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Por isso é
necessário compreender que a preservação do patrimônio construído depende de sua plena
utilização. Entretanto, a importância do uso frequentemente é relegada a um segundo plano nas
Na abordagem desse assunto, tema central do trabalho aqui apresentado, avalia-se a ação
institucional na preservação do patrimônio construído por meio da análise de diversas experiências
de reabilitação urbana e conservação de monumentos e da formação teórica e prática do arquiteto
de patrimônio.
Reconhecendo que cada família arquitetônica tem vocações específicas derivadas da sua função
original, deduz-se que o principal desafio da reutilização do patrimônio edificado reside em
conciliar as exigências ditadas pelo novo uso com as peculiaridades do monumento. Para examinar
essa questão, desenvolve-se uma análise das tipologias arquitetônicas com exemplos de intervenções
na arquitetura oficial (militar e administrativa), na arquitetura civil (urbana, rural, industrial e de
armazenamento e transporte) e na arquitetura religiosa.
Preservação
do patrimônio edificado:
a questão do uso
Cyro Corrêa Lyra
Preservação do
patrimônio edificado:
a questão do uso
Autor
Ministro da Cultura
Juca Ferreira
Diretoria do IPHAN
Andrey Rosenthal Schlee
Luiz Philippe Peres Torelly
Marcos José Silva Rêgo
Robson Antônio de Almeida
Vanderlei dos Santos Catalão
Coordenação editorial
Sylvia Braga
Edição
Ana Lúcia Barreto de Lucena
Preparação e revisão
Denise Ceron
Projeto gráfico
Edson Fogaça Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca Aloísio Magalhães, Iphan
Capa e Diagramação
L992p
Cristiane Dias Lyra, Cyro Corrêa.
Preservação do patrimônio edificado : a questão do uso /
Ilustrações Cyro Corrêa Lyra. – Brasília, DF : Iphan, 2016.
308 p., 23X30 cm. (Arquitetura, 5)
Cyro Corrêa Lyra
ISBN 978-85-7334-287-1
www.cultura.gov.br
Autor
Sumário
Apresentação 7
Introdução – Casa vazia ruína anuncia 11
Parte I – A reutilização como instrumento de preservação 17
Capítulo 1 – A preservação da obra de arquitetura 18
Arquitetura: forma e função 18
Reutilização nas Cartas patrimoniais 24
Apresentação
Apresentação
São raros os arquitetos como Cyro Lyra, autor deste trabalho, ora publicado na Coleção Arquitetura,
do Iphan. Cyro é um profissional completo, daqueles que podem fazer bonito em qualquer dos lados em
que a cena se desenrola. Se em vez da arquitetura tivesse escolhido o cinema, seria roteirista, diretor e ator.
Com este último trabalho, se firma também como crítico e historiador do seu vasto campo de interesse.
Conheci o Cyro, junto com o arquiteto e colega do Iphan José La Pastina e alguns dos últimos mestres
telhadeiros de Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes, ensinando, ali mesmo no canteiro de obras, a solucionar
o complexo telhado da Capela das Dores de Ouro Preto, complexo não só por suas dimensões e técnica
de construção, mas sobretudo pelas imperfeições de origem, que o tempo acabou assimilando e tornando
indissociáveis do monumento. Depois, passei a conviver com ele contando histórias do patrimônio na
África, falando do Rio, de Lapa no Paraná, das fortificações e dos conventos, das soluções adotadas na
restauração do Paço Imperial, dos debates sobre o patrimônio, aqui e pelo mundo afora.
Em posições de direção, de assessoria ou como conselheiro, por longo tempo no Iphan, mas também
na Secretaria de Cultura no Paraná, seu extenso e persistente percurso acompanha boa parte da trajetória
da política de preservação no Brasil e no mundo. Participou da construção das ideias que, ao longo dos
anos, foi sendo materializada nas Cartas patrimoniais, às quais dedica um capítulo deste livro. E o fez não
só como membro ativo ou representante do Brasil em organizações profissionais internacionais, como o
Icomos e o ICCROM, mas como um restaurador moldado com as mãos na massa, testando os conceitos
em pedra e cal e lidando com desafios e carências de toda ordem, seja de mão de obra, de recursos, seja
da premência do tempo, das condições sociais, dos entraves da burocracia, especialmente cruéis quando se
trata do patrimônio.
Professor por vocação, formulador de programas e cursos de formação profissional na área do
patrimônio, transita confortavelmente entre gerações, com a legitimidade de quem tem muito a contribuir
e com a humildade de quem sempre se dispõe ao novo. Sua tese de doutoramento que dá origem a
esta publicação resulta de um momento de maturidade plena, situação rara nos dias de hoje, em que a
titulação acadêmica tem sido buscada cada vez mais prematuramente nos percursos profissionais, quase
como decorrência imediata da graduação.
Embora fosse mais do que merecido, este “currículo comentado” não pretende homenagear o autor,
discreto e pouco dado a rapapés. Serve sobretudo para demonstrar que nenhum de nós que atuamos hoje
na preservação do patrimônio no Brasil poderia ter escrito sobre esse tema de forma tão genuína, com
tanta intimidade com os fatos, com os programas, projetos, obras e seus contextos, com os enigmas e
desafios que cada um deles carrega.
Além de uma síntese da ação e do pensamento sobre o patrimônio, este livro resulta em uma espécie
de conclamação para o aspecto menos maduro e mais central da política de preservação hoje, que é a
intensificação e atualização do uso e da apropriação, seja dos monumentos, seja dos sítios urbanos protegidos.
Embora teoricamente aceito e frequentemente enfrentado, por vezes com estratégias mais abrangentes, por
vezes menos, o problema continua muito mal resolvido no Brasil. Falha em decorrência de programas
arquitetônicos pouco imaginativos, resultado de visões ainda restritas, mas falha principalmente devido à
pouca articulação da política de patrimônio com as demais. Não é nada desprezível, para esse quadro de
baixa utilização, a contribuição vinda de uma certa “sacralização”do patrimônio, resultado de décadas de
militância preservacionista, defensiva e demandante de afirmação, que cumpriu papel insubstituível, mas
cujo foco pede hoje atualização e abertura para novos atores e novos valores.
Como abstrair a questão do uso dos monumentos e sítios urbanos quando se tem, apenas sob proteção
do Iphan, mais de mil e duzentos bens tombados, não só monumentos, mas também sítios urbanos
que abrangem, no total, algo como cem mil imóveis? Como buscar solução para o acervo imobiliário
remanescente da extinta Rede Ferroviária Federal? Ou para grandes áreas portuárias, industriais e atacadistas,
ociosas porque a atividade econômica se transformou e porque sua localização em áreas centrais perdeu o
sentido? Ou ainda para conventos e seminários que não têm mais a centralidade na vida social que tiveram
até o início do século XX e hoje estão vazios ou subutilizados, com sérios problemas de manutenção?
Como preservar os bens de propriedade do poder público, tais como fortificações, prédios administrativos,
antigas fazendas e outros imóveis doados ou desapropriados, que, ao longo dos anos, foram conformando
o acervo do Iphan e da SPU, a Secretaria de Patrimônio da União? O quadro se complica ainda mais
quando imóveis de grande valor cultural localizados nos centros históricos pertencem a proprietários que
não possuem nenhuma capacidade de investimento, como as organizações religiosas, ordens terceiras e
santas-casas, ou, nos casos ainda mais graves, quando os imóveis fazem parte de espólios quase insolúveis,
resultantes de longos processos de abandono pelas famílias mais abastadas.
Mais do que resolver problemas de segurança e manutenção, dar uso a esses imóveis, incorporando-
os amigável e naturalmente à dinâmica cotidiana, é o que nos faria cumprir o verdadeiro sentido da
preservação. Falta experimentar instrumentos mais articulados a outras políticas, sobretudo a urbana e a
de habitação. Mas falta também, entre os preservacionistas, a convicção de que esse é o único caminho
possível, urgente e incontornável. Por isso, o livro que o Cyro generosamente nos entrega, mais do que nas
nossas estantes, deve ocupar espaço de destaque nas nossas mentes e nas nossas mesas de trabalho.
Introdução
Casa vazia ruína anuncia
A importância do uso para a conservação dos bens arquitetônicos é do conhecimento de todos aqueles
que lidam com a preservação do patrimônio. Muitos restauradores, no entanto, concentram-se quase
exclusivamente nos aspectos físicos da obra e terminam por não enfrentar o problema de conciliar o
objetivo de permanência inalterada do bem com a mudança constante dos hábitos dos usuários. Intervém-
se na obra de arquitetura da mesma maneira que se restaura a obra de arte visual. Essa desatenção decorre
da incompreensão do fato de que a arquitetura, por sua funcionalidade, distingue-se fundamentalmente
das outras artes.
Se foi tão clara para os pensadores antigos e modernos a natureza funcional da arquitetura, por que
no enfrentamento de sua preservação a obra arquitetônica é tratada como um objeto destinado apenas à
fruição visual, sem se levar em conta seu uso cotidiano? Se seus elementos físicos decorrem em grande
parte da função do edifício e constituem componentes essenciais na caracterização da obra arquitetônica,
como sempre entenderam aqueles que se dedicaram à história e à teoria da arquitetura, por que nas
intervenções restaurativas isso não é considerado?
Procurando responder a essas indagações, na primeira parte deste livro examina-se a importância dada
ao assunto na história da preservação, destacando-se a experiência francesa, que influenciou a organização
da proteção do patrimônio no Brasil. Em seguida, apresenta-se a abordagem da utilização do patrimônio
edificado nas resoluções internacionais, conhecidas como Cartas patrimoniais, desde a de Atenas, datada de
1931, até a de Sofia, formulada em 1996.
Relata-se, em seguida, o caminho percorrido entre o reconhecimento do valor dos centros históricos,
institucionalizado por sua proteção legal, e as intervenções que visam a sua reabilitação. É analisada
a evolução dos conceitos e métodos para a preservação dos sítios urbanos detendo-se nos projetos
desenvolvidos em alguns centros históricos europeus, como Bolonha, Ferrara, Porto e Barcelona.
Depois dessa passagem pelas experiências europeias, é desenvolvida a segunda parte do livro, na qual
se aborda a experiência brasileira por meio de uma revisão da história da ação federal de preservação do
patrimônio construído, abrangendo a formação teórica e prática do arquiteto de patrimônio. Ao rever essa
história, percebe-se que a necessidade de responder aos desafios de conservar e restaurar constituiu a
base do que batizamos de escola informal de patrimônio – uma formação que teve como fundamentos o
conhecimento da arquitetura tradicional brasileira e a prática de sua conservação. Foi influenciada pela
escola francesa de restauração, consequência natural das raízes culturais daqueles que construíram o sistema
Na terceira e última parte do livro, aborda-se a reutilização como instrumento de preservação dos bens
arquitetônicos. O bem imóvel enfocado é aquele construído artesanalmente, ou seja, o que se poderia
classificar como exemplar da antiguidade edilícia brasileira reconhecida como patrimônio cultural.
O problema da renovação do uso do patrimônio edificado no Brasil é analisado segundo as vocações
pertinentes a cada família arquitetônica. Inicia-se pela arquitetura oficial, compreendendo a militar, representada
pelas fortificações, e a administrativa, que abrange palácios e casas de câmara e cadeia. Segue-se com a
análise da arquitetura civil, que envolve a residencial urbana, a rural, a industrial e a de armazenamento e
transporte. Finalmente, aborda-se a arquitetura religiosa. Para exemplificação, são apresentados projetos e
obras de restauração executados no Nordeste, no Sudeste e no Sul do Brasil. A importância da relação
afetiva dos fiéis com o espaço religioso encerra o último capítulo.
Nas considerações finais, apresentam-se reflexões acerca da formação do arquiteto de patrimônio, da ação
compartilhada dos diversos agentes de preservação e das experiências integradas de reabilitação urbana
com revitalização e de conservação/restauração de monumentos com reutilização e reabilitação. São
estabelecidos critérios para a conciliação da restauração física com a reutilização, com base na concepção
de que o patrimônio construído só é de fato preservado quando plenamente utilizado. Por fim, propõem-
se algumas diretrizes para a adaptação dos monumentos a novos usos.
Referências e fontes
O embasamento deste livro é a tese de doutorado que desenvolvi em 2005 na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, sob a orientação da professora doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Intitulada
Casa vazia, ruína anuncia: a questão do uso na preservação de monumentos, a premissa da tese é a constatação de que a
utilização do monumento arquitetônico foi frequentemente relegada a segundo plano ao longo da história
da restauração do patrimônio edificado.
Foi de grande valia na realização deste livro o que aprendi em quase meio século de experiência em
projetos e obras no campo da preservação do patrimônio. Tive a oportunidade de contar no início com
dois grandes mestres, os arquitetos Augusto Carlos da Silva Telles e Luís Saia, ambos já falecidos, e, ao
longo de minha trajetória, com os companheiros de trabalho, a maioria pertencente ao quadro técnico do
Iphan. Entre esses, quero ressaltar José La Pastina, leitor paciente e, sobretudo, crítico, pela contribuição
que deu ao que escrevi por meio de observações e correções sempre pertinentes.
Na fase de edição, registro meus agradecimentos ao apoio recebido de Ana Lúcia Lucena e Cristiane
Dias, por meio de uma troca intensa de mensagens eletrônicas.
Finalmente agradeço a Sylvia Braga a oportunidade de juntar estes escritos às obras de valor cuja edição
coordenou no Iphan.
Parte I
A reutilização como instrumento
de preservação
A preservação da obra de
arquitetura
As ruínas têm, geralmente, história semelhante: foram edifícios que, em algum momento, ficaram ociosos.
Ao perder sua função, entraram em processo de decadência física até quase desaparecer. Reduzidas a pedaços,
tornaram-se testemunhos materiais de arquiteturas mortas e não mais restauráveis. Grande parte dos edifícios
centenários que chegaram até nossos dias, por sua vez, deve sua longevidade à conservação e à manutenção
asseguradas pelo uso contínuo.
O aspecto atual de um edifício antigo, entretanto, não corresponde necessariamente ao original. Esse aspecto
é, em geral, o resultado de adaptações realizadas ao longo do tempo para que o edifício continuasse a servir.
Antes de a noção de valor histórico ser incorporada à construção das nacionalidades, as modificações eram feitas
exclusivamente em nome da reutilização do edifício, acarretando, frequentemente, perdas irreversíveis.
A agregação de valor cultural ao edifício antigo, promovendo-o a monumento,1 remonta ao início do
século XV, quando se registraram, em Roma, as primeiras ações em defesa das construções de épocas passadas.
Essas ações eram protestos contra o que chamaríamos hoje de canibalismo de Coliseu, em Roma, Itália, 1976.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.
edificações arruinadas, representado pela retirada de materiais nobres para
reaproveitamento em outras construções ou mesmo para transformação em cal.2
Do Coliseu, por exemplo, o mais imponente dos monumentos romanos,
durante séculos foram extraídas toneladas de mármore travertino para
reutilização. Esse canibalismo teria sido interrompido no fim do século XVI,
durante o pontificado de Sisto V, caso se concretizasse a ideia de transformação
do Coliseu em um complexo industrial e habitacional.3
O projeto de Sisto V era adaptar o monumento para nele instalar uma
tecelagem de lã conjugada a habitações para os operários. Isso não se realizou e
a dilapidação prosseguiu por mais dois séculos, até o pontificado de Bento XIV,
quando o local foi consagrado à memória dos mártires cristãos. Foi salvo por
lhe reconhecerem um sentido, uma nova função, a de rememoração:
Il più imponente dei monumenti romani, il Colosseo, che aveva fornito da secoli
material da construzione per le più importante fabbriche dela cità, fu il primo edifício
a richiedere opere di consolidamento di rilevanti impegno data la straordinaria
grandeza delle sue architecttura e le condizioni di pericolosità in cui si trovavano
i grandi blocchi di travertino dal giorno in cui Benedetto XIV (1740-1758),
consacrandolo ai Martiri Cristiani, ne aveva fato cessare l’asportazione.4
A dificuldade em aceitar a reutilização dos monumentos estaria na origem Mausoléu de Cecília Metela, na Via
Ápia, em Roma, Itália, 1976. No alto
da formação do pensamento preservacionista francês, haja vista a observação do
da parede, veem-se as ameias construídas
primeiro inspetor-geral dos monumentos históricos da França, Ludovic Vitet na Idade Média, quando a edificação foi
(1802-1873), ao lamentar o fato de as catedrais continuarem a servir ao culto:
10 transformada em torre de defesa. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.
“O uso é uma espécie de vandalismo lento, insensível, despercebido, que arruína
e deteriora quase tanto quanto a brutal devastação”.11
O protesto de Vitet pode ser explicado como uma reação ao vandalismo
que grassou em seu país nas primeiras décadas do século XIX. Com razão,
ele se escandalizou com adaptações abusivas como a realizada na torre em
que Joana D’Arc foi mantida prisioneira pelos ingleses. Reciclada para uso
como restaurante com pista de dança, a torre ainda recebeu um teto de pombal,12
adicionado pelo proprietário. O inspetor também fez notar que o vandalismo
não era exclusividade dos proprietários particulares, mas também uma prática
das administrações públicas.13
A repulsa à reutilização do monumento pode ser debitada, além disso, ao fato de Vitet não ser arquiteto,
mas um estudioso de arte, apaixonado pela arqueologia. As ruínas, não os monumentos vivos, eram sua
paixão, conforme demonstrou ao comparar seus sentimentos aos de seu sucessor no cargo de inspetor-geral
dos monumentos históricos da França:14 “Mérimée admire les beaux monuments, mais il n’a jamais senti ses
yeux se mouiller à l’aspect de leurs ruines”.15
Não era ele o único a se emocionar diante das ruínas. Do mesmo sentimento comungavam românticos
como John Ruskin, que foi enlevado pelo “sublime de los estragos y de las rupturas, en el sublime de
la pátina y de la vegetación que asemeja la arquitectura a las obras de la Naturaleza y dan el color y las
formas que universalmente apetece la vista del hombre”.16
Esse sentimento levou Ruskin a condenar a restauração sem fazer distinção entre a ruína, isto é, a
arquitetura morta, e o monumento arruinado, ou seja, a arquitetura doente, mas passível de ser recuperada.
Não por acaso, Vitet e a maioria dos que se envolviam naquele momento com a questão da preservação17
de monumentos estavam fascinados pelas descobertas da arqueologia e, em decorrência disso, influenciados
pela visão do arqueólogo, de acordo com a qual uma restauração alterava objetos que constituíam preciosas
fontes de informação. A preocupação do arqueólogo com a permanência inalterada das ruínas estendia-se
aos edifícios arruinados, o que gerava uma postura sacralizadora do monumento e, consequentemente, a
defesa de sua intocabilidade.
Entretanto, a real necessidade de recuperar monumentos, principalmente aqueles de caráter religioso,
danificados pela onda de anticlericalismo que sucedeu a Revolução Francesa, resultou em um período de in-
tensos trabalhos de restauração que revelariam a importância de sua reutilização para uma efetiva preservação.
Ao assumir a Inspetoria-Geral dos Monumentos, Mérimée buscou a assessoria do arquiteto Eugène
Viollet-le-Duc, encontrando nele um conselheiro, um guia indispensável.18 A questão da restauração
de monumentos que deveriam voltar a servir mostrou-lhe a importância da utilização para a efetiva
preservação da obra arquitetônica. Foi com base em sua experiência, provavelmente, que Viollet-le-Duc,
ao escrever seu Dictionaire Raisonné de l’Architecture, incluiu no verbete “Restauração” observações sobre a
importância do uso do monumento que, até então, não tinham sido registradas e revelou a existência de
uma postura diametralmente oposta – a do arqueólogo teórico –, que postulava a inalterabilidade da obra:
Uma vez que todos os edifícios que se restauram têm uma utilização, são destinados para um serviço, não se pode
negligenciar este aspecto de utilidade, para fechar-se inteiramente no papel do restaurador de antigas disposições fora
de uso. Saído das mãos do arquiteto, o edifício não deve ser menos cômodo do que antes da restauração. Muito
frequentemente, os arqueólogos teóricos não levam em conta estas necessidades e reprovam duramente o arquiteto
por ter cedido às necessidades presentes, como se o monumento que lhe foi confiado fosse coisa sua, como se ele não
devesse cumprir os programas que lhe foram impostos.19
Convém ressaltar que a ausência de utilização figura entre as causas da decadência de uma edificação,
pois a permanência em ociosidade por muito tempo pode ter consequências danosas, como a degradação
física dos materiais. Nas palavras da engenheira e restauradora estrutural Silvia Puccioni:
Em muitos casos, edificações, especialmente as antigas, permanecem por longo tempo fechadas, inabitadas e, portanto,
sem uma ventilação sistemática. A falta de aeração, daí decorrente, dos ambientes, necessária para a redução do
nível de umidade interna, facilita em muito a degradação dos edifícios, abrindo caminho para a infestação de insetos
e colônias biodegradadoras, além de provocar a desagregação dos materiais de construção.20
O cumprimento de uma função utilitária faz parte da natureza do objeto arquitetônico. Essa
particularidade é uma das características que distinguem a arquitetura das artes plásticas, como observou
Giulio Carlo Argan:21
É preciso que se pare de considerar a arquitetura como uma das “belas-artes” e se reconheça que é a primeira das
técnicas urbanas, à qual, portanto, cabe toda a responsabilidade da gestão da cidade e de suas transformações.22
Como o mito é da essência do fenômeno artístico da arquitetura e também o é da pintura, escultura e demais
belas-artes, poderia parecer, como em geral parece aos que fazem crítica da arquitetura, que a estrutura interna
do fenômeno arquitetônico é equiparável à das outras belas-artes. Tal, entretanto, não acontece, pois a natureza
específica daquele leva a uma ordem de compromissos desconhecidos pelo exercício lúdico das outras artes. A
gratuidade pura que pode existir na música, na pintura, na literatura e na poesia é totalmente estranha ao campo
da arquitetura. Na verdade, a arquitetura também pode ser objeto de pura contemplação gratuita, mas nesse caso
particular encontra-se totalmente destituída de um atributo essencial: a sua natureza necessariamente funcional.25
Não se pode deixar de observar que, desde a Antiguidade, ressaltou-se a funcionalidade como
característica diferenciadora da obra arquitetônica. Para Vitrúvio,26 “a arquitetura é composta de:
ordenamento, disposição, eurritmia, proporção, conveniência e distribuição”. Já no Renascimento, Leone
Battista Alberti27 sintetizou as qualidades da arquitetura na tríade firmitas, commoditas et voluptas,28 mais tarde
alterada para utilitas, firmitas et venustas.29 Essa última definição – utilidade, estabilidade e beleza – revela o
processo de geração da obra arquitetônica: a função como motivação, a construção como viabilizadora do
motivo gerador da obra e, finalmente, a conclusão como resultado estético.
No Modernismo, a tríade foi simplificada e substituída pelo binário forma e função, adotando-se na
arquitetura a bandeira do funcionalismo e o slogan “a forma segue a função”. Os estudiosos desse período
da história da arquitetura interpretam o binário do ponto de vista da técnica construtiva, mas entendemos
que se deva estender seu significado, traduzindo a palavra função como “utilização”.30 É oportuno lembrar
a definição de arquitetura apresentada por Lucio Costa:31
Arquitetura é construção concebida com uma determinada intenção plástica, em função de uma determinada época, de
um determinado meio, de um determinado material, de uma determinada técnica e de um determinado programa.32
Carta de Atenas
Em outubro de 1931, foi divulgada a Carta de Atenas, documento resultante da reunião do Escritório
Internacional dos Museus, realizada na capital da Grécia sob o patrocínio da Sociedade das Nações.33 Na
primeira parte das “Conclusões gerais” da Carta, relativa às doutrinas e princípios gerais da proteção dos
monumentos,34 há uma referência ao uso dos monumentos:
A conferência recomenda que se mantenha uma utilização dos monumentos que assegure a continuidade de sua
vida, destinando-os sempre a finalidades que respeitem o seu caráter histórico ou artístico.35
Dois anos depois, também em Atenas, a questão do uso dos monumentos foi abordada no Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam),36 mas o assunto não foi mencionado no capítulo sobre
o patrimônio histórico das cidades, nas resoluções desse congresso, consolidadas sob a denominação
homônima de Carta de Atenas.37
A maioria dos arquitetos que participaram do Ciam de Atenas era europeia. Defensores da renovação
da arquitetura e do urbanismo, esses arquitetos tinham como objetivo a divulgação de um ideário funcio-
nalista que só se aplicasse a áreas de expansão das cidades existentes ou à construção de novas. Para eles, o
patrimônio a ser preservado era a obra excepcional, a catedral e o palácio. Na carta não são mencionados
o reaproveitamento e a adaptação do entorno dessas obras, constituído na maioria dos casos de um casario
medieval, geralmente degradado e insalubre, mas admite, “em certos casos, embora considere lamentável,
a demolição de casas insalubres e de cortiços ao redor de algum monumento”, aproveitando-se a situação
para a “introdução de superfícies verdes”.38
Carta de Veneza
Passados 30 anos, o assunto da utilização foi abordado na Carta Internacional sobre Conservação e Restauração
de Monumentos e Sítios, ou Carta de Veneza,39 aprovada no 2o Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos
de Monumentos Históricos. No capítulo desse documento referente à “Conservação”, lê-se:
Art. 5o A conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade;
tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É
somente dentro destes limites que se devem conceber e se podem autorizar as modificações exigidas pela evolução
dos usos e costumes.40
Tem-se a impressão de haver dois equívocos nesse artigo. O primeiro é o de admitir apenas uma
destinação: aquela que traz benefícios à sociedade. O texto, porém, não esclarece o que é a função útil
à sociedade e, consequentemente, quais seriam as funções inúteis. O uso privado do monumento seria
entendido como uma função útil à sociedade? Observe-se que na maior parte do mundo ocidental os
monumentos, em geral, são bens privados e, como tais, de uso exclusivo de seus proprietários, o que não
significa que sejam mal conservados. Se fossem abertos à visitação pública, poderiam ser mais úteis à
sociedade, mas isso não resultaria necessariamente em melhor conservação.
O uso não é uma concessão, mas uma necessidade fundamental para a conservação, e, como a realidade
tem mostrado, mesmo quando inadequado, pode ser melhor que a ausência de utilização.41
O segundo equívoco é o de permitir as “modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes”
desde que não alterem “a disposição ou a decoração dos edifícios”. O artigo dá a entender, assim, que
os monumentos devem permanecer inalterados. Entretanto, a renovação de uso requer adaptações para
atender a uma função diversa da original. As adaptações significam modificações. A questão está em alterar
o mínimo, com a preocupação de manter a leitura dos valores principais do monumento.
Pode-se inferir desse documento, reconhecido como a Carta de princípios dos arquitetos restaura-
dores, que a preservação do monumento depende de sua imobilização no tempo. Sua fruição seria
apenas contemplativa e as adaptações necessárias a sua utilização se limitariam a concessões, excep-
cionalmente admissíveis.
Na origem desse cerceamento está a ideia de que conservação e a utilização são atos dissociados,
ou seja, a arquitetura é tratada, em princípio, como um objeto inanimado. Há uma transferência para a
arquitetura de conceitos aplicados às formas de artes visuais, cuja existência se perpetua sem alterações,
independentemente das transformações da vida humana.
A reabilitação não consta da Carta de Veneza, mas foi tema do oitavo documento produzido no Congresso,
uma moção referente à conservação e à reabilitação dos centros históricos. Essa moção resultou de uma
tendência geral de substituir a demolição cega e a reconstrução aleatória das cidades históricas por uma
política de conservação e reabilitação.42
Normas de Quito
Três anos depois da divulgação da Carta de Veneza, o tema da conservação e da utilização de monumentos
e sítios de interesse histórico e artístico foi tratado na reunião realizada nos meses de novembro e dezembro
de 1967 em Quito, Equador, sob o patrocínio da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A reunião teve como foco a questão da convivência entre o passado e o presente. Objetivou-se o diálogo
entre o antigo e o moderno e entre a cultura e a economia, em uma perspectiva de desenvolvimento e
progresso das sociedades.
Resultaram desse conclave as Normas de Quito, extenso documento no qual se enfatiza a função social do
monumento, situando-o em um contexto urbano e em um ambiente natural. Nele se propõe a valorização
econômica do patrimônio e se reconhece a importância da indústria do turismo para essa valorização.
Além disso, recomenda-se o planejamento integrado dos interesses e das iniciativas de caráter cultural e
econômico-turístico.
Essas indicações têm como pressupostos o conceito do valor econômico do patrimônio cultural e a
perspectiva de sua recuperação com base no desenvolvimento econômico-social. Tais pressupostos são
enunciados na “Introdução” do documento e explicitados na parte V, “A valorização econômica dos
monumentos”.
O tema da utilização é abordado na parte VI, relativa à valorização do patrimônio cultural, da qual é
transcrito, a seguir, o item 4:
4. Em síntese, a valorização do patrimônio monumental e artístico implica uma ação sistemática, eminentemente
técnica, dirigida no sentido de utilizar todos e cada um desses bens conforme a sua natureza, destacando e exaltando
suas características e méritos, até colocá-los em condições de cumprir plenamente a nova função a que estão destinados.43
A natureza dessa nova função não está esclarecida, mas no documento é feita especial menção ao papel
do turismo como instrumento de desenvolvimento e a sua contribuição para salvaguardar grande parte
do patrimônio cultural da Europa. Na parte IX do documento, “Os instrumentos da valorização”, lê-se:
A adequada utilização dos monumentos de principal interesse histórico e artístico implica primeiramente a
coordenação de iniciativas e esforços de caráter cultural e econômico-turístico. Na medida em que esses interesses
coincidentes se unam e se identifiquem, os resultados perseguidos serão mais satisfatórios.44
Carta do Restauro
Em abril de 1972, o governo italiano, por meio de seu Ministério da Instrução Pública, divulgou a
Carta do Restauro, um conjunto de normas e instruções específicas para intervenções de restauração em
qualquer obra de arte, inclusive conjuntos de edifícios de interesse monumental, histórico ou ambiental,
particularmente os centros históricos.
A questão dos novos usos foi abordada nessa carta. Embora voltado para as condições específicas da
Itália, esse documento reúne uma série de recomendações de aplicação universal, como se percebe no
seguinte trecho do Anexo B (“Instruções para os critérios das restaurações arquitetônicas”):
Sempre com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos monumentos, vem-se considerando detidamente a possibilidade
de novas utilizações para os edifícios monumentais antigos, quando não resultarem incompatíveis com os interesses
histórico-artísticos. As obras de adaptação deverão ser limitadas ao mínimo, conservando escrupulosamente as
formas externas e evitando alterações sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da
sequência dos espaços internos.45
Essa formulação revela uma compreensão maior da necessidade de alterações para novos usos das
edificações. Mantém-se a conservação do aspecto exterior, mas as alterações internas são aceitas desde que
não modifiquem a tipologia, a estrutura e a sequência espacial.
No Anexo D (“Instruções para a tutela dos centros históricos”) do mesmo documento, contempla-se
a reciclagem para novos usos. Ela é incluída entre os principais tipos de intervenção em edifícios, nos
seguintes termos:
Renovação funcional dos elementos internos, que se há de permitir somente nos casos em que resultar indispensável
para efeitos de manutenção em uso do edifício. Nesse tipo de intervenção é de fundamental importância o respeito
às peculiaridades tipológicas e construtivas dos edifícios, proibidas quaisquer intervenções que alterem suas
características, como o vazado da estrutura ou a introdução de funções que deformem excessivamente o equilíbrio
tipológico-estrutural do edifício.46
dos Períodos Colonial e Republicano, realizado em dezembro de 1974, em São Domingos, República
Dominicana, sob o patrocínio da OEA e do governo dominicano.
Desse seminário resultou a Resolução de São Domingos, na qual se salienta a importância de articulação
dos processos de salvaguarda dos centros históricos com as políticas de habitação e planejamento. Especial
ênfase é dada à função, ao destino e à manutenção do patrimônio, considerando nesse sentido o papel
importante do turismo.
A destinação de uso e a via do turismo são abordadas nos itens 6 e 7 do capítulo dessa resolução
referente às “Propostas operativas”:
6. Os projetos de preservação monumental devem fazer parte de um programa integral de valorização, que defina
não apenas a sua função monumental, como também o seu destino e manutenção, e leve prioritariamente em conta
a melhoria socioeconômica de seus habitantes.
7. Sendo o turismo um meio de preservação dos monumentos, os planos de desenvolvimento turístico devem
constituir uma via mediante a qual, com a utilização de alto nível técnico, se atinjam objetivos importantes na
proteção e preservação do patrimônio cultural americano.48
A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização. Seria, portanto, essencial
manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o artesanato e criar novas que, para serem
viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional
em que se inserem. [...] Essas funções teriam que se adaptar às necessidades sociais, culturais e econômicas dos
habitantes, sem contrariar o caráter específico do conjunto em questão. Uma política de revitalização cultural
deveria converter os conjuntos históricos em polos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial no
desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.51
As medidas propostas são direcionadas aos conjuntos urbanos de valor cultural e aos centros históricos.
Observa-se que elas conjugam a proteção (medidas legais de acautelamento, como o tombamento) e a
restauração (intervenção física de recuperação dos edifícios) com a revitalização, traduzida por medidas
legais e administrativas que promovam uma destinação de uso que revitalize essas áreas, conservando,
porém, os usos tradicionais, como o comércio e o artesanato. Nota-se que a habitação, a função que mais
contribui para a vitalidade de uma área urbana, não é mencionada.
Nesse documento, há preferência pelo estímulo à manutenção dos usos comerciais que promovam
o artesanato e pela inserção de novas funções por meio da conversão dos sítios históricos em polos
culturais, o que permite subentender a intenção de adaptar os monumentos para usos afins, como museus,
bibliotecas, galerias de arte e locais de exposição.
A identidade e o caráter de uma cidade são dados não só por sua estrutura física, mas, também, por
suas características sociológicas. Por isso é necessário que não só se preserve e conserve o patrimônio
histórico monumental, como também que se assuma a defesa do patrimônio cultural, conservando
os valores que são de fundamental importância para afirmar a personalidade comunal ou nacional
e/ou aqueles que têm um autêntico significado para a cultura em geral.
Por isso mesmo, é imprescindível que, na tarefa de conservação, restauração52 e reciclagem das zonas monumentais
e dos monumentos históricos e arquitetônicos, considere-se a sua integração ao processo vivo do desenvolvimento
urbano como único meio que possibilite o financiamento da operação.
No processo de reciclagem dessas zonas, deve ser considerada a possibilidade de se construírem edifícios de arquitetura
contemporânea da melhor qualidade.53
Pode-se observar, no primeiro parágrafo do texto citado, a ênfase na preservação de valores culturais
que não são de ordem física, refletindo uma crítica à visão centrada exclusivamente no componente ma-
terial do patrimônio. Ainda nesse parágrafo, ressalta-se que a viabilidade da preservação do patrimônio
depende de sua integração ao contexto da cidade.
Carta de Burra
Outro documento internacional que faz referência à renovação de uso é a Carta de Burra, resultante do
congresso organizado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos)55 e realizado em
1980, na cidade de Burra, Austrália.
A carta contém definições, conceitos e procedimentos relativos ao campo do patrimônio cultural
edificado. Merecem referência as definições de conservação, restauração, adaptação e uso compatível:
- o termo conservação designará os cuidados a serem dispensados a um bem para preservar-lhe as características
que apresentem uma significação cultural. De acordo com as circunstâncias, a conservação implicará ou não a
preservação ou a restauração, além da manutenção; [...]
- a adaptação será o agenciamento de um bem a uma nova destinação, sem a destruição de sua significação cultural;
- a expressão uso compatível designará uma utilização que não implique mudança na significação cultural da
substância, modificações que sejam substancialmente reversíveis ou que requeiram um impacto mínimo.56
Note-se que, de acordo com o texto, a intervenção poderá ser uma restauração ou uma estabilização, e
a destinação de uso ficará condicionada à opção que for adotada.57
Sobre o conceito de adaptação, encontram-se os seguintes artigos na carta:
Art. 20. A adaptação só pode ser tolerada na medida em que represente o único meio de conservar o bem e não
acarrete prejuízo sério a sua significação cultural.
Art. 21. As obras de adaptação devem limitar-se ao mínimo indispensável à destinação do bem a uma utilização
definida de acordo com os termos dos artigos 6 e 7.
Art. 22. Os elementos dotados de uma significação cultural, que não se possa evitar desmontar durante os
trabalhos de adaptação, deverão ser conservados em lugar seguro.58
Como se pode observar, há na Carta de Burra, em relação aos documentos anteriores, uma atenção maior
à questão da definição de uso. A adaptação fica condicionada à preservação do significado cultural do
bem, e a compatibilidade do novo uso com o monumento é conceituada com base nas consequências das
alterações. Há compatibilidade, conforme a carta, em três casos:
1. Nada é alterado.
2. As alterações são reversíveis.
3. As alterações têm mínimas consequências sobre a essência do monumento, ou seja, sobre aquilo que
constitui a razão pela qual se reconhece nele um valor cultural.
Carta de Washington
A mudança de função dos sítios urbanos de valor histórico é tratada também na Carta Internacional para
a Salvaguarda das Cidades Históricas, ou Carta de Washington, documento final do 8o Colóquio Internacional do
Icomos, realizado em 1987 na capital estadunidense. No item 8 do capítulo desse documento referente a
“Métodos e instrumentos”, lê-se:
8. As novas funções devem ser compatíveis com o caráter, a vocação e a estrutura das cidades históricas. A
adaptação da cidade histórica à vida contemporânea requer cuidadosamente instalações das redes de infraestrutura
e equipamentos dos serviços públicos.59
Carta de Petrópolis
No ano seguinte ao do Congresso de Washington, o Comitê Brasileiro do Icomos organizou em
Petrópolis, no Rio de Janeiro, o 1o Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros
Históricos. O documento resultante desse seminário, a Carta de Petrópolis, aborda, no item 5, a destinação
de uso das edificações do sítio histórico urbano (SHU):
5. Sendo a polifuncionalidade uma característica do SHU, a sua preservação não deve dar-se à custa de
exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de
trabalho e do cotidiano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural.
Guardando essa heterogeneidade, deve a moradia constituir-se na função primordial do espaço edificado, haja vista
a flagrante carência habitacional brasileira. Desta forma, especial atenção deve ser dada à permanência no SHU
das populações compatíveis com a sua ambiência.60
A adoção de novos usos para aqueles edifícios de valor cultural é factível sempre que exista reconhecimento
apriorístico do edifício e diagnóstico preciso de quais as intervenções que ele aceita e suporta. Em todos os casos, é
fundamental a qualidade da intervenção, e que os novos elementos a serem introduzidos sejam de caráter reversível
e se harmonizem com o conjunto.62
Observe-se que novos usos são admitidos, mas condicionados à elaboração prévia de um diagnóstico das
alternativas compatíveis com o edifício. De acordo com o documento, a definição do tipo de intervenção
depende do que o edifício “aceita e suporta”. “Aceitar”, nesse caso, consistiria em atender à vocação do
monumento e “suportar” significaria estar no limite de adaptabilidade aceitável.
Definida a opção adequada ao edifício, três critérios são estabelecidos para a adoção do novo uso:
1. Qualidade de intervenção, isto é, esta deve ter valor arquitetônico ou ser capaz de agregar valores
ao bem (trata-se de um critério que não tinha sido estabelecido).
2. Reversibilidade, ou seja, a possibilidade de desfazer a intervenção e restabelecer a situação
preexistente.
3. Harmonização com o conjunto, isto é, a intervenção não deve alterar a leitura e a fruição
do todo.
