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CRUZ, José Vieira da.

“Vozes do Ser-tão nas Tramas de Mnemósine: fontes orais para


a História Contemporânea em Alagoas”. In: Anais eletrônicos do V Encontro
Nacional de História da UFAL. Maceió: UFAL, 2013, p. 832-840. Disponível em: <
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnx2ZW5jb250cm9kZ
Whpc3RvcmlhfGd4OjJjNjYzYWE1MjU4ZWY5OWI>. Acessado em 28\10\2013.

VOZES DO SER-TÃO NAS TRAMAS DE MNEMÓSINE: FONTES ORAIS


PARA A HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA EM ALAGOAS1

José Vieira da Cruz (UFAL)

A intenção desta pesquisa é o de estudar as experiências de homens e de mulheres da


mesorregião do Sertão de Alagoas notabilizados socialmente pela guarda da memória –
os chamados historiadores outsiders – sejam eles memorialistas com obras já escritas
sejam eles, sobretudo, pessoas comuns que narram histórias vividas ou a elas
transmitidas pela família, pela comunidade ou por terceiros. Neste sentido, dentre os
municípios que constituem a mesorregião do Sertão Alagoano, essa pesquisa limitar-se-
á a estudar os municípios de Delmiro Gouveia e Piranhas, na microrregião Alagoana do
Sertão do São Francisco, e de Água Branca e Pariconha, na microrregião Serrana do
Sertão Alagoano, espaços socioculturais delineados como pontos iniciais sobre a
história contemporânea de Alagoas a partir da mesorregião em estudo. Esta seleção é
justificável, tendo em vista o Campus do Sertão/UFAL, encontra-se no município de
Delmiro Gouveia, por isso, trabalhá-lo e três cidades circunvizinhas amplia/aprofunda o
conhecimento sobre os sujeitos do Sertão e suas relações sociais, culturais e de poderes.
Relações que ainda hoje são tão enigmáticas.

Palavras-chave: Memória, Sertão, Alagoas

Introdução

O diálogo com as fontes é um dos objetivos do ofício do historiador (BLOCH,


2001, RÜSEN, 2001). Dessa forma, o estudo das fontes contemporâneas sobre o Sertão
de Alagoas reveste-se de um dos fundamentos essenciais para o desenvolvimento de
pesquisas históricas, ou seja, o registro das ações humanas em um determinado tempo,
lugar e contexto, no caso, de registros – escritos ou não – sobre a história
contemporânea da mesorregião do Sertão de Alagoas, uma das divisões político-

