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Seminário

A Têxtil e o Vestuário no Vale do Ave


Fábrica de Santo Thyrso/Centro Interpretativo,
Santo Tirso, 2022

A Fileira Portuguesa dos Têxteis e do Vestuário: das ameaças do início do séc.


XXI aos desafios do presente

J. Cadima Ribeiro
NIPE e Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho, Braga, Portugal,
jcadima@eeg.uminho.pt

Resumo
Com a entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), a Indústria dos
Têxteis e do Vestuário (ITV) portuguesa enfrentou grandes dificuldades competitivas,
acentuadas pelo alargamento da União Europeia a Leste. Na procura de futuro para a
fileira, algumas entidades, entre as quais o Centro de Estudos Têxteis Aplicados, foram
levadas a conduzir estudos de natureza estratégica. Em resposta a convite para participar
em conferência sobre a fileira dos têxteis e do vestuário, achei interessante questionar
em que medida os resultados do presente foram os que se antecipava que pudessem ser
alcançados para assegurar a continuidade do setor. Para esse efeito, consultaram-se os
estudos e a informação setorial que vai sendo divulgada sobre a sua evolução e, através
de entrevistas semiestruturadas, inquiriu-se alguns protagonistas da fileira. Concluiu-se
que a ITV portuguesa viveu na última década um momento de reposicionamento e
afirmação, se bem que as razões do sucesso mereçam apreciações diversas, desde a
avaliação de que “Não aconteceu nada daquilo que nós dissemos que ia acontecer”
(Braz Costa) à de que, “15 anos depois, [o que havia sido equacionado] foi concretizado
com muito sucesso” (António Falcão). Em relação ao que possa ser o futuro, as
perspetivas recolhidas são igualmente positivas, com sublinhados feitos para o tipo de
produtos oferecidos, a atualização tecnológica e os avanços que se estão a dar em
matéria de fibras e de economia circular, mas com chamada de atenção unanime para as
dificuldades enfrentadas em matéria de recrutamento de recursos humanos dotados das
competências que são requeridas.
Palavras-chave: Impacte da entrada da China na OMC no desempenho dos têxteis e do
vestuário portugueses; Estratégia de competitividade da fileira dos têxteis e vestuário;
Linhas de força para a ITV; Entrevistas semiestruturadas a atores da ITV.

Introdução

Nos primeiros anos do século XXI, a indústria portuguesa dos têxteis e do vestuário
enfrentou dificuldades competitivas acrescidas decorrentes da entrada da China na
Organização Mundial de Comércio (OMC) e do modelo de operação mantido pelas
empresas multinacionais. Essas dificuldades foram ainda acentuadas pelo alargamento
da União Europeia a leste (a partir de maio de 2004), que se vieram somar aos
problemas estruturais que a economia portuguesa já atravessava, postos em maior
evidência pela criação do Euro e pelas exigências daí decorrentes em matéria de rigor
orçamental e equilíbrio das contas públicas do país.

Nesses tempos incertos e desafiantes, na procura de futuro para uma fileira tão diversa e
complexa como é a dos têxteis e do vestuário, algumas entidades com intervenção no
setor foram levadas a conduzir alguns estudos de reflexão estratégica, de que resultaram
o apontar de caminhos e a definição de metas a alcançar no médio e longo prazos. Entre
essas entidades estiveram o CENESTAP (Centro de Estudos Têxteis Aplicados) e a
APT (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), sendo que a primeira entidade foi
encerrada pouco depois, em meados da década de 2000.

Foi no contexto do CENESTAP, em representação da Universidade do Minho, que,


durante alguns anos, fiz um acompanhamento próximo da dinâmica das indústrias dos
têxteis e do vestuário (ITV), e foi nessa sede, também, que pude contribuir para os
estudos de natureza estratégica que foram produzidos. Uma década e meia depois, a
pretexto de convite que me foi endereçado para participar em conferência no âmbito do
setor ITV, achei interessante reler o que então se apontou como caminhos a percorrer e,
sobretudo, questionar em que medida os resultados do presente foram os que se
antecipava que pudessem ser trilhados para assegurar a continuidade e reafirmação da
fileira nacional no contexto subsequente aos cheques externos acima mencionados.

Se os dados do passado foram vertidos em documentos estatísticas que, quase todos,


estão acessíveis a quem queira consultá-los, a leitura do que foi feito e o porquê dos
caminhos que conduziram aos resultados alcançados no presente pelos têxteis e
vestuário portugueses são matéria que poderá ter diferentes leituras. Nesse sentido,
procurou-se respostas consultando a informação que vai sendo publicada sobre projetos
de investimento que estão em curso e o sobre o desempenho do setor, e inquirindo
alguns protagonistas da fileira diferentemente posicionados. Para esse efeito, conduziu-
se um conjunto de entrevistas semiestruturadas a um grupo de atores do setor,
abrangendo desde investigadores da área das fibras, agentes com intervenção no
desenvolvimento de produtos e processos têxteis a empresários. Tratou-se, em todos os
casos, de atores da fileira que conheci e com quem interagi amiúde, no passado. Os
dados colhidos nas entrevistas foram também complementados e triangulados com
outros disponibilizados pela comunicação social específica do setor.

Constatado o sucesso do percurso percorrido pela fileira ITV portuguesa nestes


derradeiros anos, as entrevistas realizadas serviram, igualmente, para questionar os
inquiridos sobre os desafios que se lhes deparam no presente e as formas de os
enfrentar, preservando orientações estratégicas ou optando por novos posicionamentos.

A presente comunicação assume a seguinte estrutura: na secção que se segue apresentar-


se-ão alguns dados sobre a evolução histórica e o desempenho recente da fileira; de
seguida, far-se-á referência aos métodos usados no trabalho empírico materializado; na
secção 3 teremos os resultados das entrevistas e elementos complementares recolhidos
na comunicação social dedicada ao setor; a fechar o texto haverá uma breve conclusão.

