Você está na página 1de 2

Nome: Gabriel Hernandes dos Santos Nº USP: 10764770 – Turno: Vespertino

Disciplina: História da América Independente II – Professor: Júlio Pimentel – Ano: 2021

Resenha - “As Coisas que perdemos no Fogo” de Mariana Enriquez

Considerando que o livro possui um ponto de vista predominantemente feminino, por


ter quase todas as suas protagonistas mulheres. E que a figura do homem é, praticamente na
totalidade dos contos, geradora de conflitos e tensão. Esta resenha pretende analisar a
representação do masculino no livro em contraposição ao valor de virilidade fortemente
presente no pensamento latino americano. Ou seja, levando em conta que os homens sempre
foram colocados em papel de protagonismo, com destaque para a força e a coragem, de que
forma o livro se contrapõe a esse valor. E o que isso pode nos revelar sobre uma expressão
latino americana renovada.
O conto que aborda mais claramente a questão da virilidade é “A casa de Adela" pela
figura de Pablo, o irmão da protagonista. Logo de início, quando os pais deles proíbem a
protagonista de assistir filmes de terror com o irmão e Adela. No diálogo em que ela
questiona os pais tentando burlar a regra, as razões para a proibição vão sendo derrubadas até
que só sobra uma. O irmão pode assistir por ser homem, como diz o pai com orgulho. Aqui a
autora parece reconhecer que este valor da virilidade garante um certo direito ao risco.
Porém, o trágico fim de Pablo revela um ponto de vista muito mais crítico à esta
noção de masculinidade. Ao entrar na casa abandonada ele age movido por sua coragem,
como um certo desejo de confrontar o risco. Mas as consequências da invasão - o
desaparecimento de Adela e toda a culpa que ele passa a carregar - mostram o quanto essa
coragem é infundada. Neste ponto de vista a virilidade pressupõe uma manifestação contínua
de bravura para se afirmar. O que gera uma caça ao perigo nos contextos onde ele não existe
espontaneamente.
O suicídio de Pablo indica um possivel fim para este comportamento, a auto
aniquilação. Por algumas razões, a primeira pelo fato desta coragem desmedida não ter
fundamento em um risco real. Diferente, por exemplo, de uma guerra na qual o perigo é
recorrente, a virilidade latina demanda demonstrações constantes de bravura em um contexto
onde o risco é muito menos presente, desta forma não se sustenta e tende a desmoronar. E
também porque com esta caça ao perigo existe uma tendência forte de colocar em risco a si
mesmo e as pessoas que estão próximas como aconteceu com Pablo e Adela.
Outra cena muito ilustrativa dessa mesma crítica está no conto “teia de aranha”
quando a protagonista está almoçando com sua prima Natália e seu marido Juan Martin no
Paraguai e alguns militares em outra mesa começam a assediar a garçonete do restaurante. O
lamento da protagonista quando seu marido resolve se levantar para confrontar os militares é
extremamente didático quanto a falta de fundamento para a sua coragem. E mostra como a
sua atitude prescinde de qualquer pensamento prático sobre a ação. Ela sabe que ele sozinho
não seria capaz de fazer nada por aquela moça e o confronto ainda faria com que os três
fossem presos.
Ou seja, em sua tentativa de salvar uma mulher, Juan Martin acabaria por entregar
mais duas outras mulheres para os abusadores por agir sem pensar baseado apenas em sua
coragem. Isso nos mostra que na visão de Mariana Enriquez a virilidade tradicionalmente tem
valor por si mesma, valendo-se na performance independente de quais sejam os resultados
daquela ação. E como já ficou exemplificado, estes frequentemente são piores que o
problema inicial.
No resto do livro não faltam exemplos desta contestação à virilidade masculina.
Principalmente pelo tema do relacionamento fracassado, a autora critica o suposto
protagonismo masculino nas relações amorosas que decorre deste papel ativo do homem pela
tradição.
Porém para o propósito deste ensaio os dois exemplos citados são suficientes para
percebermos que Mariana Enriquez reconhece a existência de valores em torno dos gêneros
na cultura americana, com destaque para o valor da coragem viril associado ao homem. Isso é
perceptível pelas ações das personagens masculinas ao longo do livro. E também que a autora
contesta este valor, buscando desconstruí-lo. Visível pelo destino destes homens, e pela forma
como as mulheres desprezam e debocham destas ações. Conclui-se então que o livro dialoga
com questões da tradição cultural latino americana na tentativa de rever estes valores e
denunciar os vários problemas que eles tem causado.

Você também pode gostar