Declaração de Sofia
Os novos usos de bens edificados foram contemplados também nas resoluções da 11a Assembleia
Geral do Icomos, realizada em outubro de 1996, na cidade de Sofia, na Bulgária. Entre essas resoluções,
consubstanciadas no documento denominado Declaração de Sofia, incluem-se referências à utilização do
patrimônio para fins turísticos:
As atividades turísticas [...] não podem pretender utilizar o patrimônio assegurando apenas o respeito ao seu
significado e à sua mensagem. Para que esta fruição seja viável e válida, serão necessários sempre estudos analíticos
e inventários completos, com o objetivo de explicitar os diversos significados do patrimônio no mundo contemporâneo
e justificar as novas modalidades de uso a que se propõem.63
Teoria e prática
Para Ruskin, a obra de arte era objeto de contemplação, “suscitando Centro histórico de Bolonha, Itália,
1976. Sobrados de diferentes épocas foram
emoções transcendentes capazes de determinar um destaque absoluto e integrados por meio da volumetria. Foto de
reverente”. Coube a ele a primazia da defesa das estruturas urbanas antigas, ao
3 Cyro Corrêa Lyra.
Elas são garantias de nossa identidade pessoal, local, nacional, humana. Ele se
recusa a compactuar com a transformação do espaço urbano que está em vias de
se realizar, não admite que ela seja uma exigência da transformação da sociedade
ocidental e que essa sociedade técnica persiga de um projeto inscrito em seu passado.4
Para além da importância cultural da conservação dos grandes monumentos, que sempre destacou, Ruskin teorizou
a inclusão, no patrimônio edificado a preservar, dos conjuntos urbanos históricos, da arquitetura anônima que, ao
longo de inúmeras gerações, construiu a cidade.5
Monumento que se definia pela sua estrutura, morfologia, paisagem e imagem urbanas, as quais deveriam, portanto,
ser sujeitas a leis de proteção e a critérios de restauro similares aos já existentes, à época, para os monumentos.9
Ao mesmo tempo que defendia esse patrimônio, Giovannoni propunha sua integração territorial e temporal
mediante a reapropriação dos centros históricos para o cumprimento de funções a que estavam vocacionados:
No quadro de uma concepção urbanística moderna, Giovannoni defende a utilidade dos antigos Centros Históricos
como lugares de utilização diversificada, convivial e de permanência. Lugares que se revelavam capazes de restabelecer
as funções de proximidade e de encontro, desde sempre cumpridas pela cidade antiga e para as quais os núcleos
urbanos históricos sempre estiveram vocacionados pela modicidade da sua escala, pela complexidade e riqueza
morfológica dos seus tecidos.10
evidentes. O primeiro referia-se à abrangência física do monumento, definindo o bem arquitetônico como
o edifício, seu entorno e o contexto em que estava inserido. O segundo, relativo ao valor documental da
obra arquitetônica, estendia o conceito de monumento a edificações menos expressivas do ponto de vista
estético, mas significativas como documentos.
Essas duas noções consubstanciaram o primeiro artigo da Carta de Veneza, resultante do 2o Congresso
Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos, realizado em 1964, em Veneza, sob
o patrocínio da Unesco:
Art. 1o A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano
ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento
histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o
tempo, uma significação cultural.11
Além do Congresso em que se produziu a Carta de Veneza, vários seminários e reuniões para discussão
das questões patrimoniais foram organizados a partir da década de 1960, com o apoio de instituições
internacionais, como a ONU, a Unesco, o Icomos e a OEA. As resoluções e recomendações desses
encontros muitas vezes reverteram-se em legislações nacionais.
Em abril de 1972, o governo italiano, por meio de seu Ministério da Instrução Pública, divulgou a
Carta do Restauro. Na última parte do documento apresentam-se as instruções para a tutela dos centros
históricos, os quais são conceituados de forma bastante ampla:
Para efeito de identificar os centros históricos, levam-se em consideração não apenas os antigos centros urbanos,
assim tradicionalmente entendidos, como também, de um modo geral, todos os assentamentos humanos cujas
estruturas, unitárias ou fragmentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, se hajam constituído
no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico
ou por características urbanísticas arquitetônicas particulares.
Sua natureza histórica se refere ao interesse que tais assentamentos apresentarem como testemunhos de civilizações
do passado e como documentos de cultura urbana, inclusive independentemente de seu intrínseco valor artístico ou
formal, ou de seu aspecto peculiar enquanto ambiente, que podem enriquecer e ressaltar posteriormente seu valor,
já que não só a arquitetura, mas também a estrutura urbanística têm por si mesmas um significado e um valor.12
Nossa sociedade poderá, brevemente, ser privada do patrimônio arquitetônico e dos sítios que formam seu quadro
tradicional de vida, caso uma nova política de proteção e conservação integradas desse patrimônio não seja posta
em ação imediatamente. O que hoje necessita de proteção são as cidades históricas, os bairros urbanos antigos e
aldeias tradicionais, aí incluídos os parques e jardins históricos. A proteção desses conjuntos arquitetônicos só pode
ser concebida dentro de uma perspectiva global, tendo em conta todos os edifícios com valor cultural, dos mais
importantes aos mais modestos, sem esquecer os da época moderna, assim como o ambiente em que se integram.
Essa proteção global completará a proteção pontual dos monumentos e sítios isolados.14
Outros modelos de salvaguarda, baseados em rígido controle, inibiram quase totalmente a participação
da iniciativa privada, o que levou ao esgotamento dos recursos econômicos e à preservação de apenas uma
fatia da área.
A proposta da conservação integrada consolidou a reabilitação19 como solução para os conjuntos
urbanos antigos, contrapondo-se à linha da renovação urbana que dominou o pensamento dos gestores
das cidades na primeira metade do século XX e que norteou a demolição e a substituição de edificações
em centenas de áreas históricas no mundo todo.
Os urbanistas participantes do congresso concluíram que a reabilitação apresentava vantagens sociais,
culturais e econômicas, se comparada com a renovação: sociais, por contribuir para a conservação da
identidade pela população; culturais, por conservar os valores artísticos, arqueológicos e documentais;
econômicas, por fazer uso de um acervo construído (edificações e infraestrutura). Somava-se a isso o
reconhecimento de que a reabilitação provocava menos distúrbios sociais e atritos políticos que a renovação,
além de ser mais rápida do que a reconstrução que sucedia à demolição.20
Na década de 1970, segundo Nuno Portas,21 a reabilitação transformou-se em protagonista das
políticas urbanas:
Reabilitação entendida como uma “modernização das atividades mais ou menos centrais”, procurando atrair
para a cidade histórica determinado tipo de “contentores de atividades”, de âmbito comercial, cultural, educativo,
revitalizando funções em perda, restituindo funções econômicas, de animação e de convivialidade, tão características
dos núcleos históricos enquanto lugares de atividades plurais.22
Um ano depois do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, realizou-se em Nairóbi a 19a sessão
da Conferência Geral da Unesco. Desse conclave resultaram recomendações relativas à proteção dos conjun-
tos históricos e à necessidade de sua inserção na vida contemporânea. Na Conferência reconheceu-se a im-
portância fundamental desses dois aspectos no planejamento das áreas urbanas e no ordenamento do espaço
e estabeleceu-se uma série de medidas de salvaguarda, entre as quais a revitalização dos conjuntos históricos:
Uma política de revitalização cultural deveria converter os conjuntos históricos em polos de atividades culturais e
atribuir-lhes um papel essencial no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.23
A revitalização das pequenas localidades foi tema do 3o Colóquio Interamericano sobre a Conservação do
Patrimônio Monumental, organizado em 1982 pelo Icomos, em Tlaxcala, no México. Constatou-se nesse
encontro que comunidades de pequenos aglomerados estavam perdendo a identidade por influência de uma
cultura consumista, transmitida pelos meios de comunicação, e de um processo de migração para as cidades
grandes. Para o enfrentamento dessa situação, recomendaram-se no colóquio medidas de revitalização,
ressaltando a importância interdisciplinar no planejamento das ações, além de lembrar o “direito das
comunidades participarem das decisões que dizem respeito à conservação de seu habitat, intervindo diretamente
no processo de realização”.24
A participação da população na preservação do seu habitat vinha sendo incluída na pauta de discussão
desde o reconhecimento do valor da arquitetura vernacular e das manifestações culturais tradicionais.
Além disso, como observou Brian Goodey, professor de Urbanismo na Universidade de Oxford, no Reino
Unido, as comunidades têm critérios de preservação muito diferentes daqueles usados pelos experts: elas
preferem o que é único ao que é típico e apreciam um lugar por seu poder de evocação.25
A fim de redigir um documento que estabelecesse conceitos e instrumentos de ação para a preservação
do patrimônio urbano, complementando a Carta de Veneza, o Icomos realizou seu 8o Colóquio Internacional,
com o tema Culturas antigas nos mundos novos. O encontro ocorreu em outubro de 1986, na cidade de
Washington. Seu documento final, a Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas, ou Carta de
Washington, ao explicitar os valores a preservar nas cidades, consolidou os avanços anteriores na ampliação
do conceito de patrimônio urbano:
Os valores a preservar são o caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos materiais e espirituais que
expressam sua imagem em particular:
a) a forma urbana definida pelo traçado e pelo parcelamento;
b) as relações entre os diversos espaços urbanos, espaços construídos, espaços abertos e espaços verdes;
c) a forma e o aspecto das edificações (interior e exterior), tais como são definidos por sua estrutura, volume, estilo,
escala, materiais, cor e decoração;
d) as relações da cidade com seu entorno natural ou criado pelo homem;
e) as diversas vocações da cidade, adquiridas ao longo de sua história.26
A sustentabilidade urbana
Em 1993, o conceito de sustentabilidade27 urbana, mencionado esporadicamente na década de 1980,
foi lançado no Projeto das Cidades Sustentáveis pelo Grupo de Peritos sobre Ambiente Urbano, criado
em 1991 pela Comissão Europeia. O grupo definiu três princípios de sustentabilidade urbana: a integra-
ção política – compreendendo a participação e a coerência política e de ação de todos os níveis de governo;
a gestão urbana – implementada por meio de instrumentos de colaboração e parceria; a reflexão ecossis-
têmica – entendendo a cidade como um sistema em transformação permanente, cujos recursos e resíduos
devem ser considerados elementos do equilíbrio ecossistêmico.28
Para conceber o conceito de sustentabilidade, partiu-se de princípios internacionalmente reconhecidos
de limitação e singularidade dos bens a conservar. Tal conceito compreende os aspectos econômico, po-
lítico, social, ambiental e cultural da sociedade, e abrange três grandes objetivos:29 eficiência econômica,
igualdade social e integridade ambiental. Devem-se valorizar e utilizar os recursos disponíveis na cidade
para garantir a sustentabilidade, podendo-se também criar, de acordo com seu potencial, outros meios que
sejam sustentáveis.
O arquiteto Rodrigo Ollero das Neves analisou as experiências de reabilitação urbana realizadas,
nos anos 1980, na cidade do Porto e, na década seguinte, em Lisboa, e reconheceu nelas a aplicação
dos princípios de sustentabilidade.30 Na cidade do Porto, esses princípios são verificados na atração de
investimentos para o comércio tradicional, nas antigas e novas lojas, obedecendo a uma estratégia de
valorização econômica da atividade tradicional do centro histórico.
Segundo Philip Davies, do English Heritage, “conservação e sustentabilidade são dois lados de uma
mesma moeda”. É essencial, portanto, que “os prédios históricos sejam vistos como recursos flexíveis que
podem ser reciclados por serem adaptáveis a novos usos”. “[...] a conservação de prédios é por definição a
solução mais sustentável de desenvolvimento.”31
Constatou-se que o conceito de patrimônio urbano evoluiu com a ampliação do olhar sobre o
patrimônio arquitetônico. Tal olhar ultrapassou os limites físicos do edifício e, aos poucos, revelou os
diversos desdobramentos da relação entre o patrimônio arquitetônico e o ambiente. Na compreensão do
conjunto histórico, desenvolveu-se nas últimas décadas uma leitura específica desse patrimônio, envolvendo,
entre outros aspectos, sua integração com o território e sua relação com a paisagem natural, a convivência
entre o antigo e o moderno, a conformação do traçado urbano, as formas de apropriação dos espaços ao
longo da história, os laços de vizinhança e o sentimento de pertencimento ao local da população residente.
A evolução da noção e da percepção desse patrimônio em suas diferentes escalas – cidades, áreas
centrais, bairros, ruas e praças – resultou em grande parte da análise dos resultados de experiências
na proteção, na valorização, na revitalização e na reabilitação dessas áreas. A perspectiva integradora e
global do patrimônio urbano foi também resultado da superação da visão isolada do bem imóvel, do
repúdio à prática de renovação urbana alicerçada no pensamento modernista e, finalmente, na trágica
experiência da Segunda Guerra Mundial.
Com a ampliação do conceito de cidade e de centro histórico, para a qual contribuíram os estudos
nas áreas da antropologia e da sociologia, aumentou a preocupação das administrações urbanas com a
qualidade dos espaços públicos e dos centros de convivência. Investiu-se na requalificação desses espaços
e em medidas para atrair os habitantes aos centros tradicionais da cidade. A fixação do uso habitacional
evidenciou-se como elemento importante para que isso ocorresse e o tecido urbano se mantivesse vivo.
Em muitos casos, com a manutenção da função habitacional dos centros tradicionais, evitou-se sua
desertificação à noite e nos fins de semana.
Como observou Evelyn Furquim Werneck Lima,32 os melhores referenciais do sentimento de identidade
cultural de um grupo social são a arquitetura, a morfologia urbana e as tradições partilhadas pela população
residente. Com base nesse ponto de vista, defende-se a permanência dos habitantes dos bairros a reabilitar
e condena-se a substituição dos estratos sociais, fato que ocorre quando os residentes e os pequenos
comerciantes passam a ter dificuldade para arcar com o ônus de uma nova urbanização, expresso no aumento
dos aluguéis e impostos.
Experiências europeias
Porto, Portugal
A recuperação do conjunto edificado e do espaço público da área de
Ribeira-Barredo, na cidade do Porto, conduzida pelo Comissariado para a
Renovação Urbana da Área de Ribeira-Barredo (Cruarb),40 teve início nos
anos 1970. Entre 1976 e 1981, foram renovadas diversas habitações e, em
1982, concluiu-se a recuperação dos quarteirões mais degradados do local.
Ainda na década de 1980, foram incluídos na área de intervenção os bairros
da Sé, Miragaia e Vitória.41 De 1977 a 1991, o projeto teve a consultoria do
arquiteto e urbanista Vianna de Lima, devendo-se a ele a orientação teórica e
metodológica da intervenção.42
A recuperação da área histórica fronteira ao rio Douro foi proposta após
a “Revolução dos Cravos”,43 como resposta às reivindicações dos moradores
da área, que enfrentavam precárias condições habitacionais, urbanas, sociais e
econômicas. O projeto de reabilitação urbana teve como base, portanto, razões
essencialmente sociais, e seu principal objetivo era a manutenção da população,
com melhora das condições de habitabilidade das moradias e requalificação
dos espaços públicos. Esse fato não impediu a evolução do projeto para uma
intervenção de caráter integrado, valorizando a salvaguarda do patrimônio, a
Tudo isso será, em parte, verdade, mas podemos e devemos apostar na elevação do
nível econômico, social e cultural local, além de ser evidente que grande parte dos
problemas tem origem em populações não residentes, e em muitos casos, provenientes
de estratos socioeconômicos mais elevados.49
Ribeira, no centro histórico do Porto, nos valores de autenticidade representados pela permanência da população
Portugal, 2003. Sobrados de uso misto após
tradicionalmente relacionada ao local.50
a recuperação. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Em 2004 o Cruarb foi extinto e substituído por uma empresa estatal, a
Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense S.A. (SRU).
Dotada de recursos públicos do estado e do município, a empresa tem como
objetivo promover a reabilitação urbana da área do centro histórico do Porto
denominada Baixa Portuense. Além de requalificar o espaço público, ela deve
atuar na revitalização do comércio e na dinamização do turismo por meio de
iniciativas culturais e de lazer.
A partir de 2012 foram desenvolvidos projetos de melhora da acessibilidade
e da mobilidade no centro histórico, com a implantação de ciclovias e a ampliação
das áreas exclusivas para pedestres, contemplando-se também a renovação do
mobiliário urbano.
Barcelona, Espanha
O plano de requalificação urbana de Barcelona, conhecido como Modelo
Barcelona, foi implantado na cidade a partir dos anos 1980 e seu sucesso tem
inspirado outros projetos, notadamente nos países latino-americanos.
Concebido no contexto da crise econômica e social registrada nos anos 1970,
o plano foi motivado pela carência de moradias e de equipamentos sociais.
Como ocorrera na mesma época no Porto, o fim do regime ditatorial abriu
espaço para reivindicações sociais. A administração da cidade passou, então, a
investir em projetos de reestruturação urbana voltados para o atendimento das
demandas prioritárias da população.
Em 1986, a aprovação da candidatura de Barcelona a sede dos Jogos
Olímpicos ocasionou a elaboração de novos projetos de requalificação urbana,
que incluíam a reabilitação do centro histórico e a implantação da Vila Olímpica.
O plano de Barcelona tem sido criticado por não trazer benefícios sociais,
pois acarretou a elevação do preço das propriedades das áreas reabilitadas e a
consequente evasão de moradores de baixo poder aquisitivo. Do ponto de vista
dos benefícios econômicos, porém, os resultados foram positivos, em razão do
desenvolvimento turístico da cidade a partir de 1992, quando se realizaram os
Jogos Olímpicos. A obra emblemática do plano, que projeta a cidade e atrai
a atenção dos administradores e urbanistas de outros sítios urbanos situados
na orla marítima, é o Porto Olímpico. Construído de acordo com o projeto
coordenado pelo arquiteto Oriol Bohigas Guardiola, ele sediou as competições
de vela dos Jogos Olímpicos e, depois, converteu-se em centro turístico e de
lazer que agrega à cidade novos valores.
A lição que fica da experiência de Barcelona é a de que se pode promover a va-
lorização cultural de uma cidade por meio do empreendimento conjunto de ações
de preservação do centro histórico e de iniciativas modernizadoras em seu entorno.
Parte II
A experiência brasileira
A preservação do patrimônio
A criação do Sphan
No início de 1936, o então ministro da Educação Gustavo Capanema reconheceu a urgente necessidade
de “preservar os monumentos e outras obras de arte de todas as espécies, e não apenas as obras de pintura,
mediante um conjunto de procedimentos que não se limitassem à capital federal, mas abrangessem o país
inteiro”.1 Com essa preocupação, solicitou ajuda a Mário de Andrade, que preparou um anteprojeto para a
constituição do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional.2
Em abril daquele ano, o governo autorizou o funcionamento da instituição, em caráter experimental. Para
dirigi-la, o ministro convidou Rodrigo Mello Franco de Andrade:
Optei pelo nome de Rodrigo. Mineiros ambos, eu o conhecia de perda e de longa data. Aos meus olhos, ele estaria em tais
circunstâncias, em primeiro lugar, fosse qual fosse o paralelo. Não apenas por ser homem de rara cultura, jornalista e
escritor de primeira ordem, nem por estar militando no exercício da advocacia do mais alto nível intelectual e moral,
nem por já ter dado prova da maior aptidão como gestor das coisas públicas. Conjunto arquitetônico e urbanístico
de Ouro Preto, Minas Gerais, década de
Para nós, da sua geração mineira, a figura de Rodrigo, com aquela alma há um 1990. Ouro Preto foi a primeira cidade
tempo mansa e severa, delicada e positiva, risonha e inflexível, com aquele seu tom histórica protegida por tombamento federal
(1938) e o primeiro bem brasileiro inscrito
sábio e conclusivo, com aquela sua capacidade de compreender, de raciocinar e de
na Lista do Patrimônio Mundial (1980).
julgar, passou a ser a de um mentor, no mais alto sentido da palavra, em todas as Foto de Cyro Corrêa Lyra.
automóvel para a região dos Sete Povos das Missões, conhecendo e vistoriando
os remanescentes dos antigos Povos de Santo Ângelo, São João Batista, São
Miguel, São Lourenço, São Luís e São Nicolau. Lucio Costa só não visitou São
Borja “por estarem os caminhos intransitáveis em virtude das chuvas caídas nos
dois últimos dias da excursão”.9
Seu relatório, além de servir de base para o tombamento das ruínas de São
Miguel, efetivado no ano seguinte, forneceu as diretrizes das obras executadas
de 1938 a 1940, sob a direção do arquiteto Lucas Mayerhofer. Em 1983, São
Miguel das Missões seria inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em conjunto
com outras quatro missões jesuíticas, localizadas em território argentino: San
Ignacio Mini, Santa Ana, Nossa Senhora de Loreto e Santa Maria, a Maior.
Os resultados dessa primeira missão mostraram o acerto do convite feito a
Lucio Costa e consolidaram o nome do arquiteto como o mais indicado para a
liderança técnica da instituição recém-nascida.
O relatório de sua viagem pode ser considerado um marco na metodologia
de intervenção em ruínas e pautou a trajetória dos técnicos que enfrentaram os
desafios de conservar e restaurar o patrimônio arquitetônico. As observações
sobre a situação dos remanescentes e as diretrizes para sua preservação iniciaram
uma prática de diagnóstico e proposta baseada em conceitos geralmente não
explicitados, mas que se tornaram paradigmáticos.
O exame desse documento revela uma estrutura que se tornou um guia para
a elaboração de relatório e modelo de avaliação preliminar da situação de um
monumento:
A “fase heroica”
Os 30 primeiros anos da história do Sphan são conhecidos como “fase heroica”, pelo que representou
de sacrifício e abnegação o período de implantação de um sistema de preservação cultural de âmbito
nacional.12 Nessa etapa da instituição, dirigida por Rodrigo Mello Franco de Andrade, enfrentaram-
se dificuldades de toda ordem para preservar o patrimônio distribuído por um território de dimensões
continentais,13 com recursos insuficientes e poucos técnicos. Em contrapartida, o período foi fértil na
produção de ideias e soluções que estruturaram o pensamento sobre patrimônio no Brasil, implantaram
uma legislação e consolidaram uma instituição.
Nesse esforço construtivo, coube aos arquitetos responder às questões de preservação dos bens imóveis
tombados, definindo soluções para a proteção, a conservação, a restauração e a valorização do patrimônio
arquitetônico. Acrescia-se a essa tarefa outras duas, complementares: a construção da história da arquitetura
no Brasil, por meio da identificação de suas características tipológicas, e a “reconstrução de um patrimônio
desfigurado”.14 Como bem observou Jean Pierre Halevy:
Nos primeiros anos esse decreto-lei apoiava-se sobre um admirável trabalho de pesquisas e de restaurações que
deram ao patrimônio um conteúdo cultural de uma imensa riqueza. Foi essa explicitação do que significavam os
bens tombados, foram essas restaurações exemplares que deram uma legitimidade ao decreto-lei.15
A etapa inicial da instituição, na qual se organizou uma equipe técnica de restauradores e as primeiras
intervenções em monumentos tombados foram executadas, coincidiu com a Segunda Guerra Mundial,
período em que cessou todo tipo de intercâmbio cultural com a Europa. Essa situação dificultava o acesso
ao conhecimento acumulado nos países europeus que, àquela altura, já acumulavam uma rica experiência e
um sólido acervo de teses e conceitos relativos à preservação de bens arquitetônicos.16
Para fazer frente à gigantesca tarefa de preservar o patrimônio brasileiro, Rodrigo Mello Franco de
Andrade montou uma “equipe pequena, mas competente e dedicada de arquitetos, historiadores, artistas,
juristas que, para uma melhor coordenação e ajuste de orientação, se reunia diariamente, para discussão de
critérios e de métodos, para troca de experiência e para programação de atividades”.17
Os membros da equipe contavam apenas com sua formação profissional, não tendo experiência anterior
no campo da preservação de monumentos. Como observou o arquiteto Luís Saia:18
Quando o governo criou o SPHAN, em 1937, a experiência brasileira nessa matéria era, no mínimo, de validade
discutível. Continha, é certo, muito amor, mas era de pouco respeito. Muito amor por romantismo, pouco respeito
por desconhecimento.19
Para suprir a falta de conhecimento sobre a história da arte em geral e da cultura brasileira em particular,
foram organizados, a partir dos anos 1940, cursos de formação cultural, ministrados por Hannah Levy
(História das Artes), Afonso Arinos de Melo Franco (Formação Material do Brasil) e Heloisa Alberto
Torres (Arte Indígena).20
Os arquitetos da “fase heroica” caracterizavam-se pela identificação com o Modernismo racionalista
europeu, o que explica o emprego de uma metodologia originária do funcionalismo.21 Eram modernistas
no pensamento e na postura, cultuavam a pureza formal do racionalismo funcionalista e repudiavam o
ecletismo pela utilização do ornato. Afinados com os dogmas do Modernismo e com o ideário nacionalista,
viam na singeleza da arquitetura colonial a expressão do patrimônio genuinamente nacional, relegando a
segundo plano a produção eclética do fim do Império e do início da República.
Principal assessor de Rodrigo Mello Franco de Andrade e de seu sucessor Renato Soeiro,22 Lucio
Costa teve, entre outros méritos, o da construção de um patrimônio histórico e artístico impregnado
de modernidade, em que a convivência do antigo com o novo esteve sempre presente. A postura que
conjuga a defesa dos edifícios antigos com a aceitação do novo é, aliás, apontada por Françoise Choay
como característica da intelectualidade de seu país, ao comparar as visões inglesa e francesa dominantes na
segunda metade do século XIX, diante das mudanças decorrentes da Revolução Industrial.23
A concepção racionalista da arquitetura estendia-se à maneira de encarar a restauração da obra
arquitetônica, entendida como uma intervenção que requer apenas o conhecimento do edifício e de sua
história, obtido por meio do levantamento das fontes textuais e iconográficas e de prospecções24 em sua
estrutura material.
A capacitação de profissionais para atuar na preservação preocupou a direção Detalhe da cobertura da Catedral de
Notre-Dame, Paris, França, 1997. Na
do Sphan desde sua formação. Além de organizar uma biblioteca especializada
restauração realizada em 1857, Viollet-Le-
e incentivar os técnicos à pesquisa, a instituição promoveu cursos de atualização Duc chegou a desenhar a complementação
das torres que não tinham sido terminadas,
e estimulou uma prática de trabalho em que a discussão de teses e soluções era
mas não se executou a proposta. Somente
uma constante. a flecha sobre o transepto, que havia sido
demolida, foi reconstruída segundo seu
Com o passar dos anos, o quadro formado pela primeira geração de técnicos projeto. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
tornou-se um núcleo de conhecimento acumulado com base na experiência de
preservação desenvolvida em todo o território. Na década de 1960, os poucos
técnicos que ingressavam na instituição “obtinham o conhecimento e ganhavam
experiência através do convívio com os mais antigos, com eles trabalhando, com
eles analisando e discutindo os casos que surgiam e que deviam ser resolvidos”.31
Na realidade, o Sphan criou uma escola informal de patrimônio que serviria de
suporte para a construção, na década de 1970, de um sistema de especialização
com a parceria de instituições universitárias.
É bem verdade que os estudos que precedem o tombamento já fazem uma triagem
entre aquelas construções que conservam suas feições originais, as suscetíveis de
restauração, e aquelas outras descaracterizadas em excesso. Quando o tombamento
se dá em virtude da importância artística, aquelas duas primeiras categorias são
qualidades primordiais; quando o tombamento é devido a motivos puramente
históricos é óbvio abrandar-se o rigor relativo à aparência primitiva.36
na Bahia. Na obra, realizada na década de 1980 pelo arquiteto Diógenes Casa de Câmara e Cadeia de Salvador,
Bahia, em 2005, após a restauração. Foto de
Rebouças,39 reconstituíram-se elementos como os balcões das fachadas,
Cyro Corrêa Lyra.
substituindo os gradis de ferro oitocentistas por barras de madeira à maneira
das soluções seiscentistas.
A restauração de caráter reconstitutivo, em termos técnicos, caracteriza-se
pelo emprego de materiais e sistemas construtivos tradicionais, o que requer a
presença de artífices capacitados para a execução de técnicas que não são mais
usadas. Essa demanda levou o Patrimônio a organizar equipes de trabalho com
profissionais treinados e a administrar as obras diretamente – uma vez que
não se encontravam mais os artífices. Isso aconteceu em São Paulo, em Minas
Gerais e em Pernambuco, com resultados tecnicamente admiráveis.40 A partir
da década de 1980, porém, as obras de restauração passaram a ser executadas
por empresas, sendo as equipes de obras restritas a ações pontuais de reparos,
até desaparecerem.41
No que se refere à utilização do monumento, verifica-se nas intervenções
reconstitutivas uma tendência a manter, a todo custo, a integridade do
monumento, evitando-se que o novo uso macule a arquitetura original. Em
nome de um uso condigno, a reciclagem é restrita a um reduzido número de
alternativas à destinação original. Isso explica a tendência, dominante durante
certa época, de privilegiar a destinação ao uso museológico, sendo a principal
peça exposta – e com tratamento de museu – o próprio monumento. A principal
crítica a essa linha de intervenção tem sido dirigida à desconsideração pelo valor
documental do monumento, ou seja, à valorização excessiva da instância estética
em detrimento da histórica.
O objetivo principal deste curso, segundo proposta de seu coordenador, o saudoso arquiteto Luís Saia, era o da
transferência de experiência dos antigos técnicos do órgão federal para uma nova geração que se iniciava.49
A avaliação dos resultados da experiência de São Paulo serviu de base para a montagem, dois anos depois,
em Recife, do Curso de Especialização em Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos, como
aplicação de um dos propósitos do PCH, o de formação e treinamento de especialistas em prospecção,
pesquisa, projeto e execução de obras em monumentos e conjuntos históricos. Custeado pelo programa, o
curso resultou de uma parceria entre o Iphan e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Foi coordenado pelo arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti, então
professor da UFPE, tendo como consultor técnico Augusto Carlos da Silva Telles, do Iphan.50
O curso destinava-se a arquitetos do Nordeste e do Sudeste que trabalhavam em entidades ligadas à
estruturas e materiais, seguindo uma tendência universal de aprofundamento das questões físicas para a
conservação dos edifícios históricos. No ateliê, nos cursos realizados a partir de 1988, os projetos de
intervenção passaram a ter, na fase de diagnóstico, um aprofundamento no estudo das técnicas tradicionais
e no uso de tecnologia contemporânea de investigação. Na fase de proposta dos projetos, introduziu-se o
conceito de “estudar o máximo para intervir o mínimo”.57
De 1982 até 2012 foram realizados 14 Cecres.58 Os dois últimos cursos foram ofertados como
mestrado profissionalizante em Conservação de Monumentos e Sítios Históricos, sendo mantida a mesma
matriz curricular dos cursos de especialização anteriores.
Em 31 anos, foram formados 424 alunos, sendo 204 brasileiros e 220 estrangeiros. Esse número de
especialistas poderia ser maior, não fosse a suspensão, em 2000, da bolsa para brasileiros oferecida pela
Capes e, em 2004, da ajuda a alunos estrangeiros pela Unesco.
Atualmente, a UFBA, além das instalações físicas do curso, arca com o pagamento de 14 professores,
um arquiteto com especialização em conservação e restauração e um funcionário administrativo. Por meio
de um acordo de cooperação, estabelecido em 2014 com o Iphan, prevê-se ajuda de custo para consultores
e fornecimento de bolsas para três alunos estrangeiros.59
· Evitar acréscimos e renovações, que, se fossem necessários, deveriam ser diferentes do original,
sem destoar deste, porém.
· Utilizar materiais diversos do original nas complementações de partes degradadas ou no pre-
enchimento de lacunas.
· Respeitar as diversas fases do monumento, admitindo somente a eliminação de acréscimos de
valor inferior ao do monumento.
· Documentar as intervenções com descrições e justificativas complementadas com registro foto-
gráfico das obras realizadas.
· Registrar a data e a natureza das intervenções em lápides a serem colocadas no monumento.
Existe uma escola, já velha, mas não morta, e uma nova. O grande legislador da velha foi Viollet-le-Duc que com
seus estudos históricos e críticos sobre a arte da Idade Média na França fez progredir a história e a crítica também
na Itália. Foi também arquiteto, mas de valor contrastante, e restaurador, até há pouco elevado aos céus por todos,
agora afundado no inferno por muitos pelas suas mesmas obras na antiga cidade de Carcassone, no castelo de
Pierrefonds e em outros insígnes monumentos.63
A condenação da restauração como uma prática dilapidadora não teve em Boito a mesma virulência
dos escritos do mais renomado crítico da restauração estilística, John Ruskin.64 Boito conseguiu estabelecer
uma posição intermediária, ao condenar a restauração estilística pela falsificação que produzia, mas, ao
mesmo tempo, refutar a posição romântica de John Ruskin e seus seguidores de condenação total à
restauração de monumentos, rejeitando o princípio da intocabilidade, que significava a aceitação fatalista
do desaparecimento de edificações que constituíam valiosos testemunhos do passado e, como tais, não
deveriam desaparecer.65
A Boito seguiu-se Gustavo Giovannoni (1873-1947), por sinal seu discípulo, ao qual se deve a
elaboração da Carta de Restauro italiana, em que foram estabelecidos conceitos fundamentais, como o do
respeito ao ambiente do monumento e ao caráter e à fisionomia da cidade.66
Coube a outro italiano, Cesare Brandi (1906-1988), por meio de uma vasta e densa produção
bibliográfica, definir os conceitos que foram universalizados pela Carta de Veneza. Os principais conceitos
estabelecidos por Brandi referem-se à dialética da intervenção restaurativa da obra de arte, detentora de
duas instâncias simultaneamente presentes: a histórica e a estética. A conciliação entre essas duas instâncias
sintetizaria o desafio do restaurador, sendo seu objetivo restabelecer a unidade potencial da obra de arte,
sem cometer uma falsificação artística ou histórica.67
Uma mudança na valoração do monumento e, consequentemente, na maneira de restaurá-lo,
começou a ocorrer no Brasil a partir dos anos 1970, à medida que arquitetos com especialização
passaram a atuar no campo da preservação. A maioria dos profissionais formados no exterior
(principalmente na Itália, no ICCROM e em outros centros, como Veneza e Florença) voltou com
uma bagagem conceitual italiana, o que era compreensível, já que os italianos, desde o final do
século XIX, vinham progressivamente assumindo a vanguarda da formulação teórica no campo da
preservação de monumentos arquitetônicos.
Na segunda metade da década de 1970, começaram a atuar no campo da preservação arquitetos
restauradores formados no Brasil, imbuídos também da conceituação teórica italiana fundamentada nos
escritos de Camilo Boito, Gustavo Giovannoni e Cesare Brandi e transmitida pelos especialistas trazidos
pela Unesco e pelos professores brasileiros.68 O posicionamento dos restauradores formados nos cursos
brasileiros caracterizou-se pela condenação da reconstituição por causa das eliminações “depuradoras”
e pela defesa da conservação de todas as fases do monumento, ou seja, reconhecendo no monumento
seu valor como documento histórico, e nos testemunhos de suas transformações, dados documentais
de sua história.
Conservação integral
A linha conceitual de conservação integral das diversas fases do monumento tornou-se o discurso dos
arquitetos especializados. Como observou Antônio Luiz Dias de Andrade, critérios que os arquitetos da
“fase heroica” consideravam inquestionáveis passaram a ser contestados diante do abandono da prática da
reconstituição por grande parte dos arquitetos europeus. Referindo-se aos arquitetos mais jovens, Antônio
Luiz Dias de Andrade fez o seguinte comentário:
Uma nova geração de arquitetos, influenciada pela “escola italiana”, a esse tempo introduz nos debates a ideia
do restauro como uma disciplina autônoma, de caráter científico, associando, ademais, no plano do critério de
intervenção, o respeito pelas formas estratificadas no curso dos períodos históricos, condenando com veemência toda
sorte de reconstituição.69
“restauro científico”, radicalmente oposta à da reconstituição, pela ênfase dada à noção do monumento
como documento histórico. Esse conceito, consagrado na Carta de Veneza, encaminhou a preservação de
monumentos arquitetônicos para uma linha essencialmente conservativa, considerando a restauração uma
operação excepcional, conforme reza o documento, em seu artigo 9o:
A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores
estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos.
Termina onde começa a hipótese.70
A aceitação dessa linha conservativa resultou também da influência dos novos atores no campo
da preservação de edifícios – arqueólogos e antropólogos, principalmente. De fato, a contribuição de
arqueólogos, antropólogos e sociólogos foi decisiva para a defesa da manutenção dos testemunhos, das
marcas de cada época. Além disso, colaborou para a formação de uma geração de arquitetos voltados à
pesquisa documental e à elaboração de trabalhos de inventário e cadastramento de bens, não só como
processo de conhecimento da história do monumento, mas também como instrumentos de proteção.
A crítica a essa corrente refere-se a um imobilismo que termina por condenar o monumento a ser
mantido com toda sorte de modificações e acréscimos sem julgamento de sua contribuição. Essa obediência
à conservação integral do que foi agregado, sem levar em consideração sua relação com o monumento,
privilegia a instância histórica em detrimento da estética. A condenação das cirurgias radicais em que se
transformavam as restaurações na época do domínio absoluto do arquiteto foi um passo importante na
evolução da preservação, mas deixou sem resposta a questão básica da dimensão estética inerente à obra
arquitetônica, sacrificada numa intervenção em que a permanência de todos os testemunhos históricos é
tomada como único pressuposto.
Entre as causas da propagação da linha conservativa, podem-se incluir a contestação ao racionalismo
modernista e o reconhecimento do valor do ecletismo pela nova geração de arquitetos. A condenação da
reconstituição e a defesa da permanência das modificações foram bem acolhidas pelos novos especialistas,
até mesmo, como observa Antônio Luiz Dias de Andrade, por uma pressa em substituir os “critérios
vigentes, considerados anacrônicos e desrespeitosos com a historicidade dos bens culturais”.71
Continuando, Andrade observa que esse posicionamento de contestação frequentemente correspondeu
a uma defesa sem consistência de “teorias do restauro apreendidas de forma simplória e demagógica”.72
Suas observações remetem, por exemplo, à prática indiscriminada de abertura de “janelas” nos revestimen-
tos das paredes com a intenção de revelar didaticamente fases anteriores de tratamento do interior do mo-
numento, muitas vezes com prejuízo da fruição do edifício como obra de arte. Outro modismo na linha
pretensamente didática, mas de fato com finalidades meramente decorativas, é o de retirar o revestimento
ou, como se diz no jargão do restaurador, “descarnar” a parede, deixando à vista sua estrutura.
Vertente da contraposição
Não se poderia dizer que, no Brasil, a linha de reconstituição tenha
reinado soberana na idade inicial da história da preservação cultural, pois o
Sphan nasceu sob a égide do Modernismo. Os grandes nomes que lideraram o
movimento de renovação cultural brasileira foram os mesmos que conduziram
as iniciativas de preservação do passado, pois a linha de contraposição parte
da noção de continuidade histórica, da necessidade permanente de renovação.
Nessa vertente, o aspecto formal também é enfatizado, embora de maneira
diversa. Enquanto na visão reconstituidora a convivência dos elementos antigos
com os novos ocorre pela ótica da subordinação destes àqueles, na perspectiva
da contraposição o novo dialoga de igual para igual com o antigo, compete com
ele e exibe sua personalidade.
Na reconstituição, a inserção se atém a um papel secundário, nunca con-
corrente. Procura-se a neutralidade anônima. Na outra perspectiva, a inserção
afirma-se como contraponto, sendo o resultado claramente legível, datado e
assinado. Podem-se observar, entretanto, duas tendências dessa corrente, que
refletem as duas escolas derivadas do Modernismo.
Na primeira, decorrente da escola racionalista, a intervenção manifesta
o despojamento formal típico desse movimento, resultando em uma
participação discreta, embora o diálogo de estilos enfatize o contraste. Há
uma estanqueidade intencional entre o discurso tradicionalmente profuso,
redundante, da arquitetura antiga, e o vocabulário asséptico, purista, do
moderno.
A outra tendência dessa mesma corrente da contraposição trai a influência
do organicismo e, mais recentemente, do pós-modernismo. Enquanto na
anterior a referência de além-mar é a França, tendo Le Corbusier como
embaixador, nessa variedade a fonte é estadunidense. O que a diferencia é o
diálogo antigo-moderno. Não há intenção de separar os dois mundos; há um
diálogo, crítico, em que o vocabulário do monumento é relido, interpretado e
citado até, se preciso for.
