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Ore Rohai
Copyright do Texto © 2022 by Vladimir Borges de Silveira
REVISÃO
Manoel Rodrigues
DIAGRAMAÇÃO
Henrique dos S. Mosciaro
CAPA
Henrique dos S. Mosciaro
Imagens da Capa
Canva
2022
Esta edição possui todos os direitos reservados a
Vladimir Borges de Silveira
vladimirbsilv@gmail.com
tumblr.com/vlad-bs
wattpad.com/user/vl4dbs
Sumário
Morto, tenente.
Autor
Àqueles que foram perseguidos, torturados e mortos durante a ditadura militar de
1964. Vocês foram dados como terroristas na época e hoje são dados como
desaparecidos, mas jamais serão esquecidos.
Aviso ao leitor
A seguinte história apresenta violência gráfica, uso de arma branca
(faca), mutilação, sangue, e relatos históricos sobre tortura.
A intenção não é causar qualquer espécie de desconforto ao leitor,
pode interromper sua leitura caso sinta qualquer tipo de incômodo.
Morto, tenente.
O cidadão perfeito.
"Ravi, como podem ter feito isso com um senhor tão doce e
inocente?", disse uma de suas vizinhas.
Claro que era revoltante ver aquilo acontecendo, como poderiam ter
cometido uma atrocidade dessas? Até mesmo mordidas e arranhões de rato
em seu ânus foram encontradas, ele havia sido torturado e humilhado antes
de ser morto.
Ele foi encontrado sem dois dedos, seus dois dedos mindinhos.
Isso me fez lembrar da única coisa que tenho em casa de meu pai que
ele nos deixou depois de desaparecer: seus dedos. Eles chegaram em uma
caixa, no meio da noite. Minha mãe chorou muito naquele dia e desde então
soube que meu pai havia nos deixado.
Mamãe faleceu há uns dez anos, e seu Santos estava sozinho. Assim
como eu estava, decidi então me aproximar.
Por muito tempo confiei nele, até duas semanas atrás quando
encontrei, em meio ao lixo, diversas pastas e cadernos com nomes de
pessoas que até então estavam dadas como desaparecidas.
8
Levar à prefeitura, pedir para cavarem e se deparam com as ossadas.
Dentre elas uma estava sem os dedos mindinhos.
Queria vê-lo sofrer. Queria que ele morresse da mesma forma que ele
matou todas aquelas pessoas que foram encontradas há duas semanas no
assentamento de um dos coronéis da polícia militar da cidade.
9
Minha mãe me contou de uma técnica de tortura que usavam, eles
colocavam um rato dentro de uma chaleira, colocavam o bico da chaleira na
bunda do preso e esquentavam, fazendo com que o pobre animal buscasse
sair pelo buraco da chaleira e entrasse na cavidade anal daquele que
estivesse detido para ser "interrogado".
Nas barras de ferro que haviam sido instaladas ali com a intenção de
que se fizessem flexões, encontro um outro funcionamento para elas: servir
de pau de arara. Quando uma pessoa está viva, ela ainda resiste para que
não seja morta ou amarrada em uma posição desconfortável como aquela,
não tive outra escolha que não desacordá-lo.
10
Batendo sua cabeça contra a estrutura de concreto que sustenta a
barra de ferro, uma mancha de sangue surge no concreto pintado de
branco. Eu preferia que fosse pintado de outra cor como azul ou verde, mas
vermelho deixa um tom especial naquele lugar. Traz uma certa vivacidade à
praça, que até então era monocromática.
Gritava com todo ar que lhe restava nos pulmões, mas nada se
entendia por conta da mordaça que levava em sua boca.
Ante seu corpo, agora sem qualquer vida, ergo o facão novamente e
corto seus dois dedos mindinhos.
11
— Suas coisas já foram colocadas dentro de sua nova casa, Seu Ravi
— diz o rapaz da mudança.
12
Autor
Sou filho do caos da mente de outro ser que é tão sombrio quanto eu, mas
que não se atreveu a vivenciar minha essência escura da forma que deveria.
Minha luta contra o mundo pauta-se em escrever suas injustiças em forma
de atrocidades que levantem uma reflexão moral acerca do que realmente é
correto.
Defunto escritor, Vladimir Borges de Silveira é aquele que assume,
escreve e assina todos os seus pensamentos sombrios na maior
naturalidade.
Em outubro de 2022 fundou junto a mais dois autores o Coletivo de
Escritores Brasiguayos Ore Rohai, com a intenção de trazer visibilidade a
autores brasiguayos.