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Poesia e experiência

Declaração em um sarau (1964)

O que um poema costumava ser para mim, o que ele é hoje.


No período em que meus dois primeiros livros foram escritos eu tinha
uma abordagem muito mais absolutista do que tenho agora. Eu também senti—
como muitas pessoas ainda sentem— que um poema era uma combinação de
ideias e sentimentos, pré-determinados, e ele dizia o que eu já havia decidido
que ele deveria dizer. Havia surpresas ocasionais, ocasiões de felizes
descobertas em que uma guinada inesperada poderia acontecer, mas controle,
domínio técnico e clareza intelectual eram os verdadeiros objetivos, e por
muitos motivos era satisfatório ser capaz de criar esse tipo de ordem formal nos
poemas.
Apenas gradualmente, dentro dos últimos cinco ou seis anos, comecei a
sentir que esses poemas, mesmo aqueles que eu mais gostava e nos que eu
sentia que eu tinha dito mais coisas, eram estranhamente limitados; que em
muitos casos eu suprimi, omiti, até mesmo falsifiquei, certos elementos
perturbadores, para obter aquela ordem perfeita. Talvez este sentimento tenha
começado a se mostrar em um poema como "Rural Reflections,'' no qual já
existe uma consciência de que a experiência é sempre melhor e mais
inclassificável do que nós acreditamos que ela seja.
Hoje, eu tenho que dizer que o que eu sei, eu sei por fazer poemas. Como
um romancista que descobre que suas personagens começam a ter uma vida
própria e exigir certas experiências, eu acho que não posso mais começar a
escrever um poema com um bom punhado de materiais e expressar esses
materiais de acordo com um plano prévio: o poema engendra por si mesmo
novas sensações, uma nova consciência em mim conforme ele progride. Sem
por um momento dar as costas à escolha consciente e à seleção, eu tenho estado
cada vez mais disposta a permitir que o inconsciente ofereça seus materiais,
para ouvir mais do que uma voz de uma só ideia. Talvez, uma forma simples de
dizer isso seja: invés de poemas sobre experiências estou fazendo poemas que
são experiências, isso contribui com meu conhecimento e minha vida emocional
mesmo enquanto eles a refletem e assimilam. Em meus poemas mais antigos eu
falava, tão precisa e eloquentemente quanto eu sabia fazer, sobre algo; nos
poemas mais recentes algo está acontecendo, algo aconteceu comigo e, se eu
estiver sendo uma boa mãe1 para esse poema, algo acontecerá àqueles que o
lêem.

Transcrito por Rich e publicado pela primeira vez em "Adrienne Rich and the Poetics od
Change" por Albert Gelpi, em American Poetry Since 1960, editado por Roberto Shaw
(Carcanet Press, 1973). Reimpresso com permissão da editora.

1
No texto original "parent" como uma opção independente de gênero, que funciona para mãe ou pai.

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