, com 16 edições, e Hyper editoras nos EUA e Europa.
Comix – uma revista satirizando O sucesso de Cavaleiro do Zodíaco,
os próprios mangás e animes que aliado às revistas informativas,
durou 14 edições. Para recrutar os divulgaram o mangá e o anime entre
desenhistas destas duas revistas, foi crianças e jovens, estimulando o
feita uma campanha pela Animax surgimento de dezenas de milhares
convidando os leitores a enviar testes de fãs por todo o Brasil. Emissoras
de desenho para avaliação. Mais de 600 de TV começaram, então, a procurar
testes foram enviados somente para o freneticamente por mais animes e
Megaman, o que permitiu uma seleção as editoras por mais mangás. Afinal,
rigorosa. Os melhores desenharam agora a coisa havia ficado “séria”,
uma edição inteira do Megaman ou e as grandes empresas finalmente
histórias curtas na Hyper
er Comix. Pela perceberam quão lucrativos aqueles
primeira vez no Brasil foi aberta uma “desenhos de olhos grandes” er r am.
eram.
oportunidade para desenhistas
nhistas novatos,
epetido.
um feito até hoje não repetido. 2000 em diante: a
cionados,
Entre os que foram selecionados, Avalanche de Mangás
eira geração
alguns formaram a terceira Depois do sucesso de Cavaleiros
os de mangá:
de desenhistas brasileiros g do Zodíaco, o mangá e o anime se
Érica Awano, Eduardo Francisco, tornaram populares no Brasil, com
Paulo Henrique, Fábio Paulino, editoras negociando direto no Japão
Denise Akemi, Roberta Pares, entre
a publicação de vários títulos: A Editora Conrad (antiga Acme)
A Editora Trama (depois rebatizada entre 2001 e 2009 publicou vários
Talismã) foi sem dúvidas a que mangás de sucesso, como Dragon
mais investiu no “mangá brasileiro” Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Battle
nesta época, lançando em 1998 a Royale, Monster, One Piece, Dr. Slump,
minissérie de quatro partes Street Fushigi Yuugi, Gen Pés Descalços,
Fighter Zero 3, desenhada por Érica Evangelion, Adolf, Sanctuary e vários
Awano, que em 1999 desenharia outros. Alguns destes títulos não
também Holy Avenger – uma saga foram integralmente publicados
com 40 edições mais dois especiais, porque a editora foi vendida,
se tornando o “mangá brasileiro” de sendo seu futuro ainda incerto.
maior sucesso e duração já publicados. A Editora JBC entrou junto com
Em 2000 é lançada revista Anime a Conrad na briga pelo mercado dos
EX, continuação da Animax, de mangás em 2001, lançando títulos de
onde surgiu em 2001 a Mangá EX, peso: X 1999, Rayearth, Sakura Card
a única revista informativa no Brasil Captors, Angelic Layer, XXX Holic,
dedicada exclusivamente aos mangás, Love Hina, Negima, Inu Yasha, Bastard,
mas que durou apenas três edições. Futari H, Death Note, Hellsing, e a série
Ainda pela Talismã, em 2001 a revista nacional com influências do mangá
Defensores de Tóquio tentou manter Combo Rangers, de Fábio Yabu.
o sistema de abrir oportunidades a Mais recentemente, a partir de
desenhistas novatos no estilo mangá, 2003, a Editora Panini também
mas durou somente três edições.
começou a disputar espaço nas bancas na bancas! Uma coisa é certa: o mangá
com uma linha extensa de mangás: chegou com força. E para ficar!
Naruto, Éden, Fullmetal Alchemist, Angel
Sanctuary, Astro boy, Berserk, Wolf ’s Sem Espaço
Rain, Black Lagoon, Bleach, Claymore, O lado negativo de tantos títulos
Highschool of the Dead e vários outros. de mangás japoneses nas bancas:
Em menos de dez anos, de uma dúzia eles literalmente engoliram o espaço
de títulos publicados
p no Brasil,, mais de que
q poderia
p ser ocupado
p por revistas
p
100 séries de mangá chegaram às bancas, com desenhistas nacionais. Com a
ocupando um bom espaço das prateleiras. chegada massiva de mangás “made in
Panini e JBC mantêm uma média de Japan” devidamente licenciados
licencia nas
dez títulos novos por ano, cada uma. O bancas, oportunidades para brasileiros
fã de mangás não pode reclamar, pois desenharem mangá diminu
diminuíram cada
nunca houve tantas revistas disponíveis vez mais, se tornando quase inexistentes
de 2003 em diante. Aconte
Aconteceram e
acontecem tentativas isolad
isoladas feitas
por editoras de pequeno po porte, como a
Camargo & Moraes com as séries Fighter
Dolls, Sad Heaven e Valiant Hook, em
2002, mas o sucesso de Holy
Hol Avengers
não se repetiu em nenhum título. O originais. Resta então aos desenhistas
quadrinho nacional ficou espremido nas nacionais trabalharem para editoras dos
bancas entre os comics norte-americanos EUA e Europa, onde apesar de haver
e os mangás, e esta é uma situação que mais mangá sendo publicado que no
ainda perdura, sem perspectivas de Brasil, há espaço para desenhistas locais
melhora, já que para as editoras interessa e até de outros países. É a globalização
o mangá original que já vem pronto salvando o mangá nacional, quem diria!
e é certeza de boas vendas. O mesmo
problema dos anos 1960 ainda persiste: Fontes de Pesquisa para esta matéria:
nenhum editor quer arriscar e publicar Sobre a Editora Edrel
uma revista 100% nacional, pois as Site Guia dos Quadrinhos - http://
vendas não são tão garantidas quanto um www.guiadosquadrinhos.com
mangá japonês de renome. Mas a culpa Artigo por Elydio dos Santos
é, principalmente, dos leitores brasileiros, na Gibiteca da USP - http://
que só gostam de comics/mangás www.eca.usp.br/gibiusp

Sobre Cláudio Seto


Wikipédia em português
- http://pt.wikipedia.org
Entrevista com Cláudio chamada
“Samurai das HQBs” no site www.
alanmooresenhordocaos.hpg.
ig.com.br/entrevistas152.htm

Datas de algumas publicações


Site guia dos quadrinhos - www.
guiadosquadrinhos.com
O Fim do
MangáParte 1
O título desta matéria,
apesar de parecer apelativo,
está dizendo uma verdade:
a era do mangá, tal qual
como existiu por mais de
cinquenta anos, até o
começo do século XXI,
acabou. E para entender
os rumos e os motivos
que levaram ao seu fim,
precisamos primeiro
saber/entender como ele
surgiu e evoluiu para se
tornar uma monstruosa
forma de entretenimento
em massa, poderosa e lucrativa,
consumida pela maioria da
população japonesa.

