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Fundamentos

Teóricos e
Metodológicos da
Educação Infantil

Luiza Marta Bellini


Fundamentos
Teóricos e
Metodológicos da
Educação Infantil

Luiza Marta Bellini


Diretor Geral: Daniel Porto Campello

NEAD - Núcleo de Educação a Distância

Pró-Diretoria de Educação à Distância: Emília Fernandes Pimenta

Coordenação de Curso: Dário Vieira

Capa e Editoração: Andresa Guilhen Zam; André Morais; Diego R. Pinaffo;


Renata Sguissardi; Welder Henrique O. Carvalho

Revisão Textual e Normas: Rosângela Maria de Carvalho

FICHA CATALOGRÁFICA - SERVIÇO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO –

FACULDADE TRÊS MARIAS

B444f Bellini, Luzia Marta.

Fundamentos Teóricos e Metodológicos da


Educação Infantil./ Luzia Marta Bellini. – João
Pessoa: Três Marias, 2016. 99f.

ISBN:

1.Educaçãoinfantil.2.Teoria.2.Ensino-metodologia.I.
Título.

Três Marias CDD: 370.11

Ficha catalográfica realizada pela bibliotecária


Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da FACULDADE TRÊS MARIAS
SOBRE A FACULDADE

A Faculdade Três Marias é uma instituição de ensino superior


pluricurricular, credenciada pela Portaria do Ministério da Educação
nº 663 de 1º julho de 2015, que tem como objetivo ministrar cursos
presenciais e a distância nas diversas áreas de conhecimentos; atender
a demanda do setor produtivo, industrial, comercial e de prestação de
serviços; desenvolver pesquisa nas áreas de saúde, educação, ciência e
tecnologia, bem como atuar na extensão universitária. Para atendimento
aos estudantes, contará com as organizações empresariais como parcerias
que terão papel de auxílio na integração da faculdade com a comunidade,
além dos programas institucionais de apoio aos discentes.

MISSÃO

Formar profissionais diferenciados, que atuem de forma autônoma,


capazes de atender a demanda do mercado, com ética e espírito
empreendedor.

VISÃO

Ser reconhecida como instituição de ensino superior por meio da oferta


qualificada de cursos de graduação e de pós-graduação de alto nível.

VALORES

Gestão consciente, ética, respeito mútuo, qualidade de ensino, e


compromisso social.
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Luzia Marta Bellini


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Olá, querido(a) aluno(a).


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Fundamentos

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submissão aos aparelhos ideológicos dominantes na sociedade.


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educação infantil
metodológicos da

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São Paulo, SP. Sou professora da Universidade Estadual de Maringá desde
Eu sou a professora Luzia Marta Bellini, formada em Ciências Biológicas

como andarilhos de fronteiras seremos capazes de nos tornar intelectuais


pela USP de São Paulo. Fui professora do Ensino Fundamental e Médio em

desses livros quando passam pela transposição didática. Acredito no


na análise nos livros didáticos e na mudança de sentidos dos conteúdos
Retórica e Argumentação. Faço pesquisas nas áreas de ensino em ciências.
1986. Estudo e produzo trabalhos nas áreas de Epistemologia genética,
pela Universidade Federal de São Carlos, SP; doutora em Psicologia Social,

e pessoas comprometidas com o novo, com a democracia e com o fim da


enfoque interdisciplinar ou não disciplinar porque penso que somente
Tenho publicado artigos e livros nesses campos com especial enfoque
pela USP, campus de Ribeirão Preto, SP em 1977, mestre em Educação

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Este é o livro de Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação
Infantil.
Neste pequeno livro sobre Educação Infantil vamos tratar do conceito
de infância e da educação hegemônica e a alternativa. Uma característica
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marcante dos modelos educacionais hegemônicos é a estrutura
uniformizadora amparada por um currículo escolar rígido, livros didáticos
reducionistas, professores submissos à burocracia etc. Isso tudo mergulhado
em uma cultura da obediência e da homogeneização. No interior dessa
cultura o essencial é que crianças e adolescentes mantenham-se ocupados
com rituais mais do que com criatividade. Acerca disso Reimer (1979, p.67)
afirma: “As escolas aprenderam há muito tempo que a melhor maneira de
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evitar que as crianças pensem é mantê-las ocupadas”.
Essa homogeneização −que nunca privilegia os atos do pensamento−
manifesta-se na escola pela imposição da figura do aluno-padrão. Este
aluno idealizado hoje apresenta como resistência à padronização, outro
modo de ser padronizado, buscar a conduta da violência escolar contra
seus professores(as). No entanto, qualquer padronização da inteligência,
dos comportamentos levam crianças e jovens à exclusão.
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Na Educação Infantil, para usar a ideia de Paulo Freire, não devemos
aceitar o aluno(a) como um “demitido da vida”. Para isso, temos que
lutar pela existência de espaços educacionais alternativos para superar
dois obstáculos importantes: a) a crença na unicidade de formas de
expressar os conhecimentos (conteúdos) listados nos currículos escolares;
b) a dificuldade de se perceber que os currículos escolares contêm, tão
somente, uma pequena parte dos conhecimentos sistematizados e não,
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necessariamente, a mais importante.


Essas superações implica em fazer da educação infantil um espaço mais
incerto, inteligente, ousado e inconformado. Um espaço para se trabalhar
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com conhecimentos. Se nossa preocupação fica centrada em detalhes,
nessa “cultura dos detalhes” que a escola apresenta em nossas vidas de
professores(as) e alunos(as) ficamos limitados e limitantes. Quando o
docente age limitando-se aos padrões seculares da escola ele perde sua
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identidade; fica apenas sendo um porta-voz, como alguém cuja missão é
transmitir palavras, conhecimentos e sabedorias imutáveis. Nesse processo a
voz é algo mais importante que o cérebro. Ele(a) assume o papel de guardião
da massa de conteúdos anunciada como fundamental pela burocracia
escolar. Ele(a) acredita que essa massa de conteúdos se transforma em
ferramenta de poder, e a usa como escala de “conhecimentos”, indexando
o(a)s aluno(a)s.
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No entanto, somos bem diferentes uns dos outros. Temos jeitos diferentes
de estudar, dar aulas e construímos significações pessoais e interpessoais
próprias. Nesse sentido, pensamos a escola como lugar em que se cultivam
hábitos intelectuais, se estimulam os desafios à inteligência, se priorizam
criações e recriações e se valorizam as perguntas.
As ideias deste livro vieram de minha caminhada com o professor Adriano
Rodrigues Ruiz, professor empenhado na rebeldia para uma educação mais
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bonita, mais motivadora e mais inteligente do que a que vigora na maior
parte das instituições escolares. Os textos apresentados nas Unidades II e
III são textos modificados de livros publicados no período de 1996 a 2000.
A educação da liberdade supõe primeiro uma educação da inteligência e
mais especialmente da razão. Não é livre o indivíduo submetido à repressão
da tradição ou da tradição reinante, que se submete de antemão a qualquer
decreto da autoridade social e permanece incapaz de pensar por si próprio.
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[...] É livre, no entanto, o indivíduo que sabe julgar, e cujo espírito crítico,
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sentido da experiência e necessidade de coerência lógica se colocam ao


serviço de uma razão autônoma, comum a todos os indivíduos e que não
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autônoma. O pensamento supõe então o jogo livre das funções intelectuais

Professora Marta
Com carinho,
Tenha bons estudos e aprendizados!
preciso formar inteligências ativas. Piaget Conferência apresentada no 28º
e não o trabalho sob pressão e a repetição verbal. [...] Não é suficiente

Congresso Suíço dos professores, em 08/07/44, em Berna (Tradução de


é procurar por si próprio, é criticar livremente e é demonstrar de forma
depende de nenhuma autoridade externa. [...] É preciso ensinar os alunos

preencher a memória de conhecimentos úteis para se fazer homens livres: é


a pensar, e é impossível aprender a pensar num regime autoritário. Pensar

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UNIDADE 1: ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A
CONSTITUIÇÃO DO CONCEITO DE INFÂNCIA 13

INTRODUÇÃO......................................................................................15

O CONCEITO DE INFÂNCIA EM PERÍODOS DA HISTÓRIA OCIDENTAL:


BREVES QUESTÕES...........................................................................17

O SURGIMENTO DA ESCOLA:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ...........................................................22

FUNDAMENTOS LEGAIS: AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA A


EDUCAÇÃO INFANTIL.........................................................................30

UNIDADE 2: PARA ALÉM DA TRADIÇÃO ESCOLAR:


DIMENSÕES POLÍTICAS, ÉTICAS E PEDAGÓGICAS 51

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: EDUCANDO UMA CRIANÇA OU UM ADULTO EM
MINIATURA?........................................................................................53

UMA VELHA ÉTICA: CONSERVAR A CRIANÇA COMO ADULTO E O


CONHECIMENTO COMO CÓPIA........................................................56

POR UMA NOVA ÉTICA: A CRIANÇA COMO SER IGUAL E


RADICALMENTE DIFERENTE DO ADULTO.........................................62

UNIDADE 3: PARA UMA EDUCAÇÃO INFANTIL


POLIDIMENSIONAL 77

INTRODUÇÃO......................................................................................79

A EDUCAÇÃO PENSADA DE FORMA UNIDIMENSIONAL..................79

O DESPRESTÍGIO PROFISSIONAL E INTELECTUAL.........................84

A EDUCAÇÃO PENSADA EM FORMA POLIDIMENSIONAL...............87


SUMÁRIO CONCLUSÃO 98

REFERÊNCIAS 100
UNIDADE 1

Aspectos históricos sobre a


constituição do conceito de
infância
Luzia Marta Bellini

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Compreender o surgimento do conceito de infância.


• Analisar as diferentes concepções de infância na história.
• Examinar a história da escola..

PLANO DE ESTUDO

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Introdução ao conceito de infância


• O nascimento da escola e dos livros didáticos
• Diretrizes da Educação Infantil
UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

INTRODUÇÃO
Antes de qualquer coisa é preciso conhecer o que é conceito e o conceito de infância.

Conceito, do latim conseptus, significa “formar dentro de si”. Em outras palavras,

conceito é uma representação construída pela mente humana sobre algo, um objeto,

uma relação etc. Quando falamos em conceito de infância isso significa uma ideia de

infância que não apresenta as diferenças entre as coisas em sua extensão semânti-

ca, pelo contrário tratamo-las como idênticas. Para constituir o conceito de infância

reunimos ideias sobre crianças, brincadeiras de meninos e meninas, um período de

nossa vida, a linguagem peculiar dos pequenos etc. Essas singularidades de um

período de nossa vida são o que chamamos de infância, um conceito que reúne

todas as características da infância, mas como representação e não como realidade.

Chegamos a um conceito por meio da análise de diversas coisas da mesma espécie.

Fonte: Shutterstock

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Outra dimensão importante da infância é seu contexto histórico. O conceito de

infância surgiu histórica e epistemologicamente na sociedade moderna.

Entre o século XV e o século XVIII, podemos dizer que temos o fim da chamada Idade

Média e o início da Idade Moderna. São os historiadores que nominam os períodos

históricos. Modernidade é, então, para os historiadores o período que surgiu após o

Renascimento; desse modo, Filosofia Moderna e Ciências modernas, no sentido his-

tórico, diz respeito ao período da história ocidental que se iniciou a partir do século

XVII e vai até início do século XIX, quando podemos falar em Idade Contemporânea.

