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Vijay Prashad - Estrela Vermelha Sobre o Terceiro Mundo
Vijay Prashad - Estrela Vermelha Sobre o Terceiro Mundo
ESTRELA VERMELHA
SOBRE O TERCEIRO MUNDO
1ª edição
Expressão Popular
São Paulo – 2019
© 2017, by Vijay Prashad
© 2019, by Editora Expressão Popular
Deste grande recorrido histórico feito por Vijay nessas páginas, algo
que perpassa todo o livro é a necessidade de se aprender com a
história, a partir de uma análise dos processos de transformação e
estagnação, para com isso não se descartar as experiências da
classe trabalhadora, como a construção da URSS, tampouco para
louvá-las como modelo único a ser seguido. Mais de um século
depois do seu triunfo, o grande legado da Revolução Russa para o
terceiro mundo – mas não só – é o da força, da criatividade e da
possibilidade de construção de uma nova sociedade pelos
trabalhadores organizados, uma sociedade em que a organização
social baseie-se, para relembrarmos Marx, na concepção “de cada
um segundo a sua possiblidade e para cada um de acordo com sua
necessidade”.
Os editores
Nguyen Ai Quoc, mais tarde Ho Chi-Minh, na conferência de
fundação do Partido Comunista da França, em Tours (dezembro de
1920).
PREFÁCIO
Ainda mais notável, a nova União Soviética declarou que não havia
sido formada apenas para defender os interesses nacionais dos
povos das repúblicas da União Soviética. “Nós alegamos que os
interesses do socialismo, os interesses do socialismo mundial, são
mais importantes que os interesses nacionais, mais importantes que
os interesses de Estado”, disse Lenin ao comitê central do Partido
Comunista em maio de 1918. Foi essa postura que levou os
comunistas russos a criar a Internacional Comunista (1919-1943).
Essa Internacional – o Comintern – tinha como uma de suas tarefas
apoiar e orientar as forças revolucionárias ao redor do mundo,
conectando-as umas às outras, e intensificar suas queixas e
reivindicações. A autoria da Revolução de Outubro era certamente
da população governada pelo tsar, mas sua promessa era global.
Essa não era uma guerra do povo, mas uma guerra contra o povo. A
esquerda de Zimmerwald encorajou as classes trabalhadoras a
resistir às guerras, a desafiar seus governantes e a criar sociedades
segundo seus interesses.
Esses “irmãos mais velhos” não eram chauvinistas russos, mas sim
centro-asiáticos que se tornaram adeptos do comunismo. Os
soviéticos treinaram homens e mulheres na Universidade Comunista
dos Trabalhadores do Oriente [KUTV, sigla em russo], em Moscou.
Esses homens e mulheres, então, retornaram a suas casas e
desenvolveram – à medida que eles acharam possível – um
comunismo da Ásia Central. Ardnihcas escreveu, em The Soviet
East, “O Partido Comunista decidiu ter sua produção feita por gente
local e descartar intervenções externas dentro das repúblicas
nacionais”.
Essa nem sempre foi a lição aprendida. Mas é nossa lição agora.
Não deve ter sido fácil para a comunista turca Naciye Hanim, uma
professora de Istambul, levantar-se no Congresso do Povo do
Oriente, em 1920. A reunião foi em Baku, que tinha se estabelecido
– juntamente com Tashkent – como um dos polos do comunismo
oriental. Hanim foi uma das poucas mulheres no Congresso, apesar
dos esforços da liderança do Comintern. Havia somente 55
delegadas do sexo feminino em uma sala de 2 mil delegados. Não
obstante, o Comintern assegurou que duas mulheres tomassem
assentos ao lado de dois homens, em cadeiras conjuntas, e três
mulheres ganharam a eleição para o presidium. As mulheres
precisavam superar o “despotismo dos homens”, tanto quanto o
despotismo do capital, disseram os representantes do Comintern
aos delegados. Foi uma mensagem firme para uma sala de pessoas
que não estavam exatamente com vontade em concordar.
Hanim não era uma idealista. Ela tomou as rédeas da vida e exigiu
mais dela. “Verdade, podemos tropeçar na escuridão sem caminho,
podemos estar à beira de abismos”, ela comentou liricamente, “mas
não estamos com medo, porque sabemos que para ver o alvorecer
é preciso passar pela noite escura”.
Uma luta se abriu dentro do PCI sobre qual deveria ser a atitude do
partido em relação à URSS – entre um setor mais próximo do ponto
de vista soviético e outro que estava contrário a ele. Em abril de
1957, em uma reunião do PCI na província de Bengala Ocidental, os
comunistas decidiram discordar da posição de que a URSS deveria
ser seguida cegamente. O comitê resolveu “interpretar e aplicar” o
marxismo-leninismo de acordo com suas próprias condições. Em
julho daquele ano, o líder do PCI, Z. A. Ahmed, disse que “a URSS
não é mais nenhum modelo”. Em outubro, em uma reunião fechada
do comitê do partido em Bombaim, os integrantes do partido
criticaram fortemente o Partido Comunista da URSS (PCUS) e a
incapacidade do PCI em criticar a URSS. Em junho de 1958, a
unidade de Bengala Ocidental do PCI disse à liderança do partido
que eles discordavam da posição de subserviência à URSS. A
execução de Nagy e o fracasso do PCI para condená-lo incomodou
os comunistas, bem como a ruptura do PCI com a Iugoslávia, em
concordância com a URSS. Quando o PCI se separou, em 1964, o
novo partido que emergiu dele – o Partido Comunista da Índia
(Marxista) – respeitava a Revolução de Outubro e a Revolução
Chinesa, mas não aceitou ordens de nenhum dos dois. O PCIM
desenvolveria sua própria teoria, baseada na – como disse Lenin –
“coisa mais essencial no marxismo, a alma do marxismo, a análise
concreta da situação concreta”.
Ele afirmou ainda que a polícia não ficaria do lado dos capitalistas e
que a burocracia estatal tampouco trabalharia contra os movimentos
populares. O governo da Frente de Esquerda iria imediatamente
realizar a reforma agrária e registrar os trabalhadores rurais sem-
terra. Essas medidas imensamente populares deram popularidade à
esquerda no Estado e fora dele.