1. Alguns dados históricos e o desempenho recente da fileira

Como já mencionado, nos primeiros anos do século XXI as empresam nacionais e a


fileira têxtil e confeções, no seu todo, encontravam-se numa encruzilhada: por um lado,
as pressões competitivas internas tinham vindo a aumentar com a entrada no mercado
de grandes concorrentes internacionais; por outro lado, por força da integração europeia
e da globalização dos mercados, eram desafiadas a prosseguir os caminhos da
internacionalização, sendo certo que esta via não era fácil nem estava ao alcance de
todas.

Pegando nalguns indicadores agregados (volume de negócios, exportações, emprego),


traça-se na Figura 1 um retrato do que foi a evolução do setor ITV numa trajetória de
longo-prazo, de 1995 a 2017, onde ficam sublinhadas as fases de expansão, declínio e
recuperação que se pôde observar ao longo deste período. Nessa trajetória, são pontos
de destaque: 2001, que configura um máximo histórico no volume de negócios (superior
a 8.000 milhões de euros) e que coincide com o fim do período derrogatório do Acordo
Multifibras; 2008/2009, que representa o ponto de viragem de um período marcado por
importantes declínios do volume de negócios e das exportações portuguesas; e 2015,
que ficou marcado por algum nível de recuperação em matéria de emprego depois de
uma trajetória longa de sucessivas perdas nesta variável (em 1995, o emprego situar-se-
ia em 263.181 trabalhadores, em 2000 estaria nos 235.608, em 2005 seriam 191.714 e,
conforme se pode ver na Figura 1, terá caído para 131.513 em 2015) (Direção-Geral das
Atividades Económicas, 2018).

Figura 1 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução dos principais indicadores, entre
1995 e 2017 (milhões de Euros)

Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

O crescimento do volume de negócios registado e do valor acrescentado registado a


partir de 2008/2009, conjugado com a perda de postos de trabalho (e do número de
empresas) levou a ganhos de produtividade, como é documentado na Figura 2, para o
período de 2010 a 2016.
Figura 2 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução da produtividade aparente do
trabalho (VAB/Pessoal ao serviço), entre 2010 e 2016 (milhares de Euros)

Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

Para a recuperação da atividade a que se assistiu terão contribuído, conjuntamente, entre


outros, fatores como a inovação tecnológica que foi sendo incorporada, maiores apostas
no design, a qualidade dos bens, a rapidez e flexibilidade existente, a fiabilidade dos
produtores, os serviços de maior valor acrescentado que a ITV foi prestando e uma
fileira organizada em cluster e geograficamente concentrada, apoiada por alguns centros
de competências (Jornal Têxtil, 2015a; Direção-Geral das Atividades Económicas,
2018). Contribuíram, igualmente, o assumir progressivo de mais rigorosos princípios de
sustentabilidade social e ambiental, atentos à sensibilidade que se foi gerando no
mercado consumidor, e a aposta crescente em novos produtos (têxteis técnicos e
funcionais).

Em expressão da forte dependência da fileira dos têxteis e vestuário dos mercados


externos, a recuperação a que se assistiu tem ilustração visível na evolução das
exportações nacionais (Figura 3), que atingiram, em 2017, os 5231 milhões de euros
(2071 referentes aos têxteis e 3160 ao vestuário), isto é, uma receita de exportação
superior ao melhor desempenho do período anterior à crise do início dos anos 2000.
Esse valor representou cerca de 8,9% do total das exportações nacionais de bens
(Direção-Geral das Atividades Económicas, 2018).

Nesse mesmo ano, as importações situaram-se nos 4138 milhões de euros (2042
referentes aos têxteis e 2096 milhões de euros, ao vestuário). Em expressão desses
resultados, o saldo da balança comercial permitiu que se atingisse, em 2017, uma taxa
de cobertura de 126% (Direção-Geral das Atividades Económicas, 2018).
Figura 3 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução das exportações e das
importações de bens, entre 2013 e 2017 (milhões de Euros)

Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

Olhando para o período mais recente, contemporâneo da crise sanitária da COVID-19,


pode concluir-se que, se o de 2020 ficou marcado por uma quebra da produção e do
volume de exportações, o ano de 2021 deixou patente o retomar da tendência que vinha
da década precedente (Quadro 1). Considerando o ano de 2021, o volume de
exportações registado superou mesmo o do ano de 2019 em 3,9%, atingindo o valor de
5.419 milhões de euros.

Para esse resultado contribuíram, sobretudo, os bons resultados do vestuário em malha e


dos têxteis para o lar (Quadro 1). O vestuário em malha, em particular, exportou mais
9% face a 2019. No caso dos têxteis para o lar registou-se um crescimento da faturação
das exportações de 17% face a 2019. Por contrapartida, refletindo os efeitos da
pandemia, que afetou particularmente esse segmento de mercado, o vestuário em tecido
registou uma quebra de 19, 1% (ATP, 2022).

Quadro 1 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução das exportações por grupos de
produtos de bens, entre 2019 e 2021
Fonte: ATP (2022), “O Melhor Ano de Sempre das Exportações de Têxteis e Vestuário”, ATP Press
Release, 9 de fevereiro de 2022.

Por mercados de destino (Quadro 2), os dados de 2021 indicam que a França reforçou o
segundo lugar do ranking, com um crescimento de 15,8% face a 2019, o que significou
uma quota de 15% do total das exportações de têxteis e vestuário nacionais (ATP,
2022). A Espanha continuou a liderar a tabela dos principais destinos, mesmo sofrendo
uma quebra de 13,8% face ao mesmo ano de referência. Em 2019, representava 31% do
total, passando a representar 25% em 2021. Os EUA foram o destino fora da União
Europeia que mais cresceu (+31,5% face a 2019). Globalmente, em 2021, a balança
comercial do setor ITV registou uma taxa de cobertura de 127% (ATP, 2022).

