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AS ROTAS DA VARÍOLA:
Perspectivas sociais da disseminação
da varíola e do serviço de vacinação
no Rio de Janeiro...
Poliana Orosa
AS ROTAS DA VARÍOLA: Perspectivas sociais da disseminação da varíola e do serviço de vacinação
no Rio de Janeiro Imperial (1830-1880).

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A epidemia de variola e o medo da vacina em Goias


Eliézer Oliveira
POLIANA OROSA RODRIGUES

AS ROTAS DA VARÍOLA:
Perspectivas sociais da disseminação da varíola e do serviço de vacinação
no Rio de Janeiro Imperial (1830-1880).

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,


apresentado a Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do
grau de Licenciatura em História.

Orientadora: Profa. Dra. Claudia Rodrigues.

RIO DE JANEIRO
2021
Orosa Rodrigues, Poliana
As rotas da varíola: Perspectivas sociais da
696 disseminação da varíola e do serviço de vacinação no
Rio de Janeiro Imperial (1830-1880). / Poliana
Orosa Rodrigues. -- Rio de Janeiro, 2021.
96f.

Orientadora: Claudia Rodrigues.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) -
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Graduação em História, 2021.

1. História Social. 2. História da Medicina. 3.


Varíola. 4. Epidemias. 5. Corte Imperial. I.
Rodrigues, Claudia, orient. II. Título.
3

POLIANA OROSA RODRIGUES

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,


apresentado a Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do
grau de Licenciatura em História.

Aprovado em:

Banca examinadora:

_________________________________________________
Profa. Dra. Claudia Rodrigues
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO

_________________________________________________
Profa. Dra. Mariana Muaze
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO

_________________________________________________
Profa. Dra. Laurinda Maciel Rosa
Casa de Oswaldo Cruz – COC/Fiocruz

Rio de Janeiro
2021
AGRADECIMENTOS

Este trabalho é principalmente fruto do meu interesse pela história da erradicação


da varíola no mundo. Por isso, devo primeiramente agradecer à Casa de Oswaldo Cruz
pela oportunidade de trabalhar em seu amplo e diverso acervo sobre a História da Saúde.
Em especial, não posso deixar de agradecer à Laurinda Rosa Maciel, pela paciência,
parceria, amizade e pela possibilidade de conhecer através do acervo sonoro, o trabalho
de Cláudio do Amaral Jr, cujo projeto me inspirou imensamente na elaboração desse
trabalho.
Devo também gratidão absoluta à minha família pelo contínuo apoio e por
aguentarem todos os sequenciais discursos sobre doenças em meio a uma pandemia
global e a todo silencio que me concederam para escrita neste período de isolamento
social. Ele foi essencial para mim e meu trabalho. Não posso deixar de reverenciar
especialmente a minha mãe, que nunca duvidou da minha capacidade e dos meus sonhos.
Que me guiou e continua a guiar por todo o caminho da magistratura, você é e sempre
será a minha referência.
Preciso também agradecer à família que construí dentro da faculdade. Meus
queridos ‘Uniamigos’, vocês tornaram a jornada acadêmica extremamente especial e
única: Gabriella, Ian, Keyla, Lara, Lucas, Murilo e Presotto. O nosso apoio e união
sempre foi incansável e por isso devo a todos vocês minha eterna gratidão.
Em especial preciso retribuir à Lara pela companhia inabalável em todas as
ocasiões, principalmente no amor pela Paleografia. À Lucas, por ser meu padrinho
acadêmico e meu conselheiro interminável. E a Gabriella, pelo companheirismo,
conselhos e parceira ao longo desse caminho. Minha amiga Letícia, por ser minha metade
e meu pilar até aqui, dividimos muito mais do que só a Unirio, mas sim intermináveis
idas e voltas entre São Gonçalo e a Ilha do Governador, obrigada pela amizade e
cumplicidade de todos os dias. Por todas as revisões, conselhos, e colo quando eles foram
necessários.
Não posso deixar de mencionar aqui aquela que, fora da faculdade, me apoiou e
continua a apoiar. Obrigada Ingrid, pela companhia, por me acalmar em momentos
difíceis e por sempre estar ali em todas as vezes que foi preciso.
Finalmente, não posso deixar de agradecer a minha orientadora, Claudia Rodrigues,
por acreditar no meu projeto, pelo apoio, paciência e parceria nesse período. Seu
5

acompanhamento foi crucial para elaboração desse trabalho e por ele sou eternamente
grata.
“Em certo sentido, a doença só passa a
existir quando decidimos de comum acordo que
ela existe – percebendo-a, dando-lhe nome e
respondendo a ela.”

C. E. Rosenberg
7

OROSA, P. R. As rotas da varíola: Perspectivas sociais da disseminação da varíola e do


serviço de vacinação no Rio de Janeiro Imperial (1830-1880). 2021. 96p. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em História) – Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

RESUMO

Essa monografia analisa a presença da varíola e as tratativas de combate à doença na


cidade do Rio de Janeiro, especialmente na Corte, entre as décadas de 1830 e 1880.
Considera como a doença se portava na cidade, como seus moradores reagiam diante da
ameaça da varíola, e também as razões pelas quais, apesar de haver órgãos responsáveis
pelo serviço de vacinação desde 1811, a Corte apresentou casos de varíola de forma
endêmica e epidêmica durante grande parte do século XIX. Utiliza principalmente a obra
de Barão de Lavradio, uma das principais figuras médicas da época, e sua obra “Esboço
historico das epidemias que tem grassado na cidade do Rio de Janeiro desde 1830 até
1870”, e notícias de jornais, com o intuito de investigar a presença da varíola no cotidiano
do Império. Por meio desta análise, busco compreender como a Corte Fluminense se
comportava diante da ameaça da varíola, investigando a população, os que exerciam o
saber popular da cura e a prática científica; as teorias médicas e o teor social envolvido
nas mesmas.

Palavras-chave: História social, História da Medicina; Varíola, Epidemias; Corte


Imperial.
OROSA, P. R. The ways of smallpox: Social perspectives on the spread of smallpox
and the vaccination service in Imperial Rio de Janeiro (1830-1880). 2021. 96p. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em História) – Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the presence of smallpox and the struggle against the
disease in the city of Rio de Janeiro, especially in the Royal Court, between the 1830s
and 1880s. Taking into account how the disease behaved in the city and how it’s residents
reacted to the threat of smallpox, and also the reasons why, despite the existence of
entities responsible for the vaccination service since 1811, the Court presented cases of
smallpox both endemic and epidemic ways, during all the 19th century. We will mainly
use, the work of Baron de Lavradio, one of the main medical figures of his time, and his
work “Esboço historico das epidemias que tem grassado na cidade do Rio de Janeiro
desde 1830 até 1870”, and excerpts found in newspapers, with the aim of investigating
the presence of smallpox in the daily life of the Brazilian Empire. In order to understand
how the Fluminense Court behaved in the face of the smallpox threat, analyzing the
population, those who exercised the popular knowledge of healing and scientific practice;
medical theories and the social content involved in them.

Keywords: Social History, Medical History, Smallpox, Epidemics, Imperial Court.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................10
CAPÍTULO 1 - A história da varíola no mundo e suas principais características .14
1.1 A varíola no corpo humano .................................................................................. 14
1.2 A varíola em suas formas...................................................................................... 16
1.3 Práticas de cura ocidentais no combate a varíola.................................................. 22
1.4 A Progressão da varíola (séc XV ao XVIII) ......................................................... 29
CAPÍTULO 2 - A varíola no Brasil .............................................................................34
2.1 A provável chegada da varíola e sua presença no Brasil colônia ......................... 34
2.2 A prática de cura colonial ..................................................................................... 40
2.3 A vacina jenneriana em terras brasileiras ............................................................. 47
CAPÍTULO 3 - A varíola na capital do Império ........................................................56
3.1 O cotidiano da varíola na corte ............................................................................. 56
3.2 O estabelecimento da prática médica licenciada .................................................. 64
3.3 Varíola: biológica, social e cultural ...................................................................... 75
CONCLUSÃO................................................................................................................85
FONTES ........................................................................................................................88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................92
INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar o curso da varíola na cidade do Rio de Janeiro,


durante o século XIX e as primeiras tratativas de políticas públicas de combate à doença,
incluindo a obrigatoriedade da vacinação, até o processo que levou à consolidação da
prática médica fundamentada no saber científico, na segunda metade do século XIX. A
reunião destas questões ajuda a entender o ponto central deste trabalho de fim de curso
que é sobre quais foram as formas de contenção da varíola utilizadas no período, fossem
elas ligadas às práticas populares de cura ou às médicas, de que forma as instituições
imperiais se posicionaram diante do avanço da doença e se tais ações obtiveram impacto
no controle da varíola.
Apesar de haver órgãos responsáveis pelo serviço de vacinação desde 1811,
posteriormente substituídos pelo Instituto Vacínico (em 18461), a cidade do Rio de
Janeiro apresentou casos de varíola de forma endêmica e epidêmica durante grande parte
do século XIX. Frente a esses surtos, os esforços públicos de saúde foram pouco efetivos
e desarticulados e os médicos envolvidos no processo de erradicação da enfermidade,
mesmo próximos ao governo imperial, teciam críticas ao que consideravam ser a falta de
ação dos governantes.2
Nesta análise, examinaremos a existência da doença e as tratativas de combate
à varíola na cidade do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1830 e 1880. Utilizaremos
principalmente a obra de Barão de Lavradio, uma das principais figuras médicas da época,
“Esboço historico das epidemias que tem grassado na cidade do Rio de Janeiro desde
1830 até 1870”, e trechos encontrados em jornais, com o intuito de investigar a presença
da varíola no cotidiano do Império.
A justificativa para este estudo é que a historiografia - principalmente em
trabalhos como o de Tânia Maria Fernandes - se concentrou mais no estudo das brechas

1 GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; DA ROSA, Camila Andrade Pereira; CAMERCINI, Taise
Fernandes. A Varíola nos tempos de Dom Pedro II. Cadernos de História da Ciência, [S.l.], v. 7, n. 1,
maio 2019, p. 59
2
FERNANDES, Tania Maria. Vacina antivariólica: visões da Academia de Medicina no Brasil Imperial.
Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, supl. 1, 2004, p.145.
11

referentes à chegada da linfa, à cidade; sua aplicação na população; a atuação da


Academia Imperial de Medicina3; como os médicos se organizaram e se posicionaram em
relação à doença; além dos avanços relacionados ao transporte e introdução da linfa na
cidade. Trabalhos como o de Magali Romero analisaram o impacto da doença nos povos
indígenas, como estes foram dizimados pela varíola, a utilização da variolização por
jesuítas e o lado científico da doença. Entretanto, esse trabalho se restringiu em analisar
a região Norte do país.
A partir da leitura dos trabalhos historiográficos, foi possível identificar a forte
presença da doença durante o século XIX, nos relatórios médicos do período, na obra de
José Pereira Rego4 e também na extensa quantidade de anúncios mencionando escravos
marcados pela varíola5, indicando que a doença não só estava presente naquela sociedade
como também acometia com grande intensidade a população escrava, a ponto de as
marcas deixadas por ela serem um elemento a mais de identificação dos escravos
fugitivos. Analisarei igualmente como a população da corte entendia e convivia com a
doença e a quem recorriam quando esta chegava em suas casas.
Dialogando com as pesquisas de Sidney Chalhoub, buscarei investigar como a
população escrava estava conectada à doença, não só como grupo mais afetado, mas
também como grupo que possuía suas próprias práticas de cura6. Tal saber não se limitou
somente a esta população, uma vez que a técnica da variolização, tão comum no
continente africano,7 também se fez presente como prática de cura nos serviços de
curandeiros em atividade por toda a cidade. Para isso me apoiarei igualmente em Charles
Rosenberg8, procurando entender como a classe social e os conceitos da classe médica e
das próprias lideranças de províncias podem ter influenciado as medidas de contenção da
doença.
Minha intenção aqui é compreender como a Corte Fluminense se comportava
diante da ameaça da varíola; enfocar a sociedade em busca de identificar diferentes
práticas de cura da doença entre os que exerciam o saber popular da cura e a prática

3
FERNANDES, Op. cit.
4 Esboço historico das epidemias que teem grassado na cidade do Rio de Janeiro desde 1830 até 1870”.
Diário Official do Império do Brazil , Rio de Janeiro, 1872
5
Hemeroteca Digital, BN. Diário do Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1822, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/1333 Acesso: Maio de 2021.
6
CHALHOUB, Op. cit.
7
LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como
agente de bioterrorismo. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 48, n. 4, Dec. 2002, pp.359.
8
ROSENBERG, Op. Cit., p.306.
12

científica; as teorias médicas e o teor social envolvido nas mesmas. Apesar de o discurso
médico brasileiro ter se apropriado de teorias sobre doenças9, essas também tiveram a
influência de discursos locais.
Levando em consideração esse objetivo, é fundamental entender os processos
relativos ao cotidiano da Corte, como técnicas de cura e a influência da religiosidade.
Além disso, também será necessário compreender como funcionavam e atuavam os
órgãos governamentais e médicos envolvidos no combate à doença e suas lideranças. Os
responsáveis por esses órgãos eram, em sua maioria, ligados à elite médica da época e
por isso é importante entender a dinâmica destes grupos, além de analisar quem eram
essas figuras e qual foi o papel exercido por elas. Explorando todos esses pontos, será
possível examinar o impacto da varíola nesta sociedade e podermos entender melhor
como esses acontecimentos posteriormente culminaram nas fortes epidemias que
atingiram a corte nas últimas décadas do século XIX.
Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, analisaremos as
características principais da doença, já que se trata de uma doença erradicada
mundialmente na década de 1980. Em seguida, observaremos as primeiras evidencias
históricas do surgimento da doença, e como esta progressivamente se espalhou pelos
continentes, adquirindo características culturais próprias em cada um deles. Abordaremos
também as técnicas de cura empregadas no controle da varíola no ocidente, até a
descoberta da vacina de Jenner.
No segundo capítulo, apresentaremos a chegada da varíola no Brasil, e como
ela está intimamente relacionada ao projeto imperialista europeu. Em seguida,
observaremos como as práticas de cura ocidentais se desenvolveram no contexto colonial,
adquirindo formatos únicos, até que eventualmente a vacina jenneriana chegasse à solo
brasileiro.
No terceiro e último capítulo, será analisado a constância e presença da varíola
na corte carioca, levando em consideração o andamento dos órgãos de vacinação e o
aspecto das marcas da varíola nos anúncios de escravos publicados nos periódicos da
época. Refletiremos ainda sobre como o processe de institucionalização da prática médica
interferiu e influenciou o combate a varíola na cidade. Analisaremos as brechas sociais e
institucionais do sistema de vacinação, levando em consideração seu direcionamento, e a
resistência de parte da população ao mesmo. Por fim, observaremos como os escravizados

9
FERNANDES, Op. Cit., p.144
13

foram responsabilizados por disseminar a varíola no Rio de Janeiro, e ainda como os


próprios mantiveram, apesar da repressão institucional, as suas próprias concepções de
cura.
CAPÍTULO 1
A história da varíola no mundo e suas principais características

1.1 A varíola no corpo humano

A varíola é uma enfermidade cuja presença na história humana é bastante longa.


Trata-se de uma doença viral, originária do gênero dos Orthopoxvirus, que não necessita
da presença de um hospedeiro, atacando diretamente o corpo humano. Dividide-se em
duas cepas virais principais de contaminação, a varíola major, mais letal e mais virulenta;
e a varíola minor, menos agressiva ao corpo humano e menos virulenta.10 Por ser um vírus
que não necessitava de um intermediário, como ocorre com outras doenças como a
dengue, o que dificulta o combate a doença, tornou-se elegível a erradicação. Após ampla
e massiva campanha de vacinação, ocorreu mundialmente em 1980.
De modo geral, a varíola podia ser ao mesmo tempo, endêmica e epidêmica nas
sociedades por ela afetadas. Geralmente associada como enfermidade da infância – sua
forma endêmica e mais comumente vista. A forma epidêmica da varíola foi em muitos
casos desencadeada pelo alto número de pessoas não imunes em um local. Nesse sentido,
alguns processos como imigração, rotas de comércio e guerras, que provocavam uma
intensa circulação de pessoas, também poderiam alavancar uma epidemia.11
Seu contágio se dava através da troca de fluidos ou secreções respiratórias, mais
raramente, por meio de objetos contaminados e contaminação congênita.12 O período de
incubação da doença podia variar entre 12 e 14 dias, os primeiros sintomas podiam incluir
febre, desconforto, vômitos, dor nas costas e dor de cabeça. No caso das crianças, grupo
amplamente acometido também podiam ocorrem convulsões.13 Após esse período
geralmente o indivíduo tinha uma breve melhora, no passado era comum que as pessoas
retomassem seus afazeres diante da ligeira recuperação. Por vezes, isso acabava por
disseminar ainda mais a doença. Entretanto, eram ainda desconhecidas às verdadeiras

10
SNOWDEN, Frank. Epidemics in Western Society Since 1600: Smallpox (I): "The Speckled Monster"
(Yale University: Open Yale Courses.
11
FENNER F, Henderson D, Arita I, Jezek Z, Ladnyi ID. ‘The history of smallpox and its spread around
the world’. In: Fenner F, Henderson D, Arita I, Jezek Z, Ladnyi ID, editors. Smallpox and its
eradication. Geneva: WHO; 1988, p.210.
12
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
13
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
15

razões do adoecimento, bem como seu poder de contágio e por esta razão, não se sabiam
ainda da necessidade de quarentena e isolamento.14
Posteriormente, surgiam os sintomas mais característicos da varíola com o
aparecimento progressivo das erupções cutâneas, se espalhando geralmente da mucosa
oral, rosto até as extremidades do corpo.15 Nesse ponto, o paciente podia apresentar
dificuldade de falar e engolir e também podia apresentar lesões na língua e céu da boca.
O surgimento progressivo de pus nas feridas também podia ocasionar delírios, febre
intensa e em casos mais graves, sepses. Numa era sem a presença dos antibióticos, a morte
ocasionada por infecções secundárias era muito comum. Quando o indivíduo sobrevivia.
dependendo da intensidade dessas lesões e das complicações causadas pela doença, esses
danos físicos poderiam se tornar permanentes.16As marcas irreversíveis são um dos danos
posteriores principais da varíola, assim como foi à cegueira. Frank Snowden aponta que
durante os séculos XVII e XVIII a varíola foi uma das maiores causadora de cegueira na
Europa.17 Além disso, a desfiguração causada em diversas pessoas certamente teve
impacto no mercado dos casamentos. Também se destacam os danos psicossociais
gerados pela doença, pois a aparência das pessoas era modificada para sempre.18
Em relação ao surgimento da doença, as primeiras teorias a respeito da presença da
varíola em humanos são alguns relatos de pragas existentes antes da era cristã, dentre elas
se destacam: a praga de Hititas, ocorrida no Egito em 1346 a.C; a praga de Atenas em
430 a.C; o cerco a Siracusa, que impediu o controle da Sicília pelos cartagineneses em
395 a.C.19 Vestígios físicos de lesões em múmias da 18ª dinastia egípcia a.C.20, também
indicam a presença da varíola no Egito. Outras hipóteses defendem seu surgimento na
Índia, como retratado no livro sagrado do hinduísmo, Atharva Veda.21
Apesar das características singulares posteriores ocasionadas pela varíola,
descrições mais consolidadas pelas pesquisas e bibliografias recentes, definem sua
presença a partir da era cristã, tendo grande presença nos locais com maior concentração

14
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
15
1527 SCHATZMAYR, Hermann G.. A varíola, uma antiga inimiga. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
v. 17, n. 6, Dec. 2001, p. 1527.
16
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
17
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
18
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
19
TOLEDO JUNIOR, Antônio Carlos de Castro. ‘História da varíola’, In: Revista Médica de Minas
Gerais, Minas Gerais, v. 151, fev. 2004, p.58.
20
LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. ‘Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça
como agente de bioterrorismo’. In: Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 48, n. 4, Dec. 2002, pp.357.
21
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.59
16

de pessoas22. O primeiro relato efetivo da doença surge na China nos escritos de Ko Hung,
alquimista da Dinastia Jin, no ano de 340 D.C.23 Com isso, a doença vai progressivamente
se espalhando e aumentando seus relatos, locais com altas concentrações de pessoas,
foram sendo sistematicamente os primeiros a receber a doença. A alta movimentação
ocasionada pelas guerras, e pelas rotas de mercadorias também foram fortes aliadas para
o espalhamento da doença.24

1.2 A varíola em suas formas

Analisaremos aqui o curso da doença entre os continentes, levando em consideração


a maneira como a doença foi tratada, dando ênfase a alguns locais que mantiveram
tradições culturais e sociais específicas sobre a varíola. O primeiro continente a ser
abordado será a Ásia, sendo seguidas da Europa e finalmente na África. O primeiro relato
concreto sobre a presença da varíola na China, como citado acima, é derivado dos escritos
do alquimista Ko Hung, ao detalhar as características da doença e associá-la aos
prisioneiros, grupo majoritariamente contaminado no momento de seus registros.25
Entretanto, Donald A. Henderson e al. apontam que T’ou-Shen Niang-Niang, freira
budista, já mantinha tradição de adoração relacionada à varíola na China, desde do século
I. As adorações a T’ou-Shen Niang-Niang foram séculos mais tarde intensificadas, em
meados do século XIX, tornando-se um dos objetos de adoração mais comuns do povo
chinês.26
Já no Japão a foto vermelha de Tametomo, herói de guerra do século XII, que
segundo as lendas, havia impedido um demônio da varíola, costumava ser pendurada nos
quartos dos doentes para auxiliar na recuperação. Além disso, a cor vermelha manteve
forte e antiga associação com a varíola, não só na Ásia como também na Europa, ela
promoveria a recuperação.27

22
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.59
23
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.59.
24
SNOWDEN, Frank. Op. Cit.
25
FENNER F, Henderson D, Arita I, Jezek Z, Ladnyi ID. ‘The history of smallpox and its spread around
the world’. In: Fenner F, Henderson D, Arita I, Jezek Z, Ladnyi ID, editors. Smallpox and its
eradication. Geneva: WHO; 1988, p.216.
26
FENNER F. e al. Op. cit., p. 219.
27
FENNER F. e al. Op. cit., p. 219.
17

Donald A. Henderson e al. também destacam a notoriedade das descrições sobre a


varíola feitas na Ásia quando comparadas aos feitos obtidos por médicos europeus. O
depoimento de um padre cristão que viveu em Alexandria, 30 anos antes da conquista
árabe sobre o Egito, faz uma distinção clara sobre a doença. Distinguindo a gravidade da
doença pela coloração das pústulas, e indicando suas formatações mais agressivas.28
Outra descrição que parece ligada à varíola, é da praga que atingiu invasores etíopes
em Mecca na Arábia em 568 d.C, conhecida como Guerra dos Elefantes. Soldados etíopes
teriam sido atingidos por uma doença grave cujas características das erupções cutâneas
se assemelhariam a varíola, a praga acabou por dizimar quase que completamente o
exército invasor, dando fim ao domínio etíope na Arábia, tal episódio é descrito na sura
105 do Alcorão.29
Ao sul da Ásia, evidencias sugerem que a Índia conviveu com a varíola de maneira
endêmica por pelo menos 2.000 mil anos.30 A teoria ganha sentido ao se examinar o culto
a deusa Shitala Mata, segundo Donald A. Henderson e al. a adoração à deusa aludem aos
tempos mais remotos, mas adquirem maior importância a partir do século XVIII. Sendo
intimamente ligada a varíola, e também patrocinada com templos e santuários por toda a
Índia.
No que diz respeito às práticas de cura utilizadas contra a varíola se destaca o
método da variolização. Fontes apontam que a variolização parece ter se desenvolvido de
forma independente na China e na Índia no século XI, e se disseminado para o resto do
continente.31 O costume podia variar em formas, mas de maneira geral buscava induzir
uma forma mais branda e controlada da doença, que no final garantiria a imunidade contra
a mesma.
A prática mais comumente utilizada consistia na inserção intradérmica das crostas
de erupção variólica em pessoas saudáveis, a variolização hindu era conduzida dessa
maneira. Já no caso chinês o processo era feito através da inoculação nasal das crostas,
por se tratar de um método que se assemelhava as condições de contaminações naturais,
podiam ocorrer quadros mais intensos após a prática. Ambas as formas podiam gerar
febres, exantemas e casos graves.32