A palavra “moderno” vem do latim modernus, e quer dizer “atual”, “agora”. Essa

origem do conceito moderno mostra, na história do pensamento ocidental, uma

divisão que foi estabelecida pelos pensadores hoje chamados de modernos como

Francis Bacon (1561-1626), por exemplo, dizia que a “Antiguidade foi antiga e

maior em relação a nós, mas em relação ao mundo, nova e menor”.

O debate sobre a superioridade dos modernos ou dos antigos surgiu na Itália em

1620, com Alessandro Tassoni e está ligado à noção de história como progresso,

sobretudo, na França e Inglaterra (ABBAGNANO, 1982, p.58/pp.649-650).

Os marcos para os estudos sobre a história da infância indicam o livro de Phillipe

Ariès, “História social da infância e da família”, na França, em 1960. Outros livros

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

começam a aparecer no cenário dos estudos sobre a infância e compõem investi-

gações sobre a vida das crianças em diferentes sociedades e períodos da história

ocidental.

O CONCEITO DE INFÂNCIA EM PERÍODOS DA


HISTÓRIA OCIDENTAL: BREVES QUESTÕES
Como afirmam (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013 (2013) o registro

historiográfico sobre a infância ocorreu tarde no campo dos estudos de história.

Nem sempre a infância foi compreendida como hoje, no século XXI. As crianças

eram vistas como adultos em miniatura, mas isso não quer dizer que fossem con-

sideradas com direitos iguais aos dos adultos. A vida era relativamente igual para

pessoas de diferentes idades, mas não existia uma consciência social da existên-

cia autônoma das crianças. As crianças não tinham o poder dos adultos, sofriam

violência dos mais velhos.

[...] algumas pouquíssimas crianças podiam ter um poder imenso, como Luiz XVI,

rei da França, a ponto de ser tratado como adulto por seus criados e cortesãos.

Também havia o caso de pessoas que não conseguiam durante a vida toda sair

da infância, como os escravos. No sul dos Estados Unidos, escravos eram trata-

dos como meninos, “come here, boy”, como eram conhecidos. Classificados como

dependentes, eram tidos como seres inferiores, como nos conta Levin (1997). [...]

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Passado o estrito período de dependência física da mãe, esses indivíduos se in-

corporavam plenamente ao mundo dos adultos (LEVIN, 1997) (NASCIMENTO;

BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p).

Na chamada Idade Média existia uma classificação das etapas da vida das pessoas.

Durante a Idade Média, antes da escolarização das crianças, estas e os adultos com-

partilhavam os mesmos lugares e situações, fossem eles domésticos, de trabalho

ou de festa. Na sociedade medieval não havia a divisão territorial e de atividades em

função da idade dos indivíduos, não havia o sentimento de infância ou uma repre-

sentação elaborada dessa fase da vida (ARIÈS, 1973).

Assim, foi durante o século XVII que se generalizou o hábito de pintar nos objetos e

na mobília uma data solene para a família. Pode-se afirmar que foi na Idade Média

que as “Idades da Vida” começaram a ter importância. Durante a Idade Média, en-

tão, existiam seis etapas de vida. As três primeiras, que correspondem à 1ª idade

(nascimento/7 anos), 2ª idade (7/14 anos) e 3ª idade (14-21 anos), eram etapas não

valorizadas pela sociedade. Somente a partir da 4ª idade, a juventude (21-45 anos),

as pessoas começavam a ser reconhecidas socialmente. Ainda existiam a 5ª idade

(a senectude), considerando a pessoa que não era velha, mas que já tinha passado

da juventude; e a 6ª idade (a velhice), dos 60 anos em diante até a morte. Tais etapas

alimentavam, desde esta época, a ideia de uma vida dividida em fases (ARIÈS, 1973)

(NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p).

Na modernidade pode dizer que surgiu uma primeira concepção de infância devido

aos estudos da filosofia, do corpo e da mente, levando os adultos à preocupa-

ção com as crianças. Desse modo, a “[...] a palavra infância passou a designar a

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

primeira idade de vida: a idade da necessidade de proteção, que perdura até os

dias de hoje” (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p).

Pode-se afirmar que nesse momento as crianças foram tomadas como seres que

precisavam de cuidados especiais, de uma educação e de uma rígida disciplina

para serem adultos socialmente aceitos. As crianças foram tomadas como seres

irracionais, sem coerência.

[...] um provérbio da época, que diz: Quem não usa a vara, odeia seu filho. Com mais

amor e temor castiga o pai ao filho mais querido. Assim como uma espora aguçada

faz o cavalo correr, também uma vara faz a criança aprender (LEVIN, 1997, p.230)

(NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013,s.p).

Com a visão de Rousseau que recomendava uma Educação Infantil sem castigos,

sem prisões e sem exércitos, as crianças tornaram-se objetos de muitas preo-

cupações e estudos. Com a Revolução Francesa o Estado focou seu interesse

pelo bem-estar das crianças e com a escolarização (NASCIMENTO; BRANCHER;

OLIVEIRA, 2013).

No século XIX, o sociólogo Durkheim procurou ligar a infância à escola com o ob-

jetivo de instruir as crianças pela moral e pela disciplina. Era necessário dominar

os ímpetos infantis.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Para controlar “os humores endoidecidos” das crianças, Durkheim (1978) propôs três

elementos fundamentais para desenvolver a educação moral das novas gerações, que

deverão ser capazes de adequar-se às regras do jogo social, político e econômico.

Portanto, educar a criança passa a significar moralizá-la no sentido de inscrever na

subjetividade desta os três elementos da moralidade. Explica o referido autor que edu-

car é inscrever na subjetividade da criança os três elementos da moralidade: o espírito

de disciplina (graças ao qual a criança adquire o gosto da vida regular, repetitiva, e o

gosto da obediência à autoridade); o espírito de abnegação (adquirindo o gosto de

sacrificar-se aos ideais coletivos) e a autonomia da vontade (sinônimo de submissão

esclarecida) (DURKHEIM, 1978) (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p.).

Na época contemporânea do final do século XIX até agora com a institucionaliza-

ção da escola, muitos estudos foram feitos e aos poucos se consolidou o conceito

de infância. Fio quando começamos a falar em pediatria, pedagogia, psicologia

entre outros campos de investigação para pensar o desenvolvimento do corpo e da

mente da criança. A isso chamamos de construção social da criança. Foi o período

em que tivemos espaços exclusivos para crianças, roupas exclusivas para crian-

ças, cabelos etc. As escolas tinham salas separadas por idades. Agora, as crianças

somente encontravam os adultos na vida em família. Não podemos omitir aqui que

as crianças pobres, embora vistas também como crianças diferenciadas de adul-

tos podiam trabalhar. O trabalho infantil, embora extirpado na Lei, permanece em

países que burlam e exploram os pequenos.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Hoje, fala-se ainda em extinção da infância, porque cada vez mais se percebe uma

linha tênue entre crianças e adultos. Porém, isso ocorre devido conflitos em países

que ora se orientam pelas religiões, ora por países que querem penalidades maio-

res para os menores dado a época de consumo de drogas, do trato diferente com

a sexualidade etc.

“As fronteiras entre a infância e a fase adulta estão cada vez mais tênues”, disse

Adatto (1998, p.5), diretor do Programa de Estudos da Criança na Universidade de

Harvard: Estamos obcecados por crianças, mas isto não significa que estejamos

preservando a noção de infância. Estamos obcecados porque as barreiras entre a

infância e a idade adulta estão sendo rompidas, e não sabemos ao certo aonde isto

leva (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p).

Entretanto não devemos esquecer que na Grécia antiga crianças eram usadas no

exercício da sexualidade. Em muitas épocas históricas as crianças com mais de

sete anos de idade entravam na vida sexual como os adultos.

“Mesmo nos Estados Unidos, a idade exigida para o consentimento de relações

sexuais ficava abaixo dos dez anos, até o fim do século XIX, conforme Feher (1992)”

(NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2013, s.p).

Recentemente, quando Hurst (1998), diretor do Centro Nacional de Justiça Juvenil,

pesquisou a história dos programas de Justiça para a infância, deu o seguinte título

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

ao seu relatório: “Tribunal Juvenil aos 100 Anos de Vida: O Fim do Otimismo”.

Hurst (1998) destacou que, no final de 1996, 49 aprovado leis que autorizam a aber-

tura de processo ou o julgamento de jovens de 14 anos como se fossem adultos.

“Fizemos uma evidente mudança de rumo e procuramos agir como se, em matéria

de criminalidade, a infância não existisse”, opinou.

Outro pesquisador importante em nossa época é Neil Postman, autor do livro O de-

saparecimento da infância. Para ele, se a infância desaparecer, a sociedade tam-

bém perde. O desparecimento da infância se deve, em parte, pela mídia, que adultiza

a criança, apagando as diferenças entre criança e adulto. Todavia, é um desapare-

cimento forjado por um sistema que investe no consumo exacerbado, no mercado

como substituto da mãe, do pai, da família, das amizades, enfim, da vida coletiva.

O SURGIMENTO DA ESCOLA:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES1
Podemos falar em escola como conhecemos em nosso século e na produção de

livros didáticos escolares remetendo-nos ao início pela história da pedagogia mo-

derna inaugurada por João Amós Comenius (1582-1670), nascido na Bohemia.

1 Texto apresentado pela primeira vez no Fórum de Licenciatura da Universidade Estadual de


Maringá, em setembro de 2012.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Sessão cívica no Grupo Escolar Abdon Batista em 1953


Fonte: Costa (2016)

Comenius participou de um movimento do Cristianismo que tinha como objetivo re-

alizar a Terceira Reforma. A primeira teria sido feita por Jesus Cristo, a segunda por

Lutero e terceira seria obra de um coletivo entendido aqui como coletivo de intelectuais

que queriam a democratização dos conhecimentos contra os segredos do ofício, o que

a historiadora Frances Yates chamou de Iluminismo Rosa-Cruz (MAZZOTTI, 2005).

Tratava-se de um pensamento da modernidade que pensava a aliança entre o tra-

balho intelectual e manual, pensava o conhecimento baseado no método científico

da observação e experimentação e pensava também uma forma de comunicação

desses conhecimentos (MAZZOTTI, 2005).

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

A pedagogia comeniana ou moderna propunha então a formação de um novo ho-

mem pela unificação do trabalho intelectual e manual, prático, empírico. Nesse

movimento temos ainda o amigo de Comenius, Francis Bacon (1561-1626), Samuel

Hartlib (1600-1662), Maurício de Nassau (1604-1679) e talvez, como diz Mazzotti

(2005), René Descartes (1596-1650) (MAZZOTTI, 2005).

Para Comenius se havia um método para conhecer, haveria também um método

para ensinar. Para conhecer o método era baseado na observação e na experi-

mentação, para ensinar deveríamos ter o mesmo. A observação e a experimenta-

ção deveria substituir a exegese, ou seja, a explanação e interpretação dos textos

como a prática medieval. Em outras palavras, é a união do trabalho intelectual e

manual que fala Comenius (MAZZOTTI, 2005).

Fonte: Shutterstock

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Desse modo, a pedagogia comeniana pensa a cabeça da criança como folha papel

em branco que poderia receber a inscrição ou o ensino. Esse seria o caminho seguro

para uma Educação Universal, condição básica para a formação de um novo homem

(MAZZOTTI, 2005).