Quadro 2 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: principais destinos das exportações entre
2019 e 2021

Fonte: ATP (2022), “O Melhor Ano de Sempre das Exportações de Têxteis e Vestuário”, ATP Press
Release, 9 de fevereiro de 2022.

Estes dados são merecedores de particular atenção em razão da relevância dos mercados
mencionados como destinos e fornecedores das indústrias de têxteis e vestuário
nacionais. Nos Quadros 3 e 4 apresentam-se o contributo desses mercados, em 2017,
estruturados segundo tratar-se de têxteis (Quadro 3) ou de vestuário (Quadro 4).

Quadro 3 – Indústria dos Têxteis: principais clientes e fornecedores, em 2017

Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

Em matéria de clientes, o Quadro 3 indica-nos que os 5 principais destinos das


exportações de têxteis portugueses em 2017 foram países europeus, com o Reino Unido
a assumir a 5ª posição. No que se refere aos cinco mais importantes mercados de origem
das importações nacionais de têxteis (Quadro 3), aparte a Espanha, que representou
20,2% do valor total das importações de têxteis, da Itália e da Alemanha, importa
destacar a presença nesse “ranking” de 2 países não europeus, a Índia (com um peso
9,4%), e a China (fornecedor de 7,0% das importações nacionais).

Relativamente ao vestuário (Quadro 4), também em 2017, os principais destinos das


exportações portuguesas, foram Espanha, com uma quota esmagadora de 42,7%,
seguida pela França, Reino Unido, Alemanha e Itália, representando, em conjunto, cerca
de 78% das exportações de vestuário. Como mercados de origem das importações
nacionais de vestuário posicionavam-se a Espanha, com mais de metade do valor total
das importações (55,5%), a França, a Itália, a Alemanha e a China, neste caso com um
valor relativo mais baixo do que o apresentava enquanto fornecedor de produtos têxteis
(4,4%).

Quadro 4 – Indústria do Vestuário: principais clientes e fornecedores, em 2017


Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

Como última referência a dados agregados do desempenho dos têxteis e vestuário


nacionais, deixa-se a chamada de atenção para o peso relativo da fileira em matéria de
Valor Acrescentado Bruto (VAB). Em 2010, representava 3,2% do PIB português,
subindo para 4,0% em 2016, a significar um reganhar de importância do setor no
contexto da economia nacional (Figura 4), e a representar, também, um contributo para
o total da indústria transformadora nacional de mais de 11% (11,2%) (Direção-Geral
das Atividades Económicas, 2018).

Figura 4 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução do volume de negócios, entre


2010 e 2016, em % do PIB nacional

Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.

2. Métodos

Como forma de aproximação à questão central escolhida para a abordagem que me


propus fazer (como foram alcançados os resultados configurados no presente pelos
têxteis e vestuário portugueses), aparte a consulta de informação que vai sendo
divulgada sobre projetos de investimento que estão em curso e dados sobre o
desempenho geral da fileira, incluindo a informação publicada na comunicação social
própria do setor, optou-se por inquirir alguns protagonistas da fileira. Isso levou a que
fossem conduzidas um conjunto de entrevistas semiestruturadas a um grupo de atores,
desde investigadores da área das fibras, a responsáveis de entidades com intervenção no
desenvolvimento de produtos e processos têxteis e a empresários.

Como foi dito, escolheu-se para o efeito, entrevistar atores da fileira que conheci e com
quem interagi amiúde, no passado, no quadro da minha participação no CENESTAP.
Essa opção prendeu-se, por um lado, com a circunstância de terem acompanhado os
debates estratégicos então mantidos sobre o rumo a dar à fileira num momento
especialmente delicado do percurso desta e, por outro lado, pela facilidade de
comunicação (abertura à expressão franca de análises) com esses atores que se
pressupunha que daí pudesse resultar.

Infelizmente, não foi possível estabelecer contacto com alguns dos atores visados pelo
que, nesses casos, quando foi possível e alternativamente, se procurou identificar
alguma entrevista pública que tenham concedido, onde, de alguma forma, tenham dado
expressão do seu posicionamento sobre a ITV e respetiva dinâmica.

Foi possível concretizar 5 entrevistas realizadas pessoalmente pelo investigador aos


atores que aparecem identificados no Quadro 4. Tratou-se de entrevistas
semiestruturadas, apoiadas num guião previamente definido. Em média, duraram 45
minutos e foram concretizadas no período entre 11 de fevereiro e 14 de março de 2022.
As questões organizadoras das conversas mantidas com os entrevistados foram as
seguintes:

i) “Tendo presente a situação do setor em meados dos anos 2000, importa-me saber se
pensa que este evoluiu de acordo com as orientações e metas então pensadas ou
evolui segundo outras diretivas e porquê”;
ii) “Como vê a situação presente do setor e o sucesso relativo que conseguiu,
nomeadamente em matéria de exportações e faturação?”; e
iii) “Qual é a expetativa que mantém em relação à evolução da ITV no curto-médio
prazos e quais as linhas de força que podem orientar esses desenvolvimentos?”.

Decorrente do modelo de entrevista usado e da vivência pessoal de entrevistador e


entrevistados, as conversas fluíram com grande naturalidade, com os entrevistados a
poderem dar expressão da sua perspetiva sobre cada uma das temáticas base, mas,
podendo aportar de forma livre qualquer outra que lhe merecesse particular
consideração.

Tendo-se procurado entrevistar atores com diferentes perfis técnico-profissionais e


variadas inserções em entidades da fileira, está-se consciente que outras leituras da sua
evolução e dos motivos que lhe estiveram subjacentes poderão existir. Também por isso
esta análise não tem a pretensão de ser senão um contributo mais para o debate de como
progrediu o setor e o que é expectável que venha a ocorrer no futuro.

