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3 – PORTUGAL NO INÍCIO DA MODERNIDADE (SÉCULOS XV-XVI)

Política e Guerra

A conquista de Ceuta (1415) e a expansão portuguesa em Marrocos


A presença portuguesa em Marrocos durou 354 anos. Iniciou-se com a conquista de
Ceuta, em 1415, e terminou com a entrega de Mazagão ao rei de Marrocos, em 1769. O
período de expansão dessa presença ocorreu nos primeiros 100 anos, entre 1415 e 1515.
A partir daí, e até 1541, sucede-se um período em que a presença na região estabiliza,
sem ganhos, mas também sem perdas. Mas a partir de 1541, com a perda do castelo de
Santa Cruz do Cabo de Gué, abre-se uma nova fase, na qual a posição portuguesa é
quase exclusivamente defensiva e as derrotas tornam-se mais frequentes.
A conquista de Ceuta marcou o primeiro passo da expansão portuguesa. D. João I
(1385-1433), após a assinatura da Paz de Ayllon com Castela (1411), começou a pensar
em novas conquistas. Portugal não tinha mais por onde se expandir na Península ibérica,
e era demasiado perigoso afrontar o poderoso vizinho castelhano. Por isso, a expansão
virou-se para o norte de África. A 23 de agosto de 1415 foi conquistada Ceuta, uma
cidade rica e com uma posição estratégica vantajosa, pois controlava a navegação no
estreito de Gibraltar. Assim, podia facilitar o comércio entre cristãos e impossibilitar o
comércio islâmico.
Nos reinados seguintes, com maior ou menor hesitação, a expansão prosseguiu. Em
1437, no reinado de D. Duarte (1433-1438), foi lançada uma segunda armada,
comandada pelos infantes D. Henrique e D. Fernando, irmãos do rei e filhos de D. João
I. O alvo foi Tânger, outra cidade rica e também situada no estreito de Gibraltar. A
expedição fracassou e o infante D. Fernando ficou cativo dos muçulmanos. Acabaria
por falecer no cativeiro, em 1443, sem que tenha sido possível resgatá-lo.
D. Afonso V (1438-1481) foi o rei do século XV mais dedicado à expansão em
Marrocos, tendo liderado pessoalmente três campanhas: em 1458 conquistou Alcácer
Ceguer e, em 1471, conquistou Arzila e Tânger. Pelo meio, em 1463-1464, ficou uma
campanha mal sucedida contra Tânger. Quando o seu reinado terminou, em 1481,
Portugal controlava uma estreita faixa costeira no norte de África, o chamado Algarve
d’Além-Mar em África. O sucessor, D. João II (1481-1495), apenas por uma vez tentou
intervir diretamente em Marrocos. Em 1489, ordenou a construção de uma fortaleza, a
que chamou Graciosa, a sul de Arzila. Esta teve de ser abandonada logo após a
construção, devido a um poderoso ataque do exército do sultão de Fez.

Com D. Manuel I (1495-1521), a presença portuguesa em Marrocos estendeu-se até ao


limite máximo. Conquistaram-se vilas, como Safim (1508) e Azamor (1513), e
construíram-se fortalezas, como Mazagão (1514). No entanto, também houve alguns
desaires. Em 1515 foi enviada uma expedição para construir uma fortaleza junto ao rio
Mamora. A armada foi atacada por um exército muçulmano e a fortaleza foi evacuada,
tendo, no processo, morrido milhares de portugueses. Foi a maior derrota do reinado de
D. Manuel i e marcou o fim da expansão portuguesa no norte de África.
O período de recuo da presença portuguesa na região iniciou-se no reinado de D. João
III (1521-1557). Há muito que o rei tinha decidido que o esforço financeiro para manter
uma forte presença em Marrocos não valia a pena. Para a coroa, a presença na Índia e a
colonização do Brasil eram prioridades. Por isso, ao longo da década de 1540 foram
abandonadas as praças mais difíceis de defender e mantidas apenas as mais importantes:
Ceuta, Tânger e Mazagão.
D. Sebastião (1557-1578) voltaria a tentar uma nova expansão em Marrocos, mas sem
sucesso. Os tempos eram outros e, na batalha de Alcácer Quibir (1578), o rei
desapareceu, pondo, assim, fim à tentativa.
As três praças restantes manter-se-iam em mãos portuguesas durante mais algum tempo.
Em 1640, aquando da Restauração da independência, Ceuta decidiu permanecer fiel aos
reis Habsburgo. Ainda hoje é uma cidade espanhola. Já Tânger foi entregue a Inglaterra
em 1662, como parte do dote da princesa D. Catarina de Bragança. Mazagão, a última
fortaleza, foi entregue ao reino de Marrocos em 1769.