1
Essa pesquisa é financiada pelo Programa de Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (2013-2014)
CNPQ\FAPEAL\UFAL. E está vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisa em História, Sociedade e
Cultura (GEPHISC). Mais informações a respeito em: http://gephisc.blogspot.com.br/
administrativas adotadas pelo Anuário Estatístico do Estado (ALAGOAS, 2011, p.
459). E neste sentido, o trabalho relacionado às fontes orais revela significados
atinentes ao desenvolvimento de discussões da denominada história do tempo presente
(FERREIRA, 2003, RÉMOND, 2007).
Este fazer-se historiográfico em Alagoas tem sido balizado pelo alargamento
da compreensão acerca da noção de fonte histórica – pensada pela contribuição da
Escola dos Annales, segundo a qual fonte histórica é tudo aquilo que registra a ação
humana no tempo (BLOCH, 2003, p. 9) –, pelos estudos empreendidos pelo Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) – instituição fundada em 1868 –, pelos
cursos de História da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) e pelo curso de
História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) – este último, já contando com
um Programa de Pós-graduação e Pesquisa em História (PPGH/UFAL) –, e, por fim,
pelos horizontes de pesquisa que passam a ser fomentados pelo curso de História do
Campus do Sertão/UFAL, localizado no município de Delmiro Gouveia, no qual os
pesquisadores do projeto em exposição têm sua base de estudos através do Grupo de
Estudos e Pesquisa em História, Sociedade e Cultura (GEPHISC).
Em torno deste horizonte, em particular, do curso de História do Campus do
Sertão/UFAL, a necessidade de estimular a formação de professores, inclusive
qualificando-os no campo da pesquisa, enfrenta o habitual desafio dos historiadores e
demais pesquisadores, qual seja, o do acesso às fontes e aos seus respectivos centros de
documentação. No caso do Estado de Alagoas – exceto o Instituto Xingó/CHESF e um
ou outro arquivo cartorário, eclesiástico e administrativo, os principais acervos e fontes
de pesquisa encontram-se em Penedo e, sobretudo em Maceió. Além disso, no que tange
aos temas contemporâneos ou do chamado tempo presente, não obstante a proximidade
espaço-temporal, por vezes, o acesso às fontes e mesmo aos seus registros não são
objetos de políticas públicas que privilegiem o acesso à informação.
Dessa forma, debruça-se sobre a importância do levantamento, registro,
catalogação, arquivamento e análise de fontes escritas, visuais e, sobretudo, orais no
espaço de abrangência do Campus do Sertão/UFAL – experiência de interiorização do
ensino superior que tem se mostrado exitosa – aponta a necessidade de compreender o
Sertão como algo mais que uma divisão político-administrativa ou climática, mas
também como uma teia social e cultural tecida por homens e mulheres no seu fazer-se
cotidiano e transpassado por esquecimentos, sentimentos e lembranças de sujeitos
históricos que compartilham experiências de um passado próximo e, por vezes, presente
(PORTELLI, 1997).
Tecida essa justificativa, observa-se a necessidade de estruturar esse projeto de
estudos sobre as fontes contemporâneas sobre o Sertão de Alagoas, através do uso
metodológico da história oral, envolvendo pesquisadores e estudantes do curso de
História do Campus do Sertão/UFAL, do GEPHISC e do PPGH/UFAL. Além disso,
este projeto toma como referência o projeto “Fontes orais para história contemporânea
de Sergipe" (FREITAS, 2002). Experiência de pesquisa, na qual participamos como um
dos coordenadores, organizado entre 2001 e 2002, resultou na produção de quase 150
monografias e mais de 700 entrevistas envolvendo sujeitos, acontecimentos e práticas
sociais, políticas e culturais ocorridas em diferentes municípios do mencionado estado.
Este projeto, por sua vez, cujo foco encontra-se nas fontes orais sobre a história
contemporânea do Sertão Alagoano, justifica-se também pela necessidade de registrar
as experiências históricas de diferentes segmentos sociais de Alagoas, cujas lembranças
do passado fazem-se presentes na memória dos seus protagonistas. E, sobretudo, para
estimular novos pesquisadores a valorizarem o conhecimento histórico a respeito dos
municípios da região, em particular, através das memórias, recolhidas através das
entrevistas que serão realizadas, ou das análises de obras memorialistas a respeito da
região.

Revisão da literatura

Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas


apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar
as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, nas
expectativas de atingir a verdade oculta. Se assim é, por que não
aproveitar essa oportunidade que só nós temos entre os historiadores,
e fazer nossos informantes se acomodarem relaxados sobre o divã, e,
como psicanalistas, sorver em seus inconscientes, extrair o mais
profundo de seus segredos (THOMPSON, 1992, p. 197).