Quadro 4: Identificação dos entrevistados

Nome do entrevistado Entidade Função


António Braz Costa CITEVE Diretor-Geral

Fernando Ferreira UMinho Professor/Investigador

António Falcão Têxtil António Falcão, Lda Empresário


Fibrenamics/UMinho Presidente/Investigador
Raul Fangueiro
Mário de Araújo ACOMinho: academia-do-minho-online Coordenador/Empresário

Fonte: Elaboração própria com base nas entrevistas realizadas.

3. Resultados das entrevistas

Depois do período crítico vivido pelos têxteis e vestuário entre 2001 e 2008/2009,
retomando o já enunciado, parece poder atribuir-se a recuperação da atividade a que se
assistiu a um conjunto de fatores, que passaram pela introdução de alguma inovação
tecnológica, por maiores apostas no design, na qualidade dos bens, e na rapidez e
flexibilidade existente, pela fiabilidade dos produtores, por uma maior aposta na
qualificação dos recursos humanos, pela provisão de serviços de maior valor
acrescentado, onde tomaram um papel importante alguns centros de competências, pelo
assumir progressivo de mais rigorosos princípios de sustentabilidade social e ambiental,
e pela aposta crescente em novos produtos (têxteis técnicos e funcionais) (Direção-
Geral das Atividades Económicas, 2018).
Vários desses fatores eram peças-chave do discurso que era feito já na primeira metade
da década começada em 2000, como resulta evidenciado do que escrevi em editorial do
Jornal Têxtil (JT) (Cadima Ribeiro, 2005). Recupere-se aqui, a esse propósito, a
passagem seguinte: “Na senda do caminho feito, o JT tem que redobrar a insistência em
conceitos operativos como os de parceria (parceria de empresas; parceria de empresas e
entidades do sistema científico e tecnológico; parceria de agentes de desenvolvimento),
inovação (no produto, no processo, no modelo de negócio) e de ousadia (ousar fazer
diferente, ousar fazer melhor)” (Cadima Ribeiro, 2005).

Noutras dimensões, ficaram por concretizar, em grande medida, estratégias que se


pensava que fosse possível e essencial concretizar, como o desenvolvimento do negócio
comercial, com criação de lojas próprias ou em regime de franquia, a partir de uma base
industrial originária, e o recurso a novas soluções em matéria de modelo de
organização, com eventual recurso à segmentação por áreas de negócio.

3.1 Das orientações estratégicas definidas à evolução registada

A primeira questão levantada nas entrevistas que foram realizadas foi a da evolução
registada pelo setor entre meados dos anos 2000 e o presente, isto é, estava em causa
avaliar em que medida este tinha progredido de acordo com as orientações estratégicas
então pensadas e as metas visadas tinham sido atingidas.

Foi em relação a esta primeira questão que, porventura, as perspetivas enunciadas pelos
entrevistados se diferenciaram mais, com expressão talvez mais extremada na afirmação
de Braz Costa (Diretor-Geral do CITEVE - Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e
do Vestuário de Portugal) de que “Não aconteceu nada daquilo que nós dissemos que ia
acontecer”, acrescentando que, não obstante, “O setor até teve êxito”.

Com um discurso menos carregado, Mário de Araújo (Empresário/Coordenador da


ACOMinho: academia-do-minho-online), com um percurso passado como professor e
investigador na área da Engenharia Têxtil, convergiu em larga medida para esta leitura
de situação, sublinhando que, “Se considerarmos a cadeia de valor na sua totalidade,
Portugal continua maioritariamente na subcontratação, embora tenham aparecido no
mercado algumas marcas com sucesso […]. Os produtos hoje fornecidos pela indústria
portuguesa são de maior valor acrescentado, mas as margens continuam a ser
pequenas”.

Fazendo a ponte com o presente e, particularmente, com as circunstâncias excecionais


dos anos mais recentes, Mário de Araújo adiantou, também, que “Os problemas de
abastecimento causados pela pandemia, a menor pegada de carbono nos transportes e a
maior motivação para uma economia circular favorecem a fabricação em Portugal”.

Situando o contexto de partida, Fernando Ferreira (Professor e Investigador da


Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Têxtil e Centro de Ciência e
Tecnologia Têxtil), fez presente que “Temia-se que fossemos invadidos pelos produtos
chineses”, algo que “…aconteceu numa fase inicial”. Destacou, por outro lado, que, no
percurso subsequente que foi feito, “Evolui-se muito em termos de materiais […].
Tecnologicamente, estamos muito bem. Vendemos serviço”.

A estas matérias se referiu, igualmente, o Jornal Têxtil, no editorial da sua edição de


setembro de 2015, onde, por um lado, se dava conta do trajeto meritório feito pelas
malhas e tecidos portugueses nos últimos anos, que as haviam tornado “uma referência
para as marcas internacionais mais reputadas”, e, por outro lado, se sublinhava estarem
as empresas portuguesas mais otimistas, “acreditando que o pior ficou para trás e que as
suas competências […] são[eram] mais do que suficientes para enfrentar os desafios e
agarrar as oportunidades” (Jornal Têxtil, 2015a). No corpo do jornal, podiam encontrar-
se, ainda, referências ao momento que o setor atravessava e à postura assumido por
alguns dos seus principais atores, de que se destacam, a propósito, as declarações de
Tiago Guimarães, administrador da Somelos Tecidos, que considerava que
“estamos[estávamos] mais agressivos em termos de imagem e em termos de coleção
[…] Há um otimismo, embora moderado, em grande parte dos mercados” (Jornal Têxtil,
2015b).