Origens
As primeiras características do
mangá apareceram no período
Nara (século 8 DC), com
os emakimono –
pergaminhos com
ilustrações
intercalando
textos, contando uma história à
medida que eram desenrolados. Por
cerca de oitocentos anos o emakimono
foi a única forma de leitura para
entretenimento e narrativa de fatos
históricos que unia texto e imagem.
O mais antigo emakimono existente
data de 1.130, é uma adaptação do
milenar conto Genji Monogatari, e
o mais famoso é o Chojugiga, que se
Duas cenas do Genji Monogatari, o emakimono mais antigo exis- acredita, foi feito pelo monge Kakuyu
tente, datado de 1.120 AC. No meio, close em cena de um ukiyo-e. Toba, e está até hoje no templo
Kozangi, em Kyoto. O emakimono
foi a primeira forma de leitura a ter
imagens sustentando a narração, uma
característica herdada pelos mangás
modernos.
Durante o período Edo (ou
Shogunato Tokugawa – 1603 a 1868),
chegam ao Japão os livros ocidentais,
que em pouco tempo substituem os
emakimono. Inicialmente, as imagens
eram usadas para ilustrar romances e
poesias, mas não demoraram a surgir
livros para ver, e não apenas para ler.
Outra vertente ganha força com o
surgimento dos ukiyo-e no século 16 –
ilustrações produzidas em série usando
matrizes de madeira. Isso permitiu à
população de classe média adquirir
ilustrações por preços acessíveis, e
também ajudou sua difusão pelo país.
Mas é com Katsushika Hokusai
(1760-1849), conhecido artista de
ukyo-e, que surge pela primeira vez
a palavra “mangá”, em sua célebre
coleção de caricaturas publicadas em
15 volumes, de 1814 até 1834, em
Nagoya, e chamada por ele mesmo
de Hokusai Mangá (Desenhos
Irresponsáveis de Hokusai – com o
“irresponsável” aplicado no sentido
descontraído, relaxante, dos desenhos).
Nesta série, Hokusai retratou paisagens,
o cotidiano das pessoas, criaturas
sobrenaturais, flora e fauna. Estes mangás
Foto de como é guardado um emakimono.
– os chamemos assim – foram sucesso Mas a ideia pegou, surgindo em 1875 a
imediato de vendas e ele continuou a Kisho Shimbun, claramente inspirada
produzi-los até o fim de sua vida. na Eshinbun Nipponchi. Seguiu-se
Os mangás ainda não tinham sua a Marumaru Chinbun, em 1877, e a
forma atual, sendo muito mais livros Garakuta Chinpo, em 1879.
de ilustrações com um pouco de texto. Em 1895 surge a Shounen Sekai
Mas com a abertura do Japão ao resto (Mundo Jovem), a primeira revista de
do mundo após a queda do shogunato mangá dedicada exclusivamente aos
em 1868, começam a surgir jornais e adolescentes masculinos, criada por
revistas influenciados pelas publicações Iwaya Sazanami, um famoso escritor
ocidentais, e destas a mais marcante para crianças. A Shounen Sekai era
foi a revista britânica Punch Magazine, essencialmente nacionalista e tratou
com suas caricaturas sátiras e algumas principalmente da primeira guerra
das primeiras tiras seqüenciais de sino-japonesa (1894/1895). Em
quadrinhos. Em 1874 é publicada a exatos 21 anos após o surgimento da
primeira revista totalmente dedicada ao Eshinbun Nipponchi, e antes da virada
mangá – a Eshinbun Nipponchi, criada do século, as revistas de mangá como
por Kanagaki Robun e Kawanabe conhecemos hoje, com quadrinhos
Kyosai. Fortemente influenciada pela narrando uma história, já estavam
Punch Magazine, ela não vendeu bem, firmemente estabelecidas no mercado.
sendo cancelada depois de três edições.
Cena do Hokusai mangá (1814).

Edição de setembro/1882 da Maru


Maru Shinbum e a segunda edição da
Shounen Sekai (1896).
Nasce o Mangá
Em 1905, com o início da guerra
Russo-japonesa no ano anterior,
acontece uma explosão nas vendas
dos mangás, com um consequente
aumento de publicações. Surge neste
ano a Tokyo Pakku – primeira revista
de mangá para crianças e que foi um
sucesso imediato. Em 1908 é criada
uma versão feminina da Shounen Sekai
– a Shoujo Sekai, primeira revista
para garotas. A Shounen Pakku foi
influenciada por revistas estrangeiras
para crianças, tais como a britânica
Puck, que Kashiwabara Denkichi,
um funcionário da Editora Jitsugyo
no Nihon viu e decidiu imitar. Em
1924 é lançada outra revista infantil
chamada Kodomo Pakku, com todas
as páginas em cores, e contou com
muitos desenhistas de mangá famosos
na época, como Takei Takeo, Yumeji
Takehisa e Yutaka Aso. Alguns dos
mangás já usavam os “balões de fala”,
quando a regra era apenas textos
inseridos nos quadrinhos em forma de
narrativa.
Em 1931, tropas japonesas se tornar um mangaká (desenhista de
invadem e conquistam a Manchúria; mangá) tanto no Japão como em outras
em 1937 começa a segunda guerra editoras de quadrinhos ao redor do
sino-japonesa. Estes dois eventos mundo. Essencialmente informativa,
mostram como o Japão estava sendo ela foi a primeira revista de mangá
controlado pelos nacionalistas, a estimular o surgimento de novos
num período atualmente chamado mangakás.
pelos historiadores japoneses de E ao contrário do que várias vezes
“Kurai Tamina” (Vale Escuro). Este disseram erroneamente em revistas
caminho de conquistas militares e até livros, Osamu Tezuka não é o
levou até a Pearl Harbour, a guerra criador dos olhos grandes e brilhantes,
no Pacífico e a derrota do país num a marca característica e mais conhecida
holocausto atômico. Em meio ao dos personagens de mangá. Os olhos
fervor nacionalista da década de grandes surgiram na década de 1930
1930 é lançada em maio de 1935 a nas mãos de Jun-ichi Nakahara (1913-
Mangá no Kuni (O País do Mangá), 1983) que foi Ilustrador, desenhista
que duraria até janeiro de 1941. Esta de moda, decorador e criador de
revista continha informações sobre bonecas. Ele começou como designer
de vestidos, ilustrador de moda, mas
na década de 1930 foi convidado a
ilustrar para revistas de mangá para
garotas, produzindo a arte da capa de

Algumas das capas desenhadas por Jun-ichi Nakahara (1913-1983) durante a década de 1930 para a revista Shoujo no Tomo. São as
primeiras ilustrações com garotas de olhos grandes, que influenciam inúmeros desenhistas de mangá até hoje.
diversas edições da “Shoujo no Tomo” O ilustrador e mangaká Katsuji Matsumoto (1904-
1986) inovou ao usar ângulos cinematográficos em
(Amiga das Garotas) até o final dos suas histórias, como em Nazo no Clover (à esquerda).
anos 1930. Apesar de não ter sido um
mangaká, as personagens com olhos
grandes de Jun-ichi impressionaram e
influenciaram vários desenhistas, sendo
imitados até hoje.
E a primeira história de mangá
a ter as características atuais dos
mangás – narrativa dinâmica e ângulos
cinematográficos – foi feita por Katsuji
Matsumoto (1904-1986) na história
“Nazo no Clover”, considerada a
história precursora do mangá moderno.
Mas bem antes disso, mais de mil anos
atrás, os emakimono (pergaminhos
com texto e ilustrações) já continham
ilustrações onde os olhos tinham
grande destaque.
Paralelo à evolução das revistas de
mangá, diversas séries surgiram nos
jornais japoneses: Norakuro, de Suihou
Tagawa, e Bouken Dankichi (As
aventuras de Dankichi), de Shimada
Keizo foram as mais populares até os atividades culturais e artísticas foram
anos 1940, quando toda a imprensa, submetidas à censura do governo. Mas
o próprio governo japonês não hesitou
em utilizar os quadrinhos para fins de
propaganda. Por fim, em janeiro de
1941 o governo proibiu a continuidade
das revistas de mangá, devido à
necessidade de papel e tinta para o
esforço de guerra.

Mangá Pós-guerra
O Japão em 1945 havia sido
literalmente bombardeado de volta
até a Idade Média. Toda a infra-
estrutura econômica e industrial do
país estava em ruínas: fábricas, usinas,
cidades inteiras, enfim, precisavam ser
reconstruídas. Foi um tempo terrível
para os japoneses, com pouca comida,
pouco dinheiro e muito trabalho.
Qualquer forma de diversão era um
luxo - fosse cinema, teatro ou mangás. vermelha, do tamanho dos cartões
Com a ocupação militar do país até postais. Eram os precursores dos
1952, os mangakás receberam grande atuais tankobon (os encadernados
influência das histórias em quadrinhos dos mangás semanais), mas um pouco
ocidentais da época, traduzidas e menores. E devido ao baixo poder de
difundidas em grande quantidade nos consumo da população, as “locadoras
jornais e revistas japoneses do pós- de mangá” se proliferam pelo Japão,
guerra. Apesar da vontade das pessoas chegando às dezenas de milhares.
em ler mangá, poucos tinham dinheiro Neste tipo de livraria, loca-se um
para gastar com qualquer forma de mangá ou livro por um décimo do seu
lazer. São criadas então as compilações valor de capa por dia. Elas já existiam
chamadas akahons (livros vermelhos), desde o período Edo, quando eram
produzidos com papel barato e capa alugados livros para as classes mais
privilegiadas da época do Shogunato
Tokugawa, mas após a Segunda Guerra
elas ganharam novo fôlego. Foi graças
a estas locadoras que o gosto por
leitura e mangás continuou forte entre
os japoneses. Pelo menos uma destas
locadoras de mangá funcionou no
bairro da Liberdade em São Paulo até
2011.