28
FENNER F. e al. Op. cit., p. 219.
29
FENNER F. e al. Op. cit., p. 214.
30
FENNER F. e al. Op. cit., p. 217.
31
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
32
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
18

No continente europeu o termo varíola, do latim varius mancha, ou varus foi


utilizado pela primeira vez pelo bispo Marius de Avenches.33 Algumas teorias defendem
que a chegada da varíola em solo europeu ocorreu no momento da expansão dos Mouros
pela Europa, no século VIII. Segundo essa hipótese teriam disseminado a doença pela
Europa Central ao retornarem para o seu território, após serem expulsos pela França34.
Frank Snowden defende, no entanto, que apesar dessas hipóteses, há poucas evidências
que confirmem o fato. Além disso, indícios apontam que a varíola esteve presente no
continente europeu bem antes das cruzadas.35
A varíola se tornou de fato endêmica em muitas partes do continente europeu
durante o século XV, chegando a ser registrada em Paris como uma doença da infância.
Apesar disso, não causou grandes problemas como fez, por exemplo, a peste negra. 36 É
ainda neste século que o termo smallpox passa a ser utilizado. Antonio Carlos Castro
Toledo Jr destaca que o novo vocabulário passa a ser adotado, quando a sífilis foi descrita
como uma nova doença, cujas características eram pústulas grandes (greatpox). O uso de
smallpox iria além das descrições características da doença, mas fariam alusão a
população mais acometida à época: as crianças.37
Até o fim do século XV, a varíola apresentou duas características diferenciadas
no continente, podendo ser identificada sob a forma endêmica e epidêmica em uma
mesma localidade. Em regiões menores (principalmente áreas rurais) e com menos
circulação de pessoas, a enfermidade permaneceu em sua forma epidêmica, com surtos
durante vários anos e atingindo qualquer faixa etária. Em locais urbanos, em que a
aglomeração de pessoas era maior, a doença se manteve na forma endêmica, associada
principalmente à infância.38
No século XVI, com a varíola já estabelecida no continente, epidemias passaram a
ocorrer com mais frequência, e ganham mais notoriedade quando atingem casas reais.
Ainda durante este período, é feita a primeira descrição da varíola como uma doença
contagiosa, em que a contaminação ocorria diretamente de pessoa para pessoa, quem o
faz é Girolamo Fracastoro em sua obra De Contagione et Contagiosis Morbis em 1546.39
Nesse sentido, podemos afirmar que a varíola passa o ocorrer como epidemia nos centros

33
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.60.
34
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.59.
35
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
36
FENNER F. e al. Op. cit., p. 229.
37
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.60.
38
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.60.
39
FENNER F. e al. Op. cit., p. 229.
19

urbanos europeus, entre os séculos XVII e XVIII. Grandes transformações vividas no que
diz respeito à circulação, como a Expansão Ultramarina e o avanço do comércio
transoceânico alavancaram sua transmissão, espalhando-se para outros continentes por
meio da colonização europeia. É justamente durante o século XVII que a varíola substitui
a peste negra, tornando-se a praga mais temida do continente.40
Outra descoberta no ramo médico que também ocorre no século XVII é do físico
Thomas Sydenham, como já havia feito séculos atrás Ko Hung na Ásia, ele descreve as
distinções presentes entre a varíola e o sarampo, por diversas vezes as doenças foram
confundidas por suas semelhanças.41 Estima-se que 1/3 da mortalidade infantil durante o
século XVII seja atribuída à varíola, a doença se tornou a maior causa de cegueira42 nesse
período, tendo sido responsável pelo término da dinastia Stuart (XIV-XVIII), na
Inglaterra. No decorrer do século XVIII aproximadamente 400.000 pessoas morriam da
doença por ano.43 Destacam-se as grandes epidemias ocorridas em Paris em 1719 e 1723.
Ainda durante o século XVIII a varíola fez uma quantidade relevante de vítimas
nos tronos europeus, dentre elas estão: Rainha Mary II da Inglaterra (1662-1694), o rei
Luís I da Espanha (1707-1724), Czar Pedro II da Rússia (1715-1730), a Rainha Ulkira
Eleonora da Suécia (1688-1741), rei Luís XV da França (1715-1774).44 E ainda
incontáveis membros das famílias reais, como da tragédia pessoal de Maria I de Portugal
que assistiu a morte de seu herdeiro D. José (1766-1788), D. Mariana Vitória (1768-1788)
sua filha, o marido da mesma o infante D. Gabriel (1752-1788), e ainda seu neto Carlos
(1788) que faleceu aos 12 dias de vida, todos vítimas da varíola.
Assim como enxergado na Ásia, uma divindade religiosa também foi atribuída à
varíola. O patrono da doença no catolicismo foi, São Nicasius, ele foi bispo de Rheims
na França, e apesar de ter morrido por decapitação no século V, foi atribuído à varíola
por aparentemente ter sobrevivido à mesma pouco antes de sua morte. 45 Donald A.
Henderson e al. destaca que o santo passou a ser referenciado durante a Idade Média,
perdendo espaço com o avanço da peste negra sobre o continente.46 Entretanto o mesmo
passa a retomar sua notoriedade com o avanço da varíola no final do século XVII.47

40
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
41
FENNER F. e al. Op. cit., p. 229.
42
A cegueira causada pela varíola se dava através do acometimento da córnea pela doença.
43
LEVI; KALLAS, Op. cit.
44
FENNER F. e al. Op. cit., p. 230-231.
45
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
46
FENNER F. e al. Op. cit., p. 219.
47
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
20

No que diz respeito às tentativas de combate a varíola, o tratamento europeu contra


a doença consistiu principalmente no uso da medicina de Hipócrates, tradicional à época,
que consistia na teoria dos humores. Para esta, o corpo humano seria composto de quatro
humores. Para a escola de Hipócrates a existência desses é necessária à manutenção da
vida e da saúde, é a falta de equilíbrio entre esses elementos que ocasiona as doenças.48.
Outros cuidados comuns observados durante o século XVII e XVIII podiam
incluir a drenagem do líquido da vesícula da varíola com agulha de ouro, indução de
suor49, cauterização de lesões e a imersão do paciente em banheira com água quente.
Também poderia ocorrer administração de opioides para acalmar possíveis delírios.
Algumas substâncias também eram utilizadas na tentativa de reduzir os danos causados à
pele como o uso de nitrato de prata, mercúrio, iodo e loções de enxofre. 50 Além disso,
alguns tratamentos também incluíam a associação a cura com a cor vermelha, como
observado na Ásia, cortinas vermelhas poderiam ser utilizadas ao redor da cama do
paciente, bem como itens de decoração vermelhos.
A chegada da variolização no continente europeu teve relevância nos países que
passaram a adotar o método, onde a mortalidade parece ter diminuído como na Grã-
Bretanha. No final do século XVIII, no ano da descoberta da vacina de Jenner, estima-se
que aproximadamente 400.000 europeus morriam por ano vítimas da varíola. A vacina se
espalhou com rapidez admirável pelo continente ao passo que a utilização da variolização
foi lentamente deixando de ser adotada nos países europeus.51
Mesmo assim, depois de um período calmo no que diz respeito ao espalhamento da
doença nos primeiros anos do século XIX, a varíola volta a fazer estrago na Europa nas
décadas de 1820 e 1830 afetando quase todo continente. Entretanto, as causas do
ressurgimento da doença são complexas, envolvendo o relaxamento com a vacinação, e
o debate sobre a descoberta da necessidade de revacinação.52
Em relação ao continente africano, como já observado, um dos primeiros indícios
da varíola pode estar relacionado à Guerra dos Elefantes, cujo retorno das tropas etíopes
derrotadas em Mecca podem ter contribuído para o espalhamento da doença. Entretanto,

48
REZENDE, J. M. De. Dos quatro humores às quatro bases. À sombra do Plátano: crônicas de história
da medicina. [S.l.]: Editora Fap-Unifesp, 2009. p.50.
49
A indução ao suor, aliada a outras práticas como a utilização de purgantes e sangrias buscava a
restauração do equilíbrio do corpo, que derivava da teoria dos humores.
50
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster, Op. cit.
51
FENNER F. e al. Op. cit., p. 231.
52
FENNER F. e al. Op. cit., p. 231.
21

outra hipótese provável é que a introdução da varíola tenha se dado no século X, por
intermédio dos árabes através das rotas comerciais.53
No século XVI, o leste da África já apresentava a forma epidêmica da doença que
no mesmo século foi levada aos portos da parte ocidental do continente.54 Donald A.
Henderson e al. frisam que colônias árabes já estavam instaladas nas cidades portuárias
ao longo da parte oriental da África, e que o comercio árabe se estendeu pelas partes mais
distantes da Ásia. É provável, portanto, que a varíola fosse periodicamente importada
através das cidades portuárias entre o século XIII e XIV.55 Assim como em outros locais,
os portos foram fundamentais para a disseminação da doença. Nos reinos da África
Ocidental, é possível que a varíola tenha existido de forma endêmica bem antes do contato
com o continente europeu. O primeiro registro europeu que registra a presença da varíola
nessa parte da África data do século XVII, nesse momento a doença parece disseminada.56
O comércio de escravos contribuiu para o espalhamento da doença tanto no
continente africano, quanto para outras localidades. As caravanas que contribuíam para o
comércio humano ajudavam a carregar a doença a toda parte central da África, e na
caminhada de volta até costa, fazendo com que a doença transitasse por todo continente
e eventualmente fosse carregado para outros.57 A existência de uma divindade religiosa
da varíola em segmentos do continente africano indica a forte presença da doença nesses
locais.58 Como indica Donald A. Henderson e al.:

Na África, a adoração de Sopona, uma divindade da varíola, existia


entre os iorubás e alguns de seus vizinhos no sudoeste da Nigéria, Benin
e Togo, tendo sido introduzida do norte no início do século XVIII. A
adoração formal de Sopona era controlada por Jticheurs, que eram
responsáveis pelos santuários e praticavam a variolação. Às vezes, os
jticheurs eram suspeitos de espalhar varíola. Quando foram
transportados para o Brasil como escravos, alguns dos povos de língua
ioruba levaram Sopona com eles, embora ele fosse mais conhecido por
outro de seus nomes da África ocidental, Obafqe ("Rei da Terra") ou
Omofu.

Nesse universo cultural, a doença ia além dos limites das teorias de contágio
europeias. Na cultura Yorubá, a doença seria considerada como tendo razões e origens

53
FENNER F. e al. Op. cit., p. 233.
54
FENNER F. e al. Op. cit., p.212.
55
FENNER F. e al. Op. cit., p. 233.
56
FENNER F. e al. Op. cit., p. 233.
57
FENNER F. e al. Op. cit., p. 233.
58
FENNER F. e al. Op. cit., p.219.
22

mágicas. As pústulas eram vistas com significando por vezes um castigo da furiosa deusa
Sopona, os motivos desses castigos podiam ter uma gama de explicações como a violação
das tradições ou o descumprimento dos deveres para com os deuses.59

1.3 Práticas de cura ocidentais no combate a varíola

No ocidente, a prática médica foi pautada pela medicina humoral por mais de dois
mil anos e só começou a perder espaço devido às descobertas da estrutura celular do corpo
humano e da microscopia.60 A noção dos humores vem da antiguidade, idealizada por
Hipócrates, derivando da ideia da existência de uma substância presente no corpo
humano, que comandaria a manutenção da vida e da saúde. O conceito passa a
posteriormente se dividir aos quatro humores do corpo: o sangue, a fleuma, a bile amarela
e a bile negra.61
Segundo Joffre Marcondes de Rezende a doutrina se encaixava perfeitamente com
a noção filosófica da estrutura do universo, correspondendo os quatro humores aos quatro
elementos (terra, ar, fogo e água), com as quatro qualidades (frio, quente, seco e úmido)
e também com as estações do ano (inverno, primavera, verão e outono). O processo de
cura, segundo Hipócrates, estava ligado à desarmonia desses humores, considerando que
o corpo humano teria uma tendência natural pra a cura, corrigindo a desarmonia.62 O
papel do médico nesse sentido, seria se aliar a natureza e ao corpo, pois o corpo sozinho
buscaria restaurar a saúde, bastando ao físico se unir nesse combate, auxiliando na
eliminação ou correção do humor desbalanceado.63
No que diz respeito à propagação da prática humoral, Galeno de Pérgamo foi seu
maior interprete. De acordo com Joffre Marcondes de Rezende, é ele quem reedita a
teorial humoral de Hipócrates:

59
FAGUNDES, F. R. R. As práticas de cura africanas, que viajaram nas redes de informações do Império
Ultramarino Português: final do século XVIII e ínicio do século XIX. In: V Seminário Fluminense de
Pós Graduandos em História, 2017, p.6.
60
REZENDE, J. M. De. Dos quatro humores às quatro bases. À sombra do Plátano: crônicas de história
da medicina. [S.l.]: Editora Fap-Unifesp, 2009. p. 52.
61
REZENDE, J.M. Op. Cit., p.50.
62
REZENDE, J.M. Op. Cit., p.51-52.
63
Frank Snowden, Epidemics in Western Society Since 1600: Classical Views of Disease: Hippocrates,
Galen, and Humoralism. (Yale University: Open Yale Courses), http://oyc.yale.edu (Accessed May 13,
2009). License: Creative Commons BY-NC-SA
23

Galeno no século II d.c, com prestigio de sua autoridade revitalizou a


doutrina humoral e ressaltou a importância dos quatro temperamentos,
conforme o predomínio de um dos quatro humores: sanguíneo,
fleumático, colérico, melancólico. Colerico, portanto, é aquele que tem
mais bile amarela, e melancólico, o que tem mais bile negra. Transfere-
se, desse modo, para o comportamento das pessoas, a noção de
equilíbrio e harmonia dos humores.64

Outro grande defensor da prática humoral foi Thomas Sydenham, médico inglês do
século XVII, cujo livro, Observationes Medicae, teve grande repercussão, lhe rendendo
o título de “Hipócrates inglês”. A adoção da prática médica humoral perdurou pelo menos
até o século XVIII, quando começa a ser questionada após a descoberta da noção dos
elementos de Lavoisier. 65
Em relação ao tratamento da varíola, práticas humorais foram amplamente
utilizadas, como o método da sangria, largamente adotado na prática médica ocidental,
até o século XIX. Outro cuidado relacionado à medicina humoral foi a indução ao suor,
na intenção de expulsar a doença do corpo através do mesmo.66
A partir de 1720, as técnicas de tratamento ocidentais são impactadas pela chegada
da variolização no continente europeu.67 Originária da Ásia, a prática consistia na
inserção intradérmica das crostas de erupção variólica em pessoas saudáveis. O objetivo
era induzir uma forma mais branda da doença, e assim obter imunidade. Diversos métodos
de variolização foram observados ao redor do mundo, como, por exemplo, o de
introdução nasal observado na China, aqui já citado.68
Utilizada a milênios na cultural oriental, a Royal Society of London já recebia nas
primeiras décadas do século XVIII comunicados sobre os resultados dos métodos chinês
e turco de variolização (bem semelhante ao método hindu).69 Mas a técnica foi realmente
introduzida na Europa através de Lady Montagu, esposa do embaixador inglês na
Turquia. De acordo com Magali Romero Sá, após ter feito inocular seu filho de três anos
de idade, em 1717, na Turquia, a repetiu posteriormente, já de volta à Inglaterra, em 1721,

64
REZENDE, J.M. Op. Cit., p.52.
65
SNOWDEN, Frank. Classical Views of Disease: Hippocrates, Galen, and Humoralism, Op. Cit.
66
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster, Op. Cit.
67
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
68
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
69
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61
24

em sua filha de cinco anos. Ela auxiliou amplamente a difusão da técnica no país e
posteriormente no resto do continente.70
A prática pode ser entendida como o primeiro esforço efetivo de combate à varíola
no continente. Entretanto, ainda apresentava riscos, pois a inoculação era feita com o vírus
que causava a doença, o que podia ocasionar casos de contaminação. O processo em si
era doloroso e incomodo, podendo ocorrer exantemas como é possível observar na
Imagem 3 e 4, também poderia haver febre e evolução para casos graves.71 Por isso, a
prática era geralmente operada com a presença de um físico ou curandeiro, que conduziria
a variolização. Na Europa, o processo era feito dessa maneira, sendo o indivíduo
confinado para o procedimento. Além disso, tinha sua dieta, exercícios e ar controlados,
tudo de acordo com a prática médica do período.72

Imagem 3 – Progressão do processo de variolização, do segundo ao décimo dia feito a partir das
ilustrações publicadas por Gold-Kirtland no início do século XIX

FONTE: KIRTILAND,
Gold. 30 plates of the smallpox and
cowpox drawn from nature. 1802, Welcome Institute Library London. Disponível em:
https://wellcomecollection.org/works/e3wv4nrv/items.

70
SÁ, Magali Romero. A "peste branca" nos navios negreiros: epidemias de varíola na Amazônia colonial
e os primeiros esforços de imunização. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., São Paulo, v. 11, n. 4, supl,
Dec. 2008, p. 821-822.
71
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
72
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
25

Imagem 4 – Progressão do processo de variolização, do décimo-primeiro ao décimo-sexto dia, feito a


partir das ilustrações publicadas por Gold-Kirtland no início do século XIX.

FONTE: KIRTILAND, Gold. 30 plates of the smallpox and cowpox drawn from nature. 1802, Welcome
Institute Library London. Disponível em: https://wellcomecollection.org/works/e3wv4nrv/items.

Apesar dos riscos, os países europeus que adotaram a variolização apresentaram um


retorno positivo. Donald A. Henderson e al. apontam que na metade do século XVIII a
mortalidade ocasionada por varíola apresentou reduções na Grã-Bretanha, na Holanda e
Suíça. Todos, países que adotaram a prática da variolização. Enquanto países onde a
variolização permaneceu impopular sofreram graves epidemias de varíola, como: França,
Itália, Espanha e Suécia.73
Apesar do relativo sucesso apresentado pela variolização, a técnica perdia espaço
quando a contaminação pela varíola se tornava menos comum; sendo revivida quando as
epidemias tornavam a ocorrer, como aconteceu na epidemia de varíola em 1752 na Grã-
Bretanha.74 A variolização torna-se impopular com a descoberta da vacina de Jenner, que
se provaria mais eficaz e segura.
Foi nos últimos anos do século XVIII, que Edward Jenner mudaria para sempre a
história da medicina ao inocular um menino de oito anos com o material de lesões de
cowpox, o vírus da varíola contaminante para vacas.75 De acordo com Myriam Bahia
Lopes, a prática da vacinação antivariólica inaugura a medicina cientifica e também

73
FENNER F. e al. Op. cit., p.231.
74
FENNER F. e al. Op. cit., p.231.
75
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
26

representa o grau zero da imunologia.76 Uma concepção contemporânea que ajuda a


entender o surgimento do que hoje se entende como o estudo do sistema imunológico.
A inoculação teria chamado a atenção de Jenner através dos ensinamentos do seu
professor de cirurgia e anatomia comparada, John Hunter77, considerado pelos médicos
ingleses do período como “um ousado adepto da técnica de inoculação”78 que, como
observado, já vinha sendo utilizado na Europa como meio de evitar a gravidade dos
ataques da varíola através da variolização. É em 1775 que Edward Jenner faz a primeira
observação sobre trabalhadores do campo que haviam apresentado casos de varíola
bovina e que quando expostos ao vírus humano da varíola, não apresentaram sintomas.
Entretanto, Antonio Carlos Castro Toledo Jr destaca que:

Este fenômeno parecia ser recente, possivelmente apresentando relação


temporal com a interiorização da varíola e da variolização. Ao continuar
suas observações, notou que as mulheres que trabalhavam com a
ordenha de vacas raramente apresentavam as cicatrizes da varíola.
Formulou, então, a hipótese do efeito protetor da varíola da vaca em
humanos.79

Um ano depois, em 1796, Jenner inocula uma criança, com o material retirado das
lesões de cowpox de uma mulher que trabalhava no campo. O menino não apresenta
sintomas após a performance da inoculação, a prática é então replicada em outras
crianças, que também não sofrem de varíola (smallpox). Esta técnica fica conhecida como
vacinação braço a braço. Em 1801, Edward Jenner publica seu trabalho intitulado The
origin of the vaccine inoculation.80
Sua descoberta enfrentou certa resistência inicial, pelo fato de inocular em humanos
um material que adivinha de animais.81 No início do século XIX, o público “educado” já
era receptivo à ideia de Jenner e a vacina, que mantinha os benefícios da variolização,
com riscos bem menores.82 Como a variolização era feita a partir do vírus humano, era
possível que neste processo ocorresse à contaminação em outras pessoas e, para isso, era

76
LOPES, Myriam Bahia. O sentido da vacina ou quando o prever é um dever. Hist. cienc. saude-
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, Junho 1996, p. 66.
77
“O dr. Hunter, que defende a unicidade entre a blenorragia, a sífilis e o cancro, se inocula o vírus da
sífilis. Ele mobiliza os seus sentidos para estudar experimentalmente a sífilis. Seu corpo se transforma
em um quadro vivo da doença que se apaga por ocasião de sua morte, anos após a inoculação
experimental.” LOPES, Op. Cit., p.71.
78
LOPES, Op. Cit., p.71.
79
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.62.
80
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.62.
81
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
82
FENNER F. e al. Op. cit., p.261.
27

necessário o isolamento da pessoa durante a prática. Como a inoculação era feita a partir
do cowpox, esse risco não ocorria, pois não se tratava do vírus humano (smallpox).83 A
progressão do processo de inoculação pelo cowpox era menos agressivo por isso, como
observado nas Imagens 5 e 6.

Imagem 5 – Progressão do processo de inoculação com o cowpox, do segundo ao décimo dia, feito a
partir das ilustrações publicadas por Gold-Kirtland no início do século XIX.

FONTE: KIRTILAND,
Gold. 30 plates of the smallpox and cowpox drawn from nature. 1802, Welcome Institute Library London.
Disponível em: https://wellcomecollection.org/works/e3wv4nrv/items.

Imagem 6 – Progressão do processo de inoculação com o cowpox, do décimo-primeiro ao décimo-


sexto dia, feito a partir das ilustrações publicadas por Gold-Kirtland no início do século XIX.

83
FENNER F. e al. Op. cit., p.261.
28

FONTE: KIRTILAND, Gold.


30 plates of the smallpox and
cowpox drawn from nature. 1802, Welcome Institute Library London. Disponível em:
https://wellcomecollection.org/works/e3wv4nrv/items.