Desde o século XVI as experimentações no campo com plantas e animais e os

livros de divulgação desses efeitos circulavam pela Europa em manuais baratos

que a imprensa, ainda pouca à época, já fazia. Mazzotti (2005) indica que em 1550,

Adam Riese, publicara um manual de aritmética que contou com 38 edições. Essa

prática estabeleceu um modo de ensinar tudo a todos. O livro didático conteria

conteúdos novos, científicos, desenhos e línguas de modo a alcançar todos que

estivessem na escola. O próprio Comenius escreveu manuais de latim e alemão e

uma cartilha, nos moldes da cartilha que vigora até hoje, o manual para alfabetizar

crianças, Caminho suave. Vejamos:

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Orbispictus, disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.


php?pid=S0103-73072011000300014&script=sci_arttext>

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metodológicos da Educação Infantil

Comenius preconizava uma educação de massas com as diretivas:

I. Toda juventude (exceto a quem Deus negou a inteligência) seja formada; II. Em

todas aquelas coisas que podem tornar o homem sábio, probo e santo. III. Que esta

formação, enquanto preparação para a vida, esteja terminada antes da idade adulta.

IV. Que esta mesma formação se faça sem pancadas, sem violência e sem qualquer

constrangimento, com a máxima delicadeza, com a máxima doçura e como que

espontaneamente […]. V. Que todos se formem com uma instrução não aparente,

mas verdadeira, não superficial, mas sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal

racional, se habitue a deixar-se seguir não pela razão dos outros, mas pela sua, e

não apenas a ler nos livros e o entender, ou ainda reter e recitar de cor as opiniões

dos outros, mas penetrar por si mesmo no âmago das próprias coisas e a tirar delas

conhecimentos genuínos e de utilidade. Quanto à solidez moral e da piedade, deve

dizer-se o mesmo. VI. Que essa formação não seja penosa, mas facílima, isto é, não

consagrando senão quatro horas aos exercícios públicos [sala de aula] e de tal ma-

neira que um só professor seja suficiente para instruir, ao mesmo tempo, centenas

de alunos, com um esforço dez vezes menor que aquele que atualmente costuma

despender-se para ensinar cada um dos alunos (COMÉNIO, 1966, pp.163-164 apud

MAZZOTTI, 2005, p.3).

Essas metas somente seriam alcançáveis se o professor mudasse seu método de

dar aula e fizesse uma habilidosa repartição do tempo, da matéria e do método

(cf. MAZZOTTI, 2005). Aliás, tempo e espaço seriam as duas categorias essenciais

da escola, como Kant (1724-1804) afirmou mais tarde. Tempo do professor e dos

conteúdos do LD e espaço, o da sala de aula.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

A esse projeto escolar Comenius chamou de Didacografia.

Na Didacografia (agrada-me usar esta palavra), as coisas se passam precisamente

da mesma maneira [na tipografia]. O papel são os alunos, em cujos espíritos devem

ser impressos os caracteres das ciências. Os tipos são os livros didáticos e todos

os instrumentos propositadamente preparados para que, com sua ajuda, as coisas

a aprender se imprimam nas mentes com pouca fadiga. A tinta é a viva voz do pro-

fessor que transfere o significado das coisas, dos livros para as mentes dos alunos.

O prelo é a disciplina escola que a todos dispõem e impele para se embeberem dos

ensinamentos (COMENIUS, 1966, p.4258 apud MAZZOTTI, 2005, p.4).

O livro didático é assim instituído como o percurso escolar. A nova escola é aquela

que ensina TUDO e todos. Está instituído também o saber escolar, o saber que

advém dos saberes científicos da nova sociedade.

Os livros didáticos e os demais materiais para o ensino são a materialização de um

saber, são os “caracteres das ciências”. Neste sentido, os saberes escolarizados

estão no lugar de cada uma das disciplinas científicas ou filosóficas (na época não

havia distinção entre elas). Estas disciplinas, depuradas pelos especialistas, são os

conhecimentos considerados válidos e corretos, afastando toda polêmica, toda dis-

puta, uma vez que interdita a leitura de livros variados sobre o mesmo assunto. O

debate, o confronto de opiniões, como se fazia na escola Medieval, é pernicioso por

distrair o espírito (MAZZOTTI, 2005, p.4).

Estava assim dado o percurso que temos ainda hoje no século XXI:

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• O livro didático pôde instituir o ensino de massas. O ensino das novas so-

ciedades burguesas.

• Instituiu a gramatização, e por meio da gramática grega e latina, pôde-se

ensinar as línguas.

• Pode-se ensinar o cálculo, as ciências.

A escola moderna tornou homogêneo o ensino e o conhecimento. O livro didático

é, para usar a metonímia de Comenius, a partitura do professor. Com isso,

Ao pretender fazer da escola uma manufatura capaz de produzir um ensino de massa e de

mesma qualidade estabeleceu- se um método de trabalho que prescinde a formação do

professor. Este método objetiva ou reifica o trabalho docente, bem como o do discente,

por meio dos instrumentos de ensino — o livro didático, o manual de ensino, os recursos

audiovisuais, os computadores, em nossa época etc. —, com vistas a produzir o maior

número possível de pessoas escolarizadas. A meta “ensinar tudo a todos” requer esta ob-

jetivação, que faz do professor um organista que executa uma partitura, uma vez que ensi-

nar é o mesmo que escrever sobre uma folha de papel em branco (MAZZOTTI, 2005, p.6).

Nos dias de hoje, século XXI, ainda temos a partitura do professor, agravada pe-

las condições políticas de termos as salas mais e mais cheias e as condições de

trabalho do professor com mais e mais aulas. Não estaria a partitura garantindo a

objetivação do trabalho e os salários mais baixos uma vez que o LD empresta ao

professor uma outra voz que não é a sua?

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E por estranha ironia, o livro didático que antes fora produzido para promover a

aliança entre o trabalho intelectual e manual e sair da exegese medieval, tornou a sala

de aula, a escola e o professor leitores de um livro só. Tal como Comenius criticava.

FUNDAMENTOS LEGAIS: AS DIRETRIZES


CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
Foi tardia no país a constituição das Diretrizes Curriculares para a Educação

Infantil. Sua regulamentação data de 1996, quando a Lei de Diretrizes e bases, LDB

9.394/1996 definiu que a Educação Infantil era a primeira etapa da Educação Básica.

Aliás, foi tardia a escola no Brasil. Até 1790, Portugal proibia na sua colônia brasileira

escolas, reuniões, jornais.

Nono (2013) observa que a Constituição Fede­ral de 1988, a Constituição Cidadã, já

reconhecia o direito da criança às creches e pré-escolas. A Constituição de 1988

observa o caráter educativo no lugar da atitude assistencialista que até então o

Brasil fazia com as crianças de zero a seis anos.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) regulamenta a

Educação Infantil, definindo-a como primeira etapa da Educação Básica e indicando

como sua finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos de ida-

de, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação

da família e da comunidade (NONO, 2013,s.p.).

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Em 1999, nesse âmbito da legislação, são criadas as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB n. 1, de 07/04/1999).

Essas Diretrizes foram revogadas pela Resolução CNE/CBE n. 5, de 17 de dezem-

bro de 2009 com a composição de novas diretrizes para a fase de zero aos seis

anos de idade da Educação Básica.

De acordo com Nono (2013) essa Resolução foi publicada no Diário Oficial de 18

de dezembro de 2009, na Seção 1, página 18. Vejamos o que prescreve para a

Educação Infantil:

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,

no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei

nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25

de novembro de 1995, e tendo em vista o Pare­cer CNE/CEB nº 20/2009, homologa-

do por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de

9 de dezembro de 2009, resolve:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil a serem observadas na organização de propostas pedagógicas

na Educação Infantil.

Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ar­ticulam-se com

as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e reúnem princípios, funda-

mentos e procedimentos definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho


Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas na área e a elaboração,

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planejamento, execução e avalia­ção de propostas pedagógicas e curriculares.

Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas

que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhe-

cimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e

tecnológico, de modo a promover o desenvolvimen­to integral de crianças de 0 a 5

anos de idade.

Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a

criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas

interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pes-

soal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, de­seja, aprende, observa, experimenta,

narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo

cultura.

Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é ofe­recida em cre-

ches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não do-

mésticos que constituem estabelecimentos educacio­nais públicos ou privados que

educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada

integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema

de ensino e submetidos a controle social.

§ 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gra­tuita e de

qualidade, sem requisito de seleção.

§ 2° É obrigatória a matrícula na Educação Infantil de crianças que com­pletam 4 ou

5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrí­cula.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

§ 3º As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matricu-

ladas na Educação Infantil.

§ 4º A frequência na Educação Infantil não é pré-requisito para a matrícula no Ensino

Fundamental.

§ 5º As vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residên-

cias das crianças.

§ 6º É considerada Educação Infantil em tempo parcial, a jornada de, no mínimo, qua-

tro horas diárias e, em tempo integral, a jornada com duração igual ou superior a sete

horas diárias, compreendendo o tempo total que a criança permanece na instituição.

Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar os seguintes

princípios:

I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respei­to ao bem

comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades.

II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à

ordem democrática.

III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liber­dade de ex-

pressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.

Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das insti­tuições de

Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopo-

lítica e pedagógica:

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos

civis, humanos e sociais;

II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a edu­cação e

cuidado das crianças com as famílias;

III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crian­ças quan-

to a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;

IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de

diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibili-

dades de vivência da infância;

V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade com­prometidas

com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento

de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional,

linguística e religiosa.

Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como

objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e arti-

culação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como

o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à con­fiança, ao respeito, à dignidade, à

brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças.

§ 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas das instituições de

Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organi-

zação de materiais, espaços e tempos que assegurem:

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo in­dissociável

ao processo educativo;

II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística,

ética, estética e sociocultural da criança;

III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valori-

zação de suas formas de organização;

IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e de mecanismos

que garantam a gestão democrática e a consideração dos saberes da comunidade;

V - o reconhecimento das especificidades etárias, das singularidades indi­viduais e

coletivas das crianças, promovendo interações entre crianças de mesma idade e

crianças de diferentes idades;

VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos

e externos às salas de referência das classes e à instituição;

VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instru­


ções

para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvi­mento e altas

habilidades/superdotação;

VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos

indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros pa­íses da América;

IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as

histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o com­bate ao racismo

e à discriminação;

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qual­quer for-

ma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou

praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias

competentes.

§ 2º Garantida a autonomia dos povos indígenas na escolha dos modos de educa-

ção de suas crianças de 0 a 5 anos de idade, as propostas pedagógicas para os

povos que optarem pela Educação Infantil devem:

I - proporcionar uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, concep-

ções de mundo e as memórias de seu povo;

II - reafirmar a identidade étnica e a língua materna como elementos de constituição

das crianças;

III - dar continuidade à educação tradicional oferecida na família e arti­cular-se às

práticas sócio-culturais de educação e cuidados coletivos da comunidade;

IV - adequar calendário, agrupamentos etários e organização de tempos, atividades

e ambientes de modo a atender as demandas de cada povo in­dígena.

§ 3º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil das crianças filhas de agri-

cultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e

acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, devem:

I - reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a

constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e

identidades, assim como a práticas ambientalmente sustentá­veis;

III - flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as diferen-

ças quanto à atividade econômica dessas populações;

IV - valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na pro­dução de

conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural;

V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as carac­terísticas

ambientais e socioculturais da comunidade.

Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação

Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brin­cadeira, garantindo

experiências que:

I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiên-

cias sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movi­mentação ampla, expres-

são da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;

II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o pro­gressivo

domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestu­al, verbal, plástica,

dramática e musical;

III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e in­teração

com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textu-

ais orais e escritos;

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

IV - recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quanti­tativas,

medidas, formas e orientações espaço-temporais;

V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades indi­viduais e

coletivas;

VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia

das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organiza­ção, saúde e bem-estar;

VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais,

que alarguem seus padrões de referência e de identidades no di­álogo e reconheci-

mento da diversidade;

VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questio­namento, a

indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao

tempo e à natureza;

IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversifi­cadas ma-

nifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotogra­fia, dança, teatro,

poesia e literatura;

X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiver-

sidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos

recursos naturais;

XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifesta­ções e

tradições culturais brasileiras;

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas

fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos.

Parágrafo único - As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta cur­ricular, de

acordo com suas características, identidade institucional, es­colhas coletivas e parti-

cularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências.

Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acom-

panhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desen­


volvimento das

crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classifica­ção, garantindo:

I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e intera­ções das

crianças no cotidiano;

II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (re­latórios, fo-

tografias, desenhos, álbuns etc.);

III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estraté-

gias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transi-

ção casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transi-

ção creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);

IV - documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da ins-

tituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e apren­dizagem da

criança na Educação Infantil;

V - a não retenção das crianças na Educação Infantil.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Art. 11. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever

formas para garantir a continuidade no processo de apren­dizagem e desenvolvi-

mento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de

conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental.

Art. 12. Cabe ao Ministério da Educação elaborar orientações para a implementação

dessas Diretrizes.

Art. 13. A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publica­ção, revogan-

do-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução CNE/CEB nº 1/99

(NONO, 2013,s.p.).

Trabalho infantil
Fonte: Conti outra (2015)

40
UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Desde então, muitos estudos e proposições práticas para a Educação Infantil fo-

ram feitas. Afirma Nono (2013, s.p.) que:

Entre tais temáticas, estão o planejamento do trabalho educativo com crianças de 0

a 6 anos, a necessária associação entre educar e cuidar nas creches e pré-escolas,

o brincar na Educação Infantil, o espaço e o tempo na Educação Infantil, o processo

de aquisição da leitura e da escrita na infância, a interação de crianças de idades

diferentes, a adaptação da criança pequena às creches e pré-escolas etc. Mais re-

centemente, algumas pesquisas têm buscado revelar o que pensam educadores,

crianças e comunidade a respeito das creches e pré-escolas brasileiras – Consulta

sobre a Qualidade do Ensino Infantil, com assessoria da Fundação Carlos Chagas,

2007 (CAM­POS; CRUZ, 2007) e outras têm apontado, inclusive, dados quantitativos

referentes ao aten­dimento da criança de 0 a 3 anos em creches no Brasil (apenas

13% dos quase 11,5 milhões de crianças brasileiras com idades entre 0 e 3 anos

frequentam creches, apesar de esse ser um direito garantido por lei, de acordo com

a pesquisa Aspectos Complementares da Educação 2004, realizada pela Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, divulgada neste ano de 2007.

Em decorrência das novas orientações a formação do professor de Educação

Infantil, tanto que as “Diretrizes Curriculares Na­cionais para o Curso de Pedagogia

(Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006) (BRA­SIL, 2006a) apontam a ne-

cessidade da formação do aluno deste curso para atuar na gestão e no ensino na

Educação Infantil” (NONO, 2013, s.p.).

Também não deixa de ser preocupação na área da Educação Infantil caminhar as

melhorias das ações pedagógicas com o avanço das políticas públicas no Brasil,

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

ou seja, a) democratização do acesso das crianças à creche e pré-escola em ter-

mos de aumento do número de matrículas e b) políticas públicas de valorização

dos profissionais da área nas esferas municipais e estaduais de ensino encaminha-

das pelo sistema federal. Houve a aprovação, para a valorização dos profissionais

da Educação Infantil do Fundo de Manutenção e Valorização dos profissionais da

Educação, o Fundeb. Ocorreu também a ampliação do Ensino Fundamental para

nove anos (ver NONO, 2013). Infelizmente, em algumas regiões os recursos do

Fundeb são utilizados nas esferas municipais e estaduais pelas secretárias de es-

porte, o que é ilegal.

Isso significa que ainda existem muitos desafios para uma real e boa educação

para as crianças pequenas. Ainda busca-se consenso das práticas, da aplicação

das políticas públicas e de propostas pedagógicas.

Para Nono (2013, s.p.) é importante destacar:

[...] a divulgação, pelo Ministério da Educação, no final da década de 1990, do

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), documento orien-

tador do trabalho a ser desenvolvido nas creches e pré-escolas, com apresentação

de ob­jetivos e conteúdos a serem trabalhados nessa etapa educacional e com orien-

tações didáticas, e relativas à avaliação do desenvolvimento da criança. [...]

Sobre ele, a professora Neide Barbosa Saisi escreve:

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, elaborado e difundido

pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC), em 1998, em consonância com

a LDB, acompanha o processo de regulamentação da Educação Infantil, mas não

se constitui em instrumento legal obrigatório a ser seguido pelos educadores des-

sa faixa etária. Consiste em um “guia de reflexão” cujo objetivo é contribuir para

a elaboração dos projetos edu­cacionais propostos pelas instituições de Educação

Infantil. O Referencial, composto de três volumes, consiste em uma resposta que o

MEC procura dar às necessidades de orientação apontadas por estudos realizados

[...]. Assim, o Referencial parte da perspectiva de ser incorporado ao projeto educa-

cional da instituição caso ele traduza a vontade dos educadores en­volvidos e atenda

às necessidades específicas de cada equipamento (SAI­SI, 2003, p.101).

[...] Outros documentos estão sendo publicados pelo MEC com o objetivo de sub-

sidiar as práticas presentes nas escolas de Educação Infantil. Entre tais documen-

tos, todos de acesso livre, via site do MEC (www.mec.gov.br), estão os Parâmetros

Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006b), Indicadores

da Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009b), Parâmetros Básicos de

Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil (2006c), Política Nacional de

Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Edu­cação (BRASIL,

2006d), Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos funda-

mentais das crianças (CAMPOS; ROSEMBERG, 2009).

No documento Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos

fun­damentais das crianças (CAMPOS; ROSEMBERG, 2009), editado pela primeira

vez em 1995, são apresentados os direitos das crianças que devem ser respeitados

pelas creches e são descritas as situações que representam o atendimento destes

direitos:

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

• Nossas crianças têm direito à brincadeira.

• Nossas crianças têm direito à atenção individual.

• Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante.

• Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza.

• Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde.

• Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia.

• Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capaci-

dade de expressão.

• Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos.

• Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade.

• Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos.

• Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adap-

tação à creche.

• Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

SAIBA MAIS
Veja o vídeo sobre referencial educacional para a Educação Infantil: um panorama.

<http://www.youtube.com/watch?v=ZbE0O6C9CBI&feature=player_detailpage&t=86>.

Trata-se de Programa do Curso de Pedagogia Unesp/Univesp, integrante da disci-

plina de Educação Infantil D13 – Abordagens Curriculares. O programa entrevista

a professora Neiva Barbosa Saisi, da PUC de São Paulo. Ela analisa o referencial

curricular nacional para a Educação Infantil (rcnei) publicado pelo Ministério da

Educação e do Desporto em 1998.

INDICAÇÃO DE LEITURA
Livros interessantes para o nosso tema:

O livro História Social da Criança e da Família, de

Philippe Ariès. São Paulo, Editora LTC.

Descreve o surgimento do conceito de infância na socie-

dade ocidental.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

O livro de Neil Postman, O desaparecimento da infân-

cia. Tradução: Suzana Menescal de A. Carvalho e José

Laurenio de Melo. Rio de Janeiro: Grafhia Editorial, 1999.

Defende a hipótese de que a infância está desaparecen-

do, uma vez que ocorre uma “adultização” das crianças

pela televisão, pela mídia em geral que pela propaganda

vende a concepção, a indumentária, os hábitos, costume

dos adultos às crianças.

O livro de John Dewey, Como Pensamos. Coleção

Atualidades Pedagógicas.

O autor, filósofo estadunidense, permite-nos, com esse

livro, inúmeras reflexões sobre o movimento de nosso

pensamento e a expansão de nossa consciência.

Você encontrará o livro em espanhol, em pdf aqui:

<http://www.sallep.net/cooperativo/C%C3%B3mo%20pensamos.pdf>.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

REFLITA
Pense sobre o que escreveu Darcy Ribeiro, antropólo-
go, idealizador da Universidade de Brasília de quem foi
reitor, foi o que construiu as escolas CIEPs em tempo
integral no Rio de Janeiro, no governo Leonel Brizola.
Também foi o idealizador da Universidade Estadual do
Norte Fluminense. Foi candidato pelo PDT a senador.
Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

FIQUE POR DENTRO


Veja o documentário sobre a Lei dee Diretrizes e
Bases. Aula sobre a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – Prof.ª Geovana Caldeira, Minas Gerais.
< h t t p : / / w w w . y o u t u b e . c o m /
watch?v=qHAf3xlHc0Q>.

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UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O(a) profissional que pretende se tornar um educador não é um docente completo

quando pega seu diploma. O diploma é o ponto de partida e não de chegada à

Educação Infantil. O docente caminhará sempre pelas fronteiras do conhecimento

como a história, a história da criança, da escola, dos livros didáticos. A legislação

é uma orientação, não é uma teoria para se educar crianças pequenas. O percurso

docente faz-se ao caminharmos.

Ao agirmos de maneira ética com nossos aluno(a)s e conosco procuraremos, todo

dia, aliar as teorias sobre o desenvolvimento mental das crianças e sobre as pro-

posições indicadas pelas Diretrizes para a Educação Infantil.

48
UNIDADE I - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

ATIVIDADES
1) Por que o conceito de infância é relativamente recente entre nós?

2) Como pensar o conceito de infância hoje quando estamos tratando de

Educação Infantil?

3) Qual a colaboração da Constituição de 1988 para as Diretrizes e Bases da

Educação?

4) Por que é importante valorizar o trabalho do educador infantil?

5) Qual ou quais são as políticas públicas para a Educação Infantil?

49
UNIDADE 2

Para além da tradição escolar:


dimensões políticas, éticas e
pedagógicas
Luzia Marta Bellini

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Compreender a criança para pensar a Educação Infantil.


• Analisar o valor da ética na educação das crianças.

PLANO DE ESTUDO

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Quem educamos quando entramos na vida docente


• Ética, conhecimentos e escola
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

INTRODUÇÃO: EDUCANDO UMA CRIANÇA OU UM


ADULTO EM MINIATURA?2
“Se o indivíduo é passivo intelectualmente, não conseguirá ser livre moralmente”.

Jean Piaget

Apesar de os documentos nacionais sobre o que significa educar uma criança e os

objetivos que devemos seguir, a escola ainda insiste em confundir a educação de

uma criança com a educação de um adulto em miniatura.

Piaget em Psicologia e Pedagogia, criticando a escola que toma a criança como

adulto em miniatura perguntou: a infância é um “mal necessário” ou as caracterís-

ticas da inteligência infantil têm uma significação funcional que nos permite pensar

outra pedagogia, a pedagogia da ação?

Se tivermos o ponto de vista de uma sociedade burocratizada vamos ver a infân-

cia como um “mal necessário” e daí todas as ações dos adultos sobre as crian-

ças se direcionarão a moldá-las em conformidade com as regras, nem sempre

2 Este texto é uma versão modificada do capítulo do livro Educação, construtivismo e ética, pu-
blicado em 1996, Editora Gráfica São Paulo, Porto Ferreira, São Paulo, de Luzia Marta Bellini e
Adriano Rodrigues Ruiz .