O Deus do Mangá
Apesar de não ser o criador dos
olhos grandes, Osamu Tezuka
(1928-1989) aplicou em
seus trabalhos muito do
o que havia sido criado
e desenvolvido pelos
mangakás pré-guerra, como linhas Tesouro), que alcançou grande sucesso,
de fundo que simulam velocidade, vendendo mais de 400 mil exemplares
onomatopeias que se fundem com os – números estonteantes para a época,
quadrinhos, a mudança de ângulos levando-se em conta que mal haviam
de visão a cada quadrinho e é claro, passado dois anos desde que o Japão
os olhos grandes. Os fragmentos do fora arrasado pelos bombardeios.
todo que formam o mangá moderno, Desenhando sem parar, Tezuka
que estavam espalhados em vários produziu dezenas de milhares de
desenhistas, foi reunido no estilo de páginas de mangá, quase dois mil
Tezuka, que crescera lendo mangás personagens e centenas de histórias
dos anos 1930 e assistindo a desenhos em mais de 50 anos de carreira. Entre
animados de Walt Disney, aliado a suas grandes obras, destacam-se Buda,
outras influências, como o Teatro Adolf, Ribon no Kishi (versão animada
No, onde os atores usam maquiagens exibida no Brasil, na década de 1970
que dão destaque aos olhos, ele como “A Princesa e o Cavaleiro”),
desenvolveu um estilo único de Kimba, Doutor Black Jack, Cleópatra –
desenho, que influenciou todos os o primeiro desenho animado erótico de
mangakás que vieram depois dele. Seu longa metragem do Japão – e Atomu
primeiro grande sucesso foi em 1947, ou Astro Boy, a primeira série animada
no formato akahon, com um mangá produzida totalmente no Japão,
escrito por Sakai Shichima, chamado lançada em 1963. Ele também foi
“Shin Takarajima” (A Nova Ilha do amigo e mentor de muitos mangakás
como Fujiko e Fujio (dupla criadora
de Doraemon), Akatsuka Fujio, Akira
“Leiji” Matsumoto (Yamato, Capitain
Harlock e Galaxy Express 999), Tatsuo
Yoshida (criador de Speed Racer) e
Shotaro Ishinomori (Cyborg 009). Em
reconhecimento a todo o seu trabalho
como desenhista, animador e roteirista,
que impulsionou o mangá a ser o que Cyborg 009
é hoje, após seu falecimento foi-lhe (1964-1981)
de Ishinomori
concedido o título de Manga-no- Shotarou
(1938-1998).
Kamisa (O Deus dos Mangás).
Tezuka foi precursor do
merchandising, ao vender a
imagem de seu Astro Boy para
brinquedos, camisetas e outros itens.
Os empresários japoneses então
perceberam que além de simples
entretenimento, o mangá e seu filho
direto – o anime (desenho animado
produzido no Japão), podiam gerar
muitos lucros com produtos que
levassem a imagem dos personagens, e
passaram a patrocinar a produção das
séries para TV. Era o começo de uma
parceria lucrativa que dura até hoje. E um
dos primeiros passos para o fim do mangá.
Doraemon (1969-1996) de Fujiko Fujio –
nome artístico dos mangakás Hiroshi Fujimoto
(1933–1996) e Motoo Abiko (1934-).

Galaxy Express 999 (1977-1987)


de Leiji Matsumoto (1938-).
Revistas Periódicas O formato de todas estas revistas é
Com a lenta recuperação econômica o mesmo: 18 x 26 cm, com 300 a 400
a partir da década de 1950, começam páginas (parecem listas telefonicas!);
a surgir revistas mensais, quinzenais capa em papel couchê grosso e brilhante;
e semanais dedicadas exclusivamente algumas páginas coloridas em couchê e as
aos mangás. Entre as centenas de demais em um tipo grosso de papel jornal
revistas lançadas desde então, as mais reciclável; e com 15 a 20 histórias com
importantes e que ainda estão em 16 a 20 páginas, cada uma desenhada/
publicação até hoje são: roteirizada por um artista diferente, em
Nakayoshi – Editora Kodansha – Mensal, dezembro de 1954
Shoujo Ribon – Editora Shueisha – Mensal, agosto de 1955
Mangá Times – Editora Houbunsha – Semanal, novembro de 1956
Shounen Magazine – Editora Kodansha – Semanal, 17 de março de 1959
Shounen Sunday – Editora Shogakukan – Semanal, 17 de março de 1959
Shounen Jump – Editora Shueisha – Semanal, 2 de julho de 1968
sua maioria séries longas com vários
capítulos. Publicação de histórias tipo
one-shot (fechada – ou seja, começa e
termina numa mesma edição) é raridade.
Quando um mangaká já tem umas
duzentas ou mais páginas publicadas, elas
são reimpressas num formato chamado
tankobon (livro de bolso) com 11,5 x 17,5
cm de tamanho ou um pouco maiores, em
tiragens que quando esgotadas, lançam-
se novas edições. Raramente um mangá
tem prazo estipulado para terminar. Em
geral, enquanto estiver fazendo sucesso
com o público (entenda-se, vendendo
bem), elas continuam. A série Golgo 13,
por exemplo, começou a ser publicada
em janeiro de 1969 na revista Big Comic
da Editora Shogakukan, onde ainda é
publicada mensalmente e alcançou 170
volumes em formato tankobon! Isso
significa que seu autor, Saito Takao, já
desenhou mais de 37.000 páginas e ainda
não parou, 44 anos após o lançamento! periódicas de mangá estão entre as mais
E como se define o sucesso de atualizadas com o gosto de seus leitores.
uma série? Há um sistema utilizado As vendas destas revistas de mangá são
por todas as editoras há décadas: absurdas para nossos padrões ocidentais:
junto com a revista vem um encarte algumas atingem milhões de exemplares
com taxa postal paga, onde o leitor é vendidos semanalmente – note bem, está
convidado a responder uma pesquisa com escrito semanalmente mesmo, não é erro
perguntas tipo “qual sua série favorita de digitação! A Shounen Jump, a campeã
na revista”, “qual personagem favorito”, de vendas, alcançou em 1996 a marca
e coisas assim. Depois, é só colocar monstruosa de SEIS milhões e meio de
na caixa de correio mais próxima. Um exemplares vendidos semanalmente!
departamento na editora cuida apenas Mas no ano passado, sua venda média
destas correspondências, fazendo um foi de 2,8 milhões de exemplares. Esta
levantamento das séries mais votadas queda impressionante nas vendas, que no
pelos leitores. As que tiverem mais votos Ocidente seria considerada uma quase
continuam, enquanto que as menos falência depois do auge no meio da
votadas serão encerradas o quanto antes, década de 1990, foi absorvida pela editora
para darem lugar a novas séries/autores que se adaptou a esta queda sem falir. Não
que estejam mais ao agrado do público. só a Jump, mas todas as outras revistas
Em nenhum outro lugar do mundo este de mangás também tiveram quedas
tipo de pesquisa é feito com tanta atenção, semelhantes – um dos efeitos do fim do
e por isso pode-se dizer que as revistas mangá.
No entanto, mesmo com estas
vendas as editoras ainda estão bem,
faturando satisfatoriamente. Mas um
detalhe que poucos sabem é que estas
revistas semanais não dão lucro para as
editoras! No máximo, elas se pagam!
Então, por que as editoras continuam
a publicá-las por mais de meio século?
Esta é uma das provas de como
os japoneses sabem trabalhar com
paciência e em longo prazo. O lucro
verdadeiro está nos tankobons, que em
alguns casos chegam a vender mais
que a revista semanal! Vejamos por
exemplo como ficou o total de vendas
em tankobons no primeiro semestre de
2010 para as três primeiras séries mais
populares no Japão:

One Piece – Shounen Jump –


15.220.095
Naruto – Shounen Jump - 4.178.597
Fairy Tail – Shounen Magazine –
3.616.942
Como estes tankobons são impressos mangás: revistas semanais/mensais onde
em tiragens contadas, quando um volume mangás são publicados em capítulos
se esgota, deu lucro total à editora. Então para depois serem condensados em
é hora de imprimir uma segunda edição. tankobons, uma série animada para os de
Alguns volumes de One Piece, por maior sucesso – o que sempre alavanca
exempo, já passaram de quarenta edições! um pouco mais as vendas das revistas
Há também o lucro com o licenciamento – seguido de tudo que puder ostentar a
para desenhos animados, videogames, imagem dos personagens. É um sistema
bonecos, brinquedos, camisetas... e o seguro e comprovado que funcionou
que mais puder estampar a imagem dos como um relógio suíço com ou sem crise
personagens de uma série de sucesso. econômica, vendendo muito ou pouco.
Por todas estas outras formas de obter Mas esta comodidade também gerou
lucro com suas séries de mangá é que efeitos colaterais que decretaram o fim
as editoras não deixam de publicar suas dos mangás – os verdadeiros mangás.
revistas semanais, pois elas são enormes Mas explicaremos isso nas próximas
panfletos de propaganda, onde se vendem matérias.
personagens que, em alguns casos, se
tornam tão famosos e geram até mais Escreveu, pesquisou e analisou Sérgio
lucro de que muitos atores de carne e Peixoto Silva, fã de bons mangás – cada
osso. vez mais raros, infelizmente.
E assim, através de uma longa estrada
com mais de 60 anos de publicações
desde o surgimento das primeiras revistas
periódicas, as editoras japonesas usam
o mesmo sistema para lucrar com seus
Vamos começar a explicar como o
Parte 2
Arizona) e 1.247 feridos; 57 civis
incrível sucesso das revistas semanais mortos e 35 feridos. Quem assistiu
de mangás também se tornou sua à versão mais recente do filme
ruína, a ponto de vendas semanais Pearl Harbour tem uma boa ideia
espetaculares com mais de 6 milhões de como foi essa carnificina. Mas
de exemplares (não, não está digitado algo raramente lembrado é que este
errado. São seis milhões mesmo!) ataque fez parte de uma estratégia
decaírem para “meros” dois milhões e
oitocentos mil. Para entender melhor
como isso aconteceu, faremos uma
comparação com a estratégia do
Japão durante a Segunda Guerra
Mundial, com a estratégia de
venda dos mangás. Nada a ver?
Nem tanto, porque nos dois
casos cometeram-se os mesmo
erros.

O Mal da Vitória
Em 7 de dezembro de
1941, os japoneses atacaram de
surpresa a base naval norte-
americana de Pearl Harbour
no Havaí, causando grande
destruição:
4 encouraçados
afundados e outros 4
seriamente danificados;
2 destróieres afundados
e 1 danificado;
3 cruzadores
danificados; 3 navios
de apoio danificados
e 1 afundado; 188
aviões destruídos e
155 danificados; 2.402
marujos/soldados mortos
(1.104 só no encouraçado
muito maior dos japoneses, visando
conquistar uma série de territórios
ricos em matérias-primas e petróleo.
Enquanto bombas caíam sobre os
navios norte-americanos, a Marinha
e o Exército Imperiais faziam ataques
simultâneos por todo o Oceano
Pacífico e parte da Ásia.
Apenas no mês de dezembro de
1941, tropas japonesas invadiram a
Tailândia (08) que se rendeu em 24
horas, desembarcaram nas ilhas Gilbert
(09), nas Filipinas (10), invadiram
Guam na Ilhas Marianas e ocuparam
Bangcoc (12), e invadiram Bornéu
(16). Em 21 de dezembro, o governo
da Tailândia aliou-se formalmente ao
Japão. Apesar de brava resistência, a
pequena guarnição de fuzileiros na ilha
Wake se rendeu em 23 de dezembro.
O “presente de Natal” foi a rendição
de Hong Kong no dia 25. A maioria
destes alvos foi atacada horas ANTES
do reide sobre Pearl Harbour, mas
devido ao fuso horário do Pacífico, já
se estava em 8 de dezembro.
Durante quatro meses, as
forças japonesas colheram uma
série de vitórias espetaculares com
pouquíssimas baixas, afundaram
muitos navios de guerra aliados,
derrubaram centenas de aviões, fizeram
centenas de milhares de prisioneiros
e conquistaram um vasto território,
ampliando o tamanho do Dai
Nippon Teikoku (Grande Império
do Japão) para fantásticos
7.400.000 (sete milhões e
quatrocentos mil) quilômetros
quadrados – o maior império
marítimo da história da
humanidade! Mas a vitória,
assim como a derrota,
também traz problemas.
A Marinha Imperial, por
mais navios que tivesse, não
possuía o suficiente para controlar
tal vastidão oceânica. As linhas de
suprimento para sustentar as tropas
do Exército estavam esticadas ao
máximo, com cada ilha conquistada
a milhares de quilômetros umas das
outras e precisando de guarnições,
e, consequentemente, de navios
para abastecê-las. Era cada vez mais
difícil concentrar muitos navios de
guerra para um ataque maciço como
acontecera em Pearl Harbour, pois a
frota ficou espalhada em pequenas
esquadras. O Japão tinha, literalmente,
esticado sua força ao máximo, diluindo
sua capacidade de ataque. O auge
desta situação aconteceu em abril
de 1942, quando todos os objetivos
designados no Plano de Guerra
preparado em 1941 haviam sido
conquistados. A segunda fase deste
plano determinava que fosse feita uma
pausa no avanço enquanto as poucas
baixas eram repostas, suprimentos
enviados e se fortificavam os territórios
conquistados. Era uma estratégia
sensata, mas as vitórias tinham sido tão
mais rápidas e fáceis do que o previsto,
que o alto comando japonês foi tomado
por um perigoso excesso de confiança.
O contra-almirante Hara, após
a guerra, definiu esta “doença
psicológica” que contagiou todos
os almirantes e generais japoneses
de “Mal da Vitória”. Os aliados
se mostraram inimigos fracos e
mal organizados e então, ao invés
de consolidar o que já havia sido
conquistado, decidiu-se pular a
segunda fase e continuar o avanço.
Disto resultaram duas batalhas
decisivas, que selaram o destino do
Japão na guerra: a Batalha do Mar
de Coral, em 7 e 8 de maio de 1942,
onde pela primeira vez uma tentativa
de desembarque japonês foi repelida
com a perda de um porta-aviões americanos se recuperavam das perdas
leve japonês contra um porta-aviões nos meses anteriores e colocava seu
pesado americano, e dois outros gigantesco parque industrial a serviço
pesadamente danificados – um para da guerra, fabricando navios, aviões e
cada lado. Apesar de continuar em tanques numa quantidade esmagadora,
vantagem na contagem geral de o que lhes garantiu a vitória. Um misto
porta-aviões, tantos aviões e pilotos de arrogância, excesso de confiança e
experientes foram perdidos pelos ganância dos comandantes nipônicos
japoneses, que dois porta-aviões foi o que determinou a derrota do
pesados não puderam participar da Japão na Guerra do Pacífico.
batalha seguinte em Midway, a 4 de
junho, quando quatro porta-aviões
pesados japoneses foram afundados
O Milagre Econômico
Com o mangá foi praticamente a
com todos os seus 248 aviões, contra
mesma coisa. Durante os anos 1960 e
apenas um porta-aviões americano
1970, conforme a gradual recuperação
e uma centena de aviões abatidos.
econômica do Japão rendia frutos
Com a perda de tantos porta-aviões
(o chamado “milagre econômico
e pilotos experientes, os japoneses
japonês”), as editoras também cresciam
foram obrigados a ficar na defensiva
e produziam cada vez mais revistas.
de seu imenso território, enquanto os
Era uma verdadeira espiral ascendente
econômica, onde quanto mais se
consumia, mais se produzia e mais se
lucrava. No começo dos anos 1980 o
Japão era uma das maiores potências
industriais e financeiras do mundo,
com 90% da sua população estabilizada
na classe média e o melhor sistema
educacional público possível cobrindo
do pré-primário até a faculdade –
e tão padronizado que os alunos
disputam vagas nas escolas não pela
sua qualidade de ensino, mas sim pela
beleza do uniforme (é sério!). Desde
pequenos, os japoneses são estimulados
por este sistema educacional a
ler e a gostar de ler, tornando sua
população na maior consumidora de
livros e revistas do mundo – e o mais
importante, com dinheiro no bolso
para gastar com isso.
Junto com o sucesso dos mangás
que a cada ano vendiam mais, os
animes são produzidos em quantidade
(e qualidade) cada vez maiores graças
à parceria entre os fabricantes de
brinquedos, emissoras de TV e estúdios
de animação. É um esquema simples,
mas muito prático e cômodo: quando
um mangá faz sucesso entre o público
(e não precisa ser um megasucesso),
a editora já negocia os direitos de
exibição com uma emissora de TV
ao mesmo tempo em que vende a
imagem/marca do mangá/anime para
empresas que produzem brinquedos,
doces, videogames e o que mais
puder. Acertados os contratos, é só
chamar algum estúdio para produzir o
anime, exibi-lo na TV e todos lucram
alegremente com o mangá “modinha”
do momento – e ainda há um bônus
para a editora além de todo o lucro
com o licenciamento, pois o anime
sempre ajuda a vender mais algumas
centenas de milhares de tankobons.
É um sistema eficiente, prático e
lucrativo que se desenvolveu durante
a década de 1960, quando surgiram as
primeiras séries de anime para TV, que
se consolidou na década de 1970 e está
em uso desde então, sem mudanças
importantes.