As navegações atlânticas
Do infante D. Henrique a D. João II numa primeira fase, as navegações portuguesas
encontraram-se ligadas ao processo de expansão em Marrocos. O infante D. Henrique,
principal responsável pelo primeiro momento das navegações, foi, logo em 1416,
encarregado da defesa de Ceuta. Foi precisamente depois de irem a Ceuta, em 1419, que
João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, escudeiros do infante D. Henrique,
avistaram, por acaso, a ilha de Porto Santo. Em 1420, foi a vez de Bartolomeu
Perestrelo avistar a ilha da Madeira.
Em 1433, o Porto Santo e a Madeira foram entregues pelo rei D. Duarte ao irmão, D.
Henrique. No entanto, desde 1425 que aquelas ilhas já estavam a ser povoados pelos
descobridores originais. Estas ilhas, tal como as Canárias, já eram conhecidas pelo
menos desde o século XIV, mas nunca antes tinham sido povoadas. Só através do
povoamento é que foram, de facto, colocadas sob a soberania de um reino, neste caso,
Portugal. A partir da década de 1470, a Madeira tornou-se um importante centro de
produção de açúcar, na altura um produto muito raro e valioso na europa.
Os Açores foram descobertos mais tarde. As primeiras ilhas terão sido avistadas por
Diogo de Silves em 1427. Os esforços de povoamento das ilhas começaram por volta de
1433. Tentou-se, desde cedo, o cultivo de cereais para abastecimento do reino. Em
1439, as sete ilhas conhecidas foram entregues ao infante D. Henrique. Só em 1452
foram descobertas as duas ilhas mais ocidentais, Flores e Corvo. Os Açores, ao
contrário da Madeira, foram, de facto, descobertos pela primeira vez pelos Portugueses
no século XV.
As ilhas Canárias (já visitadas no reinado de D. Afonso IV, no século XIV) foram alvo
de uma disputa entre Portugal e Castela ao longo do século XV. O infante D. Henrique
enviou várias armadas ao arquipélago, entre 1424 e 1456, mas sem nunca ter
conseguido tomar posse de alguma das ilhas. A partir de 1479, Portugal desistiria da
posse das Canárias.
Ao mesmo tempo que decorria a expansão em Marrocos e o povoamento das primeiras
ilhas atlânticas, os Portugueses começaram também a explorar a costa ocidental
africana. A iniciativa coube ao infante D. Henrique, embora sempre com o apoio do rei.
São várias as razões para o início destas navegações: a curiosidade do infante em
descobrir novas terras; o desejo de encontrar aliados cristãos africanos com quem
pudesse estabelecer comércio ou alianças para combater os muçulmanos de Marrocos;
ou ainda a vontade de expandir a fé cristã.
O primeiro objetivo das navegações foi ultrapassar o cabo Boja- dor, onde se situava a
fronteira do mundo conhecido. As primeiras viagens ao longo da costa ocidental de
África ocorreram na década de 1420, mas só em 1434 o cabo Bojador foi ultrapassado
pelas embarcações comandadas por Gil Eanes, escudeiro do infante D. Henrique.