Retornando aos testemunhos dos entrevistados, António Falcão (Têxtil António Falcão,
Lda.), empresário e Presidente da Mesa do Conselho Geral do CITEVE, foi, porventura,
quem mais valorizou o trabalho estratégico feito pelo CENESTAP e continuado pelo
CITEVE e pela ATP. Alguns dos projetos que o CITEVE desenvolveu foram a
continuação do que foi proposto pelo CENESTAP. Nas suas palavras, “15 anos depois,
[o que havia sido equacionado] foi concretizado com muito sucesso, permitindo a
consolidação do setor”. Nesse processo, verificaram-se grandes mudanças. “O
surgimento de empresas novas, mais flexíveis, e novos mercados permitiram esse
sucesso”.

Raul Fangueiro (Presidente da Associação Fibrenamics e investigador da UMinho,


Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil) referiu-se também ao caminho percorrido como
“interessante”, sublinhando a orientação para “acrescentar valor ao têxtil, apostando nos
têxteis técnicos e funcionais (construção, automóvel, saúde)”, a evolução das empresas
do ponto de vista tecnológico e a evolução das “relação das empresas com os centros
tecnológicos”, sendo disso expressão a Fibrenamics, que “surgiu há 10 anos, como
iniciativa de aproximação da Universidade às empresas”.

Do que havia sido equacionado no passado em matéria de estratégia, Braz Costa e


Mário de Araújo convergiram na ideia de que “Ninguém apostou no private label”
(Braz Costa), isto é, “Portugal continua maioritariamente apostado na subcontratação”
(Mário de Araújo). Daí que concluam que a perspetiva mantida então de que “O futuro
era a marca própria falhou” (Braz Costa), pese saber-se que “A fatia de leão [em matéria
de faturação] vai para as marcas” (Mário de Araújo). Subjacente a essa realidade está a
circunstância de o comando da moda ser feito por empresas globais (Braz Costa).

3.2 A situação atual do setor


Segundo os nossos interlocutores, e conforme também é traduzido nos números que
representam a sua evolução no longo-prazo, a fileira ITV fez um percurso notável entre
2009 e a atualidade. Na leitura de Braz Costa, “O setor é melhor a reagir do que a
planear”.
A este propósito e olhando para o muito curto-prazo, Mário de Araújo, defendeu que
“Os custos energéticos em alta e a uma situação geopolítica instável favorecem uma
evolução positiva da ITV em Portugal”.
No “milagre” (Braz Costa) experienciado pelo setor, a vinda do luxo para Portugal (“As
marcas não querem ir para a Ásia”; tendem a preferir, antes, alguém próximo, que seja
confiável”), juntamente com a aposta que vem sendo feita na sustentabilidade são duas
dimensões especialmente marcantes (Braz Costa). Nesta última dimensão, estar-se-ão a
fazer coisas que outros países (incluindo França e Itália) não estão a fazer. A isso se
referiu Fernando Ferreira, igualmente: ultrapassado o momento inicial de integração da
China na Organização Mundial do Comércio, “os grandes players tiveram que ir
retornando à Europa. Portugal, pela qualidade, prazos que cumpre e, bem assim, por
razões culturais, foi um dos beneficiários desse retorno” (Fernando Ferreira). Neste
contexto, o entrevistado aproveitou para adiantar que “Houve [também] uma purga de
empresas […]. Temos menos trabalhadores, menos empresas, mas um volume de
negócios maior” (Fernando Ferreira).
Este discurso é, em grande medida, partilhado por Mário de Araújo. No seu dizer, o
sucesso recente das ITV deve-se a “uma maior confiança dos clientes em abastecerem-
se mais próximo dos seus mercados e à pandemia”, que trouxe, igualmente, como já
dito, custos energéticos em alta e alguma desarticulação das cadeias internacionais de
abastecimento.
Existe, entretanto, uma restrição importante, que foi referida por todos os entrevistados.
Nas palavras de Braz Costa, “Falta mão-de-obra no têxtil, como falta no país, no seu
todo [...]. Ir à procura de pessoas que venham para cá trabalhar parece ser a única forma
de resolver o problema no curto-prazo”, mas, para tanto, tem que se gerar atratividade
(Raul Fangueiro; Fernando Ferreira). A digitalização/automatização é, obviamente, a
resposta que existe para a falta de mão-de-obra numa perspetiva mais estrutural (Braz
Costa; António Falcão; Raul Fangueiro).
A propósito da falta de recursos humanos, Fernando Ferreira (UMinho) e Raul
Fangueiro (Fibrenamics e UMinho) adiantavam que tal prende-se com a imagem do
setor que subsiste na opinião pública, com os salários que são pagos e com as
perspetivas de progressão na carreira que são oferecidas. “Desinvestimos muito nos
quadros intermédios […]. As indústrias dos têxteis e vestuário vivem muito desse tipo
de quadros”, defendeu Raul Fangueiro. Pese isso, “A indústria tem evoluído [...].
Indicação disso foi a resposta à pandemia, com soluções e adaptação rápida aos
contextos de mercado” (Fernando Ferreira). Essa capacidade de encontrar respostas para
os desafios que a crise sanitária colocou foi igualmente destacada por António Falcão.
Na verdade, a pandemia afetou mais uns setores que outros (António Falcão).
Ilustrando o modo como a ITV respondeu à pandemia, pode invocar-se o caso da
empresa Barata Garcia que, conforme noticiado pelo Portugal Têxtil (2022a),
conseguiu adaptar-se rapidamente ao mercado no ano passado, voltando-se para os
equipamentos de proteção. Segundo o empresário João Barata Garcia, houve, para tanto,
a capacidade de mudar a estrutura e flexibilidade necessária para encontrar essa resposta
(Portugal Têxtil, 2022a). Na sua atividade principal, a Barata Garcia produz vestuário
em malha circular de gama média-alta e luxo para homem, senhora e criança (Portugal
Têxtil, 2022a).
No dizer de Braz Costa (CITEVE), as políticas públicas também ajudaram neste
processo de consolidação do setor nos termos em que se apresenta na atualidade.
Segundo este entrevistado, “Tivemos a sorte de ser ouvidos” (Braz Costa),
acrescentando que “Vão ser concretizados projetos de grande dimensão para promover a
sustentabilidade”.
No desempenho da ITV, uma dimensão igualmente trazida para primeiro plano por Braz
Costa foi o nível de interação mantido pelas empresas, para o que releva particularmente
a concentração física das empresas. Conforme sublinhado também por Raul Fangueiro,
a ideia de “cluster” é importante para se compreender a evolução do setor e a sua
competitividade. “O setor consegue funcionar como um todo” (Raul Fangueiro).
O processo de verticalização evoluiu a par da acentuação da colaboração entre as
empresas. Anote-se a este propósito que durante muito tempo este foi um atributo da
indústria italiana, configurado especialmente pela designada “Terceira Itália”. Por
contrapartida, no dizer deste mesmo interlocutor (Braz Costa) ,e remetendo para as
ideias-força dos planos estratégicos formulados por meados da década de 2000, “As
fusões de empresas não funcionam”, isto é, não funcionaram.