Crescimento Estonteante
e o “Mal do Mangá”
Os anos de 1980 assistiram a um
aumento quase inacreditável na venda e
produção de animes/mangás, que pode
muito bem ser comparado ao avanço
fulminante da Marinha e Exército
Imperiais entre dezembro de 1941 e
abril de 1942. Acompanhe a expansão
comercial e econômica dos mangás:
A partir dos anos 1970 foram
produzidos dezenas de longa-metragens
de alta qualidade apreciados ainda hoje;
em 1984 é lançado Dallos – o primeiro
OVA (Original Vídeo Animation –
anime feito para venda apenas em
lojas e locadoras) que aproveitou os
milhões de videocassetes que estavam
nas residências dos japoneses; depois de
Dallos, vieram OVAs aos montes; todas
as grandes emissoras exibiram várias
séries de animes, alguns com mais de
cem episódios como Saint Seiya, Dragon
Ball e Hokuto no Ken, chegando a
encomendar longas e media-metragens
especiais para exibição exclusiva nas
telinhas.
Os mangás também acompanharam
esta verdadeira expansão “militar” rápida
e feroz, com a multiplicação de títulos nas
bancas. Um exemplo deste crescimento
vertiginoso é a Shounen Jump, que
chegou ao final da década de 1990
com vários “filhos”: Super Jump, Ultra
Jump, Monthly Jump, Business Jump,
Young Jump, Jump Square e Akamaru
Jump. Outras revistas semanais fizeram
o mesmo, criando novos títulos usando
como gancho sua principal publicação
– Nakayoshi, Ribon, Shounen Sunday,
Shounen Magazine e todas as revistas que
na época vendiam milhões de exemplares
tiveram vários “filhos”. Os leitores de
mangá não tinham do que reclamar, pois
havia revista para todas as idades, gostos
e bolsos.

Mega Feiras e Concursos


não Bastam
E para suprir esta demanda
olímpica por mangás, legiões de
novos mangákas foram contratados
pelas editoras principalmente através
dos concursos anuais que cada uma
patrocinava. Foi assim que Taskahashi
Rumiko, de Ranma e InuYasha,
começou sua carreira. Outra fonte
para conseguir novos talentos ainda
continua sendo o Comic Market –
chamado também de Comiket – que
de uma mera feirinha de doujinshi
(ou fanzines – revistas produzidas por
fãs, em geral sem fins lucrativos), se
tornou atualmente a maior do gênero
no mundo, com mais de 20 mil grupos
de fanzineiros vendendo suas criações
para 100 mil visitantes/dia nas duas
edições semestrais que acontecem em
Tóquio. O grupo CLAMP começou
no Comiket, por exemplo, e vários
mangákas profissionais e famosos
lançam doujinshi nos Comiket – em
geral, versões eróticas de suas séries.
Todas as grandes e médias editoras do
Japão enviam “olheiros” disfarçados
ao Comic Market, com a missão de
selecionar/comprar mangás de jovens
e promissores talentos para avaliação.
É comum no Japão um fanzineiro
receber a visita ou a ligação de uma
editora, convidando-o a colocar seu
talento a serviço dela. Mas – espante-
se – há fanzineiros que recusam tais
convites! Estes que dispensam uma
oferta para trabalhar nas maiores
editoras do Japão, o sonho de milhares
de desenhistas novatos, o fazem
ou porque não desejam trabalhar
num sistema que exige em média
30 páginas desenhadas por semana
ao mangaká. E levando-se em conta
como o mercado está atualmente, eles
têm razão... Outra fonte que fornece
bons mangakás são as várias escolas
de mangá, algumas delas dirigidas
por desenhistas de renome e de onde
saem milhares de alunos formados
anualmente, mas estas escolas ensinam
apenas técnicas de desenho – e técnica
apenas não bastava. Talento para fazer
boas histórias e colocá-las desenhadas
numa folha em branco é um dom
que nasce em poucos. O que estas
escolas mais forneceram foram bons
assistentes para os mangakás.
E por dez anos (1985 a 1995)
este crescimento absurdo e voraz
no consumo dos mangás assolou de
forma irresistível todo o Japão, numa
escala tão rápida que a necessidade
por mangakás não poderia ser saciada
nem mesmo com os novos talentos
fornecidos numa feira semestral
e colossal como o Comic Market,
nem pelos concursos caça-talentos
realizados pelas editoras e muito
menos por escolas de desenho.
Assim como a Marinha Imperial não
podia manter sua força de ataque
ao se espalhar por todo o Pacífico
durante a Segunda Grande Guerra,
as editoras não conseguiram manter
uma alta qualidade nos desenhos
e principalmente roteiros em suas
múltiplas revistas de mangá. O
resultado em longo prazo foi uma
queda lenta, mas continua, na
qualidade das histórias e desenhos
durante este período – em especial nas
revistas que eram “filhos” das grandes
publicações.
Fotos do Comic Market – a maior feira de fanzines do mundo!
A Pausa Negada
O mais sensato que as editoras
deveriam ter feito no começo da
década de 1990 era dar uma pausa
para consolidar o que fora ganho
(segunda fase do Plano de Guerra
do Japão em 1941, lembra?) e talvez,
diminuído a quantidade de publicações
para garantir uma maior qualidade
– consequentemente, cativando mais
os leitores. Mas sugerir tal ideia para
qualquer editora em 1990 teria sido
considerado um absurdo, assim como
sugerir ao Alto Comando do Japão
em março de 1942 para dar uma pausa
após tantas vitórias retumbantes seria
considerado caso para um pelotão de
fuzilamento... Afinal, que motivos
existiam para acreditar que a situação
mudaria tão cedo? Não havia nenhum
perigo à vista, com céu limpo e
sem nuvens no mercado editorial,
exatamente como o céu do Pacífico estava,
antes de os aviões americanos aparecerem
subitamente e afundarem quatro porta-
aviões japoneses em um dia.
Todos os donos de editoras, assim
como os comandantes nipônicos na
Segunda Guerra, estavam cheios de
falsa confiança, arrogância e ganância;
bêbados pelo estupendo crescimento nas
tiragens, nas vendas e principalmente
no lucro de suas publicações. E tal
como os generais e almirantes japoneses
ficaram cheios de falsa confiança,
acharam que este crescimento duraria
para sempre. E todos seguiram
alegremente seu caminho na estrada do
capitalismo selvagem, de clava na mão e
sorriso no rosto.