A inoculação com o método braço a braço, entretanto, apresentou diversos


problemas operacionais ao longo dos anos em que foi implantada. Esses problemas
estavam principalmente relacionados à escassez da linfa utilizada para a vacinação, já que
a varíola de vaca era pouco comum. Também havia o problema na conservação do
material vacinal, que necessitava que alguém o levasse no braço. Essas questões só são
resolvidas em 1864, já na segunda metade do século XIX, quando se passa a utilizar
bezerros como reservatórios vivos da vacina.84
Além disso, se percebeu a possibilidade de contaminação por sífilis e outras
doenças através do método braço a braço.85 Um problema ainda maior estava na questão
durabilidade dessa vacinação. Apesar de Edward Jenner ter defendido por toda a sua vida
a imunidade vitalícia da vacina86, percebeu-se que a técnica desenvolvida pelo mesmo
gerava redução da imunogenicidade da vacina, o que faria com que ela precisasse de
reaplicação periódica.87
A questão foi resolvida com a adoção da vacina animal, que foi inicialmente
utilizada em algumas cidades italianas no início do século XIX. A linfa provinha
diretamente do animal, assim, não havia possibilidade de contaminação por sífilis.88 O
método de vacinação animal ganhou destaque no resto do continente, na segunda metade
do século, no congresso de Lyon, onde o diretor do Hospital de Nápoles, Dr. Palasciano,
discursa sobre o emprego da prática que já vinha sendo feita na cidade desde1802.89
Outros avanços no que diz respeito à vacinação ocorrem no final do século XIX e
no século XX. A utilização da glicerina para purificação e conservação da vacina animal
é feita na Alemanha em 1886. Já no século XX, a partir do isolamento por filtragem do

84
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.62.
85
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.63.
86
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
87
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.63.
88
As vacas são refratárias ao vírus sifilítico. LOPES, Op. Cit., p.66.
89
LOPES, Op. Cit., p.66.
29

smallpox e cowpox, se efetiva o controle de qualidade da vacina. Passam também a ser


utilizadas a técnica de produção de vacinas em vitelos, e mais tarde em 1930 a cultura do
vírus cowpox em ovo embrionado.90
As origens do termo vacina, como conhecemos hoje, derivavam inicialmente da
varíola da vaca (vaccínia), mas adquiriram seu senso médico atual, imunizador, através
de Louis Pasteur em 1884, como forma de homenagear os feitos de Edward Jenner.91

1.4 A Progressão da varíola (séc XV ao XVIII)

A varíola começa a se expandir de forma contundente no continente europeu no


mesmo momento em que a expansão ultramarina ibérica dos séculos XV e XVI também
ganhou força. As rotas de comércio e das guerras constantes foram essenciais para o
espalhamento da doença dentro do próprio continente europeu e também para outros
locais, alguns que nunca tinham tido contato com a doença.92
Nos locais onde a varíola já era conhecida, ela passou a ser reintroduzida com maior
frequência através do comércio, como observado nas áreas costeiras da África oriental e
ocidental onde as transações comerciais de produtos e pessoas espalharam a varíola em
diversas localidades, com o avançar dos séculos e do processo de colonização de outras
áreas.93 Isso fez com que a varíola se tornasse uma peça central dentro do imperialismo
europeu, já que o Novo Mundo e também as colônias da Austrália e Nova Zelândia, não
haviam tido contato anterior com o vírus.94 O efeito desse primeiro contágio foi
devastador a maioria dos povos originais, como pode ser observado principalmente no
caso dos reinos Inca e Asteca.95
Os massacres dos povos originais pela doença tiveram tamanha intensidade nas
Américas, porque como sugerem os estudos, as populações nativas não tinham contato
com a doença antes da colonização. Isso os colocou em posição de vulnerabilidade

90
LOPES, Op. Cit., p.67-68.
91
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.62.
92
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster, Op. Cit.
93
FENNER F. e al. Op. cit., p.232.
94
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
95
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
30

epidemiológica, uma vez que seus corpos não possuíam a memória imunológica
necessária para combater a doença.96
A expansão europeia nas Américas também inaugura o primeiro ato intencional de
terrorismo biológico, ocorrido na colônia norte-americana. Durante a Revolta de Pontiac
em 1763, que ocorreu entre ingleses e franceses aliados Iroquis, o general inglês Sir
Jeffrey Amherst ordenou que fossem distribuídos propositalmente cobertores infectados
com vírus da varíola para os índios. A entrega do material contaminado acarretou um
surto da doença entre os nativos, o que facilitou a vitória do lado inglês.97
No caso do continente africano, como já abordado aqui, a varíola já estivera ali
presente, pelo menos desde o século XVI, através das rotas comerciais com a Ásia. Tal
contato foi claramente intensificado após a presença europeia na África. Em alguns casos,
o colonialismo europeu introduziu a varíola em segmentos do continente africano onde a
doença ainda não havia chegado, como Cape Town, local livre da varíola até a chegada
dos holandeses em 1652.98
A presença da varíola em certos locais do continente também foi determinante para
realização do comércio de escravos, na segunda metade do século XVII. Angola
apresentou surtos da doença que acabaram por reduzir drasticamente o interesse dos
compradores de escravos.99 Mesmo não tendo sido essa a única razão para recessão
angolana, Leonardo Dallacqua de Carvalho e Wesley Dartagnan Salles argumentam que
a presença da varíola no local forneceu um argumento forte para a mudança desses
compradores para a Costa da Mina.100
Outro local que era controlado pelos portugueses e que viveu um problema
relacionado à presença da varíola foi Luanda, o que ocasionou a preferência pela Costa
da Mina no comércio de escravizados. O que se destaca nessa mudança é que a Costa da
Mina, diferentemente de Luanda onde o monopólio português estava estabelecido, os
negócios eram feitos livremente contando com a presença de holandeses, franceses e

96
SOUZA, Sheila Maria Ferraz Mendonça de; ARAUJO, A. J. G.; FERREIRA, L. F. Paleopatologia e
Paleoepidemiologia: o estudo da doença em populações pré-históricas brasileiras. In: SANTOS, R. V. e
COIMBRA JR., c.e.a (org). Saúde e povos indígenas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994, v., p.28-29.
97
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
98
FENNER F. e al. Op. cit., p.233.
99
CARVALHO, L. D.; SALLES, W. D. Varíola, tabaco e sistemas atlânticos: as causas da ascensão da
Costa da Mina e queda de Angola no comércio negreiro na segunda metade do século XVII. Revista
Brasileira do Caribe (Impresso), v.17, 2016, p.263.
100
CARVALHO, L. D.; SALLES, W. D. Op. Cit., p.278.
31

ingleses.101 A presença da doença, portanto, se apresentou como um complicador dos


objetivos portugueses.
As caravanas em busca do comércio humano também facilitaram a introdução da
varíola nas partes mais centrais do continente africano, uma vez na condição de
mercadoria, o contágio era novamente descomplicado nos navios negreiros. Abarrotados,
com péssima ventilação, faziam com que o contágio pela doença fosse extremamente
fácil.102 Wederson de Souza Gomes argumenta que no início do século XIX, no caso das
embarcações portuguesas, mesmo cientes da possibilidade de proliferação de doenças, os
responsáveis pelos navios, não promoviam qualquer tipo de separação entre pessoas
doentes e saudáveis.103
Já em solo brasileiro, em diversas situações quando surtos da doença prejudicavam
o avanço da empreitada colonial, provisões régias e outras decisões podiam ser tomadas
para aumentar o fluxo de chegada de escravos. Como ocorrido em 1664 e 1666, quando
a doença devastou os escravos que trabalhavam nas plantações de cana-de-açúcar em
Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Assim, foi executada uma provisão régia que
buscava o incremento de escravos vindos de Angola.104 Magali Romero Sá, também
mostra que o envio de escravos também foi usado como solução quando epidemias de
varíola devastaram populações nativas na Região Amazônica.105 Nesse sentido, a
presença endêmica da varíola em vários setores do continente africano introduzida por
vezes, pelos próprios europeus, teve papel fundamental na introdução da doença nas
colônias onde o tráfico de escravos era comum.
A chegada e introdução da varíola nas Américas foi ocasionada exclusivamente
pelo projeto colonialista europeu e teve dimensões devastadoras para as populações
nativas deste continente. O primeiro caso que se tem registro ocorre, em 1507, na colônia
espanhola, na área que hoje se compreende a República Dominicana e Taiti. Fontes
indicam que o surto causado por esse contato dizimou metade da população residente.106
Na primeira década do século XVI, surtos são registrados em Cuba (1518) e em
Porto Rico (1519), onde mais da metade da população nativa também teria sucumbido à

101
CARVALHO, L. D.; SALLES, W. D. Op. Cit., p.271-272.
102
FENNER F. e al. Op. cit., p.233.
103
GOMES, Wederson de Souza. Entre Costas da África e a praça mercantil do Rio de Janeiro: os conflitos
entre o corpo do comércio e os agentes de saúde na sociedade luso-brasileira
oitocentista. Temporalidades – Revista de História: UFMG, Minas Gerais, v. 12, n. 2, 30 set. 2020,
p.70.
104
CARVALHO, L. D.; SALLES, W. D. Op. Cit., p.267.
105
SÁ, Op. Cit., p. 819.
106
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
32

doença.107 Ainda neste século, o governador de Cuba envia uma expedição sob o comando
de Narváez que desembarca no México, em abril de 1520. Junto à campanha do mesmo,
também estava um escravo africano, contaminado por varíola. As dimensões ocasionadas
pela contaminação foram descritas por um frade espanhol em 1525, que menciona o
tamanho da destruição acarretada pela doença.108
Consequências igualmente desastrosas também foram enxergadas em outros pontos
da América. O Império Asteca foi dizimado pela varíola, introduzida pelas expedições
conduzidas por Hernán Cortés. Outro caso semelhante foi o que atingiu o Império Inca,
na década de 1520, que acabou por ceifar a vida do imperador e de seus herdeiros, além
de boa parte de seu povo. O estrago causado pela doença acabou sucedido por uma guerra
civil que facilitou a dominação espanhola comandada por Francisco Pizarro. Em muitos
casos, como o asteca e o inca, a presença esmagadora da varíola foi fundamental para a
conquista europeia.109
Os territórios que hoje correspondem a Colômbia e Venezuela também vivenciaram
a mesma experiência devastadora ocasionada pela varíola em outros pontos da América.
No Chile, ela foi introduzida pela primeira vez em 1554 e depois novamente nos anos de
1561 e 1591.110 Dados indicam que em 1588 toda a face Sul do continente americano já
havia sido integralmente contaminada pela doença. Estima-se que a mortalidade fosse de
30% a 50% logo nos primeiros dias pós contágio, nos nativos localizados em ambos os
lados dos Andes.111 No México, a estimativa é que três milhões de nativos tenham
morrido por conta da doença. 112
Na colônia britânica, o primeiro registro da doença é de uma epidemia ocorrida na
costa leste, em Massachusetts, que durou de 1617-1619. Ela teria ocasionado grande
mortalidade entre os povos indígenas da localidade, como também observado nas
colônias espanholas. Por lá, a doença continuou a ser importada pelos navios
principalmente ao leste do continente, através da constante chegada de colonos e
posteriormente de escravos vindos da África, surtos continuaram a ocorrer durante todo
o século XVII.113

107
FENNER F. e al. Op. cit., p.236.
108
FENNER F. e al. Op. cit., p.236.
109
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
110
FENNER F. e al. Op. cit., p.236.
111
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Pereira da. História da medicina: A varíola
no Brasil colonial (séculos XVI e XVII). Revista de patologia tropical, vol. 41(4), out- dez, 2012, p.390.
112
LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. ‘Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça
como agente de bioterrorismo’. In: Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 48, n. 4, Dec. 2002, pp.357.
113
FENNER F. e al. Op. cit., p.238.
33

A varíola também ocasionou uma quantidade significativa de mortes entre colonos,


principalmente os que haviam nascido nas Américas. Eventos como esse puderam ser
enxergados nas epidemias ocorridas nas colônias espanholas na segunda metade do
século XVI114 e posteriormente na colônia norte-americana no século XVII, onde causou
transtorno as cidades incipientes.115
Quase majoritariamente os portos tornaram locais fundamentais para o
espalhamento da doença no continente, seja através da chegada de exploradores, colonos
ou pelo tráfico de escravos. No caso do Brasil, os portos também foram de suma
importância no espalhamento da doença, e seu principal ponto de partida. No próximo
capítulo abordaremos a chegada da varíola e como ela de desdobrou no ambiente colonial,
até que vacina chegasse efetivamente em terras brasileiras.

114
FENNER F. e al. Op. cit., p.237.
115
FENNER F. e al. Op. cit., p.238.
34

CAPÍTULO 2
A varíola no Brasil

2.1 A provável chegada da varíola e sua presença no Brasil colônia

Em terras brasileiras, a varíola provavelmente foi introduzida por intermédio do


projeto calvinista francês da França Antártica, apesar do fracasso do projeto estar
relacionado principalmente aos problemas de gestão e questões religiosas associadas à
Villegagnon, o responsável da ilha. A incidência da doença parece ter contribuído para a
maior fragilização do projeto.116 A primeira epidemia, no entanto, parece ter ocorrido em
1555, no Maranhão, tendo sido trazida também por colonos franceses.117 Os efeitos da
varíola em solo brasileiro seriam devastadores, principalmente aos povos nativos. A
entrada constante de navios da empreitada colonial na América portuguesa foi fator
preponderante para o espalhamento da doença e nos anos seguintes a varíola continuou a
ser registrada em vários pontos do Brasil.
Uma epidemia da doença ocorrida em Portugal em 1562 ajudou a disseminar a
varíola em acampamentos jesuítas, como ocorreu em Itaparica, dali se alastrando por toda
costa brasileira. Novos surtos relacionados a aldeamentos jesuítas foram também
registrados no atual Espírito Santo em 1565.118 Em uma passagem do padre Leonardo do
Valle, abordada por Cristina Gurgel, é possível dimensionar a gravidade de um surto
ocorrido em 1563. Nele o padre faz um desabafo desesperado sobre a dificuldade de se
enterrar propriamente os mortos, além de mencionar a quantidade de pessoas sendo
enterradas sem o devido sacramento.119
A presença dos jesuítas na busca da conversão dos povos nativos também
contribuiu na disseminação da doença para os interiores do Brasil120 de modo que em
algumas regiões, as epidemias colaboraram para o fracasso da implementação de alguns
aldeamentos jesuíticos, como ocorrido na Aldeia de São Paulo (atual Brotas), onde um

116
GURGEL; DA ROSA, Op. Cit, p.390
117
TOLEDO JUNIOR, Op. Cit., p.61.
118
GURGEL; DA ROSA, Op. Cit, p.390-391.
119
GURGEL, C. Doenças e Curas. O Brasil nos Primeiros Séculos. São Paulo: Editora Contexto, 2010, p.
124
120
FENNER F. e al. Op. cit., p.237.
35

surto de varíola dizimou quase toda a população em 1563.121 A doença também ganhava
força quando os habitantes, tentando fugir da contaminação, acabavam levando a varíola
a novos locais. Casos como esse foram registrados em redutos jesuíticos no Recôncavo
Bahiano durante o século XVI.122
No século seguinte, as empreitadas holandesas no Rio de Janeiro e na Bahia também
sofreriam as consequências da convivência com a varíola, em 1641, quando surtos da
doença que estariam ligados a escravos importados da África Central, causaram uma
grande epidemia.123 Outra epidemia também foi registrada em Santos em 1666, a
gravidade foi tamanha que uma passagem local relata que já não havia mais espaço na
igreja para que corpos fossem sepultados.124 Parecido ocorreu ainda século XVII no Grão
Pará e Maranhão, onde a varíola causou grande devastação principalmente para os povos
nativos e escravos.125 A varíola continuou a assolar toda extensão do solo brasileiro,
durante o século XVII com surtos sendo registrados em quase todas as décadas.126
No século XVIII, surtos de varíola continuam a ser registrados em diversos pontos.
Como observa Ernesto de Souza Campos, locais que já haviam sido atingidos pela varíola
como São Paulo e Maranhão sofrem mais uma vez com a violência da doença.127
A prática de deliberadamente entregar utensílios contaminados, que foi observada
nos EUA, também parece ter sido aplicada no Brasil de acordo com Cristina Gurgel. A
autora analisa um ofício feito em Ilhéus onde doações de objetos contaminados estariam
relacionados a baixas indígenas. Numa passagem do relato do naturalista Von Martius do
início do século XIX destaca a ‘técnica’ dos objetos contaminados sendo utilizada contra
povos nativos que importunavam os portugueses.128
Como indicado no primeiro capítulo os portos foram instrumentos fundamentais
para disseminação da doença no Brasil. Apesar de a entrada de escravos não ser a única
causa do incremento dos casos de varíola, a intensidade de navios desembarcando com
frequência nos portos cariocas com certeza teve relativo impacto na propagação da
doença; ainda mais se levarmos em consideração que parte desses escravos tinha como

121
GURGEL, C., Op. Cit., p.127.
122
GURGEL; DA ROSA, Op. Cit, p.392.
123
GURGEL; DA ROSA, Op. Cit, p.394.
124
CAMPOS, Ernesto de Souza. “Considerações sobre a ocorrência da varíola e vacina no Brasil nos
séculos XVII, XVIII e XIX vistas sobre a luz de documentação coeva”. In Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, vol. 231, abril-junho, 1956, p.142.
125
SÁ, Op. Cit., 819.
126
GURGEL; DA ROSA, Op. Cit, p.394.
127
CAMPOS, Op. Cit.
128
GURGEL, C., Op. Cit., p.129.
36

origem, locais onde a varíola era endêmica. Entre o século XVII e XVIII, por exemplo,
uma parte significante de escravos que entravam nos portos cariocas era oriunda da África
Central, onde epidemias de varíola já tinham impactado a atuação dos traficantes de
escravos.129
Essa situação ganha maior significado ao se levar em consideração o papel central
do Rio de Janeiro em um dos setores mais relevantes da economia colonial: o tráfico de
escravos.130 Ainda mais com as mudanças significativas no cenário carioca durante o
século XVIII. A descoberta das Minas fez crescer progressivamente a entrada de escravos
na cidade. Assim como ocorreu com o avanço na agricultura nos engenhos de açúcar e
plantações de café.131
Outros acontecimentos também impactaram a movimentação de entrada nos portos
do Rio de Janeiro, como a instalação do Tribunal da Relação, em 1752 132 e quando na
década seguinte o Rio de Janeiro passa a ser capital do Brasil e também sede do vice-
reinado, fazendo com que a população da cidade, assim como a demanda de mão de obra
escrava e o movimento do porto, aumentassem numerosamente.133 Todo esse processo
culminou, em meados do século XVIII, com a transformação do porto do Rio de Janeiro
no mais importante do Império português.134
A relevância da cidade e seu porto se intensificou ainda mais no início do século
XIX, com a chegada da família real e a abertura dos portos em 1808. O que alterou
significativamente o quantitativo de pessoas que circulavam pela cidade, bem como
novos produtos para que a cidade se adaptasse à chegada da Corte, além do aumento da
demanda por escravos que atendessem a demanda dos recém-chegados.135
A chegada da Corte no Brasil também trouxe novos impasses, um dos mais
relevantes é o que diz respeito às condições de vida na cidade. Tania Maria Fernandes
frisa que o quadro de morbi-mortalidade era preocupante e se colocava como empecilho

129 CARVALHO, L. D.; SALLES, W. D. Op. Cit., p.263.


130
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Uma porta para o mundo atlântico: africanos na freguesia da
Candelária na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro no século XVIII. Revista do Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, v.09, 2015, p.50.
131
MORAES, Renata Figueiredo. A escravidão e seus locais de memória – O Rio de Janeiro e suas
“maravilhas”. Odeere,. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/Edições UESB, [S.L.], v. 1, n. 2, 1
mar. 2017, p.37-38.
132
MORAES, Op. Cit, p.38.
133
HONORATO, Cláudio de Paula. Valongo: o mercado de almas da praça carioca. 1. ed - Curitiba: Appris,
2019, p.84.
134
LOPES, Janaína C. P. Lopes. Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como meio de interação,
vínculo e sociabilidade – freguesia da Candelária (c. 1750 – c. 1850). Tese. Doutorado em História
Social. Programa de Pós-graduação em História. UNIRIO, 2020, p. 65.
135 LOPES, Op, cit., p.69.
37

no avanço econômico do Rio de Janeiro. Junto com a corte, desembarcariam uma


expressiva quantidade de imigrantes que lidariam com um alto índice de doenças
endêmicas e epidêmicas, como a varíola.136
Some-se a isso a inexpressiva presença de médicos licenciados no país, durante o
século XVIII. Flávio Coelho Edler analisa que nesse período havia no Rio de Janeiro três
médicos operando, o mesmo caso se repetia em outras localidades do país como Recife e
Salvador.137 Cláudio de Paula Honorato, também analisa tal fato, por meio de um
documento da câmara de 1758 onde só eram mencionados três médicos e outros três
cirurgiões para toda cidade do Rio de Janeiro. Esse quadro só tem mudança expressiva
com a chegada da corte portuguesa, quando os quadros médicos cariocas começam a se
modificar.138 Para isso, foram criados diversos órgãos que visassem à transformação do
espaço, alterando seu perfil colonial.
Nesse novo contexto, a quarentena passaria a ser utilizada como uma medida de
contenção de doenças. Este tipo de prática se desenvolveu já nas epidemias de peste
negra, a partir de fins do período medieval. Um dos primeiros locais a utiliza-la foi
Veneza. Pouco efetiva para peste por conta do período de incubação da bactéria, ela
delimitou uma maneira de combater as doenças enxergadas como contagiosas.139 Apesar
dos debates médicos acerca da natureza contagiosa das doenças, a varíola não fazia parte
dessas discussões, sendo consolidada como transmissível de pessoa a pessoa.140 O que
fez com que a prática da quarentena fosse utilizada como método de combate à doença.
De acordo com os documentos analisados por Ernesto de Souza Campos, espécie
de cordões sanitários já eram utilizadas no Brasil colônia, na tentativa de barrar o avanço
do surto da doença. Foi o que aconteceu em 1666 quando uma epidemia de “bexigas”141
atingiu Santos e o contato ultramarino com o local permaneceu fechado por oito meses.
Um dos trechos mais interessantes mostra técnicas alternativas utilizadas por

136
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens, 1808-1920.
2ed. rev./ Tânia Maria Fernandes. – Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p.44.
137
EDLER, Flavio Coelho. Saber médico e poder profissional: do contexto luso-brasileiro ao brasil
imperial. In: REIS, José Roberto Franco; VELASQUES, Muza Clara Chaves. Cantos, contos e imagens:
puxando mais uns fios nessa história. Rio de Janeiro: Fiocruz/Epsjv, 2010. Cap. 1. p. 43.
138
HONORATO, Op, cit, p.120.
139
A peste negra até a descoberta da relação com os ratos era entendida com uma doença contagiosa. (Frank
Snowden, Epidemics in Western Society Since 1600: Plague (II): Responses and Measures (Yale
University: Open Yale Courses), http://oyc.yale.edu (Accessed May 13, 2009). License: Creative
Commons BY-NC-SA)
140
PIMENTA, Tânia Salgado; BARBOSA, Keith; KODAMA, Kaori. A província do Rio de Janeiro em
tempos de epidemia. Dimensões, v. 34, 2015, p.156.
141 O termo “bexigas” era o nome geralmente utilizado para designar a infecção por varíola.
38

comerciantes em tentativa de burlar os cordões estabelecidos.142 Outros dois fatores


relevantes apresentados pelo autor, são o corte de correspondências entre São Paulo e
Santos, muito provavelmente para evitar novas formas de contágio. E as sanções de
punições para aqueles que ousassem furar os limites impostos.143 O fechamento do
caminho marítimo de Santos ocorre novamente em 29 de janeiro de 1700, quando outro
surto de varíola atinge o local.
No Rio de Janeiro, o debate acerca do controle de doenças através da inspeção dos
portos já era antiga. Em 1637 uma proposta idealizava a criação de uma casa que
recebesse os escravizados para assim “não infeccionarem o país, assim do escorbuto como
de outras moléstias epidêmicas.”144 No século seguinte, o receio do contágio através dos
navios fez com que inspeções as embarcações fossem autorizadas.145
Quando o debate sobre a mudança do local de chegada dos escravos passa a ocorrer,
ainda no século XVIII o medo da contaminação por doenças pelas águas do chafariz da
carioca, onde os escravos eram geralmente lavados, também é utilizado como argumento
para a transferência do local de desembarque dos navios negreiros.146 Se, por um lado os
traficantes de escravos alegam que nenhuma moléstia jamais chegara através dos navios
negreiros147, por outro, outros personagens vão justificar que as doenças chegavam
justamente por ele. Apesar da moção para o Valongo ter sido uma demanda antiga, o
Marques de Lavradio teve importante atuação para concretiza-la148, defendendo que as
epidemias de varíola na cidade do Rio de Janeiro tinham forte relação com o tráfico de
escravos. 149
Neste processo de tentativa de controle governamental das doenças, o cargo de
cirurgião mor foi adotado pelos exércitos de Portugal já na segunda metade do século
XIII. Visando fiscalizar as práticas médicas cirúrgicas, ele foi estabelecido ao longo dos
séculos e no ano de 1521 se dividiu entre os cargos de físico-mor e cirurgião-mor. Ambos