53
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

democráticas, da sociedade adulta. Nesse caso, a criança é vista como um adulto

em miniatura, mas, infelizmente, um adulto ignorante que a escola vai tornar um

homem ideal.

Piaget, ao longo de 60 anos de sua vida como pesquisador da lógica infantil, contrariou

a visão dominante sobre a infância, e mostrou que o mundo das crianças constitui-se

de elementos lógicos, morais e de afetividade diferentes dos adultos. Essa constata-

ção, em nosso entender, transformou um conjunto de ciências que trata da vida e da

educação das crianças pequenas. É por isso que, em Piaget, podemos encontrar duas

concepções de infância quando procuramos dar resposta a sua pergunta.

São elas: uma educação unilateral, pela qual a criança é chamada a receber de

fora os produtos do saber e da moral dos adultos. Uma educação pautada na

reciprocidade na qual a criança é compreendida como um ser em formação que

tem inteligência e é curiosa. Nesse segundo caso, Piaget (1975) diz: “[...] a criança

tende a se aproximar do estado adulto não é mais recebendo totalmente prepara-

das a razão e as regras da boa ação, mas conquistando-a com seu esforço e suas

experiências pessoais” (pp.140-141).

Em nossa cultura essas duas concepções conflitam entre si. Uma pratica uma edu-

cação que acredita em uma criança como um cérebro em branco; a outra age em

54
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

uma pedagogia da troca com os pequenos. Na segunda perspectiva, a criança não

vai ser “algo quando crescer”, ela já é. É um ser que pensa, levanta hipóteses sobre

o mundo e amplia seus pontos de vista e seus conhecimentos conforme troca expe-

riência, linguagem, conhecimentos.

No primeiro caso, a pedagogia utilizada é a transmissora de conhecimentos, aquela

em que o professor(a) fala e a criança repete. Nesse sentido, assume-se a conduta

de instruir a criança para se torna um “homenzinho a instruir, moralizar e identificar

o mais rapidamente possível os seus modelos adultos” (PIAGET, 1975, pp.139-40).

Para, então, fazermos algumas reflexões em torno das duas visões de infância

apontadas por Piaget, tentaremos levantar duas tendências sobre a educação das

crianças: a primeira que concebe a criança como adulto e o conhecimento como

cópia, e a segunda que concebe como igual – em seus direitos humanos – e, ao

mesmo tempo, radicalmente diferente dos adultos – na sua forma (e conteúdo) de

construir as relações morais, afetivas e cognitivas.

A primeira concepção, diremos, está circunscrita a uma velha ética, e a segunda

possibilidade de uma nova ética, despida da pressão, dos preconceitos e dos en-

traves a uma relação mais aberta e feliz.

55
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

UMA VELHA ÉTICA: CONSERVAR A CRIANÇA COMO


ADULTO E O CONHECIMENTO COMO CÓPIA
A infância concebida como mal necessário deságua, como afirma Neumann3, em

uma psicologia do bode expiatório, em uma ética individualista com valores cano-

nizados pelo coletivo e por uma educação utilitarista.

A psicologia do bode expiatório é uma característica de nossa cultura: tendemos a

projetar no outro nossas tensões, frustrações ou desejos. Na escola, essa psicolo-

gia faz com que apontemos na criança, no método ou no conteúdo, os problemas

para os quais não temos respostas imediatas.

As premiações dos “melhores” alunos (ou os mais dóceis, obedientes, disciplina-

dos) e as humilhações dos outros (pela avaliação, pela dilapidação da autoestima,

pelo preconceito de cor, do credo religioso) são os exemplos de uma ética fundada

no mundo e no individualismo às custas da canonização dos valores coletivos da

cultura ocidental.

O exemplo mais claro é quando o professor elogia seu aluno preferido enaltecen-

do-o e ao mesmo tempo provocando uma cisão nos demais alunos: o melhor, e os

3 NEUMANN, Erich. Psicologia Profunda e Nova Ética. Trata-se de um estudo na perspectiva


junguiana.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

outros, os “piores”. Essa divisão que enobrece o nobre e desqualifica os que não

alcançam os objetivos do adulto traduz uma fé positivista na ordem e no progresso.

É a velha ética judaico-cristã que leva o indivíduo a se identificar com os valores cole-

tivos confundindo, portanto, os seus próprios limites de indivíduo e os da sociedade.

A infância para essa perspectiva constela-se como mal necessário, um período da

vida dos pequenos de domesticação física, cognitiva e moral. Em termos corporais

vemos que os pequenos são precocemente treinados para reprimir suas “emo-

ções” (ex-movere), seus gestos espontâneos e naturais.

Cognitivamente a criança é obrigada a se dividir entre o que aprende em sala de

aula e o que apreende no dia a dia. E, em sua construção moral, fica vinculada às

regras e normas impostas pelo adulto; torna-se heterônomo4.

Esse movimento ocorre porque educar, como enfatiza Piaget (1975)‚ adaptar a

criança ao meio social adulto, o que significa “transformar a constituição psico-

biológica do indivíduo em função do conjunto de realidades coletivas as quais a

consciência comum atribui algum valor” (p.139).

4 Heterônomo diz respeito ao indivíduo que apenas obedece, não recria, apenas repete. Ao con-
trário do indivíduo heterônomo existem os que desenvolvem uma autonomia intelectual, moral
e afetiva.

57
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Todavia, lembra Piaget, se de um lado temos uma criança em desenvolvimento,

do outro temos os valores sociais, intelectuais e morais, os quais o educador está

encarregado de iniciá-la. Nesse caminho, o educador esquece-se da criança e sua

vida, de sua lógica e acaba por conceber a educação apenas como simples trans-

missão dos valores coletivos. Ou seja, apenas da perspectiva do educador, que‚ o

da vida adulta, da sociedade adulta.

A educação, nesse sentido, preocupa-se mais com o homem do que a criança e

suas transformações cognitivas e morais. Mais com a imitação do que com a con-

quista dos valores sociais. Nesse sentido, os conhecimentos difundidos na escola,

se fazem pela técnica da cópia e da repetição. Em outras palavras, transmitem-se

os conhecimentos com fundamentação na epistemologia empiricista, a que afirma

que o pequeno aluno é uma “tábula rasa” na qual se imprime o conhecimento.

Acerca dessa epistemologia Piaget (1975) ressalta que:

A escola tradicional impõe ao aluno a sua tarefa: ela o “faz trabalhar”. Sem dúvida

a criança pode colocar nesse trabalho uma parte maior ou menor de interesse e de

esforço pessoal, e na medida em que o professor‚ um bom pedagogo, a colaboração

entre os alunos e ele deixa uma margem apreciável atividade verdadeira. Mas, dentro

da lógica do sistema, a atividade intelectual e moral do aluno permanecem heterô-

nomas porque são ligadas à pressão contínua do professor, suscetível, por sua vez,

seja de manter-se inconsciente, seja de ser aceita de bom grado (p.154).

58
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Fonte: Shutterstock

Piaget (1975) critica aqui a educação via transmissão de conhecimentos porque

esta pensa a criança como adulto, isto é, como “um ser que raciocina e pensa

como nós, mas desprovidos de conhecimentos e experiências” (p.163).

A epistemologia genética contrapõe-se a essa concepção conservadora da crian-

ça e de sociedade. Podemos dizer que ela é um golpe radical na visão da infância

como “mal necessário”, porque para Piaget, em cada idade, cada criança tem suas

maneiras de pensar. Ou como dizia Piaget, nasceu gente, nasceu inteligente.

O tipo de relação social na perspectiva da transmissão de conteúdo é o da ação do

professor sobre o aluno. Prevalece-se, na relação ensino-aprendizagem, a trans-

missão de valores coletivos às crianças. Então, podemos perguntar se é mesmo

socializada a forma como as crianças são educadas na escola.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Se trabalha a transmissão dos valores sociais, a direção‚ sempre é unilateral; o

sentido é do professor para o aluno5, não há uma interação professor(a) e aluno(a),

entre aluno(a)s e aluno(a)s. Vemos o sentido unilateral pelo treinamento pelas tare-

fas: repetir letras 10 vezes, copiar o desenho, copiar as 20 vezes, os números na

sequencia de zero a 10. Essas aulas repassam costumam ser apenas uma justapo-

sição de trabalhos individuais executados em um mesmo esforço, na sala de aula

como uma fábrica. Nessa perspectiva, inculcam-se valores e/ou conhecimentos

históricos (e, até mesmo, “críticos”), porém, como em uma fábrica “cada um está

para si”, disputando o prêmio se chegar primeiro (ou canonizar os valores que os

professores lhes transmitem).

Fonte: Shutterstock

5 Aqui entendemos que estamos falando da escola tradicional: aquela que se fundamenta em
uma epistemologia empiricista, ou seja, na transmissão do conhecimento e da cultura.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Valores coletivos e uma ética individualista, eis um problema que passa pelas rela-

ções sociais (e, portanto pedagógicas) das crianças.

Diz Piaget (1975): “O que‚ então, é a infância? E, como ajustar as técnicas educa-

tivas a serem ao mesmo tempo tão semelhantes e tão diferentes de nós?” (p.156).

A epistemologia genética deu um grande passo quando demonstrou que os pe-

quenos têm diferentes modos de pensar. Outros pensadores da cultura como Carl

Jung, Freud, W. Reich também contribuíram com a reflexão sobre a infância.

Tentaremos trabalhar com algumas noções da epistemologia genética e alguns

elementos da psicologia analítica e de elementos dos trabalhos de W. Reich para

apontarmos uma nova relação entre educação e ética.

POR UMA NOVA ÉTICA: A CRIANÇA COMO SER


IGUAL E RADICALMENTE DIFERENTE DO ADULTO
A epistemologia genética e, muitos já reconhecem isso hoje, é uma das poucas

ciências que trata da inteligência como construção. E, essa compreensão, inevita-

velmente, conduz a uma práxis na qual a liberdade, a democracia e o respeito recí-

proco entre educador e educando são seus pressupostos. Não é possível separar

a criança e sua educação dos valores básicos que constroem uma sociedade.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Se a inteligência advém de uma atividade verdadeira, como afirmam os educado-

res e epistemólogos genéticos, então a infância pode e deve ser concebida como

um período de profundas transformações.

Uma dessas transformações radicais, e que a educação contribui de modo sau-

dável, é promover o encontro das crianças umas com as outras. Esse encontro

significa a possibilidade de sair da atmosfera familiar e se relacionar, conhecer

e tolerar pessoas diferentes. Jung (1978) diz que a escola é a “primeira parte do

grande mundo real”. Na escola: “O êxito do ensino não depende do método. De

acordo com a verdadeira finalidade da escola, o mais importante é não abarro-

tar de conhecimentos a cabeça das crianças, mas sim contribuir para que elas

possam tornar adultos de verdade” (JUNG, 1978, p.60).

Para Jung, a escola deve ajudar a criança, o jovem “a torná-lo consciente de si

próprio”. Nesse sentido, para esse estudioso da alma humana, mais que pensar a

educação das crianças é preciso refletir sobre a educação dos educadores.

Também W. Reich dedicou-se a esse tema. A educação dos educadores é a pre-

missa básica para um ensino que não canonize os valores coletivos por meio de

uma ética individualista, mas para a conquista do que foi (e é) produzido historica-

mente. E, essa conquista só se pode dar por meio de uma relação recíproca entre

62
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

a criança e o adulto.