Nos anos seguintes, as navegações prosseguiram rumo a sul, em direção à Mauritânia.
Em 1441, trouxeram-se para Portugal as primeiras aquisições comerciais oriundas
daquela região: cerca de 100 escravos, algum ouro e ovos de avestruz, um produto
exótico nunca antes visto. Também na Mauritânia foi estabelecida, no início da década
de 1440, a primeira feitoria portuguesa, na ilha de Arguim, que tinha como função
negociar com os nativos. As navegações eram cada vez mais rentáveis e, por isso, não
tardou até o infante sentir necessidade de guardar o monopólio da navegação além
Bojador para si próprio. Esse direito foi-lhe concedido em 1443 pelo regente D. Pedro,
seu irmão, que governava o reino em nome do pequeno rei, D. Afonso V (1438-1481).
Em 1444, chegaram os primeiros navios à costa da Guiné. Até à morte do infante, em
1460, as navegações ainda avançariam até à costa da Serra Leoa. Por volta de 1456,
descobriram as primeiras ilhas de cabo Verde: Boavista, Santiago, Maio e Sal. Os
primeiros povoadores chegariam ao arquipélago quando o infante ainda era vivo. As
restantes ilhas seriam descobertas na década de 1460.
Com a morte do infante D. Henrique, em 1460, a coroa reclamou para si o monopólio
da navegação e comércio além do cabo Bojador. D. Afonso V (1438-1481) aproveitou a
oportunidade para dar continuidade ao trabalho do infante e, entre 1468 e 1474, ar-
rendou o comércio da Guiné a Fernão Gomes, escudeiro e merca- dor lisboeta. Em
troca, Fernão Gomes era obrigado a explorar a costa africana. Foi assim que, em 1471,
foi alcançada a costa do ouro, situada na região do atual Gana.
Foi nesta costa que, em 1481, já durante o reinado de D. João II (1481-1495), se
construiu a fortaleza de São Jorge da Mina. A partir de então, começaram a rumar ao
reino grandes quantidades de ouro provenientes daquela região. Durante este reinado,
prosseguiram as explorações rumo a sul e, em 1488, Bartolomeu dias dobrou o cabo da
Boa esperança, demonstrando, desta forma, que África era um continente situado entre
dois oceanos. Em 1491, dá-se início à missionação cristã no reino do congo, entretanto
descoberto. O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 entre Portugal e Castela, foi o
resultado de negociações que duraram mais de um ano. No final, ficou estabelecida a
divisão do mundo entre Portugal e Castela. A linha divisória era um meridiano
imaginário, situado 370 léguas a ocidente de cabo Verde. A Portugal caberiam as terras
a oriente deste meridiano, enquanto que Castela ficaria com as regiões a ocidente. Este
tratado surgiu pouco depois do regresso de Colombo das Caraíbas – depois da sua
primeira viagem de 1492-1493 – que tinha demonstrado ser possível alcançar terras a
Ocidente. Ainda assim, não era, como Colombo pensava, o Japão, mas sim um novo
continente: as Américas.