A contraposição desenvolveu-se muito nos últimos anos, notadamente na
reciclagem de grandes espaços arquitetônicos de fábricas, armazéns portuários,
estações ferroviárias e outros edifícios desativados. A não “sacralização” dessa
Exterior e interior do antigo Liceu Mais recentemente, a renovação das instalações da Pinacoteca do Estado
de Artes e Ofícios de São Paulo, atual
Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2005. de São Paulo no antigo Liceu de Artes e Ofícios, executada pelo arquiteto
Fotos de Cyro Corrêa Lyra. Paulo Mendes da Rocha, pode ser inserida na exemplificação dessa linha de
intervenção.
Perspectivas
Os conceitos de intervenção nos monumentos evoluíram no que diz respeito
à compreensão do valor documental do bem, gerando uma postura de recusa à
reconstituição e de defesa da conservação integral. A contribuição dos cursos
de especialização resultantes da parceria entre o Iphan, a Unesco e universidades
federais foi decisiva para a incorporação de conceitos como o de autenticidade e
o de reversibilidade à prática da conservação e da restauração.
Salvador, Bahia.
Proteção e requalificação do
patrimônio urbano
Da identificação à proteção
No Brasil, a trajetória da preservação do patrimônio material edificado foi semelhante à que se observou
no restante do mundo, evoluindo da obra isolada para o sítio urbano. Alterando a escala, mudou o desafio
e, consequentemente, a metodologia de intervenção. Entretanto, se há um paralelo entre o que aconteceu no
Brasil e o que se passou nos países europeus, as circunstâncias foram completamente diversas e a capacidade
de atuação sobre o patrimônio na América Latina foi sempre dificultada pelas pressões sociais e pela carência
de recursos, como apontou Ramón Gutierrez.1
Essa situação de conflito não é nova, como se observa no depoimento de Rodrigo Mello Franco de
Andrade publicado no Suplemento Literário do Jornal do Commercio, em 30 de maio de 1970:
[...] a conservação dos sítios urbanos notáveis obedece a critérios e normas semelhantes em todas as regiões do mundo,
embora nos países de clima tropical ocorram circunstâncias que, naturalmente, exigem organização de serviços e
providências peculiares.2
O conceito de patrimônio urbano começou a ser ampliado na década de Parque do Flamengo, Rio de Janeiro,
2014. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
1980 com a contribuição de outras áreas do conhecimento na interpretação e na
valoração cultural da cidade. Conforme observa Maria Cecília Londres Fonseca,
a postura multidisciplinar propiciou o entendimento dos sítios urbanos como
conjuntos, “a partir da relação entre o meio geográfico, natural, e os grupos
humanos que ocuparam aquele solo e nele deixaram vestígios”.3
Com essa mudança de olhar, a cidade passou a ser avaliada como documento
fundamental não só para a história urbana, mas também para o estudo da
organização da sociedade.
Essa visão mais abrangente está presente na Carta de Petrópolis, documento
resultante do 1o Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de
Centros Históricos, organizado pelo Comitê Brasileiro do Icomos e realizado
em 1987, em Petrópolis. Nos dois primeiros artigos desse documento, lê-se:
Verifica-se que, até o final da década de 60, as cidades e centros históricos eram
tombados quase sempre pelo seu valor artístico e inscritos no Livro do Tombo das
Belas Artes. Faziam jus a essa inscrição as áreas que apresentassem as seguintes
características: homogeneidade do conjunto, com predominância da arquitetura
típica dos séculos XVII e, principalmente, XVIII; a integridade do conjunto, isto é,
poucas alterações realizadas nos elementos arquitetônicos das edificações ou sistema
construtivo; e traçado urbanístico mais ou menos espontâneo, caracterizando o
modo de urbanização predominante na América portuguesa durante o período
colonial.6
Da proteção à requalificação
Quatro anos depois, o plano foi reformulado pelos ministros do Planejamento e da Educação
e Cultura,15 tendo sua ação ampliada para a região Sudeste. Recebeu, então, nova denominação
(Programa de Cidades Históricas – PCH) e foi executado entre 1977 e 1979. O objetivo com a
execução desse plano era apoiar estudos, projetos e investimentos nos estados do Espírito Santo e
Minas Gerais, visando à restauração de monumentos e conjuntos de valor histórico e artístico16 e à
preservação de expressões culturais significativas.17 Os recursos disponíveis somavam 18 milhões de
dólares, sendo 2,5 milhões de dólares administrados diretamente pelo Iphan.
As prioridades desse programa envolviam a restauração progressiva de monumentos e conjuntos
situados em áreas economicamente debilitadas ou ameaçadas de descaracterização ou destruição pelo
crescimento urbano acelerado, por vizinhança industrial ou atividade de mineração, assim como pelo
turismo predatório. Consideravam-se no mesmo nível de prioridade solicitações que visassem ao
aproveitamento de monumentos passíveis de imediata integração em roteiros turísticos estabelecidos
com base em estudos previamente elaborados.
Entre as premissas para a execução do programa, destacava-se a participação conjunta e efetiva
das administrações das esferas federal, estadual e municipal, que incluía a sensibilização cultural
das comunidades, notadamente de suas lideranças, e de proprietários e usuários de bens culturais.
O programa fazia parte de uma política de desenvolvimento urbano implantada para promover a
“aceleração do processo de integração nacional, contribuindo para diminuir as desigualdades inter
e intrarregionais e ordenando a ocupação produtiva do espaço brasileiro”.18 Pretendia-se fomentar a
integração de atividade turística ao quadro cultural e orientar as entidades públicas e privadas a utilizar
edificações e espaços de valor cultural como garantia de preservação do bem por meio de seu uso
continuado.
O programa abrangia, ainda, como atividades complementares: formação e capacitação de recursos
humanos especializados, de nível superior, intermediário e operário; pesquisa, prospecção e cadastramento
de bens culturais em extinção ou deformação, de caráter erudito e popular; formação e aperfeiçoamento de
pessoal especializado em técnicas de criação artística e artesanal; complementação de infraestrutura física
de acesso, serviços públicos e hospedagem na região. Faziam parte das diretrizes do programa a inserção,
nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, de legislação de proteção às áreas de valor cultural,
além da concessão de incentivos tributários estaduais e municipais visando atrair a participação do setor
privado em ações de restauração e conservação de imóveis residenciais e comerciais de valor cultural.
Entre as premissas que embasavam o programa, estava a concepção de que o desenvolvimento
do turismo constituía um instrumento para a recuperação econômica das cidades históricas e de seu
patrimônio edificado. Pretendia-se, assim, motivar o empresariado ligado à atividade turística a participar
de projetos por meio de convênios, locações, aquisições e outras ações que possibilitassem o uso dos
sítios e monumentos para fins turísticos. Como o programa era executado por meio de convênios com os
governos estaduais, embora em benefício de bens tombados em nível federal, exigia-se um comprovante de
tombamento estadual dos imóveis, concedendo-se aos estados que não tivessem legislação de tombamento
prazo até junho de 1978 para cumprir essa condição.
Como resultados positivos do plano, vale destacar o financiamento de diversos projetos voltados
para a modernização do Iphan e a capacitação de profissionais para a preservação do patrimônio. Com
essa finalidade foram realizados os primeiros cursos de especialização em restauração e conservação de
monumentos e sítios para arquitetos, organizados pelo Iphan em parceria com as universidades públicas
sediadas em São Paulo (1974), Recife (1977), Belo Horizonte (1980) e Salvador (1982). Na mesma
linha de capacitação foram ministrados cursos para mestres de obras e de restauração de bens móveis e
promovidos seminários de avaliação da preservação no Brasil com base nas experiências francesa e alemã.19
No biênio 1978-1979, como continuação do PCH, desenvolveu-se o Programa Integrado de
Recuperação e Revitalização de Núcleos Históricos com recursos obtidos por empréstimo do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). O último aporte de recursos para o programa, 7 milhões de
dólares, foi feito em 1985 e proveio de um empréstimo concedido pelo governo francês.20 No decorrer
dos últimos anos de realização do programa, merece referência a parceria feita com o Banco Nacional de
Habitação (BNH), em 1982, para um projeto de recuperação das habitações situadas em áreas tombadas:
o Programa de Recuperação de Áreas Habitacionais Deterioradas de Núcleos Históricos.
Depois de uma análise pormenorizada da trajetória do programa, Márcia Sant’Anna faz um balanço
dos resultados, do qual destacaremos alguns tópicos pertinentes ao assunto central deste livro, ou seja, o
uso do monumento. A arquiteta assinala o fato de que as restaurações se dirigiram principalmente para
monumentos mais expressivos que tivessem condições de ser adaptados ao uso turístico ou à função
administrativa, como sedes de órgãos ou serviços públicos. Dos imóveis restaurados, 36% foram destinados
a uso turístico e cultural, ou seja, a ser utilizados como centros de cultura, museus, pousadas, teatros,
restaurantes e outros. Para uso institucional, foram destinados 30% dos projetos e para a continuação da
função religiosa, 13%.
Dos monumentos restaurados, somente 20% tiveram uso gerador de recursos para a manutenção dos
imóveis, um índice muito baixo, tendo em vista que um dos objetivos do programa era a restauração progressiva do
patrimônio. Para esse resultado, observa Márcia, contribuíram dois fatores: a destinação para fins institucionais
e religiosos da maioria dos imóveis e o investimento quase nulo para a recuperação do uso habitacional.21
A capacidade de conservação dos monumentos era pouco avaliada, mas com o decorrer dos anos ficou
“claro que o Estado era um péssimo conservador, e que todos aqueles imóveis restaurados acabaram de
novo se deteriorando”.22 Essa situação ocorreu também com algumas igrejas restauradas, destacando-se,
porém, pela qualidade das obras, as intervenções feitas no Nordeste, notadamente em Pernambuco, na
Paraíba e no Rio Grande do Norte.23
O Programa Monumenta
A ideia da realização de um segundo programa de âmbito nacional para a recuperação do patrimônio
urbano surgiu em 1995, durante um encontro de representantes dos países-membros do BID, e teve como
motivação a experiência de recuperação urbana realizada no centro histórico de Quito, no Equador.24 No
ano seguinte, o Iphan encaminhou ao banco o documento Revitalização de sítios urbanos através da recuperação do
patrimônio cultural, no qual propôs a elaboração de um programa a ser executado em 20 cidades por meio de
uma parceria entre União, estados e municípios.
Iniciou-se, então, um processo de gestação durante o qual, como observa Márcia Sant’Anna,25 revelou-
se total descompasso entre o que queria a instituição – um programa de investimentos públicos voltado
para a revitalização e a dinamização dos sítios – e as preocupações dos técnicos do BID, interessados na
constituição de padrões de preservação autossustentáveis. Resultou desses contatos prévios a concepção
de um programa que teria como meta principal a superação da “prática da preservação centrada na ação
estatal sem garantia de retorno do investimento público ou de geração de recursos para a manutenção do
patrimônio recuperado”.26
Em 4 de dezembro de 1999, foi assinado o contrato de empréstimo entre o BID e o governo brasileiro
para a execução do Programa de Restauração dos Centros Históricos do Brasil (Programa Monumenta)
e, em setembro de 2003, concluiu-se a montagem do seu regulamento operativo. Destacamos desse
documento alguns dados que sintetizam o programa.
Foram definidos como objetivos a longo prazo a preservação de áreas urbanas prioritárias tombadas
em nível federal, o aumento da conscientização da população brasileira acerca do patrimônio, o
aperfeiçoamento da gestão desse patrimônio e o estabelecimento de critérios para implementação de
prioridades de conservação. Definiu-se como objetivo a curto prazo o aumento da utilização econômica,
cultural e social das áreas beneficiadas.
Além do BID, organismo financiador, e do Ministério da Cultura, órgão executor, participariam da
gestão do programa o Iphan, como fiscalizador e supervisor técnico das intervenções nos bens tombados,
e os municípios ou os estados, no papel de executores do projeto.
A gestão do programa cabia à Unidade Central de Gerenciamento (UCG), que tinha as funções de
supervisionar as etapas e procedimentos de elaboração e execução do plano e de controlar o cumprimento
de contratos de provisão de bens e serviços para componentes executados pelo Ministério da Cultura. Em
cada um dos municípios ou estados executores, foi instalada uma Unidade Executora do Projeto (UEP),
à qual cabia a coordenação da elaboração do projeto local, a execução dos procedimentos licitatórios e o
controle do cumprimento de contratos de obras e de provisão de itens e serviços.27
O custo do programa foi estimado em 125 milhões de dólares, sendo 50% de recursos externos e o
restante como contrapartida, com a seguinte composição: 30 milhões de dólares de recursos da União, 20
milhões de dólares de recursos do município ou estado e 12,5 milhões de recursos da iniciativa privada.28 A
maior parcela dos recursos – 42,4% – era destinada aos custos diretos, que correspondiam aos chamados
Investimentos Integrados.
O primeiro componente englobava diversos tipos de obra, como a conservação/restauração dos monumentos
tombados pelo Iphan, melhorias na infraestrutura urbana (pavimentação, iluminação, paisagismo, sinalização
histórica, programação visual e mobiliário urbano), além de pequenas obras de drenagem e saneamento
necessárias à preservação de monumentos nacionais. Abrangia também o financiamento para reforma de
fachadas, telhados, estruturas e instalações elétricas de imóveis particulares situados nas áreas de projeto,
reformas de interior de imóveis particulares situados em áreas de projeto cujos proprietários tivessem renda
familiar inferior a três salários mínimos, além de 50% do custo de instalações subterrâneas de redes elétricas e
telefônicas em áreas de projeto inseridas em conjuntos declarados Patrimônios da Humanidade pela Unesco.
O segundo componente em termos de investimento, denominado Atividades Concorrentes, correspondia
a 35,2% do total e abrangia quatro categorias. A primeira, fortalecimento institucional, envolvia: a capacitação
de pessoal para o setor do patrimônio histórico no Brasil nas três esferas de governo; a execução de
inventários e manuais técnicos, a aquisição de equipamentos e serviços, o treinamento e a capacitação
de pessoal, a atualização legislativa e a capacitação de gestores para o município ou o estado, no âmbito
do Iphan.
A segunda categoria, chamada de promoção de atividades econômicas, consistia no apoio financeiro à realização
de atividades culturais e turísticas voltadas para a intensificação do uso econômico do patrimônio,
atividades de promoção turística e seminários para capacitação de parcerias privadas.
A terceira categoria, treinamento/formação, dirigida para a capacitação de artífices e agentes locais de
cultura e turismo, abrangia a criação de núcleos de formação de artífices em técnicas de conservação de
edificações, treinamento de artífices instrutores e de agentes locais de cultura e turismo.
A quarta categoria correspondia a programas educativos referentes ao patrimônio, tais como campanhas
nacionais, regionais e locais, produção de vídeos e filmes documentários, publicações de educação
patrimonial e criação de rede de comunicação.
O princípio econômico adotado pelo programa era o da sustentabilidade, entendida “como a geração
permanente de receitas suficientes para garantir o equilíbrio financeiro das atividades e manter conservados
todos os imóveis da Área do Projeto, inclusive monumentos cujas receitas sejam insuficientes para sua
conservação”,29 o que significava a geração permanente de receitas suficientes para garantir a manutenção
e a conservação dos imóveis beneficiados. Para garantia da sustentabilidade, previa-se a constituição, nas
cidades incluídas no programa, de um Fundo de Preservação.
Sete cidades seriam atendidas na primeira etapa do programa: Olinda, Ouro Preto, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, São Luís e São Paulo. As quatro primeiras conseguiram atender às demandas para a
elaboração de seus projetos e os iniciaram antes de terminar o ano de 2001. Formaram o que se chamou
de Amostra Representativa do Programa.
Previsto para ser realizado em cinco anos, o programa deveria ser concluído em 2004, mas sucessivos aditivos
prolongaram sua execução até 2012, com a participação de 26 municípios30 e a concretização de 235 projetos,
abrangendo restauração e reciclagem de edificações e obras de requalificação urbanística e paisagística.
A questão da renovação de uso esteve presente em diversos projetos, destacando-se as experiências
de implantação de campi universitários em Cachoeira, na Bahia, e em Laranjeiras, em Sergipe, iniciativa
patrocinada por uma política de expansão das universidades públicas estimulada pelo governo federal, por
meio do Ministério da Educação.
Sobre esse tipo de renovação de uso assim se expressou Nabil Bonduki, em seu livro sobre intervenções
urbanas em sítios históricos:31
A implantação de campi universitários em núcleos históricos é uma forma muito eficiente de dinamização urbana
e de garantir a sustentabilidade da preservação. No entanto, também implica em riscos, pois o crescimento da
demanda imobiliária pode levar à descaracterização dos imóveis protegidos. Isso significa que o papel dos órgãos de
preservação passa a ser ainda mais relevante para a compatibilização entre um possível ciclo de expansão econômica
e a proteção ao patrimônio urbano.32
Sendo experiências muito recentes, ainda não se percebe uma demanda imobiliária que possa ter
consequências danosas para os imóveis de valor cultural integrantes desses dois centros históricos,
problema para o qual alerta o referido autor.
Na implantação em Cachoeira do campus da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, foram
aproveitados os espaços internos de três edifícios remanescentes de uma extinta fábrica de charutos,
dos quais restaram apenas as paredes externas e umas poucas internas. A apropriação de espaços ociosos
de construções arruinadas em que restaram somente as fachadas e paredes internas ocorreu também na
implantação do campus de Laranjeiras. Nesse caso, porém, obteve-se um resultado plástico expressivo com
a conservação no pátio interno das estruturas de alvenaria de pedra remanescentes de antigos trapiches.
Um dos méritos do programa no âmbito das experiências de reabilitação foi a ênfase na manutenção
dos usos tradicionais concomitantemente à inserção de novas utilizações que pudessem ser absorvidas
localmente. “Tal perspectiva”, segundo Bonduki, “embora não estivesse muito presente na fase inicial
do programa, foi se tornando preponderante a partir de 2005, convivendo e até superando, em algumas
cidades, a noção – disseminada a partir da Carta de Quito – de que o turismo gera as principais atividades
capazes de dar sustentabilidade às políticas de preservação, visão que influenciou sua concepção original”.33
Devemos creditar ao Monumenta a concretização de um projeto idealizado desde os anos 1970:
o financiamento especial para imóveis privados situados em cidades históricas. Já em 1978, a direção
da Fundação Nacional Pró-Memória, com o assessoramento técnico do arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo, chegou a propor a criação de uma linha de crédito no BNH para imóveis de valor histórico
destinados ao uso habitacional.34 Quase 30 anos depois, essa ideia concretizou-se com o Monumenta.
O instrumento de financiamento desenvolvido pelo programa possibilitou a execução de 360 obras de
recuperação entre 2006 e 2012. Dessas ações, realizadas em 19 municípios, mais da metade (67,22%)
concentrou-se em cinco cidades de pequeno a médio porte: Goiás, em Goiás: 61 obras; Natividade,
no Tocantins: 58; Lençóis, na Bahia: 57; Ouro Preto, em Minas Gerais: 35; Cachoeira, na Bahia: 31.
A participação de cidades grandes foi muito pequena. Nas capitais que aderiram efetivamente ao
financiamento oferecido pelo programa e em Corumbá, somente 28 obras foram realizadas: Belém, no
Pará: oito; Corumbá, em Mato Grosso do Sul: seis; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul: dez; Rio de
Janeiro, no Rio de Janeiro: quatro.
Há que se creditar também ao programa o esforço de viabilização de propostas de reabilitação que
garantissem a permanência, no local, da população de baixa renda. Nessa linha, situa-se a Sétima Etapa do
Projeto de Recuperação do Centro Histórico de Salvador. Com essa ação, voltada para a habitação social,
procurou-se corrigir a distorção do Projeto Pelourinho, executado pelo governo estadual nos anos 1990,
que excluiu quase totalmente o uso habitacional do centro histórico.
A ação do Monumenta abrangeu projetos de inserção de 338 unidades residenciais e 55 pontos
comerciais em 76 edificações. O resultado dessas obras, do ponto de vista da preservação arquitetônica,
é bastante discutível. Como observou Bonduki, “reciclar antigos casarões unifamiliares para utilizá-los
como blocos de habitação coletiva não é um procedimento simples e acarreta uma série de problemas
projetuais e construtivos”.35
Em 2010, estando o Monumenta em fase de conclusão, foi lançado o PAC Cidades Históricas,
derivado do programa de desenvolvimento federal denominado Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC), mas adaptado ao atendimento de cidades históricas e alimentado pelas experiências de
requalificação empreendidas por iniciativa federal. Diferentemente, porém, dos programas anteriores,
o PAC Cidades Históricas caracteriza-se pela transversalidade no que se refere à política cultural.
De sua realização, participam os Ministérios da Cultura (por meio do Iphan), das Cidades e da
Educação e do Turismo, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
e da Caixa Econômica Federal, pactuados com os municípios detentores de patrimônio protegido
por tombamento. Outro aspecto inovador é a extensão das intervenções a projetos de saneamento
ambiental, melhoria do transporte público e implantação de habitações sociais.
Acreditava-se que a aliança entre consumo, lazer e cultura, num ambiente histórico
único, igualaria a área aos shoppings da cidade, gerando uma dinâmica que
contaminaria saudavelmente as quadras vizinhas [...], viabilizando o centro
histórico.44
Da requalificação à proteção
Vale ainda destacar o fato de que, no centro do Rio de Janeiro, além das áreas que integram o corredor
cultural, existem outras protegidas pela lei de proteção ambiental criada em 1988 pela prefeitura.
São as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e as Áreas de Proteção Ambiental e Cultural (APACs).
Foram consideradas APAs áreas dotadas de características notáveis nos aspectos naturais e culturais
que justificassem o disciplinamento de sua ocupação e utilização visando à valorização do patrimônio
ambiental. Com a instituição do Plano Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, em 1992, houve um destaque
para a importância do patrimônio cultural que motivou a criação das APACs, visando à preservação do
ambiente cultural urbano:
Com 20 anos de implantação do projeto, pode-se chegar a algumas conclusões. A primeira é que ele contribuiu
para a reabilitação do centro histórico da cidade reforçando as formas tradicionais do comércio varejista. Em
segundo lugar contribuiu para a revitalização no centro da função cultural. E, finalmente, resgatou o valor de
uma arquitetura vernacular – o casario assobradado construído do século XVIII ao início do XX, de grande
significado histórico e artístico para a cidade do Rio de Janeiro.58
Implantado na praça principal do centro histórico da Lapa, de frente para a Igreja Matriz, o teatro
apresenta linguagem arquitetônica similar à das casas de espetáculos construídas em outras regiões do
Brasil, como o Teatro Municipal de Icó (Ceará), o Santa Inês, em Alagoa Grande (Paraíba), o Minerva, em
Areia (Paraíba), o Municipal de Ouro Preto e o de Sabará (Minas Gerais). A fachada singela tem origem
neoclássica, que é expressa pela simetria da composição e do coroamento por um frontão triangular.
Apresenta cinco vãos em arco pleno, sendo três portas ao centro ladeadas por duas janelas de peitoril,
todos eles arrematados por bandeiras de madeira e vidro.
A cobertura em quatro águas, com telhas cerâmicas do tipo capa e canal, é apoiada em tesouras de
madeira. O arcabouço, de planta retangular, apresenta paredes de alvenaria mista de pedra e tijolos, que
envolvem a estrutura interna feita de madeira e disposta em forma de ferradura. Destacam-se as frontarias
dos camarotes com guarda-corpos entalados com balaustrada de madeira entre cada par de esteios e, no
alto destes, tábuas finas, com recorte em forma de arco pleno.
O edifício é composto de dois pisos: o primeiro, com foyer, plateia circundada por camarotes, palco
e sanitários laterais, inseridos na restauração de 1975-1976; o segundo, com vestíbulo, camarotes que
circundam o vazio da plateia, sanitários e circulação lateral pelos fundos do palco.81
Após a restauração, o teatro foi entregue ao público em 5 de novembro de 1976. Antes das obras,
seu estado de conservação era precário por ter sofrido intervenções danosas durante a fase de uso como
estação de rádio. Na restauração foi adotada a linha de reconstituir o que havia sido modificado com
base em documentação iconográfica, prospecções e fontes orais. Para a reconversão do edifício a teatro,
construíram-se novas instalações hidrossanitárias, elétricas e telefônicas.82
Desde sua reinauguração, o local tem sido utilizado por companhias teatrais do Paraná e de outros
estados, estando aberto à visitação fora dos horários de espetáculo. Vem servindo à comunidade local para
atividades não relacionadas a sua função precípua, como a realização de cerimônias de formatura, além
de cursos diversos. Com a conclusão da restauração do antigo Cine Imperial, situado nas proximidades,
pretende o município que o teatro seja utilizado exclusivamente para as artes cênicas, transferindo o que
não for essencialmente de cunho teatral para o cinema.
O caso do Theatro São João nos leva a duas conclusões: a primeira é a de que o edifício sobreviveu
pela continuidade de uso, ainda que as funções desempenhadas não tenham sido sempre adequadas ao
monumento. A segunda é a de que a função original foi retomada com êxito, para benefício cultural da
população local, que, além de ter recuperado a relação perdida com a atividade teatral, viu resgatadas a
beleza e a originalidade do edifício.83
[...] podemos perceber que a população lapeana tem o maior orgulho de sua cidade
e a trata com muito carinho, pois, neste processo, não se procurou alcançar apenas
o efeito plástico ou estético da renovação urbana, mas também a recuperação da
alma da cidade. Houve uma valorização monetária dos imóveis do centro, um
incremento do turismo com a proliferação de restaurantes e pequenas indústrias
caseiras de produtos artesanais, em especial os alimentícios, antiga tradição local.90
O parque do Flamengo
O projeto do parque do Flamengo originou-se de um planejamento desenvol-
vido nos anos 1950 com o objetivo de melhorar o tráfego de veículos. Decorria,
portanto, de uma concepção de urbanismo que elegia o deslocamento de veículos
como prioridade no tratamento da cidade. O que hoje seria impensável era, 50
anos atrás, perfeitamente aceito: o aterramento de parte da Baía de Guanabara
para facilitar o trânsito de automóveis. Essa prática já ocorrera no início do século
Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro,
XX para a construção da avenida Beira-Mar, utilizando-se material proveniente
em um domingo de 2014: pistas de veículos
do desmonte do morro do Castelo. Para o novo aterro, valeu-se o governo do exclusivas para pedestres e ciclistas. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.
então estado da Guanabara do desmonte do morro de Santo Antônio.91
Parte III
Revitalização na obra de arquitetura
Restauração e reutilização de
monumentos
Muitos edifícios de valor histórico que desapareceram ou se arruinaram chegaram a esse fim pela perda
de função original. Evidenciando tal trajetória, merecem registro, no Brasil, duas categorias de arquitetura: a
militar e a conventual.
A arquitetura militar corresponde a um ciclo de existência finito, iniciado em 1549, com a construção da
primeira obra fortificada de defesa de Salvador, na Bahia, conhecida como Trincheira do Mar, e encerrado
com a edificação, em 1914, do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Quando a instituição federal procedeu ao tombamento de fortificações, verificou-se que aquelas que se
encontravam, de alguma maneira, em uso apresentavam bom estado de conservação. Outras, porém, tinham se
arruinado em razão do abandono, estando algumas sem condições de ser restauradas ou reutilizadas, como o
Forte Velho, em Cabedelo, Paraíba, o Forte Dom Pedro II, em Caçapava, Rio Grande do Sul, o Forte de Nossa
Senhora dos Remédios, no arquipélago de Fernando de Noronha, e o Forte do Príncipe da Beira, em Costa
Marques, Rondônia. Havia ainda edificações que, embora abandonadas e bastante Ruínas do Convento de Santo Antônio
do Paraguaçu, em São Francisco do Conde,
arruinadas, não tinham chegado ao estado irreversível, podendo ser restauradas e
Bahia, 2009. Foto de Nelson Kon.
reutilizadas, como ocorreu com os fortes catarinenses de Santana, São José, Santa
Cruz e Santo Antônio, recuperados nas décadas de 1970 e 1980.
Antigo Convento do Carmo, em Salvador, A continuidade de uso sempre foi um fator de preservação, mesmo em
Bahia, década de 1980: entrada do hotel e
antigo claustro, no qual se veem a piscina e
caso de utilizações diversas da função original, como ocorreu no distrito de
as folhas de vidro temperado inseridas nos Rondinha, município de Campo Largo, Paraná, com o último exemplar das
vãos de janelas e na arcada. Fotos de Cyro
Corrêa Lyra.
dezenas de engenhos de soque de erva-mate que fizeram a riqueza do Paraná
no século XX. Sua sobrevivência deveu-se à adaptação do engenho para uso
como moinho de cereais e ao zelo da família proprietária com sua conservação.
Restaurado em 1982, passou a abrigar o Museu do Mate.5
Outro exemplo da continuidade de uso com funções diversas é dado pela
história do Theatro São João, na Lapa, Paraná. A edificação foi cinema, emissora
de rádio e novamente teatro, como vimos no capítulo anterior. Também merece
ser lembrado o caso do Teatro Municipal da Ribeira dos Icós, na cidade de Icó,
Ceará. Construído segundo projeto de um médico francês, radicado no interior
cearense desde 1845, foi adaptado, nos anos 1930, para cinema. Em 1979,
com recursos do PCH, passou por uma restauração e foi reconvertido à função
original. Em 2003, foi novamente restaurado e requalificado com recursos do
Programa Monumenta.
Os primeiros arquitetos restauradores brasileiros concentraram sua ação na
recuperação física do monumento, envolvendo-se nas questões materiais do
edifício, ou seja, diagnosticando e solucionando os problemas de degradação
física e de modificação arquitetônica. Pode-se afirmar que priorizavam a forma,
relegando a segundo plano a função do monumento. A questão do uso era, quase
sempre, encarada como uma adaptação infelizmente necessária e, por isso, equacionada Teatro Municipal da Ribeira dos Icós,
em Icó, Ceará, 2003. Foto de Cyro Corrêa
a posteriori. Raramente são encontrados em seus depoimentos o reconhecimento
Lyra.
de que a reutilização do bem arquitetônico exigiria modificações inevitáveis, a ser
equacionadas no início do processo restaurativo. O que se percebe é a incidência
frequente no equívoco de considerar a restauração uma operação precedente e
dissociada da intervenção requerida pelo novo funcionamento do edifício.
A relutância diante da necessidade de enfrentar as exigências impostas
pela destinação de novo uso está na raiz do fracasso na restauração de muitos
monumentos, apesar dos esforços empregados em obras invariavelmente
dispendiosas. Depois de cuidadosamente restaurados, permaneciam vazios,
voltando aos poucos a se degradar, por não ter sido previamente definido a quem
eles seriam entregues, como seriam utilizados e a quem caberia sua manutenção.
No final da década de 1970, essa questão foi levantada por Aloísio
Magalhães, preocupado em renovar a instituição federal de preservação e retomar
o conceito de bem cultural, estabelecido no anteprojeto de Mário de Andrade.6
Tendo assumido a direção do Iphan, Magalhães constatara que a maioria das
intervenções restaurativas não era acompanhada de medidas que promovessem
a reutilização e, consequentemente, a manutenção do bem restaurado, situação
que comprometia a conservação dos monumentos:
No caso dos monumentos de pedra e cal não faz sentido restaurá-los para
que voltem depois a ser abandonados. É preciso inserir esse bem na vida da
comunidade. É necessário que ele volte a ser importante, volte a ser usado diária,
quotidiana e fortemente pela comunidade. Primeiro porque assim é que ele vale
e, segundo, porque assim é que ele se conserva. Na verdade, não há imóvel que se
conserve fechado e vazio. A vida é um elemento de contribuição para a própria
permanência da vida.7
O comentário era uma advertência para a maioria dos restauradores, então absorvida pelas questões
materiais dos bens edificados. Infelizmente, a morte prematura de Aloísio Magalhães interrompeu a revisão
da instituição, cuja conduta na restauração de bens imóveis, sob sua direção, provavelmente passaria por
modificações. Sua mensagem em prol de um patrimônio vivo não chegou, na época, a ser incorporada a ponto
de redirecionar a instituição para a preservação com mais participação da comunidade.
São raros os registros que revelam concomitância entre a definição do uso e o equacionamento da
restauração de monumentos. Compreendia-se a importância da utilização como instrumento para a
preservação, mas, de modo geral, realizava-se a restauração sem antes definir as modificações necessárias
para atendimento aos futuros usuários.
A situação de edifícios ociosos, por sua vez, era geralmente muito precária, exigindo uma ação imediata,
o que provocava o adiamento de sua destinação pós-restauração. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas
fortalezas catarinenses tombadas pelo Iphan, que, no final da década de 1960, estavam abandonadas e
arruinadas. As primeiras medidas tomadas na época pelo arquiteto Luís Saia, chefe do 4o Distrito do
Iphan,8 como não poderiam deixar de ser, consistiram em evitar o arruinamento completo, empregando os
recursos financeiros de que dispunha em obras de consolidação.9
Vale observar que a reutilização não cabe à instituição que tombou o prédio, a não ser quando se trata
de um bem de sua propriedade ou sob sua responsabilidade. A utilização é um direito do proprietário e, no
caso de um bem tombado, um dever, pois só assim ele será conservado. No caso das fortalezas catarinenses,
o Iphan, por intermédio do funcionário responsável, o chefe do 4o Distrito, tomou a providência que lhe
cabia, ou seja, intervir para evitar o arruinamento, já que as Forças Armadas tinham relegado as edificações
ao abandono, por não mais servirem do ponto de vista militar.10
Intervenções de salvamento de edifícios em degradação por mau uso ou por abandono ocorreram e ainda
ocorrem em todo o país, não constituindo o caso das fortificações catarinenses uma exceção. É necessário
lembrar que o arruinamento de muitos edifícios inscritos nos Livros do Tombo se deve ao abandono inten-
cional. Exemplos significativos são a casa da rua dos Inválidos, na cidade do Rio de Janeiro, e a casa-grande da
Fazenda São Bernardino, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Embora estivessem íntegras quando foram ins-
critas no Livro de Tombo das Belas Artes (em 1938 e 1951, respectivamente), hoje se encontram em ruínas.
Apesar da concentração dos esforços na tarefa de restaurar e da transferência da questão do uso para um
segundo momento, houve sempre a consciência da importância da reutilização para garantir a conservação
do monumento. É o que atesta, por exemplo, o depoimento recente de um dos mais importantes técnicos
que atuaram na restauração dos monumentos brasileiros, o mestre Ferrão:
Infelizmente, há um problema muito sério que precisa, na minha opinião, ser resolvido. Hoje já aposentado, aos
70 anos, pelo Patrimônio, acho que há a necessidade de o corpo técnico e jurídico estudar uma maneira que todos
os monumentos restaurados tenham utilização. Não é restaurar, e deixar abandonado, entregue aos morcegos, aos
cupins totalmente, porque não há quem cuide.11
Per il restauro dei monumenti valgono gli stessi pricipi qhe sono stati posti per il
Adro (no alto) e claustro (acima) do restauro delle opere d’arte, e cioè per lê pitture, sai mobili che imobili, gli oggetti
Convento de Santo Antônio, em João
Pessoa, Paraíba, década de 1980. Fotos de
d’arte e di storia e cosi via, secondo l’accezione empírica qhe distingue l’opera di
Cyro Corrêa Lyra. arte dall’architettura propriamente detta.17
Vale observar ainda que os pressupostos de Brandi restringiam-se ao campo da pintura, embora ele
pretendesse teorizar sobre o restauro de todas as artes, como bem assinalou Carlos Olmos:
A pesar de todo, Cesare Brandi, como teórico, es parcial, pues aún sin tomar en cuenta los aspectos idealistas, ya
superados, de su dialéctica, su obra se refiere solamente a lo problema de la pintura, por más que continuamente
aluda a obras de arte en general, incluida la arquitectura. Sus amplios aportes, sin embargo, hacen de él un
auténtico teórico de la restauración que influyó poderosamente en el tratamiento de la pintura.18
A ausência da questão da reutilização na produção escrita dos arquitetos restauradores da “fase heroica”
do Iphan é de certa maneira compreensível, já que o desafio de primeira hora enfrentado pela instituição
foi a sobrevivência física dos monumentos. Além disso, uma das principais causas de destruição foi a falta
de conservação decorrente do mau uso. Na realidade, entre os principais responsáveis pela degradação de
muitos edifícios de valor cultural destacaram-se seus usuários.
No momento atual, entretanto, em que há mais consciência por parte da sociedade acerca do valor
da herança cultural, lidar com a questão da utilização do monumento é um imperativo no planejamento
das ações de conservação de bens não só para o Iphan, mas também para os órgãos de preservação
estaduais e municipais, como observou o consultor Jean Pierre Halevy, em seu relatório de análise do
Programa Monumenta:
O que sobrevive do passado não pode ficar imobilizado numa eternidade petrificada. A mais modesta intervenção
para conservar um monumento modifica-o. Isso é o trabalho mais difícil do Iphan, controlar, dar um sentido,
uma forma, às modificações provocadas pelo tempo e pela vida.
A obrigação cultural do Iphan é fazer tudo o que puder para o Patrimônio participar da cultura do presente,
e não seja apenas o fantasma das origens, a ilustração pedagógica do passado, mas a matéria de um trabalho
criador. O problema não é apenas conseguir a inteligência do passado, é também incorporar o passado no
presente, é inventar o presente com a matéria ou as raízes do passado.
O bairro residencial que destruiu uma praia selvagem pode, depois, ser tombado. Isso seria o ideal: que a
transformação de um bem tombado acabasse num novo bem tombado. Isso significaria que o uso do bem
tombado foi da mesma qualidade que justificou o tombamento. Que as modificações atuais de Ouro Preto
sejam da mesma qualidade que a velha cidade. Isso foi, aliás, a ideia de Lucio Costa quando ele pediu ao Oscar
Niemeyer para projetar o Grande Hotel de Ouro Preto. No Rio, o outeiro da Glória, o morro de São Bento,
se não tivessem edificações no topo, hoje, seriam tombados como foram tombados o morro da Urca ou a pedra
da Gávea, como paisagens naturais. A igreja da Glória, o mosteiro beneditino substituem à beleza primitiva
uma outra beleza. O morro da Viúva, ao contrário, desapareceu, invisível atrás dos edifícios de promoção
imobiliária rica.19
A readaptação pode dar nova vida ao edifício, mas nem sempre o novo
uso é bem escolhido. O mau uso pode também destruir, como sucedeu com
o Parthenon, em Atenas, na Grécia, o mais extraordinário dos monumentos
clássicos, durante a dominação turca, no século XVI. Convertida a Acrópole em
cidadela, os venezianos sitiaram Atenas, e o Parthenon, que abrigava um paiol de
pólvora, foi atingido durante um bombardeio, arruinando-se com a explosão.20
A história dos monumentos é rica em exemplos tão absurdos como o do
Parthenon, a maioria decorrente da ignorância e do imediatismo. Há causas
mais complexas, como motivos de ordem ideológica, que podem ser ilustrados
pelo que ocorreu na França, em fins do século XVIII, nos primeiros anos
pós-revolucionários, quando catedrais e igrejas foram utilizadas para as mais
inusitadas funções, convertendo-se em paióis de munição, depósitos de salitre
ou de sal, mercados, prisões e quartéis.21
No Brasil, os exemplos de destinação inadequada não são poucos e remontam
ao período colonial. Um desses exemplos foi a tentativa de Luís Pereira Freire
de Andrade, governador de Pernambuco, na década de 1740, de converter
em quartel o Palácio das Duas Torres, uma edificação construída pelo conde
Maurício de Nassau no período do domínio holandês (1630-1654). Essa
iniciativa gerou uma carta indignada do vice-rei, Dom André de Melo e Castro,
conde das Galveias, lastimando a entrega do palácio “[...] ao uso violento e
pouco cuidadoso dos soldados, que em pouco tempo reduzirão aquela fábrica
a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com ela, se arruinará
também uma memória [...]”.22
Equívocos semelhantes foram observados em alguns dos empreendimentos
Antiga Casa de Câmara e Cadeia de
Icó, Ceará, 2003. No alto, a fachada.
educacionais dos jesuítas, após sua expulsão do Brasil, em 1759, acarretando
Acima, detalhe interno da parede entre modificações radicais, quando não demolições. Em Salvador, por exemplo, o
celas rompida para permitir um circuito de
exposição. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
conjunto jesuítico formado por igreja e colégio perdeu, em 1808, o edifício
destinado ao ensino, sendo erguido no local um hospital militar.23 Entretanto,
manteve-se a igreja, praticamente inalterada, adaptada às funções de catedral.