Em outras palavras, só a cooperação leva à autonomia intelectual e moral. Em

Reich, Jung e Piaget, embora autores distanciados por seus projetos de estudo,

vemos esse pressuposto para o desenvolver-se dos pequenos.

Porque a educação dos educadores é imprescindível? Para a psicologia analítica

e para a psicologia reichiana, entendemos que traduzem a necessidade de uma

nova ética. Assim quando o educador apontar um “cisco no olho do educando”

terá como se perguntar se esse “cisco” também não está presente no olho dele.

Vejamos o que é esse “cisco”. Quando o educador se aborrece porque suas crian-

ças estão curiosas pelo sexo dos coleguinhas é preciso que ele se pergunte por

que se aborrece, antes de incriminar a “má conduta” de seus alunos. Ou, por exem-

plo, outro professor que agride um aluno negro e repetente em sua aula. A quem

ele está se dirigindo? Porque ele no meio de muitos alunos interpela ou se sente

incomodado por “aquele aluno”?

Reich em seu livro Elementos para uma Pedagogia Anti-Autoritária, escrito

com a pedagoga soviética Vera Schmidt, repensa toda conduta ética do profes-

sor que se aventura no mundo infantil. É o que chama de o “trabalho do educa-

dor sobre si mesmo” para poder tomar atitudes justas em relação às tendências

63
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

instintivas infantis e dos jovens.

Deve tentar tornar conscientes as próprias tendências instintivas recalcadas e re-

conhecer nelas as semelhanças com as manifestações que encontra nas crianças.

Se apesar dos esforços não conseguir [...] então faria melhor em renunciar de forma

geral ao trabalho de educador (s.d, p.27).

Não deve haver, lembra Reich, para o educador que fica ao lado dos pequenos,

crianças amadas e pouco amadas. Deve, sim, estar alerta para o seu próprio pro-

cesso pessoal, pois ele interfere no das crianças. Não deve elogiar a criança, mas

sim seus atos; a criança, por seu lado deve ser adaptada voluntariamente à reali-

dade, deve poder se identificar com o ambiente de maneira tranquila, sem pressão,

sempre de maneira cooperativa.

Nesse caminho:

O educador não pode contentar-se em ser o portador da cultura apenas passivo,

mas deve também desenvolver ativamente a cultura, e isto por meio da educação de

si próprio. Sua cultura não deve estacionar, pois de outro modo começará a corrigir

nas crianças o defeito que não corrigiu em si mesmo (JUNG, 1978, p.62).

Em uma nova ética, a criança deve ser tomada como igual: um pequeno ser, como lembra

Reich, que é a parte vital da humanidade. Do mesmo modo, deve ser tomada como ra-

dicalmente diferente: seus sentimentos, sua lógica e sua conduta moral são respostas de

64
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

um longo processo de construção que envolve seu corpo, sua cognição e suas emoções

na direção da conquista de sua socialização e, portanto, da razão e da moral autônoma.

Assim, um novo paradigma ético para a práxis educativa deve necessariamente ter

a criança como construção em uma caminhada rica e de grandes transformações.

Esse caminho pressupõe:

• o educador que repensa sobre si mesmo junto ao educando que o tem como

“modelo”;

• educador e educando em uma relação benevolente, em um sistema de ajuda

mútua, em uma solidariedade especial que ultrapasse a pressão do adulto e

a obediência cega ao verbalismo mental e moral dos adultos;

• o educador que consiga ter o “deus Eros” como amálgama de sua relação

com seus alunos, isto é que não se sinta obrigado a gostar dos alunos, mas

que gosta de estar com eles;

• o educador que reconheça seus limites, isto é, os limites de seus conheci-

mentos científicos e os limites de sua vida pessoal; saiba reconhecer sua

alegria, sua tristeza, sua inveja, sua admiração, seu egoísmo, ou seja, seus

sentimentos.

65
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Sem essas condições será difícil para o educador suportar-se e suportar as crian-

ças. A infância é barulhenta, diz Suzanne Mollo, e, então, ela requer outras aten-

ções, mais preciosas e menos autoritárias do que aquelas que, nós educadores,

aprendemos na velha tradição da ética que enxerga a infância como um mal neces-

sário, uma etapa necessária, porém sem possibilidades.

FIQUE POR DENTRO


Veja o documentário Escolarizando o Mundo e pense sobre o conceito de
desescolarização.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

O filme examina o pressuposto escondido da superioridade cultural por


trás dos projetos de ajuda educacionais, que, no discurso, procuram ajudar
crianças a “escapar” para uma vida “melhor”.
Aponta a falha da educação institucional em cumprir a promessa de retirar as
pessoas da pobreza – tanto nos Estados Unidos quanto no chamado mundo
“em desenvolvimento”.
E questiona nossas definições de riqueza e pobreza – e de conhecimen-
to e ignorância – quando desmascara o papel das escolas na destruição
do conhecimento tradicional sustentável agroecológico, no rompimento
das famílias e comunidades, e na desvalorização das tradições espirituais
ancestrais.
Finalmente, ESCOLARIZANDO O MUNDO faz um chamado por um “diálogo
profundo” entre as culturas, sugerindo que nós temos, ao menos, tanto a
aprender quanto a ensinar, e que essas sociedades sustentáveis ancestrais
podem ser portadoras do conhecimento que é vital para nossa própria so-
brevivência no próximo milênio (In: <http://www.youtube.com/watch?v=6t_
HN95-Urs>. Acesso em: 22 ago. 2013).
Link para o documentário: <http://www.youtube.com/watch?v=6t_HN95-
Urs&list =WLEF19611C226C4FF9>.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

INDICAÇÃO DE LEITURA
Livro O Desenvolvimento da Personalidade, de Carl

Jung. Editora Vozes, Rio de Janeiro.

Livro de psicologia analítica no qual podemos ler em al-

guns capítulos sobre a educação de crianças e o papel

do adulto nessa caminhada.

Livro enriquecedor, indispensável para educadores, mes-

tres, médicos, profissionais e estudantes de Psicologia e

pra todos que desejam entender sobre a formação da personalidade. Completo,

Jung descreve nos diversos arquivos que formam o livro, a natureza da personali-

dade de forma clara e distinta, em uma visão dinâmica da psicanálise discordan-

te de Freud. Para sua compreensão utiliza- se termos como Daimon ou Berserk,

guiando-nos para áreas delicadas do entendimento, Sugerindo locais ocultos e

obscuros. Nesse caminho convida- nos a abrir a mente para o conhecimento ex-

presso além do subjetivo. Para os entendedores, permite obter a sabedoria que

somente um seleto grupo de investigadores procura e são capazes de enxergar.

Sacia pelo encontro, instiga a procura através da mente iluminada, puro e fascinan-

te vai muito além da visão psicológica científica.

68
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Livro Psicanálise da Alfabetização.

Um estudo psicanalítico do ato de ler e aprender, de

Bruno Bettelheim e Karen Zelan. Editora Artes Médicas.

Trata-se de um livro bastante interessante que mostra

como podemos incentivar o ato de ler e escrever pen-

sando a psicanálise, a afetividade, a relação de amizade.

REFLITA
Pense na poesia de Carlos Drummond de Andrade, nosso sublime poeta
mineiro e fale da criança que será educada.

69
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

FIQUE POR DENTRO


Filme: Somos Todos Diferentes

O filme conta a história de Ishaan

Awasthi, de 9 anos que tem dislexia e

custa a ser compreendida. Trata do sis-

tema educacional indiano. Awasthi re-

petiu uma vez o terceiro período e corre

o risco de repetir de novo. Não conse-

gue compreender as letras porque elas dançam na sua frente. Seu pai trata-o com

rispidez porque pensa que ele não tem disciplina. Acaba levando-o a um internato, o

que o torna deprimido. No internato a disciplina empregada é a mesma de um animal.

Inesperadamente, um professor substituto de artes entra em cena e logo perce-

be que algo de errado estava pairando sobre Ishaan. Não demorou para que o

diagnóstico de dislexia ficasse claro para ele, o que o leva a por em prática um

ambicioso plano de resgatar aquele garoto que havia perdido sua réstia de luz e

vontade de viver.

Link: <http://www.youtube.com/watch?v=fiftCor2cXM>.

70
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Filme: Temple Grandin

Cinebiografia da jovem autista Temple Grandin que mos-

tra o processo educativo desde criança até sua formatura

e doutorado em zootecnia. Como autista tinha sua ma-

neira particular de ver o mundo, se distanciou dos huma-

nos, mas chegou a conseguir, entre outras conquistas,

defender seu doutorado. Com uma percepção de vida

totalmente diferenciada, dedicou-se aos animais e revolucionou os métodos de

manejo do gado com técnicas que surpreenderam experientes criadores e ajuda-

ram a indústria da pecuária americana.

Link: <http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-temple-grandin-dublado-online.html>.

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UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta Unidade falamos sobre postulados que orientam as relações en-

tre adultos e crianças, particularmente em ambientes escolares. Denominamos de

“velha ética” aquela sustentada por princípios epistemológicos empiricistas e de

“nova ética” a que tem origem na epistemologia genética e em pensadores como

Jung e Reich.

Nessa discussão procuramos deixar evidente a necessidade de mudança nas rela-

ções éticas entre professor e aluno. Pensando nessa possibilidade, uma pergunta

ganha significado: que trajetória permitiria a mudança de paradigma ético?

São necessários passos que exigem enorme ousadia, pois se faz indispensável

transgredirmos, ou, no mínimo, colocarmos sob suspeição “verdades” óbvias e

seculares, como estas:

• o bom aprendizado é fruto de um bom ensino;

• aluno que segue atentamente as recomendações dos professores torna-se

um aprendiz competente;

• o silêncio na sala de aula é um indicador da seriedade e competência do

professor;

72
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

• alunos estudiosos e obedientes têm como recompensa boas notas;

• alunos bons têm cadernos limpos e são ordeiros;

Esse edifício construído com “verdades” óbvias, sustentáculo da “velha ética”, so-

mente começará perder sua solidez se: 1) na educação do educador, o tempo

gasto com aprendizagem de técnicas de ensino for destinado ao estudo da crian-

ça; 2) o sonho da uniformidade de comportamento for substituído pelo respeito à

diversidade; 3) se a unicidade na forma de aprender der espaço a estilos cognitivos

divergentes, e finalmente, se 4) pudermos compreender a infância como um perío-

do de profundas e ricas transformações.

Assim estaremos caminhando em direção a um novo paradigma ético: abandonan-

do a ideia de infância como “mal necessário” e respeitando-a como um período em

que vale mais seu enriquecimento do que suas imitações do mundo adulto.

73
UNIDADE II - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

ATIVIDADES
1) Por que a Educação Infantil inspira zelo, atenção e ética?

2) Como definimos ética na e para a Educação Infantil?

3) O que é uma educação com postulados empiristas?

4) Como podemos transformar a criança em um aprendiz curioso e alegre?

5) Como pensar o respeito às crianças em seu processo de educação?

74
UNIDADE 3

Para uma educação infantil


polidimensional

Luzia Marta Bellini

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Analisar o conceito de educação unidimensional e polidimensional.


• Compreender o que é educação alternativa.

PLANO DE ESTUDO

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Educação unidimensional
• Educação polidimensional
• Espaços alternativos para a Educação Infantil
UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

INTRODUÇÃO
“Nasceu gente é inteligente”. 