A “era Dourada” de D. Manuel I


Assim que subiu ao trono, em 1495, D. Manuel i (1495-1521) teve o cuidado de dar
continuidade às políticas expansionistas dos antecessores. Assim, em 1497 enviou uma
armada, capitaneada por Vasco da Gama, para o sul de África com o objetivo de
contornar o cabo da Boa esperança e tentar alcançar a Índia. Depois de várias paragens
ao longo da costa oriental africana, a armada de Vasco da Gama alcançou a Índia, em
1498. A viagem de regresso a Portugal foi iniciada pouco depois, mas apenas ficou
concluída em 1499. Tinha sido descoberto o caminho marítimo para a Índia.
Para D. Manuel I, tornou-se essencial estabelecer bases de apoio na Índia. Cedo
começaram a ser enviadas armadas anuais que seguiam a rota do cabo da Boa Esperança
até entrarem no Índico. Em 1505, D. Manuel I escolheu D. Francisco de Almeida como
primeiro vice-rei da Índia portuguesa, dando assim início à fundação do Estado da
Índia.
O primeiro vice-rei foi sucedido por um governador, Afonso de Albuquerque, que
desfrutou dos mesmos poderes. Albuquerque aproveitou para, entre 1509 e 1515,
estender o controlo português a várias áreas do Índico: conquistou Goa, na Índia (1510),
Malaca, na Insulíndia (1511) e Ormuz, no Golfo Pérsico (1515).
A Índia começou, desde cedo, a revelar as suas riquezas, e os navios portugueses eram
enviados para a europa carregados de especiarias. Por isso mesmo, a Índia foi, a par de
Marrocos, uma área de intervenção tão importante no reinado de D. Manuel i.
O Brasil, por outro lado, foi achado – este é o termo preferido dos historiadores – em
1500. Pedro Álvares Cabral foi nomeado capitão da segunda armada da Índia, em 1500.
No entanto, antes de seguir para a Índia, a armada fez um desvio para ocidente e acabou
por chegar ao Brasil. Só depois a armada prosseguiu a viagem para a Índia, exceto um
dos navios, que foi enviado a Lisboa para dar a notícia ao rei. Durante o reinado de D.
Manuel I, o Brasil permaneceu praticamente intocado. Existiram algumas explorações
comerciais, como a extração de pau-brasil, mas só no reinado de D. João III (1521-
1557) seria povoado por portugueses.

O reino de Portugal em tempos de D. João II e D. Manuel I


Os reinados de D. João II (1481-1495) e D. Manuel I (1495-1521) não se resumiram
apenas aos avanços e recuos da expansão portuguesa. Internamente, ambos tomaram
decisões de grande importância para o reino.
D. João II preocupou-se particularmente com o fortalecimento do poder da coroa. Logo
no início do reinado, em 1482, reuniu as cortes e obrigou toda a nobreza do reino a
prestar-lhe homenagem pelos bens e terras da coroa que possuíam. Desagradada com a
atitude do rei, parte da nobreza decidiu assassiná-lo. Em 1483 e 1484 tiveram lugar duas
conspirações que procuraram matar D. João II. Ambas falharam e os seus cabecilhas (o
duque de Bragança e o duque de Viseu) acabaram por ser mortos.
O maior problema político do reinado de D. João II foi a sucessão. O único filho
legítimo, o príncipe D. Afonso, faleceu num acidente, em 1491. O rei ainda tentou, sem
sucesso, legitimar o filho bastardo, D. Jorge, para poder deixar-lhe o trono. Quando
faleceu, em 1495, D. João II acabou por deixar o trono ao primo, D. Manuel, duque de
Beja.
Assim que subiu ao trono, D. Manuel I preocupou-se em garantir a própria sucessão.
Para isso, casou, logo em 1497, com D. Isabel, princesa castelhana e viúva do príncipe
D. Afonso. O consentimento dos reis de Castela e Aragão para o casamento apenas foi
conseguido após D. Manuel prometer expulsar de Portugal todos os Judeus (o mesmo já
tinha sido feito em Castela e Aragão, em 1492). Assim, em 1497, os Judeus portugueses
foram obrigados a converter-se ao cristianismo ou, caso não aceitassem, a abandonar o
reino.
D. Manuel acabaria por casar mais duas vezes: em 1500 com D. Maria, irmã da primeira
mulher, de quem teve praticamente todos os seus filhos, incluindo os futuros reis, D.
João III (1521-1557) e D. Henrique I (1578-1580); em 1518 casou com D. Leonor,
sobrinha das suas duas anteriores mulheres.
Internamente, D. Manuel I também se preocupou com o aumento do poder da coroa. Ao
contrário de D. João II, procurou controlar a nobreza através de dádivas e recompensas,
e não através da força e do medo. Mandou restaurar, desde logo, a casa de Bragança
(extinta depois de o duque ter tentado matar D. João II) e fez regressar os seus membros
do exílio.