142
CAMPOS, Op. Cit., p.138.
143
CAMPOS, Op. Cit., p.139.
144
HONORATO, Cláudio de Paula. Valongo: o mercado de almas da praça carioca. 1. ed - Curitiba: Appris,
2019, p.125, Apud LISBOA, Baltazar da Silva. Anais do Rio de Janeiro, 1834, v.2, p.53. In: ABREU,
Maurício. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson
Estudio, 2011. V.2, p.450.
145
HONORATO, Op, cit, p.91.
146
HONORATO, Op, cit, p.92.
147
HONORATO, Op, cit, p.93.
148
HONORATO, Op, cit, p.96.
149
Esboço historico das epidemias que teem grassado na cidade do Rio de Janeiro desde 1830 até
1870”. Diário Official do Império do Brazil , Rio de Janeiro, 1872.
39

os cargos passaram a centralizar a Fisicatura Real, que nomeados pelo rei fiscalizavam as
artes de curar no reino de Portugal e seus domínios.150
Segundo Tânia Salgado Pimenta, o Brasil passou a integrar os quadros da Fisicatura
a partir do regimento de 1744, que buscava em suma controlar as consequências da falta
do órgão controlador na colônia, uma vez que a falta dessa fiscalização levou a muitas
queixas e decisões arbitrárias daqueles que exerciam a prática médica.151 Mesmo assim,
não houve grandes mudanças e, em 1782, D. Maria transformou a Fisicatura em Real
Junta de Protomedicato. As funções exercidas não se alteraram, mas os cargos de físico-
mor e cirurgião-mor deixaram de existir, assumindo no lugar sete deputados.152
Com a chegada da família real no Brasil e a preocupação com o estado sanitário da
cidade, foi recriada a Fisicatura-Mor. O cargo de físico mor foi ocupado por Manoel
Vieira da Silva e o de cirurgião-mor por José Correia Picanço153. Junto com o regimento
da fisicatura, em 28 de julho de 1809, foi criada a Provedoria Mor da Saúde e o cargo de
provedor-mor da Saúde foi ocupado pelo aqui já citado, Manoel Vieira da Silva.154
Também conhecido como Barão de Alvaiazere, ele já havia sido deputado da Real Junta
do Protomedicado, e continuou a exercer cargo semelhante.155
Indo além da atuação da Fisicatura, cujas atribuições eram fiscalizar as artes de
cura, a Provedoria-mor de saúde buscava atentar-se aos cuidados da saúde da população,
visando principalmente à entrada de doenças através das embarcações como explicita o
Regimento da Provedoria:

(...) estrague por contágio comunicado por embarcações, passageiros e


mercadorias, que entrem neste porto e nos demais deste Estado,
contaminados de peste, e de moléstias contagiosas e por meio de
mantimentos e viveres tocados de podridão, ou já corrompidos (...)156

O trecho evidencia a conexão entre as doenças e os portos, além das possibilidades


de contágio através de objetos e alimentos contaminados. Essa preocupação também

150
PIMENTA, Tania Salgado. Artes de curar: um estudo a partir dos documentos da Fisicatura-mor no
Brasil do começo do seculo XIX. 1997. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP, p.20.
151
PIMENTA, Op, cit, p. 20-21.
152
PIMENTA, Op, cit, p. 22.
153
PIMENTA, Op, cit, p. 22.
154
HONORATO, Op, cit, p.121.
155
PIMENTA, Op, cit, p. 22.
156
PIMENTA, Tania Salgado. Artes de curar: um estudo a partir dos documentos da Fisicatura-mor no
Brasil do começo do seculo XIX. 1997. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP, p.20. Apud Regimento da Provedoria-mor de
Saúde, de 22 de janeiro de 1822, códice 528, vol 1, AN.
40

estava relacionada com a recente abertura dos portos, que aumentaria o fluxo de
imigrantes e também de escravos trazidos das costas africanas.157
Como provedor-mor de Saúde, Manoel Vieira da Silva promoveu um debate
importante sobre a fiscalização dos navios que chegavam à cidade, principalmente os
envolvidos com tráfico de escravos.158 Nesse contexto, é possível identificar
discordâncias entre o provedor-mor e os principais comerciantes portuários da cidade,
gerando um debate sobre a necessidade de inspeção e quarentena dos navios para evitar
a disseminação de epidemias na cidade. Nessa discussão, Vieira da Silva chega a invocar
a importância dessas práticas para a ‘saúde pública’, e alega que nações estrangeiras mais
zelosas já praticam as quarentenas e inspeções.159
O fato é que algumas embarcações, mesmo sob os protestos do provedor-mor,
obtiveram isenção das inspeções de saúde.160 Enquanto os traficantes de escravos
conseguiam licença para que todos os escravos sadios fossem levados banhados, vestidos
e direcionados aos seus proprietários, os não sadios ficariam a cargo do físico-mor.161
Essas medidas acabavam por vezes, sendo burladas e tudo isso se constituía em um
elemento que dificultava a concretização de medidas higiênicas na cidade.

2.2 A prática de cura colonial

Como analisado anteriormente, até 1744 não havia nenhum tipo de controle sob as
práticas de curar no Brasil, tendo elas sido regulamentadas por meio do “Regimento que
devem observar os Comissários delegados do Fisico-mor do Reyno no Estado do Brazil
elaborado em 1742 por ordem de D. João V”, regimento que estendia o funcionamento
da Fisicatura-Mor de Portugal ao Brasil. 162

157
PIMENTA, Op, cit, p. 24.
158
GOMES, Wederson de Souza. Entre Costas da África e a praça mercantil do Rio de Janeiro: os conflitos
entre o corpo do comércio e os agentes de saúde na sociedade luso-brasileira
oitocentista.. Temporalidades – Revista de História: UFMG, Minas Gerais, v. 12, n. 2, 30 set. 2020,
p.74.
159
HONORATO, Cláudio de Paula. Valongo: o mercado de almas da praça carioca. 1. ed - Curitiba: Appris,
2019, p.125, Apud Série Sáude IS2 – Protesto do Provedor contra a isenção de visita da saúde de algumas
embarcações.
160
HONORATO, Op. Cit., p.124.
161
O físico-mor, cargo derivado da Fisicatura-Mor, deveria atuar no serviço de higiene, além de outras
atribuições. GOMES, Op. Cit., p.77.
41

A aplicação do regimento no Brasil estava ligada às queixas da situação em que se


encontravam as práticas de curar na colônia. Apesar disso, Pimenta ressalta que a
instalação da Fisicatura no Rio de Janeiro obteve pouco sucesso.163 Apesar de um sistema
que visava a concessão de licenças com estabelecimento de limites das práticas, esse por
vezes não foi o cenário encontrado, pois os terapeutas populares ocupavam o vácuo
deixado pelos médicos licenciados, utilizando práticas curativas diversas aos métodos
tradicionais.164 Além disso, não havia muito interesse por grande parte dos praticantes em
se oficializar, como observado por Tânia Salgado Pimenta:

Portanto, constatamos que curandeiros, sangradores e parteiras não se


interessavam muito em oficializar suas atividades. Provavelmente,
muitos nem tomaram conhecimento de que estavam trabalhando
ilegalmente. E os que sabiam da existência da Fisicatura não viam
vantagem alguma em possuir licença ou carta que lhes concedesse o
‘direito’ de por em prática os seus conhecimentos. Isso eles já faziam,
e sua clientela – quem mais interessava aos terapeutas – não
reclamavam da falta de um título oficial.165

Deve-se ainda levar em consideração as hierarquias que imperavam na própria


concessão de licenças, onde as categorias mais valorizadas eram assinadas por
autoridades mais altas. Enquanto cartas de boticários, médicos e cirurgiões eram
assinadas em nome do Rei ou do príncipe, as de sangradores, curandeiros e parteiras
podiam ser assinadas pelo físico-mor ou alguns de seus delegados. No que diz respeito à
análise social, nota-se que as atividades de sangradores e curandeiros estavam restringidas
a escravos e forros.166
Mesmo assim, havia pouquíssimos profissionais mais valorizados pela metrópole.
O vácuo deixado por eles foi aos poucos sendo ocupado pelas práticas de cura disponíveis.
De acordo com Márcia Moises, o Brasil colônia teria sido marcado pela flexibilidade dos
setores da cura.167 Nem mesmo o prestígio social que foi atribuído a esses terapeutas
populares teria sido suficiente para atrair os médicos licenciados europeus.168

163
PIMENTA, Op, cit, p. 20-22.
164
PIMENTA, Op. Cit., p.310.
165
PIMENTA, Op. Cit., p.311.
166
PIMENTA, Op, cit, p. 15-16.
167
RIBEIRO, MM. A Ciência dos Trópicos: a Arte Médica no Brasil do Século XVIII. São Paulo: Hucitec,
1997, p.34
168
RIBEIRO, Op. Cit., p.35.
42

Para além de somente médicos, a falta de cirurgiões e até mesmo boticários fez com
que esses ofícios fossem ocupados por qualquer indivíduo que demostrasse algum tipo de
dom terapêutico.169 Mesmo nos locais mais urbanizados, a falta de pessoas habilitadas
nas artes de curar foi padrão170. Como já relatado aqui na metade do século XVIII havia
para a cidade do Rio de Janeiro três médicos e três cirurgiões licenciados.
Até mesmo quando se tratava dos medicamentos, no período colonial foi necessário
se submeter ao que havia disponível, uma vez que remessas de remédios eram
esporádicas. Isso fez com que houvesse um maior aproveitamento de itens nativos,
adaptando itens europeus aos brasileiros.171 Nesse sentido, os cargos de boticário também
sofriam com a ausência de pessoas habilitadas. O que fez com que muitas pessoas
desprovidas de aptidão assumissem a função, para além do serviço precário, como
observado por Márcia Moíses Ribeiro, acarretando também o abuso de preços, um
comércio que de acordo com a autora se tornava “altamente lucrativo e capaz de gerar
disputas acirradas pelo direito de vendas.”172 Talvez por essa razão tenha se feito
necessário o regimento que em 1744 fixava o preço de uma variedade de medicamentos,
buscando evitar vendas exorbitantes.173
Apesar da presença dos oficiais, essa não parece ter sido suficiente para a
quantidade de pessoas a fiscalizar. Mesmo que a falta de fiscalização incomodasse as
autoridades competidas, o fato é que a distância entre metrópole e colônia facilitou as
diversas modalidades da medicina popular.174
Mais próximos do cotidiano da vida colonial, governadores e representantes das
câmaras municipais atentavam para a impossibilidade de transpor as leis portuguesas para
a realidade da vida na colônia.175 A hierarquização médico-científica enxergada na
Europa não era vista no Brasil, o que fez com que a tradição popular se influísse
fortemente sob as tentativas de institucionalização da medicina que ocorreriam durante o
século XIX.176

169
RIBEIRO, Op. Cit., p.38.
170
RIBEIRO, Op. Cit., p.33.
171
RIBEIRO, Op. Cit., p.24-26.
172
RIBEIRO, Op. Cit., p.31.
173
RIBEIRO, Op. Cit., p.31.
174
RIBEIRO, Op. Cit., p.42.
175
RIBEIRO, Op. Cit., p.40.
176
FERREIRA, Luiz Otávio. Medicina impopular: ciência médica e medicina popular nas páginas dos
periódicos científicos (1830-1840). In: Chalhoub, Sidney; Marques, Vera Regina Belträo; Sampaio,
Gabriela dos Reis; Galväo Sobrinho, Carlos Roberto. Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de
história social. Campinas, Unicamp, 2003, pp.102.
43

Muito além das práticas não oficializadas de cura, a medicina colonial foi permeada
pela combinação das tradições dos três povos que ali estavam: os povos indígenas,
europeus e africanos. Entre eles se encontrou um elemento em comum: a associação entre
a doença e o divino.177
A conexão das doenças às forças sobrenaturais já era um fenômeno conhecido de
sociedades do Antigo Regime, e foram intensificados na colônia, fazendo parte do
cotidiano das classes superiores até as mais populares.178 Elas teriam nutrido “novos
elementos ao imaginário europeu relativo à arte médica”, a presença e a convivência entre
esses povos teriam feito com que crenças e costumes fossem apropriados nesses sistemas
de cura.179
Muito além de somente métodos de cura, a ausência de terapêuticos europeus
também fez com que se recorresse aos elementos naturais do local, cujos povos nativos
conheciam bem. Os jesuítas tiveram papel relevante nesse intercambio de remédios,
através da troca de informações entre campos e da elaboração da farmacopeia jesuítica.180
A conexão entre medicina humoral e cosmo já era utilizada largamente na Europa
Moderna. Esses hábitos também foram trazidos no Brasil.181 A medicina culta se
misturava às noções mágicas de cura, coexistindo entre “experiência e a crença.”182
Apesar dessas práticas terem sido extensamente condenadas na metrópole, o cenário
encontrado na colônia era outro.183 Sendo por vezes propositalmente ignoradas pelo clero,
principalmente porque parte delas derivava de crenças que vinham da Europa
Medieval.184 A relação entre as doenças e os astros também ajudava a designar porque
certos locais eram atingidos por determinadas doenças e isso foi levado em consideração
pelos colonos ao determinar porque o Brasil era tão atingido pelo mal de bexigas, a razão
estaria essencialmente em seu clima propício as doenças, como pode ser observado no
livro Ramalhete de Dúvidas, publicado pelo médico lusitano, Alexandre da Cunha:
P. Porque razão, os cometas da América produzem mais seus
efeitos fazendo bexigas, do que em outras partes do mundo? R. Porque
as bexigas se fazem por ebulição e fervor do sangue, e o clima da
América naturalmente é quente, e úmido, e por isso mais capaz para

177
RIBEIRO, Op. Cit., p.23.
178
RIBEIRO, Op. Cit., p.44.
179
RIBEIRO, Op. Cit., p.55.
180
RIBEIRO, Op. Cit., p.61-62.
181
RIBEIRO, Op. Cit., p.73.
182
FERREIRA, Op. Cit., p. 102.
183
MOTT, LUIZ. "Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu", in Laura de Mello e Souza
(org.), História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa (São Paulo:
Companhia das Letras, 1997), pp. 192.
184
MOTT, Op. Cit., p. 199.
44

ebulição do sangue, e humores, e junto com o incêndio do cometa [?]


faz mais seus efeitos nestas partes do que em outros reinos, e portanto
nos Brasis há mais bexigas, e sarampos, que em outra qualquer parte
do mundo, e nestas partes são sempre epidêmicos, ofendendo a todos,
e nos demais reinos vêm as bexigas, e sarampos por causa interna a que
chamam esporádicas.185

As teses mais básicas de Galeno também tiveram associações com o divino. Entre
os quatro humores, por exemplo, se associava o da melancolia como o favorito do
demônio e por isso seria mais adequada a utilização de um purgante para que o mesmo
fosse eliminado.186 Os métodos de purga e vomitórios foi um dos mais utilizados pela
medicina humoral.
Essas associações também se estendiam a determinadas substâncias, Márcia Moises
analisa que venenos eram comumente confundidos com feitiços pela dificuldade entre se
tratar ambos, pelo dano semelhante eles eram geralmente associados.187 Assim como o
consumo de determinadas substâncias repugnantes foram utilizadas no tratamento de
doenças, sendo a moléstia um castigo divino, o consumo de tais elementos possibilitaria
restaurar a saúde.188
Também eram atribuídas a certas partes do corpo aberturas mágicas que drenariam
o mal que acometia o indivíduo. Elas eram permeadas pela ideia de que se poderia
transferir o mal da pessoa para outro local.189 Uma técnica como esta é descrita para sanar
a varíola no livro “Árvore da Vida”, escrito pelo Padre Affonso da Costa e publicado em
torno de 1720, que busca, segundo o mesmo, “"curar com facilidade quasi todas as
doenças, e queixas, a que a corpo humano esta sogeito, principalmente em terras
destituidas de Medicos e Boticas".190 A técnica indicada pelo padre seria a seguinte:

se aplicaram na sola dos pés com o peito para as mesmas solas pombos
vivos amarrando-os levemente para que não morram logo. E melhor
que tudo será pegando nos pombos com a mão e aplicar o seu sesso
(ânus) ao sesso do enfermo como muitas vezes tenho visto; porque
assim atrai mais depressa a malignidade do mal a si, e morre, e
morrendo um aplique-se logo outro, e assim se continue, até que um

185
RIBEIRO, MM. A Ciência dos Trópicos: a Arte Médica no Brasil do Século XVIII. São Paulo: Hucitec,
1997, p.74. Apud Alexandre da Cunha. Ramalhete de dúvidas. Porto, Oficina de Francisco Mendes de
Lima, 1759, p.234.
186
RIBEIRO, Op. Cit., p.81.
187
RIBEIRO, Op. Cit., p.51.
188
Algumas desses antídotos utilizados contra doenças eram: fezes humanas, compostos a base de pedras
e excrementos, muco nasal, o sangue menstrual. Atribuía-se a grande parte deles propriedades mágicas,
de acordo com o mal que atingia o indivíduo. RIBEIRO, Op. Cit., p.72.
189
RIBEIRO, Op. Cit., p.84.
190
COSTA, Affonso da. Árvore da Vida … Província de Goa, 1720. Welcome Institute for the History of
Medicine.
45

escape vivo e então se entenderá que já a malignidade toda está no


fim...191

Por vezes, as práticas de cura ultrapassaram seu sentido médico misturando-se a


magia e ao divino, transpassando até mesmo os limites impostos pela igreja católica. Esse
quadro permeou todo o período colonial e só começa a ganhar novos contornos com a
chegada da família real no Brasil.
A instabilidade da prática médica oficial começou a ter seus perfis alterados no final
do século XVIII. Transformações no mundo luso-brasileiro ocorridas principalmente
através das reformas pombalinas começaram a impactar diretamente as artes de cura.
Essas mudanças tiveram início na Universidade de Coimbra em 1772 com a valorização
do conhecimento médico científico.192
Seu impulso no Brasil se deu principalmente com a chegada da família real em
1808. Logo de sua chegada, D. João trás de volta a Fisicatura-Mor193 e, chocado com as
condições médico-sanitárias da cidade, pede ao seu físico-mor Manoel Vieira da Silva
uma explicação da presença de tantas doenças na cidade. O físico-mor por sua vez publica
o que seria a primeira obra de cunho médico-científico brasileira, “Reflexões sobre alguns
dos meios propostos por mais condizentes para melhorar o clima da cidade do Rio de
Janeiro” pela Impressão Régia. As preocupações do físico englobavam a contaminação
de doenças através das águas da cidade, a conservação de alimentos e a questão das
sepulturas. 194
No que diz respeito à contaminação das águas elas teriam fundo miasmático, pois
as águas paradas dos pântanos levariam a “putrefação de matérias orgânicas e vegetais,
gerando gazes pestilentos, daí a necessidade de trabalho de urbanização”. Outro problema
relacionado aos gases pestilentos seria o dos sepultamentos, que pela maneira amontoada
como eram feitos geraria a infecção do ar. A solução proposta por Manoel Vieira da Silva
era a remoção dos cemitérios para fora da cidade.195 Sobre os alimentos, o mesmo sugere
que seu comércio seja controlado através do crivo do físico-mor.196

191
COSTA, Affonso da. Op. Cit.
192 MEIRELLES, J. G. Ilustração, medicina e circulação de ideias no mundo luso-brasileiro (séc. XVIII-
XIX). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, [S. l.], v. 9, n. 17, 2017, p.150.
193
PIMENTA, Op, cit, p. 307-308.
194
MARCÍLIO, Maria Luiza. Mortalidade e morbidade da cidade do Rio de Janeiro imperial. Revista de
História, [S.L.], n. 127-128, 30 jul. 1993. Universidade de Sao Paulo, Agencia USP de Gestao da
Informacao Academica (AGUIA), p.54.
195
MARCÍLIO. Op. Cit., p.51.
196
MEIRELLES, J. G. Ilustração, medicina e circulação de ideias no mundo luso-brasileiro (séc. XVIII-
XIX). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, [S. l.], v. 9, n. 17, 2017, p.155. Apud
46

Ele também destaca o porto como local de perigo para espalhamento de doenças,
sendo, de acordo com Maria Luiza Marcílio, um “ponto produtor de doenças e mortes”.
A sugestão do físico é que fosse criado um lazareto aonde os escravos recém-chegados
seriam destinados para quarentena e também aqueles que tiverem qualquer tipo de doença
contagiosa ou cutânea.197 O trecho de maior relevância no trabalho de Manoel Vieira no
contexto que busco analisar é justamente o que retrata a questão dos médicos não
licenciados na cidade do Rio de Janeiro:

Outra causa capaz de conduzir muita gente a sepultura neta Cidade, é a


falta de bons medicamentos, em que possa confiar uma Medicina ativa,
a liberdade concedida a qualquer Cirurgião para curar de Medicina,
ignorando até os princípios mais simples sua profissão, a falta de
vigilância sobre os Curandeiros, e Curandeiras e Boticários, que
vendem purgantes, vomitórios e outras composições sem receita de
Médico, chegando à omissão nesse ponto a permitir, que nas Loges [sic]
de ferragem se vendam vomitórios, e purgas à discrição de cada um que
se persuade dever usar deles.198

A questão da falta de fiscalização frente às práticas consideradas populares ainda


era uma realidade no Brasil, e permaneceu colocando-se como empecilho para a
institucionalização da prática médica.199 Essa imposição do desenvolvimento do saber
científico também pode ser ilustrada pela reestruturação de elementos político
administrativos com a chegada da família real como da criação em 1808 da Escola de
Anatomia Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro.200
Outra importante instituição também contribuiu para a difusão das ideias médicas
nesse período foi a Impressão Régia. Tendo publicado obras médicas relevantes como:
“Methodo Novo de curar segura e promptamente o Antraz”, de 1811, de Luís de Santa
Ana Gomes; “Compêndios de Medicina Prática”, de 1815, do médico da câmara real José
Maria Bomtempo; e “Vade Mecum do Cirurgião, ou tratado dos syntomas, cauzas e
tratamentos das moléstias cirúrgicas, e suas correspondentes operações”, de 1816, do

SILVA, Manoel Vieira da. Reflexões sobre alguns dos meios propostos por mais conducentes para
a melhoria do clima da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1808, p.21-22.
197
MARCÍLIO. Op. Cit., p.51.
198
MEIRELLES, J. G. Ilustração, medicina e circulação de ideias no mundo luso-brasileiro (séc. XVIII-
XIX). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, [S. l.], v. 9, n. 17, 2017, p.15. Apud
SILVA, Manoel Vieira da. Reflexões sobre alguns dos meios propostos por mais conducentes para
a melhoria do clima da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1808, p.26-27.
199
FERREIRA, Op. Cit., p. 102.
200
MEIRELLES. Op. Cit., p.146.
47

farmacêutico José de Souza Pinto.201 A publicação de todas essas obras, assim como
outras, contribuiu pra disseminação das ideias ligadas a prática médica oficializada

2.3 A vacina jenneriana em terras brasileiras

É nesse contexto que a vacina contra a varíola chegaria a terras brasileiras, vacina
jenneriana já vinha sendo difundida pela Europa no final do século XIX, sendo pouco a
pouco adotada pelos diferentes países. Portugal já havia enviado a vacina antivariólica
para Goa, na Índia, em 1802. Em Lisboa, ela chega dois anos depois e, a partir deste
momento, as autoridades coloniais são alertadas sobre a possibilidade da vacinação.202
Logo, a propagação do pus vacínico foi ordenada principalmente do marquês de
Barbacena e outros comerciantes da Bahia, o envio de sete escravos é custeado para que
fossem a Europa, onde eles seriam inoculados através do método ‘braço a braço’ e
voltariam para o Brasil carregando o pus vacínio em si, para que fosse posteriormente
utilizado em outras pessoas.203
A necessidade da importação do material vacinal para o Brasil residia no fato de o
cowpox não ser encontrado em animais daqui. O que fez com que a linfa fosse importada
durante um período considerável de tempo.204 Mesmo com a importação sendo feita,
alguns ofícios apresentados por Ernesto de Souza Campos mostram que o procedimento
muitas vezes não dava certo. Em um ofício enviado em 17 de janeiro de 1805, o pus
vacínio é encomendado no Maranhão. Mas, cerca de um mês depois, um novo ofício
enviado ao Visconde de Anadia mostra que eles não obtiveram sucesso:

Tentei a experiência da vacina com o pus vindo da Inglaterra e nada


consegui apezar de ter repetido as experiências com todas as cautelas e
seguranças; portanto desenganado desta parte, lanço as minhas vistas e
esperanças para a deligencia de mandar vir da Bahia o dito pus da
maneira que de Lisboa passou para a Bahia em conformidade do Aviso
de 13 de Novembro do anno passado.205

201 MEIRELLES. Op. Cit., p.152.


202
SÁ, Op. Cit., p. 822-823.
203
GURGEL e al. Op cit., p.58-59.
204
CAMPOS, Op. Cit., p.152.
205
CAMPOS, Ernesto de Souza. “Considerações sobre a ocorrência da varíola e vacina no Brasil nos
séculos XVII, XVIII e XIX vistas sobre a luz de documentação coeva”. In Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, vol. 231, abril-junho, 1956, p.153. Apud Arquivo do Conselho Ultramarino, v
6., 1792-1807, p.342.
48