Jean Piaget

esta Unidade vamos falar do que é uma educação unidimensional na qual o(a)

professor(a) é posto como o especialista em ensinar e o que é uma educação po-

lidimensional, uma visão de professor como educador andarilho de fronteiras de

conhecimentos diversos para educar crianças e jovens. Isto porque queremos falar

de profissionais que se voltam para o educacional ciente da existência de vários

“lugares” que comportam vida inteligente.

A EDUCAÇÃO PENSADA DE FORMA


UNIDIMENSIONAL
Nós, educadores, quando somos vistos por óculos da simplificação, somos pen-

sados como profissionais unidimensionais, ou seja, especialistas em ensinar, que

se orientam pelo tecnicismo. Esse paradigma simplificador produz um tipo de pro-

fessor(a) hábil para trabalhar em cenários educacionais unidimensionalizados, que

têm essas características:

77
UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

• acreditam que temos uma massa de conhecimentos que precisamos por na

cabeça das crianças como uma coletânea de verdades;

• creem que a criança é ignorante e deve ser transformada por um mergulho

nos chamados procedimentos escolares;

• pensam que o professor tem que medir a sua eficiência pelo quanto de sua

fala os alunos conseguem repetir.

Fonte: Shutterstock

Já a educação concebida de forma polidimensional é uma significativa fonte de an-

gustiantes preocupações. Por quê? Porque o(a) professor(a) formado(a) nessa dire-

ção precisa romper com hábitos seculares, costumes enraizados e partir para uma

aventura de estudos, de criatividade, de sensibilidade e sempre buscar o novo.

78
UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

Se o exercício da arte de ensinar, for unidimensional, pode ser que o docente so-

mente enxergue as obviedades da escolarização: disciplina, poder, neutralidade

etc. E isso é nada mais do que uma ideologia e ingenuidade. Pensando nisso, tra-

zemos Cruz (1978, p.77) que afirma:

Toda ideologia é um sistema de força – com sua lógica e rigor próprios – e de repre-

sentações dessa força (através de imagens, mitos, símbolos, conceitos colectivos),

dotado de existência e papel histórico no seio de uma sociedade. É um sistema que

se apresenta como o sustentáculo da ordem, do Equilíbrio, da ordem racional – do

Pensamento – em que “por-ordem-nas-coisas” (e nas pessoas) é “dar razão” delas.

Daí que afirmar a desordem é renunciar a pensar; “por ordem nas coisas” é “pensá-

-las rigorosamente”, sistematicamente, dedutivamente (como no pensamento abso-

luto). É a lógica do necessário, transposta para o real e o virtual. É a negação de toda

a vida, de todo o dinamismo.

Fonte: Shutterstock

79
UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

A educação, pensada assim, é ingênua e mistificadora: o educador se especializa

em ensinar o conhecimento pensado pelo “gênio” e organizado pelo especialista.

Daí ele parte para a prática da transmissão do conhecimento pensado pelo outro.

O aluno, nesse contexto, é uma figura genérica, uma simples fração do coletivo,

deslocado de sua cultura, de seus valores, de suas práticas sociais, despido de sua

subjetividade etc. A universalidade das estratégias de ensino impõe a eliminação

da localização étnica do sujeito, impondo, também, a negação de sua individuali-

dade como portador de uma identidade cognitiva, afetiva e moral.

A ideia de ensinar situa-se no campo da técnica e lembra instrução, lição, transmis-

são, fixação etc. Esse processo lembra o estabelecimento de relações sensivelmen-

te assimétricas: o professor atuando sobre os alunos. Os sonhos educacionais,

nessa perspectiva, repousam na elaboração de materiais e estratégias engenhosas

para transmitir conhecimentos. Os resultados, decorrentes desses esforços, são ab-

solutamente irrelevantes do ponto de vista cognitivo. Essa forma de se posicionar,

em relação ao conhecimento, faz do educador um instrumento da preservação de

ideologias, geralmente, implícitas. Por exemplo, a excludência dos que insistem em

conservar sua identidade cultural, cognitiva e moral.

Um especialista genérico em ensinar, apenas veicula discursos recheados de “ver-

dades”. Ele assume, como seu mister, transportar essas verdades para o espírito

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de cada um de seus alunos. Esse é o espaço da educação ideológica e ingênua.

É o espaço do não pensamento, dos conceitos impostos de fora, da obediente re-

petição dos discursos oficiais. Os sucessos produzidos por esses esforços são de

natureza meramente regulatória ou, como diz Maurício Tragtenberg, para formar

mão de obra dócil.

Além disso, a ação educativa constituída nesse paradigma produz as “escolas pa-

ralelas” ou as equipes de tratamento, como chama Maud Mannoni em seu livro a

Educação impossível. A enorme quantidade de fracassos escolares e de alunos

qualificados como portadores de problemas escolares tem feito crescer as “esco-

las paralelas”, sejam clínicas psicológicas ou escolas que atendem crianças para

aprender, por exemplo, matemática com outro método mais eficaz. São instituições

especializadas para suprir as deficiências da escolaridade obrigatória. Há outra fá-

brica de ideologia atrás da pedagogia da uniformidade: as que se sustentam sob

ideologias de normalização, de correção médico-psicopedagógica. Uma variedade

de profissionais cresce para atender a todo tipo de fracasso escolar. Hoje, o que

temos também as pedagogias medicalizantes. Usa-se ritalina para todos(as) o(a)s

aluno(a)s que não ficam sentados, que querem conversar, falar, brincar. Sabemos,

todavia, que a ritalina é um remédio para “aparar” crianças que não se submetem

ao silêncio ou à repetição de regras.

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Uma das questões não discutidas é esta: atende, a escolarização obrigatória, à di-

versidade de pensamento das crianças na escola? Compreendem, os médicos e

psicólogos, que o problema escolar decorre de uma política pedagógica que masca-

ra a diversidade do pensar entre as crianças e entre os jovens? Em outras palavras,

compreendem, aqueles que cuidam de corrigir os erros das crianças, a dimensão

cognitiva dos pequenos e jovens?

O problema se constitui em tomar consciência de que a educação, sob o para-

digma uniformizante, tem colaborado exclusivamente em reafirmar a política do

Estado reproduzindo fielmente as estratégias tecnicistas, ora sob o nome do “co-

nhecimento”, ora sob o “social”. Esse modo confuso de pensar a educação pode-

mos ver quando como assinala Mannoni, os próprios docentes e educadores falam

em busca de “identidade”, de novos meios de ensinar etc.

O DESPRESTÍGIO PROFISSIONAL E INTELECTUAL


O docente, pondo-se nessa posição subalterna em relação ao conhecimento pla-

nejado externamente a ele, tem criado amplas aberturas para o seu desprestígio

profissional e intelectual. O seu fazer é visto como sendo técnico. Quantas vezes

já ouvimos este qualificativo para bom professor: ele tem jeitinho para ensinar.

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O fazer educativo, reduzido a uma dimensão técnica, sustenta-se num amontoado

de enunciados, de senso comum, consagrados no entorno e no interior da escola.

Adágios populares, ricos em conotação ideológica, fornecem fundamentos para

o não pensamento. Retratando isso, circulam no meio escolar frases como estas:

É de pequenino que se torce o pepino.

Filho de peixe, peixinho é.

Pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto.

É nesse contexto que, fazendo-se transmissor de ideias não pensadas por ele, o

profissional do ensino lamenta sua depreciação profissional e intelectual, mas fica

conformado a uma situação construída para ele.

Noam Chomsky, no documentário de TV, O Consenso Fabricado, descreve esse

processo como longa e massificante a construção que torna as pessoas iguais

em seus desejos, em sua política: é o consenso fabricado. No caso da escola,

esse consenso atende aos interesses da política burocrática das secretarias de

educação, aos conteúdos selecionados por especialistas “administrativos” e li-

vros didáticos.

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Nesse percurso o professor apenas aluga sua voz aos mandarins do poder.

Podemos ler em Piaget (1975, p.22) que esse problema é bem antigo na escola de

1º e 2º graus. Comentando os obstáculos da pedagogia e formação docente, diz:

[...] o mestre-escola deve limitar-se a um programa e aplicar os métodos que lhe

são ditados pelo Estado (com exceção de certos países como, em princípio, a

Grã-Bretanha), ao passo que o médico, por exemplo, depende muito mais de sua

Faculdade e da sua Ordem profissional do que do Ministério da Higiene ou da Saúde

Pública. Não resta dúvida que os ministérios são, sobretudo, constituídos por educa-

dores, mas que apenas administram, não lhes restando tempo para se consagrarem

à pesquisa. É notório que frequentemente os ministérios tomam a precaução de

fundar e consultar os Institutos de Pesquisa [...], mas mesmo assim a autonomia

intelectual específica do corpo docente permanece, em todos os casos, extrema-

mente reduzida, se comparada com as demais profissões liberais.

Este é um dos problemas apontados por Piaget que se junta a outros, como à

própria formação empobrecida dentro das licenciaturas, nas quais disciplinas com

receitas de como ensinar pretendem garantir a arte e a ciência da profissão. O

professor, assim formado, é presa fácil das lições do Estado; resta-lhe cumprir o

ensino que lhe é imposto, com rigor, pela administração da escola.

Se formos educados dessa forma, fechados em vasos incomunicáveis, sem

acesso a outros profissionais e institutos de pesquisa, o docente se vê despres-

tigiado pela sociedade, econômica e socialmente. Torna-se defensor de uma

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política e de uma instituição que não o valorizam. É a servidão voluntária de que

fala Etiénne de laBoétie.

Os governantes sabem a massa que têm em suas mãos e se valem dela nas elei-

ções, quando o velho discurso sobre dinheiro e qualidade para educação são re-

tirados da mala de fazer votos. Assim, cria-se um espaço no qual opiniões são

apenas falas autorizadas daqueles que detêm o poder político e econômico e de

um séquito de mandarins subalternos, serviçais da política que mantêm o recruta-

mento, a hierarquia e a ideologia do corpo docente.

A EDUCAÇÃO PENSADA EM FORMA


POLIDIMENSIONAL
A tomada de consciência das limitações que o paradigma simplificador nosso im-

põe é um convite para que procuremos colocar a educação num universo multi-

dimensional, permitindo que percebamos a não existência de soluções simples e

perenes para problemas complexos. Isso nos ajudaria a pensar a partir de certezas

relativas e provisórias das ciências e de nossas próprias convicções pessoais.

A educação nessa dimensão, livre de dogmas, permitiria que nos abríssemos a

diversas perspectivas, munindo-nos da necessária humildade para um trabalho

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efetivamente interdisciplinar. Esse paradigma, não simplificador, é uma utopia que

vai se construindo à margem do mundo escolar estabelecido. A educação “enxer-

gada” por meio dele é uma ciência profundamente interdisciplinar, constituindo-se

em uma autêntica confederação de fronteiras.

Nesse terreno, o desafio é abrir múltiplos espaços para se pensar e praticar edu-

cação, por exemplo, formando andarilhos que saibam transitar entre fronteiras da

pedagogia com a psicologia, a sociologia, a matemática, a biologia, a antropologia,

a física, a inteligência artificial, entre outras ciências. E, isso, em um contexto em

que ethos e ciência transitem por rotas convergentes. Nessa perspectiva, o conhe-

cimento passa a ser pensado como atividade e processo, perdendo o status de

mero legado das gerações anteriores.

Identificamos a educação centrada no ensino como sendo pretensamente neu-

tra e, em consequência, ingênua e ideológica. Entendemos a educação, quando

colocada em um contexto interdisciplinar,como potencialmente poderosa para

superar as amarras ideológicas. Diante do quadro, assim delineado, fica uma

interrogação: como reinventar a educação?