3.3 A expetativa sobre a evolução da ITV


Olhando para o futuro próximo do setor, três dimensões orientadoras emergiram das
declarações prestadas pelos entrevistados; a saber:
i) a que se prende com a necessidade de reforçar a aposta na sustentabilidade, nas
diferentes vertentes que o conceito implica no contexto da sua aplicação ao setor;
ii) a da continuação da evolução da indústria no sentido da produção de novos
produtos, de maior valor acrescentado;
iii) a aposta na formação dos recursos humanos, com uma particular ênfase na
capacitação a nível de liderança.
Pelo que se refere à problemática da sustentabilidade, importa, por um lado, manter as
tendências que se configuram já no mercado e, por outro, estar atento à regulamentação
pública existente ou que se vai impor num futuro já próximo. No que ao mercado se
refere, os dados apontam que “as populações mais jovens estão muito sensibilizadas
para as questões do ambiente e da sustentabilidade dos processos produtivos” (Fernando
Ferreira), parecendo seguro que o paradigma vai mudar rapidamente. Não por acaso, as
grandes marcas, elas próprias, valorizam crescentemente a sustentabilidade (Fernando
Ferreira).
Se é verdade que a indústria dos têxteis e do vestuário é tida como uma das principais
responsáveis pela poluição ambiental [de acordo com a Comissão Europeia, o consumo
de têxteis na Europa ocupa o quarto lugar em termos de impacte no ambiente e nas
alterações climáticas (cf. Portugal Têxtil, 2022b)], também parece não ser menos real
que é das que mais tem atuado proativamente, “implementando estratégias de gestão
que tendem a promover a ecoeficiência dos processos produtivos” (Portugal Têxtil,
2022c). Produção limpa, certificação ambiental, redução de resíduos tóxicos,
reciclagem, consumo sustentável, reutilização ou recurso a energias renováveis são
algumas das premissas que fazem hoje parte da estratégia de muitas empresas do sector.
A mudança vai-se exprimindo já e acentuar-se-á no futuro em matéria de reciclagem e
aproveitamento de novos produtos, incluindo produtos do mar (António Falcão). Em
muitos casos, fios e produtos novos resultarão do aproveitamento de produtos
reciclados.
“Temos [também] o retorno às fibras naturais, como linho ou o cânhamo, e a
preocupação com o desempenho das fibras” (Raul Fangueiro), pretendendo-se alcançar
melhores desempenhos com recurso a quantidades menores de matéria-prima. Como
alertou o entrevistado acabado de invocar, importa manter presente que “No início da
fileira estão as fibras”. As fibras e a fiação são peças centrais de uma estratégia da
fileira que, simultaneamente, aposte na sustentabilidade ambiental e permite à Europa
recuperar algum controle na produção de fibras, perdido há 20 anos (Raul Fangueiro).

Como ilustração do que vai sendo feito em Portugal em matéria de adoção de fibras
naturais tradicionais e de práticas apostadas na sustentabilidade, pode invocar-se o caso
da Riopele, que, conforme noticiou o Portugal Têxtil (2022d), foi recentemente
reconhecida como uma produtora de tecidos em linho sustentável pela Confederação
Europeia de Linho e Cânhamo, uma organização sem fins lucrativos que certifica as
origens e supervisiona as etapas de produção e transformação do linho europeu.

No caso da Riopele, de acordo com José Alexandre Oliveira, presidente do conselho de


administração da empresa, mais se sabe que a sustentabilidade tem sido um dos pilares
da estratégia da empresa nos últimos anos. Nas suas palavras, “Começámos muito cedo
com a sustentabilidade […]. Devemos ter sido a empresa que mais vendeu
sustentabilidade […]. Nós fizemos milhares de metros de vendas de artigos
sustentáveis. Fizemos e continuamos a fazer” (cf. Portugal Têxtil, 2022d). De acordo
com o reclamado pela Riopele (Portugal Têxtil, 2022d), isso fez da empresa a principal
referência europeia na criação e na produção de tecidos para coleções de moda e de
vestuário, que tem como meta, em 2025, ter 80% dos seus produtos com uma base
sustentável.

Mantendo presente a aposta que está a ser feita nas fibras e, em particular, nas fibras
naturais, mencione-se que a Fibrenamics tem nesta altura, em curso, entre outros,
projetos visando o desenvolvimento de fibra de caseína a partir dos desperdícios da
indústria de laticínios, a decorrer nos Açores, e sobre como o amido de batata ou os
resíduos agroindustriais podem permitir criar materiais alternativos (Portugal Têxtil,
2022e).