Apesar das tentativas de importação, nem sempre elas davam certo. Essa questão
geralmente tinha a ver com a má operação do pus vacínio e também com a baixa qualidade
da linfa varíola oferecida, e ainda pelas dificuldades que o trajeto além-mar apresentava
até a chegada ao Brasil. No caso de Saldanha Gama, por exemplo, sua primeira tentativa
foi feita através da importação da Inglaterra, mas essa não trouxe os resultados esperados.
Ele pede então para que se traga o material que estava na Bahia e havia sido importado
de Portugal. Apesar de num primeiro momento, as alegações sobre a chegada da vacina
serem positivas, logo fica demostrado outra tentativa falha.206
O sucessor de Saldanha Gama, em 11 de agosto de 1806, envia um ofício para
comunicar que a tratativa não havia sido tão bem-sucedida como ele argumentou no
passado:
Tendo o General meu antecessor mandado vir da Cidade da Bahia por
duas veses a vacina não produziu effeito algum a primeira e a segunda
que se presumia verdadeira, tem sido causa de ter perecido das bexigas
naturaes uma tão grande parte das pessoas que se vaccinarão: e isto
talvez procedido do mau estado em que ambas as vezes em que aqui
veio (...)207

Com a vinda da família real ao Brasil, junto com diversos outros órgãos também
foi criada por D. João em 1811 a Junta Vacínica da Corte, que estaria subordina à
Fisicatura-Mor, a qual, como observado, devia fiscalizar as práticas de curar na colônia,
e a Intendência Geral de Polícia.208
No mesmo ano em que a linfa variólica chega ao Brasil, ela também chega ao solo
carioca, utilizando do mesmo método braço a braço que foi operado de Lisboa a Bahia.
Antes mesmo da chegada da família real ao Brasil, a vacinação no Rio de Janeiro passou
a ocorrer às quintas-feiras e domingos no Palácio do Governo. O serviço de vacinação e
a conservação da linfa ficaram a cargo do médico Hercules Octaviano Muzzi. 209
De acordo com o médico responsável pela vacinação e também de acordo com o
vice-rei, a adesão à vacinação teria sido positiva. Sidney Chalhoub atribui a aceitação
inicial à vacina principalmente à atitude favorável de Dom João VI, tendo vacinado seus

206
CAMPOS, Op. Cit., p.154.
207
CAMPOS, Ernesto de Souza. “Considerações sobre a ocorrência da varíola e vacina no Brasil nos
séculos XVII, XVIII e XIX vistas sobre a luz de documentação coeva”. In Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, vol. 231, abril-junho, 1956, p.155. Apud Arquivo do Conselho Ultramarino, v
6., 1792-1807, p.364.
208
GURGEL e al. Op cit.,p.59.
209
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. 2ªed. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2017, p.124.
49

filhos e ordenado a tradução e publicação da obra de Jenner em Portugal. Numa cultura


política absolutista isso teria tido impacto vacinação antivariólica. 210
Com isso, a vacinação se estendeu para a Casa da Câmara, onde permaneceu de
1804 até 1818.211 Com a chegada da família real ao Brasil, também se criou a aqui já
citada Junta Vacínica da Corte. A partir de sua criação Muzzi passou operar com uma
equipe que contava com três vacinadores, sob o comando do médico português o Dr.
Theodoro Ferreira de Aguiar. No passado, foi ele quem vacinou em Lisboa os escravos
enviados para carregar a linfa de volta a Bahia.212
A assertiva de Dom João em relação à vacina, com a criação da Junta também
ressalta a sua própria tragédia em relação à doença, tendo tido dois irmãos e um filho que
faleceram por complicações causadas pela varíola. Como ressaltado por Tânia Maria
Fernandes, essa seria uma importante justificativa para a criação do órgão, uma vez que
varíola se infiltrava na classe dirigente.213 Apesar da aceitação da vacina por D. João VI,
ela não parece ter sido um imediato consenso. No ano da chegada da família real ao Brasil,
foi publicado em Londres, pelo Dr. Heleodoro Jacinto de Araújo Carneiro, um manuscrito
contrário à prática da vacinação. O médico lusitano acreditava no “desenvolvimento de
doenças bovinas em seres humanos através da vacinação.”214 O próprio provedor e físico-
mor do reino, Manoel Vieira da Silva, nomeado por D. João, parecendo não muito
confiante no processo da vacinação, argumenta que quando se trata do “uso de vacinas
ainda e um problema para a medicina, declarando uns a favor dela e outros contra,
mostrando a experiência que mesmo vacinados muitos morrem”. 215
Mesmo com a adesão inicial de a vacina ter sido feita dentro do Palácio do Governo,
a criação da Junta produziu certo direcionamento para a vacinação de escravos. Isso se
deve principalmente pelo fato de a varíola ser vinculada como problema derivado
majoritariamente do tráfico de escravos.216 A vacina era gratuita e aplicada anualmente,
bastando que se levassem os escravos aos postos vacínicos.217 Mesmo assim, um relato
do viajante G. W. Freireyss mostra que não havia interesse por parte dos traficantes de
escravos em vaciná-los.

210
CHALHOUB, Op. Cit., p.124-125.
211
HONORATO, Op, cit, p.132.
212
CHALHOUB, Op. Cit., p.125-126.
213
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens, 1808-1920.
2ed. rev./ Tânia Maria Fernandes. – Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p.45.
214
GURGEL e al. Op cit., p.59.
215
HONORATO, Op, cit, p.131.
216
CHALHOUB, Op. Cit., p.128.
217
HONORATO, Op, cit, p.132.
50

A varíola vitima também anualmente uma grande porção de infelizes,


não obstante, porem, podem ser vacinados gratuitamente, para o que o
governo mantem postos vacínicos em muitos lugares. A indiferença,
porem dos traficantes pela vida dos escravos é tão grande que não
utilizam-se destes postos uteis ate aqueles que conduzem escravos para
o interior saem da capital sem terem vacinado um só preto.218

Segundo o físico-mor do reino, a recusa dos traficantes de escravos em vacinar


contra a varíola estava ligada ao processo de vacinação. Eles impediam que fossem
vacinados antes de serem postos à venda, por conta da demora no ato da vacinação e
também pelas despesas do curativo. Uma vez vendidos, os próprios senhores não
mostravam interesse algum em vaciná-los.219 Como observado no primeiro capítulo, o
método braço a braço, era um método demorado que necessitava do retorno do vacinado
e do cuidado com o enxerto da linfa, cuidado esse que os traficantes de escravos não
estavam interessados em ter.
Para, além disso, Vieira da Silva também aponta uma reclamação que se faria
recorrente nas décadas seguintes, de que não havia quem soubesse aplicar a vacina. 220
Um mapa publicado na Gazeta do Rio de Janeiro, em 22 de julho de 1820, mostra o
número de vacinados desde 1 de julho de 1811 (ano de criação da Junta) até 1819
vacinados:

Quadro 1: Vacinados na Casa da Câmara (1811 à 1819): 221


Ano Brancos Pardos Indígena Pretos Total de
cada ano
1811 349 186 4 1.120 1.659
1812 406 265 6 1.188 1.865
1813 301 181 4 1.177 1.663
1814 350 156 - 1.053 1.559
1815 353 210 1 878 1.442
1816 439 163 4 1.124 1.830
1817 580 289 - 1.182 2.051
1818 469 251 4 1.127 1.851
1819 951 429 6 1.953 3.339

218
HONORATO, Cláudio de Paula. Valongo: o mercado de almas da praça carioca. 1. ed - Curitiba: Appris,
2019, p.132, Apud FREIREYSS, George W. Viagem ao interior do Brasil nos anos de 1814-1815. Trad.
Alberto Lofren. São Paulo: 1982, p.130.
219
HONORATO, Op, cit, p.133.
220
HONORATO, Op, cit, p.132.
221
Quadro elaborado a partir dos registros reunidos em: Gazeta do Rio de Janeiro, 22 de julho de 1820, p.
3.
51

Total 4.198 2.130 29 10.902 17.529


FONTE: Hemeroteca Digital, BN. Gazeta do Rio de Janeiro, 22 de julho de 1820, p. 3. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/749664/5992 Acesso: Maio de 2021

Os dados mostram que o número de pessoas negras vacinadas eram quase todos os
anos o triplo em relação às pessoas brancas vacinadas. Também demonstra que o número
de indígenas vacinados era baixíssimo, em nenhum ano atingindo mais de dez pessoas. O
gráfico também mostra outra coluna de alta importância: a dos que “não comparecerão”,
provavelmente, relativa aos que não retornaram ao serviço de vacinação para retirada da
linfa. No total, elas somam 9.810 pessoas, um pouco mais da metade do total.
Entretanto, o informativo publicado no jornal diz respeito somente aos vacinados
na Casa da Câmara, o que, levando em consideração o que já abordava Chalhoub, pode
indicar que a parcela mais rica da população provavelmente estava sendo vacinada em
suas casas por médicos particulares.222 Mesmo assim, ajuda a entender o perfil de
vacinados nas duas primeiras décadas do século XIX.
A criação da Junta, em 1811, inaugurou, segundo Filipe Portugal, a prática médica
como uma ação do estado, se assemelhando a órgãos que já existiam na Europa, como o
Instituto Vacinogênico Inglês, o Chambon de Paris e também a Academia de Ciências de
Lisboa e Portugal.223 Apesar disso, e da iniciativa de D. João, a vacinação teria tido pouca
expressividade quando comparada à presença da varíola na capital 224. Apesar dos
números que chegavam aos milhares, sendo apresentados pela Junta, eles eram pequenos
perto das quase cem mil pessoas que chegaram a habitar a cidade durante o período
Joanino225, mesmo quando levado em consideração que a parcela mais abastada da
população estava sendo vacinada em suas casas.
Apesar do aparente sucesso da vacinação nos primeiros anos, pela aceitação inicial
que esta manteve, a questão da linfa varíola se apresentou como um problema para o
avanço do sistema de vacinação. Em 1805, o governo do Espírito Santo, que vivia uma
epidemia de varíola, solicitou em ofício ao governo carioca o envio da linfa para que se
fizesse a vacinação. A resposta do Rio de Janeiro, entretanto, foi de que não havia linfa
disponível na capital, sendo a mesma enviada somente meses depois. Dessa maneira, o

222
CHALHOUB, Op. Cit., p.128.
223
PORTUGAL, F. S. A vacina antivariólica na Corte do Rio de Janeiro (1804-1820). In: Seminario
Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2016, Florianópolis. 15º Seminario Nacional de
História da Ciência e da Tecnologia, trabalhos completos, 2016, p.10.
224
FERNANDES, , Op. Cit., p.46.
225
PORTUGAL, Op. Cit., p.15.
52

serviço de vacinação teria sido suspenso por pelo menos alguns meses. No ano de chegada
da corte ao Brasil, o cenário parecia o mesmo, a vacinação não estava ocorrendo.226
Os problemas iam além da questão da linfa, de acordo com Sidney Chalhoub a
atuação do médico da corte, Theodoro Ferreira de Aguiar, seria meramente formal.227 No
que diz respeito à atuação da Polícia da Corte, a qual o órgão de vacinação estava
submetido. De acordo com Hercules Octaviano Muzzi, um dos médicos responsáveis pela
vacinação, era costume que um segurança da cavalaria fosse enviado para chamar os
vacinados para retornar e dar continuidade a vacinação braço-a-braço (que ocorria no
oitavo dia).228
A falta da linfa estava provavelmente relacionada ao seu mal estado e também ao
não retorno dos vacinado que, como atestam os dados fornecidos pela Junta, somavam
um número relativamente alto. Publicações foram distribuídas pelo Intendente aos
Ministros dos Bairros do Rio de Janeiro na tentativa de incentivar o retorno de vacinados,
implicando ainda que caso não voltassem isso implicaria na perda da linfa.229
Passagens nos jornais atribuíam o insucesso da vacinação à “ignorância, frouxidão
e preguiça com que os pais e chefes de família, se descuidam de fazer vacinar os filhos,
com a desculpa de que era incerto o efeito da vacina.”230 Outra questão recorrente é a de
que a população rural rejeitava a vacina, pois o procedimento da mesma poderia atrasar
o trabalho das plantações no campo.231 A aceitação dos primeiros anos, já não era mais
vista da mesma forma.
Algumas mudanças ocorrem na década de 1820. Segundo Tânia Maria Fernandes,
o novo período trazia “a perspectiva de constituição de um novo estado nacional, que
gradativamente foi incorporando vários setores”, como o da medicina e suas questões.
Com a constituição de 1824 e a lei de 1º de outubro de1828, que demarcava o poder e as
atribuições das câmaras municipais, algumas mudanças ocorreram. A Fisicatura-Mor, que
controlava as artes de curar e os serviços atribuídos a ela passaram a ser de competência
das câmaras municipais.232 Segundo Chahoub, a vacinação foi relativamente bem-

226
PORTUGAL, Op. Cit., p.4-5.
227
PORTUGAL, Op. Cit., p.10-11.
228
PORTUGAL, Op. Cit., p.11.
229
PORTUGAL, Op. Cit., p.12.
230
PORTUGAL, F. S. A vacina antivariólica na Corte do Rio de Janeiro (1804-1820). In: Seminario
Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2016, Florianópolis. 15º Seminario Nacional de
História da Ciência e da Tecnologia, trabalhos completos, 2016, p.12-13. Apud SILVA, Maria Beatriz
Nizza. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1820): Cultura e Sociedade. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007.
pág.75.
231
PORTUGAL, Op. Cit., p.12-13.
232
FERNANDES, , Op. Cit., p.46.
53

sucedida se comparada ao período anterior. Mesmo assim, não o suficiente para


acompanhar o ritmo de crescimento da população carioca.233 Junto com o número de
pessoas também crescia a descrença pela vacinação.234 O clero até então nunca havia
mantido um perfil favorável à vacinação, instigava o povo contra vacina e “afirmavam
ser esta um invento de Satã para penetrar nos corpos de suas vítimas e apoderar-se de suas
almas.”235
Em 1831, a então Junta Vacínica passava a ser conhecida por Junta Central de
Vacinação.236 Um ano depois, a vacinação se tornou obrigatória pela primeira vez, através
do código de posturas ela previa que:

toda pessoa do termo da cidade que tiver a seu cargo a educação de


alguma criança de qualquer cor que seja, será obrigada a mandá-la à
casa da vacina para ser vacinada, até pegar ou fazê-la vacinar em casa,
podendo-o dentro de três meses de seu nascimento, e de um, depois que
tiver a seu cargo, passando desta idade e estando com saúde para
receber o remédio. Os que se acharem em contravenção serão multados
em 6 réis. As criadeiras encarregadas da criação de expostos também
compreendidas nesta disposição, levando-os ao depósito da Santa Casa
para este fim.237

Apesar disso, a lei não atingiu seu objetivo, pois a obrigatoriedade geralmente não
era obedecida, uma vez que “o uso da vacina era muito desacreditado e temido”.238
Dois anos depois uma epidemia de varíola atingiu o Rio de Janeiro, tendo início em
1834 e só tendo fim no ano seguinte. O barão de Lavradio em seu livro ‘Esboço histórico
das epidemias que teem grassado na cidade do Rio de Janeiro’, ao tratar sobre a epidemia
de varíola, argumenta que havia alguns anos que a varíola não residia epidemicamente na
cidade, apesar de admitir que sua presença era endêmica em 1831.239
A epidemia teria tido início em julho, tendo caráter “mais ou menos grave”, tendo
acometido principalmente recrutas das províncias do norte, escravos e africanos em casas
de correção. A provável causa do reaparecimento da doença, na opinião de Lavradio,

233
CHALHOUB, Op. Cit., p.130-131.
234
FERNANDES, , Op. Cit., p.47.
235
GURGEL e al. Op Cit.,p.59.
236
GURGEL e al. Op Cit.,p.59.
237
FERNANDES, , Op. Cit., p.47.
238
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens, 1808-1920.
2ed. rev./ Tânia Maria Fernandes. – Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p.47. Apud GUARANY, S.
Da vacinação e revacinação no Brasil. Memória apresentada à Academia Imperial de Medicina do Rio
de Janeiro. Gazete Médica do Rio de Janeiro, 23: 273-275, 1863.
239
REGO, José Pereira. Esboço historico das epidemias que teem grassado na cidade do Rio de Janeiro
desde 1830 até 1870”. Diário Official do Império do Brazil , Rio de Janeiro, 1872, p.4.
54

poderia ter a ver com o retorno do tráfico de escravos, através dos descumprimento da lei
de 1831, que previa a proibição do tráfico.240 Mesmo assim, o mesmo escreve que dentre
o “Seio da Sociedade de Medicina desencontradas foram as opiniões emitidas na
discussão”.241 Um dos trechos ressalta que a varíola estendeu suas vítimas até mesmo a
pessoas vacinadas, residindo aí um problema pertinente, uma vez que a questão da
contaminação pós vacina continuaria ao longo de todo o século XIX.242 A descrença
crescente sob a vacina estava principalmente relacionada a estes casos de contágio por
varíola mesmo após a vacinação. Um debate que se acendia na Europa após quase duas
décadas da descoberta do Jenner, era de que com o tempo o efeito da vacina se esvaia, e
que a revacinação poderia ser necessária.243
A situação não melhoraria nos anos seguintes, Chalhoub atesta que com a proibição
do tráfico em 1831 e a pressão inglesa, a vacinação de escravos teria se tornado cada vez
mais complicada ano após ano.244 De acordo com Lavradio, outra epidemia ocorre em
1836, tendo começado em setembro, mas agravada a partir do mês de março do ano
seguinte:
Começando em Setembro do mesmo anno por atacar com mais
violência alguns dos recrutas vindos do Pará, e soldados da artilharia-
de marinha, manifestou-se depois em vários pontos da cidade; mas,
conservando sempre pouca intensidade até o mez de Março de 1837,
tomou depois um caracter de gravidade, como, havia muito tempo, se
não tinha visto nesta cidade, atacando vaccinados e não vaccinados.245

Ao passo que a varíola avançava, a adesão à vacina diminuía cada vez mais.
Médicos que redigiam os relatórios da Junta argumentavam cada vez mais sobre o terror
da população com a vacina.246 A falta de retorno dessas pessoas comprometia fortemente
o sistema de vacinação que dependia da volta dos vacinados para a continuidade da
imunização.
A virada da década exigiu mudanças com o avanço das epidemias de varíola e febre
amarela. De acordo com Tânia Maria Fernandes, as iniciativas tomadas a partir desse

240 José Pereira Rego provavelmente se refere ao tráfico ilegal advindo do descumprimento da lei Feijó, de
1831. Que ficou conhecida como “lei para inglês ver”, pois a publicação da mesma advinha da pressão
diplomática inglesa para descontinuidade do tráfico, que como indica a expressão acima não foi levada
a cabo.
241
REGO, José Pereira, Op. Cit., p. 6.
242
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.6.
243
FERNANDES, Op. Cit., p.48.
244
CHALHOUB, Op. Cit., p.129.
245
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.22-23.
246
CHALHOUB, Op. Cit., p.131.
55

período “calcavam-se nos conhecimentos da higiene e atuavam diretamente no campo


médico e não somente no exercício de fiscalização da medicina”.247 Em 1846 é
regulamentada a criação da do Instituto Vacínico do Império, que lidaria com o processo
da vacinação em novos contornos.248
Tendo em consideração como operavam as práticas de cura no início do século XIX
e como a vacina jenneriana chegou a solo carioca, será possível compreender como se
desenvolveram ao longo das décadas o sistema de vacinação e a presença da varíola na
Corte carioca, que serão abordados no capítulo a seguir.

247
FERNANDES, Op. Cit., p.50.
248
GURGEL e al. Op Cit., p.60.
56

CAPÍTULO 3
A varíola na capital do Império

3.1 O cotidiano da varíola na corte

Como foi possível observar nos capítulos anteriores, a varíola fez parte do dia a dia
do Rio de Janeiro. Apesar das tentativas de combate, a doença se espalhou com
intensidade na cidade ao longo do século XIX. A população escrava, grupo mais
comumente associado à doença, sofria com o contágio muitas vezes antes mesmo de
deixar o continente africano. Embarcados em condições desumanas e altamente propícias
a propagação da doença, muitos já desembarcavam na cidade contaminados, já outros
seriam contaminados nas epidemias e endemias que nela ocorreriam.
A vacinação obteve determinado direcionamento para os escravizados. Porém, as
estratégias não foram suficientes para conter o avanço da varíola entre a população
escrava, como aqui foi observado. Apesar da prática de variolização não ser tão difundida
em Portugal e seus domínios, é possível que ela fosse utilizada no caminho além-mar por
sangradores que operavam nos navios. Isto porque, de acordo com Fernanda Ribeiro
Rocha Fagundes, os traficantes de escravos já estavam cientes da prática de variolização,
que vinha sendo difundida na Europa antes mesmo da descoberta de Jenner. 249 Além
disso, os escravos costumavam rejeitar físicos dentro dos navios, preterindo africanos
sangradores que geralmente vinham da África Centro-Ocidental e tinham “uma
proximidade de complexo cultural, uso da língua Bantu e visões cosmológicas” em
comum.250
Charles Rosenberg argumenta que, muito além de somente um evento biológico as
doenças também legitimam ações, políticas públicas, e sanções baseadas em valores
culturais. Muito além de só atingirem o corpo, as doenças se comportam como um agente

249
FAGUNDES, F. R. R., Op. Cit., p. 6.
250
FAGUNDES, F. R. R., Op. Cit., p. 8.
57

social.251 Dessa maneira, o grupo majoritariamente atingido e o lugar social que ele ocupa,
podem impactar diretamente a maneira como a sociedade de modo geral lida com a
ameaça da doença. No caso da varíola na cidade do Rio de Janeiro, isso pode ser
claramente enxergado no direcionamento que o combate a doença manteve em relação a
população negra. Numa sociedade altamente hierarquizada como o império brasileiro, os
escravos foram apontados como principal agente causador. Da mesma maneira, o serviço
antivaríolico foi voltado principalmente para esse grupo, como pode ser analisado através
dos dados de vacinação.
No cotidiano da corte carioca, seja endêmica ou epidemicamente, a varíola
permaneceu continuamente nos quadros médicos da cidade durante o século XIX. As
marcas deixadas pela varíola no continente europeu já causavam problemas relacionados
ao mercado de casamentos e danos psicossociais. Isso porque as pústulas, tão
características da contaminação por varíola, eram em muitos casos agravadas por
determinadas medicações utilizadas pela prática médica do período, como uso do
mercúrio. Outro ponto complicador eram as infecções secundárias, que acabavam por
deixar as feridas mais fundas e mais difíceis de serem removidas.252 Em um trecho
publicado no primeiro tratado médico brasileiro em 1735, o Érario Mineral, uma receita
busca solucionar os problemas causados pelos “sinaes ou covas de bexigas”253 No Rio de
Janeiro a presença constante de escravos contaminados e posteriormente marcados,
parece ter ocasionado outro tipo de impacto.
Um exemplo desta desfiguração em solo carioca pode ser visto na forma como as
marcas de varíola foram usadas na sociedade escravista do Rio de Janeiro enquanto forma
de caracterizar e diferenciar escravos fugidos, como observado em diversos anúncios
descrevendo escravos com “signaes de bexigas ou “picado de bexigas” no jornal Diário
do Rio de Janeiro:

No dia 26 de novembro de 1821 fugio hum preto de nome Antonio de


Nação Angolla levando vestido calças de Brim e Camiza de riscado azul
de idade de 16 anos. Rosto redondo com huma pepuena marca na Testa
e alguns sinaes de bexigas; quem dele souber ou tiver noticia queria

251
ROSENBERG, Charles. Framing disease: Illness, society and history. In: Rosenberg, Charles.
Explaining epidemics and other studies in the history of medicine. Cambridge: Cambridge University
Press, 1992, p.305-306.
252
SNOWDEN, Frank. Smallpox (I): "The Speckled Monster" Op. Cit.
253
FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral (Org. Júnia Ferreira Furtado). Belo Horizonte; Rio de Janeiro:
Fundação João Pinheiro; Fundação Oswaldo Cruz, 2002, p.355.
58

entregallo na rua Direta Nº 32, lado direito indo para o largo do Paço,
onde se lhe recompençará o seu trabalho.254