A nível externo, tanto D. João II como D. Manuel I preferiram manter-se fora dos
conflitos europeus. Ambos entendiam que nada havia a ganhar em combater na europa,
e que era fora dela que se apresentavam as melhores oportunidades de expansão e lucro.
Isto apesar de D. João II ter mantido, a dada altura, relações tensas com Castela e
Aragão.

Economia e Sociedade
Fidalgos e aventureiros em África e no oriente
A expansão além-mar concedia ao rei mais terras, maiores riquezas e um maior número
de cargos, civis ou militares, que tinham de ser ocupados. A nobreza era a principal
beneficiada pela política régia, já que acabava por receber terras, riquezas e ofícios por
servir a coroa com lealdade.
O facto é que a nobreza esteve ligada desde o início à expansão. Toda a nobreza esteve
ao lado de D. João i na conquista de Ceuta, em 1415. Boa parte da nobreza, nos séculos
XV e XVI, incluindo duques, marqueses e condes, serviu em Marrocos. Os próprios
capitães das embarcações de exploração da costa africana eram nobres, ainda que de
condição mais baixa (eram sobretudo escudeiros).
No Oriente, muitos foram os aventureiros, alguns deles nobres, que abandonaram o
estado da Índia para fazerem fortuna ao ser- viço de outros senhores. Muitos juntaram-
se, ao longo dos séculos XVI e XVII, a reinos asiáticos, sendo, muitas vezes, recrutados
como mercenários especialistas no uso de armas de fogo e canhões. Alguns tornaram-se
mesmo piratas, não reconhecendo qualquer senhor, mas lutando apenas pela riqueza
pessoal.
Ainda assim, foi sempre maior o número de nobres que ajudou à construção do estado
da Índia do que aqueles que o abandonaram. De Moçambique ao Japão, feitores e
capitães de fortalezas eram, invariavelmente, nobres.
O serviço à coroa, em Marrocos ou na Índia, era quase sempre benéfico para a fidalguia,
pois os reis tendiam a recompensar generosamente os servidores. Um exemplo disso
mesmo é Vasco da Gama. Ao regressar a Portugal, depois da viagem á Índia, em 1499,
foi-lhe atribuída a distinção de dom. Mais tarde, o já então D. Vasco da Gama viria a ser
elevado a conde da Vidigueira.

Feitorias e fortalezas
As feitorias eram os edifícios onde os Portugueses conduziam os negócios nas regiões
mais lucrativas do estrangeiro. Na década de 1440, foi construída uma feitoria na ilha de
Arguim, na costa da Mauritânia, para controlar o comércio local de ouro. O mesmo
processo viria a ser repetido centenas de vezes noutras regiões de África e do Oriente.
Por outro lado, a fortaleza era uma construção militar erguida em zonas estratégicas
para proteger os interesses de Portugal. Estas edificações ficavam sempre junto ao mar,
pois era por mar que eram abastecidas de tudo, desde soldados até alimentos e armas,
uma vez que era comum estarem situadas em territórios hostis. Foi precisa- mente a
experiência obtida na defesa de fortalezas em Marrocos que ajudou, mais tarde, à
implantação dos Portugueses na Índia.
A combinação das feitorias com as fortalezas deu origem às feitorias-fortaleza: edifícios
que serviam tanto de base militar, como de centro de negócios. Por volta de 1464,
Arguim tornou-se uma feitoria-fortaleza, para poder proteger os interesses comerciais
portugueses na região. São Jorge da Mina foi, desde a sua construção, em 1481,
desenhada como uma feitoria-fortaleza. O mesmo viria a ser feito na Índia.
Todos os cuidados com a defesa não eram exagerados: a feitoria portuguesa em
Calecute foi atacada e destruída em 1500, pouco depois de ter sido estabelecida. Assim,
não admira que um pouco por todo o império, as feitorias-fortaleza fossem a base da
presença portuguesa numa região.