A inclusão da história oral nesta pesquisa vem justamente possibilitar uma


maior compreensão da relação entre a história e a memória vinculada ao projeto “Vozes
do Ser-tão nas tramas de Mnemósine: fontes orais para a história contemporânea de
Alagoas”. Dessa forma, o uso dessa metodologia apresenta-se como uma forma do fazer
histórico que, articulada a outros tipos de pesquisas e métodos, possibilitam ao
historiador localizar, coletar, sistematizar e, no caso da fonte oral, em particular,
estimular a produção de registros a respeito das experiências sociais, culturais e de
poder(es) compartilhadas e disputadas pela memória de homens e mulheres ao longo do
tempo (HALBAWACHS, 2006). Além disso, a história oral está intimamente
relacionada com os acontecimentos da história do tempo presente, colocando o
pesquisador em contato direto com os sujeitos históricos e suas lembranças,
esquecimentos e sentimentos (MONTENEGRO, 2010).
A história do tempo presente, por sua vez, não restringe a priori os recortes
temporais fixos e determinados, no lugar disso permite, a partir das lembranças suscitas
nas narrativas dos entrevistados, construir marcos temporais flexíveis e que dialoguem
com a memórias narradas (BÉDARIDA, 1998). Para além da problemática do papel a
ser desempenhado pelo pesquisador/entrevistador, a história oral suscita, também, a
questão de como ela será utilizada, já que “una vez constituída la fuente oral a partir de
la entrevista y de su transcricpción, el resultado final es un texto cuya utilización plantea
los mismos problemas que cualquier documento escrito” (SCHWARZSTEIN, 1991, p.
15).
A utilidade da história oral enquanto fonte de pesquisa depende, portanto, tanto
das informações obtidas quanto do tratamento a ela conferida. Neste sentido, ela pode
servir tanto para completar informações obtidas, através de outras fontes, como conferir
voz a grupos silenciados e marginalizados ou não. Isto vai depender da postura teórica e
metodológica de cada pesquisador e da natureza do objeto em estudo. No caso desta
pesquisa, serão empregadas ambas as perspectivas: completar as informações e conferir
os significados sobre a história e a memória de diferentes sujeitos sociais que
constituem e são constituídos pelos códigos sociais, políticos e culturais do Ser-tão,
digo mesorregião do Sertão de Alagoas, e sua respectiva área de influência espaço-
temporal (ARRUDA, 2006, ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006).
É preciso acrescentar ainda a respeito dos resultados produzidos por uma
entrevista que, independentemente dos objetivos motivadores para sua realização, ela
contém significados que transcendem, na maioria das vezes, as pretensões da pesquisa à
qual ela se vincula. Neste sentido, para efetivar o objetivo de registrar e de analisar
diferentes narrativas sobre algumas cidades do Sertão do Estado de Alagoas – em
particular das microrregiões “Alagoana do Sertão do São Francisco” e “Serrana do
Sertão Alagoano” – é necessário frisar que a realização de uma entrevista gera no
mínimo três tipos de documentos, a saber: os registros de áudio ou áudio e vídeo da
entrevista realizada, sua transcrição pelo pesquisador que realizou a entrevista, e, por
fim, a edição da entrevista com as correções, supressões e acréscimos recomendados
pelos entrevistados.
Dessa forma, os resultados dessas entrevistas, além de se constituírem em
fontes para a concretização de uma primeira pesquisa, podem constituir um acervo de
fontes para outras pesquisas, desde que junto às entrevistas seja anexada a carta de
cessão de direitos. A importância da realização de entrevistas para o pesquisador que
fomenta seu registro, assim como para outros estudiosos, demanda a sua guarda e
disponibilização em instituições públicas vinculadas à preservação da história e da
memória. Desta forma, o uso da metodologia da história oral deve atentar para o
objetivo do objeto de estudo e para os significados das experiências vivenciadas pelos
entrevistados em relação ao tema, bem como para outras possibilidades de pesquisa
contidas nessas entrevistas. Além disso, é necessário pensar a forma como o registro da
entrevista será realizado, as estratégias para sua realização, os procedimentos para
transcrição e para obtenção da carta de cessão para pesquisas futuras por parte de
terceiros, as possibilidades quanto à interpretação das informações fornecidas e, por fim,
os cuidados relativos à guarda da entrevista para posterior consulta de outros
pesquisadores, sobretudo para os estudos a respeito dos diferentes significados da
memória e das experiências que elas revelam (ALBERTI, 2012).
Os procedimentos apontados em relação ao uso metodológico da história oral
têm, para o escopo metodológico deste projeto, o objetivo de resgatar e valorizar as
experiências compartilhadas e disputadas por diferentes sujeitos sociais no seu fazer-se
cotidiano da história contemporânea no Sertão das Alagoas. Neste sentido, o uso desta
metodologia contribuí para proporcionar “al historiador oral un método para ocuparse
del molesto problema de la memória” (GRELE, 1991, p. 135).
Em termos historiográficos, os debates sobre a questão da história e da