Rumo ao Abismo
Era o “Mal do Mangá” em ação,
mas ainda sem os efeitos desastrosos
que levaram o Japão à derrota em
1942. Não se tratava de uma batalha
entre porta-aviões que se decidia em
um ou dois dias num jogo de esconde-
esconde onde ganhava quem achasse
e atacasse primeiro. O fim do mangá
– bons mangás, torno a frisar – foi
um processo lento e que teve vários
fatores importantes desligados do
mercado editorial em si. É muito fácil
hoje em dia sentarmos e analisarmos
tranquilamente a questão, tendo
todos os fatos e dados à mão. Mas
ali, no calor do momento, com suas
mentes votadas apenas para a próxima
edição e quanto ela venderia, ninguém
envolvido no sistema parou para
pensar nas consequências futuras.
Mas uma coisa é certa: o primeiro
passo rumo ao abismo foi dado pelas
próprias editoras, que aumentaram
violentamente a quantidade de revistas
sem se preocupar seriamente em
manter a qualidade. E tudo foi movido
pelos mesmos motivos que levaram o
Japão às suas derrotas aeronavais em
1942: excesso de confiança, arrogância
e ganância.
Mas não podemos culpar totalmente
as editoras pelo fim do mangá.
Mesmo os editores mais inteligentes
e atentos não perceberam o
perigo se aproximando, pois até
1995 este crescimento continuou
firme e forte, como mostram
as vendas da Shounen Jump de
1995/96, atingindo a marca épica
de quase SEIS MILHÕES E
MEIO de exemplares semanais
vendidos! Para distribuir milhares
de toneladas de revistas na data
certa (tente imaginar quantas
florestas foram derrubadas para
suprir o papel de uma única
edição!), a Jump era impressa
numa velocidade alucinante
em duas rotativas enomes, pois
nenhuma máquina podia dar
conta de tal produção sozinha.
Agora, multiplique isso por mais
umas trinta revistas semanais – a
menor delas com meio milhão de
exemplares/semana, e você terá
uma ideia de como era gigantesco
o mercado editorial do Japão. Mas
esta mamata estava para acabar.
As editoras e o mercado
de mangá em geral teriam nos
próximos anos os seus equivalentes
às batalhas do Mar de Coral
e Midway, e que perderiam
miseravelmente. Estas batalhas
se chamariam “Internet” e
“Videogame”.

Escritório da Editora Shueisha, que publica a revista de mangá Escritóriod a Editora Shogakukan, que publica a revista de
semanal Shounen Jump. mangá semanal Shounen Sunday.
Parte 3
Nas partes anteriores desta
matéria nós apresentamos as origens
do mangá, seu desenvolvimento
e como foi sua evolução artística
e comercial até se tornar uma
das maiores ferramentas de
entretenimento do mundo. Agora,
falaremos de seu sucesso mundial
e paradoxalmente da sua lenta
decadência artística. Sem dramatizar
a realidade, é correto afirmar que
a década de 1990 assistiu o auge
absoluto e uma queda estrondosa
do mangá. E como isso aconteceu?
É o que explicamos a seguir.

Respeito Mundial
Enquanto as vendas de revistas
semanais de mangá no Japão O mundo começou
atingiam números estratosféricos a prestar atenção
nos mangás
até 1996, neste mesmo período o depois de Akira.
mundo conhecia e reconhecia a força
e a qualidade daquelas estranhas
histórias em quadrinhos desenhadas
de maneira cinematográfica e com
personagens de olhos grandes e
brilhantes. Até 1988, apenas uns
poucos países da Europa (em especial
Itália), muitos do Oriente (Coreia
do Sul e China em especial) e quase
nenhum nas Américas sabia o que
era o mangá. Nos EUA, era quase um
quadrinho de gueto, apreciado por
poucos fãs e publicado valentemente
por pequenas editoras. Mas depois do
sucesso mundial de Akira, dezenas
de países ávidos por mais mangás
descobriram a vastidão de histórias,
desenhistas e revistas que há décadas
eram publicadas no Japão. Foi como
se uma gigantesca represa tivesse
suas comportas abertas de repente,
inundando o planeta com séries
de mangá. Editoras que nunca se
interessaram por “aqueles quadrinhos
estranhos com olhos grandes”, de
repente queriam publicar qualquer
coisa – desde que fosse um mangá.
Era um merecido reconhecimento
mundial após décadas de
trabalho duro e competições
entre as editoras japonesas.
Mas a chegada dos mangás no
resto do mundo, muitas vezes veio
como consequência do sucesso dos
animes – os desenhos animados
japoneses. Fazendo o rumo inverso
ao do Japão, onde primeiro o mangá
deveria fazer um (relativo) sucesso
para virar anime, em outros países o
anime chegava primeiro, para então
surgir uma editora interessada em
publicar o mangá para aproveitar
a “modinha”. Mas o resultado,
de qualquer forma, foi o mesmo:
surgiram em dezenas de países
legiões de fãs de anime/mangá
que se renovam continuamente
até hoje. Sem dúvidas, é uma
das mídias de entretenimento
com maior sucesso no mundo.
Vale citar aqui que, a despeito
do feroz sucesso que Akira teve no
Brasil quando de seu lançamento
em 1988, depois dele pouquíssimos
mangás foram publicados até
a explosão de títulos em 2001.
Nem mesmo a febre do anime
Cavaleiros do Zodíaco em 1994/95
e o conhecimento do sucesso dos
mangás nos EUA estimularam
editoras brasileiras para publicar
alguma coisa. Foi preciso uma editora
dar o primeiro passo publicando os
mangás dos Cavaleiros e Dragon
Ball, para outros editores perceberem
que havia um público sedento por
histórias com “personagens de olhos
grandes”. Mais uma vez o Brasil,
que teve todas as chances para ser
um dos primeiros a publicar mangás
em grande escala no mundo, perdeu
o bonde da história durante mais
de dez anos graças ao desinteresse,
descaso, desconhecimento ou simples
preconceito por parte de editores.

Mais Quantidade,
Menos Qualidade
Juntamente com este sucesso
mundial e o aumento nas vendas
das revistas, aumentaram também a
quantidade de títulos publicados a
níveis e quantidades que chegavam
quase ao absurdo! Usando como
exemplo novamente a Shounen
Jump semanal, ela teve oito outras
revistas “filhas” semanais, quinzenais
e mensais. E todas as grandes revistas
semanais/mensais de mangá entre
1985 até 1996 também seguiram esta
– chamemos assim – linha editorial,
com vários “filhos” para suas
publicações principais. O resultado
foram centenas de publicações para
todas as idades, sexos, gostos e bolsos.
E para dar conta dos milhares
de páginas que todas estas revistas
pediam, um verdadeiro exército de
desenhistas de mangá trabalhava seis
ou sete dias por semana, num ritmo
de produção alucinante. Felizmente,
no Japão há tantos desenhistas
de mangá quanto há jogadores de
futebol no Brasil, portanto mão
de obra qualificada não faltava.
Bons desenhistas há de sobra, já
que o hábito de desenhar desde a
infância é tão comum aos japoneses
quando é o jogo de futebol de rua
no Brasil. Por lá, ser um grande
desenhista de mangá é um sonho
acalentado por dezenas de milhares
de jovens, como por aqui o de ser
um grande jogador de futebol. Não,
o começo do fim do mangá não
foi a falta de bons desenhistas.
Começaram a faltar boas histórias.

Fan Service Domina


Numa produção absurda destas,
qualquer roteiro mediano era bem
vindo, principalmente se o desenhista
fosse muito bom e soubesse desenhar
belas mulheres. Para as editoras,
a qualidade nas histórias não
contava mais nas vendas, apenas
desenhos bonitos, sequências de
luta cinematográficas, megagolpes
e muita, muita sensualidade. Este
novo tipo de mangá usa e abusa de
closes nas calcinhas e partes íntimas
das personagens femininas, tendo até
ganhado um nome próprio entre os
otakus – fan service (serviço para fã).
Uma maneira apelativa de manter a personagens femininas mais sensuais
atenção e interesse do leitor, na falta e com menos roupa. Como nas
de boas histórias, cada vez mais raras pesquisas semanais os comentários
e difíceis de achar entre as toneladas eram sempre elogiosos, os editores
de mangás lançados semanalmente. cobravam dos autores mais fan
Os rumos para esta forma services, e como nenhuma revista
questionável de mangá comercial não concorrente queria ficar para trás,
foram tomados do dia para noite. todos seguiam a mesma tendência,
Foi surgindo aos poucos durante a numa bola de neve que chegou ao
década de 1980, com os mangás a que vemos atualmente nos mangás:
cada nova história lançada trazendo personagens femininas voluptuosas

Bastard não foi o primeiro mangá usar grandes doses de


sensualidade e nudez, mas como foi publicado inicialmente
na Shounen Jump, se tornou um dos responsáveis pelo uso
cada vez maior destas cenas em revistas de mangá semanal.
e sensuais, sempre com saias curtas,
decotes generosos, e em algum
momento da série aparecem nuas ou
seminuas. Tornou-se um hábito tão
banal e corriqueiro tais cenas nos
mangás, que talvez nem mesmo os
próprios autores e editores notem
o que estão fazendo. Um exemplo
próximo a nós destes mangás que
existem apenas para vender imagens
de mulheres sensuais é o famosíssimo
Bastard, ainda publicado no Brasil.
Começou com uma boa história,
mas atualmente é só erotismo e
pancadaria. O fan service se agregou
ao mangá, para melhor ou pior.