O comércio da costa ocidental africana

Escravos, marfim e animais exóticos


As primeiras viagens ao longo da costa ocidental africana, ocorridas nas décadas de
1420 e 1430, não revelaram nada de valioso para comercializar. No entanto, a
persistência acabou por dar frutos, à medida que as embarcações iam avançando para
sul e as terras tornavam-se mais verdes.
Estas viagens começaram a tornar-se rentáveis por volta de 1441. Foi nesse ano que
chegaram a Portugal os primeiros escravos (cerca de 100). A partir de então, tornou-se
comum as embarcações portuguesas atacarem aldeias costeiras na Mauritânia, Gâmbia e
Guiné para obterem escravos (homens, mulheres e crianças) que depois vendiam em
Portugal.
Um pouco mais tarde, os capitães portugueses perceberam que era mais lucrativo
comprar escravos às tribos africanas do que escravizá-los diretamente. Os vários reinos
e tribos a sul do deserto do Sahara combatiam-se com frequência, pelo que tinham
sempre muitos prisioneiros de guerra para venda, tanto a outros africa- nos como aos
Portugueses. O tráfico de escravos africanos para as Américas tornou-se um negócio tão
lucrativo que durou até meados do século XIX, tendo sido realizado por praticamente
todas as nações da europa Ocidental.
Outro produto que começou a entrar na europa durante este período foram os animais
exóticos. Os primeiros ovos de avestruz chegaram a Portugal em 1441. Seguiram-se
outros animais, ou, pelo menos, produtos de origem animal, como o marfim. Na década
de 1440, D. Afonso V (1438-1481) ofereceu um casal de leões ao duque da Borgonha.
Mas foi no reinado de D. Manuel i (1495-1521) que mais animais exóticos chegaram ao
reino: papagaios do Brasil, leões de África, elefantes e rinocerontes da Ásia. O número
de animais exóticos que chegava ao reino era tão grande, e a sua raridade e valor na
restante europa tão elevados, que o rei chegou a oferecer um elefante ao Papa Leão X,
em 1514.

O comércio do oriente – especiarias


Quando Vasco da Gama chegou pela primeira vez à Índia, em 1498, declarou que os
Portugueses iam em busca de cristãos e especiarias. Na Índia, os cristãos eram poucos,
mas as especiarias existiam em grande quantidade.
O gosto da europa pelas especiarias orientais vinha desde os tempos do império
Romano. Durante a idade Média, foram sobretudo os árabes que fizeram de
intermediários entre o Oriente e o Ocidente e, por isso, detinham o controlo do comércio
das especiarias.
Na mesma altura em que os Portugueses chegaram à Índia, as especiarias eram trazidas
para a europa pelos Venezianos, que as compravam em Alexandria, no Egito. Estas
chegavam ao Egito através das caravanas que seguiam a Rota da Seda, que tinha origem
na China.
Os Portugueses compreenderam, desde cedo, que para comprar especiarias na Índia
precisavam de pagar em ouro. Mas o ouro era, em Portugal, um bem raro, pelo que não
podia ser enviado para a Índia. Por isso, logo no início do século XVI o Estado
Português da Índia tomou o controlo de uma série de rotas comerciais marítimas que
ligavam a Índia a África.
A rota mais importante era triangular e ligava o Guzerate, uma região ao norte da Índia,
a Quíloa, na costa oriental de África, e a Cochim, na costa ocidental da Índia. Os tecidos
do Guzerate eram utilizados para adquirir ouro na costa africana e o ouro era depois
usado para comprar especiarias em cidades aliadas dos Portugueses, como Cochim. As
especiarias eram então enviadas em naus pela rota do cabo até Lisboa.
Boa parte das especiarias era, depois, enviada para a feitoria portuguesa de Antuérpia,
na Flandres, de onde era distribuída pelo resto da europa. Este comércio ajudou a
enriquecer a coroa portuguesa, em particular durante o reinado de D. Manuel I (1495-
1521). Nas primeiras décadas do século XVI, chegaram tantas especiarias a Lisboa que
Veneza sentiu-se ameaçada e enviou embaixadas a Portugal.