Um exemplo recente de proposta de reutilização inadequada foi o projeto
de adaptação do pavimento térreo da antiga Casa de Câmara e Cadeia da cidade
de Icó, no Ceará, realizado em 2003.24 Até as vésperas da intervenção, as celas
A readaptação, na maioria dos casos, é a condição para a sobrevivência do edifício, como ocorre com as
obras cuja função original desapareceu, extinguindo-se a razão primeira de sua existência, ou nas quais as
características da arquitetura já não satisfazem às necessidades e exigências da sociedade. A obsolescência
conduz ao abandono, à degradação e à ruína. A história da arquitetura, na diversidade de soluções plásticas
que ao longo do tempo é empregada em cada tipo de edifício, reflete as mudanças de uso decorrentes das
transformações da sociedade. É uma história de substituições, e a maioria dos edifícios que sobreviveram
às mudanças sociais passou por adaptações. Os demais foram substituídos ou abandonados.
A evolução das técnicas construtivas foi um dos fatores que contribuíram, em determinados momentos,
para a substituição de soluções tradicionais por novas. Os romanos, por exemplo, assimilaram as crenças
religiosas dos gregos, mas da arquitetura dos templos destes só adotaram a composição plástica dos exteriores.27
Vale observar que a obsolescência dos templos gregos não se deveu apenas aos recursos de ordem
técnica. A outra causa foi o advento do cristianismo, cujos cultos exigiam espaços de maiores vãos para
abrigar os fiéis, ao passo que no interior dos templos politeístas só permaneciam os sacerdotes e seus
auxiliares, ficando o povo no exterior.
As mudanças religiosas, como as ideológicas, constituíram também motivo de rejeição do edifício
quando sua arquitetura era identificada com as crenças anteriores, como ocorreu, na conquista da América,
com os templos erguidos pelos povos ameríndios, que foram destruídos pelos colonizadores europeus.
Entretanto, na medida em que a arquitetura precedente era capaz de atender aos novos desígnios, lançava-
se mão do que ela oferecia e faziam-se as adaptações necessárias. Assim, os cristãos adotaram as basílicas
como seus primeiros templos por causa da amplitude do espaço interno dessas construções, suficientemente
vasto para comportar os fiéis. A nova função, embora totalmente diversa da original – abrigar reuniões
comerciais e sessões judiciais –, tinha em comum com a anterior a necessidade de acomodar grande
número de pessoas.
Além disso, durante séculos, os cristãos adotaram como modelo para as fachadas das construções a
composição plástica exterior dos templos pagãos: a base retangular modulada por colunas ou pilastras,
delimitada pela arquitrave e arrematada no topo pelo frontão triangular, só lhe acrescentando a cruz.
O processo de substituição da arquitetura resulta da transformação das sociedades. Novas necessidades
significam novos programas, que, por sua vez, exigem novas soluções arquitetônicas. Até a constituição da
sociedade industrial no mundo ocidental, o processo de transformação foi lento e as mudanças de hábitos
provocavam ligeiras adequações que não chegavam a eliminar as soluções arquitetônicas usuais.
Os partidos arquitetônicos que milenarmente atendiam aos programas tradicionais derivavam de
soluções que remontavam à Antiguidade, guardando ainda sinais de sua origem na aplicação de detalhes
derivados do vocabulário greco-romano. Na sociedade pré-industrial, as transformações pelas quais passava
a arquitetura e as cidades não resultavam em obras contrastantes com as precedentes.
Até a metade do século XIX, a técnica construtiva ainda se valia basicamente de pedra, cal, argila e
madeira, como assinalou Lucio Costa:
Desde os tempos primitivos, vem a sociedade sofrendo modificações sucessivas e periódicas, numa permanente
adaptação das regras do seu jogo às novas circunstâncias e condições de vida. Essa série de reajustamentos,
todas essas arrumações sociais, mais ou menos vistosas, tiveram, porém, a marcá-las, um traço comum: esforço
muscular e trabalho manual. Esta constante em que se baseou toda a economia até o século passado também
limitou as possibilidades da arquitetura, atribuindo-se, por força do hábito, aos processos de construção até então
necessariamente empregados, qualidades permanentes e todo um formulário – verdadeiro dogma – a que a tradição
outorgou foros de eternidade.28
Na arquitetura de moradia essa limitação é demonstrada nas condições de conforto interno, podendo-
se afirmar que, até o advento da sociedade industrial, as habitações não ofereciam mais conforto interno do
que as casas da Antiguidade. As ruas, por sua vez, continuavam a ser percorridas por pedestres e cavaleiros
e os grandes edifícios urbanos continuavam a ser as igrejas, reinando com seus campanários sobre a
paisagem de edificações que não iam além de cinco pavimentos. Até então eram proezas extraordinárias as
torres das catedrais da Idade Média, como as de Colônia, na Alemanha, com seus 157,4 metros de altura,
ou as de Londres, com 150 metros, destruídas no grande incêndio de 1666.
Esse processo, entretanto, foi acelerado na passagem da era da produção artesanal para a industrial,
quando aos programas de uso presentes em todas as sociedades, como a habitação, o templo, o mercado e
o fórum, somaram-se exigências programáticas como as estações ferroviárias, as fábricas e os pavilhões de
exposição, cuja viabilidade construtiva a técnica metalúrgica possibilitava. Na penúltima década do século
XIX, foram construídos em Chicago edifícios com até 20 pavimentos. Na mesma época, Gustave Eiffel
conduziu a construção da torre de 300 metros de altura, inaugurada em 1889, que perpetuou seu nome e
assombrou a população parisiense e o restante do mundo.
As vantagens da tecnologia construtiva demonstradas nas soluções arquitetônicas para os programas da
era industrial induziram o emprego do ferro nas edificações destinadas aos programas de uso tradicionais,
substituindo vigas de madeira, colunas de tijolo e consolos de pedra por peças metálicas, que ofereciam a
vantagem da esbelteza e, por serem pré-fabricadas, também a da economia, pela rapidez de execução. Com
o desenvolvimento da técnica do concreto armado, consolidou-se a implantação de um novo capítulo da
história da construção: o da era industrial.
Ao mesmo tempo que a tecnologia da construção transformava-se radicalmente, na sociedade ocidental
evoluía a ciência da saúde, o que levaria à introdução de hábitos que exigiriam a modificação definitiva da
moradia, ou seja, do programa que, até então, menos tinha sido alterado. Externamente, a condenação dos
becos e das vielas e, internamente, a obrigatoriedade de introdução das instalações sanitárias condenaram as
edificações existentes, principalmente as casas de residência, pondo em risco a sobrevivência do patrimônio
cultural que elas representavam. A partir de então, o que não fosse consagrado como monumento e, como
tal, protegido pelo poder público, só sobreviveria se adaptado aos novos tempos.
Vocação de uso
Até que ponto um edifício de valor cultural pode ser adaptado sem se
descaracterizar de maneira irremediável? Inicialmente, é necessário observar que
os monumentos diferenciam-se pelo que se pode chamar de caráter, ou seja, o
conjunto de aspectos definidores da família arquitetônica a que pertencem.
Cada uso tem contido nele elementos do programa que, à luz de um velho conceito
do século XIX, com justa certeza, pode implicar na definição do caráter da
edificação. Entenda-se por caráter não aquela simples escolha de um estilo gótico
para uma igreja ou um renascentista para tribunais. Não, o caráter de que falamos
são os parâmetros estéticos e as funções que se integram ao edifício existente e que
nele o distinguem de outro.
É necessário, assim nos parece, que, ao termos presente o edifício, que irá mudar
de uso, confrontemos o uso antigo e o novo desejado para que aquelas duas
características possam se integrar respectivamente.29
vocação daquele monumento. Embora reutilizações em funções completamente Vistas externa e interna da Igreja de São
Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas
diversas das originais tenham salvado do desaparecimento muitos monumentos, Gerais, década de 1980. Na imagem acima,
pode-se considerar que tais fatos foram excepcionais, apresentando cada tipo no interior da nave, vê-se a porta de entrada,
o coro e o teto pintado por Manoel da
arquitetônico um leque finito de vocações de uso. Costa Ataíde. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
Reconhece-se que há famílias de grande densidade simbólica e de explícita
intenção plástica, como a arquitetura dos palácios e das igrejas. São exemplares
arquitetônicos que já nasceram “monumentos”, predestinados a perpetuar de
forma explícita a singularidade de sua expressão plástica, independentemente
dos componentes documentais que sua história lhes tenha agregado. Neles, a
finalidade original está solidamente impressa, dificultando reutilizações. São,
portanto, mais resistentes a toda forma de renovação e adaptação.
Basta lembrar que a presença de elementos artísticos integrados – um dos
traços comuns a esses edifícios –, como as pinturas ou as talhas que revestem
paredes e tetos, constitui por si só um empecilho a mudanças para funções
diversas da primitiva. Mesmo sem alteração de uso, esses elementos são fatores
inibidores de inserções ditadas, por exemplo, pela necessidade de atendimento
ao conforto do usuário, como as instalações prediais – sanitárias, elétricas,
acústicas etc.
No outro extremo estão as famílias arquitetônicas dos edifícios concebidos
sem muitas intenções plásticas, destinados a atender apenas às necessidades
práticas, ou seja, utilitários por natureza. Seu valor como arquitetura foi um
Porto Madero, Buenos Aires, Argentina, reconhecimento a posteriori, pois não nasceram “monumentos”. São exemplos
2006. Foto de Victor Hugo Mori.
os antigos fortes, fábricas, estações ferroviárias e armazéns, mais acolhedores
a adaptações, reciclagens de uso e modernizações, principalmente os que
fazem parte de programas arquitetônicos obsoletos. Incluem-se nesse caso as
áreas portuárias desativadas, que vêm sendo recicladas em diversos países para
a função de lazer, adaptando-se seus armazéns para uso como restaurantes e
lojas. Essas alterações têm revitalizado trechos urbanos de grande extensão
que haviam se esvaziado em razão da transferência da função portuária, como
ocorreu em Nova York, nos Estados Unidos, e em Buenos Aires, na Argentina.
Os projetos realizados nesses locais precederam e, possivelmente, serviram de
modelo às experiências, mais recentes, de revitalização das áreas portuárias
brasileiras desativadas.30
Assim como ocorreu com a função portuária, transferida para locais distantes
da cidade, outras funções vêm se revelando inadequadas para a localização
Área portuária de Nova York, nos
urbana. Os quartéis e penitenciárias, por exemplo, estão sendo deslocados para
Estados Unidos, reciclada para lazer, 1993.
Foto de Cyro Corrêa Lyra. áreas mais afastadas, tornando ociosas as instalações originais. A penitenciária
de Recife é um exemplo interessante de reciclagem desse tipo de instalação para
novo uso – no caso, para centro comercial de artesanato. A intervenção foi
realizada na década de 1970, conforme projeto do arquiteto José Luiz Mota
Menezes, que observa:
Uma casa de moradia pode abrigar uma indústria de pequeno porte, assim
como um mercado pode ser adaptado para centro comercial e uma igreja tem
condições de ser convertida em sala de concertos. Nos casos de perda de identidade
por sucessivas transformações, a destinação de uso pode ser, excepcionalmente,
direcionada a funções radicalmente diversas das originais, como ocorreu com
A maioria dos edifícios, entretanto, não tem grande valor artístico nem
constitui espaço meramente utilitário. São assim as casas de moradia ou mistas
(de residência e comércio), térreas ou assobradadas, que compõem os exemplos
urbanos da arquitetura vernacular brasileira. Tais construções são dotadas de
valores específicos, seja na forma de organização espacial (documentos materiais
da história do cotidiano), seja na expressão plástica (documentos materiais da
história da “arquitetura sem arquiteto”), valores que devem ser resgatados e
protegidos. Porém, a descaracterização desses imóveis é o que provoca a
degradação dos conjuntos históricos.
As práticas descaracterizantes são muitas. Uma das mais frequentes é a
modificação das fachadas por razões unicamente utilitárias, como o alargamento
da entrada pela eliminação dos requadros tradicionais e a inserção de vigas
de concreto armado para estruturação de um vão maior. A substituição da
caixilharia de vãos de portas ou janelas tradicionais por vidros planos constitui
outro tipo de descaracterização, já que a ausência do caixilho cega o vão,
destituindo sua representação plástica de um elemento essencial.
Assim como a tipologia arquitetônica resulta da função que a motivou, o
que explica a diferenciação externa de casas, igrejas, mercados e indústrias por
sua expressão formal, conclui-se que a função original marca definitivamente o
edifício, conferindo-lhe um caráter. Nesse sentido, não seria razoável fazer de uma
moradia uma fábrica nem de um mercado um templo, porque as características de
cada tipologia arquitetônica impregnam definitivamente seus exemplares.
Revitalização na arquitetura
oficial
Arquitetura militar
O Iphan protegeu, até 2012, por meio do tombamento, 44 exemplares do patrimônio cultural edificado
de função militar.1 Esse acervo e mais uma dezena de fortes não tombados são remanescentes da rede de
fortificações montada no período colonial, para a defesa do território, por portugueses, por holandeses e,
depois, por brasileiros.2
Sua singular importância reside no fato de pertencerem a uma arquitetura que deixou de ser produzida,
datando de 1914 seu último exemplar: o Forte de Copacabana.3 Tornou-se, portanto, uma família extinta e
um patrimônio em disponibilidade para a reutilização, já que desapareceu sua função original.
Uma das consequências da adoção pelo governo federal, nos últimos anos, de medidas visando à
diminuição do papel do Estado na sociedade foi a revisão do papel das Forças Armadas e, em decorrência,
a redução dos efetivos militares. Com isso, os antigos fortes, cuja maioria é administrada pelo Exército, além
de obsoletos como armas, tornaram-se espaços ociosos e de custosa manutenção.
No caso de alguns fortes, foi feita cessão de uso a instituições públicas. Quartel da Fortaleza de Anhatomirim
visto do mar, 2011. Foto de Mario Pires.
A Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, tem a cessão
de uso das fortalezas catarinenses de Santa Cruz de Anhatomirim e de
Santo Antônio, que eram da Marinha, e de São José da Ponta Grossa, que
pertencia ao Exército.
Do conjunto tombado, a minoria mantém funções militares, ou seja, abriga
departamentos do Exército, como os fortes de São Diogo e de São Pedro, na
Bahia. Há também fortes que foram convertidos em museus militares, como
o de Copacabana, no Rio de Janeiro, e o Nossa Senhora de Monte Serrat, em
Salvador, na Bahia. Com exceção dos poucos ainda usados pelo Exército para
funções militares, a maioria já foi reciclada ou está programada para sê-lo.
O crescimento do turismo trouxe alternativas de reutilização para essas construções. Diversos fortes,
como a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, Rio de Janeiro, estão abertos à visitação. Outros abrigam
museus históricos, como o Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, no qual foi instalado o Museu
Histórico do Exército.
Nessa tipologia de edifícios, a vocação para o turismo é evidente, revelando-se as fortificações como
locais que atraem muito o interesse do público pela conjugação de alguns fatores, peculiares a essa
arquitetura e ausentes em outras famílias arquitetônicas.
O primeiro e principal desses fatores é a localização privilegiada dessas construções. Se nos ativermos
ao universo reconhecido, até hoje, como patrimônio histórico e artístico nacional, ou seja, às 41 fortifica-
ções tombadas, veremos que 36 situam-se junto à água, sendo 29 na orla marítima e o restante à beira-rio,
e sempre em locais de paisagem privilegiada, como ilhas, promontórios e colinas. Localizam-se, assim, em
pontos cuja paisagem, por si mesma, constitui uma atração. Em outras palavras, já estão inseridos em áreas
de potencial turístico.
Outro aspecto relevante diz respeito à singularidade de sua linguagem arquitetônica. Trata-se de uma
arquitetura com repertório formal peculiar, com elementos como as muralhas rampantes, a contraposição
das saliências em ângulo agudo dos baluartes, com as cortinas alongadas e recuadas, os perfis denteados e
ritmados das ameias e canhoneiras, as praças dos terraplenos cercadas pelos quartéis, os túneis de ligação
interna e os espaços abobadados e fechados dos paióis. São componentes, em sua origem, meramente
utilitários, concebidos para atendimento exclusivo aos ditames de sua funcionalidade. Hoje, constituem
motivo de admiração, pois seu repertório espacial e formal é inexistente em outras obras arquitetônicas de
grande porte contemporâneas a elas, como os palácios e as igrejas. A riqueza e a originalidade plástica des-
ses elementos acrescentam outro valor aos fortes: o artístico, pois eles podem ser lidos não apenas como
documentos da história, mas também como obras de arte.
Deve-se considerar ainda que, diferentemente dos palácios e das igrejas, que trazem de origem o
sentido da comemoração e da perpetuação, os fortes eram construídos para resolver situações imediatas,
de emergência, sem garantia de uma vida duradoura depois que cessassem os motivos de ordem estratégica
e política que justificaram sua existência. Pode-se dizer, assim, que, enquanto palácios e igrejas já nascem
monumentos, por terem sido edificados para “rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas
rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças”,4 os fortes são consagrados como tal por um
reconhecimento a posteriori.5
Finalmente, acrescentaríamos seu potencial interpretativo. De fato, tratado de forma isolada no contexto
de sua implantação regional, o forte é um tema extremamente rico. Oferece à análise diversos filões: os
motivos históricos que determinaram sua existência, as dificuldades enfrentadas para sua construção, a
convivência de seus primeiros moradores com a população indígena, o cotidiano da soldadesca, a relação
das guarnições com os habitantes das comunidades do entorno, os episódios aos quais serviu de palco etc.
As iniciativas de reciclagem dos fortes para uso turístico, entretanto, não têm sido complementadas
por estudos de seu potencial interpretativo. Mesmo nos casos de sua adaptação para museu, a museologia
geralmente empregada segue o receituário tradicional. Raramente a arquitetura ali presente, com toda
a sua singularidade, é mencionada e muito menos interpretada, ficando reduzida a mero cenário. Os
museus militares dos fortes de São José, em Macapá, de Copacabana, no Rio de Janeiro, e de Santana, em
Florianópolis, são exemplos disso. Referência histórica, quando há, é centrada em datas e feitos. E ouvem-
se dos guias narrativas repletas de invenção, resultantes do empenho em satisfazer visitantes ansiosos por
novidade e emoção.6
A adaptação de edificações da arquitetura militar ao uso turístico ainda não produziu uma experiência
exemplar. Como há, porém, consciência generalizada entre as autoridades militares de que a maioria dos
fortes antigos encontrará no uso turístico um novo futuro, podemos crer que há perspectiva de melhora
substancial na qualidade das intervenções. Não faltam bons exemplos no exterior, como a reciclagem de
castelos, mosteiros e conventos ociosos para uso turístico, realizada em Portugal há mais de meio século.
Mesmo levando em conta as diferenças entre o Brasil e Portugal, há um cenário similar: um patrimônio
cultural edificado ocioso, de um lado, e, do outro, um turismo em franca expansão. Entretanto, é necessário
observar que nossos monumentos históricos militares, assim como os castelos lusitanos, não são arquiteturas
padronizadas. Não se pode, assim, estabelecer projetos-padrão: o potencial de uso de cada monumento
precisa ser analisado individualmente.
A viabilidade de um programa que revitalize os remanescentes de arquitetura militar com propósito de
uso turístico dependerá do equacionamento de alguns condicionantes. O primeiro diz respeito à localização
geográfica. Há fortes em locais que já são polos turísticos, como os situados no litoral do Nordeste7 ou nas
baías norte e sul de Santa Catarina;8 outros estão em regiões com potencial turístico apenas estimado,
como a dos rios da fronteira oeste;9 finalmente, alguns se situam em áreas cuja vocação turística ainda não
é perceptível ou não foi devidamente desenvolvida, como a das campanhas rio-grandenses.10
O segundo condicionante é o da acessibilidade. Embora relacionado à localização geográfica, o acesso é
um dos fatores que mais influem na viabilidade do uso turístico. Podemos tomar como exemplo o Forte
Coimbra, próximo a Corumbá, no Mato Grosso do Sul: está situado em uma das principais áreas turísticas
do Brasil – o Pantanal –, mas o acesso a ele, exclusivamente por via fluvial, é um obstáculo ao incremento
da visitação turística.
O terceiro fator é o da inserção nos circuitos turísticos já consagrados. A coincidência da disponibilidade de
bens com a existência de circuitos turísticos estruturados é um aspecto importante em um plano de conversão
dos fortes à destinação turística. O segundo maior polo de recepção de turistas estrangeiros no Brasil, a
Bahia, em razão da importância que teve Salvador no período colonial, conta com o maior contingente de
fortificações tombadas – dez exemplares, a maioria com grande potencialidade para reciclagem nessa linha.
Seguem, em número de fortes reconhecidos oficialmente como bens culturais, os estados de Pernambuco,
Rio de Janeiro e Santa Catarina, com seis bens cada um. Correspondem, coincidentemente, a regiões que
têm no turismo um dos suportes mais importantes da atividade econômica.
A motivação, ou a potencialidade de interesse desses locais para a visitação e a fruição do turista, é o
quarto fator. São eles apenas espaços ociosos aos quais se quer dar um uso, e sua sobrevivência seria
por meio do turismo, por apresentarem peculiaridades capazes de atrair visitantes? A observação das
experiências em curso no Brasil revela que as edificações militares só fazem parte de “pacotes de turismo”
quando sua localização oferece atrativos paisagísticos. Diante de cenários naturais espetaculares, como os
que emolduram os fortes das baías de Guanabara, de Todos os Santos ou de Santa Catarina, é evidente o
desinteresse pelos atributos culturais. A interpretação da história e do significado dos fortes mais visitados
tem sido negligenciada, limitando-se ao relato de episódios, muitas vezes sem nenhuma base histórica,
como o que se ouviu de um guia na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói (ver nota 6).
Finalmente há a questão da disponibilidade de espaço abrigado. Existem fortalezas, fortes, fortins, redutos
e ruínas de antigas fortificações. Há diferenças de tamanho e de estado de conservação que tornariam
simplista uma programação de uso uniforme. Na perspectiva de sua reciclagem, é necessário identificar a
vocação potencial de cada edificação.
Do ponto de vista tipológico, podem-se identificar quatro grupos. O primeiro é constituído pelos
fortins, caracterizados pela irregularidade de traçado e pela disponibilidade reduzida de espaços cobertos
reunidos em uma única edificação. A exiguidade das edificações permite poucas opções de uso, o que
contribui para limitar a permanência do turista a uma curta visita, situação que costuma ser revertida com
o incremento de atrativos. Exemplificam essa possibilidade as adaptações a pequenos museus, como o de
cartografia instalado no Forte de Santo Antônio, em Salvador, Bahia, e o de Armas, no Forte de Santana,
em Florianópolis, Santa Catarina.
O segundo grupo abrange os fortes de porte médio, também irregulares no traçado, com implantação
orgânica, ou seja, adaptada às condições topográficas do sítio. São características comuns a esse grupo
a distribuição aleatória dos edifícios na cidadela e a generosidade dos espaços abrigados, aspectos que
permitem grande diversidade de soluções para um novo uso. Exemplificam esse grupo as fortificações
construídas no século XVIII para a defesa da ilha de Santa Catarina, mantidas pela Universidade Federal
e utilizadas como locais de visitação turística.
O terceiro grupo compreende os fortes abaluartados, cujas características principais são a regularidade
geométrica do traçado e a distribuição rígida e simétrica das edificações no recinto envolvido pelas
muralhas. São exemplos desse grupo o Forte das Cinco Pontas, em Recife, e o de São José, em Macapá,
ambos abrigando museus históricos.
O último grupo é formado pelos fortes de concreto armado, construídos no início do século XX e
dotados de espaços cobertos semienterrados, sendo o maior e mais famoso o Forte de Copacabana, no
Rio de Janeiro, sede do Museu Histórico do Exército.
Reconhecida a vocação para o uso turístico dos monumentos de arquitetura Forte de Santana, em Florianópolis, Santa
militar, pelas Forças Armadas, e realizadas diversas experiências dessa nova Catarina, em 1969 e depois da restauração,
em 1970. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
destinação, devemos indagar até que ponto tal prática tem contribuído para o
reconhecimento e a valorização do significado histórico dessas obras. Afinal, o
significado para a história do país foi a motivação principal de seu tombamento.
Nesse sentido, o resgate de todos os aspectos relevantes da história do monumento
e da região em que se situa e a transmissão, para o visitante, do conhecimento
resgatado são compromissos que devem ser cumpridos. Constata-se em muitos
casos, entretanto, a inexistência do trabalho de interpretação do monumento.
Embora a interpretação e a transmissão do conhecimento acerca do mo-
numento sejam tarefas complementares necessárias a todos os bens edificados
tombados, é importante ressaltar o fato de que os monumentos de arquitetura
militar da época colonial, por exemplo, são, no âmbito dos bens edificados, os
mais documentados. Tratando-se de construções de iniciativa governamental e
dada a sua importância para o domínio do território brasileiro, a história das
edificações militares era registrada desde sua concepção, com desenhos e textos
detalhados, documentação hoje perfeitamente acessível para o embasamento de
um trabalho de informação sobre cada uma das fortificações brasileiras. Sua dis-
ponibilização é complemento indispensável na revitalização dessa arquitetura.
A reutilização de fortificações desativadas não é, porém, uma tarefa simples.
Entre os fortes ainda sem uso e os reciclados, escolhemos três exemplos para
detalhar essa questão: o da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Santa
Catarina, o da Fortaleza de Barra Grande, no estado de São Paulo, e o da
Fortaleza de São Miguel, em Luanda, Angola.
cobertura, pisos e esquadrias do quartel, ainda não se definiu sua reutilização. Fortaleza de Anhatomirim vista do mar,
2008 e 2011. Fotos de Cyro Corrêa Lyra e
É um casarão vazio, e o que se vê no pavimento superior, destituído de suas Mario Pires.
divisões internas, é um salão desproporcional. As obras estabilizaram o edifício
e interromperam o processo de arruinamento, mas falta vida ao monumento.
Qual seria a destinação de uso desejável? Em nosso entender, seria aquela que
conciliasse a retomada da dignidade do edifício com uma reutilização coerente
com as características de sua arquitetura. Esse novo uso deveria definir, com
base na compreensão de sua vocação, um programa assemelhado ao original,
ou seja, uma moradia coletiva. Um alojamento de estudantes, um albergue ou
uma pousada, por exemplo, proporcionariam uma revitalização coerente com a
função e a conformação originais do edifício.
Em respeito à excepcionalidade de sua arquitetura e por se conhecer a
organização original do espaço interno, o novo agenciamento espacial deveria
recriar o parcelamento interno conforme o traçado setecentista. Evidentemente, Pavilhão superior do quartel totalmente
sem uso, 2011. Foto de Mario Pires.
para a reutilização do edifício, seria preciso atender a exigências de conforto
inexistentes no século XVIII, como instalações sanitárias e elétricas, inserções
que deveriam ser projetadas e executadas de modo que não afetassem a
compreensão do monumento.
O objetivo seria oferecer, para o visitante e o hóspede, a possibilidade de
entender como teria sido o cotidiano no monumento e de recriar mentalmente a
vida de um edifício que era quartel e ao mesmo tempo palácio, erguido sobre uma
ilhota, com dificuldades inimagináveis, mas com extraordinária determinação.
O projeto final de restauração da Fortaleza da Barra Grande tem como Evento realizado no terrapleno da
Fortaleza da Barra Grande, Guarujá, São
compromisso reintroduzir o monumento à vida cotidiana da Baixada Santista, Paulo, 2010. Foto de Victor Hugo Mori.
devolvendo à vida um espaço agonizante.20
Corte 1
Corte 2
O Domus Municipalis tem sua origem no estabelecimento da comuna medieval e, no tempo, corresponde à cúria e
à basílica romana. Tradicionalmente, é a sede da administração e da justiça, e se colocou sempre no lugar de honra
da cidade, isto é, na praça central ou do mercado.25
Invariavelmente, essas edificações são casas assobradadas, com a cadeia no pavimento térreo e a câmara
no andar superior, sendo a sala de audiências contígua à fachada principal. Eventualmente apresentam
pórticos destinados à feira e torres sineiras.
A existência de cadeia no térreo praticamente desapareceu, assim como a permanência da câmara
no andar de cima. A maioria das casas de câmara e cadeia não desempenha mais sua função de sede de
governo municipal. Entre as alternativas de reutilização, predomina a destinação cultural, como ocorreu
nas cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais, e de Goiás, em Goiás.
A Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto foi projetada no último quartel do século XVIII pelo
engenheiro militar José Fernandes Alpoim. Sua arquitetura representa a transição do barroco para o
neoclássico. O barroco comparece no campanário encimado por abóbada e adornado lateralmente por
volutas; o neoclássico faz-se presente na platibanda abalaustrada e no tratamento em cantaria da parte
central da composição, arrematada por frontão e adornada com colunas da ordem jônica. Contribui
para a imponência do edifício o conjunto formado pela escadaria de dois lances e uma fonte, disposto
à frente do edifício.
Os palácios
O primeiro palácio dos governadores-gerais foi construído em Salvador, na Bahia, por ocasião da
fundação da cidade, em 1549. Esse edifício, feito de taipa, foi substituído no século seguinte por outro,
de pedra e cal, que continuou a abrigar o governo-geral do Brasil até sua mudança para o Rio de Janeiro,
em 1763. A partir dessa data, passou a sediar o governo da Bahia e, de 1979 a 1983, o de Salvador. Foi
totalmente remodelado ao gosto eclético no início do século XX.
O segundo palácio do governo português no Brasil foi o do Rio de Janeiro, que continuou a sediar a
administração do país depois da independência e até a proclamação da República. Conhecido como Paço
Imperial,30 nos anos 1990 passou por uma restauração, sobre a qual falaremos adiante. Outros palácios de
governo provincial de interesse histórico e artístico são os de Manaus, no Amazonas, Florianópolis, em
Santa Catarina, e Belém, no Pará.31
O estilo adotado para os edifícios públicos no século XIX foi o neoclássico, por causa dos predicados
de sobriedade, disciplina, contenção, equilíbrio e nobreza de seu vocabulário, que era expresso em
elementos arquitetônicos executados em pedra, mármore e tijolos. Convivendo com o ecletismo, no período
republicano, esse estilo continuou a ser empregado nos prédios públicos, produzindo uma arquitetura cuja
razão precisa era auxiliar a construção dos atributos de um Estado e de uma sociedade ideais.32
Uma das características dos palácios administrativos é sua implantação nas praças principais, geralmente
configurando um conjunto com a casa de câmara e cadeia e a igreja matriz, como se observa em Salvador
e em Ouro Preto. Em termos de utilização, pode-se incluí-los entre os monumentos que dificilmente
mantêm a função original de sede de governo, o que se deve à falta de flexibilidade de seu interior para
adaptações a organogramas que se alteram, no mínimo, a cada gestão de governo. A transferência das sedes
de administração pública para edifícios modernos e a reciclagem dos antigos palácios para outras funções
têm sido uma constante.33
Os monumentos focalizados a seguir exemplificam funções administrativas de dois níveis de abrangência
e histórias distintas de adaptação e renovação de uso: o antigo Palácio dos Vice-Reis, hoje conhecido como
Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e o Paço da Liberdade, em Curitiba.
Paço Imperial34
O Paço Imperial está localizado na praça Quinze de Novembro, antigo largo do Carmo, no centro
histórico do Rio de Janeiro. Reconhecido como principal símbolo do poder do período monárquico
da história do Brasil, pode ser considerado o mais significativo monumento de arquitetura oficial do
Brasil colônia.35
As diversas funções desempenhadas por esse palácio ao longo do tempo resultaram em muitas alterações
e acréscimos à estrutura original. Por essa razão, o dilema entre conservar e restaurar tornou-se o primeiro
grande desafio enfrentado pela equipe de técnicos da Fundação Nacional Pró-Memória que projetou e
orientou, em 1994, a restauração do monumento e a modernização de suas instalações.36
O vulto da obra realizada e, principalmente, o grau de intervenção – envolvendo a demolição de
mais de mil metros quadrados edificados e a modificação radical da fácies arquitetônica do monumento
– fizeram dessa restauração tema para discussão de problemas de ordem metodológica e conceitual, no
campo da preservação do bem cultural.37
Já no início dos trabalhos, alguns pronunciamentos de pessoas representativas da comunidade refletiram
uma posição apriorística em favor da conservação da fisionomia arquitetônica neocolonial, resultante da
reforma levada a efeito, em 1929, pelos Correios e Telégrafos. Defendia-se a tese de permanência dessa
fisionomia como testemunho de uma fase da história do edifício. Tomou-se, porém, o caminho inverso,
de eliminação da maior parte dos acréscimos introduzidos no século XX, e a intervenção permanece até
hoje como tema para discussão.
A primeira etapa dos trabalhos consistiu, como de praxe, no levantamento da história do edifício. Essa
pesquisa foi muito facilitada pela existência de considerável iconografia do exterior do prédio, identificada
e analisada pelo historiador Gilberto Ferrez. De fato, se comparada à documentação iconográfica de outras
cidades antigas brasileiras, a do Rio de Janeiro oitocentista é riquíssima, o que condiz com sua importância
como capital do império. O largo do Carmo ou do Paço, como sala de visita da cidade, despertava especial
interesse nos viajantes, principalmente nos artistas que lá aportaram. Assim, relatos de viagem, pinturas,
desenhos e fotografias, recolhidos por Gilberto Ferrez, permitiram a reconstituição quase total da história
do monumento, permanecendo obscuros, apenas, os momentos mais recuados no tempo e a distribuição
interna do palácio.38
A referência iconográfica mais antiga do local data de 1714: é um mapa do Rio de Janeiro feito pelo
engenheiro militar francês João Massé, no qual se pode observar, no lugar do Paço, um retângulo, com dois
nomes assinalados: “Armazéns del Rey” e “Casa da Moeda”.39 Como esta foi criada em 1697 para fundir
o ouro proveniente das Minas Gerais, é provável que date dessa época a edificação registrada por Massé.
Alguns anos depois, o conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrade, então governador do Rio de
Janeiro, convidou o engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim para projetar a sede do governo.40
A obra de Alpoim, concluída em 1743, foi documentada em 1775 no Prospecto da Cidade do Rio de Janeiro,
organizado por Luís dos Santos Vilhena, no qual se vê em perspectiva uma construção de dois pavimentos,
com um corpo mais elevado de três andares, contendo quatro janelas voltadas para a praça.41
Com a transferência, em 1763, da sede do governo-geral do Brasil para o Rio de Janeiro, o prédio foi
ampliado, com o prolongamento do terceiro pavimento, conforme se observa no quadro a óleo feito em
1789 por Leandro Joaquim, durante o governo do vice-rei Vasconcellos e Souza, logo após a remodelação
do largo do Paço.42
Outras modificações ocorreram em 1808, com a transferência da família real para o Brasil. As duas
aquarelas de Thomas Ender, datadas de 1817, são o testemunho iconográfico mais antigo da imagem do
palácio nessa época. O corpo central voltado para o mar recebeu mais um pavimento, com três vãos e
sacada corrida, e o segundo andar teve o pé-direito aumentado.43
Ao descrever as festas de comemoração do batismo da princesa real, Dona Maria da Glória, futura
Dona Maria II de Portugal, Debret nos dá alguma ideia do interior do edifício:
O Palácio da Cidade, que forma a grande massa da esquerda do desenho, mostra, no segundo andar da fachada
principal, os aposentos da Princesa Real; o outro corpo do edifício de igual altura, do lado da praça, pertence às
dependências dos aposentos da Rainha. Os aposentos do Rei, no primeiro andar ao lado da praça; as demais janelas
do palácio, desse lado, dão para os aposentos da Rainha, de SS.AA.RR., suas filhas e da tia do Rei, princesa D.
Maria Benedita.44
A coroação de Dom Pedro I motivou reformas na decoração interna do paço, mencionando Debret as
“salas ricamente preparadas [...], cujos detalhes de gosto moderno exibiam muito ouro dominando com
elegante magnificência a cor verde [...]”.45
Durante o Segundo Império, as fachadas principais – a do mar e a do largo – receberam platibandas
que, ocultando o telhado, modernizaram o edifício, adaptando-o ao neoclassicismo em voga.
Proclamada a república, cogitou-se nele instalar a Secretaria do Estado do Ministério das Relações
Exteriores. O plano não se concretizou, provavelmente por causa da precariedade em que se encontrava o
edifício, que foi então destinado à instalação dos Correios e Telégrafos.
Em 1929, o monumento sofreu uma reforma, acrescentando-se um terceiro andar nos trechos de dois
pavimentos. A preocupação de harmonização motivou a imitação, em alvenaria de tijolo e massa, dos
cunhais e requadros de cantaria dos andares inferiores. O gosto meramente estilístico pelo “colonial”
induziu a execução em argamassa de revestimentos sobrepostos aos ornatos de cantaria das pilastras.
Sucessivas reformas continuaram a ser feitas nos anos seguintes, perdendo o paço, pouco a pouco, a
dignidade que as funções anteriores lhe deram.
Pensou-se a princípio em preservar o edifício tal como chegara aos nossos dias, limitando-se
a intervenção às obras de conservação e reciclagem de uso. Esse caminho, no caso de uma edificação
que sofrera tantas alterações, era, aparentemente, o mais indicado. Porém, os trabalhos preliminares de
“limpeza” – compreendendo a remoção de materiais em mau estado –, a realização de prospecções nas
paredes, pisos e tetos e a análise da documentação iconográfica puseram em xeque a tese inicial de uma
simples conservação.
À medida que se aprofundava o conhecimento do monumento, a “presença” do antigo paço se
impunha. Comparando as referências iconográficas com as descobertas dos testemunhos construtivos das
obras executadas do século XVIII ao XIX, chegou-se à conclusão de que, sob a vestimenta neocolonial
de 1929, sobrevivia ainda, totalmente camuflada, uma arquitetura monumental de maior interesse
Sem dúvida, passados 30 anos, vemos hoje que a função original – Palácio do
Império, Paço Imperial –, razão de sua consagração como monumento histórico
nacional, teve enorme peso na decisão de restabelecer a expressão de nobreza,
desaparecida em decorrência de sucessivas reformas para adaptações ditadas
pelas necessidades imediatas de funcionamento dos Correios e projetadas sem
nenhuma consideração com o palácio. Chegamos à conclusão, contudo, de
que o uso de sede dos Correios não foi o ideal para o paço, mas garantiu sua
sobrevivência.51
A decisão de destiná-lo a centro cultural deveu-se em grande parte à
compreensão de que o leque de alternativas vocacionais do paço não era grande.
Sendo impossível repetir sua função original, desaparecida, impunha-se um
novo uso que contribuísse para sua preservação. O estabelecimento de um
centro cultural na edificação inaugurou um processo de revitalização de uso da
orla marítima do centro histórico do Rio de Janeiro, destinando-a a uma função
que se consolidaria em pouco tempo.52
Paço da Liberdade53
A antiga sede da prefeitura de Curitiba, denominada Paço da Liberdade,
foi construída no biênio 1914-1916, segundo projeto do então prefeito,
o engenheiro Cândido de Abreu. A edificação, de três pavimentos, seguiu o
ecletismo que dominava a arquitetura oficial da época, destacando-se nela os
detalhes de marcenaria e serralheria das esquadrias, pela beleza do desenho
art nouveau e pela qualidade de sua execução. Durante meio século, o edifício
cumpriu a função original, mas seu exterior sofreu descaracterização parcial
em razão da modificação da cobertura, com alteração da forma e substituição
do tipo de telha. Internamente, porém, as intervenções limitaram-se a poucas
renovações de material de piso e forro.
