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A Legião Estrangeira: “marche ou morra!

Presente em destacados conflitos internacionais desde o século XIX, a Legião


Estrangeira, força militar francesa formada basicamente por combatentes contratados,
carrega, há quase dois séculos de existência, um dos mais emblemáticos lemas:
marche ou crève (marche ou morra).
Criada em 1831, a Legião Estrangeira francesa era composta basicamente por
soldados de exércitos dissolvidos e imigrantes marginalizados, os quais foram
empregados, pela primeira vez, de modo efetivo, na conquista da Argélia para
desonerar o exército regular e reduzir o derramamento de sangue francês durante a
expansão do seu império colonial.
Não obstante sua participação em importantes guerras como a da Crimeia contra os
russos (1853-1856) e a Franco-Prussiana (1870-1871), a Legião era
reconhecidamente uma tropa ainda sem coesão, atuando em condições precárias que
acarretavam frequentes baixas em suas fileiras.
Com o intuito de empregar a Legião de modo mais efetivo, a partir do século passado,
o Exército Francês passou a se dedicar à formação e ao preparo dos legionários,
transformando-os em uma tropa regular e profissional, estruturada e equipada aos
moldes das demais Forças Armadas. Essa mudança pôde ser percebida,
principalmente, a partir da 2ª Guerra Mundial, ocasião em que os legionários
combateram em reforço às tropas francesas no norte da África.
Na segunda metade do século XX, os legionários estiveram presentes em
intervenções no Zaire e no Chade, na África, além de terem participado como Força
de Paz no Líbano e atuado na Guerra do Golfo. Atualmente, estão presentes em
missões de segurança e em zonas de conflito no Oriente Médio e na África Central.
A Legião Estrangeira possui um efetivo de aproximadamente oito mil combatentes,
oriundos de mais de cem países, vinculados a um contrato inicial de cinco anos. Nos
primeiros anos, os legionários são submetidos a restrições de direitos como o de

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adquirirem determinados bens ou de constituírem família. Com o passar dos anos,
podem ascender a graduações ou ao posto de oficial a titre étranger (a título
estrangeiro), por desempenho profissional, podendo estender seu tempo de serviço
por intermédio de contratos sucessivos.
O recrutamento de candidatos é realizado ininterruptamente todos os dias do ano. Por
questões de controle, busca-se estabelecer o equilíbrio quantitativo em relação à
nacionalidade dos legionários, já que os estrangeiros vindos de lugares, como a
região dos Bálcãs, o Leste europeu, a Ásia ou a América do Sul, incorporaram o lema
Legio Patria Nostra (A Legião é nossa Pátria), havendo a possibilidade da concessão
da cidadania francesa por tempo de serviço ou em casos de ferimento em combate.
Os voluntários, via de regra, são motivados pela busca de uma vida nova ou por
ambições financeiras, sendo geralmente homens com idade entre 18 e 40 anos. Ainda
que não falem francês e não tenham experiência militar, esses candidatos são
recrutados em unidades como o 1º Regimento Estrangeiro (1º RE) em Aubagne, ao
sul do país, ou o Fort Nogent, na Capital.
O processo de seleção é composto por testes físicos, exames médicos, teste
psicotécnico e entrevista em que se busca excluir possíveis criminosos procurados
pela Interpol. Delitos menores podem ser relevados mediante a avaliação de uma
comissão de oficiais, que assegura aos selecionados o direito ao anonimato e a uma
nova identidade. Após a seleção inicial, começa a formação básica, com duração
média de 16 semanas, no 1º RE. Finalizada a formação, mediante escolha por
classificação meritória, o legionário é designado para uma das unidades, dentro ou
fora da França.
Organizada basicamente em Regimentos de Infantaria, Cavalaria, Engenharia e
Logística, a Legião possui tropas especializadas em operações no deserto,
paraquedismo, operações na selva, mergulho, combate urbano, montanhismo, dentre
outras.
Além do 1º RE, na França, pode-se destacar o 2º Regimento Estrangeiro de
Paraquedistas (2º REP), localizado na ilha mediterrânea de Córsega, que é uma
unidade famosa pela participação em combates históricos e pela capacidade de
pronto emprego. Ressalta-se, também, já na fronteira com o Brasil, o 3º Regimento
Estrangeiro de Infantaria (3º REI), localizado na Guiana Francesa. Essa unidade
especializada em operações na selva é também encarregada da segurança do Centro
Espacial Europeu naquele país.
Reconhecendo a excelência da formação do combatente de selva brasileiro, é comum
oficiais legionários candidatarem-se ao Curso de Operações na Selva do Centro de
Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus (AM), ao assumirem o comando de
subunidades do 3º REI. O objetivo desses legionários é agregar ao currículo, além da
capacitação técnica em ambiente de selva, o prestígio profissional pela conclusão do
referido curso no Brasil, mantendo um canal para a troca de experiências doutrinárias
entre o CIGS e o Centre d’Entraînement en Forêt Équatoriale (CEFE - Centro de
Treinamento da Floresta Equatorial), que é a base de instrução que forma os
combatentes de selva franceses.
Ainda que ao longo do tempo a Legião tenha se tornado uma tropa multiespecializada
e profissional, estima-se que dezenas de milhares de legionários já morreram
defendendo os interesses franceses ao redor do mundo, na maioria das vezes, alheios
às motivações que os levaram àquele conflito. Dado o rigor de sua formação e o seu

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efetivo emprego em conflitos armados ao longo da história, os legionários ou “boinas
verdes” conquistaram o respeito do país ao pouparem o sangue francês em guerras e
por fomentarem a admiração de milhares de jovens de diversas nacionalidades que
sonham em mudar sua realidade ao conseguirem fazer parte desse grupo.
Considerando toda a mística que a envolve, e até mesmo as controvérsias acerca do
seu passado, é improvável manter-se indiferente à história dessa legião de
profissionais da guerra, muitos sem passado e sem nome, majoritariamente sem
vínculo cultural ou idiomático entre si, formando atualmente uma corporação reputada
por demonstrações de coragem e pelo culto à lealdade e à tradição, que evoca uma
célebre passagem que remete a seus soldados: Estrangeiros que se tornaram a
canção da França, não pelo sangue que herdaram, mas pelo sangue que deram.

Marcado em: #legionários, #força militar francesa, #conflitos armados

SOBRE O AUTOR Paulo Rafael Ferreira Bastos

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