Cultura e Artes

O estilo Manuelino – o Mosteiro dos Jerónimos


O rei D. Manuel i (1495-1521) decidiu, desde cedo, deixar a sua marca no reino. O
estilo artístico desenvolvido durante o seu rei- nado, um género tardio de Gótico,
ganhou, mais tarde, o nome de Manuelino. Vários edifícios espalhados por Portugal
mostram traços deste estilo, como a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos, em
Lisboa, e o convento de cristo, em Tomar.
Todos os edifícios que D. Manuel I mandava construir ou renovar acabavam por
incorporar os seus símbolos pessoais, como a esfera e as armas de Portugal – que hoje
em dia fazem parte da bandeira da República Portuguesa – ou a cruz da Ordem de Cris-
to – parcialmente utilizada pela Federação Portuguesa de Futebol. Logo em 1496, D.
Manuel I decidiu mandar construir um mosteiro em Belém, junto ao local onde o infante
D. Henrique, seu tio-avô, tinha mandado erguer uma capela. As obras tiveram início em
1501 ou 1502. O Mosteiro de Nossa Senhora de Belém, atualmente conhecido como
Mosteiro dos Jerónimos, é uma das obras mais conhecidas do estilo Manuelino. O nome
pelo qual o mosteiro é hoje conhecido deve-se ao facto de, ainda no século XVI, ter sido
entregue à ordem religiosa dos monges seguidores de São Jerónimo.
D. Manuel I gostava tanto da obra que costumava visitar o local durante a construção e,
pouco antes de morrer, declarou que queria ser enterrado lá. Este foi o primeiro passo
para que o Mosteiro dos Jerónimos se tornasse o panteão real durante o século XVI. No
mosteiro, junto a uma das portas, existem duas figuras que representam o rei D. Manuel
e a rainha D. Maria, a sua segunda esposa. Todo o edifício incorpora outros elementos,
esculpidos na pedra, do estilo Manuelino: gárgulas, sereias, cordas entrelaçadas ou
elementos vegetais, como folhas de hera.
O estilo Manuelino foi tão importante que, muito mais tarde, em meados do século XIX,
se tentou introduzir algumas características deste estilo na arquitetura. A estação
ferroviária do Rossio, em Lisboa, bem como o Mosteiro dos Jerónimos, são bons
exemplos daquilo que ganhou o nome de estilo neomanuelino.

A reorganização administrativa manuelina – adaptação da documentação


medieval
Como vimos no capítulo anterior, ao longo da idade Média, a maioria dos reis
preocupou-se em aumentar o poder da coroa e estendê-lo a todo o reino. Reis como D.
Afonso II (1211-1223) e D. Dinis (1279-1325) passaram boa parte dos reinados a
trabalhar no sentido de tornar o poder da coroa inquestionável. Como vimos no capítulo
dedicado à idade Média, o processo de aumento de poder da coroa deu origem a muitos
milhares de documentos escritos.
No início do reinado de D. Manuel I (1495-1521), o arquivo do rei encontrava-se numa
profunda desordem, o que tornava difícil a consulta de documentos (algo que o rei
precisava de fazer para tomar certas decisões). Assim, para facilitar a consulta, D.
Manuel ordenou que os documentos mais importantes fossem copiados para uma série
de livros novos, que passaram a chamar-se Leitura Nova.
D. Manuel I criou ainda as Ordenações Manuelinas (semelhantes às antigas Ordenações
de D. Duarte e às Ordenações Afonsinas), uma série de livros onde estavam escritas as
leis do reino, e que viajavam com o rei, de forma a poderem ser consultados quando
necessário.
D. Manuel I procedeu ainda a uma reforma dos forais que, no essencial, atualizou
alguns pontos das antigas cartas de foral medievais dadas aos concelhos.