Em 1969, o poder Executivo foi transferido para uma nova sede e o edifício
permaneceu sem uso durante três anos. Em 1972, iniciou-se sua restauração e
reciclagem, processo concluído dois anos depois com a inauguração, no paço,
da nova sede do Museu Paranaense.54
Com o passar do tempo, verificou-se que o prédio não atendia de maneira
satisfatória às necessidades da tradicional instituição cultural, fato que levou
o governo estadual, em dezembro de 2002, a transferir o museu para outro
edifício. O prédio retornou, então, à administração municipal, que resolveu
nele instalar uma sede especial do governo da cidade, que seria designada como
Exterior do Paço da Liberdade, em
Salão de Atos, o que corresponderia a um retorno à função original, de símbolo Curitiba, Paraná, 2014. Foto de La Pastina
do poder local, o Domus Municipalis, da tradição latina.55 Filho.
Concerto musical no interior do Centro ampliado. A solução adotada foi a inserção em um dos quatro salões de canto,
Cultural instalado no Paço da Liberdade,
do térreo, de um mezanino de estrutura metálica com vários patamares.
em Curitiba, Paraná, 2013. Foto de Luiz
Lepchak. Como o acervo do museu continuaria a aumentar, concluiu-se que não
havia mais condições de o paço continuar abrigando o Museu Paranaense.
Para ampliar o espaço de atendimento a uma natural e desejável expansão do
acervo, haveria três soluções: construir um anexo, aumentar a área interna com
mezaninos ou criar espaços subterrâneos.
A primeira era impossível, do ponto de vista prático, e condenável, no
que concernia à preservação do entorno: o palácio tem uma posição insular,
sendo contornado por duas praças e duas ruas. A segunda, adotada no espaço
destinado à arqueologia, no qual se inseriu a estrutura metálica de vários
andares, resultou em evidente atentado à integridade do espaço. A terceira
hipótese, a ampliação do espaço por meio de um acréscimo subterrâneo, seria
a única aceitável, do ponto de vista da preservação, mas inviável pelo alto
custo, não sendo por isso cogitada.
A situação a que se chegara demonstrava que a destinação de uso adotada
em 1973 não estava incluída entre as vocações do monumento. Poder-se-ia
chegar a essa conclusão 30 anos antes, quando se verificou que, para expor
melhor o acervo, a solução museográfica era encobrir as janelas, ou seja, para
atender à nova função era necessário criar uma nova arquitetura de interior e
“calar” a existente.
Embora o programa do novo projeto fosse de retorno à função original,
durante sua elaboração surgiu outra dificuldade de adaptação: a inserção de um
sistema de climatização central. Essa ideia já fora objeto de cogitação durante
a fase de museu: como introduzir dutos de refrigeração em salas e corredores
cujas paredes e tetos eram profusamente ornamentados com trabalhos de
estuque, marcenaria e pintura decorativa? Seria uma inserção assimilável em
espaços despojados, como ocorreu no Paço Imperial. No palácio de Curitiba,
em razão da limitação imposta pelo respeito ao monumento, restringiu-se a
climatização ao último pavimento e os equipamentos de refrigeração foram
instalados no sótão.
A experiência do Paço da Liberdade demonstrou o quanto de ilusório há
na solução – tão disseminada – de destinar os monumentos arquitetônicos
ociosos a museus, sem considerar os limites da vocação desses edifícios,
impostos pelo caráter de sua arquitetura e marcados pela função original que
motivou sua construção.
Na elaboração do projeto de adaptação a Salão de Atos, a importância do
respeito à individualidade e às peculiaridades do monumento ficou evidenciada
quando se constatou que ele se rejuvenesceria ao reassumir o papel de Palácio
da Cidade, podendo novamente revelar a riqueza artística de seu interior.
Com o novo projeto não se pretendeu um retorno, mesmo porque a sede do
governo municipal não se adaptaria mais a um palácio concebido há quase
um século.
Com a destinação a centro cultural, adotada finalmente, os objetivos
de liberar os espaços e revelar sua ornamentação interna foram alcançados
com êxito. Os novos usos, que incluem biblioteca, realização de cursos e
palestras, concertos musicais e exibição de filmes, além de cafeteria, revelam-
se perfeitamente adequados ao ambiente interno do paço.
Depois de reaberto o paço ao público, chega-se à conclusão de que a
realização de uma restauração plena, que incluiu a recuperação física e
funcional do monumento, beneficiou a cidade. Não ressurgiu a sede do
Concerto musical no interior do Centro
governo como entidade administrativa, mas o edifício tornou-se um espaço
Cultural instalado no Paço da Liberdade,
de intenso uso cultural. O monumento adquiriu nova vida com uma função em Curitiba, Paraná, 2013. Foto de Marisa
Muniz.
adequada, o que garantirá sua preservação.
Revitalização na
arquitetura civil
O patrimônio de arquitetura civil de função residencial protegido pelo Iphan, assim como pelos órgãos
estaduais ou municipais do patrimônio, compõe-se de edificações tombadas individualmente e, sobretudo, de
casas que integram conjuntos e trechos urbanos históricos tombados.
A maior parte dos tombamentos individuais ocorrida na “fase heroica” (1937-1967) da história do
Iphan decorreu das referências da edificação a personagens e fatos da história oficial. Em 1938, por exemplo,
foram inscritas no Rio de Janeiro a casa de banhos de Dom João VI, a casa da Marquesa de Santos, a de Rui
Barbosa e a do barão do Rio Branco; no estado do Paraná, foram inscritas duas casas relacionadas à resistência
da cidade da Lapa ao cerco e ao bombardeio sofridos no início de 1894, durante os acontecimentos da
Revolução Federalista que eclodira no Rio Grande do Sul no ano anterior.
Nas duas décadas seguintes, muitas moradias foram tombadas por serem casas natais de personagens
históricos, entre elas a de Bento Gonçalves, em Triunfo, e a de Giuseppe Garibaldi, em Piratini, ambas no
Rio Grande do Sul; a de Joaquim Nabuco e a do conselheiro João Alfredo Casa com muxarabi adaptada para
restaurante, em Olinda, Pernambuco,
(sobrado Grande da Madalena), em Recife, Pernambuco; a de Casimiro de 2005. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Abreu, no município de mesmo nome, no estado do Rio de Janeiro, e a do
marechal Deodoro da Fonseca, no Rio de Janeiro.
O conceito de “vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil”,
que justifica a inscrição no Livro do Tombo Histórico, foi sendo ampliado
a fim de abranger a referência do bem edificado ao processo de formação do
país. Somente na década de 1980, porém, seriam inscritas obras relacionadas
à imigração do século XIX, como a Casa Presser, em Novo Hamburgo, Rio
Grande do Sul, e a Escola Rural, em Rio dos Cedros, Santa Catarina.
Os tombamentos pelo valor artístico efetuados na “fase heroica” foram
menos numerosos. Vale a pena mencionar o tombamento de duas casas em
Olinda, por ainda possuírem muxarabis;1 uma casa em Entre-Ijuís, no Rio Grande
do Sul, por ter sido construída com material recolhido das ruínas de antigas
reduções jesuíticas; o Palacete Azul e o solar do barão de Guajará, em Belém, no
Pará; os solares do Visconde e dos Airizes, em Campos dos Goytacazes, no Rio
de Janeiro; a casa do arquiteto Grandjean de Montigny,2 na capital, e a Casa da
Hera, em Vassouras, no Rio de Janeiro. Como ocorreu com a análise do valor
histórico, a avaliação artística, antes voltada preferencialmente para os estilos
colonial, neoclássico e modernista, passou a abranger o ecletismo do final do
século XIX e do início do século XX.
Além dessas casas “batizadas”, fazem parte do patrimônio edificado milhares
de edificações “anônimas” integrantes dos conjuntos urbanos que, desde os
Casa da Hera, em Vassouras, Rio de
Janeiro, sem data. Foto de Marlino Soares, primeiros anos, foram tombados.3 Ampliou-se, dessa maneira, o número de
Arquivo Iphan.
casas protegidas, embora sem o nível de preservação a que estavam submetidos
os bens isoladamente inscritos nos Livros do Tombo.4
A atuação dos estados na preservação do patrimônio, intensificada a partir
de 1970, quando o governo federal convocou os governadores à participação
na “defesa do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”,5 aumentou
consideravelmente o acervo de imóveis residenciais protegidos. Só na cidade
de Petrópolis, no Rio de Janeiro, além de edificações isoladas, incluindo muitas
de uso residencial, diversos conjuntos foram inscritos nos Livros do Tombo do
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro (Inepac).
Como preservar, de fato, esse acervo de milhares de casas legalmente
protegidas, sujeitas a pressões diversas decorrentes da evolução das cidades em
que estão inseridas?
Grande parte do casario protegido é constituída por edificações de dois
pavimentos de uso misto: comércio no térreo e moradia no andar superior.
Essa tipologia, herdada do período colonial, continuou sendo adotada até as
primeiras décadas do século XX, quando se introduziu um novo modelo de
edificação, caracterizado pela inserção de porão sob o pavimento térreo e pelo
afastamento do edifício das divisas laterais. Internamente, nesse mesmo período,
acrescentaram-se instalações sanitárias, em geral como anexos, nos fundos.6
Com o fim da escravidão, o funcionamento das casas de grande porte,
como os solares baianos e maranhenses, foi se tornando mais difícil, pois a vida
cotidiana dependia inteiramente do trabalho de grande número de escravos
domésticos. Como observou Lucio Costa:
Sede do Iphan em Curitiba, Paraná, 2014. comum na região até os anos 1950. Para isso, apenas o material foi adquirido.
Ao lado e no alto, vistas do exterior. Acima, Após criterioso levantamento, a casa foi desmontada e trasladada para um
interior da casa. Na parede, veem-se fotos
dos antigos proprietários. Foto de José La
terreno cedido pelo município de Curitiba, onde foi remontada, depois da
Pastina Filho. restauração de todos os elementos de madeira que a constituíam.
Nas cidades grandes, a manutenção do uso tradicional de moradia no
casario de valor cultural apresenta-se como um desafio maior. Concentradas nos
centros históricos, as casas vêm sendo esvaziadas à medida que cresce a função
comercial e de serviços das áreas centrais.
As iniciativas governamentais de intervenção em imóveis residenciais,
reconhecidos como detentores de valor cultural, consistem na desapropriação
seguida da restauração, destinando-se o prédio a um uso preferencialmente de
ordem cultural, como abrigar museus e centros culturais.
Entre as funções de caráter museológico de maior interesse para antigas
residências destaca-se a de museu doméstico, ou seja, de uma representação de
sua antiga utilização como moradia. Trata-se da melhor solução quando no
monumento há acervo de móveis e demais equipamentos domiciliares originais.
Casa de madeira, atual sede do Iphan em
São exemplos notáveis dessa tipologia a Casa da Hera, em Vassouras, Rio
Curitiba, Paraná, na fase de remontagem,
1985. Foto de José La Pastina Filho. de Janeiro,9 e a Casa Lacerda, na Lapa, Paraná,10 ambas datadas do século
Palacete Wolf11
Como ocorreu na maioria das capitais no Brasil, o centro de Curitiba teve
sua fisionomia modificada na segunda metade do século XX, com a demolição
de casas e o erguimento de prédios. Felizmente, porém, parte da área central da
cidade foi preservada e revitalizada por meio da implantação de diversas ações
propostas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba.12
O “setor histórico” abrangia a praça da Catedral e adjacências, conforme
estabelecido no plano diretor elaborado em 1965 sob a coordenação do
arquiteto Jorge Wilheim.13 Entre as ações previstas para sua revitalização
figurava a desapropriação de duas edificações que se encontravam em processo
de degradação decorrente de utilização predatória: uma casa térrea, de uso
comercial e residencial, remanescente do período colonial,14 e um palacete
residencial de dois pavimentos, oitocentista, conhecido como Palacete Wolf.
A família Wolf, originária da Áustria, chegou a Curitiba em meados do século
XIX. José Wolf, o patriarca da família, estabelecido na cidade desde 1856, foi
responsável pela montagem da primeira cervejaria de Curitiba e deve ter sido
Palacete Wolf, em Curitiba, Paraná, sede um empresário de expressão na cidade. Em 1875, solicitou ao presidente da
da Fundação Cultural de Curitiba (FCC),
Câmara Municipal cem palmos de terreno na rua da Assembleia, no largo da
2010. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Igreja do Rosário, para a construção de uma casa.15
Ocupando uma área de esquina de 300 metros quadrados, a edificação
figurava, no final do século, como uma das maiores da cidade. Situada em frente
a uma das três praças principais do centro antigo de Curitiba, tendo no lado
oposto a igreja da antiga irmandade de Nossa Senhora do Rosário, destacava-se
pela posição privilegiada, no local mais elevado e valorizado da cidade, de onde
se descortinava magnífica paisagem formada pelos campos com suas araucárias,
que se estendiam até o sopé da serra do Mar.
Não se sabe ao certo se a casa foi construída para moradia própria, pois
os Wolf possuíam muitos imóveis naquela área da cidade e, segundo seus
descendentes, a família nunca residiu ali. Sabe-se que teve os mais variados usos:
residencial, escolar, militar, comercial e administrativo.16
O palacete é exemplar significativo de um conjunto de sobrados de
arquitetura eclética erguidos na segunda metade do século XIX e caracterizados
pela simetria de composição derivada do neoclassicismo.17
Originalmente, tinha sua fachada principal perfeitamente simétrica, sendo
o eixo de simetria marcado pela porta principal, sob um balcão para o qual se
abria uma porta de largura idêntica à da entrada e ladeada por duas sequências
Palacete Wolf, em Curitiba, Paraná, antes
de três janelas, com duas pilastras de massa, ornadas com caneluras, formando a
da restauração, em 1974. No alto, vista
externa. Acima, pátio interno. Fotos de moldura da composição. Posteriormente, o edifício foi ampliado para a direita,
Cyro Corrêa Lyra.
com a repetição de duas janelas no andar superior e a abertura de um vão em
arco, no térreo.18
O ritmo da composição é marcado pelas faixas verticais formadas pelas pilastras lisas que flanqueiam os
janelões. Como complemento ornamental, destacam-se as almofadas em ponta de diamante, feitas de arga-
massa, que irrompem do paramento das fachadas, abaixo e acima das janelas e nas extremidades das pilastras.
Se a composição arquitetônica eclética do sobrado é aparentada com a de edificações congêneres de
outras regiões do Brasil, o mesmo não se pode dizer a respeito da técnica construtiva adotada. Nesse
aspecto, o sobrado é produto regional, pela presença da tradição construtiva do imigrante alemão. A
cobertura de duas águas é de telhas cerâmicas escamadas, muito comuns nas áreas de colonização germânica
e conhecidas no Sul do Brasil como “telhas alemãs”. Ainda significativo como exemplo da influência do
imigrante é a convivência na construção do arcabouço de duas técnicas: paredes estruturais de alvenaria
de tijolo e divisórias internas de enxaimel.19 Nos fundos do sobrado encontra-se outro testemunho da
presença do imigrante do norte europeu: os beirais ornados com lambrequins de madeira recortada.
Ocupando dois lados do terreno, o sobrado tem planta em forma de L. A área livre restante constituía-
se, outrora, no pátio de serviço da casa. A disposição interna da planta é marcada por um eixo formado
pelo corredor de distribuição, que se estende da porta de entrada ao pátio e contém a escada de acesso ao
andar superior. No pavimento superior repete-se o mesmo esquema, com o corredor ligando a porta da
sacada a uma varanda em L aberta para o pátio. Dão para esses corredores os aposentos principais, as salas
maiores voltadas para o exterior e os antigos quartos que davam para o pátio de serviço.
Na extremidade direita da casa havia, outrora, uma garagem de carruagem aberta para o pátio e para a
praça, com dois vãos idênticos em arco pleno, sendo o da praça originariamente guarnecido por portão.
Internamente, a arquitetura segue a tradição de sobriedade que caracteriza os interiores da casa brasileira,
mas emprega soluções características da segunda metade do século XIX, como o elevado pé-direito e as
esquadrias com bandeiras envidraçadas.
Quando foi desapropriado pelo município, o imóvel era ocupado pelos mais diversos inquilinos: uma
sapataria no porão, uma livraria, um escritório de engenharia, um ateliê de pintura e duas moradias no
térreo. No andar superior, 15 famílias, em condições precárias, dividiam o espaço disponível. Transformada
em casa de cômodos e praticamente relegada ao abandono, a casa entrara em processo de arruinamento,
já perceptível pelas rachaduras das paredes, pelo tabuado apodrecido do forro e do assoalho e pelo
“selamento” do telhado.
A obra de restauração e adaptação do palacete a sede da FCC começou em fevereiro de 1974,
obedecendo a projeto de restauração/reciclagem que procurou conciliar dois objetivos: restaurar uma
arquitetura valiosa como documento de um período da história da cidade e adaptar o prédio a uma
utilização totalmente diversa daquela para a qual fora construído. Para o novo uso, podia-se prever a
restauração integral do exterior da edificação sem prejuízo de sua arquitetura original, mas o mesmo não
ocorria com o interior, no qual precisavam ser feitas diversas obras de complementação e adaptação.20
A restauração das fachadas foi quase total. Com base em documentação fotográfica do final do século
passado, foi possível reconstituir o beiral que tinha sido destruído para erguimento de platibanda e refazer
a bacia da sacada, além de recompor os vãos de janelas modificadas. Nas entradas de serviço (lateral
e frontal), como não havia mais os portões originais e as fotografias antigas não eram suficientemente
precisas para a identificação de seu aspecto, optou-se por guarnecer os vãos com vidro temperado, solução
que evidenciava a atualidade da intervenção.
A recomposição da sacada apresentava o mesmo problema, pois as fotos antigas não permitiam
conhecer totalmente a solução original, só deixando margem para uma reconstituição formal. Como no
caso anterior, lançou-se mão de solução técnica atual, o concreto aparente, moldado com o perfilhamento
que a fotografia mostrava. O restabelecimento da composição cromática primitiva foi possível após a
remoção das várias camadas de tinta sobrepostas, trabalho que trouxe à luz os tons da pintura original.
Já internamente, necessidades de ordem funcional impediram a fidelidade total à arquitetura antiga.
Adotou-se, porém, o critério de respeitar a disposição interna dos espaços, mantendo-se sua repartição
original, além de destacar claramente as complementações introduzidas da arquitetura preservada, por meio
do material e do desenho. As novas inserções foram a copa e os sanitários, instalados nos puxados acrescidos
no final do século XIX para funções semelhantes (cozinha e banheiro). Instalações e equipamentos
introduzidos foram projetados com desenho moderno, embora identificados, pela sobriedade, com a
linguagem arquitetônica do prédio. Tal foi a orientação seguida para a solução das instalações, para o
desenho de luminárias, armários e escadas e para a especificação dos acabamentos.
A segunda intervenção restaurativa, realizada em 2002, constituiu uma obra de estabilização
estrutural, conservação de materiais, renovação de instalações e readaptação para atendimento a um
novo perfil da FCC.21
No período de quase 30 anos entre as duas intervenções, ocorreu um processo de fragilização da estru-
tura, evidenciada por desnivelamentos internos e fissuras nas paredes, além da degradação da maioria dos
componentes de madeira por infestação de termitídeos.
Do ponto de vista funcional, o prédio não atendia de forma satisfatória a necessidades inexistentes na
década de 1970, como a adequação das instalações elétricas e telefônicas à informática, e não dispunha de
condições adequadas para a recepção de pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, os ambientes de
apoio – sanitários e copa – tinham se tornado deficientes, o tratamento dos espaços de trabalho mostra-
va-se envelhecido e alguns locais encontravam-se degradados em consequência de reformas realizadas sem
critérios de respeito ao edifício.
Novamente se interveio em todo o imóvel, com a estabilização dos trechos fragilizados, a renovação
das instalações e a repintura geral. Algumas modificações internas também foram feitas para melhorar o
funcionamento da casa: no porão, foi ampliada a área útil por meio da eliminação de inserções espúrias e foi
instalada uma escada para acesso interno ao restante da edificação; no pavimento térreo, foram construídos
sanitários para pessoas com deficiência; no sobrado, foi inserido um lavabo privativo da presidência.
Um dos aspectos mais interessantes dessa segunda intervenção diz respeito à adequação do uso de um
dos espaços da casa. Constatou-se, no desenvolvimento do projeto, que algumas deformações detectadas
na altura do sótão, como desnivelamentos e fissuras, eram decorrentes da concentração de sobrecargas
como arquivos e estantes metálicas. Feito o cálculo de sobrecarga, deduziu-se que a estrutura de suporte
do piso do sótão não resistia a cargas com massa superior a 100 quilogramas por metro quadrado, ou seja,
o local vinha sendo usado para funções inadequadas.22
Refletindo sobre esses 30 anos de uso do palacete como sede da FCC, chega-se a algumas conclusões.
Primeiramente, a destinação de uso foi adequada, pois a população identifica a casa como a Fundação
Cultural e as pessoas que a frequentam, assim como os funcionários, mantêm uma relação afetiva com o
local.23 Em contrapartida, conclui-se que o mau estado em que se encontrava o palacete, depois de três
décadas de restauração, devia-se à ausência de uma manutenção permanente, sendo necessário estabelecer
um plano de conservação preventiva e um trabalho de treinamento dos funcionários da FCC.24
Arquitetura rural
Na relação de bens que constituem o patrimônio edificado protegido pelo Iphan observa-se que a arquitetura
rural é muito pouco representada. Até 2012, somente 21 imóveis rurais tinham sido tombados, em um universo
de 929 bens edificados inscritos nos Livros do Tombo, ou seja, um pouco mais de 2% do acervo.25
A pouca representatividade do patrimônio rural na relação dos bens protegidos em nível federal pode
ser atribuída a várias causas, entre elas a dificuldade de levantamento, cadastramento e fiscalização desses
bens. Nota-se, até mesmo, a carência de estudos sobre o assunto: até o final da década de 1960, eles se
resumiam aos trabalhos de Luís Saia sobre a arquitetura paulista e ao artigo de Joaquim Cardoso sobre a
casa rural fluminense.26
A reduzida lista de bens tombados não reflete, porém, a realidade do patrimônio rural. Os inventários
feitos recentemente revelam a existência de um número considerável de casas-grandes de expressivo
valor histórico e arquitetônico, embora se constate que a maioria desses solares arruinou-se por falta de
conservação e abandono.
Os exemplares antigos de arquitetura rural, reconhecidos como patrimônio cultural, são testemunhos
das principais atividades econômicas desenvolvidas no Brasil do início do período colonial até os primeiros
tempos da república. No acervo protegido pelo Iphan, nota-se a presença de testemunhos de quatro dessas
atividades: a produção açucareira, a pecuária, a cultura cafeeira e a indústria ervateira.
Arquitetura do açúcar
A produção do açúcar foi a primeira importante atividade econômica colonial, sendo estabelecida
nas décadas de 1530 e 1540,27 com a construção de engenhos em toda a costa brasileira, de São Vicente
a Pernambuco. Consolidou-se como o grande empreendimento colonial nos dois primeiros séculos,
localizando-se no Nordeste, destacadamente na Bahia e em Pernambuco, a área de maior atividade, em
razão de suas condições climáticas, geográficas, políticas e econômicas. Em segundo plano estava a região
Sudeste, com a produção paulista, desenvolvida no litoral, e a fluminense, mais significativa na área do
Baixo Paraíba, correspondente às planícies de campos. Nessa área, a atividade de produção do açúcar,
iniciada nas primeiras décadas do século XVII, persiste até os dias presentes.28
A instalação de um engenho era um empreendimento considerável, já que abrangia a atividade agrícola
de plantação da cana e pastagens, a atividade de produção do açúcar no engenho ou fábrica e a atividade
administrativa e comercial, sediada na casa-grande. Para habitação, havia dois tipos de edificação: a casa-
grande, que abrigava o proprietário e sua família, e a senzala, que abrigava os escravos. Eventualmente,
via-se um terceiro tipo: a casa do administrador.29
No Nordeste, a fábrica ou engenho situava-se sempre na parte mais baixa do terreno e era movido por
roda-d’água ou por tração animal. Em casos isolados, utilizavam-se os dois mecanismos.30 A produção do
açúcar exigia um conjunto de operações dispostas em espaços próprios: casa da moenda, casa das caldeiras
e fornalhas, tendal das forças e casa de purgar. Na moenda, a cana era amassada e extraía-se a garapa; nas
caldeiras, o caldo era apurado e purificado; no tendal, o caldo se condensava, tornando-se mais turvo;
na casa de purgar, era branqueado, separando-se o açúcar mascavo (mal purgado e escuro) do açúcar de
melhor qualidade. Posteriormente era posto para secar. Em muitos dos engenhos, havia ainda destilarias
para a produção de aguardente, usada como moeda de troca no tráfico de escravos.
A disposição dos prédios de um estabelecimento açucareiro seguia invariavelmente o mesmo esquema,
dando destaque à casa-grande, que era implantada em nível mais elevado, em geral a meia encosta, possivelmente
para assegurar ao proprietário o domínio visual da propriedade e afirmar sua posição hierárquica de senhor
do engenho. No mesmo nível da casa-grande ou um pouco acima, situava-se a capela.31
Gilberto Freyre assim descreve a casa-grande, residência dos abastados proprietários rurais do Nordeste:
A casa-grande de engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil – grossas paredes
de taipa ou de pedra e cal, cobertas de palha ou de telha-vã, alpendre na frente e dos lados, telhados caídos num
máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais – não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas,
mas uma expressão nova, correspondendo ao nosso ambiente físico e a uma fase surpreendente, inesperada, do
imperialismo português: sua atividade agrária e sedentária nos trópicos; seu patriarcalismo rural e escravocrata
[...].32
E complementa:
A cultura do açúcar produziu formas peculiares do dormir e descansar (a rede), do comer (a cuia), do defecar (o
tigre e a touceira de bananeira), do banhar-se (os banhos de rio, de gamela, de assento) e do parir (resguardo).33
Deve-se a denominação casa-grande não só a sua importância como sede da propriedade, mas
também ao seu tamanho, resultante de um programa arquitetônico que atendia às necessidades de uma
família numerosa, expressiva de um patriarcalismo frequentemente promíscuo, com muitos afilhados,
agregados e compadres. As mulheres, em especial as moças solteiras, viviam em condição de reclusão.
Ficavam isoladas na casa-grande, a maior parte do tempo nas cozinhas, acompanhadas de escravas. Pelas
janelas de gelosias, que separavam a capela-mor da sacristia, as donzelas podiam assistir aos ofícios
religiosos sem ser vistas.
Vários eram os expedientes usados para manter a privacidade da casa-grande, como os pátios internos,
depois substituídos por varandas periféricas, que estabeleciam uma comunicação resguardada entre o
exterior e os cômodos íntimos da casa. A alcova esteve presente em todos os períodos, sem aberturas para
o exterior. Por fim, a comunicação era indispensável para manter a integração de uma estrutura social
profundamente estratificada, sendo viabilizada em grande parte pela capela, em geral localizada ao lado
da casa-grande.
Em relação à unidade fabril do engenho de açúcar, sua forma resultou basicamente dos fatores
tecnológicos de produção, que não variaram muito durante o período colonial e, como consequência,
sua arquitetura não apresentou muitas modificações. No entanto, ocorreram variações na forma e no
espaço dessas construções, as quais acompanharam as alterações do processo de produção e a capacidade
produtiva do engenho.
Hoje não existem muitos testemunhos das senzalas dos antigos engenhos, o que se deve à destruição
da maioria após a abolição da escravatura, em 1888, e à fragilidade de sua construção. De acordo com o
arquiteto Geraldo Gomes:
[...] o tipo de edifício registrado no século XIX sobreviveu à abolição da escravatura e tornou-se habitação de
homens livres em engenhos mais recentes e em conjuntos de habitação de operários das modernas usinas, com
modificações que se restringem a pequenos acréscimos no número e nas dimensões dos compartimentos.
Não há variedade de tipos de senzala. O que difere uma das outras é a distância que as separa da casa-grande.
Algumas são muito próximas, quase contíguas, e outras mais distantes.34
A arquitetura das senzalas resume-se a uma série de pequenos cômodos contíguos em linha, havendo
ou não um alpendre em toda sua extensão, com cobertura em duas águas.35
Arquitetura da pecuária
Com a progressiva especialização da economia colonial, verificou-se o desenvolvimento de setores de
subsistência, baseados na pequena propriedade e na policultura, e da atividade criatória. Esta implantou-
se no nordeste da colônia nos séculos XVI e XVII, inicialmente em torno dos engenhos, expandindo-se
depois para o interior. Em Minas Gerais, foi introduzida na primeira metade do século XVIII, para suprir
a zona aurífera; no sul da colônia, na segunda metade do mesmo século, destinando-se a abastecer os
centros urbanos do litoral e a região das Minas. A pecuária sulina forneceu não apenas alimento (carne e
laticínios), mas principalmente animais de carga, tão necessários para o escoamento da produção.
A arquitetura rural desenvolvida em Minas Gerais tem um programa que se resume em varanda fronteira,
capela e quarto de hóspedes nas laterais. Pode ser térrea, dispondo de depósitos e quarto de agregados, ou
com um pavimento superior, no qual permanece a família. Por vezes, ainda há o mirante, que se sobressai
da construção, em um terceiro pavimento.
Em muitas dessas edificações observa-se a espontaneidade do crescimento por meio dos “puxados”,
destacadamente para a instalação de cozinha e banheiro. O sistema construtivo varia entre taipa
de sebe e alvenaria de pedra. Junto à sede, em volta do pátio, encontram-se a senzala, o paiol e a
engenhoca, que é fechada por paredes e vazados de gradeado. O paiol é de madeira ou pedra.
Merecem destaque as seguintes edificações rurais tombadas pelo Iphan em Minas Gerais, em 1973
e 1959, respectivamente: a casa da Fazenda Rio de São João, em Bom Jesus do Amparo, erguida em
1791, que contém 23 cômodos e rica capela de pé-direito duplo, e a casa da Fazenda Boa Esperança, no
município de Belo Vale, provavelmente de data anterior a 1790, na qual se destacam as talhas da capela e
o paiol de alvenaria de pedra.
Outra tipologia arquitetônica de moradia rural desenvolveu-se na ocupação do planalto paulista, no
século XVII. Ela se caracteriza pelo assentamento sobre plataformas, pela disposição da fachada principal
para o norte ou noroeste, pela presença na faixa fronteira de um alpendre central, ladeado pela capela e
o quarto de hóspede, e pelo posicionamento dos quartos de dormir nos fundos e de uma sala terminada
por um alpendre no trecho central.36 Vale citar a observação de Michel Parent sobre o valor arquitetônico
extraordinário das fazendas paulistas:37
[...] les fazendas du siècle XVII constituent un témoignage de la civilisation spécifique brésilienne. Ces fazendas
n’ont, architecturalement et sociologiquement parlant, aucun équivalent en Europe.38
Para a construção dessas casas empregava-se a taipa de pilão para as paredes e madeira para os demais
componentes, o que influiu no resultado plástico do seu exterior, caracterizado pelo predomínio das
superfícies cegas sobre os vazios constituídos pelas janelas. Dos exemplares arrolados por Luís Saia destacam-
se a fazenda Pau-d’alho, em São José do Barreiro, e a casa do sítio de Santo Antônio, em São Roque.39
Arquitetura do café
No século XIX, o café tornou-se o principal produto de exportação do Brasil, contando com a
infraestrutura que servira às economias açucareira e mineradora, que já haviam entrado em declínio. A área
de maior produção do grão correspondia ao vale do Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Essa atividade, iniciada nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, seguiu na direção oeste, galgando a
serra, e entrou no estado de São Paulo. Já no século XX, atingiu o norte do Paraná.
As primeiras casas das fazendas cafeeiras eram muito simples, interna e externamente, tanto do ponto
de vista do programa arquitetônico quanto no que dizia respeito aos aspectos plásticos, embora algumas
apresentassem grandes dimensões. Com a prosperidade advinda do café, os fazendeiros passaram a construir
sedes mais requintadas em suas propriedades ou a ampliar e reformar as que já possuíam, adaptando-as às
novas noções de educação familiar, ao gosto e ao estilo provenientes da Corte.
Essas fazendas apresentavam um projeto arquitetônico decorrente do programa de necessidades da
produção cafeeira, similar ao dos engenhos. No terreno eram dispostos a casa-grande, a capela, a senzala,
as tulhas (locais de armazenamento dos grãos) e o terreiro. As plantas das sedes geralmente eram em “U”,
nas quais eram separadas e isoladas as diversas áreas de distribuição de uso.
As construções organizavam-se ao redor do terreiro, local de secagem do café, e o conjunto era
complementado por roda-d’água e uma bateria de pilões. Havia ainda uma construção destinada ao pouso
dos tropeiros.
Arquitetura do mate
Um quarto ciclo econômico baseado na atividade rural foi responsável pelo desenvolvimento de uma
área no sul do Brasil: o ciclo do mate, no estado do Paraná.40
O comércio de erva-mate ganhou importância no Paraná a partir de 1813, quando o governo
paraguaio proibiu a exportação da produção local para o Uruguai e a Argentina. Com as restrições
comerciais estabelecidas pelo Paraguai, até então o maior produtor e exportador de erva-mate, a atividade
ervateira paranaense ampliou-se. Em 1826, além de exportar o mate para os portos nacionais, o Paraná
comercializava com o Uruguai, o Chile e a Argentina.
Embora a atividade ervateira não tenha deixado testemunhos significativos de arquitetura de moradia,
legou ao presente exemplar importante de engenho, que abordaremos mais adiante, ao tratar da reutilização
de edificações industriais.
sociais para regiões como o vale do rio Paraíba, não só no território fluminense
como também no paulista. A adaptação das casas para pousadas e hotéis e a
construção de anexos para atender à demanda de hospedagem cria empregos e
gera renda para regiões que vinham atravessando um esvaziamento econômico
cujo início remonta à segunda metade do século XIX.
Um exemplo de recuperação econômica de propriedade rural e revitalização
da arquitetura é dado pela recente história da Fazenda Santa Eufrásia, no
município de Vassouras, estado do Rio de Janeiro.43 Para a conservação e a
manutenção da propriedade, foi restabelecida a produção de café, que tinha sido
substituída, no início do século XX, pela criação de gado. A casa, construída por
Detalhe da sala de entrada da sede da
volta de 1830, com estrutura de madeira e fechamento de pau a pique, guarda
Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras,
em seu interior a ambientação original do século XIX, na qual se destacam o Rio de Janeiro, 2013. Foto de Paulo D’
Antonio.
mobiliário e os utensílios, e é aberta à visitação previamente agendada.
Antigo terreiro de café, transformado Entre as propriedades rurais recicladas para uso como hotel, merece atenção
em jardim, na Fazenda Vargem Grande,
em Areias, São Paulo, 2012. Foto de Vitor a inserção feita na Fazenda Vargem Grande, em Areias, São Paulo. Trata-se da
Hugo Mori.
transformação do antigo terreiro de secagem do café em um jardim projetado
por Roberto Burle Marx na década de 1970. Nessa transformação, se houve
perda de testemunho histórico do uso original – o terreiro de café –, houve um
enorme ganho paisagístico – o jardim de Burle Marx.
A recuperação econômica dessas propriedades vem sendo acompanhada pela
revitalização cultural fomentada por prefeituras e entidades não governamentais,
entre as quais se destaca o Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do
Paraíba (Preservale).44 20 anos depois de sua fundação, essa instituição contava
com 21 fazendas filiadas, das quais nove mantêm um esquema de recepção para
visitas previamente agendadas e seis foram adaptadas para hospedagem, como
hotel fazenda, pousada ou albergue. Entre os aspectos relevantes dessa experiência
está o trabalho educativo, que abrange a conscientização dos proprietários e a
formação de agentes culturais e guias turísticos. Dos frutos dessa ação merece
referência o Projeto Inventário das Fazendas Históricas, realizado pelo Instituto
Cultural Cidade Viva com o apoio da Light e a curadoria do Inepac.
Deve-se mencionar ainda uma experiência inspirada na revitalização das
fazendas de café: a criação do Instituto Sete Capitães, com participação de dez
antigas fazendas de açúcar do norte fluminense.45
Engenho da Madalena
O caso do antigo Engenho da Madalena46 é um exemplo interessante da
absorção urbana do imóvel rural. Nos anos 1960, quando foi restaurado e
adaptado pelo Iphan para sediar a instituição, o casarão do engenho já não se
caracterizava como moradia rural, mas urbana.47 Tombado em 1966, recebeu o
nome de Sobrado Grande da Madalena.
A casa-grande de paredes caiadas com telhado à vista, característica das
antigas sedes de engenho, havia sido transformada, no final do império, em um
magnífico “solar” de traços neoclássicos, enriquecido por fachadas azulejadas,
encimadas por platibanda com estatuetas. O solar serviu de residência ao
conselheiro abolicionista João Alfredo Corrêa de Oliveira, fato que induziu à
instalação em seu interior, em 1983, do Museu da Abolição. Em 2010, o Iphan
mudou-se para outro local, passando a casa a sediar exclusivamente o museu.
Fazenda Boi Só
O mesmo que ocorreu em Recife, com a absorção urbana do antigo
Engenho da Madalena, aconteceu em João Pessoa, com a Fazenda Boi Só. Essa
fazenda situa-se no bairro dos Estados, área central da capital da Paraíba. O
conjunto edificado é composto de casa-grande, capela, casa de farinha e outras
construções menores.
Sobre a origem da denominação atual, não há registros textuais. A versão
mais difundida é a de que se trata de uma corruptela de Boisson, sobrenome
do francês que teria sido proprietário da fazenda. Inscrito sobre o portão de
entrada da fazenda, enquanto propriedade do francês, esse sobrenome seria lido
pela população local como Boisó, passando com o tempo para Boi Só.
A casa-grande, presume-se, foi construída por volta de 1850. Passou por
reforma em 1935 e foi tombada em 1980, por valor histórico, pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep).
A organização do espaço da casa-grande modificou-se ao longo de sua
história, segundo as necessidades dos moradores e a evolução dos costumes. A
planta do imóvel era inicialmente retangular, e sua primeira modificação foi a
construção de uma cozinha, em corpo anexo à edificação. Como era costume em
meados do século XIX, a casa era desprovida de sanitário, que só foi introduzido
na década de 1930, quando também se construiu um torreão e uma varanda à
frente de três faces da casa.
A função residencial cessou em 1992, quando a família que habitava a Vista de outro ângulo da sede da fazenda
Boi Só, em João Pessoa, Paraíba, 2011. Foto
casa mudou-se para um apartamento, levando todo o mobiliário antigo que a de Clarice Futuro.
guarnecia. Repetiu-se ali o que aconteceu com a maioria de suas congêneres. A
urbanização da região contribuiu para a extinção da função produtiva rural da
propriedade, e a casa esvaziou-se de gente e de utensílios. O que impediu sua
ruína foi o fato de os proprietários cuidarem de sua manutenção, mesmo vazia,
por uma relação afetiva com o local. No início dos anos e 2000, a propriedade
foi vendida para se converter no Condomínio Alphaville João Pessoa.
Em 2007, o autor deste Sala do centro de convivência do
Condomínio Alphaville João Pessoa, em
livro assumiu a coordenação do João Pessoa, Paraíba, 2011. Foto de Clarice
projeto, executado em 2010, de Futuro.
Arquitetura industrial
infraestrutura. Em abril de 1852, Irineu Evangelista de Souza, futuro barão e, depois, visconde de Mauá,
firmou contrato com o presidente da província do Rio de Janeiro para a construção da primeira estrada
de ferro do Brasil. Dois anos depois, o imperador inaugurava o primeiro trecho, de 14 quilômetros, entre
o porto da Estrela, no fundo da baía da Guanabara, e a estação de Fragoso, ao pé da serra dos Órgãos.51
Naquela época, no alto da serra, em Petrópolis, a atividade industrial já predominava sobre a agrícola,
estando em pleno funcionamento uma fábrica de tecidos, três de cerveja e uma serraria. Poucos anos
depois, as atividades industriais tinham se diversificado, abrangendo ferrarias, relojoarias, ourivesarias
e marcenarias. Ao final do século, porém, a produção têxtil consolidou-se como atividade principal,
incentivada pelo governo imperial. Contribuíram para isso o clima favorável ao cultivo do algodão, a
facilidade na obtenção de energia e a presença de imigrantes com especialidades manufatureiras, oriundos
da Europa central.52
A Vidraria Santa Marina, implantada em 1897 na capital paulista, tornar-se-ia alguns anos depois
a primeira fábrica da cidade a dispor de luz elétrica em todas as dependências e a pioneira em prover
moradias para seus funcionários. Após muitas alterações arquitetônicas ao longo dos anos, pouco se
preservou dessa edificação além da centenária chaminé remanescente do conjunto original.53
No início da década de 1920, começaram a funcionar em São Paulo as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo da Água Branca, dedicando-se, inicialmente, à produção de farinha e tecidos.54 Com a
falência do grupo, nos anos 1980, o complexo foi desativado, sendo algumas edificações demolidas e
outras abandonadas.