memória têm rompido “com as dicotomias entre indivíduo e a sociedade, passado e
presente, bem como entre ciência e prática social” (SANTOS, 1998, p. 151). Neste
sentido, a produção acadêmica tem reavaliado o papel da memória como alicerce para
suas interpretações e não seu inverso (LE GOFF, 1991; SANTOS, 2003; SÁ, 2005).
Sob esse prisma, a memória é suscitada pelas necessidades do presente e o seu uso
como fonte histórica deve observar como ela é repetida, selecionada, rememorada e
interpretada (SILVA, 2002, p. 425-438).
Desta forma, a emergência da chamada história do tempo presente e a
valorização dos testemunhos históricos diretos; o retorno dos estudos políticos centrado
nas experiências vividas pelos sujeitos; as particularidades históricas das redes sociais; e
a compreensão de que o passado é construído a partir das necessidades do presente
ajudam a “esquadrinhar os usos políticos do passado recente ou a propor o estudo das
visões de mundo de determinados grupos sociais na construção de respostas para os
seus problemas” (FERREIRA, 2002, p. 324). Neste sentido, a ideia de uma história
pronta, definitiva e “verdadeira” não tem lugar no campo de dimensões teóricas e
metodológicas dessa matriz de conhecimento (RÜSEN, 2010; BARROS, 2010).
Essas dimensões no campo do faze histórico destacam, ao lado dos cuidados
teóricos e metodológicos, a importância das fontes para a pesquisa enquanto um dos
seus fundamentos. Depreende-se dessa avaliação que os resultados de uma pesquisa
histórica não nascem prontos, não são definitivos e nem absolutos, pois a sua
constituição é o fruto de um mútuo e recíproco processo no qual as fontes revelam e
(re)significam registros do passado e o historiador, mediado pelas discussões de seu
tempo, (re)interpreta continuamente esse passado (KOSELLECK, 2006, pp. 161-190).
Em síntese, a relação do historiador com suas fontes deve ter como horizonte a
construção de um contínuo “diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e
a pesquisa empírica, do outro” (THOMPSON, 1981, p. 49). A perspectiva de
interpretação deste projeto, assim como sua opção teórica e metodológica, busca
construir um diálogo com a historiografia local, sobretudo, com os trabalhos
fomentados pelo Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (TENÓRIO e DANTAS,
2007), pelo Centro de Pesquisa e Documentação Histórica (CPDHIS/UFAL) e pelo
PPGH/UFAL.
Em relação a essa historiografia, não obstante sua contribuição, uma das
discussões a ela imposta é por que razões “não acompanhou, em linhas gerais, o
desenvolvimento temático e metodológico, seguido de novas fontes, realizado pela
Historiografia de diversos outros estados do Nordeste e mesmo do restante do Brasil?”
(MACIEL, 2011, p. 72). No contraponto dessa crítica, a recente criação do
PPGH/UFAL, cuja produção começa surgir, parece apontar para uma maior
especialização no campo da produção do conhecimento histórico em Alagoas. A criação
e organização de núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa são um indicador da
consubstanciação dessa tendência. Resta-nos aguardar os resultados de sua produção.
Em meio a esse debate, esse projeto pretende contribuir para alargar o campo de
conhecimento, tanto sobre as fontes quanto sobre os estudos, a respeito da história
contemporânea de Alagoas, em particular, das lembranças e esquecimentos
contemporâneos relacionados aos homens e mulheres dessa mesorregião do Sertão do
estado.
Sob essa perspectiva, o uso metodológico da história oral é também uma
estratégia para localizar e analisar outras fontes de pesquisa – escritas, visuais e
audiovisuais – existentes em acervos particulares ou públicos, que possam ser
inventariados e disponibilizados para pesquisa. Dessa forma, no caso de Delmiro
Gouveia, uma das cidades da microrregião “Alagoana do Sertão do São Francisco” a ser
pesquisada, a análise de diferentes narrativas relacionadas às lembranças de homens e
de mulheres a respeito do seu cotidiano e dos respectivos códigos sociais, políticos e
culturais, pode ampliar a compreensão histórica acerca da cidade e de sua população
para além de seu mito fundador, ou seja, da heroicização da figura de Delmiro Gouveia
(LIMA, 1962; MAYNARD, 2008).
O projeto de pesquisa “Vozes do Ser-tão nas tramas de Mnemósine: fontes
orais para a história de contemporânea de Alagoas”, portanto, tem por objetivo estudar
as experiências de homens e de mulheres da mesorregião de Alagoas notabilizados
socialmente pela guarda da memória – os chamados historiadores outsiders – sejam eles
memorialistas com obras já escritas sejam eles, sobretudo, pessoas comuns que narram
histórias vividas ou a eles transmitidas pela família, pela comunidade ou por terceiros.
Neste sentido, dentre os municípios que constituem a mesorregião do Sertão Alagoano,
essa pesquisa limitar-se-á a estudar os municípios de Delmiro Gouveia e Piranhas, na
microrregião Alagoana do Sertão do São Francisco, e de Água Branca e Pariconha, na
microrregião Serrana do Sertão Alagoano, espaço socioculturais delineados como
pontos iniciais sobre a história contemporânea de Alagoas a partir da mesorregião em
estudo.