Gil Vicente e as permanências medievais


A sociedade do início da idade Moderna, por volta do final do século XV e princípio do
século XVI, era ainda profundamente medieval. Os Portugueses eram ainda, sobretudo
medievais, tal como acontecia no resto da europa, embora em menor escala em algumas
cidades italianas.
O teatro de Gil Vicente foi, em boa medida, uma demonstração dessa sociedade
medieval. As críticas que fez, por exemplo, à falta de piedade do clero e aos excessos da
nobreza tinham origens medievais. Gil Vicente (c. 1465-1536) foi sobretudo um
indivíduo que soube manter-se nas boas graças dos reis, uma vez que as suas peças
foram muito apreciadas na corte durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521) e parte
do reinado de D. João III (1521-1557).
Várias foram as ocasiões em que estas peças tinham por objetivo incitar a corte a apoiar
a política do rei. Exemplo disso mesmo foi a criação e exibição em corte do Auto da
Exortação da Guerra, no qual Gil Vicente louvava a política de guerra em Marrocos
levada a cabo pelo rei D. Manuel I. Este auto, como também o Auto da Barca do
Inferno, tocava na profunda religiosidade dos homens e mulheres daquele período.

Renascimento e Humanismo
O Renascimento surgiu na Itália do século XV e, desde o início, representou a vontade
de alguns contemporâneos em regressar ao passado em várias áreas da vida. Os grandes
artistas do Renascimento italiano, como Botticelli e Miguel Ângelo, embelezaram as
mais poderosas das cidades-estado de Itália, como Roma ou Florença.
Contudo, foi no século XVI que o Renascimento se espalhou pela europa e alcançou
Portugal. Isto apesar de já estarem presentes alguns traços renascentistas no Portugal do
século XV, como mostra o contrato firmado entre D. João II (1481-1495) e Cataldo
Sículo, um italiano que serviu de tutor do príncipe D. Afonso e do filho ilegítimo, D.
Jorge. Também o gosto pela língua dos Romanos, o Latim, estava a crescer, como prova
o discurso de Cataldo, por ocasião do casamento do príncipe D. Afonso.
Foi no reinado de D. João III (1521-1557) que o Renascimento teve maior impacto em
Portugal. O desejo de imitar a Antiguidade levou à construção de novos edifícios com
um estilo mais italiano. O Humanismo surgiu ainda antes do Renascimento, uma vez
que se considera que o seu pai foi o italiano Francesco Petrarca (1304-1374). O
Humanismo defendia que o Ser Humano, e não Deus, deveria ser o centro do
pensamento filosófico; o gosto pela arte grega e romana; o interesse pela educação do
Ser Humano (em particular das crianças); e, por fim, o estudo das línguas antigas (como
o Latim, o Grego e o Hebraico).
É costume dizer-se que Portugal não teve Humanismo, mas sim humanistas. Ou seja,
nunca chegou a haver uma corrente contínua, mas apenas casos quase isolados de
homens inteligentes e capazes, como Damião de Góis (1502-1574) ou Francisco Sá de
Miranda (1481-1558). A introdução da inquisição em Portugal, ocorrida em 1536, não
permitiu o crescimento de uma corrente Humanista, uma vez que alguns dos elementos
do Humanismo – como a colo- cação do Ser Humano no centro do Universo – eram
vistos como heresia.
Damião de Góis, em particular, é considerado o grande humanista português. Fez de
tudo um pouco, desde servir como pajem na corte até ser historiador. Viajou por toda a
europa, tanto em viagens comerciais como em busca de conhecimento, e foi amigo de
Erasmo de Roterdão (1466-1536), um dos grandes humanistas daquele tempo e um
homem que D. João III pensou contratar para dar aulas na Universidade de Coimbra.
Foi até perseguido pela inquisição, mas contou sempre com o apoio e proteção de D.
João III (1521-1557), de quem era amigo de infância.

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