Erotismo Demais
Esse rumo fácil para garantir
vendas por partes das editoras foi,
sem dúvidas, uma das pedras no
túmulo dos bons mangás, mas não
foi a única e nem a mais importante.
Determinar um único fator para
o fim do mangá é impossível, mas
alguns dos principais podemos
detectar facilmente. E um deles, foi,
com certeza, o excesso de erotismo.
Além do aumento gradativo
dos fan services, no começo da
década de 1990 surgiram várias
revistas de mangá erótico com alta
qualidade – tanto em desenho quanto
em roteiro. A mais famosa foi a
Candy Time, da Fujimi Publishing,
periodicidade mensal, 250 páginas
e capas sensuais que deixava claro
qual era o conteúdo. Usando um
formato usado apenas em revistas
quinzenais, como a Young Jump
(folhas grampeadas), ela alcançou
notável sucesso de vendas e se tornou
referência para os mangás eróticos,
que eram publicados até então de
forma discreta e usando desenhistas
de terceiro escalão. Após a Candy
Time, dezenas de revistas similares
surgiram, copiando descaradamente
o formato e número de páginas
– mas nem sempre a mesma
qualidade nas histórias. Atualmente,
a Candy Time não existe mais,
tendo sido substituída por outras
revistas de mangá erótico com o
exato mesmo formato e número de
páginas de uma Shounen Jump. Os
mangás eróticos conquistaram um
lugar de destaque nas prateleiras
japonesas, mas também tiveram
sua parcela de culpa no fim do
mangá por estimularem os leitores
a prestar mais atenção no corpo das
personagens do que no roteiro.

Satoshi Urushihara é um dos grandes ilustradores eróticos


e por isso, infelizmente, produz pouquíssimos mangás.
E junto com os mangás eróticos,
começaram a ganhar fama os
ilustradores eróticos no estilo
mangá, como Satoshi Urushihara
(famoso por desenhar suas garotas
com olhos brilhantes bem ao
estilo shoujo), Yui Toshiki, Mon-
mon (que fazia as capas da Candy
Time), Titinoe com suas garotas
peitudas e, mais recentemente,
Yagami Hiroki e sua aplaudida série
de contos ilustrados G-Taste. Se
desejar conhecer algo destes artistas,
uma rápida pesquisa básica na net
via Google Images lhe fornecerá
centenas de ilustrações deles.
E assim chegamos ao meio
dos anos 1990, com o fan service
dominando cada vez mais, as
editoras interessadas em imagem
ao invés de conteúdo, o erotismo
tornando-se lugar-comum em tudo.
Yui Toshiki (acima) está Era o início da decadência, mas
em plena forma, ainda ninguém havia ainda percebido
desenhando muitos
mangás eróticos. Já porque as vendas continuavam
Yagami Hiroki (abaixo)
graças ao sucesso da sua em alta. Mas os efeitos negativos
série G-Taste, só tem feito
ilustrações ultimamente.
em breve começariam a aparecer,
especialmente quando os três maiores
inimigos do mangá começassem a
ganhar força. Seus nomes? Internet,
Videogame e Light Novel.

O Grande Tombo
Nada Virtual
O auge das vendas de mangás
em 1996 foi também o início de
sua maior queda, pois neste ano a
internet já era extremamente popular
no Japão, e se tornava cada vez mais
rápida e barata graças a instalação
em escala nacional dos cabos de fibra
ótica. Qualquer desenhista meia-boca
tinha seu próprio site, onde divulgava
suas ilustrações e fanzines. Seguindo
a tendência, todos os desenhistas de
mangá profissionais também criaram
seus sites. Mas curiosamente, não
surgiram grandes revistas virtuais
de mangá. O motivo disso é que
as editoras decidiram não criá-las,
pois toda a estrutura industrial/
editorial, custo de impressão, pontos
de venda teriam obrigatoriamente
que ser dispensados, o que geraria
uma onda de desemprego sem igual
no Japão. Mas mesmo que fosse
criada uma revista de mangá on-
line, seu retorno financeiro não seria
o mesmo de uma revista impressa,
por mais público que tivesse. Então,
a internet até o momento não
conseguiu substituir os mangás. As
pessoas ainda gostam de ler suas
revistas de maneira física. Mas as
Ragnarok Online e outros
MMORPGs como ele tiraram
milhões de leitores dos mangás.
próximas gerações, quem sabe...?
O estrago começou na virada do
milênio, quando os celulares que
os milhões de estudantes japoneses
usam começaram a ter acesso à
internet rápida tanto para consulta
Jogos de alta qua- como para troca de mensagens.
lidade e a possibi- Surgiram os videogames on-line
lidade de interagir
com milhares de chamados MMORPGs (Massively
outros jogadores
em tempo real, multiplayer online role-playing
se tornaram um
passatempo muito
game), onde milhares de pessoas
mais interessante jogam e interagem como em
aos jovens do que
a tradicional leitura Ragnarok, o primeiro do gênero no
de mangás. Brasil. Estes e outros videogames
tiravam cada vez mais leitores
dos mangás, que foram atraídos e
preferiam jogar com seus amigos
via internet a gastar horas com
leitura. Mesmo uma das mais
tradicionais instituições japonesas
– a leitura de mangás durante as
viagens de ida e volta nos trens
– diminuiu drasticamente com
os celulares interconectados. Era
muito mais divertido fofocar com
as colegas ou namorar via Torpedo
do que ler um shoujo mangá. E
quando não eram os celulares ou os
MMORPGs que tiravam o tempo de
leitura dos mangás, os videogames
portáteis terminavam o serviço.
Com a chegada do Playstation
2 em 2000, que permitia jogos on-
line, outro tijolo foi acrescentado
ao túmulo do mangá. As crianças
e jovens começaram a passar mais
tempo jogando que lendo mangás
nas horas de entretenimento. Com
gráficos mais realistas, estupendos
efeitos visuais e sonoros, não havia
como os mangás em preto e branco
competirem com os videogames.
E nem se pode culpar os jogos
eletrônicos por isso, já que foram
as próprias editoras que haviam
decidido desde o começo dos anos
1990 trilharem o caminho do lucro A maioria das melhores histórias publicadas no Japão
atualmente estão nas Light Novels, com as de maior sucesso
fácil, valorizando o visual e deixando ganhando suas próprias séries de anime.
de lado roteiros mais elaborados. Os
anos de descaso e descuido vinham
agora cobrar o seu preço, pois se a
disputa era para ver quem tinha o
desenho mais bonito e colorido, jogos
em PC ou videogames ganhavam de
goleada! E assim, a partir de 1996,
as vendas de mangás começaram
a ter uma lenta e imutável queda,
que nenhum desenhista conseguiria
mudar, por melhor que fosse. Mas
não devemos ser muito cruéis ao
criticar as decisões que derrubaram
violentamente as vendas dos
mangás. Afinal, no auge das boas
vendas, quem poderia imaginar
uma queda tão brutal? Mas houve
também comodidade e despreparo
com o futuro, e o resultado foi que
as editoras de mangás japonesas
entraram no novo milênio
cancelando publicações, diminuindo
tiragens e dispensando desenhistas.
Mas a humilhação maior, a prova
cabal que boas histórias de mangá
eram coisa do passado, chegaram
na forma de Light Novels.