Esta ênfase nas matérias-primas esteve também presente no discurso de Mário de


Araújo, que defende que “o setor deverá evoluir no sentido da fabricação produtos de
gamas cada vez mais altas, para segmentos de mercado dispostos a pagar pela
qualidade, design e resposta rápida às solicitações dos clientes”. A propósito,
mencionou que a cultura do algodão necessita de muita água, o que traz problemas
ambientais. “O desenvolvimento de uma economia do tipo circular favorece o
abastecimento local com matérias-primas recicladas e reutilizadas” (Mário de Araújo).
Esta atenção redobrada dado pelo setor ITV às questões da sustentabilidade prende-se,
como se disse, com as tendências que se vêm afirmando nos mercados consumidores,
mas vem, igualmente, da pressão da legislação europeia. Ilustrativo disso é a forma
como a União Europeia (UE) vêm olhando para a chamada “fast-fashion” e a legislação
em preparação que a atinge fortemente. “[A] decisão de incluir os têxteis na iniciativa
de produtos sustentáveis é um verdadeiro marco. Precisamos de vestuário desenhado
para ser usado, remendado e amado por muito tempo, sem produtos tóxicos e fabricado
de forma justa e sustentável.”, declarava há pouco tempo Valeria Botts, diretora de
programa na Environmental Coalition on Standards, tomada de posição citada pelo
Portugal Têxtil (2022f), de 12 de abril de 2022, com título sugestivo das dificuldades do
debate em curso, a saber: “Indústria dividida com nova legislação europeia”.
Nesse trajeto legislativo da UE avultam, desde já a obrigação da adoção da recolha
seletiva de têxteis até 2025 (Braz Costa) e a pretensão de reduzir substancialmente o
transporte de longa distância, o que tem relação direta, entre outras dimensões, com o
local de origem das matérias-primas, a responsabilidade social das empresas e a
reciclagem de materiais.
Em enunciado geral, e conforme as diretivas inscritas no “Pacto Ecológico Europeu”, a
estratégia da Comissão Europeia passa por tornar “os têxteis mais duradouros,
reparáveis, reutilizáveis e recicláveis, lutar contra a moda rápida, os resíduos têxteis e a
destruição de têxteis não vendidos e garantir que a sua produção seja consentânea com o
pleno respeito dos direitos laborais” (Portugal Têxtil, 2022b). A meta definida é que, até
2030, os produtos têxteis colocados no mercado da UE respeitem as diretivas
enunciadas. Nesse contexto, a “fast fashion deverá ficar fora de moda e serviços
lucrativos de reutilização e reparação deverão ficar amplamente disponíveis” (Portugal
Têxtil, 2022b).
Importa, a propósito, assinalar o caminho que vem sendo feito pelas indústrias dos
têxteis e de vestuário portuguesas, que estarão “a fazer coisas que outros países
[incluindo a França e a Itália] não estão a fazer” (Braz Costa), com expressão, por
exemplo, na adoção de um rótulo de sustentabilidade. No mesmo sentido parecem ir
alguns projetos candidatos ao Plano de Recuperação e Resiliência nacional, que se
espera que possa alavancar iniciativas no âmbito da criação de novas fibras, mais eco
(Raul Fangueiro; Portugal Têxtil, 2022e).
No que se refere à evolução da indústria no sentido da produção de novos produtos, de
maior valor acrescentado, recolheu-se dos entrevistados a convicção de que esse
caminho pode continuar a ser trilhado, até porque “Tecnologicamente, estamos muito
bem” (Fernando Ferreira) e se tem evoluído muito em matéria de venda de serviço.
Nesta dimensão dos serviços e produtos oferecidos, foi consensual entre os
entrevistados que o têxtil se diversificou para áreas novas, “como extensão do que já
existia” (António Falcão), o que, no geral, significou produzir produtos de maios valor
acrescentado, nomeadamente, têxteis técnicos, produtos da área da saúde e bem-estar,
aproveitamento de novos materiais, incluindo produtos do mar. A dúvida que se pode
colocar é se “Não se vive já alguma histeria [a nível] de criatividade” (António Falcão).
Nesse percurso, conforme já mencionado, subsiste espaço para investir em fios para
fazer outras coisas, desde têxteis técnicos a produtos para a saúde, investir em matérias-
primas biodegradáveis, em produtos com cheiro, na produção de séries mais pequenas e,
ainda, incrementar a produção de fios a partir de produtos reciclados. “O valor
acrescentado associado às matérias-primas é fundamental” (Mário de Araújo). Em
múltiplos casos, trata-se de reforçar “a aplicação do têxtil fora do têxtil” (Raul
Fangueiro), o que implica ser capaz de “vender” o potencial existente em fibras têxteis.
Anote-se, a propósito, como sublinhou Raul Fangueiro, que “Mesmo produtos menos
sofisticados têm vindo a valorizar as componentes técnicas”.
Essa dinâmica, claro está, supõe a incorporação de conhecimento no setor, isto é, “uma
ligação maior entre as Universidades, os centros tecnológicos e as empresas” (António
Falcão), onde se evoluiu já bastante, de que é expressão a Associação Fibrenamics
(Raul fangueiro), mas onde se pode fazer muito mais. Na visão de Mário Araújo, “O
setor deverá evoluir no sentido da fabricação de produtos de gamas cada vez mais altas,
para segmentos de mercado dispostos a pagar pela qualidade, design e resposta rápida às
solicitações dos clientes”.
Entre as dificuldades que se fazem sentir e as respostas que falta encontrar é
imprescindível situar a problemática dos recursos humanos afetos ao setor, que, de
acordo com o já assinalado, sofreram uma redução drástica entre 1995 e 2015 (em 1995,
o emprego situar-se-ia em 263.181 trabalhadores e caiu para 131.513 em 2015). Uma
componente de resposta para o problema estará na automatização e digitalização
(António Falcão; Braz Costa), mas outra estará no recrutamento de imigrantes, que
parece ser a via possível para resolver a dificuldade a curto-prazo.
Na verdade, e mantendo presente o potencial existente em matéria de automatização, o
problema não está tanto na disponibilidade de mão-de-obra, em geral - “Temos hoje
menos trabalhadores, menos empresas mas um volume de negócios maior” (Fernando
Ferreira) – mas antes na disponibilidade de mão-de-obra qualificada, sublinhando, em
particular, a necessidade de ser dada maior atenção à formação de ativos com
capacidade de liderança e posicionamento nas empresas (António Falcão). A este
propósito, António Falcão e Braz Costa referiram-se ao recrutamento de ativos que
tenham “sentido de chão de fábrica”, admitindo, no entanto, que “Os salários têm
subido e poucas empresas fecharam por causa disso” (António Falcão).
Se não se faz o suficiente em matéria de formação e é reclamada uma mudança de
paradigma que aponte para uma formação de profissionais mais convictos, melhor
apetrechados a nível de relações humanas e de capacidade de liderança, é também
verdade que o setor atravessa novamente uma fase onde se nota uma perda de
capacidade de recrutamento (Fernando Ferreira), que se exprime, diretamente, na falta
de profissionais disponíveis mas que, indiretamente, se manifesta no recrutamento de
alunos para os cursos superiores existentes. Isso tem, obviamente, que ver com os
salários que se pagam, com as perspetivas de carreira que se oferecem e com a imagem
do setor que se passa para a opinião pública, dimensões que, incontornavelmente, têm
que ser melhor trabalhadas pelos diversos agentes com intervenção nas diversas áreas
que se prendem com essa importante problemática.
Se o espírito associativo no setor persiste com algum défice, como recorrentemente ouvi
enunciar desde data já longínqua, a superação dessa dificuldade é uma para cuja
resolução têm que convergir vários atores, das Universidades, aos centros tecnológicos,
a entidades de formação profissional de diferente tipo, e empresas (António Falcão). Na
medida em que forem capazes do fazer, assim será garantida a continuidade da fileira,
sendo certo que, conforme dados do passado mais longínquo e outros mais recentes
deixam patente, “Portugal sempre foi reconhecido com detentor de um setor de muita
qualidade, [com elevada flexibilidade de resposta, atestada ainda recentemente no
contexto da pandemia da COVID-19], e que cumpre prazos” (Fernando Ferreira).