No dia 6 de Outubro de 1822 dezapareceo hum escravo de Nação


Congo; por nome Miguel, e tem os signaes seguites: altura ordinária;
robusto, olhos feios, nariz groço, boca grande, beiços groços, os dois
dentes da frentes limados entre si pelle muito preta, todo o rosto picado
de bexigas, e pés mal feitos; julga se este escravo ter sido furtado não
só por ocorrerem circunstancias para a fuga, mas porque até então
mostrava grande amizade a seus Snrs. O Annunciante protesta a
qualquer pessoa que o tenha, e queira restetui-lo não exigir outra
alguma couza, e pelo contrario a quelle que o conservar, e ocultar
proceder nos termos da Lei; assim dár boas alviçaras a quem noticiar,
para o que poderão dirigir-se a rua da Meziricordia N.103 defronte de
hum alfaiate.255

Analisando o jornal Gazeta do Rio de Janeiro na década de 1820, também são


diversos os anúncios de escravos fugidos que apresentam como identificador as marcas
deixadas pelas “bexigas”. Mostrando que a quantidade de pessoas marcadas poderia ser
consideravelmente alta. Para, além disso, a distinção e local das cicatrizes poderiam ser
determinantes para encontrar essas pessoas:

No dia 22 de Julho desappareceu hum preto novo de nação Benguela,


que ainda não falla o Portuguez, alto e bem proporcionado, rosto picado
de bexigas, principalmente em roda do nariz, baiços grossos, cor algum
tanto fula, idade perto de trinta anos, falla grossa, chama-se João, e
levou vestida camiza de brim e calças de linhagem. Quem delle tiver
noticia póde participar a seu dono no largo do Rocio n° 19, o Sargento
Mór José Victorino dos Santos e Souza, que dará as alviçaras.256

O interessante desse processo é que a ausência das marcas de bexigas também


parece ter sido utilizada nos anúncios de maneira positiva para a venda, assim como
informes que constavam que a pessoa já havia sido contaminada e, portanto, não tinha
mais possibilidade de adoecer por varíola.257 O mesmo tipo de anúncio pode ser
enxergado durante toda a década de 1820 no jornal Diário de Notícias, mas há uma ligeira
mudança. Alguns anúncios de escravos fugidos passam a conter um novo elemento de

254
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1822, p.4 Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/1333. Acesso: maio de 2021.
255
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 29 de março de 1824, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/3965. Acesso: maio de 2021.
256
Hemeroteca Diginal, BN. Gazeta do Rio de Janeiro, 26 de julho de 1820, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/749664/5997 Acesso: maio de 2021
257
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1822, p.2 Disponível em:.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/1367 Acesso: maio de 2021.
59

identificação: a marca da vacinação. De acordo com Myriam Bahia Lopes, a marca da


imunização antivariólica é um símbolo da imunidade adquirida, visível nos números, mas
também na pele.258 Numa sociedade escravista como o Brasil, certamente ela adquire
novos contornos:

No dia 27 de Fevereiro do corrente anno, fugio, ou furtarão de huma


venda que està na segunda cancella de S. Christovão, ao pé da Guarda
de S. Paulo, hum molecão novo, de nação Cabinda, que ainda não sabe
dizer o nome do Snr., levou huma tanga de riscado azul, e branco, tem
no peito direito a marca 2, tem ainda os signaes frescos da vacina das
bexigas em ambos os braços, chama-se José; quem delle der notícia será
bem recompensado.259

Ainda foi possível encontrar alguns anúncios que mencionavam escravos que
haviam fugido com o enxerto da linfa antivariólica em si:

Na noute do dia 24 de Julho de 1824, das 8 para as 9 horas, há disconfiança ter


sido desencaminhada por pessoa conhecida, huma negrinha, de Nação
Caçanje, por nome Maria, meia fulla, de 11, 12 annos de idade pouco mais ou
menos, rosto redondo, com dous sinaes de enxerto de bexigas em cada braço,
bem feita de corpo, cabellos meios avermelhados, olhos pequenos, com a
marca no peito esquerdo VIR pegado, levou vestido de zuarte azul matisado
de branco; roga-se a quem em seu poder a tiver, ou lhe seja cometida para
comprar, ou de transporte para fora desta Corte; haja de ter a bondade de avizar
seu dono que mora na rua da Misericordia N. 83, e levando lha seja quem for;
por este protesta não lhe fazer damno algum, e de prêmio se lhe dará doze mil
e oitocentos rèis.260

Já cogitamos antes que apesar do inicial sucesso vacinal, quando levado em


consideração os números da vacinação em relação à quantidade de escravos que residiam
na cidade do Rio de Janeiro, o percentual de pessoas com a marca da vacinação seria um
número relativamente baixo; o que provavelmente fazia com que a cicatriz deixada pela
vacina se tornasse ainda mais relevante para identificação. Além disso, o enxerto da
vacina precisava ser carregado no braço do vacinado até o dia de retorno para retirada, e
continuação da vacinação braço a braço. Por isso, o fato de a linfa ser levada no braço de
escravos fugidos contribuía para uma situação cada vez mais recorrente durante a
primeira metade do século XIX, a escassez da linfa antivariólica.

258
LOPES, Op. Cit., p.69.
259
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1824, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/4454. Acesso: maio de 2021.
260
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1824, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/4454. Acesso: maio de 2021.
60

Outro trecho no Diário do Rio de Janeiro, ainda em 1824, mencionava a fuga de


uma criança que ainda não havia tido ‘bexigas’:

No dia Quarta feita de Trevas 14 de abril proximo passado, fugio ou


dezencaminhou-se huma pretinha buçal, de nação Cassangue, de 10 a
11 annos de idade, olhos vivos, beiços vermelhos, hum signal na fonte
esquerda de hum loubinho que se lhe tirou, com hum vestido de chita
azul com flores encarnadas, com hum fio de contas brancas no pescoço,
bem feita de corpo, e magra, ainda não teve bexigas, e não falla ainda o
Idioma Portuguez: quem della souber, e levar a casa da sua dona,
moradora no largo da Constituição no sobrado junto à rua de S. Jorge
(por cima de huma venda) cuja entrada he pela dita rua de S. Jorge
receberá boas alviçaras.261

A escolha em descrever que sua escravizada ainda não havia tido a doença pode
ajudar a indicar a presença constante da enfermidade na cidade, principalmente entre as
crianças.
Apesar dos problemas enfrentados pelo sistema de vacinação do Rio de Janeiro, ele
provavelmente funcionava melhor na sede da Corte do que em outros locais do Brasil.
Mesmo dentro do espaço territorial do Rio de Janeiro, as regiões mais distantes já
enfrentavam complicadores no exercício da vacinação.
Um artigo publicado no Astrea, jornal da cidade do Rio de Janeiro, na década de
1830, pelo “Excel. Sr. Ministro do Império” demostra certa preocupação com o estado da
saúde pública em outros locais que não a cidade do Rio de Janeiro. Ao se referir
especificamente sobre a vacinação, ele comenta sobre o feito da descoberta para os
médicos e como mesmo preservaria o “bello sexo” provavelmente levando em
consideração as marcas comumente vistas depois da contaminação da doença, que
podiam causar grande deformação, a possibilidade da vacinação, preservaria as mulheres
desse dano. Ainda assim, argumenta que:

(…) a Vaccina, digo, apezar dos reiterados cuidados, e


recommendações do Corpo Legislativo, não tem entre nós progredido,
como era de esperar, e como talvez está mesma Augusta Camara
estivesse capacitada; porque nesta Provincia do Rio de Janeiro, só
apenas se conhecia o Estabelecimento vaccinico de sua Capital, não
havendo em todos os outros Municipios, nem se quer hum simples

261
Hemeroteca Diginal, BN. Diário do Rio de Janeiro, 7 de maio de 1824, p.4. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/4093. Acesso: maio de 2021.
61

Cirurgião Vaccinador; sendo de presumir que o mesmo abandono e


desleixo se encontre pelas demais Provincias do Imperio (…)262

O trecho pontua dois problemas no sistema de vacinação: o fato de a vacinação


estar concentrada em apenas um local e a existência de poucos vacinadores. Se só a capital
já encontrava dificuldade relativa ao número de vacinados, é de se imaginar que o
problema se estendesse para outras cidades, que demandava a necessidade de
deslocamento para que a vacinação fosse feita.
Tânia Maria Fernandes argumenta que, apesar da vacinação se constituir numa
prática estatal, ela não conseguiu atingir as expectativas almejadas de controle da doença.
Isso em parte se deu pela extensão territorial, que era dificultada ainda pela falta de
articulação dos serviços de vacinação, e ainda por questões que envolviam: vacinadores,
distâncias e qualidade da linfa e da vacinação.263
Ao analisar o jornal Seminário de Saúde Pública pela Sociedade de Medicina do
Rio de Janeiro, voltado para conhecimento médico, também foi possível analisar trechos
com reclamações da mesma espécie. Ele se inicia dando um parecer entusiasmado sobre
a importância da descoberta de Jenner. Em seguida, comenta sobre contaminação de todos
os continentes pela varíola e os danos que neles causou. Por fim, analisa a questão da
vacinação em solo carioca:

(...) Se pois em alguns dos Paizes acima mencionados, apezar de


estarem adiantados em civilização, e terem associações proprias para a
propagação da vacina, a bexiga ainda aparece algumas vezes, que se
dirá do Brasil, onde apenas há hum Instituto Vaccinico na Capital, e
onde huma ou outra Camara paga á hum Cirurgião para vacinar o Povo
do seu Termo; o que algumas vezes empyricamente feito, tem
acarretado mais ou menos detractores á celebre descoberta Jenneriana?
A’ vista do exposto, a Comissão he de parecer: I. que a Sociedade deve
abrir quanto antes huma correspondência na forma dos seus Estatutos
com o Estabelecimento da Vaccina em Londres, para se obter o pus
vaccinico vindo diretamente, e poder-se este distribuir, como cumpre,
pela Comissão a todas as Provincias do Imperio, procurando obter todos
os resultados deste trabalho para os fazer presente á Sociedade. (...)264

262
Hemeroteca Diginal, BN. Astrea, 23 de junho de 1832, p.3. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/749700/3386. Acesso: maio de 2021.
263
FERNANDES, Tania Maria. Imunização antivariólica no século XIX no Brasil: inoculação,
variolização, vacina e revacinação. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 10, supl. 2, 2003,
p.464.
264
Hemeroteca Diginal, BN. Seminário de Saúde Publica pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
26 de março de 1831, p.2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/702560/69. Acesso: maio de
2021.
62

O trecho assinado por Luiz Vicenti De-Simone, continua pontuando que para o
pleno exercício da vacinação seria necessário ainda o apoio da população, além do apoio
do governo para que, enquanto não fosse possível obter a linfa diretamente de Londres,
está fosse disponibilizada de outro lugar. Para isso também seriam necessárias instruções
precisas relativas à vacinação, para assim se pudesse dar continuidade ao processo ‘braço
a braço’.
Há ainda relatos durante a segunda metade do século XIX de que vacinadores não
estavam sendo pagos.265 E mesmo antes, quando da criação do Instituto Vacínico do
Império na década de 1840, incluíam em seu quadro de funcionários quatro vacinadores
efetivos, dois supranumerários, um Comissário Vacinador na capital de cada província e
Comissários Vacinadores em todos os povoados”266. Esses números seriam certamente
insuficientes para atender toda a província do Rio de Janeiro.
Já a questão da linfa antivariólica se estendeu como um problema durante todo o
século XIX no Brasil, a solução seria obtida com a chegada da vacina animal que
ocorreria no final do mesmo século.267 A todas essas questões se juntaria a progressiva
reação negativa da população em relação à vacina.
A historiografia sobre a história da vacinação antivariólica é diversa, mas na obra
de Sidney Chalhoub, Cidade Febril, encontramos um capítulo dedicado a desmembrar as
origens da vacinofobia. Uma das primeiras razões abordadas por ele é a presença de um
médico lusitano, ainda sob o governo de D. João VI, que se opunha à vacinação e a criação
de Jenner. A sua visão negativa sobre a vacina teria tido impacto nos primeiros bons anos
de vacinação no Brasil.268
No quesito médico, as controvérsias daqueles que não acreditavam na vacina
geralmente estavam associadas à crença de que a mesma não tinha efetividade ou que no
ato da vacinação pudesse haver algum tipo de transmissão de doenças do gado para
humanos. Apesar de não estarem relacionadas ao gado, algumas doenças contagiosas
realmente puderam ser ocasionadas no ato da vacinação, como foi o caso da sífilis.269
As razões médicas para a desconfiança da vacina se reacenderam mais ou menos
na metade do século XIX, quando na Europa e no Brasil se sucederam casos de vacinados

265
PIMENTA; BARBOSA; KODAMA, Op. Cit., p.158.
266
GURGEL e al. Op cit., p.60.
267
FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da vacina jenneriana à
animal). Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, jun. 1999, p.32.
268
CHALHOUB, Op. Cit., p.133.
269
CHALHOUB, Op. Cit., p.134.
63

que haviam sido contaminados pela varíola. Isso acabou ocasionando um debate acerca
da eficácia da própria vacina e também sobre a possível necessidade de revacinação, que
era por muitos médicos mal-vista.270
Outra razão comumente explorada pela historiografia e por Chalhoub era que o
processo “braço a braço” era demorado e incomodo. A questão do retorno do vacinado já
havia se tornado um problema nos quadros de vacinação da cidade, esse impasse muitas
vezes derivava da tensão entre vacinados, vacinadores e autoridades policiais. Estas
pressionavam o retorno dos vacinados, o que muitas vezes para essas pessoas podia ser
uma ocasião desconfortável por causa da técnica que também levava uma quantidade de
tempo alta. 271
Além disso, o próprio quadro de funcionários do serviço de vacinação não parecia
em pleno funcionamento, ao ponto de o primeiro diretor do Instituto, o dr. Theodoro
Ferreira de Aguiar, ser descrito por Chalhoub como o primeiro funcionário fantasma da
Corte. Para além disso, havia também a questão da precarização da linfa. Os vacinadores
eram poucos para os serviços a desempenhar, e pareciam não gostar de exercer sua função
fora do Instituto; o que complicaria ainda mais a já difícil vacinação para outras áreas da
cidade.272
Além disso, Chalhoub analisa um trecho escrito pelo Barão de Lavradio onde o
mesmo insinua que a população poderia ter dificuldade em distinguir os métodos de
variolização e inoculação.273 O que de fato podia ocorrer, uma vez que se tratavam de
técnicas parecidas. Enquanto a variolização era feita com o vírus da varíola humana
podendo realmente acarretar surtos da doença, a inoculação braço a braço era feita de
forma parecida mais usando o agente bovino da doença.
Tânia Maria Fernandes analisou as razões para a confusão entre as práticas
utilizadas, o que por sua vez poderia até mesmo ter acarretado dificuldade na verificação
do estado vacinal. Outro ponto abordado pela autora, é que a questão da contaminação
após a vacina poderia ser ocasionada pela dificuldade/confusão de diagnóstico. A
catapora, por exemplo, era frequentemente confundida com a varíola.274

270
CHALHOUB, Op. Cit., p.138.
271
CHALHOUB, Op. Cit., p.141.
272
CHALHOUB, Op. Cit., p.142-143.
273
CHALHOUB, Op. Cit., p.148.
274
FERNANDES, Op. Cit., p. 464-465.
64

Mesmo assim, a apesar do uso da vacina antivariólica ser muito desacreditado e


temido entre a população275, ela não atingiu dimensões vacinofóbicas como as enxergadas
na Europa. Países, como a Inglaterra, contaram com grande apoio da publicidade dos
jornais no que diz respeito à transmissão de outras doenças através da vacinação276 e
também com a formação das ligas anti-vacina inglesas.277 No Brasil, de acordo com
Myriam Bahia Lopes, as fontes do movimento vacinofóbico teriam se resumido aos
“textos da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil”.278
Diferentemente do encontrado na Europa, onde os movimentos anti-vacinas
tinham como base a exaltação da liberdade individual e a desconfiança da inserção de
material bovino em humanos279, no Brasil, a movimentação contra a vacina tinha
contornos diferenciados. Como já foi afirmado aqui, a Igreja católica se posicionava
veementemente contra a vacinação, pois entendia os processos de variolização e
vacinação como não-naturais.280 Entretanto, a falta de confiança das pessoas com a
vacinação advinha também da falta de convívio com a prática médica “oficial”, em
decorrência da existência de práticas de cura influenciada por elementos da religiosidade
africana que marcaram as artes de cura na Colônia.281
Myriam Bahia Lopes frisa, entretanto, que o movimento anti-vacina é enxergado
por parte da historiografia como um atraso/obstáculo ao avanço da ciência e da vida. De
acordo com a mesma “O grupo vencido pertence a um passado que insiste em existir no
presente. Do outro lado, os vencedores são vistos como homens clarividentes;
progressistas e incompreendidos em sua época.”. 282

3.2 O estabelecimento da prática médica licenciada

A prática médica no Brasil viveu uma tardia institucionalização, derivada


principalmente da ausência de praticantes durante o período colonial. Com a chegada da
família real ao Rio de Janeiro, essa realidade começou a lentamente se modificar. No

275
FERNANDES, Op. Cit., p. 35.
276
LOPES, Op. Cit., p.73.
277
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
278
LOPES, Op. Cit., p.73.
279
SNOWDEN, Frank.: Smallpox (II): Jenner, Vaccination and Erradication, Op. Cit.
280
LOPES, Op. Cit. p.73.
281
FERREIRA, Op. Cit., p. 101-102.
282
LOPES, Op. Cit., p.73.
65

início do século XIX, mais precisamente em 1808, foram criadas duas escolas de
medicina e cirurgia, posteriormente elas foram transformadas em Academias Médico-
cirúrgicas, uma no Rio de Janeiro (1813) e outra na Bahia (1816). Entretanto, as licenças
para exercer os ofícios de cura continuavam submetidas à Fisicatura-Mor do Reino. Tânia
Maria Fernandes destaca a pouca autonomia e articulação dessas escolas médicas,
principalmente por estarem ligadas à Fisicatura.283 Em relação a outros ofícios de cura,
como sangradores, parteiras, boticários e curandeiros, constata-se que, apesar da carta da
Fisicatura restringindo sua atuação, essas pessoas continuavam a operavam além do que
lhe era concedido, prescrevendo remédios e praticando suas artes de curar 284.
Grande parte dos órgãos destinados às práticas de curar sofreram significativas
mudanças com a chegada do Império. É o que também ocorre nas Escolas de Medicina.
Em 1824 foi fundada a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, sob os moldes da
academia francesa e de acordo com Tânia Maria Fernandes, esta criação buscava
legitimação e organização dos médicos brasileiros.285
Pouco depois, em 1826, sob a autoridade do governo imperial, foi permitido às
academias de médicos e cirurgiões, que concedessem títulos para regulamentar sua
atuação.286 O que ajudou a conceder maior autonomia para a classe médica. Entretanto, é
a partir da década de 1830, que médicos e cirurgiões se estabelecem e se organizam como
instituição. Consolidam-se como universidade, agora não mais dependendo da relação
com a Universidade de Coimbra287 e se aproximando teoricamente dos conceitos da
Universidade de Paris.
A escola de medicina de Paris inaugurou a divisão dos conceitos médicos que
vigoravam desde o medievo, para a medicina moderna. Teses que vigoravam há séculos
na história da medicina, como as de Galen e Hipocrátes, começam a ser lentamente
questionadas. Isso se deu principalmente por meio das novas descobertas científicas que
acabavam derrubando a teoria de humores, como: a teoria da circulação do sangue de
William Harvey, a revolução química de Lavoiser e o trabalho de Paracelsus. Todas essas
descobertas eram incompatíveis a medicina humoral.288 Isso não significou, entretanto,

283
FERNANDES, Tania Maria. Vacina antivariólica: visões da Academia de Medicina no Brasil Imperial.
Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 11, supl. 1, 2004, p.142-143.
284
PIMENTA, Op. Cit., p.309.
285
FERNANDES, Op. Cit., p. 143.
286
FERNANDES, Op. Cit., p. 143.
287
FERNANDES, Op. Cit., p. 144.
288
SNOWDEN, Frank. Epidemics in Western Society Since 1600: Nineteenth-Century Medicine: The
Paris School of Medicine. (Yale University: Open Yale Courses), http://oyc.yale.edu (Accessed May 13,
2009). License: Creative Commons BY-NC-AS.
66

que a prática da medicina humoral foi abandonada. Novas teorias foram incorporadas à
prática médica científica, como as teorias do contágio e a prática médica hospitalar. Essas
mudanças tiveram grande influência do avanço da revolução industrial e também do
iluminismo.289
Os hospitais passaram então a ser considerados como local de instituição
científica, e Paris e seus hospitais tornam-se referência da prática médica ocidental. A
medicina passou a incorporar novas práticas, principalmente à do exame e da observação,
sendo possível a classificação das doenças pelo método da análise e investigação. Apesar
da relativa revolução no conceito do entendimento das doenças, há poucas mudanças no
quesito tratamento.290
Não obstante a organização desses médicos, ainda havia um obstáculo para a
consolidação da medicina no Brasil e este problema vigorou por todo o período colonial.
Ao mesmo tempo em que os médicos da Sociedade de Medicina carioca buscavam se
estabelecer como prática oficial, aumentavam os números de casos de varíola na cidade.
Para uma população que contou por tanto tempo com as artes de cura, agora consideradas
“não-oficiais”, a assimilação dessas práticas não foi imediatamente bem recebida.
A criação das escolas de medicina também foi uma maneira de afastar o saber
médico científico do popular. Para seus criadores, as faculdades tinham como missão
desvincular os padrões médicos (baseados na medicina popular), incorporando assim as
tendências médicas europeias, como os conceitos da clínica e da higiene.291 Xavier Sigaud
que participou da fundação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1829,
destacava o ecletismo médico do período com várias visões e modelos médicos distintos.
Esse “ecletismo médico, presente a partir de meados dos anos 1830, foi necessário
para a conciliação, entre os diversos sistemas de cura que buscavam legitimar uma
medicina própria no país”.292 Isso destaca a imposição da questão cultural sob o saber
médico-científico, colocando-se como empecilho para a consolidação da medicina
”oficial”. Um decreto imperial de 1835 transformou a Sociedade de Medicina em
Academia Imperial de Medicina. Ela passou então a vigorar sob novos moldes, com novos
estatutos, que incluíam a prática da medicina, cirurgia e farmácia. Além disso, passou a

289
SNOWDEN, Frank: Nineteenth-Century Medicine: The Paris School of Medicine, Op. Cit.
290
SNOWDEN, Frank: Nineteenth-Century Medicine: The Paris School of Medicine, Op. Cit.
291
FERREIRA, Op. Cit., p. 102-103.
292
FERNANDES, Op. Cit., p. 144.
67

ocupar novo prédio e também a fazer publicações nos periódicos através da Revista
Médica Fluminense.293
É neste contexto que com a ocorrência das epidemias de varíola ocorridas na década
de 1830, as autoridades imperiais passaram a consultar órgãos como a Academia de
Medicina para debater as ações a serem tomadas para o controle da doença. Uma das
principais pautas de discussão vigorou em torno do debate acerca da revacinação. A
mudança do comportamento estatal deve-se em parte pelo avanço das epidemias de
varíola e febre amarela, que exigiu um novo parecer acerca das medidas sanitárias
tomadas pelo governo.294
No início da segunda metade do século XIX, a Academia de Medicina viveu uma
crise político-financeira, que só foi contornada em meados da década de 60 através
principalmente da entrada de novos nomes e novas articulações. Com isso se reacendeu
o tema da vacinação antivariólica.295
Nesse novo contexto, José Pereira Rego ou simplesmente Barão de Lavradio, foi
uma figura de suma importância para os quadros médicos cariocas. Nascido em 1816 na
cidade do Rio de janeiro, era filho do capitão Manoel José Pereira Rego e de Anna Fausta
de Almeida Rego. Foi casado com Maria Rosa Pinheiro com quem teve três filhos. Pereira
Rego integrou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1833, doutorando-se em
dezembro de 1838. Dois anos depois ele passou a fazer parte da Academia Imperial de
Medicina como membro titular.296
Ele atuou intensamente no campo da saúde pública tendo feito parte da Comissão
Central de Saúde Pública; da Junta de Higiene Pública, como presidente; do Instituto
Vacínico do Império, como inspetor geral e mais tarde também operou como diretor
interino da seção de serviço sanitário do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro. Ele também trabalhou como médico particular em casas de saúde e em
sociedades médicas nacionais e internacionais.297
José Pereira Rego também escreveu para importantes periódicos médicos da época
como: a Revista Médica Fluminense, a Revista Médica Brasileira e Annaes da Medicina
Brasiliense que integravam as publicações da Academia Imperial de Medicina.298 No que

293
FERNANDES, Op. Cit., p. 145.
294
FERNANDES, Op. Cit., p. 35.
295
FERNANDES, Op. Cit., p. 145.
296
REGO, José Pereira. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)
297
REGO, José Pereira. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil, Op. Cit.
298
REGO, José Pereira. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil, Op. Cit.
68

diz respeito a sua produção intelectual, publicou uma quantidade expressiva de trabalhos,
entre eles o que destacarei aqui: “Esboço historico das epidemias que teem grassado na
cidade do Rio de Janeiro desde 1830 até 1870”.
A obra foi publicada em 1872 pelo Diário Official do Império do Brazil, e traz um
parecer sobre a dimensão e intensidade das epidemias recorrentes na cidade do Rio de
Janeiro, dentre as quais estava à varíola. De acordo com o Barão de Lavradio, a principal
causa para a continuidade da varíola na primeira metade do século XIX, era o tráfico de
escravos. Especialmente o tráfico ilegal299, que não passava pelas inspeções do porto e
que poderia acarretar assim epidemias de varíola na cidade.300
A primeira menção feita por José Pereira Rego é do ano de 1834. Segundo o autor,
a varíola não estaria entre as doenças que vigoraram no Rio de Janeiro há quase cinco
anos. Seu reaparecimento, entretanto, teria sido “mais ou menos” grave.301 É provável
que nessa meia década sem a presença da varíola tenha havido uma alta de não imunes.
No que diz respeito ao grupo mais atingido estes teriam sido vacinados: os recrutas
vindos das províncias do norte, os escravos e africanos presos nas casas de correção. Em
relação ao ressurgimento da doença, o Barão de Lavradio a atribuiu principalmente a
importação ilegal de escravos, embora segundo o próprio:

Levantada a questão no seio da Sociedade d Medicina, desencontradas


foram as opiniões emittidas na discussão : uns sustentavam que ella
fôra importada de Pernambuco, onde grassara com intensidade entre os
prisioneiros cabanos, depois da derrota que soffreram, alguns dos quaes
tinham para aqui sido enviados como recrutas, procedendo ella na
província com toda a probabilidade da importação de negros. Outros
que não havia necessidade de tal importação para explicar sua
manifestação; pois que, existindo o germen no paiz podia desenvolver-
se sob a influencia de causas especiaes; outros enfim, que fôra
importada directamente por africanos introduzidos clandestinamente na
população, e desembarcados no litoral desta cidade.302

A epidemia parece ter se estendido ou recomeçado entre os anos de 1836 e 1837.