Preocupado em preservar a história da industrialização em São Paulo, o Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) deu
início, em 1985, ao processo de tombamento dos remanescentes do complexo industrial Matarazzo.
Diante da situação do conjunto, o órgão estadual decidiu, em 1993, preservar apenas o prédio de caldeiras
e as três chaminés de alvenaria.55
Outra iniciativa de proteção da memória industrial foi o tombamento da antiga Serraria Souza
Pinto, em Belo Horizonte, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais (IEPHA). A edificação em que funcionou a serraria (de 1912 a 1960) atualmente é utilizada
para abrigar eventos como feiras, exposições e congressos.
Nas fábricas do século XIX e do início do século XX, o tratamento desse edifício identificava-se
com o ecletismo em voga, sendo as paredes externas geralmente adornadas com elementos extraídos do
repertório do estilo neoclássico. Havia uma grande influência dos padrões da arquitetura industrial inglesa,
prevalecendo a técnica construtiva de paredes externas de alvenaria de tijolo, nem sempre revestidas, vazadas
por esquadrias metálicas estreitas e altas, que tinham a função de iluminar o ambiente sem permitir a
visão do exterior. Era muito comum o emprego de estrutura metálica para vencer grandes vãos e o uso
de coberturas do tipo shed, sistema que permite o melhor aproveitamento da iluminação natural.56 Nos
telhados, as telhas “francesas”,57 por causa da rapidez de colocação e reposição, substituíram as do tipo
“capas e canal” da tradição portuguesa.
A evolução dos métodos industriais, as transformações sociais e econômicas e o crescimento urbano
são fatores que contribuem para modificações radicais nos edifícios ou mesmo o abandono e demolição
das antigas fábricas. De fato, trata-se de um patrimônio, como observa Beatriz Kuhl, “[...] especialmente
sensível por ocupar, geralmente, vastas áreas em centros urbanos e sua obsolescência e falta de rentabilidade
tornam bastante delicada a questão da sua preservação”.58
Além dos bens imóveis, ocorre a perda do patrimônio imaterial das antigas indústrias, ou seja, dos
“vestígios dos produtos ali fabricados, dos métodos de produção, das condições de trabalho e moradia do
operariado, das relações sociais e espaciais em uma cidade ou região”.59
Isso pode referir-se tanto aos meios de produção quanto aos de comunicação. A preocupação
maior consiste em preservar e tornar esse espaço útil, considerando-se os conceitos de sustentação e
sustentabilidade.60
Na Europa, particularmente na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, até os anos 1980,
julgavam-se as antigas fábricas como “unacceptable relics of oppressive working conditions and poor
living standards”.61 Entretanto, desde que se iniciou naquele país a prática de reciclar instalações
industriais desativadas, foi sendo reconhecido o grande potencial dessas edificações em adaptar-se a
novos usos, tais como residências, escritórios, hotéis ou conjuntos comerciais, além da rentabilidade
desses empreendimentos. Um exemplo foi a reciclagem de um antigo moinho de grãos, em Londres,
para utilização como hotel: o New Concordia Wharf.62 Foi preservado o aspecto original da antiga
fábrica, ao mesmo tempo que foram inseridas novas instalações e adaptados seus ambientes internos
para a nova função.
No Brasil, destacam-se como exemplos de reutilização de arquitetura industrial dois projetos: o
do Sesc Pompeia, na cidade de São Paulo, e o do Museu do Mate, no município de Campo Largo,
no Paraná.
Sesc Pompeia
Foi elaborado pela arquiteta Lina Bo Bardi o projeto de revitalização e reci-
clagem para novo uso de uma antiga fábrica de tambores e geladeiras na capital
paulista, denominada Unidade Fábrica. Depois de obras realizadas entre 1977
e 1986, conforme esse projeto, a antiga indústria se transformou em um com-
plexo cultural e esportivo. Em 1982, inaugurou-se o centro onde funcionava a
fábrica e, quatro anos mais tarde, o bloco esportivo foi aberto ao público.
O complexo, que ocupa um terreno de 16.573 metros quadrados, tem ca-
pacidade para receber 5 mil pessoas por dia e abriga um teatro com 800 luga-
res, um restaurante, uma choperia, uma área de convivência, um auditório, um
galpão de exposições, uma biblioteca, uma área de vídeo, sete oficinas de arte,
um laboratório fotográfico, uma piscina aquecida, com solário, um ginásio de
ginástica, três ginásios com seis quadras poliesportivas, quatro salas de ginástica
e dança, quatro consultórios odontológicos, um bar-café e uma lanchonete.63
Museu do Mate
O segundo exemplo de reutilização de arquitetura de produção é o do antigo
Engenho de Mate da Rondinha, atual Museu do Mate,64 no estado do Paraná.
Na terceira década do século XIX, quando havia em Curitiba 21 produtores de
mate, apenas no município de Campo Largo registrava-se, em 1875, a existência
de 13 engenhos. Um desses engenhos, o da Rondinha, deve corresponder ao
Interiores do Sesc Pompeia, em São Paulo,
1992. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
que foi visitado pelo viajante inglês Thomas Bigg-Whitter,65 e constitui hoje o
núcleo do Parque Histórico do Mate.
Patrimônio naval
Exemplo notável de reutilização de bens relacionados aos transportes
marítimos pode ser observado em São Francisco do Sul, Santa Catarina. Trata- Foto aérea de São Francisco do Sul,
Santa Catarina, 2013. Na imagem, veem-se
se do projeto de adaptação de um antigo armazém portuário para a instalação
os antigos armazéns que abrigam o Museu
de um museu voltado à preservação do patrimônio naval brasileiro: o Museu Nacional do Mar. Fonte: Google Earth.
Nacional do Mar.
Nas primeiras décadas do século XX, a ligação do Sul com o restante do
país era feita pelo mar. São Francisco do Sul tornou-se, então, um dos principais
portos da região. Uma das empresas que exploravam o transporte marítimo
de carga, principalmente de erva-mate e madeira, era a Hoepke, considerada a
maior no gênero em Santa Catarina. Embora fosse sediada em Florianópolis,
essa empresa mantinha em São Francisco do Sul suas principais instalações, que
abrangiam vários armazéns contíguos ao prédio de escritórios da empresa.
Construídos por volta de 1900, apresentavam uma arquitetura teuto-
brasileira, reflexo da influência dos imigrantes alemães na região. Sua atividade
de estocagem começou a declinar com o fim dos ciclos de produção e exportação
de erva-mate e de extração e exportação de madeira. Após a construção de um
porto comercial fora do centro histórico de São Francisco do Sul, os armazéns
ficaram ociosos. Fechados por quase duas décadas, foram comprados pelo
armador Manfredo Cominese, considerado um dos principais proprietários de
áreas privadas de estocagem portuária no Brasil.
Fachada voltada para o mar do antigo
armazém Hoepke, atual Museu Nacional
do Mar, em São Francisco do Sul, Santa
Catarina, 2004. Foto de Tarcísio Mattos.
Sala das Baleeiras, no Museu Nacional Depois do tombamento federal, em 1987, do centro histórico de São Francisco
do Mar, em São Francisco do Sul, Santa
Catarina, 2004. Em primeiro plano, a
do Sul, o arquiteto Dalmo Vieira Filho69 iniciou gestões com o proprietário dos
Brigadeira, baleeira que transportou pessoal imóveis, àquela altura sem uso, para que cedesse sua propriedade ao estado em
e carga para a restauração da Fortaleza de
comodato. O objetivo seria a utilização dos imóveis para a montagem de um
Santa Cruz de Anhatomirim, nos anos1970.
Foto de Tarcísio Mattos. museu em que se conservassem e se expusessem as embarcações tradicionais
brasileiras. Conforme relata Dalmo Vieira Filho, “o museu nasceu do duplo
objetivo de valorizar o patrimônio naval brasileiro e o recém-tombado centro
histórico de São Francisco do Sul”.70
Depois de oito anos de negociações, o proprietário aceitou a proposta de
aquisição dos imóveis pelo estado de Santa Catarina, iniciando-se a primeira
fase da montagem do Museu Nacional do Mar, uma “‘montagem provisória’ –
grande aventura, onde rigorosamente todo o ‘acervo’ era emprestado”.71
Concluída essa etapa, houve a pré-inauguração do museu, com a presença
do ministro da Marinha72 e do governador do estado. A partir daí, o governo
catarinense assumiu a instalação do museu como um projeto importante e
forneceu recursos para a aquisição definitiva dos imóveis (500 mil reais) e para
a restauração dos edifícios e a aquisição de barcos regionais (300 mil reais).73
Em dezembro de 1993, foi realizada a abertura oficial do museu, com o
imóvel parcialmente restaurado.74 A partir daí, a instituição entrou em fase de
expansão, adquirindo, com recursos do estado, armazéns vizinhos que estavam
ociosos. Obteve o apoio da prefeitura municipal de São Francisco do Sul,
que passou a cobrir as despesas relativas a pessoal. Organizaram-se a Sala das
Jangadas, a Sala do Maranhão e a Sala do Navegador Amyr Klink.75
Patrimônio ferroviário
A importância histórica da construção da ferrovia no Brasil justificou o
tombamento, em nível federal, de dez bens que incluem imóveis de diversos
tipos. Um deles é o trecho Mauá-Fragoso, no estado do Rio de Janeiro,
inaugurado em 1854 como parte inicial da primeira ferrovia implantada
no país. Somam-se a esse testemunho estações e complexos ferroviários em
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rondônia.
Os órgãos estaduais também vêm trabalhando para preservar o patrimônio
ferroviário. No estado de São Paulo, por exemplo, o Condephaat tinha
registrados em seus Livros de Tombo, até 2014, 22 bens.
A reutilização do patrimônio imóvel ferroviário tem sido direcionada para
a função cultural, e uma das mais significativas ações nesse sentido foi a criação
do Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em 2006, no interior da Estação
da Luz, em São Paulo. Ocupou-se, com essa iniciativa, uma área que ficara
ociosa quando a estação passou a servir apenas ao transporte metroviário e a
uma linha turística.80
O aproveitamento de imóveis para instalação de museus ferroviários
tem ocorrido em muitas cidades, em alguns casos por iniciativa de antigos
ferroviários. Entre os museus voltados para a memória da ferrovia destaca-
se o Museu Ferroviário Barão de Mauá, inaugurado em 1979, em Jundiaí,
São Paulo.81
Centro cultural, antiga estação de A antiga estação que abriga o museu é um prédio de expressão neoclássica,
Curvelo, Minas Gerais, 2005. Foto de Luiz
com paredes de tijolos aparentes. Seu acervo abrange não só peças e equipamen-
Carlos Domingues.
tos, como também uma biblioteca, na qual se destaca a coleção de aproximada-
mente 5 mil fotografias documentais da história ferroviária.
Na cidade do Rio de Janeiro, coube à Rede Ferroviária Federal a iniciativa
de fundar, em 1984, o Museu do Trem, instalando-o em um galpão de pintura
de carros das oficinas da antiga Estrada de Ferro Pedro II.82 Em seu acervo,
tombado em 2011 pelo Iphan, está incluída a primeira locomotiva trazida para
o Brasil, além de vagões especiais que serviram a governantes no império e nos
primeiros 50 anos da república.
No estado de Minas Gerais, merece referência o Museu Ferroviário de Juiz
de Fora, instalado na antiga estação de trens.83 Foi inaugurado em 2003, por
iniciativa da prefeitura municipal.
Uma das mais significativas estações ferroviárias que ficou ociosa foi a Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Edificação de arquitetura eclética, foi inaugurada em 1926 e tombada pelo órgão estadual de proteção do
patrimônio, o Inepac. Desde sua desativação em 2004, o edifício permanece quase totalmente sem uso.
Seu único usuário é uma associação de ferromodelismo que ocupa uma sala do pavimento térreo.
O caso dessa estação, infelizmente, não é exceção. Importante parcela do patrimônio ferroviário está
ociosa por força da desativação de grande parte da malha ferroviária brasileira que servia ao transporte de
passageiros. Essa situação motivou a promulgação, em maio de 2007, de uma lei que transferiu para o Iphan
a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural
oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), bem como zelar por sua guarda e manutenção.
Para essa incumbência, o Iphan deu início a um inventário sistemático do patrimônio ferroviário nos
estados que possuíam ferrovias que haviam sido administradas pela RFFSA. Simultaneamente, foram sendo
estudadas soluções para a revitalização desses bens por meio da destinação a nova função. Na maioria dos
casos, a solução encontrada foi a da cessão de uso ao município para fins culturais. Em alguns locais, porém,
o próprio órgão assumiu o imóvel, instalando escritórios de representação municipal do Iphan.
Vocação de uso
As antigas estações ferroviárias têm características arquitetônicas que as predispõem para novas funções,
como os usos educacionais e culturais. Uma dessas características é sua implantação insular, ou seja, sem
outras construções contíguas, e com a fachada principal voltada geralmente para uma praça. Isso lhes
confere um posicionamento de destaque, que é ressaltado pela composição geralmente simétrica, tendo o
centro marcado por algum elemento, com frequência um frontão emoldurando o mostrador do relógio.
Nas estações das cidades grandes, em que há varias linhas de trem paralelamente dispostas, o porte do
edifício é ampliado pela cobertura da gare, em estrutura metálica.
A linguagem arquitetônica é muito variada e frequentemente diversa do vocabulário estilístico da
cidade, tendo em vista que os projetos das estações foram elaborados na capital do país ou copiados de
construções europeias. Além disso, na época da elaboração desses projetos, havia uma preocupação com
um resultado arquitetônico que simbolizasse o progresso que a ferrovia estava trazendo para a cidade,
resultando sempre em obras imponentes e de nova linguagem.
Outro aspecto peculiar das estações é sua linearidade, decorrente da extensão da gare, disposta atrás da
edificação. Com a desativação da ferrovia, seu leito é convertido em rua ou, dada a amplidão do espaço, em
avenida, ganhando a estação uma segunda entrada, o que possibilita uma diversificação de usos.
Seja nas cidades pequenas, seja nas grandes, o prédio da estação oferece um potencial grande a nova
destinação – não só para museus e casas de cultura, funções que têm se destacado, mas também para
escolas, bibliotecas ou postos de saúde, constituindo, enfim, uma gama de possibilidades de uso público.
Revitalização na
arquitetura religiosa
Representada por capelas, igrejas paroquiais, igrejas de irmandades, conventos e aldeias de catequese, a
arquitetura religiosa é a família de maior participação na relação de bens protegidos por tombamento federal
no Brasil, correspondendo a quase metade do conjunto de bens inscritos nos Livros do Tombo. As primeiras
iniciativas de proteção foram dirigidas às igrejas e seus acervos, entre outros motivos, em razão do risco que
corriam em face do desinteresse por sua preservação por parte das autoridades eclesiásticas.1 Além disso,
entre os que se interessavam pelo estudo da arte brasileira antiga, havia unanimidade no reconhecimento
de que sua expressão maior era aquela de natureza sacra,2 resultante da cultura trazida pelos colonizadores.
Como observa Germain Bazin:
Na península Ibérica, a igreja vence o palácio. Felipe II dera o exemplo dessa submissão absoluta a Deus, com o
Escorial, cuja força geradora fora uma igreja, assim como ideia fundamental havia sido um mosteiro. Seria imitado,
150 anos mais tarde, por D. João V, em Mafra; e pelo Imperador Carlos VI em Klosterneuburg. Na América Latina,
segundo o espírito da Idade Média redescoberta, a igreja tornou-se o centro da vida.3
Das primeiras edificações religiosas construídas com taipa e madeira, nada Igreja de Nossa Senhora da Graça e
antigo Colégio dos Jesuítas, Olinda,
sobreviveu, mesmo porque a maioria delas foi substituída por outras mais Pernambuco, década de 1970. Foto de
resistentes feitas de alvenaria de pedra. Havia também, nos primeiros tempos Augusto Carlos da Silva Telles/Instituto
Moreira Salles.
de colonização, grande carência de artífices, o que resultava em construções
feitas com mão de obra improvisada, o que explicaria, segundo Bazin, na obra já
referida, o fato de tantas edificações, apenas terminadas, desabarem em ruínas,
obrigando a uma reedificação quase constante. Nos aldeamentos jesuíticos, por
exemplo, a mão de obra era indígena, até porque os padres usavam a formação
profissional como veículo de catequese, organizando oficinas de santeiros
para difundir a iconografia da Companhia. Entre outras obras jesuíticas que
envolveram a participação de artífices indígenas, pode-se destacar a talha da
forração interna da igreja do grande colégio de Salvador, na Bahia.
Desde o primeiro século, porém, as ordens religiosas providenciavam a vinda de padres e frades
arquitetos, como o jesuíta Francisco Dias, que chegou à colônia em 1570 e trabalhou na Bahia e no Rio
de Janeiro, onde faleceu em 1633, e o franciscano frei Francisco dos Santos, que em 1585 projetou o
convento de Olinda e, mais tarde, o da Paraíba e o de São Paulo.
O conjunto de construções de caráter religioso reconhecido como patrimônio cultural abrange uma
tipologia diferenciada, cuja classificação pode ser feita por época – séculos XVI, XVII, XVIII e XIX –,
por estilo – renascentista, maneirista, barroco, rococó, neogótico e eclético – ou por programa – conventos,
igrejas de irmandades, igrejas paroquiais, capelas, conjuntos de igrejas, colégios jesuítas e aldeias missionárias.
Utilizaremos essa última classificação por sua implicação na destinação de uso dessas edificações.
A arquitetura conventual deve-se, principalmente, a três ordens religiosas: a dos carmelitas, a dos
beneditinos e a dos franciscanos. A chegada dos carmelitas ocorreu no ano de 1581, ao passo que os
beneditinos desembarcam em 1582 e os franciscanos, em 1585. As ordens foram responsáveis, no período
colonial, pela construção de conventos no Pará, no Maranhão, na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas, em
Sergipe, na Bahia, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Do conjunto de empreendimentos
por elas realizados, destacam-se as obras dos franciscanos construídas no Nordeste da segunda metade
do século XVII, a partir da expulsão dos holandeses (em 1654), até o fim do século seguinte. Tais obras
constituem, segundo Germain Bazin, uma das criações mais originais da arquitetura religiosa do Brasil.
As ordens religiosas conventuais atuaram sem interrupção até os nossos dias. O mesmo não ocorreu
com a Companhia de Jesus. Suas obras foram produzidas em pouco mais de dois séculos, já que os jesuítas
permaneceram no Brasil de 1549, quando chegaram com Tomé de Souza, até 1759, ano em que foram
expulsos por ordem do marquês de Pombal. Segundo Lucio Costa:
O considerável acervo de obras de arte que os padres da Companhia de Jesus nos legaram, fruto de dois séculos de
trabalho penoso e constante, poderá não ser, a rigor, a contribuição maior, nem a mais rica, nem a mais bela, no
conjunto dos monumentos de arte que nos ficaram do passado. É, contudo, uma das mais significativas.4
A arquitetura jesuítica abrange aldeias, residências, igrejas, colégios e seminários, sendo classificada por
Augusto Carlos da Silva Telles em dois grupos:
a. os conjuntos de caráter erudito, como os de Salvador, Olinda, Rio de Janeiro, Santos, Vitória, São Luís, Belém,
edificados após a chegada ao Brasil (1577) do arquiteto e construtor, irmão Francisco Dias;
b. os de feição não erudita, que poderíamos chamar de vernacular, compreendendo as capelas e igrejas relativas às aldeias
missionárias, às residências de atendimento aos índios, às fazendas, etc., que se subordinavam aos colégios.5
A mais antiga igreja do primeiro grupo, a de Nossa Senhora da Graça, de Olinda, em Pernambuco,
cuja construção foi iniciada em 1584, sobreviveu ao incêndio provocado pelos holandeses em 1631 –
que, segundo Lucio Costa, destruiu apenas o teto e a cobertura – e funciona ainda hoje como igreja.
Sua contemporânea, a Igreja do Rio de Janeiro, foi demolida em 1922 quando do desmonte do morro
do Castelo. As duas maiores obras dessa tipologia são as de Salvador, na Bahia, e de Belém, no Pará. A
primeira, que constitui o maior conjunto de igreja e colégio edificado pelos jesuítas no Brasil, é hoje a
Catedral de Salvador, função que passou a assumir a partir de 1929, quando se demoliu a Sé da Bahia. Já a
de Belém, a Igreja de Santo Alexandre e colégio anexo, abriga atualmente o Museu de Arte Sacra do Pará.
Do segundo grupo, um número considerável de igrejas e residências das aldeias missionárias e das
fazendas se perdeu:
[...] pelo abandono e pelo desvio de suas funções primitivas após a expulsão da Ordem. Em sua maioria
em decadência, muitas desapareceram, ou foram substituídas por outras igrejas ou edificações civis. Felizmente,
permaneceram alguns exemplares nas áreas dos atuais Estados de S. Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo que
podem ser considerados de alto valor arquitetônico.6
Do que restou e pelas descrições de época, pode-se inferir que os aldeamentos compreendiam “a igreja,
a residência dos padres abrangendo celas, rouparia, botica, adega, capela, depósito para objetos de culto,
despensa, salas de aula [...]”, além das casas de moradia dos indígenas.7 Sua implantação era sempre elevada,
observando-se que os sítios escolhidos, pela sua posição altaneira, coincidiam com os lugares adotados
pelos indígenas para assentamento de suas aldeias.
Além dos conventos, mosteiros e conjuntos jesuíticos, a arquitetura sacra é representada por igrejas
e capelas, que consistem na maioria das edificações religiosas tombadas. Observe-se que as primeiras
iniciativas dos colonos ao constituir um povoado incluíam a construção de uma capela, que, à medida que
a comunidade prosperava, era acrescida da nave com capacidade suficiente para acomodar os fiéis. Elevado
o povoado a vila, o edifício religioso era alçado à categoria de matriz, ao mesmo tempo que se construíam
outras igrejas por iniciativa das irmandades, que eram associações de fiéis unidos por afinidades de classe,
de profissão e de cor.8
Nota-se, por exemplo, que o grande número de igrejas nos centros históricos da maioria das cidades
brasileiras com mais de um século de existência deve-se à presença de irmandades resultantes da divisão da
comunidade em estratos sociais.9
Em Minas Gerais, onde, por ordem régia, não foi permitida a presença de ordens religiosas – que
construíam os conventos, mosteiros e colégios –, a grande quantidade de igrejas e a qualidade extraordinária
de sua arquitetura são obras das irmandades e confrarias, representando os diversos estratos em que se
dividia a sociedade. Como observou Bazin:
Enquanto na primeira parte do século XVIII o esforço construtivo se concentrava na edificação das igrejas paroquiais,
a segunda parte assistiu ao desenvolvimento das confrarias. Em nenhum lugar elas foram mais prósperas.10
Após a abertura do Brasil, em 1808, ao comércio com outras nações, começou um processo de
transformação cultural da sociedade brasileira que iria afetar a posição da igreja na comunidade. Esse
processo, intensificado no século XX, em decorrência da presença de outras religiões e do aumento
do agnosticismo e do ateísmo, resultou na redução do número de religiosos e no declínio das ordens
religiosas e das irmandades. Conventos esvaziaram-se e igrejas foram fechadas, criando-se uma
situação de ociosidade dos edifícios religiosos. É necessário observar que, no Brasil, a continuidade
do sentimento religioso impede a conversão das igrejas esvaziadas para finalidades estranhas à função
original, diferentemente do que ocorre nos países europeus.
No Brasil, adotou-se como primeira alternativa para a revitalização dos edifícios religiosos a função
museológica, por meio da valorização da arte sacra. A valorização e a interpretação dos bens integrados
– talhas e pinturas – e dos bens móveis – a imaginária – motivaram a conservação de muitas igrejas cujas
atividades religiosas tinham cessado. O trabalho desenvolvido pelo Iphan11 contribuiu consideravelmente
para a compreensão desse outro valor pela população.
A conversão em museus, notadamente de arte sacra, tem sido uma alternativa empregada em diversos
edifícios e conventos religiosos, como ocorreu com os conventos de Nossa Senhora dos Anjos, em Cabo
Frio, no Rio de Janeiro, e de Santa Tereza, em Salvador, na Bahia.12 Podem ser citados também os museus
de arte sacra instalados nas igrejas de Santa Rita, em Paraty, no Rio de Janeiro, e de São Francisco da
Penitência, na capital do mesmo estado.
O exemplo mais recente é o projeto de restauração e reciclagem da Igreja jesuítica de Santo Alexandre,
na cidade de Belém, concluído em 1998, quando a edificação passou a abrigar o Museu de Arte Sacra
do Pará.13 Mas nem sempre há disponibilidade de peças de arte sacra que possam compor um acervo
e constituir um museu, como se verificou no convento de Santo Antônio, em João Pessoa, que depois
de restaurado, na década de 1990, passou a abrigar um Museu de Arte Popular. Nota-se, porém, na
reciclagem de conventos para a função museológica, que o espaço da igreja permanece como auditório,
dispondo-se o acervo nas dependências conventuais propriamente ditas.
Observe-se que alternativas de novos usos para igrejas esbarram em uma dificuldade decorrente de
uma característica inerente à arquitetura religiosa luso-brasileira: a decoração que reveste paredes e tetos e
inibe outros usos que não os de caráter sacro. Em compensação, na maioria delas, constatam-se qualidades
acústicas que possibilitam sua utilização como auditório próprio para concertos musicais, uso que vem se
tornando bastante disseminado.
Até a segunda metade do século XIX, as naves das igrejas brasileiras eram
espaços livres, desimpedidos dos bancos que hoje atravancam a área central,
perturbando a visão unitária da decoração em talha dourada, tal como foi
originalmente prevista.14
Igreja de Nossa Senhora da Assunção, padres jesuítas a partir do primeiro século da colonização. Trata-se da antiga
em Anchieta, Espírito Santo, 2009. Foto de
aldeia de Reritiba, implantada em um sítio habitado desde muito por povos
Aline Miceli.
indígenas, o que se conclui com base na descoberta, no local, de grande número
de testemunhos de ocupação humana anterior à chegada dos europeus.
A fundação do aldeamento data do século XVI, pois em 1598 já fazia parte
dos catálogos da Companhia de Jesus. Sua importância é reconhecida pelo
padre Serafim Leite:
[...] das dez aldeias de índios que os jesuítas catequizaram nos primeiros tempos
de sua chegada à Capitania, duas se tornaram famosas pela continuidade de seu
regime administrativo: Reritiba e Reis Magos. O aldeamento de Reritiba já figura
nos catálogos da Companhia de Jesus em 1598.17
O terreno eleva-se, formando um declive rápido onde a rocha se mostra nua. Esse declive termina numa plataforma
muito larga que domina não apenas a campina, como ainda o mar; e lá se acham o antigo convento dos Jesuítas
e sua igreja.18
Em 1943, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Anchieta, foi tombada pelo Iphan, assim como
a Igreja dos Reis Magos, em Nova Almeida, no município de Serra, também no Espírito Santo. Essas
igrejas têm em comum a organização espacial e a simplicidade da arquitetura, além do emprego de detalhes
característicos. Ambas dispõem de apenas uma torre, situada, em Anchieta, à direita e, em Reis Magos, no
lado oposto. As residências, nos dois casos, organizam-se em quadra, em volta de um pátio. Em Anchieta,
um dos lados é ocupado pela lateral da igreja, enquanto em Nova Almeida o corpo da residência ocupa
apenas a frente do pátio, fechado à direita por muro e atrás pelo cemitério.
Mas há peculiaridades na arquitetura da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. Uma delas é o pórtico
da base da torre sineira, cuja única finalidade plausível seria a de abrigo – inusitado, porém, considerando-
se suas restritas dimensões. É caso único na arquitetura religiosa brasileira, cujos pórticos, quando existem,
estão à frente da entrada da igreja. A torre é arrematada por abóbada em “meia-laranja”, solução também
presente em outros exemplares da arquitetura religiosa brasileira.
Suas paredes brancas com ressaltos de massa, vãos requadrados de madeira, beirais em beira-seveira
nas laterais e com cimalha simples na fachada principal formam um repertório singelo, indicativo das
condições de rudeza e isolamento das regiões onde se construíram esses edifícios. Internamente, a igreja
tem três naves, divididas por duas sequências de arcadas, e conta com três altares: o principal na capela-mor
e dois laterais, dispostos na nave.
De janeiro de 1994 a junho de 1997, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção e a residência anexa
foram redescobertas, relidas e restauradas.19 Prospecções nas paredes e pisos revelaram fragmentos da
história do monumento, servindo de base para a restauração. Exemplo disso é dado pela fachada principal
da igreja, cuja fácies original foi revelada por meio de prospecções minuciosas. Com base nessa descoberta,
fez-se a reconstituição da solução original, incomum por sinal, de duas janelas ao nível do térreo ladeando
a porta de ingresso e um único janelão ao alto, abrindo para o coro.20
Restaurar, entretanto, não era o objetivo da equipe no verão de 1994, quando se iniciaram obras
de revisão dos telhados com finalidade meramente conservativa. Diante, porém, da possibilidade
de recuperação de uma pintura artística seiscentista, existente atrás do altar-mor, a 6a Coordenação
Regional do Iphan21 decidiu estender o trabalho de pesquisa a toda a igreja. O resultado foi uma série
de descobrimentos que mudaram o curso das intervenções, passando, paulatinamente, da conservação
para a restauração. Foi dado um passo depois do outro, em uma linha de análise e avaliação sempre
embasada na leitura dos documentos materiais (paredes e pisos) e textuais (relatórios e cartas) referentes
à história da igreja.22
problemas de fragilização estrutural e degradação de materiais, decidiu-se por Fachada da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Rosário, em Pirenopólis,
uma intervenção restaurativa total, realizada entre 1996 e 1999.45 Goiás. À direita, após o incêndio ocorrido
Na madrugada do dia 5 de setembro de 2002, três anos depois de concluída em 5 de setembro de 2002. À esquerda,
após a restauração, 2006. Fotos de Biapó.
a restauração, entretanto, a igreja sofreu um incêndio devastador que destruiu
todos os bens artísticos integrados, feitos de madeira e ornamentados com
pintura policromada e folha de ouro: tetos, arco-cruzeiro e os altares com
seus retábulos. Indiferentes aos riscos que corriam, cidadãos de Pirenópolis
conseguiram salvar 20 imagens, inclusive a da padroeira, Nossa Senhora do
Rosário, peça setecentista de origem portuguesa.
O responsável pelo escritório técnico do Iphan em Pirenópolis assim relatou
a reação da comunidade local ao incêndio:
Após o impacto do grave incêndio que destruiu boa parte da Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário em setembro de 2002, apenas três anos depois de uma
meticulosa obra de restauração, ficou a questão: como a cidade enfrentaria a perda
parcial de seu maior ícone arquitetônico e urbano?46
Capela-mor da Igreja Matriz de Nossa transformado em ruína e, como tal, não deveria ser restaurada, mas conservada
Senhora do Rosário, em Pirenopólis,
em seu estado, e outros que propunham a construção de uma réplica, por
Goiás, em 2002, antes do incêndio
(à esquerda) e, em 2006, após a restauração considerar a perda como total. A decisão, porém, foi a de restaurá-la.
(à direita). Fotos de Biapó.
A opção pela restauração partiu da comunidade de Pirenópolis e foi
endossada pelo Iphan, que providenciou, imediatamente, a montagem de uma
estrutura de cobertura provisória para a proteção das paredes remanescentes, de
taipa de pilão e adobe. Enquanto isso, membros da comunidade organizaram
a Sociedade dos Amigos de Pirenópolis, que, por meio de leis de incentivo,
estadual e federal, conseguiu os recursos necessários para a restauração da igreja.
A execução da obra foi entregue à mesma empresa que restaurara a igreja três
anos antes.47
Os trabalhos, iniciados em outubro de 2003 e concluídos em março de 2006,
pautaram-se na constante preocupação com a qualidade técnica da intervenção
e sua divulgação à população. Foi significativa nesse trabalho a dedicação dos
técnicos e operários envolvidos, a maioria constituída por moradores da região.
Entre os depoimentos de operários recolhidos durante a obra, vale reproduzir
as palavras de um dos carpinteiros, Dorvalino Botelho, e do servente Weber
Pereira Siqueira. Diz Botelho:
[...] que marcou mais para mim foi a destruição, o fogo que teve na Igreja
foi chocante. Acho que foi a maior tristeza, não só para mim, mas para
toda a comunidade. E outro, mais importante ainda, é esse que estamos
vendo, nunca a gente pensava que ia ter a Igreja de volta. E esse fato é mais
marcante ainda agora.48
Essa alternativa satisfaz suas noções de coerência com o templo e com a fé, sendo
compatível com seus conceitos de beleza e até – por que não? – de preservação do
patrimônio, intermediando uma espécie de reencontro da memória afetiva com
o uso cotidiano do espaço religioso. Ao contrário, os que se apegam às visões do
autêntico intrinsecamente dependente do suporte material e dos elementos físicos
remanescentes do altar são em sua maioria os frequentadores eventuais do edifício,
os que dele se apropriam mais por seus valores artísticos, históricos e culturais do
que dos religiosos. Imbuídos de convicções fatalísticas de autenticidade, negam aos
usuários da igreja o que a esses segundos pareceria uma solução natural: o bem
foi involuntariamente destruído? Que seja reconstituído! Propugnam uns por
uma ambientação tradicional e outros por uma nova estética, dada pela função
e que visa salientar o que para eles resume o autêntico, ou seja, os remanescentes
materiais do bem cultural sinistrado.51
XIX, era “uma das melhores obras de arquitetura da cidade, se não o seu mais
belo edifício, cuja história constitui um capítulo da evolução da arte no país”.53
O edifício é utilizado por três instituições de ensino e pelo Fórum de Ciência
e Cultura da UFRJ, e tem no interior uma capela, usada eventualmente, na maior
parte das vezes para celebração de casamentos. Um incêndio ocorrido em março
de 2011, entretanto, destruiu a cobertura, o forro abobadado e parte do piso
assoalhado da capela, bem como as peças valiosas de sua ambientação litúrgica,
como a imagem de São Pedro de Alcântara,54 seu padroeiro, o altar e a cruz de
madeira à qual era fixo o Cristo de bronze, peça que, felizmente, sobreviveu.
Para a restauração da capela, elaborou-se um projeto de reconstituição do
espaço religioso, tendo como diretriz a recuperação de sua expressão como local
destinado a cerimônias ocasionais e de caráter solene.55
Antes do incêndio, o pano de fundo da capela era constituído de uma parede
feita com estrutura de madeira e vedação de estuque, conforme se pode deduzir
do embasamento, que não foi destruído pelo fogo. Essa parede funcionava como
um retábulo, pois nela se encaixava o altar de madeira e um nicho que abrigava
a imagem de São Pedro de Alcântara. Em vista da perda do conjunto formado
pelo “retábulo”, o altar e a imagem, foi proposta a reconstituição formal dessa
parede com o emprego de alvenaria de blocos celulares.
Não se recomendou a reconstrução do altar nem a recomposição de nicho
para reposição da imagem de São Pedro, por duas razões. Em primeiro lugar, o
Considerações finais
Não há preservação sem utilização, e esta pressupõe adaptação. Por mais conservativa que seja a intervenção,
dificilmente é feita sem alterações. Como vimos, a raiz da dificuldade na reutilização do bem está na visão
imobilista de muitos preservacionistas, na relutância em resolver a contradição de uma preservação com
modificação. Se o objetivo é preservar, como aceitar modificações? Entretanto, para restabelecer o uso do bem
arquitetônico, é necessário fazer modificações de caráter renovador, marcadas pela inserção de elementos, que
deverão ser equacionadas desde o início do processo de restauração.
As consequências do atendimento a novas necessidades consistem em um dos principais desafios
na restauração de monumentos, quase sempre gerados pela dificuldade de compatibilizar a arquitetura
preexistente com a que resultará das novas funções definidas para o edifício. Deve-se lembrar de que o
êxito, nesses casos, depende do estabelecimento de um harmônico diálogo entre o antigo e o novo.
Quando o espaço disponível acolhe o novo programa, sem necessidade de ampliação, a questão resume-
se a atender às novas exigências, mantendo-se a compreensão e a fruição do espaço interno do monumento.
Entre os exemplos notáveis está o Panteão dos Inconfidentes, inserido no pavimento térreo da antiga
Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto, em Minas Gerais, hoje Museu da Inconfidência. Essa inserção
é reverenciada por Lucio Costa no prefácio à coletânea de textos de Rodrigo Mello Franco de Andrade,
publicada em 1986 pela Fundação Nacional Pró-Memória: “uma obra-prima arquitetônica concebida por
José de Souza Reis que soube, com um mínimo de meios e extrema sensibilidade e apuro, transformar uma
simples sala num sóbrio ‘antimausoléu’, digno da memória dos Inconfidentes”.*
Agentes de preservação
é comum a divergência entre as legislações de proteção e as de uso do solo urbano. Essa dificuldade só
pode ser superada pelo reconhecimento mútuo dos limites a ser respeitados pelas duas instâncias da
administração pública.
A função dos órgãos de proteção é impor limitações para evitar a descaracterização dos bens protegidos,
enquanto à administração municipal cabe propiciar, além da requalificação urbanística de áreas degradadas,
condições para uma boa destinação de uso dos edifícios de valor cultural. Tais objetivos não são opostos,
já que a utilização do imóvel é uma condição preliminar para sua preservação. Entretanto, os limites a ser
respeitados pelo usuário raramente são preestabelecidos, o que resulta em situações de confronto entre
interesses nem sempre conciliáveis: o do usuário, que pretende novas condições de funcionalidade para
o atendimento de suas necessidades, e o do órgão de proteção, que, em nome da preservação do bem,
procura restringir ao mínimo as modificações pretendidas.
Diante desse conflito, vale lembrar que há vários protagonistas na ação preservacionista do bem
cultural. No caso dos monumentos, foi-se o tempo em que as intervenções eram decididas apenas pelo
arquiteto restaurador. Apesar de reconhecer os benefícios trazidos pela multidisciplinaridade das equipes
de trabalho, acreditamos que a intervenção restaurativa na obra de arquitetura requer a participação daquele
que vai usá-la, ou seja, de quem terá a obrigação de conservá-la. O futuro do monumento arquitetônico
restaurado depende principalmente dele e, por essa razão, é fundamental sua participação desde o início
do processo de preservação. No caso da arquitetura religiosa, como vimos, o devoto, por sua relação afetiva
com a igreja que frequenta, e não apenas o pároco, é um protagonista de presença obrigatória, a ser ouvido
atentamente pelos técnicos.
prospecções físicas, geralmente exequíveis no decorrer da obra de intervenção, durante a qual se evidenciam
os valores a permanecer, o que pode ser alterado e o que é passível de exclusão.
Formação de gestores
Notas
15 “Mérimée admira os belos monumentos, mas ele jamais sentiu seus olhos umedecerem diante do
aspecto de suas ruínas.” Apud: LÉON, Paul. Op. cit., p. 193.
16 “[...] sublime dos danos e das fraturas, no sublime da pátina e da vegetação que faz a arquitetura
se assemelhar às obras da Natureza e dão a cor e as formas que universalmente agradam ao olhar do
homem.” RUSKIN, John. Op. cit., p. 254.
17 O termo preservação será empregado neste livro no sentido de medida geral para a sobrevivência de um
objeto, envolvendo a proteção, a restauração e todas as outras operações que se fizerem necessárias para
garantia da perpetuação e da recuperação de um bem de interesse cultural.
18 LÉON, Paul. Op. cit., p. 200.
19 VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. São Paulo: Ateliê, 2000. p. 26.
20 PUCCIONI, Silvia. Restauração estrutural: metodologia de diagnóstico. 1997. Dissertação (Mestrado
em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997. p. 51.