Os caminhos metodológicos

Em termos metodológicos, o projeto de pesquisa “Vozes do Ser-tão nas tramas


de Mnemósine: fontes orais para a história contemporânea de Alagoas” tem como
delimitação espacial a mesorregião do Sertão Alagoano, divisão político-administrativa
acolhida pelo Anuário Estatístico do Estado de Alagoas. Essa mesorregião, por sua vez,
é composta por quadro microrregiões, a saber: Serrana do Sertão Alagoano, Alagoano
do Sertão do São Francisco, Santana do Ipanema e Batalha. Dentre estas, o presente
projeto limitar-se-á a estudar a microrregião Alagoana do Sertão do São Francisco –
formada pelos municípios de Delmiro Gouveia, Olho d’ Água do Casado e Piranhas – e
a microrregião Serrana do Sertão Alagoana – formado pelos municípios de Pariconha,
Água Branca, Inhapi, Canapi e Mata Grande (ALAGOAS, 2011, p. 457).
A escolha destas duas microrregiões, Alagoana do Sertão do São Francisco e
da Serrana do Sertão Alagoano, além da proximidade geográfica – situada no extremo
Oeste do Estado e próximas do Campus do Sertão/UFAL – fundamenta-se também nos
vínculos políticos e administrativos que essas cidades têm em comum, já que seus
territórios já pertenceram à região de Penedo, entre 1636 a 1837, e de Mata Grande,
entre 1837 a 1854 (ALAGOAS, 2011, p. 21). Em torno desse recorte espacial, os
municípios de Delmiro Gouveia e Piranhas, da microrregião Alagoana do Sertão do São
Francisco, e de Água Branca e Pariconha, da microrregião Serrana do Sertão Alagoano,
foram escolhidos como pontos iniciais deste projeto de pesquisa.
Em torno desse recorte espacial, delimitado entre os municípios de Delmiro
Gouveia, Piranhas, Água Branca e Pariconha, esta pesquisa tem como pretensão
entrevistar homens e mulheres, notabilizadas pelo conhecimento acerca da história e da
memória da região, obtidas através de suas experiências de vida ou da tradição
memorialística de seus familiares e/ou comunidades. Essa pesquisa parte, portanto, dos
relatos da história de vida do entrevistado, e deve articular esses relatos a temas
associados à história do município e da região. A escolha do uso metodológico da
história oral – de vida e temática – como método de pesquisa tem sido reforçado pelo
atual momento historiográfico no qual as pesquisas na área das ciências humanas têm
rompido suas amarras com o exclusivo monopólio da documentação escrita.
Estas amarras, para com os documentos escritos, são reavaliadas a partir da
“revolução documental”, impulsionada pela Escola dos Annales e pelos historiadores
sociais ingleses. A consequência deste debate foi o redimensionamento do entendimento
a respeito das fontes de pesquisa. Os historiadores passaram a estudar a História não
apenas como o uso das fontes escritas, observando a possibilidade e a riqueza de outras
fontes históricas que registraram ação dos homens (LE GOFF, 1991:540).
Assim, o uso desta fonte e da metodologia a ela relacionada, vem se
constituindo em um importante método de pesquisa científica no campo das ciências
humanas, tanto entre os historiadores como entre sociológicos, antropólogos,
educadores e linguistas (SCHWARZSTEIN, 1991, 2001). Este novo método de