De novo são mencionados os recrutas vindos da área norte do Brasil, mas dessa vez tem
destaque a intensidade da epidemia, onde de todos os contaminados quase metade acabou

299
José Pereira Rego provavelmente se refere ao tráfico ilegal advindo do descumprimento da lei Feijó, de
1831. Que ficou conhecida como “lei para inglês ver”, pois publicação da mesma advinha da pressão
diplomática inglesa para descontinuidade do tráfico.
300
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.VII.
301
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.6.
302
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.6.
69

falecendo. Apesar de mencionar os recrutas do Pará, Pereira Rego defende a possibilidade


de que muitos africanos chegavam contaminados e que seria mais provável acreditar que
eles teriam sido a causa da importação da doença.303 A epidemia se estendeu até Março
de 1837, de acordo com o autor, está teria sido uma das mais graves epidemias de varíola.
É possível também notar que os grandes acometidos teriam sido as crianças:

Ella não respeitou idades, sexos, condições sociaes, nem localidades:


o rico, como o pobre; as crianças, como os adultos; os habitantes da
cidade, como os do campo, resentiram-se de seus funestos effeitos,
succumbindo numero avultado de crianças de todas as classe.304

Ao se referir às terapêuticas utilizadas durante essa epidemia, ele menciona o


médico Dr. José Bento da Rosa, que teria cuidado de uma grande quantidade de pessoas
e teria empregado os seguintes tratamentos: sangrias gerais e locais, vomitivos, poções
com louro-cerejo, ópio, ácido prússico medicinal, sulfato de quinina e banhos frios e
mornos.305 A maioria desses tratamentos pautava-se na prática humoral.
O Barão de Lavradio faz nova menção à presença intensa da varíola entre o inverno
e outono de 1838. E descreve o “commercio imoral e deshumano da escravidão o
elemento destruidor da varíola”.306 Outro ponto abordado pelo autor é a falta de barreiras
sanitárias na cidade, que já era pauta da questão sanitária da cidade há algum tempo como
mencionado no segundo capítulo. Entre os anos de 1839 e 1842, vários comentários
versavam sobre o péssimo estado sanitário da cidade.307 A varíola é novamente abordada
entre os anos de 1844 e 1848, dessa vez ela parece variar em caráter endêmico e
epidêmico, de acordo com o descrito pelo autor, e também em sua gravidade. Há ainda
menções sobre a interferência do clima sob o avanço das doenças.308
Entre os anos de 1849 e 1850 é mais uma vez mencionado o grave e péssimo estado
sanitário da cidade que eventualmente poderiam mostrar a “eminência de alterações
profundas no estado sanitário, e da gravidade e extensão de qualquer epidemia que por-
ventura aparecesse”. Há novos trechos abordando a falta de medidas sanitárias e
fiscalização nos portos, e também a criação do Lazareto da Ilha do Bom Jesus, na ocasião
da epidemia de febre amarela que atingiu a cidade em 1850.309 Ainda no mesmo ano são

303
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.22-23.
304
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.24.
305
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.24.
306
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.24.
307
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.31-37.
308
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.41-51.
309
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.54-55.
70

proibidos os sepultamentos dentro das igrejas, que de acordo com o autor era uma
demanda antiga da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, há pelo menos vinte anos.
Com o declínio da febre amarela, em junho de 1850, a cidade foi atingida com a presença
da varíola que contribuiu para o quadro alto de mortalidade naquele ano.310
A varíola parece ter continuado na cidade em 1851, embora com menos
gravidade.311 No ano de 1853 destacam-se algumas mudanças relevantes no estado
sanitário da cidade. De acordo com José Pereira Rego teriam sido elas: a limpeza das
valas da cidade e o calçamento de algumas ruas. Mesmo assim, não ocorrem grandes
mudanças meteorológicas, que de acordo com Lavradio parecem influenciar diretamente
sob o impacto das epidemias.312 Apesar de serem mencionadas epidemias com grande
impacto nas últimas décadas, é ao período de 1850 e 1860, que o médico atribuiu as piores
epidemias vividas no Rio de Janeiro, dentre as quais a de febre amarela e a cólera. 313 A
varíola é de novo mencionada no ano de 1857, principalmente como complicador no meio
de doenças já em andamento na cidade. Mas parece aumentar em gravidade no ano
seguinte, quando a mortalidade aumenta consideravelmente. Aqui é destacada a
benignidade com a qual a doença atingiu indivíduos já vacinados, enquanto os não-
imunizados eram atingidos de forma grave.314 No ano de 1859 ainda se remete à presença
da varíola, desta vez não com tanta gravidade, mas novamente com a presença de
vacinados sendo contaminados, com grande presença de complicações secundárias entre
os doentes. Já no ano seguinte o estado sanitário da cidade parece novamente desagradar
à opinião do médico, que frisa ainda a influência do tempo sob a cidade. A varíola parece
ter permanecido endemicamente e o ambiente é equiparado à situação que antecedeu a
epidemia de febre amarela na cidade em 1850.315
Entre 1861 e 1864 a varíola parece ter variado em gravidade, residindo tanto
epidemicamente quanto endemicamente. Em 1865, há diversos trechos acerca da situação
sanitária da cidade, mas destaca-se principalmente a circulação de pessoas na cidade por
conta do envio de soldados e voluntários com destino à guerra do Paraguai.
Coincidentemente, a varíola grassou a cidade com violência, mantendo uma cifra alta de
mortalidade.316 A presença constante de pessoas em locomoção, acarretada pela guerra,

310
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.56-62.
311
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.71.
312
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.79.
313
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.83.
314
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.91-99.
315
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.99-105.
316
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.115 -118.
71

provavelmente teria contribuído, segundo ele, para alta de casos e mortalidade nesta
epidemia. Apesar de não manter a mesma gravidade do ano anterior, em 1866 a varíola
ainda se fazia presente epidemicamente na cidade. Nesse ano se destacam a “cessação da
chegada de tropas, extinguindo sua aglomeração, alguns melhoramentos na hygiene
publica com a remoção do lixo para fora da cidade”. As boas condições não parecem
durar tanto tempo, pois em 1867, as tropas voltam a transitar na cidade, junto com o
cólera-morbus.317
A varíola que, segundo o próprio da Lavradio, “nunca desapparecera de todo”
voltou a atacar a cidade epidemicamente, principalmente os recrutas do exército, essa
ocasião, fez-se 225 vítimas.318 Em menor escala a varíola permaneceu presente no ano de
1868. Com a chegada da década de 1870, a varíola ganha novamente caráter epidêmico,
assaltando novamente vacinados, cujo formato da doença permaneceu menos grave nos
imunizados.319
De acordo com José Pereira Rego, a varíola era mais comum principalmente entre
“classes inferiores da sociedade”. A doença seria constantemente agravada e importada
através das costas da África, sendo o tráfico uma poderosa causa da ocorrência da
moléstia. Ademais, a alimentação utilizada por este grupo social poderia contribuir para
o favorecimento e expansão de determinadas doenças.320 A questão da dieta da população
escrava já havia sido abordada, no século XVIII, no já citado tratado médico, Érario
Mineral.321 A relação entre pobreza nutricional e doenças também é abordada na obra de
Dauril Alden e Joseph Miller. Para ambos, a desnutrição não somente agravava a
contaminação por varíola, mas também tornava o período pós-contaminação mais
complicado, com o risco de infecções secundárias nas pústulas ainda em período de
cicatrização.322, É possível notar um forte direcionamento das causas das epidemias ao
tráfico de escravos, mesmo quando há outras plausíveis causas, como da movimentação
de tropas e recrutas. Mesmo com o fim do tráfico, os escravizados continuam sendo
apontados pelo autor como responsáveis pela cadeia de transmissão da varíola no Rio de
Janeiro.

317
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.123-125.
318
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.127.
319
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.138-149.
320
REGO, José Pereira, Op. Cit., p.180-181.
321
FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral (Org. Júnia Ferreira Furtado). Belo Horizonte; Rio de Janeiro:
Fundação João Pinheiro; Fundação Oswaldo Cruz, 2002.
322
ALDEN, Dauril; MILLER, Joseph. Out of Africa: the slave trade and the transmission of smallpox to
Brazil. Journal of Interdisciplinary History: Cambridge, v.18, n.2, 1987, p.198.
72

É possível, portanto, que o fato de a varíola ter atingido predominantemente a


população negra e pobre, numa sociedade escravista, possa ter influenciado diretamente
as políticas de combate à epidemia. Isso porque como analisado por Sidney Chalhoub, a
intensa contaminação de imigrantes brancos frente à epidemia de febre amarela, logo
323
resultou em medidas como a destruição de cortiços e obras estruturais na cidade,
Enquanto isso, negros pereciam de doenças como a varíola e também a tuberculose em
números bem mais expressivos, e as ações governamentais permaneciam sendo pouco
expressivas. Como destaca Sidney Chalhoub, a varíola pode ter sido segregada a segundo
plano por se tratar de uma doença que acometia majoritariamente pobres e negros e não
os imigrantes brancos recém-chegados, como era o caso da febre amarela.324
Uma das saídas utilizadas pelos médicos que partilhavam do saber científico e
que atuaram no processo de disseminação deste saber e, por conseguinte, contribuíram
para a afirmação deste grupo, fez uso de periódicos médicos que circularam durante boa
parte do Império, especialmente a partir da década de 1830. Entender como eram
veiculadas tais notícias é de extrema relevância, pois os responsáveis pelos órgãos de
vacinação eram, em sua maioria, ligados à elite médica da época e por isso se faz
necessário entender a dinâmica destes grupos.
Uma das figuras médicas mais relevantes no que diz respeito à circulação dessas
ideias foi Xavier Sigaud. Tendo ele já tido a prévia experiência de publicar quando ainda
residia na França, ao chegar ao Brasil se envolveu na criação e edição de diversos
periódicos, entre os quais um de grande relevância: o Jornal do Commercio, onde atuou
como editor.325 Destaca-se aqui a sua participação e atuação no que diz respeito à
propagação das ideias médicas ao criar o primeiro periódico voltado para conhecimento
médico-científico no Brasil o: O Propagador das Ciências Médicas, que circulou entre
1827 e 1828. Na década seguinte, ele ainda lançaria outro periódico de mesma temática,
o Diário de Saúde, em 1836.326
Ele ainda foi o idealizador e editor do primeiro jornal associado à Sociedade de
Medicina do Rio de Janeiro, o: Seminário de Saúde Pública. Em sua primeira criação, O
Propagador das Ciências Médicas, o médico buscava “cultivar entre os médicos e

323
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febri: cortiços e epidemias na Corte Imperial. 2ªed. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2017, p.103.
324
CHALHOUB, Op. Cit. p.145
325
FERREIRA, Luiz Otávio. ‘O viajante estático: José Francisco Xavier Sigaud e a circulação das ideias
higienistas no Brasil oitocentista’. In: BASTOS Cristiana; BARRETO Renilda (Orgs). A Circulação do
Conhecimento: Medicina, Redes e Impérios. Lisboa: Imprensa das Ciências Sociais, 2011. p. 84-85.
326
FERREIRA, Op. Cit., p.84-85.
73

cirurgiões do Rio de Janeiro o hábito de publicar e a atitude de exame crítico do


conhecimento.”327 Xavier Sigaud já atentava para a versatilidade e ecletismo presente
nos quadros médicos do período. É através de periódicos médicos como, por exemplo, a
Revista Médica Fluminense que questões como a vacinação antivariólica e a varíola
começam a ganhar destaque dentro do debate médico.328 Os primeiros periódicos médicos
brasileiros tiveram, portanto, um papel relevante nas tentativas de institucionalizar a
medicina.329
O jornal Seminário de Saúde Pública passou a trazer diversas notícias sobre a
vacinação antivariólica. Uma delas traz instruções sobre o processo de vacinação contra
‘bexigas’, que havia sido publicado pela Gazette de Medecine de Paris.330 Os dados da
vacinação também passaram a ser divulgados pelo mesmo jornal, frisando sempre o lado
positivo da vacina. Outro artigo apresenta um debate entre diversos médicos, incluindo
entre eles o próprio Sigaud. Versando sobre uma proposta curativa para a questão das
marcas deixadas pela varíola que era a cauterização das feridas, principalmente as do
rosto. A qualidade deste método é debatida, levando em consideração suas
consequências:

O Sr. Rosa diferenciou muito a affecção cutanea do zona d’aquella das


bexigas, parecendo-lhe que no zona só a cutícula se acha affectada
sendo a inflammação do tecido mucoso mui pouco intensa, em quanto
na bexiga sucede o contrario, sendo além da mucosa affectado o mesmo
dermes. Assim parecia-lhe que o methodo que podia convir no zona não
seria profícuo nas bexigas, muito mais por serem ellas mais numerosas
e ocuparem toda a superfície do corpo.
O Sr. Claudio apoiou a asserção do Sr, Roza e disse que no zona usara
com vantagem a applicação da pomada mercurial sobre a erupção.
O Dr. De-Simoni disse que varias vezes tinha visto e tratado o zona, e
parecia-lhe poder affiançar que a respeito d’elle se verificava o que
antigamente acontecia com as feridas incisas símplices, as quaes erão
tratadas com tópicos vulnerários que a observação mostrara depois não
só inúteis como damnosos, pois que a simples força da natureza bastava
para as curar, logo que as partes fossem postas na condição necessária,
para efeituar a adesão. Que o zona era huma erupção aguda, que, como
outros exanthemas, se tinha hum período pro´rio dentro do qual
naturalmente se desenvolvia e terminava, não excedendo
ordinariamente os 14 dias, e que por isso não devia ser perturbada na
sua marcha, mas sim abandonada á natureza, contentando-se o medico
com medifica a violência dos symptomas, e encommodos que a

327
FERREIRA, Op. Cit., p.87-88.
328
FERNANDES, Op. Cit., p. 144-148.
329
FERREIRA, Op. Cit., p.102.
330
Hemeroteca Digital, BN. Seminário de Saúde Publica pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
edição 2, 1831, p.4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/702560/12. Acesso: Maio de 2021.
74

accompanharão, pois que a enfermidade curava-se de per si, e com


melhor êxito do que tratada por quaisquer tópicos. Elle citou o caso do
Sr. João Francisco Pinho, Membro Honorario, o qual tendi applicado
em si vários tópicos não só estes não produzirão o alivio desejado, mas
exasperarão as dores, de maneira que a erupção não desappareceo senão
depois de hum mui longo período, e dez meses depois de já
desvanecida, ainda era cuelmente atormentado por ellas no lugar aonde
a mesma existira. Terminou dizendo que para moderar as dores e ardor
causados pela erupção, tinha empregado internamente com sucesso os
diaphoreticos brandamente opiados.
O Sr. Meirelles não duvidou que o zona se possa curar de per si, mas
disse que o methodo da cautherisação lhe parecia mais prompto, e
preferível á espeetação, porque abreviava a moléstia cortando-a antes
de ella acabar o seu período, poupando-se d’este modo os sofrimentos
ao enfermo. Addicionou que não era necessario cauterizar todas as
vesículas do zona ao mesmo tempo para este secar promptamente, pois
elle observara que cautherizando-se primeiramente as dos dous
extremos e depois as do meio da fascia eruptiva, e cobrindo a erupção
cem ceroto simples, não só a moléstia não progredia, como também
diminuião muito as dores e as mais vesículas secavão promptamente. O
Sr. Alvares não achou haver comparação entre a zona, e a bexiga,
excepto a chamada cristallina, e disse que n’esta só poderia aproveitar
o methodo da cautherização.
O Sr. Sigaud fez notar que Walter tinha feito desapparecer a erysipela
com a applicação dos vesicatorios sobre a parte erypelatosa, e que do
mesmo modo quaesquer substancias irritantes podião fazer também
desapparecer o zona, e outras enfermidades eruptivas, mas que o
resultado não era sempre satisfactorio aos olhos da experiencia, pelas
tristes consequências, que se seguião ao methodo perturbador
empregado n’estes casos, e que o methodo de Serre já estava
abandonado pelos praticos.331

Como podemos verificar na transcrição acima, os médicos citados apresentam


visões diferenciadas sobre a técnica da cauterização nas marcas deixadas pela varíola.
Esse não era o único ponto de discordância, como pudemos observar ao longo do projeto,
a eficácia da vacinação também foi tópico de debate, principalmente na segunda metade
do século XIX.
Os jornais já apresentavam alta relevância no debate médico na Europa do século
XVIII, representando um “papel estratégico no esforço de profissionalização e de
afirmação científica e social da medicina.”332 Apesar das tentativas, esse não parece ter
sido o caso observado em terras cariocas, mesmo com o vínculo instrucional da Sociedade
de Medicina do Rio de Janeiro e depois, da Academia Imperial de Medicina.

331
Hemeroteca Digital, BN. Seminário de Saúde Publica pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
24 de dezembro de 1831, p.1-2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/702560/241. Acesso
em: maio de 2021.
332
FERREIRA, Op. Cit., p.103.
75

Luiz Otávio Ferreira demostra que, pela falta de leitores especializados, os médicos
que trabalhavam nesses periódicos acabaram se deparando com a necessidade de debater
com “leigos ilustrados” que formavam até então a maioria de seu público. Esse fato
acabava demostrando a imposição do saber popular sobre o oficial em muitos casos,
mesmo assim, o diálogo com o público leigo pode ter se apresentado como uma opção de
inserção do saber médico científico.333
Apesar das tentativas da prática médica licenciada de aproximar o público leigo aos
médicos “oficiais”, através dos periódicos, a população continuava por vezes preterindo
a procura de práticas enxergadas como “não oficiais”. Não só pelo prestígio social que
elas haviam alcançado, durante todo o período colonial, mas também por serem mais
acessíveis às classes menos abastadas.334 No que diz respeito à rejeição a varíola pela
população, os periódicos médicos passaram, então, a culpabilizar a população pela recusa
em vacinar como será observado a seguir.

3.3 Varíola: biológica, social e cultural

escassez e qualidade da linfa; somada ainda a outros problemas como a falta de


funcionários e as longas distancias. Com o passar dos anos, o maior impasse argumentado
pelo governo para a vacinação é determinantemente a recusa de grande parte da população
a vacinação. Apesar de incentivos como os dados por D. João, e até mesmo da circulação
de notícias mostrando membros de casas reais vacinando335, estes não foram suficientes
para estimular a população a vacinar. Os esforços públicos nesse sentido foram pouco
efetivos e desarticulados e os médicos que defendiam a vacinação, mesmo próxima ao
governo, teciam críticas à falta de ação dos governantes.336
Entre os séculos XVIII e início do século XIX, a prática médica vivia o ápice de
sua institucionalização na Europa, onde cada vez mais as técnicas que vigoravam desde
o medievo - portadoras de associações mágicas e espirituais - eram progressivamente
abandonadas. No Brasil, ao longo de todo o período colonial e mesmo depois, a prática
médica teria sido cercada de condutas que os médicos europeus buscavam abandonar.