21 Historiador crítico de arte, Giulio Carlo Argan (1909-1992) foi prefeito de Roma entre 1976 e 1979.
22 ARGAN, Giulio Carlo. Arquitetura e cultura. In: ____. História da arte como história da cidade. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 245.
23 SCRUTON, Roger. Estética da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
24 O arquiteto Luís Saia (1911-1975) foi chefe do 4o Distrito do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan), que era sediado na capital paulista e respondia pela preservação do patrimônio
cultural protegido pelo órgão federal nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo. Foi autor de vários trabalhos sobre a arquitetura antiga de São Paulo e coordenou diversas obras de
restauração de edifícios tombados.
25 SAIA, Luís. Da arquitetura. Tese de concurso para provimento da cadeira de Teoria da Arquitetura da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1957. p. 5.
26 O arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio (c. 80 a.C.-15 a.C.) assessorou Júlio César nas campanhas
da Gália e da Espanha.
27 O arquiteto, escultor e músico Leone Battista Alberti (1404-1472) é autor do tratado De Re Aedificatoria
(1450), dirigido à formação de arquitetos.
28 Estabilidade, comodidade e deleite.
29 Utilidade, estabilidade e beleza.
30 Sobre o assunto, ver: COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. São Paulo:
Perspectiva, 1979. p. 18; SCRUTON, Roger. Op. cit.
31 O arquiteto Lucio Costa (1902-1998) foi o principal mentor das ações de proteção e conservação
do patrimônio edificado do Sphan, nos primeiros 30 anos da instituição. Notabilizou-se por projetos
emblemáticos, como o do edifício construído para ser sede do Ministério da Educação e Cultura e o do
Plano Piloto de Brasília. Escreveu diversos textos fundamentais sobre a arquitetura brasileira. Sobre sua
trajetória, ver: COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
32 COSTA, Lucio. Considerações sobre o ensino da arquitetura. In: ____. Lucio Costa: sobre arquitetura.
Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. p. 113.
33 Organismo formado em 1920 pelos países signatários do Tratado de Versalhes, com o objetivo de
desenvolver a cooperação entre as nações e garantir a paz. Em 1946, foi substituído pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
34 Empregaremos o termo proteção quando houver a aplicação de lei destinada a garantir a integridade do
bem cultural (um bem tombado é um bem protegido). Observe-se que os portugueses, assim como os
franceses, utilizam nesse sentido o termo salvaguarda. Conservação designará os cuidados para preservar as
características de um bem que apresentem significação cultural (Carta de Burra, 1980). Sobre o significado
desses termos, ver: CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. O termo
valorização (em francês, miseenvaleur) será utilizado para designar o conjunto de ações de conservação e
restauração destinadas a destacar a importância de um bem cultural. Sobre esse termo, ver: CHOAY,
Françoise. Op. cit., p. 212-213.
35 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 13.
36 O primeiro Ciam ocorreu em 1928, no Castelo de La Sarraz Vaud, na Suíça. Seguiram-se nove
congressos, cada um dedicado a um tema. O de Atenas foi o quarto evento e dedicou-se à produção desse
documento centrado na questão do urbanismo moderno. O último ocorreu em 1956, em Dubrovnik,
Iugoslávia, e teve como tema central o habitat humano.
37 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 52.
38 Ibid., p. 54.
39 A Carta de Veneza foi o primeiro dos 13 documentos produzidos nesse congresso.
40 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 92.
41 Há muitos exemplos de monumentos que sobreviveram por causa de sua utilização, embora inadequada.
Como será exposto adiante, grande parte do patrimônio edificado dos centros históricos brasileiros
abandonada pelos proprietários sobreviveu, mesmo que degradada, graças à conservação, ainda que
precária, feita pela população de baixa renda que a ocupou, à revelia da legislação instituída pelo Estado.
Exemplificam essa constatação os centros históricos de Salvador, na Bahia, São Luís, no Maranhão, Recife,
em Pernambuco, e de outras cidades.
42 PARENT, Michel. L’Avènement de la Charte Internationale pour la Sauvegarde des Villes Historiques.
Icomos Information, n. 2, p. 1-2, 1987.
43 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 111.
44 Ibid., p. 116.
45 Ibid., p. 157.
46 Ibid., p. 169.
47 Ibid., p. 180.
48 Ibid., p. 197.
49 O congresso foi o coroamento do Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico, celebrado em 1975, e
nele foram produzidos dois documentos: a Declaração de Amsterdã e a Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico.
50 Ibid., p. 202.
51 Ibid., p. 228-229.
52 O termo restauração foi definido em 1964, no artigo 9o da Carta de Veneza, como uma “operação que
deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do
monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos”. Disponível
em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>.
Acesso em: 18 jul. 2015.
53 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 241.
54 Ibid., p. 54.
55 O Icomos é uma associação civil, não governamental, sediada em Paris. A realização desse colóquio
foi uma das resoluções do Congresso de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos ocorrido em
1964, em Veneza.
56 Ibid., p. 248-249.
57 A terminologia referente a patrimônio cultural adotada em língua inglesa tem significados diferentes
daquela que hoje empregamos no Brasil, derivada do vocábulo usado na Itália. Por essa razão, o texto
da carta requer uma explicação. De acordo com a definição de termos constante da parte inicial da
carta, “conservação corresponde à intervenção no bem com o objetivo de preservar as características que
apresentem um significado cultural” e “preservação, à manutenção no estado da substância de um bem
e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada”. No vocabulário em uso neste livro, a palavra
conservação corresponde a “intervenção”; restauração tem o mesmo sentido que adotamos até aqui, ou seja, de
“restabelecimento de um estado anterior”; para “preservação”, usamos permanência.
58 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 251.
59 Ibid., p. 284.
60 Ibid., p. 285-286.
61 No Encontro de Arquitetos em Machu Picchu, no qual os conceitos explicitados na Carta de Atenas
foram revistos, a setorização foi criticada, reconhecendo-se que o processo urbanístico consiste em criar
uma integração multifuncional e contextual.
62 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 327.
63 Ibid., p. 256.
Capítulo 2
1 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 179.
2 Id.
3 CESCHI, Carlo. Teoria e storia del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 88.
4 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 181.
5 AGUIAR, José. Cor e cidade histórica: estudos cromáticos e conservação do patrimônio. Porto: FAUP,
2002. p. 82.
6 Id.
7 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 185.
14 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. 1993. 168 p. Dissertação
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1993. p. 154.
15 HALEVY, Jean Pierre. Relatório de fim de missão. Programa BID e Fortalecimento do Iphan. Iphan, jun.
1998. p. 5.
16 A Comissão dos Monumentos Históricos da França foi fundada em 1837.
17 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Formação de arquitetos para a preservação dos bens culturais. C.
J. Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 17, p. 22, 1977.
18 Em 1938, o arquiteto Luís Saia substituiu Mário de Andrade na chefia do 4o Distrito do Iphan,
sediado em São Paulo, permanecendo no cargo até seu falecimento. Além de São Paulo, faziam parte do
4o Distrito os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Até 1975, portanto, as obras de
restauração nos monumentos nacionais realizadas nesses quatro estados foram conduzidas por Luís Saia.
19 SAIA, Luís. Até os 35 anos, a Fase Heróica. C. J. Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 17, p. 17, 1977.
20 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23. A pesquisa sistemática da história da arte e da
arquitetura brasileira era uma prática dos arquitetos de patrimônio incentivada por Rodrigo Mello Franco
de Andrade. A Revista do Sphan foi o principal veículo de difusão do conhecimento adquirido pelos técnicos
da instituição. Vale citar alguns ensaios e teses produzidos por arquitetos e engenheiros, funcionários da
insituição, publicados entre 1937 e 1978, que ainda hoje são importantes referências: “Documentação
necessária”, “Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro”, “Arquitetura dos jesuítas no Brasil”,
“Risco original de Antonio Francisco Lisboa”, por Lucio Costa (revistas n. 1, 3, 5, 17 e 18); “O Piauí e a
sua arquitetura”, “Casas de Câmara e Cadeia” e “Análise de alguns documentos relativos à Casa de Câmara
e Cadeia de Mariana”, por Paulo Thedim Barreto (revistas n. 2, 10 e 16); “Notas sobre a antiga pintura
religiosa em Pernambuco”, “Observações em torno da história da cidade do Recife, no período holandês”
e “Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado do Rio”, por Joaquim Cardoso (revistas n. 3, 4 e
7); “O adro do Santuário de Congonhas”, “Arcos da Carioca” e “Evidência dos monumentos históricos”,
por José de Souza Reis (revistas n. 3, 12 e 16); “O alpendre nas capelas brasileiras” e “Notas sobre a
arquitetura rural paulista do segundo século”, por Luís Saia (revistas n. 3 e 8); “Algumas notas sobre o
uso de pedra na arquitetura religiosa do nordeste”, por Ayrton Carvalho (revista n. 6); “Vassouras: estudo
da construção residencial urbana”, por Augusto Silva Telles (revista n. 16); “A antiga comercial Vila dos
Lençóis”, por Fernando Machado Leal (revista n. 18).
21 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 154.
22 Renato Soeiro dirigiu a instituição federal entre 1967 e 1979.
23 “O culto do monumento passado coexiste com aquele que logo seria nomeado ‘culto da modernidade’.”
CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 138.
24 O termo prospecção, na área de conservação/restauração de monumentos, designa o conjunto de operações
de pesquisa realizadas por meio da remoção de trechos de revestimento de paredes ou de pisos, com o
objetivo de conhecer a situação atual do edifício e de revelar sua história.
25 É significativo o fato de que, até a década de 1960, os únicos livros sobre restauração existentes na
Biblioteca Noronha Santos, do Iphan, eram franceses.
26 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 96.
27 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 158.
28 Id.
29 A obtenção de “unidade estilística” era uma das metas de Viollet-le-Duc e seus seguidores nas restaurações
que realizavam. Ela implicava o restabelecimento de todos os elementos arquitetônicos característicos do
estilo para que o monumento se identificasse completamente com a maneira de representação de seus
similares.
30 Embora possa ser observada, essa influência não foi assumida por causa do repúdio que se manifestou
no final do século XIX às mutilações e falsificações decorrentes da ênfase dada à “unidade estilística”
em detrimento da autenticidade dos monumentos, imputando-se tal desvio aos ensinamentos do mestre
francês.
31 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23.
32 O arquiteto Antônio Luiz Dias de Andrade (Janjão, como era conhecido) integrou a equipe da
representação do Iphan em São Paulo desde o início da década de 1970, assumindo a direção da insituição
no período de 1978 a 1994.
33 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 123.
34 Fernando Machado Leal pode ser considerado o principal arquiteto restaurador daquele período pela
diversidade de monumentos que restaurou em várias regiões do Brasil e, principalmente, pela qualidade de
suas intervenções. Ele dirigiu dezenas de trabalhos de restauração em todo o país, começando em 1961,
em Ouro Preto. Coordenou, na década de 1980, as obras de consolidação das ruínas de São Miguel, no
Rio Grande do Sul, e de Alcântara, no Maranhão. Encerrou sua carreira em Salvador, na Bahia, onde
faleceu, em 2005.
35 LEAL, Fernando Machado. Restauração e conservação de monumentos brasileiros. Recife: Universidade Federal
de Pernambuco, 1977. p. 135.
36 Ibid., p. 136.
37 Na tese, é relatada a história do monumento e exposta a razão que levou o arquiteto a propor a
reconstituição. Ver: MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Tese para provimento do cargo de professor
assistente da cadeira de História da Arte na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 1969.
38 MENEZES, José Luiz Mota. Op. cit., p. 55.
39 Diógenes de Almeida Rebouças, formado em engenharia agronômica em 1933 e em arquitetura em
1951, foi professor catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Foi, ainda,
um dos profissionais mais atuantes em seu estado na segunda metade do século XX, assinando diversos
projetos de arquitetura executados em Salvador.
40 Infelizmente não se escreveu ainda a história dos mestres artífices do Iphan, trabalho cada vez mais
difícil de ser realizado, uma vez que as fontes principais para essa pesquisa estão desaparecendo. Com o
falecimento de José Ferrão Castelo Branco, o mestre Ferrão (1920-2001), por exemplo, tornou-se mais
difícil recuperar nomes e perfis dos artífices que trabalharam no Nordeste. Sobre a atuação dos mestres da
equipe de São Paulo, pode-se ainda recuperar a história com José Saia Neto, que trabalhou com eles sob
a coordenação de seu pai, Luís Saia. Compunham essa equipe Lincoln Faria, Francisco Crispin e o mestre
carpinteiro Manoel Riguethi.
41 Entre as consequências dessa mudança, situa-se o distanciamento do canteiro de obras por parte dos
arquitetos da instituição. O mais grave é o fato de que, ao desempenhar a função de fiscais, esses profissionais
passaram vistoriar e analisar obras de intervenção em bens tombados sem nunca ter enfrentado os desafios
da preservação de edificações.
42 Ano em que se realizou o primeiro curso de especialização no Brasil, resultante da parceria do Iphan
com uma universidade e o apoio da Unesco. Trataremos do assunto no item “Os cursos de São Paulo,
Recife e Belo Horizonte” (p. 69).
43 Em 1975, foi criado o Curso Regional de Restauração de Monumentos e Conservação de Centros
Históricos e Sítios, em Cuzco, no Peru.
44 O objetivo do Cours de Chaillot (Centre d’études Supérieures d’Histoire et de Conservation des
Monuments Anciens) é formar architectes des batiments de France, ou seja, preparar arquitetos especializados na
conservação e restauração de monumentos franceses. O sistema de ensino é eminentemente prático e voltado
para casos concretos. Conceitos e princípios teóricos são discutidos com base nas questões suscitadas na
análise de cada caso. As disciplinas são distribuídas em módulos: técnicas antigas, estruturas antigas, sua
patologia, elementos decorativos e mobiliário, urbanismo, história da arquitetura francesa e legislação.
BOIRET, Yves. La formation des architectes français aux taches de la restauration des monuments anciens:
le Centre d’études supérieures d’histoire. In: Anales de la Réunion International des Coordinateurs pour la Formation
en Conservation Architecturale. Roma: ICCROM, 1983.
45 O ICCROM, sediado em Roma, é uma instituição que tem como objetivo a formação de conservadores
de patrimônio cultural em todo o mundo. Foi, sem dúvida, o modelo que orientou a conformação dos
cursos brasileiros, não só porque nos anos 1970, quando se moldaram os primeiros cursos, o ICCROM
tinha se constituído na principal referência mundial, como também porque grande parte dos especialistas
brasileiros e estrangeiros que participaram do corpo docente dos cursos eram formados no ICCROM.
46 O curso de Conservação Arquitetural, que a maioria dos arquitetos brasileiros realizou no ICCROM,
tinha seis meses de duração e era distribuído da seguinte maneira: 50% para aulas teóricas e visitas a sítios;
40% a trabalhos de ateliê e de campo; o restante para discussão de casos concretos. As disciplinas eram
divididas em três módulos: conservação de edifícios históricos (história e teoria da conservação; valoração
de bens arquitetônicos e urbanos; política de conservação; pesquisa histórica; vistoria, manutenção e
reparação; consolidação estrutural; tecnologia da reabilitação; fotogrametria; conservação preventiva de
coleções e interiores), conservação de materiais construtivos tradicionais (argamassas, adobe, pedra, tijolo,
madeira e metais) e conservação de áreas históricas (metodologia da conservação urbana, conservação
integrada). JOKILEHTO, Jukka. Training in Architectural Conservation at ICCROM. In: Anales de la
Réunion International des coordinateurs pour la formation en conservation architecturale. Roma: ICCROM, 1983. p.
195-200.
47 Ver capítulo 4.
48 MELLO, Suzy P. de. Uma experiência brasileira no treinamento de arquitetos restauradores: o curso de
especialização em Minas Gerais (1978). In: Anais das Primeiras Jornadas Luso-brasileiras do Patrimônio Edificado.
Lisboa, 1984. p. 79.
49 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23.
50 O arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles dirigiu por muitos anos a Diretoria de Estudos e
Tombamentos do Iphan e assessorou tecnicamente a direção do órgão. Tornou-se seu presidente e, depois,
membro do Conselho Consultivo da instituição. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
publicou diversos trabalhos sobre o patrimônio cultural brasileiro.
51 Praticamente 80% do curso foi custeado pela Seplan, tendo em vista a importância da formação de
especialistas para a viabilização do Programa das Cidades Históricas. MELLO, Suzy P. de. Op. cit., p. 80.
67 BRANDI, Cesare. Teoria do restauro. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963. p. 34.
68 Dos especialistas estrangeiros e brasileiros que passaram pelos Cecres de 1981 até 2004, dez se
formaram na Itália, quatro na Espanha, dois na Inglaterra e um na Alemanha. Observe-se que as disciplinas
de projeto de intervenção nos patrimônios arquitetônico e urbano e teoria da conservação e restauro foram
ministradas por especialistas de formação italiana.
70 CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 93.
72 Id.
73 O Mercado Modelo sofreu incêndio de grandes proporções em janeiro de 1984. Foi restaurado
segundo projeto do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo e reinaugurado em dezembro daquele ano.
76 Por causa da rigidez de sua conformação e da sua semelhança com um aparelho ou uma máquina, o
edifício foi apelidado de “micro-ondas”.
77 Reconversão, reciclagem e reutilização são termos correntes para designar a operação de adaptação do edifício
a um novo uso.
78 Utilizaremos o adjetivo criativo por analogia à linha de restauração que recebeu, na Europa, a
denominação restauro criativo. A figura central do restauro criativo foi o italiano Carlo Scarpa (1906-1978),
que revolucionou a intervenção restaurativa de monumentos por meio de projetos de adaptação em que
as inserções compareceram com personalidade própria. Em seu trabalho, o arquiteto recontextualizou
os testemunhos históricos imprimindo-lhes a própria linguagem, com força criativa, mas sem violência,
manifestando capacidade incomum na leitura e na interpretação dos organismos. Para Adolf Los, que foi
seu assistente entre 1964 e 1970 e autor do primeiro trabalho sobre ele (1967), Scarpa empregava uma
linguagem visual na qual o efeito era garantido por sua historicidade intrínseca. Scarpa tinha predileção
em construir dentro do construído, o que foi muito criticado no início de sua vida profissional. Entre suas
obras, destacam-se a Gipsoteca Canoviana (1955-1957), em Possagno, Treviso, o Museu de Castelvecchio
(1956-1964), em Verona, e a Fundação Querini-Stampalia (1961-1963), em Veneza.
79 O Solar do Unhão, tombado pelo Iphan em 1943, é um conjunto de edificações no qual se destacam
a casa-grande, a capela e o aqueduto. Iniciado no século XVII, foi sendo ampliado nos séculos seguintes.
80 Arquiteta italiana, naturalizada brasileira, que emigrou para o Brasil em 1946, tendo vivido e trabalhado
no país até o fim da vida.
81 Depoimento da arquiteta ao Jornal da Bahia, 1963. Apud: BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza.
Os restauros de Lina Bo Bardi e as interpretações da história. 2001, 185 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
p. 73.
Capítulo 4
1 GUTIERREZ, Ramón. El derecho al patrimonio construído. In: Anais do II Congresso Latino-americano sobre
a Cultura Arquitetônica e Urbanística. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1997. p. 143.
2 ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e o Sphan: coletânea de textos sobre o patrimônio cultural.
Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/Fundação Nacional Pró-Memória, 1987. p. 82.
3 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação
no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan, 1997. p. 230.
4 CURY, Isabelle (Org). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 285.
5 Ver: SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de
áreas urbanas no Brasil (1937-1990). 1995, 281 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)
sendo 41 milhões financiados pelo banco e o restante contrapartida do governo equatoriano. Destinava-
se ao Programa de Recuperação do Centro Histórico de Quito, projeto iniciado em 1988 com recursos
municipais, acrescidos mais tarde por dotações não reembolsáveis provenientes da Espanha, da Bélgica
e de instituições como a Unesco e a Fundação Getty. Consistiu na primeira experiência do BID em
projetos culturais. Ver: GUZMÁN, Dora Arizaga. Gestão e financiamento de projetos de conservação em
cidades históricas. Brasília: Grupo Tarefa/Iphan/Programa Monumenta/BID/Unesco, 1999. p. 31-37.
(Cadernos Técnicos, n. 3).
25 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 257.
26 Ibid., p. 259.
27 Regulamento operativo do Programa Monumenta.
28 Id.
29 Id.
30 Alcântara, Belém, Cachoeira, Congonhas, Corumbá, Diamantina, Goiás, Icó, Laranjeiras, Lençóis,
Manaus, Mariana, Natividade, Oeiras, Olinda, Ouro Preto, Pelotas, Penedo, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, São Cristóvão, São Francisco do Sul, São Paulo e Serro.
31 BONDUKI, Nabil. Intervenções urbanas na recuperação de centros históricos. Brasília: Iphan/Programa
Monumenta, 2010.
32 Ibid., p. 236.
33 Ibid., p. 270.
34 Ibid., p. 278.
35 Ibid., p. 346.
36 PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Macrofunção: habitar o centro. Rio de Janeiro:
Rio Estudos, 2003. (Coleção Estudos da Cidade, n. 105).
37 Sobre a metodologia aplicada em Bolonha, ver: CERVELLATI, P. L.; SCANNAVINI, R. Bologna:
política e metodologia del restauro nei centri storici. Bologna: Società Editrice Il Mulino, 1975.
38 O centro histórico de São Luís é preservado pelas três esferas governamentais e, desde 1997, integra a
lista do Patrimônio Mundial.
39 ANDRÉS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro. São Luís: cidade dos azulejos. Revista do Icomos-Brasil:
Monumentos Brasileiros no Patrimônio Mundial. Salvador: Icomos/Brasil, 2000. p. 237.
40 O centro histórico de São Luís está inserido no polo econômico-financeiro da cidade, ocupando uma
área de 250 hectares com um patrimônio de cerca de 3.500 edificações.
41 O governo do estado do Maranhão, por meio do Decreto no 7.345, de 16 de novembro de 1979,
constituiu a Comissão de Coordenação e o Grupo de Trabalho, criados no I Encontro Nacional da
Praia Grande, a fim de desenvolver e implementar o Programa de Preservação e Revitalização do Centro
Histórico de São Luís. Contava com o apoio de representantes de diversos órgãos da administração
estadual e municipal, além do Iphan, da Universidade Federal do Maranhão e de diversas entidades
de classe. ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.). Centro histórico de São Luís – Maranhão:
patrimônio mundial. São Paulo: Audichromo, 1998. p. 60.
42 ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.). Centro histórico de São Luís – Maranhão: patrimônio
mundial, cit., p. 240.
43 Compreendeu, entre outras obras, a quarta etapa de implantação do Programa de Preservação e
Revitalização do Centro Histórico de São Luís. ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.).
Centro histórico de São Luís – Maranhão: patrimônio mundial, cit., p. 93.
44 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 75.
45 Id.
46 O custo médio da indenização foi de 1.222 reais. SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de
preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90, cit., p. 76.
47 Ibid., p. 76-77.
48 Ibid., p. 76-78.
49 Em sua primeira etapa, o projeto atingiu seis imóveis no bairro de Santo Antônio.
50 O custo final da obra, segundo a Caixa Econômica Federal, deverá ficar 30% acima do valor de
mercado e dos limites da linha de financiamento.
51 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 82.
52 O entendimento de que os recursos públicos poderiam ser aplicados no exterior dos imóveis privados
situados em áreas tombadas embasou iniciativas anteriores, como o Programa de Revitalização Urbana,
realizado na cidade da Lapa, no Paraná, resultado de uma parceria envolvendo a prefeitura, o estado (por
meio de sua Curadoria do Patrimônio Histórico e Artístico) e a União (por meio do Iphan).
53 São cerca de 1.600 imóveis preservados, em sua maioria sobrados constituídos de dois a três pavimentos,
datados de 1880 ao início do século XX, aproximadamente.
54 O SAARA é uma área do centro da cidade que concentra o principal comércio popular do Rio de
Janeiro. A denominação deriva das iniciais da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega,
fundada nos anos 1960 pelos comerciantes ali instalados. A sigla da sociedade faz alusão à região de
origem da maioria dos comerciantes, descendentes de imigrantes muçulmanos, judeus e cristãos maronitas.
55 INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA; RIOARTE; IPLANRIO. Corredor cultural:
como recuperar, reformar ou construir seu imóvel. 2. ed. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, 1989. p. 10.
56 Ibid., p. 26.
57 PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas. A reabilitação urbana em processo. In: LIMA, Evelyn Furquim
Werneck; MALEQUE, Miria Roseira (Orgs.). Cultura, patrimônio e habitação: possibilidades e modelos. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2004. p. 73.
58 MATTA, Junno Marins da. Estudo de procedimentos para a preservação e conservação de bens imóveis não monumentais:
estudo de caso: Conjunto Vila Lage em São Gonçalo. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) –
Universidade Federal Fluminense, 2004.
59 Um dos viajantes que “descobriram” o Brasil no século XIX foi Auguste Saint-Hilaire. Ele percorreu
a região de Curitiba em 1820 e assim descreveu a cidade: “Tem ela a forma mais ou menos circular, e
compõe-se de duzentos e vinte casas de pequenas dimensões e cobertas de telhas, quase todas de um só
pavimento, sendo muitas, porém, construídas de pedra. [...] As ruas são largas e bem traçadas; umas foram
inteiramente calçadas, e outras, apenas defronte das casas. A praça pública é quadrada, espaçosa e coberta
de grama”. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à comarca de Curitiba (1820). São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1964. p. 106-107.
60 Influíram também as exigências da municipalidade. Em 1861, as Posturas Municipais impuseram um
pé-direito mínimo de 20 palmos (4,40 metros), o que contribuiu evidentemente para a modificação do
aspecto das edificações, levando-se em conta que no período colonial o pé-direito das casas não ia muito
além dos 12 palmos (2,40 metros).
61 O PDU de Curitiba, desenvolvido na primeira metade da década de 1960 sob a coordenação do
arquiteto Jorge Wilheim (1928-2014), estabeleceu a delimitação de um setor histórico-tradicional.Os
primeiros estudos a que nos referimos foram realizados pelo arquiteto Jaime Lerner.
62 O Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, coordenado pelo autor deste livro, contou
com a participação de arquitetos e a assessoria de um economista e de um sociólogo. Para conhecimento
maior de seu conteúdo, ver: LYRA, Cyro Corrêa. (Coord.). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba.
Curitiba: IPPUC, 1970.
63 O decreto que dispõe sobre o setor histórico de Curitiba foi assinado em 5 de agosto de 1971, pelo
prefeito da cidade na época, o arquiteto Jaime Lerner. Ver Anexo 2.
64 A feira era um sucesso em razão da qualidade do artesanato exposto e da organização do evento, feita
por uma cooperativa de artesãos muito atuante.
65 Durante a elaboração do plano, foi realizada uma pesquisa de opinião com empresários ligados a essas
atividades para averiguar o grau de interesse que haveria na sua localização no setor histórico. A ideia foi
bem aceita, de modo geral, pelos 40 comerciantes consultados. Os entrevistados apontaram, porém, como
aspectos negativos do setor histórico: a deficiência da iluminação pública, a decadência das edificações, a
falta de policiamento e as más condições dos passeios – problemas que já tinham sido reconhecidos pelo
coordenados do projeto como questões que precisavam ser solucionadas para o que o plano tivesse êxito.
66 Sua restauração foi projetada e executada em 1970, sob a orientação do arquiteto Cyro Corrêa Lyra.
Batizada de Casa Romário Martins, é um local destinado a exposições de caráter histórico, subordinado
à Fundação Cultural de Curitiba (FCC).
67 Um dos exemplos mais interessantes foi a iniciativa do empresário e historiador Newton Carneiro, já
falecido. Entusiasmado com o plano, adquiriu uma das melhores e mais bem localizadas casas do Setor
com o objetivo de ali instalar uma instituição cultural, o que conseguiu ao alugar o imóvel, depois de
restaurado sob a orientação dos arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho, ao Instituto Goethe,
que ali permaneceu por aproximadamente dez anos. Atualmente, funcionam no imóvel uma galeria de
exposições de arte e um restaurante.
68 Ver: LA PASTINA FILHO, José. Investimentos municipais na preservação do patrimônio cultural
da cidade da Lapa, PR (palestra). In: Simpósio Internacional sobre Incentivos Culturais. São Paulo, nov. 1996;
PARCHEN, Rosina Coeli Alice; LA PASTINA FILHO, José. Preservação do Centro Histórico da Cidade
da Lapa (comunicação). 2o Encontro sobre Conservação e Reabilitação de edifícios. Lisboa, 1994; PARCHEN, Rosina
Coeli Alice (Coord.). Lapa: um passeio pela memória. Curitiba: Secretaria do Estado da Cultura, 1993.
69 O trecho era temido pelos tropeiros que faziam a rota Sorocaba-Viamão. Curitiba, sede da Quinta
Comarca da Província de São Paulo, ficava na metade do caminho entre o litoral e a Estrada-Geral, e a
Lapa era o último pouso antes da Estrada da Mata.
84 Ney Braga (1917-2000) foi prefeito de Curitiba, governador do Paraná e duas vezes ministro,
ocupando a pasta da Agricultura, no governo de Castelo Branco, e a da Educação e Cultura, na gestão de
Ernesto Geisel. A biblioteca foi transferida mais tarde para outro imóvel, passando sua casa natal a abrigar
o Memorial Ney Braga.
85 Ficou conhecida com esse nome por causa da cor de suas paredes externas. A desapropriação foi a
fórmula encontrada pelo prefeito para salvá-la após o falecimento de sua proprietária, já que a intenção
dos herdeiros era demolir o imóvel. Depois de restaurada em 1981, sob a supervisão do arquiteto Cyro
Corrêa Lyra, passou a abrigar o Centro de Artesanato Aloísio Magalhães, destinado à exposição e à venda
do artesanato regional.
86 Artista plástico e designer, Aloísio Magalhães (1927-1982) assumiu a direção do Iphan em março
de 1979. Faleceu aos 55 anos, menos de três anos depois de sua posse. Durante sua curta gestão,
foi criada, em novembro de 1979, a Fundação Nacional Pró-Memória, como órgão operacional da
ação de preservação do patrimônio em nível federal, cabendo ao Sphan a função normativa. Esse
binômio funcionou até o ano de 1990, quando foi extinta a fundação. Sérgio Augusto Leoni tinha
muita admiração por ele, razão pela qual batizou com seu nome o centro de artesanato, logo após o
falecimento do presidente da Fundação Nacional Pró-Memória. Ver Anexo 3: depoimento de Sérgio
Augusto Leoni sobre Aloísio Magalhães.
87 Nessa casa, em 1894, foi assinada a capitulação da cidade, razão pela qual o imóvel foi tombado em
1938 pelo Sphan.
88 LA PASTINA FILHO, José. Investimentos municipais na preservação do patrimônio cultural da
cidade da Lapa, PR, cit.
89 Id.
90 Id.
91 O arrasamento do Morro do Castelo data da segunda década do século XX. Além de monumentos
como o Forte de São Sebastião e o Colégio dos Jesuítas, perdeu-se o marco referencial da fundação do
Rio de Janeiro, o sítio escolhido por Mem de Sá para edificar a cidade. Quanto ao desmonte do Morro
de Santo Antonio, 30 anos depois, graças ao Sphan, uma parte não foi arrasada, para salvamento do
convento franciscano, monumento tombado em 1938.
92 O Monumento aos Mortos, projeto dos arquitetos Marcos Konder Reis Netto e Helio Ribas Marinho,
foi tombado pelo Iphan em 2012. O MAM foi projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909-1964).
93 O Parque do Flamengo resulta do trabalho de três arquitetos: Lota Macedo Soares (1910-1967),
assessora do governador Carlos Lacerda, a quem se deve a ideia da criação do parque, Roberto Burle Marx
(1909-1994), autor da concepção paisagística, e Affonso Eduardo Reidy, que desenvolveu o projeto dos
equipamentos, entre os quais se destacam, por seu desenho, as passarelas sobre as pistas para travessia de
pedestres.
94 O pedido de tombamento partiu do governo do então estado da Guanabara. O bem inscrito é assim
descrito no Livro do Tombo: “A área do Parque do Flamengo tal como foi representada na planta anexa
ao Processo no 748-T64 desta repartição, incluindo no tombamento a área marítima em toda a extensão
do Parque, até 100 metros da praia”.
95 A marina era prevista no projeto do parque, mas só foi implantada em 1976, segundo projeto do
arquiteto Amaro Machado e equipe, da qual fazia parte o arquiteto português Duarte Belo, especializado
em infraestrutura náutica.
96 Os quiosques ao longo da via demandavam a construção sobre a areia de uma plataforma de concreto
armado de planta trapezoidal. Entretanto, quando algumas bases já estavam construídas, o órgão estadual
de proteção do meio ambiente embargou as obras por considerar o projeto danoso à natureza. As
plataformas prontas foram, então, demolidas.
97 O porto do Rio de Janeiro foi inaugurado em 2010.
98 Projeto elaborado pelo escritório Bernardes + Jacobsen.
99 Implantado sobre o Píer Mauá e projetado pelo arquiteto Santiago Calatrava.
100 O Mercado Central da Praça Quinze foi inaugurado em 1907, pelo prefeito Pereira Passos. À
semelhança dos mercados de Manaus e de Belém, era constituído por pavilhões de estrutura metálica pré-
fabricada importada da Europa.
101 O conjunto de prédios compreendia, além desse, as antigas sedes dos Ministérios do Trabalho, da
Guerra e da Marinha, bem como o edifício da Imprensa Nacional e o da Alfândega.
2 Projeto de restauração e adaptação para hotel de autoria do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo.
3 Lúcia Falkenberg, falecida em 1997, solicitou o tombamento do imóvel em 1973, com receio de que
os planos urbanísticos para Niterói, que estavam sendo estudados, mutilassem a chácara ao promover
o alargamento da via pública. O Iphan acatou o pedido, tendo em vista as qualidades arquitetônicas e
paisagísticas do imóvel, inscrevendo o bem no Livro do Tombo das Belas Artes.
4 RIBEIRO, Paulo Eduardo Vidal Leite. A vida de uma chácara romântica, de Palacete Bartholdy a Solar do Jambeiro.
1998. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1998. p. 195.
7 Trecho do depoimento prestado por Aloísio Magalhães em 23 de abril de 1981, na terceira reunião
da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados. In: MAGALHÃES, Aloísio. E
triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Roberto
Marinho, 1997. p. 189.
8 Na época, os bens tombados nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul eram fiscalizados
pelo 4o Distrito do Iphan, sediado em São Paulo.
9 A primeira obra executada pelo autor deste livro sob a orientação de Luís Saia foi a restauração do
Forte de Santana, que se estendeu de 1969 a 1970. Quando se iniciaram os trabalhos, o monumento
não apresentava mais cobertura e estava invadido por indigentes. A desocupação e a transferência das
famílias foram feitas pelo setor de assistência social do município, iniciando-se, em seguida, as obras de
restauração. Somente anos depois da conclusão das obras, definiu-se a reutilização do monumento como
Museu de Armas, sob a administração da Polícia Militar. Hoje, o monumento encontra-se vazio: o acervo
de armaria foi transferido para uma edificação construída nas proximidades para essa finalidade.
10 Luís Saia traçou um plano no qual propunha a utilização das fortalezas costeiras como centros de
pesquisa oceanográfica, destinando à Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Santa Catarina, o
papel de sediar a coordenação dessa rede. Acreditava que as universidades federais poderiam realizar esse
trabalho, o que, além de contribuir para o conhecimento científico do litoral do país, garantiria a utilização
dos fortes desativados, propiciando sua conservação. Esse plano foi transmitido a mais de um reitor,
mas não se concretizou. O uso pela comunidade científica não ocorreu nem em Santa Catarina, embora
na década de 1980 as quatro principais fortificações catarinenses tenham sido cedidas à Universidade
Federal, que as mantém como locais de visitação turística.
11 Trecho do depoimento de José Ferrão Castelo Branco a José La Pastina Filho, Cyro Corrêa Lyra e
Marta d’Emery, em maio de 1999. In: CADERNOS Técnicos n. 2 – Grupo Tarefa – Iphan/Programa
Monumenta/BID. Brasília, 2001. p. 40.
12 Durante o meio século em que trabalhou na Superintendência Regional sediada em Recife, Ferrão
coordenou a execução de obras nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pará, Pernambuco e Rio Grande
do Norte.
13 Das 78 obras conduzidas pelo mestre Ferrão, 56 eram restaurações de igrejas, conventos e capelas.
15 A restauração, feita com recursos do PCH, constitui um dos melhores trabalhos de restauro conduzidos
pelo mestre Ferrão.
16 Um dos mais belos conventos franciscanos do Brasil, o de João Pessoa, na Paraíba, foi inscrito em 1952
no Livro de Tombo das Belas Artes do Iphan.
17 “Para o restauro dos monumentos valem os mesmos princípios que foram explicitados para o
restauro das obras de arte, isto é, para as pinturas, sejam elas móveis ou imóveis, os objetos artísticos e
históricos, e assim por diante, segundo a acepção empírica que distingue a obra de arte da arquitetura
propriamente dita.” BRANDI, Cesare. Teoria do restauro. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963.
p. 105.
18 “Apesar de tudo, Cesare Brandi, como teórico, é parcial, pois, mesmo sem levar em conta os aspectos
idealistas, já superados, de sua dialética, sua obra se refere somente ao problema da pintura, por mais que
continuamente faça alusão a obras de arte em geral, incluída a arquitetura. Seus aportes, sem dúvida, fazem
dele um autêntico teórico da restauração, que influiu poderosamente no tratamento da pintura.” OLMOS,
Carlos Chanfon. Fundamentos teóricos de la restauración. Ciudad de México: Facultad de Arquitectura,
Universidad Nacional Autónoma de México, 1983. p. 16.
19 HALÉVY, Jean Pierre. Relatório de fim de missão. Programa BID e fortalecimento do Iphan. Iphan, jun.
1998. p. 5.
20 CESCHI, Carlo. Teoria e soria del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 45.
21 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 105.
22 Trecho da carta enviada em 5 de abril de 1742 pelo conde de Galveias ao governador de Pernambuco,
Luís Pereira Freire de Andrade. In: RESTAURAÇÃO e revitalização de núcleos históricos: análise face
à experiência francesa. Publicação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília: Ministério da Educação e
Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró-Memória, n.
30, 1980. p. 61. Ver Anexo 4.
23 BAZIN, Germain. L’Architecture religieuse baroque ou Brésil. Paris: Éditions d’Histoire et d’Art/Librairie
Plon, 1956. Tome II, p. 21.
26 Acredita-se que o que foi feito nas celas da Casa de Câmara e Cadeia de Icó vai passar para a história
da preservação arquitetônica como um exemplo de abuso do monumento. Além do erro de destinar os
espaços a uma função para a qual não tinham vocação, constata-se a imprevisão com que se abriram as
passagens entre celas, através de paredes de 1,10 metro a 1,60 metro de espessura, feitas com alvenaria de
tijolo, sem nenhuma amarração sobre os novos vãos. Os resultados da imprevisão, na época em que o autor
deste livro visitou o edifício, eram fissuras já visíveis no topo das aberturas.
27 Do ponto de vista técnico, os romanos eram detentores de maior conhecimento sobre a construção de
coberturas não só por empregarem abóbadas, mas também pelo uso de tesouras a tração, que viabilizavam
vãos de mais de 20 metros, enquanto os gregos só conheciam tesouras a compressão, ficando limitado o
interior dos templos a não mais do que 10 metros de vão-livre.
28 COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura. In: ____. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo:
Empresa das Artes, 1995. p. 110.
29 MENEZES, José Luiz Mota. Usos do solo e da edificação em Olinda e no Recife. In: Comunicações do
Seminário Internacional Caminhos da Preservação II: usos do patrimônio. São Paulo: Icomos/Brasil, 1998. p. 45.
(Cadernos do Icomos/Brasil, v. 2).
30 No Brasil, projeto similar foi feito em Belém e está sendo desenvolvido, no Rio de Janeiro, o projeto
Porto Maravilha, de que tratamos no capítulo anterior.