pesquisa, apesar de democrático, por permitir conhecer diversos pontos de vistas, tanto
da elite quanto de populares, favorece o desenvolvimento de estudos de diferentes
segmentos sociais, assim como de diferentes temas.
O objetivo metodológico da história oral é, portanto, a “exploração inteligente
do testemunho oral” (TOURTIER-BONAZZI, 1998, p. 233). Ao estabelecer critérios e
procedimentos para o controle crítico da fonte oral, o historiador deve “diante do tema e
das questões que o pesquisador se coloca, estudar as narrativas dos entrevistados acerca
do assunto analisado, ou mais precisamente: tais narrativas devem ser, elas mesmas
objeto de análise” (ALBERTI, 2012, p. 8). Em síntese, a construção deste projeto de
pesquisa, metodologicamente deve: a) Formar o pesquisador/entrevistador, através de
leituras e discussões, para os significados e as estratégias de trabalho com o uso
metodológico da história oral – de vida e temática –, inclusive capacitando-os quanto ao
uso das tecnologias e mídias disponíveis para o trabalho de registro e arquivamento das
entrevistas que serão realizadas; b) Definir o foco central de cada entrevista e como elas
podem ser articuladas os objetivos do presente projeto; c) Selecionar, a partir do
levantamento de dados inicial e em consonância com o objeto do plano individual de
cada bolsista/pesquisador, os possíveis entrevistados e os objetivos desejados para a
respectiva entrevista. E, sobre essa questão, usar como parâmetro, quando for o caso, a
legitimidade social atribuída ao entrevistado como guardião da história e da memória da
região, ou seja, sua condição de historiador outsiders; d) Preparar a entrevista: definir a
tecnologia e a mídia que será utilizada; estabelecer o contato inicial com o entrevistado;
preparar um roteiro prévio para entrevista para orienta-se, isto é para que o pesquisador
saiba como realizar a entrevista e, por fim, agendar previamente a entrevista; e)
Identificar a entrevista e realizar o trabalho de transcrição. Este deve tomar como
parâmetro ser o mais próximo possível a fala do entrevistado; f) Submissão da
entrevista transcrita ao entrevistado para apreciação, correções e, eventuais supressões;
g) Solicitar carta de cessão de direitos para consulta de terceiros interessados no estudo
da pesquisa realizada; h) Análise das entrevistas realizadas articulando-as ao estudo do
cotidiano e dos códigos sociais, políticos e culturais do município e região em estudo.
Em suma, conhecer a história dessas localidades a partir das tramas esculpidas
por Mnemósine – deusa que, segundo a mitologia grega, através do ato de
geração/criação da memória, lembrou aos homens a sua condição humana livrando-os
do limbo do esquecimento e da ignorância (LEÃO, 2003, p. 144-146) – é uma forma de
conhecer, nos limites do Estado de Alagoas, as diferentes dinâmicas do Sertão e a
diversidade de estratégias cotidianas de seus sujeitos sociais, inclusive no tocante as
suas práticas sociais, políticas e culturais que vão para além do lamento da seca e do
flagelo que ela provoca de tempos em tempos.

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