333
FERREIRA, Op. Cit., p.104.
334
GURGEL e al. Op cit.,p.65-66.
335
Hemeroteca Digital, BN. Gazeta do Rio de Janeiro 14 de janeiro de 1818, p. 5 Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/749664/4787. Acesso: Maio de 2021.
336
FERNANDES, Tania Maria. Vacina antivariólica: visões da Academia de Medicina no Brasil Imperial.
Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 11, supl. 1, 2004, p.145.
76

Como analisado nos capítulos anteriores, a pouca presença de medicina licenciada


durante todo o período colonial, fez como que técnicas que adivinham principalmente do
medievo europeu continuassem a ser utilizadas em terras brasileiras. Essas práticas
associavam a ordem natural e a ordem teológica das coisas337, com as reformas
pombalinas e a reforma da universidade de Coimbra, essas práticas foram
progressivamente sendo eliminadas do saber médico lusitano em finais do século XVIII.
Mesmo assim, as mudanças defendidas pelo governo português em relação à circulação
de conhecimento, de acordo com Angela Domingues, tiveram fins meramente práticos.338
Eles se basearam em ações como o envio de plantas e técnicas que seriam úteis à
metrópole, enquanto as novas concepções teóricas no âmbito da medicina, não tiveram
um impacto imediato na colônia, o que ajuda a entender a situação das práticas cura
oficializadas no início do século XIX no Brasil.
Charles Rosenberg argumenta que a prática médica raramente é isenta, refletindo
em seu trabalho suposições culturais relativas a questões culturais, de classes e gênero.
Por isso, nesse contexto, o entendimento da relação entre a figura médica e a doença é
fundamental para a compreensão da História médica.339 No caso especifico do Rio de
Janeiro, as imperativas do governo e da prática médica licenciadas se impuseram sob as
demandas das camadas menos abastadas, que desde dos tempos da colônia tinham como
conduta recorrer aos ditos “terapeutas populares”. Não só porque sua popularidade
permeou todo período colonial, mas também porque o custo de seu serviço se fazia
acessível a essas pessoas. Essa imposição governamental acabou refletindo o pensamento
científico da época, que buscava cada vez mais se afastar das “artes de curar populares”.
Para as pessoas que estavam acostumadas com a associação mágica das doenças e
com a conexão com o divino, o ato de vacinar realmente parecia não apresentar sentido.
Isso porque se concebia que a doença deveria seguir seu curso “natural”. Principalmente
para um grupo de escravizados cuja cultura de variolização era comum e ancestral e a
doença tinha uma associação estreita com os deuses e as tradições, como analisado nos
capítulos anteriores. Além disso, Sidney Chalhoub argumenta que, para a população
negra, a doença também poderia ser vista como algo utilizado para atingi-los,

337
NEVES ABREU, J. L. Prédicas para a alma e o corpo: algumas questões para a compreensão da doença
no contexto luso-brasileiro do século XVIII. Revista Brasileira de História & Ciências
Sociais, [S. l.], v. 9, n. 17, 2017, p.122.
338
DOMINGUES, Angela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes
de informação no Império Português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.8, supl., 2001, p.827.
339
ROSENBERG, Op. Cit., p.305-306.
77

principalmente vindo de senhores brancos. Isso porque, a doença, para eles poderia ser
derivada de feitiços.340
As questões envolvendo a institucionalização da prática médica e os costumes
curativos de parte desses grupos sociais passaram a impactar diretamente o serviço de
vacinação antivariólica. Essas pessoas passaram então a ser acusadas pelo “atraso” da
recusa em se vacinar. Até mesmo os relatórios feitos pelos diretores dos institutos de
vacinação parecem ter discutido os motivos da recusa desses indivíduos em vacinar-se,
buscando culpabilizá-los por tal fato, como analisado na obra de Sidney Chalhoub:

(...) os diretores do instituto discutem as razões que levariam as pessoas


a não retornarem após oito dias marcados, e previsivelmente, concluem
que o povo era ‘indolente’, ‘ignorante’, ‘egoísta’ etc., sendo que os pais
se furtavam ‘a esse dever, por não verem seus filhos chorar ao extrair-
se-lhes dos braços o benéfico vírus que receberam de outras crianças,
as quais também, para lhes comunicar a virtude singular da vacina,
mortificaram o coração de seus pais com o seu doloroso pranto.341

Trechos publicados no periódico médico Seminário de Saúde Pública, vinculado à


Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, também passam a trazer a pauta da recusa das
pessoas ao debate. Em um desses artigos foi encontrada uma notícia sobre a punição
francesa para pais que não vacinavam os filhos. A lei francesa aprovada dizia que aqueles
pais que se recusassem a vacinar os filhos - seja por “imprudencia, negligencia, falta de
habilidade, attenção, ou observação de regulamentos” -, e estes filhos vindo a óbito em
decorrência da varíola, seriam criminalizados pelo artigo 519 do código penal francês,
por cometerem “involuntariamente hum homicídio”.342
A proposta era de que algo similar fosse elaborado para que a vacinação fosse mais
efetiva, no trecho se ressalta a agressividade da medida francesa devendo, portanto,
inspirar-se pela lei mais opera-la de maneira mais branda, para que ela fosse adaptada
para a realidade brasileira. Ressaltando ainda o papel das câmaras no processo, onde elas
deveriam fiscalizar todo o processo através de registros, mapeando assim dados como
nascimento, sexo, condição, morte e quantos destes foram vacinados. Dessa maneira seria

340
CHALHOUB, Op. Cit., p.159.
341
CHALHOUB, Op. Cit., p.141.
342
Hemeroteca Digital, BN. Seminário de Saúde Publica pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
12 de novembro de 1831, p.4 Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/702560/220. Acesso:
maio de 2021.
78

possível estimar a quantidade de pais que não teriam levados seus filhos para vacinar, e
ainda, obter um maior controle sobre o andamento da vacina.343
A sugestão do periódico, não foi instaurada, mesmo assim no ano seguinte a
veiculação da notícia, em 1832 se estabeleceu pela primeira vez a vacinação obrigatória,
que funcionou exclusivamente para a vacinação de crianças, estabelecendo-se multa para
quem não a cumprisse. Também se tornou obrigatória à figura do vacinador nas fazendas
e, assim, a vacinação em escravos alcançou o índice de 40% em relação aos demais
vacinados, segundo Tania Fernandes.344 Outras leis semelhantes também foram
instauradas nas décadas seguintes, mas nenhuma delas obteve um impacto expressivo.
Com o passar dos anos, a contaminação de vacinados e os debates sobre a
revacinação parecem ter afastado ainda mais as pessoas da busca pela vacinação. A
possibilidade de contaminação por outras doenças como a sífilis, também foi um
complicador. De acordo com Sidney Chalhoub, o medo da contaminação por sífilis
durante a vacinação teria adquirido ”charme nostálgico”, tendo até mesmo sido propagada
em periódicos.345 O pavor da contaminação por sífilis durante a vacinação, ajudou a
contribuir com a repugnância que uma parcela considerável da população já tinha da
doença. Essas publicações enfatizavam que “a vacina tem causado a degenerescência
física e moral da espécie humana” e ainda a “extinção daquela forte raça do Império,
daqueles homens de granito, daqueles belos granadeiros da Guarda, grandes como a
armadura de Francisco I.”346
Houve ainda outra grande questão, pois com o fim do tráfico de escravos se tornava
cada vez mais difícil vacinar aqueles escravos que entravam ilegalmente na cidade. Os
escravizados eram o principal público-alvo da vacinação, principalmente pelo fato de
parte dos médicos vê-los como principais responsáveis e propagadores da varíola na
cidade. Se agora não se podia mais imunizar os escravos que chegavam na cidade, isso
criava um problema ainda maior para o esquema vacinal.
A questão da resistência popular a vacinação antivariólica vai muito além de um
problema único. Engloba uma gama de problemas sociais que tiveram início antes mesmo
da chegada da vacina no Brasil, e perduraram durante todo o século XIX Entender esses

343
Hemeroteca Digital, BN. Seminário de Saúde Publica pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
12 de novembro de 1831, p.4 Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/702560/220. Acesso:
maio de 2021.
344
FERNANDES, Op. Cit., p.35.
345
CHALHOUB, Op. Cit., p.140.
346
CHALHOUB, Op. Cit., p.140.
79

processos é de suma importância, pois dessa forma é possível compreender como se


desenvolveram as dinâmicas culturais relativas às práticas de cura no período. Pois no
caso brasileiro, a pouca ou até mesmo inexistente presença de médicos licenciados
durante o período colonial levou ao prestígio das práticas “não-oficiais”.347 Com a
chegada da família real ao Brasil, há relativas mudanças relacionadas aos exercícios de
curar. Esses médicos vão buscar cada vez mais se aproximar dos conceitos médico-
científico que vigoravam nas prestigiadas universidades europeias, como é o caso da
Universidade de Paris.348 Entretanto, a maior presença de médicos licenciados durante a
primeira metade do século XIX, vai se chocar com o crédito que os ditos “terapeutas
populares” haviam adquirido durante todo o período colonial. Dessa forma, podemos
observar que o desenvolvimento do saber médico científico, se conduziu lenta e
progressivamente buscando deslegitimar as práticas populares de cura.
Apesar das argumentações desse saber científico em construção, serem
direcionadas a problemática que as terapias populares apresentavam, o fato é que para sua
própria consolidação foram necessárias concessões, na tentativa de progressivamente se
aproximar do prestígio social que gozavam os terapeutas populares. Outro fator curioso,
é que apesar das críticas constantes tecidas as práticas de curar “não-oficiais”, por parte
dos médicos licenciados, ambas as práticas experimentavam uma grande proximidade
conceitual. Muitas delas derivavam de elementos do humorismo hipocrático.349 O que
não impediu que os ditos curandeiros fossem perseguidos durante todo o século XIX, por
serem vistos como um empecilho no processo de institucionalização da prática médica
no Brasil. De acordo com Tânia Maria Fernandes, os editores dos periódicos médicos
científicos argumentavam que as práticas não-cultas eram vistas como vagas, incertas e
muito sujeitas a erro350 (Mesmo que, por vezes, se aproximasse das utilizadas por parte
desses médicos licenciados).
Uma crônica de Machado de Assis, publicada em 1889, expressa a situação sob a
qual os curandeiros viviam submetidos. Ela também destaca que a procura por essas
pessoas não havia diminuído:

347
RIBEIRO, Op. Cit., p.33
348
FERNANDES, Op. Cit., p.143.
349
PIMENTA, Tânia Salgado. ‘Terapeutas populares e instituições médicas na primeira metade do século
XIX’. In: Chalhoub, Sidney; Marques, Vera Regina Beltrão; Sampaio, Gabriela dos Reis; Galvão
Sobrinho, Carlos Roberto. Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de história social. Campinas,
Unicamp, 2003, p.325.
350
FERREIRA, Op. Cit., p. 109.
80

Curandeiros, por exemplo. Há agora uma verdadeira perseguição


desses. Imprensa, politica, particulares, todos parecem haver jurado a
exterminação dessa classe interessante. O que lhes vale ainda um pouco
é não terem perdido o governo da multidão. Escondem-se; vão por noite
negra e vias escuras levar a droga ao enfermo, e com ela, a consolação.
São pegados, é certo; mas por um curandeiro aniquilado, escapam
quatro e cinco.351

De acordo com Rosenberg, um dos aspectos mais importantes no âmbito das artes
de cura, é sobre aqueles que as exercem. Pois é a figura de cura, seja ela compreendida
como um agente ‘não-oficial’ ou licenciado, que detém a capacidade de por um nome ao
desconforto de seu paciente. Mesmo uma projeção ruim frente à determinada doença,
pode ser melhor, do que um mistério ou um mal que não se pode nomear. .352 Isso pode
ajudar a entender a preferência pelos curandeiros, pois estes frequentemente recorriam às
razões mágicas e divinas das doenças, que pareciam ser mais facilmente absorvidas por
grande parte da população. Enquanto os médicos licenciados, agora recorriam às
explicações científicas sobre as enfermidades; muitas delas inacessíveis aos grupos
populares.
É importante refletir que a rejeição ao conteúdo mágico ou até divino das doenças
por parte dos médicos licenciados é um fenômeno recente para o Brasil do século XIX,
isso porque ele reflete uma institucionalização lusitana tardia, enquanto grande parte da
Europa vivia progressivamente os contornos iluministas e seu impacto nas universidades.
Portugal seguiu utilizando práticas derivadas do medievo europeu e amplamente
influenciadas pela religião, enquanto boa parte da Europa já as entendia como
ultrapassadas.353 Esse processo de desenvolvimento e disseminação do saber científico na
medicina só passa a ocorrer a partir do final do século XVIII.
Por isso, não é de se estranhar que esse modelo de pensamento sobre elementos
mágico-religiosos da doença tenha persistido entre os habitantes brasileiros. Já que, se
institucionalização havia chegado tardiamente em Portugal, o cenário era agravado em
seus domínios, onde a circulação do saber era dificultada pelo além-mar. Essas
implicações divinas para epidemias parecem ter refletido na resistência popular pela
vacinação. Na análise de uma epidemia que “grassou” em uma cidade próxima à corte,
Porto Cunha, Chalhoub analisa a recusa da população em vacinar-se. Uma das motivações

351
CHALHOUB, Op. Cit., p.193.
352
ROSENBERG, Op. Cit., p.307.
353
ABREU, Jean Luiz Neves. A Colônia enferma e a saúde dos povos: a medicina das ‘luzes’ e as
informações sobre as enfermidades da América portuguesa. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.14, n.3, jul.-set. 2007, p.763.
81

principais seria de que uma intervenção sob o curso natural da doença pudesse ocasionar
a piora dos pacientes.354 Cabe aqui ainda frisar que uma das principais defensoras do
movimento anti-vacina nesta época foi a Igreja Católica, que enxergava a vacinação como
não natural.355
Analisando a experiência epidêmica retratada por Chalhoub, há diversos trechos
que versam sobre o pânico da população em vacinar-se durante o avanço da doença. A
recusa derivava principalmente do medo de se contaminar durante o processo,356
reforçando assim a tese da provável e continua confusão que existia entre as práticas de
variolização e inoculação. A confusão entre as técnicas surgia quando levamos em
consideração que a prática de variolização, empregada durante tantos anos na Europa, era
feita da mesma forma que a inoculação do vírus cowpox, executada durante a
vacinação,357 uma vez que ambas eram realizadas lancetando o braço do paciente.
Havia também outras questões em relação à citada epidemia de varíola que atingiu
Porto Cunha. Uma delas é que uma considerável parte da população parece ter recorrido
primeiramente a curandeiros até que, um médico apontado pelo autor como Dr. Teixeira,
tivesse sido chamado, 358 demonstrando que as pessoas davam preferência primeiramente
a presença da prática médica não-licenciada. A relativa truculência com a qual
vacinadores geralmente estavam associados, por contarem quase constantemente com o
apoio policial, também afastava as pessoas do processo de vacinação.359
Tais aspectos podem ter contribuído para que parte da população que rejeitava a
vacinação buscasse outra forma de proteger-se, como a variolização. Provavelmente
porque era uma prática plenamente difundida na Europa e com a qual esses indivíduos
provavelmente já haviam contado no passado.
Segundo Sidney Chalhoub “não há dúvida: a inoculação do pus variólico realizada
por ‘curiosos’ – talvez não só por eles – era prática comum tanto na Corte quanto no
interior do país ao longo do século XIX.”360 Baseado nessa afirmação, é compreensível a
apreensão dos higienistas em relação à adoção da prática e sua busca por reprimi-la. Não
muito distante da Corte, em Irajá, a variolização parecia estar sendo praticada por esses

354
CHALHOUB, Op. Cit., p.147.
355
LOPES, Op. Cit., p.73.
356
CHALHOUB, Op. Cit., p.146.
357
CHALHOUB, Op. Cit., p.154.
358
CHALHOUB, Op. Cit., p.144.
359
CHALHOUB, Op. Cit., p.141.
360
CHALHOUB, Op. Cit., p.149.
82

ditos “curiosos”, junto com uma “legião de adeptos.”361 Por isso, enquanto os próprios
“lanceteiros” pensavam estar combatendo a ignorância ao impor o esquema vacinal à
parte da população,362 várias pessoas buscavam suas próprias maneiras de desviar do
sistema, fugindo das tentativas de controle médico-científico sobre a enfermidade.363
Apesar da constante ligação entre o tráfico de escravos e a varíola, o fato é de que
ele não era a única causadora das epidemias na cidade. É evidente que a quantidade
expressiva de navios chegando constantemente de áreas nas quais a varíola era
relativamente comum, contribuiu para a presença da doença na cidade. Mesmo assim, há
outros pontos para se levar em consideração. Um deles é o porto como um propagador
geral de doenças no período. Não só pela entrada constante de escravos, mas pela chegada
de produtos e de imigrantes que passaram a desembarcar com frequência no Rio de
Janeiro a partir da chegada da família real ao Brasil; dentre os quais a maioria era de
europeus, de onde a varíola também se fazia presente com certa frequência (vale aqui
frisar que durante a segunda metade do século XIX, a Europa contou com surtos
epidêmicos em diversos países)364. Essa preocupação relativa ao porto e as eventuais
epidemias que o mesmo poderia causar, refletiu-se nas diversas medidas impostas pelas
autoridades governamentais da época e que já foram aqui abordadas.
O direcionamento da varíola a população negra também se transcreve nos diversos
anúncios analisados aqui, aonde a presença da doença é ao mesmo tempo um elemento
positivo para compra de escravos (para aqueles que foram contaminados e sobreviveram,
poupando o senhor de eventuais baixas) e um marcador social para aqueles que fugiram.
Essa condução do combate à doença, entendendo a população negra como principal
difusora da varíola, também se traduziu no esquema de vacinação, onde escravizados
continuaram sendo durante todo o século XIX o grupo alvo para a vacinação (mesmo
quando em outras localidades, como na própria Europa, a vacinação se voltava para as
crianças). Como abordado por Sidney Chalhoub, o fato de escravos serem os principais
acometidos pela enfermidade, também influenciou a maneira como a doença era vista e
combatida, uma vez que médicos voltados para o tratamento da doença acabaram
direcionando esforços e recursos para o combate de doenças que atingiam mais brancos,

361
CHALHOUB, Op. Cit., p.155.
362
CHALHOUB, Op. Cit., p.175.
363
PIMENTA; BARBOSA; KODAMA. Op. Cit., p.158.
364 FENNER F. e al. Op. cit., p. 231.
83

como a febre amarela. Em virtude disto, doenças comuns entre negros, como a varíola e
a tuberculose, foram permanecendo em segundo plano.365
Relativa parte desses médicos, por sua vez, ignoravam as tradições que vigoravam
entre alguns desses escravizados, em prol das suas próprias concepções de progresso,
nesse caso o avanço médico-científico. . A variolização enxergada por grande parte da
população residente em reinos localizados na África Ocidental (como Daomé, Costa da
Mina, Angola, Sudoeste da Nigéria etc) onde residia a cultura Yorubá como parte de
ritual religioso importante, era desprezada e vista pelos médicos licenciados como um
atraso ao avanço da vacinação. No universo cultural analisado a doença ultrapassava os
limites da prática médica licenciada, porque o flagelo podia resultar de um castigo
provocado pela violação das tradições ou deveres com os deuses, mas também ser
ocasionado por um feitiço.366

A associação entre Sagbatá e epidemias de varíola é explicada em


termos estritamente mitológicos. Todos precisam respeitar as terras que
lhe garantem a alimentação, assim como as chuvas que as fertilizam;
nada mais justo, portanto, que Sagabtá, que nutre os homens dando-lhes
os grãos e cereais, os possa também castigar por suas ofensas, enviando-
lhes doenças que consistem em fazer com que ‘os grãos que os homens
comem apareçam em sua pele’.367

Entre as décadas de 1830 e 1840, apenas 6,5% dos escravos presentes na cidade do
Rio de Janeiro era oriundos da área da África Ocidental, devotos prováveis dos vodus e
orixás e também da deusa Sopona/ Sagbatá.368 Apesar disso, na primeira metade do século
XVIII, houve, uma quantidade expressiva de africanos vindos da África Ocidental, no
Rio de Janeiro. Dados dos óbitos da freguesia da Candelária, entre 1724 e 1736, apontam
que os escravos africanos provenientes de áreas da África Ocidental representavam quase
metade (49%) dos mortos.369 Índice este que parece decair por volta de 1760, com o
colapso econômico vivido pelas minas. Entre 1793 e 1800, os ocidentais desaparecem
dos livros de óbitos, dando lugar a um massivo contingente de centro-ocidentais.370
Apesar disso, com a revolta dos malês (1835) e o fim do tráfico na década de 1850, houve
incremento do tráfico interprovincial entre Rio de Janeiro e Bahia, a partir do qual os

365
CHALHOUB, Op. Cit., p.109.
366
CHALHOUB, Op. Cit., p.159.
367
CHALHOUB, Op. Cit., p.161.
368
CHALHOUB, Op. Cit., p.163.
369
SOARES, Op. Cit., p.54.
370
SOARES, Op. Cit., p. 58-59.
84

escravos advindos da África Ocidental eram maioria.371 Diante disso, podemos cogitar
que na segunda metade do século XIX houvesse maior tendência aos africanos e seus
descendentes com propensão a fazer uso da prática da variolização.
Para Chalhoub, o melhor indício de que esta prática estava sendo empregada no Rio
de Janeiro seria a presença do candomblé na cidade. Ainda segundo o autor, o registro
mais antigo seria anterior à década de 1850, no qual negros-mina foram presos e acusados
de bruxaria. De acordo com uma denúncia, “Tais africanos praticavam candomblé e
dançavam batuque de forma circular durante a noite”372 Isso porque a presença do culto
de Omolu teria causado furor durante as epidemias de varíola que ocorriam na Bahia. 373
Dessa maneira, levando em consideração a presença da variolização na corte carioca
durante o século XIX, cujas autoridades vinham tentando combater,374, é possível assumir
que alguns desses negros estivessem recorrendo à ela, principalmente quando levamos
em consideração a prática do candomblé em meados do século XIX.

371
CHALHOUB, Op. Cit., p.164-165.
372
CHALHOUB, Op. Cit., p.163.
373
CHALHOUB, Op. Cit., p.165.
374
CHALHOUB, Op. Cit., p.149.
85

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho procurei demonstrar que, apesar dos incontáveis problemas
que o serviço de vacinação enfrentava e também os que os médicos defensores do saber
científico vivenciaram, a recusa da população em vacinar foi a principal causa apontada
pelos contemporâneos, para a falha do sistema de vacinação. No entanto, apesar desta
narrativa da época, as causas do fracasso do serviço de vacinação antivariólica foram
múltiplas.
Essas diversas razões se refletem nos impasses ocorridos entre o governo e alguns
dos médicos, como ficou explicitado nos incontáveis desacordos vistos dentro das
instituições de ensino médico e também em seus periódicos. Como do debate sobre o
método de cauterização, analisados no capítulo três. Nem os médicos conseguiam
concordar plenamente sob a vacinação, uma vez que desde o princípio houve aqueles que
se opuseram a vacina. Posteriormente, esses debates foram ganhando novos contornos
por meio da descoberta de contaminação por sífilis e da necessidade da revacinação, e
depois, com a passagem da vacinação braço a braço para o método de vacinação animal
no final do século XIX.
Deve-se ainda levar em consideração que, mesmo quando a população teve relativa
vontade em vacinar-se, como ocorreu nos primeiros anos do serviço, o mesmo não
funcionava adequadamente, atingindo uma quantidade inexpressiva de vacinados, quando
comparada à quantidade de habitantes que a cidade mantinha. Apesar de não produzir
uma alta mortalidade, as “bexigas” continuavam a assombrar os quadros médicos da
cidade com frequência, ao longo de todas as décadas do século XIX,375 complicando ainda
outras epidemias em andamento, como ocorreu durante a década de 1850 (quando surgiu
a grande epidemia de febre amarela). A continua presença da varíola na cidade também
se apresentava como um atraso civilizatório e científico, uma vez que a vacina era
enxergada como a solução para o problema e também representava o avanço médico da
época.376

375
CHALHOUB, Op. Cit., p.152.
376
CHALHOUB, Op. Cit., p.209.
86

No que diz respeito à chegada e consolidação da prática médica na Corte, ao mesmo


tempo em que ela tentava repreender as práticas populares e buscava a sua
institucionalização, parte dos médicos recorria às práticas ditas “não-oficiais”. O que
ocorria porque grande parte das artes de cura derivava da mais antiga das práticas
médicas: o modelo humoral.377 Essa questão, por sua vez, não impediu que as pessoas
que faziam uso dessas artes sem a “formação adequada” fossem perseguidas, por não
obterem a formação ou licenciamento para praticá-las. Se ao longo de todo século XIX
e principalmente ao final dele, a pressão e perseguição aos vacinofóbicos também
representou a perseguição aos curandeiros,378 isto ocorreu justamente porque em tempos
de crise - como nas epidemias – era a estes que as pessoas costumavam recorrer. Essa
preferência derivou da falta de médicos durante toda colônia, mas também da frequente
associação entre doença e divino e a crença na magia que perpassaram toda cultura do
Antigo Regime e não apenas entre os africanos.
Outra questão recorrente que pude perceber ao longo do estudo aqui desenvolvido
foi o costume pela prática da variolização, que vigorou durante muitos anos no continente
europeu, sendo também era comum no continente africano, e que foi adotada ao mesmo
tempo que a vacinação. Para os descendentes de europeus, a confusão derivava
principalmente pelos procedimentos da variolização e da vacinação serem feitos da
mesma maneira,379 o que gerava o medo de que eventualmente a vacina pudesse acarretar
epidemias, como ocorria com a variolização. Para aqueles escravos procedentes da área
da África Ocidental, a prática envolvia muito mais do que só a proteção.
O cerco àqueles que se recusavam a se vacinar foi intensificado por uma figura que
manteve alta importância no que diz respeito à presença da varíola no Rio de Janeiro, o
barão de Lavradio, José Pereira Rego. A partir de 1865, epidemias intensas de varíola
passaram a ocorrer todos os anos na cidade do Rio de Janeiro, sendo sob o seu comando
que o instituto antivariólico formou um cerco contra os ditos vacinofóbicos,
intensificando as leis de obrigatoriedade da vacina. Mesmo assim, o serviço de vacinação
ainda viveria uma crise durante a década de 1880.380
Se a História dos indivíduos é fruto de uma construção, assim também ocorre com
a história das doenças.381 A história da varíola na Corte carioca foi elaborada sob diversos

377
FERREIRA, Op. Cit., p. 115.
378
CHALHOUB, Op. Cit., p.195.
379
CHALHOUB, Op. Cit., p.154.
380
CHALHOUB, Op. Cit., p.177-179.
381
ROSENBERG, Op. Cit., p.306.
87

contornos, mas principalmente sob preconceito racial e da necessidade contínua de


médicos em se consolidar enquanto grupo naquela sociedade, conforme o avançar da
segunda metade do XIX. Mas, a população resistia a essas tentativas do jeito que podia;
assim como os escravos, que recorriam aos seus deuses e ritos em busca de manter suas
tradições diante da varíola.
88

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de muitas aprasiveis, e saudiveis folhas, em que se deixaõ nver muitos e singulares
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curiosidade descubrio, para curarcom facilidade quasi todas as doenças, e queixas, a que
o corpo esta sogieto, principalmente em terras desitiduas de Medicos e Boticos. Copiados
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