Livros de Bolso
Humilham os Mangás
Antes de prosseguir precisamos
explicar o que é uma Light Novel.
Chamadas no Japão de Ranobe ou
Rainobe, são histórias escritas para
publicação em revistas de contos
ilustrados como a Gekkan Dragon
Magazine ou a The Sneaker. Tem
como alvo os adolescentes e jovens
– mesmo público do mangá, note.
Quando já foram publicados vários
capítulos de uma série, estes são
reimpressos numa única edição em
forma de livros de bolso, o mesmo
esquema usado nos mangás semanais. poucos mangás estão ganhando versão
Desde o começo deste milênio revistas animada. Devido ao sucesso de vendas
de Light Novels têm conquistado das Light Novels, tem sido muito
cada vez mais leitores, e muitas mais vantajoso investir em animes
histórias publicadas se tornaram para elas. É uma situação totalmente
animes e – ironicamente – mangás! diferente das décadas de 1980/90,
Algumas adaptações de Light Novels quando mangás tinham seus animes
para mangá foram publicadas no garantidos e alguns até recebiam
Brasil, como Trinity Blood, Fullmetal versões em Light Novel! Para dar uma
Panic e Record of Lodoss War. ideia da quantidade de Light Novels
Atualmente, mais da metade dos que os fãs de anime gostam sem saber,
animes produzidos para TV são aqui vai uma pequena relação das mais
adaptações de Light Novels. Tirando famosas: Suzumiya Haruhi, Fullmetal
séries de grande sucesso como Bleach, Panic, Koukaku no Regios, Trinity
Naruto, One Piece e Fairy Tail, Blodd, Vandread e Lodoss War.
As Light Novels estão
dando uma surra nos
mangás atuais, a ponto
O segredo para este sucesso é bem
de ganharem versões simples: as melhores e mais criativas
em anime, videogame
e... mangás! Situação histórias estão nas Light Novels,
exatamente oposta dos e não mais nos mangás. Diferente
anos 1980, quando
mangás tinham suas de um mangá, onde o autor precisa
versões em desenhar e fazer uma boa história,
Light Novel!
o escritor de uma Light Novel só
precisa se concentrar em escrever – e
os prazos de produção são bem mais
flexíveis, o que livra os autores das
estressantes e temidas “deadlines”
(jargão para a data de entrega do
serviço). E há o motivo óbvio: uma
revista de contos TEM que ter boas
histórias que prendam a atenção
do leitor ou... não vendem! E assim
como nas grandes revistas de mangás,
as revistas de Light Novels também
realizam concursos para atrair novos
talentos, mantendo a alta qualidade.
Belo tapa na cara dos editores de
mangá, que não procuraram manter
a qualidade de suas publicações.
Enfim, cada um colhe o que planta!
No mangá Bakuman (abaixo), é contada de maneira romanceada
a estressante produção de um mangá semanal, e quão feroz é a E Há Salvação?
competitividade no mercado editorial japonês.
Graças a um conjunto de fatores
internos e externos que apresentamos
nestes três capítulos desta matéria,
o mangá chega aos dias atuais no
fundo do poço, com a Shounen Jump
vendendo dois milhões e oitocentos
mil exemplares por semana – menos
da metade do auge de 1996, e as
outras revistas têm quedas piores
ainda! A qualidade dos mangás
atuais é uma mera sombra dos áureos
tempos dos anos 1980 – há bons
mangás, claro, mas infelizmente são
minorias. Das centenas de revistas
publicadas nos anos 1990, mais da
metade foi cancelada, o que não
ajudou no aumento das vendas.
O público japonês simplesmente
não se interessa mais por mangá
como antigamente, pois aprendeu
a procurar boas histórias em outros
lugares. Mas o mercado editorial
japonês está longe do fim. Apesar
de todos os tombos que tomou,
ele sobreviveu e se adaptou.
Analisando friamente, apenas não
existe mais a venda fácil e garantida
dos anos 1980, visto que tantas
outras formas de entretenimento
surgiram para disputar espaço com
as revistas semanais. As vendas
caíram, mas as editoras, não.
Paradoxalmente, o Comic Market
está mais vigoroso do que nunca
– tanto em fanzineiros como em
público, e continua sendo a melhor
fonte para encontrar novos talentos.
A esperança sobrevive na mão
dos desenhistas novatos, de onde
virá a futura geração de mangakás
que daqui alguns anos teremos a
chance de ver em ação. Aos que
desejarem vê-los agora, só indo
a um Comiket e outras feiras de
fanzines do Japão para encontrá-los.
A solução mais aparente, se
as editoras quiserem sobreviver e
recuperar uma fração da glória de
quase trinta anos atrás, é investir
cada vez mais na qualidade – tanto
de desenhos como de histórias.
Não há outra maneira de
competir com a internet e
os videogames, que não seja
com histórias bem contadas e
desenhadas. Felizmente, o Japão
ainda tem tantos desenhistas
profissionais quanto o Brasil
tem jogadores de futebol.
Gente de talento para a tarefa,
portanto, não falta. Esperemos
que as editoras japonesas
estejam se empenhando em
como reverter esta situação.
Pois se nada for feito, logo
terão que se render ao sucesso
das histórias nas Light Novels,
e passar a publicar versões em
mangá delas. Esta situação ainda
está longe de uma solução, e a
nós brasileiros resta torcermos
para que as coisas melhorem.
Até lá é peneirar os mangás
que lemos, para achar as
pepitas que valem a pena.

Escreveu Sérgio Peixoto Silva,


leitor de bons mangás desde 1975
que já viu dias melhores, mas
torce para que eles voltem.
Como conheci Sérgio Peixoto
De repente, fui convocado para assumir a Sérgio Peixoto. E aí sim fui descobrir o grande
chefia da Divisão de Cinema da extinta Rede profissional e companheiro que ele é! Foi atra-
Manchete. Ao contemplar a “herança”, notei que vés dele que aprendi a nomenclatura correta: os
as séries japonesas tinham um lugar de destaque: desenhos animados e séries japonesas passaram
Jaspion, Jiraya, Changeman, Flashman e tantos a ser ANIMES e TOKUSATSUS. Sem nunca
outros continuavam gerando audiência indi- reclamar, atendia meus telefonemas e tirava
ferente aos momentos de crise que a emissora todas as minhas dúvidas. Eu achava incrível
vivia em 1993. Em 1994 surgiu “Os Cavaleiros o conhecimento profundo e a memória dele!
do Zodíaco” e tudo passou a fazer sentido. Mais tarde vim a conhecer outro lado profis-
 Lembro bem quando conheci, pessoal- sional de Sergio Peixoto, como um competente
mente, o meu grande amigo Sérgio Peixoto. organizador de eventos de Anime! Foi através
Eu havia acabado de tirar do ar a série Sailor dele que pude falar em público sobre a minha
Moon por baixa audiência. Recebi uma pasta experiência na Rede Manchete.
com mais de seis mil assinaturas pedindo para  Espero que, assim como eu, vocês te-
que a série não fosse tirada do ar. Com tristeza, nham momentos de deleite e informação ao
arquivei o abaixo-assinado e solicitei a minha saborear cada página desse maravilhoso livro
secretária que enviasse uma resposta justifican- que, certamente, servirá de referência para os
do a saída da série. profissionais e interessados, e será considerado
 Um pouco depois, participei de um evento como um valioso item de coleção para qualquer
em São Paulo. Assim que entro, sou cercado Otaku, pois foi escrito por alguém que entende
por moças e rapazes que aos sussurros, diziam: do assunto.
“Vai! Corre lá! Chama o Peixoto! Vai logo!
Corre!”. Olhares pesarosos caiam sobre mim: Eduardo Miranda - foi o Diretor da Divisão de Cinema da Rede
Manchete, sendo o responsável pela exibição de vários séries
“Você é o Eduardo Miranda? Aquele da Man- japonesas memoráveis como Yuyu Hakusho, Sailor Moon, Cy-
chete? É você mesmo?” Ao invés e ver admira- berCops, Winspector e Ultraman. Foi ele que convenceu a Rede
Manchete exibir a série Os Cavaleiros do Zodíaco.
ção nos olhos deles, eu via receio e medo. Algo
não estava bem ali... E era comigo...
Surge uma figura estressada, olhos arrega-
lados, aperta a minha mão e pergunta: “É você
o Eduardo Miranda da Manchete?” Assim que
acenei positivamente com a cabeça, ele ordena:
“Levem o Miranda lá pra trás!” Pensei... Fer-
rou! O que vão fazer comigo? Soltei um sonoro
“HEY!” e disse: “Peraí pessoal! O que está
acontecendo?” E Peixoto me explica: “Então
Miranda... Você não tirou a Sailor Moon do
ar?” Assustado, acenei com a cabeça que sim.
“Tá vendo aquela galera lá no canto? São fãs da
Sailor Moon e querem bater em você! Melhor
ficar por aqui até os ânimos se acalmarem!”
Quando olhei para o tal canto, havia rapazes e
moças bem grandes e enfurecidos olhando por
cima da multidão, como nazistas procurando
por judeus!
 Essa primeira “aventura” serviu para estrei-
tar os laços de amizade e confiança entre mim e
Nº 01 - R$ 24,90

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