Nesse século, a temática, abordando educação, passa por um radical processo de

enriquecimento. Há, hoje, um explícito convite para a inserção da educação em um

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universo onde o ensinar padece de um forte processo de deterioração e, por outro

lado, o educar ganha significância.

Educar situa-se no campo da interação e lembra diálogo, preocupações com

desenvolvimento intelectual e moral, desafios, aprendizagens, parcerias, com-

promissos éticos, localização étnica etc. Esse processo, por não se fundamentar

em dados a priori, nos convida a pensar em conhecimentos e sabedorias e, por

extensão, a transitar por entre ciências e, também, buscar relações pessoais que

tendam à simetria.

Os problemas atuais da educação não ideológica transcendem o campo do ensinar

e desafiam o professor a ser um educador. A educação teria de enfrentar desafios

como este colocado por Papert: formar aprendizes competentes.

Pensar em formar aprendizes competentes implica abandonar a serena seguran-

ça, sustentada em estereótipos cristalizados, e assumir um universo povoado de

incertezas. Aqueles a priori, citados anteriormente, artífices da serena segurança

da escola de ontem e de hoje, transformam-se em questões desafiadoras:

• um professor que sente prazerem se envolver na aventura de trabalhar cria-

tivamente com conhecimentos; que procura inventar e reinventar usos para

os conhecimentos; que conhece a não magia dos currículos escolares, dos

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livros didáticos e da burocracia escolar; que tem sensibilidade para perceber

que umas pessoas se apaixonam pela ciência, outras pela poesia etc.;

• uma criança localizada etnicamente é uma constante incerteza, pois é uma

filósofa. Ela quer construir, em nível de representação, o mundo em que vive.

Quer compreender as múltiplas tramas que percebe; para isso, faz muitas

perguntas e cria muitas hipóteses explicativas. A criança precisa de inter-

locutores para confrontar suas ideias, ou seja, precisa de parceiros para a

aventura de ler e reler um mundo em processo de construção;

• um mundo multidimensional para ser pensado e ser conhecido, repleto de

mitos, lendas, sabedorias, sonhos, ciência e poesia. Um mundo de múltiplas

culturas e de múltiplas racionalidades.

Isso exige que reinventemos nossos conceitos sobre educação das crianças e jo-

vens. Nessa reinvenção, ela precisaria ficar livre das amarras da neutralidade, ser

não ingênua e não ideológica. Esta questão, em nossa leitura, faz parte da busca

da construção de um novo lugar para se pensar conhecimentos.

O educador, na rota de construção da dignidade de sua profissão, precisa, tam-

bém, construir-se como alguém ligado à pesquisa e à ciência. Piaget (1970, p.69)

já alertava para isso:

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[...] é na pesquisa e através dela que a profissão professor deixa de ser uma simples

profissão e ultrapassa mesmo o nível de uma vocação efetiva para adquirir ao mes-

mo tempo a dignidade de toda profissão ligada ao mesmo tempo à arte e à ciência,

pois a ciência da criança e a da sua formação constituem mais do que nunca domí-

nios inesgotáveis.

A educação, nessa dimensão para além dos limites impostos pela cultura do ensi-

no, será, necessariamente, interdisciplinar, desenvolvendo-se em áreas de frontei-

ras com outros conhecimentos, como, por exemplo, com a psicologia, a antropo-

logia, a matemática, a biologia, a linguística etc.

O compromisso com a contemporaneidade significa o abandono do papel regula-

tório do ensino um passo importante na construção de um humanismo preocupado

com o respeito à pluralidade de ideias, de racionalidades, de anseios etc. Para isso,

em um primeiro passo, seria fundamental inventar uma escola que não negasse o

hoje da criança impondo o ontem como modelo.

FIQUE POR DENTRO


Vejam as entrevistas de Mario Sérgio Cortella, professor de Ética da PUC,
São Paulo, e de Rubem Alves, A escola ideal.
Ser um bom professor, por Mario Sérgio Cortella.

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UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

O link: <http://www.youtube.com/watch?v=dz4lMxhVTEI>.

Rubem Alves – A Escola Ideal – o papel do professor.

Link: <http://www.youtube.com/watch?v=qjyNv42g2XU>.

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metodológicos da Educação Infantil

INDICAÇÃO DE LEITURA
Livro Aprendizagem Escolar e Construção do

Conhecimento, de César Coll, Porto Alegre, Artmed,

1994.

O autor expõe pesquisas sobre as atividades espontâne-

as de exploração de crianças de 6 a 13 anos, sendo um

importante referencial para a Educação Infantil. Apresenta

os processos psicológicos de investigação da realidade

a partir de uma perspectiva psicogenética com um conjunto de investigações na

partir de uma perspectiva de psicologia da criança.

Livro Alfabetização no Brasil: Uma história de sua histó-

ria. Maria do Rosário Longo Mortari (Org.) São Paulo:

Editora UNESP; Marília, SP: Oficina Universitária, 2012.

Trata-se de um livro que apresenta a trajetória da história

da alfabetização no Brasil. Uma contribuição para os que

se propõem a investigar a alfabetização, as práticas es-

colares de leitura e escrita e os manuais escolares.

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UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

REFLITA
Reflita sobre o texto de Paulo Freire: Carta aos professores.

Fonte: <http://catracalivre.com.br>

“Ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve signi-


ficar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem compe-
tência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsa-
bilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se
preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua ativida-
de docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua
formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se
bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma forma-
ção permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de
sua prática”.

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metodológicos da Educação Infantil

FIQUE POR DENTRO


Veja os filmes: The Wall
Pink Floyd The Wall é um filme de
1982, produzido por Alan Parker,
diretor britânico. O roteiro é do vo-
calista da banda Pink Floyd com se-
quencias de animação pelo cartunis-
ta político Gerald Scarfe. Há no filme
uma sequencia de crianças em uma
escola, mostrando crianças transfor-
madas em carne moída, metáfora da escola padronizada.
O link: <http://www.youtube.com/watch?v=MkDtPDQ7XTc>.

O filme A Sociedade dos Poetas Mortos


É um filme de 1989. Narra o professor de inglês
John Keating, por Robin Willians, que chega para
lecionar em um tradicional colégio para rapazes e lá
rompe com os tradicionais e arcaicos métodos da
escola. Com isso, desperta a paixão pela literatu-
ra em seus alunos inspirando os alunos a sonhar e
buscar utopias.
Busque o filme pelo link: <http://telecineplay.
com.br/?url=http://telecineplay.com.br/filme/
sociedade-dos-poetas-mortos/&gclid=CKHrxbz7h7kCFU6Z4AodZzkA9A>.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Espero que ao final desta unidade você tenha compreendido o que é uma edu-

cação unidimensional e uma educação polidimensional, bem como a importância

dos pensamentos de autores como Piaget e Rubem Alves acerca da educação

unidimensional e polidimensional.

Acima de tudo, que você possa sempre refletir acerca da educação como cami-

nho para o crescimento pessoal e formação de pessoas críticas, sendo assim que

você seja capaz de encontrar soluções para os problemas educacionais existentes,

queira sempre aprender para contribuir para a evolução educacional e acima de

tudo saiba compreender a melhor maneira de transformar a educação de modo

que esta esteja de encontro com a sociedade e o público educacional a se atingir.

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UNIDADE III - Fundamentos teóricos e
metodológicos da Educação Infantil

ATIVIDADES
1) Por uma educação polidimensional. Descreve um dos caminhos possíveis.

2) Uma educação unidimensional é neutra. Você concorda com uma escolariza-

ção neutra? Por que?

3) Quais os princípios de uma educação infantil polidimensional?

4) Como repensar uma educação para crianças que está sendo feita de maneira

unidimensional para uma educação polidimensional?

5) Como você faria um projeto pedagógico para uma escola de educação infantil

de forma a alcançar algumas dimensões mais criativas?

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CONCLUSÃO
Iniciamos essas considerações, pensando em dois paradigmas; um de caráter de

uniformidade que atribui à escola um caráter regulatório e outro que concebe o

educador/educação como andarilho de fronteiras, um docente interdisciplinar. Isso

porque estamos preocupados com espaços educacionais alternativos e sabemos

que é impossível a formação de uma educação com condutas coletivas (em que

as relações de reciprocidade e solidariedade sejam predominantes) sem que os

indivíduos sejam intelectualmente e moralmente autônomos.

Daí entendermos que a escola deva existir como instância importante para a cons-

trução de uma cultura da responsabilidade pessoal na perspectiva da construção

da autonomia moral e intelectual.

Com preocupações situadas nesse universo interdisciplinar Emília Ferreiro

(1991, p.51) diz:

O que sabemos é que os professores que se atrevem a dar a palavra às crianças e a es-

cutá-las descobrem rapidamente que seu próprio trabalho se torna mais interessante (e in-

clusive mais divertido), embora seja mais difícil porque os obriga continuamente a pensar.

O desafio substantivo poderia ser localizado nesta argumentação de Viviane

Forrester (1997, p.80), em seu livro O horror econômico:

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[...] o ensino poderia pelo menos adotar como meta oferecer a essas gerações mar-

ginais uma cultura que desse sentido à sua presença no mundo, à simples presença

humana, permitindo-lhes adquirir uma visão geral das possibilidades reservadas aos

seres humanos, uma abertura sobre os campos de seus conhecimentos. E, a partir

daí, razões de viver, caminhos a abrir, um sentido para seu dinamismo imanente.

O legítimo ato de educar não seria o de transitar por caminhos, ainda não construí-

dos, na constante busca de rupturas com as amarras que dificultam nosso processo

de humanização? Essa é a nossa questão quando falamos em Educação Infantil.

Em resumo, poderíamos dizer que o propósito maior deveria ser formação de edu-

cadores que transcendessem nossa secular cultura escolar. Temos que ser agen-

tes de desconstrução do arcaico. E, ao mesmo tempo, temos que ser sujeitos da

construção de uma cultura escolar orientada pelo inquieto espírito investigativo

do buscar conhecimentos; do inventar e reinventar uso dos conhecimentos; do

transitar por diferentes ciências; do caminhar por lugares epistêmicos diversos; do

pensar a partir de multirracionalidades.

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REFERÊNCIAS
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http://poracaso.com/antigamente-em-jaragua-do-sul-a-historia-e-curiosida-
des-da-escola-de-ensino-medio-abdon-batista/. Acesso em: 27 out. 2016.

5. CRUZ, Antonio Oliveira. A teoria de Piaget e os mecanismos de produção


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7. FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Editora UNESP, 1997.

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1978.

9. MANNONI, Maud. Educação impossível. Rio de Janeiro: Francisco Alves,


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10. MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Didacografia, a arte de ensinar tudo a todos.


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11. MIRANDA, Carlos Eduardo Albuquerque. OrbisPictus. Revista Pro-Posições, v.


22, n. 3. Campinas sept./dec. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
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15. NASCIMENTO, Claudia Terra do; BRANCHER, Vantoir Roberto; OLIVEIRA,


Valeska Fortes do. A construção social do conceito de infância: algumas
interlocuções históricas e sociológicas. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/
gepeis/wp-content/uploads/2011/08/infancias.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2013.

16. NONO, Maévi Anabel. Breve Histórico da Educação Infantil no Brasil. Acervo
digital da UNESP – Departamento de Educação – Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/
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18. ______. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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20. ______. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1975.

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23. TV EDUCATIVA DE SÃO PAULO/SP. Vídeo Chomsky e a mídia, nov. 1995.

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