Conclusão
De um tempo incerto e desafiante como foi o que as indústrias dos têxteis e vestuário
atravessaram no início do século ficaram as questões sobre como a fileira podia
enfrentar as dificuldades sentidas e quais as estratégias recomendáveis. Foi tomando
essa realidade de partida que nesta comunicação se olhou para o percurso feito e as
soluções que foram sendo encontradas, adotando ou descartando as propostas então
enunciadas. Importou, também, olhar para o “sucesso” do presente como indiciador do
caminho que está pela frente.

No que há questão colocada aos entrevistados selecionados sobre se pensavam que a


fileira havia evoluído de acordo com as orientações e metas então pensadas, as respostas
recebidas variaram entre a afirmação de Braz Costa de que “Não aconteceu nada
daquilo que nós dissemos que ia acontecer” e a de António Falcão, para quem “15 anos
depois, [o que havia sido equacionado] foi concretizado com muito sucesso […]. O
surgimento de empresas novas, mais flexíveis, e novos mercados permitiram esse
sucesso”. Entretanto, como resulta do que foi dito por ambos, o setor teve êxito. Esse
êxito é comprovado por dados como os do volume de negócios e de exportações
atingidas nos últimos anos.

Temia-se nessa altura que fossemos invadidos pelos produtos chineses, algo que “…
aconteceu numa fase inicial”, como salientou Fernando Ferreira, mas isso não impediu,
porventura, pelo contrário, funcionou como um impulso para que se tivesse evoluído
muito em termos de materiais, de tecnologias e se tivesse apostado muito mais na
produção de bens de maior valor acrescentado, mesmo que as margens continuem a ser
pequenas (Mário de Araújo).

Aproximando o momento de emergência da Pandemia da Covid-19, com os problemas


de abastecimento por ela causados, juntando a isso as exigências da União Europeia de
se atingirem menores pegadas de carbono nos transportes e na produção, recolheu-se
dos atores entrevistados e do que vai sendo publicado nos canais de comunicação
específica existentes a ideia de que as apostas que estão a ser feitas numa economia do
tipo circular favorecem a fabricação em Portugal.

Sobre qual é a expetativa que mantêm em relação à evolução da ITV portuguesa e quais
as linhas de força que podem orientar esse desenvolvimento, as perspetivas recolhidas
são igualmente positivas em expressão da diversificação operada em matéria de
produtos, que se acredita que possa ser continuada, da atualização a nível de
equipamento tecnológico de muitas empresas que operam em Portugal, e dos avanços
que se estão a dar em matéria de fibras e de economia circular, se bem que há muito que
fazer em termos de qualificação dos recursos humanos, até para acomodar “os grandes
passos que é necessário dar a nível de aplicações de inteligência artificial e de edição
genética” (Mário de Araújo). Nesta dimensão da qualidade dos recursos humanos
importa também, e em particular, ter presente a necessidade de dar resposta a exigências
em termos de formação de ativos com capacidade de liderança e posicionamento nas
empresas (António Falcão).

Para rematar, retomando ideias de um pequeno texto que escrevi há mais de 15 anos,
diria que, num quadro que continua a ser de alguma globalização, para sobreviverem e
afirmarem-se, empresas e territórios precisam encontrar formas de posicionamento nos
mercados adequados aos produtos que produzem/comercializam ou partir para novos
produtos e novos modos de operar. Para se ter sucesso, não basta que se seja inovador
em matéria de produto, processo ou modelo de negócio. O produto e/ou o modelo de
negócio têm que ser capazes de ir ao encontro de uma procura efetiva. Nessa vertente,
importa perceber as exigências do “novo consumidor”, e ser capaz de acompanhar,
senão antecipar, a regulamentação que vai sendo definida pelas autoridades públicas
europeias em matéria de impactes ambientais, seguramente, muito centradas nos
conceitos de redução de resíduos, reciclagem e reutilização.
Referências
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