34 Foi tombado em 1997 por decreto municipal, com a denominação de Palacete Seabra.
35 O Castelinho foi tombado em 1985 por decreto municipal. Nele funciona o Centro Cultural Oduvaldo
Vianna Filho.
Capítulo 6
1 O número de fortificações erguidas naquele período não foi ainda precisado, sendo estimado em algumas
centenas de construções. Desse patrimônio, um pouco mais de uma centena subsistiu.
2 Sobre as fortificações construídas e as que chegaram ao século XX, existem alguns trabalhos, entre os
quais destacamos: GARRIDO, Carlos Miguez. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1940;
BARRETO, Annibal. Fortificações do Brasil: resumo histórico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958;
AZAMBUJA, Diocleciano. Evolução das fortificações brasileiras. Brasília: Ministério da Cultura/Fundação
Nacional Pró-Memória, 1984; CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de bronze,
homens de ferro: fortificações do Brasil de 1504 a 2006. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Exército Brasileiro,
2009. v. 1 (Rio de Janeiro), v. 2 (Regiões Norte e Nordeste).
3 Felizmente, depois do Forte de Copacabana, não se construiu nenhuma fortificação, pois a falta de
serventia militar das praças fortificadas seria comprovada três décadas depois, durante a Segunda Guerra
Mundial.
4 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 18.
5 De acordo com Aloïs Riegl: “O monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi
pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não, desde o princípio, desejado
(ungewollte) e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do
amante da arte [...]”. Apud: CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 25.
6 Em visita feita à Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, em 1994, o autor deste livro presenciou a
apresentação da história do monumento por um major investido da função de guia turístico. Em sua
exposição, ele apontou alguns espaços como locais utilizados para a execução de prisioneiros, com
requintes de selvageria. A intenção evidente do “guia” era cativar seu auditório por meio do relato de
detalhes sanguinários, destituídos de qualquer embasamento histórico. Soubemos depois que a incrível
narrativa é repetida para todos os visitantes, isto é, consiste no discurso-padrão com o qual se apresenta
um dos monumentos de arquitetura militar mais notáveis do Brasil.
7 Reis Magos, no Rio Grande do Norte, Orange e Tamandaré, em Pernambuco, Monte Serrat, Santa
Maria, Santo Antônio da Barra e São Paulo, na Bahia.
8 Santa Cruz, São José, Santo Antônio, Nossa Senhora da Conceição e Santana.
9 Príncipe da Beira, em Rondônia, e Coimbra, no Mato Grosso do Sul.
10 Santa Tecla, em Bagé, e Caçapava, em Caçapava do Sul.
11 A visita às fortalezas de Santa Cruz e Santo Antônio é por via marítima, pois estão implantadas em
pequenas ilhas, respectivamente, as ilhotas de Anhatomirim e de Ratones. Não há linhas regulares de
transporte para elas, mas empresas que levam os turistas em escunas. Estas passam ao largo de Santo
Antônio e os passageiros desembarcam em Santa Cruz. A visita dura 45 minutos, pois as empresas têm
interesse em reduzir o tempo de permanência ao mínimo para conduzir os turistas de volta ao continente
e iniciar uma nova excursão. O acesso à Fortaleza de São José é muito mais fácil, pois está situada no
continente. Em 1986, 3.500 pessoas visitaram as três fortificações. Quatro anos depois, em 2000, foram
contabilizados 270 mil visitantes, número recorde até 2004.
12 Em uma delas chegou a funcionar um restaurante, mas atualmente todos os prédios estão vazios. Vale
lembrar que, nos termos do Convênio no 760/002/90, assinado entre a Marinha e a Universidade Federal
de Santa Catarina, incluem-se entre as obrigações da universidade promover a recepção turístico-educativa,
estabelecer bases de pesquisa oceanográfica e desenvolver pesquisas vinculadas aos programas de proteção
ambiental.
13 A linha de Tordesilhas havia sido transposta no século XVII, no interior do continente, pelos
bandeirantes e, no litoral, pelos portugueses, com a fundação de Laguna, Porto Alegre e a Colônia do
Sacramento, na bacia do rio da Prata.
14 Esse levantamento, feito com a participação de estudantes de arquitetura da Universidade Federal do
Paraná, atendeu a um pedido do, então, 4o Distrito do Sphan. Para sua execução, o diretor do Departamento
de Turismo de Florianópolis, Armando Gonzaga, viabilizou a limpeza e o desmatamento da ilha por
presidiários, tal era o estado de abandono em que se encontrava o monumento. Gonzaga tornou-se, a
partir de então, o principal colaborador do Iphan no estado de Santa Catarina, coordenando anos depois
um mutirão de voluntários para limpeza de outra ilha, a de Ratones Grande, onde está o Forte de Santo
Antônio. Ver: LYRA, Cyro Corrêa. A arquitetura da fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim. Arquivos,
Curitiba: Centro de Estudos Portugueses, p. 15, 1971; LYRA, Cyro Corrêa. Barroco na arquitetura militar
de Santa Catarina. Revista Barroco, Belo Horizonte, n. 12, p. 285-290, 1983.
15 As restaurações realizadas de 1970 a 1981 foram coordenadas pelo autor, contando ainda com a
participação do arquiteto José La Pastina Filho e do então estudante de arquitetura Dalmo Vieira Filho na
execução das obras do quartel e casa do comandante.
16 A imponência e o requinte da arquitetura do quartel, comprovados nos desenhos de planta e fachada
guardados no Arquivo Ultramarino, não têm similar nas edificações congêneres das demais fortificações
brasileiras. Além disso, é sintomático que se tenha preservado somente o projeto desse edifício, entre todos
os que foram construídos na fortaleza, deixando-nos a impressão de que a função original do prédio não
era alojar apenas militares, mas também outras pessoas com missões relevantes para o governo português.
Ver: LYRA, Cyro Corrêa. A arquitetura da fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, cit.
17 Publicado por Robert Smith. Ver SMITH, Robert. Alguns desenhos de arquitetura existentes no
Arquivo Histórico Colonial Português. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 4, p. 229, 1940.
18 Publicado em: MORI, Victor Hugo; LEMOS, Carlos Cerqueira; CASTRO, Adler Homero de. Op.
cit., p. 164.
19 Ibid., p. 165.
20 MORI, Victor Hugo; LEMOS, Carlos Cerqueira; CASTRO, Adler Homero de. Arquitetura militar:
um panorama histórico a partir do Porto de Santos. São Paulo: Imprensa Oficial/Fundação Cultural do
Exército Brasileiro, 2003. p. 177.
21 Em 1996, a fortaleza foi incluída na lista indicativa de Angola para o Patrimônio Mundial da Unesco.
22 SILVESTRE, Brigadeiro António Francisco. Projecto de Aproveitamento Museológico e Turístico da Fortaleza de
São Miguel. Luanda,11 jul. 2001, p. 4. (Relatório).
23 O projeto foi elaborado sob a coordenação do arquiteto Alfred Willer e contou com a consultoria do
arquiteto Cyro Corrêa Lyra e da engenheira Silvia Puccioni.
24 Sobre evolução, características e distribuição das casas de câmara e cadeia no Brasil, ver: BARRETO,
Paulo Tedim. Casas de câmara e cadeia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 11, p. 9-195,
1947.
25 BARRETO, Paulo Tedim. Op. cit., p. 19.
26 O monumento foi inscrito em 1954, já como museu, nos Livros do Tombo das Belas Artes e Histórico
do Iphan.
27 O Panteão data de 1942 e é um dos espaços mais atraentes do museu, pela beleza alcançada por
um tratamento moderno e despojado. Foi projetado pelo arquiteto José de Souza Reis, funcionário do,
então, Sphan.
28 Os Autos da Devassa são os processos instaurados pela Coroa portuguesa contra as pessoas denunciadas
pelo crime de conspiração contra o governo português.
29 Foi inscrita em 1951 no Livro do Tombo das Belas Artes do Iphan.
30 A palavra paço, abreviatura de palácio, foi usada na designação de edifícios suntuosos não só de função
governamental, como o Paço do Saldanha, em Salvador, que era uma residência senhorial.
31 O projeto do palácio dos governadores de Belém foi elaborado pelo arquiteto italiano Giuseppe
Antonio Landi (1713-1791), assim como o projeto das igrejas do Carmo, Nossa Senhora dos Homens
Pretos e Santana, do arsenal, do teatro e do hospital militar, na capital do Pará.
32 CAVALCANTI, Lauro. Arquitetura brasileira nos séculos XIX e XX. In: BUENO, Alexei; TELLES,
Augusto da Silva; CAVALCANTI, Lauro. O patrimônio construído: as 100 mais belas edificações do Brasil.
São Paulo: Capivara, 2003. p. 292.
33 Os palácios do Brasil colonial não têm mais uso administrativo: o dos governadores, em Ouro
Preto, abriga a Escola de Minas e o do Rio de Janeiro, um centro cultural. Os palácios construídos
no período imperial – o da Quinta da Boa Vista e o de Petrópolis –, bem como o do Catete, que foi
sede do governo da república até 1960, são museus há muitos anos. Os palácios provinciais não fogem
à regra: o de Manaus, extremamente degradado por adaptações desrespeitosas, foi restaurado para ser
convertido em Museu Histórico da Cidade. Entretanto, há exceções relevantes, como o Palácio Antônio
Lemos, antigo Paço Municipal de Belém. Esse edifício, que data do final do século XIX, foi restaurado
entre 1992 e 1993 para continuar a abrigar a sede do governo municipal e também o Museu de Arte
de Belém.
34 A edificação integra o patrimônio histórico e artístico nacional desde 1938, quando foi inscrita nos
Livros do Tombo de Belas Artes e Histórico.
35 O palácio de Salvador foi totalmente modificado e o de Ouro Preto é um edifício de arquitetura mista
(residência e fortificação), como observou Pedro Calmon, “próprio para uma povoação ameaçada de
revoltas populares, daí o seu feitio castrense”. CALMON, Pedro. Paço Imperial: história e ressurreição de
um palácio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 20, p. 135, 1984.
36 O projeto e a execução das obras foram coordenados pelo arquiteto Glauco Campello, tendo como
consultores os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José de Souza Reis. Os trabalhos de arqueologia foram
conduzidos pelas arqueólogas Edna Morley, Catarina Ferreira da Silva e Regina Coeli Pinheiro da Silva.
Todos eram, na época, funcionários da Fundação Nacional Pró-Memória.
37 Sobre a restauração do Paço, ver artigos na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 20, 1984:
CAMPELO, Glauco. A restauração do Paço: revendo 240 anos de transformação (p. 139); LYRA, Cyro. O
novo Paço: uma obra para debates (p. 152); REIS, José de Souza. Estudos preliminares para a restauração
do Paço (p. 155); SILVA, Regina Coeli Ribeiro da; MORLEY, Edna; SILVA, Catarina Ferreira da. A
pesquisa arqueológica no Paço: primeiras notas (p. 158).
38 Foi fundamental para a interpretação das transformações ocorridas no monumento e conhecimento de
suas causas a colaboração permanente do historiador Gilberto Ferrez.
39 FERREZ, Gilberto. A praça XV de Novembro, antigo Largo do Carmo. Rio de Janeiro: Riotur, 1978.
40 Tudo indica que Alpoim não destruiu os Armazéns e a Casa da Moeda, mas aproveitou, no mínimo,
sua estrutura murária, pois na representação cartográfica de Massé vê-se que o retângulo é subdividido por
linhas que correspondem aproximadamente às principais paredes divisórias do pavimento térreo do Paço.
Ao nosso ver, Alpoim teria modificado principalmente o exterior do prédio, conferindo-lhe aspecto mais
condizente com sua nova função de Casa dos Governadores.
41 FERREZ, Gilberto. A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: iniciativa de
Castro Maya. Paris: M. Moillot, 1965.
42 FERREZ, Gilberto. As primeiras telas paisagísticas da cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 17, p. 219, 1969.
43 FERREZ, Gilberto. O Brasil de Thomas Ender, 1817. Rio de Janeiro: Fundação João Moreira Salles, 1976.
44 DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins, 1940. p. 264-265.
45 Ibid., p. 80.
46 Não só os aspectos da arquitetura monumental foram destacados. Revelaram-se também as fases mais
remotas da história desse edifício, como os testemunhos que restaram da Casa da Moeda e dos Armazéns
del Rei: os fornos da antiga fundição de ouro, bem como grande quantidade de peças, resgatadas no
pavimento térreo.
47 A constituição multidisciplinar da equipe técnica e a preocupação de seus membros com o
aprofundamento teórico dos problemas levaram a um processo decisório baseado na discussão das ideias
à luz dos modernos conceitos de preservação.
48 O torreão que se sobrelevava na fachada sul, por exemplo, não foi reconstruído, embora houvesse
indicações bem detalhadas de paisagens feitas do alto do morro do Castelo.
49 A inserção de tubulações de ar-condicionado, que é vetada na maioria dos monumentos pelo prejuízo à
fruição dos espaços internos, não chegou a prejudicar o ambiente interno do paço. As tubulações deixadas
à vista não entraram em conflito com espaços que, outrora, abrigaram os vice-reis e os imperadores Dom
João VI, Pedro I e Pedro II. Contribuiu para isso a nudez das paredes caiadas e a rusticidade dos tetos de
barrotes e dos pisos de pedra, receptivos, sem dúvida, aos dutos metálicos, o que não ocorreria em um
ambiente com paredes ou forros artisticamente trabalhados.
50 CAMPELO, Glauco. Op. cit., p. 142.
51 Vale lembrar que logo após a proclamação da república foi discutida, na esfera de governo, a ideia de
demolição do paço, por se tratar de um símbolo da monarquia, seguindo o triste exemplo do que foi feito
um século antes pelos revolucionários franceses.
52 Um ano depois de concluídas as obras, o Paço Imperial tornou-se um centro cultural vinculado ao
Iphan. Quatro anos depois, foi inaugurado, a duas quadras do paço, o Centro Cultural Banco do Brasil,
instalado em um edifício eclético do final do século XIX, projetado por Francisco Joaquim Béthencourt
da Silva (1831-1912). Em 29 de março de 1990, o Iphan concluiu a restauração da antiga praça do
Comércio, projetada por Grandjean de Montigny, e contígua ao Centro Cultural do Banco do Brasil.
Ali passou a funcionar a Casa França-Brasil. Três anos depois, foi inaugurado, nas imediações, o Espaço
Cultural dos Correios, instalado em um edifício de arquitetura eclética.
53 O Paço da Liberdade integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1966,
quando foi inscrito no Livro do Tombo Histórico sob a denominação Antigo Paço Municipal. Em 1984,
foi inscrito no Livro do Tombo de Belas Artes, passando a integrar o patrimônio histórico e artístico
nacional.
54 Desse projeto, coordenado por Cyro Corrêa Lyra, participaram o arqueólogo Oldemar Blasi, então
diretor do Museu Paranaense, o historiador Newton Carneiro (ambos já falecidos), a museóloga Lygia
Martins Costa, do Iphan, os arquitetos Abrão Assad e Key Imaguire Júnior e a restauradora Maria Ester
Teixeira Cruz.
55 Esse novo projeto foi também coordenado pelo autor deste livro. Dos técnicos que participaram do
trabalho anterior, só dois voltaram à cena: o arquiteto Abrão Assad e a restauradora Maria Ester T. Cruz.
Os demais integrantes da equipe foram os engenheiros Silvia Puccioni e Geraldo Filizola, o biólogo,
especialista em xilófagos, Nedson Araújo Silva, o restaurador Carlos Alberto T. Cruz, a museóloga Sinara
Martins Araújo e os arquitetos Maria Lúcia Vianna Baptista Borges, Junno da Matta e Márcio Innocenti.
56 O essencial dessas considerações foi exposto no último Colóquio do Comitê Brasileiro de História da
Arte. Ver: LYRA, Cyro Corrêa. O Paço da Liberdade: limitações à reciclagem de um monumento eclético.
In: PEREIRA, Sonia Gomes; CONDURU, Roberto (Orgs.). Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de
História da Arte. Rio de Janeiro: CBHA/UERJ/UFRJ, 2004. p. 151.
Capítulo 7
1 Os muxarabis eram janelas fechadas por treliçados de madeira. Como o próprio nome indica, esse tipo
de fechamento tem origem moura e seu uso foi proibido na época da vinda de Dom João VI ao Brasil. Em
razão dessa proibição, restaram no país apenas três casas com esse detalhe arquitetônico.
2 Grandjean de Montigny foi o único arquiteto integrante da Missão Francesa que veio ao Brasil em 1816,
por iniciativa do governo de Dom João VI. Além da sua casa, ele projetou outros edifícios, como o da
antiga Bolsa do Comércio, no Rio de Janeiro, também protegida por tombamento, que abriga hoje a Casa
França-Brasil.
3 Só em 1938 foram tombados os conjuntos urbanos de Congonhas, Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes,
em Minas Gerais.
4 Entende-se que o tombamento individual abrange a proteção do exterior e do interior da edificação,
ao passo que a proteção das casas situadas em conjuntos tombados inclui apenas seu tratamento externo.
5 Houve duas reuniões dos governadores com o governo federal para tratar da participação dos estados:
a primeira em 1970, em Brasília, e a segunda um ano depois, em Salvador. A maioria das unidades da
federação conta hoje com seus órgãos de proteção apoiados por legislação específica.
6 Sobre a inserção de espaços de serviço, ver: LEMOS, Carlos. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1978.
7 COSTA, Lucio. Depoimento de um arquiteto carioca. In: Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre:
Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. p. 175.
8 Sua restauração e adaptação, executada de 1982 a 1988, foi coordenada pelo arquiteto e pintor Diógenes
de Almeida Rebouças (1914-1994). Além de diversos projetos de arquitetura moderna e da restauração do
Solar Berquó, Rebouças respondeu pela recuperação do Paço do Saldanha, pela revitalização do Mosteiro
de São Bento, ambos em Salvador, e pela instalação do Museu Hansen em um sobrado da cidade de
Cachoeira, na Bahia.
9 A casa, assim como o mobiliário, alfaias, peças de indumentária e demais bens, foi inscrita em 1952 no
Livro do Tombo Histórico do Iphan.
10 A Casa Lacerda foi inscrita em 1938 no Livro do Tombo Histórico do Iphan por ter sido palco da
assinatura da capitulação dos revolucionários de 1893-1894.
11 Integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1981, quando foi inscrito no
Livro do Tombo.
12 Esse plano foi elaborado em 1970 sob a coordenação de Cyro Corrêa Lyra. Constituiu um dos
primeiros projetos urbanísticos desenvolvidos pelo IPPUC, órgão de planejamento municipal criado com
o objetivo de implantação do Plano Diretor.
13 O arquiteto Jorge Wilheim, que se notabilizou como urbanista, nasceu na Itália em 1928 e imigrou
para o Brasil em 1939. Formou-se em arquitetura pela Universidade Mackenzie. Faleceu em fevereiro de
2014, em São Paulo.
14 LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba. Curitiba: IPPUC, 1970.
15 Sobre o assunto, ver: LACERDA, Maria Thereza B.; LIMA, Maria de Lourdes Freitas. O Palacete
Wolf. Revista da Fundação Cultural de Curitiba, n. 1, p. 47-49, s. d.
16 Conforme levantamento feito por Maria Thereza Lacerda, há documentação sobre os seguintes usos:
colégio, em 1886; quartel da polícia provincial, em 1887; residência, em 1889; quartel-general do 5o
Distrito do Exército, em 1893, durante a Revolução Federalista; dois colégios, na primeira década do
século XX; sede da Prefeitura e Câmara Municipal, no biênio 1912-1913; moradia, de 1914 a 1956; uso
misto de residência e comércio até 1974. LACERDA, Maria Thereza B.; LIMA, Maria de Lourdes Freitas.
Op. cit., p. 47-49.
17 A simetria é geralmente evidenciada pelo realce dado ao eixo central, que é marcado por elementos
singulares, os quais, nos casos mais singelos, resumem-se a uma porta de entrada, mas, nos exemplos
mais elaborados, apresenta-se como uma sequência formada pelo vão da entrada, por um balcão com sua
respectiva porta no pavimento superior e por um coroamento de desenho clássico, consistindo geralmente
em um frontão triangular.
18 Sobre as características do palacete e sua restauração, ver: LYRA, Cyro Correa. A arquitetura. Revista da
Fundação Cultural de Curitiba, n. 1, p. 50-51, s. d.
19 A técnica de enxaimel foi empregada nos fundos do sobrado, mas, diferentemente do que em geral se
observa na construção alemã do vale do Itajaí, a estrutura de madeira está oculta pelo reboco. Originalmente
denominada farwerke, a técnica de enxaiméis é um sistema construtivo em que se utilizam estruturas de
madeira e vedações de alvenaria de tijolo. Foi pouco utilizada em Curitiba, apesar de muito difundida em
Santa Catarina, no vale do Itajaí. O exemplar mais interessante em Curitiba foi demolido: a antiga Igreja
Evangélica Luterana. Recém-construída, já apresentava lesões, razão pela qual foi derrubada.
20 A autoria do projeto e a coordenação das obras de restauração foram de responsabilidade do autor
deste livro e do arquiteto José La Pastina Filho.
21 Nesse segundo projeto, diferentemente do trabalho feito em 1974, nossa participação não se limitou
à arquitetura. Atendendo a convite do IPPUC, coordenamos o projeto arquitetônico e os projetos
complementares, entregues a especialistas renomados. Além das arquitetas Maria Lúcia Borges e Letícia
Nardi, participaram consultores nas áreas de restauração estrutural, combate e controle de termitídeos,
hidráulica, eletricidade, lógica e telefonia.
22 No projeto, indicou-se que no sótão fosse alojado o setor de Programação Visual da FCC, cujo
mobiliário compunha-se principalmente de pranchetas e mesas para computação. Especificou-se ainda
que móveis normalmente pesados, como arquivos e mapotecas, deveriam ser dispostos espaçadamente ao
longo das paredes, não podendo ser colocados no eixo central.
23 Durante o desenvolvimento do projeto, o autor deste livro teve ocasião de entrevistar alguns funcionários
e constatar grande interesse na recuperação do palacete e um sentimento afetivo semelhante ao que nutre
uma pessoa em relação a sua casa. Quanto ao público, verificou-se que nos dias de semana havia uma
frequência relativamente grande à livraria da fundação e, nos fins de semana, o movimento direcionava-se
às exposições e ao teatro infantil que funcionava no pátio interno.
24 Incluiu-se no projeto um manual de conservação preventiva com orientação sobre o uso dos espaços e
as medidas de manutenção necessárias.
25 Os órgãos estaduais têm contribuído para a proteção legal: no estado do Rio de Janeiro, o Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) tem registradas em seus livros 21 propriedades rurais em um
acervo de 369 bens imóveis, ou seja, 5,69% do total; em São Paulo, o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) tombou 37 imóveis rurais (incluindo-se
nesse total os bens rurais protegidos pelo Iphan e três ruínas de antigos engenhos) em um universo de 314
bens imóveis, ou seja, 11,78% do total.
26 Mais recentemente, foram editadas as obras: Arquitetura do açúcar, da arquiteta Esterzilda Berenstain de
Azevedo (São Paulo: Nobel, 1990), O vale do Paraíba e a arquitetura do café, de Augusto Carlos da Silva Telles
(Rio de Janeiro: Capivara, 2006), Carnaúba, pedra e barro na capitania de São Jose do Piauhy, de Olavo Pereira da
Silva (Belo Horizonte: Editora do Autor, 2007), e Fazendas do sul de Minas Gerais, de Cícero Ferraz Cruz
(Brasília: Iphan/Programa Monumenta, 2010).
27 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995. p. 77.
28 No município de Campos, o Iphan tombou quatro propriedades rurais, das quais duas estão sem uso.
29 GOMES, Geraldo. Engenho & arquitetura. 2. ed. Recife: Fundação Gilberto Freyre, 1998. p. 23.
30 AZEVEDO, Esterzilda Berenstain. Op. cit., p. 35.
31 GOMES, Geraldo. Op. cit., p. 23.
32 FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961. p. 36.
33 Id.
34 GOMES, Geraldo. Op. cit., p. 43.
35 Um dos poucos exemplares remanescentes encontra-se na Fazenda da Machadinha, em Quissamã,
estado do Rio de Janeiro.
36 Luís Saia estudou essa arquitetura, tendo identificado a existência de 12 exemplares localizados nos
municípios de São Paulo, São Roque e Sorocaba. Ver: SAIA, Luís. Notas sobre a arquitetura rural paulista
do segundo século. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8, p. 211-275, 1944. Esse trabalho foi
reeditado com outros ensaios de Luís Saia. Ver: SAIA, Luís. Morada paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972.
37 PARENT, Michel. Protection et mise em valeur du patrimoine culturel brésilien dans le cadre du développement touristique
et économique. Relatório elaborado para a Unesco, 1968. p. 46.
38 “[...] as fazendas do século XVII constituem um testemunho da civilização específica brasileira. Essas
fazendas não têm, arquitetonicamente e sociologicamente falando, equivalente na Europa.”
39 A Pau-d’alho é uma das sedes mais antigas das fazendas de café do estado de São Paulo e a casa do
Sítio de Santo Antônio, construída por volta de 1640, é um dos mais belos exemplos de casa bandeirista
brasileira. Ambas são tombadas como patrimônio histórico e artístico nacional.
40 A erva-mate, nativa do sul brasileiro, já era conhecida e consumida pelos povos indígenas que habitavam
a região. Os jesuítas aperfeiçoaram a técnica de cultivo e preparo da planta e difundiram o consumo do
chá de mate.
41 O registro de 41 antigos engenhos de açúcar, situados nos estados de Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro, publicado em Antigos engenhos de açúcar no Brasil, revela que a maioria (30 propriedades) manteve a
função original de moradia, sendo usada pela família dos proprietários, embora a atividade econômica,
na maioria das propriedades, fosse diferente da original; cinco foram transformados em centros culturais,
uma tem função administrativa e cinco estão sem uso e em diferentes níveis de degradação.
42 O arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles fez um levantamento de 43 propriedades localizadas no vale
do Paraíba, estado do Rio de Janeiro, e na zona da Mata, em Minas Gerais, que divulgou em seu livro O
vale do Paraíba e a arquitetura do café, cit. Entretanto, embora tenha concentrado a produção cafeeira que fez a
riqueza do império, essa região conta com apenas duas fazendas tombadas pelo Iphan e uma pelo Inepac.
43 A Santa Eufrásia é a única fazenda fluminense de cultivo de café tombada pelo Iphan. A propriedade,
incluindo seus bosques e a edificação, com seu mobiliário e alfaias, foi inscrita no Livro do Tombo
Histórico em 1970 e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1979.
44 O Preservale foi criado em 1994 por um grupo que incluía nove proprietários de fazendas, além de
arquitetos, historiadores, pesquisadores, ambientalistas e agentes de viagem.
45 Situadas nos municípios de Quissamã, Campos, São Fidélis e Macaé.
46 Inscrito em 1966 no Livro do Tombo Histórico, com a denominação Sobrado Grande da Madalena.
47 Em 1975, depois de uma restauração iniciada sete anos antes, foi instalado na sede do engenho o 1o
Distrito do então Dphan, responsável pela proteção do patrimônio em toda a região Nordeste. Depois,
progressivamente, foram criadas representações da instituição em outros estados. A partir de 2011, cada
unidade da federação passou a ter uma diretoria estadual do Iphan.
48 O levantamento arquitetônico minucioso das edificações foi coordenado pela arquiteta Mércia Parente.
A engenheira Silvia Puccioni orientou a consolidação dos materiais.
49 Após a inscrição da fábrica no Livro do Tombo Histórico, em 1964, o então Sphan deu início à
restauração de suas edificações, planejando instalar o Museu Nacional de Ferro no local onde funcionara,
outrora, a Oficina de Armas Brancas, projeto que não chegou a se efetivar.
50 REIS FILHO, Nestor Goulart. Guia dos bens tombados: São Paulo. Rio de Janeiro: Exped, 1986. p. 53.
51 Trecho de ferrovia tombado em 1954 como patrimônio nacional.
52 Entre as indústrias têxteis, destacou-se a Companhia Petropolitana de Tecidos, no distrito de
Cascatinha, fundada em 1883. O complexo formado pela fábrica, armazéns, equipamentos diversos e
moradias operárias foi tombado em 1982 como patrimônio histórico nacional.
53 No caso das fábricas desativadas, tem sido comum preservar incólumes apenas as chaminés. Os prédios
são demolidos ou reciclados para novos usos.
54 Mais tarde, as Indústrias Matarazzo diversificaram suas atividades produtivas, incluindo a refinação
de sal, açúcar e banha, destilaria de álcool e aguardente, além de fabricação de pregos, de velas, dos mais
variados tipos de óleos, torta de sementes, sabões, inseticidas e perfumes. Possuíam também unidades
de serraria, fundição, serralharia artística, oficinas mecânicas e laboratórios. Os diversos setores eram
interligados por passarelas internas e a produção era escoada por uma linha de trem própria, ligada à
Estrada de Ferro Sorocabana.
55 As chaminés têm altura de 46 a 54 metros e diâmetro externo de 2,60 a 4,40 metros.
56 Antes da difusão do uso do ferro, o shed já era usado em telhados com tesouras de madeira em forma
serrilhada.
57 As telhas eram inicialmente importadas da fábrica Roux Fréres de Marselha, França. Ao longo do
século XIX, começaram a ser feitas no Brasil.
58 KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua
preservação. São Paulo: Ateliê, 1998. p. 221.
59 Id.
60 “A sustentação se refere aos investimentos diretos no patrimônio histórico e artístico que geram benefícios
de conservação e é tarefa de todos os agentes por ele responsáveis, seja o governo, com recursos do tesouro
e outros fundos, seja o proprietário particular ou a parceria entre eles. A sustentabilidade refere-se a
ações que incentivem formas variadas de conservação e preservação, através de articulação da comunidade,
base legal específica ou, ainda, outras formas de atração de investimentos financeiros ou de trabalho.”
CARSALADE, Flávio de Lemos. Patrimônio histórico: sustentabilidade e sustentação. Arquitextos, ano
2, jun. 2001. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/885>. Acesso
em: 15 ago. 2015.
61 “Inaceitáveis relíquias da opressão das condições de trabalho e baixo padrão habitacional.” BINNEY,
Marcus et al. Bright future: the re-use of Industrial buildings. London: Save Britain’s Heritage/The
Department of environment English Heritage/The Baring Foundations, 1990. p. 9-10.
62 Antigo New Concordia Grain Warehouse, conforme: BINNEY, Marcus et al. Op. cit., p. 90.
63 A área construída da antiga fábrica é de 12.211 metros quadrados, e a área construída do conjunto
esportivo é de 11.360 metros quadrados, correspondendo a um total de 23.571 metros quadrados. Em
2002, foram realizadas algumas obras de modernização do restaurante, da choperia e da casa de shows,
adaptando-os às novas necessidades e melhorando o conforto interno. Introduziu-se um tratamento
acústico para a realização de shows noturnos, instalaram-se novo palco e um sistema de exaustão para a
renovação de ar e ampliou-se a cozinha para atender a uma demanda de 1.800 refeições diárias. Todo o
mobiliário existente no conjunto foi restaurado e reaproveitado.
64 Integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1968, quando foi inscrito no
Livro do Tombo Histórico. O tombamento, em nível federal, data de 1985, quando o imóvel foi inscrito
nos Livros do Tombo das Belas Artes e Histórico, incluindo-se também a coleção que constitui o acervo
do Museu do Mate.
65 Engenheiro inglês que viajou pelo interior do Paraná de 1872 a 1873. Era membro de uma comissão
de técnicos contratados para a elaboração dos estudos preliminares relativos à construção da ferrovia que
iria ligar Curitiba a Miranda, no Mato Grosso do Sul.
66 Em 1980, os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho participaram da visita ao engenho
feita por Aloísio Magalhães, então presidente da Fundação Nacional Pró-Memória. O diálogo travado
com o senhor Constantino Marchioratto, já bastante idoso, proprietário do engenho e responsável pela
sua conservação, é apresentado no Anexo 5 deste livro. Vale observar a resposta do Sr. Marchioratto à
observação do presidente, de que desejava encontrá-lo novamente: “Se não me achar, o Senhor achará aqui
o moinho velho”.
67 O projeto de restauração e adaptação à função museológica, bem como a execução das obras, foi
coordenado pelos arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho.
68 Sobre o assunto, ver: LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Guia dos bens tombados: Paraná. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1994. p. 15-16.
69 Na época, o arquiteto Dalmo Vieira Filho coordenava o órgão estadual catarinense de patrimônio, cargo
que deixou em 1990, quando reassumiu a direção da Superintendência Regional do Iphan em Santa Catarina.
70 Dalmo Vieira Filho, a quem cabe a criação e a implantação do museu, em entrevista por e-mail em 27
de maio de 2005. Ver Anexo 7.
71 Id.
72 Na fase de concepção do museu de São Francisco do Sul, Dalmo Vieira Filho fez vários contatos com
o almirante Max Justo Guedes, diretor do Centro de Documentação da Marinha, ao qual se subordina o
Museu Naval do Rio de Janeiro, cujo acervo inclui uma coleção extraordinária de modelos de embarcações
tradicionais brasileiras, organizada no início do século XX pelo almirante Alves Câmara, pioneiro nos
estudos de etnografia naval. Esses contatos incluíram não só o almirante Max Justo Guedes, como o
próprio ministro da Marinha, resultando em apoio daquele ministério à concretização do projeto.
73 Dalmo Vieira Filho coordenou a aquisição dos barcos, ao mesmo tempo que realizava um inventário
das embarcações tradicionais do Nordeste.
74 Cyro Corrêa Lyra participou como consultor na elaboração do projeto de adaptação e montagem
museográfica de 1993 e, seis anos depois, no de renovação da museografia.
75 Ao visitar o museu, a convite do Dalmo Vieira Filho, o navegador Amyr Klink entusiasmou-se com
o projeto e tornou-se parceiro, doando muitas peças relativas a suas expedições, inclusive a embarcação a
remo com a qual foi à África.
76 A Petrobras aplicou no projeto 700 mil reais, que cobriram a aquisição e a restauração de um armazém.
A empresa Vega do Sul investiu 500 mil reais e o Monumenta, 400 mil reais.
77 Baleeiras e canoas catarinenses; botes do sul e do Ceará; jangadas nordestinas; dois saveiros; canoas
baianas, fluminenses, mato-grossenses e amazônicas; embarcações do rio São Francisco; traineira de pesca,
chacreira do Rio Grande do Sul e cutter do Maranhão.
78 Entrevista citada na nota 70.
79 CAMPELO, Glauco. Patrimônio e cidade, cidade e patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 23, p. 120, 1994.
80 Em 21 de dezembro de 2015, o Museu da Língua Portuguesa foi atingido por um incêndio e, desde
então, está fechado.
81 Em 1995, após passar por uma renovação museológica, foi rebatizado com o nome de Museu da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
82 Rebatizada de Estrada de Ferro Central do Brasil após a proclamação da república.
83 A edificação e o acervo são tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de
Minas Gerais (Iepha).
Capítulo 8
1 De 1938 a 1945, o então Sphan procedeu ao tombamento de 433 bens, dos quais 221 eram edifícios
religiosos, ou seja, 51,3% do total.
2 A arquitetura religiosa brasileira, principalmente a construída no período colonial, foi estudada por
vários historiadores de arte. A primeira referência, e ainda principal, é a obra de Germain Bazin, publicada
em dois volumes, em 1956 e 1958: L’Architecture religieuse baroque au Brésil. Essa obra seria publicada em
português em 1983. Após Bazin, outros se dedicaram ao tema, como Augusto Carlos da Silva Telles,
Benedito Lima de Toledo, Clarival do Prado Valadares, John Bury, Lucio Costa, Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira, Paulo Santos, Robert Smith e Sandra Alvim.
3 BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. p. 11.
4 COSTA, Lucio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 5, p. 9, 1941.
5 TELLES, Augusto da Silva. As aldeias missionárias jesuíticas e a Igreja de Nossa Senhora da Assunção
de Anchieta. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta: a restauração de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan,
1998. p. 33-34.
6 Ibid., p. 35.
7 TIMBÓ, Regina. Um aldeamento jesuítico: Reritiba. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta: a restauração
de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan, 1998. p. 19-30.
8 Havia no mínimo duas irmandades, a representativa do estrato social dominante e a dos negros, como
ocorreu em Paranaguá e Curitiba, que eram vilas relativamente pobres até a metade do século XIX. Nelas,
além da igreja matriz, havia a da Ordem Terceira de São Francisco, da camada social dominante, e a dos
negros – em Paranaguá, dedicada a São Benedito, e em Curitiba, a Nossa Senhora do Rosário.
9 No centro do Rio de Janeiro, na planície entre os morros onde se instalaram o Convento de Santo
Antônio e o Mosteiro de São Bento, concentra-se um número considerável de igrejas edificadas por
irmandades: Santa Cruz dos Militares, Nossa Senhora da Candelária, Nossa Senhora da Conceição e
Boa Morte, Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Nossa
Senhora Mãe dos Homens, Santa Rita e São José.
10 BAZIN, Germain. L’Architecture religieuse baroque au Brésil, cit., v. 1, p. 181 (tradução nossa).
11 A “descoberta” do barroco brasileiro e sua divulgação pelo mundo, feita na década de 1950 por
Robert Smith e Germain Bazin, teve apoio do Sphan, que pôs à disposição desses estudiosos seus arquivos
documentais, além da colaboração de seu quadro técnico.
12 O Museu de Cabo Frio foi projetado pelo arquiteto Edgar Jacinto e o de Salvador, pelo arquiteto
Wladimir Alves de Souza.
13 O projeto, coordenado pelo arquiteto Paulo Chaves Fernandes, faz parte de um conjunto de intervenções
no centro histórico de Belém, em uma área de 50 mil metros quadrados. Trata-se de iniciativa do governo
do estado do Pará, que batizou o espaço revitalizado de Feliz Lusitânia.
14 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro. Uma questão de estilo. In: LYRA, Cyro Corrêa (Org.).
Renovação de uma catedral. Valença: Design Casa 8, 2006.
15 A solução mais empregada foi a introdução de um novo altar à frente do antigo, possibilitando que
a celebração versus popullum não interviesse no conjunto altar-retábulo.
16 Integra o patrimônio histórico e artístico nacional desde 1943, quando foi inscrita no Livro do
Tombo Histórico sob a denominação de Igreja de Nossa Senhora da Assunção. A história da igreja e a
intervenção realizada pelo Iphan de 1994 a 1997 são relatadas em: ABREU, Carol de (Org.). Op. cit.
17 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa-Rio, 1938-1950. p. 143. Apud:
TIMBÓ, Regina. Op. cit., p. 21.
18 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1974. p. 30. Apud: TIMBÓ, Regina. Op. cit., p. 23.
19 LYRA, Cyro Corrêa de Oliveira. Da conservação à restauração. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta:
a restauração de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan, 1998. p. 11-15.
20 O projeto de restauração e a orientação das obras foram coordenados pelo autor deste livro, que
contou com a participação de uma equipe técnica da 6a Coordenação Regional do Iphan, composta
de Carol de Abreu, diretora do Iphan no Espírito Santo, José Grevy, arquiteto, Ana Lúcia Gonçalves,
arquiteta, Rosana Najjar, arqueóloga, João Carlos Gomes, biólogo, e Andréa Pedreira, restauradora,
além de consultores também do quadro do Iphan.
21 Naquela época, a gestão dos bens tombados nos estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro cabia
à 6a Coordenação Regional do Iphan, sediada na cidade do Rio de Janeiro.
22 Evoluiu-se de dentro para fora, do interior para o exterior. Começou-se pela questão do retábulo
da capela-mor, cuja permanência no local implicaria a ocultação da parede pintada. Esse retábulo,
resultado de uma montagem, fragmentada, com partes de outros retábulos de variadas épocas, foi
retirado para as dependências do museu, como peça documental. Liberta a parede de fundo, restaurados
sua pintura e nicho central, restabelecido o nível primitivo – mais baixo –, surgiu nova escala, revelando
uma simplicidade e uma ambiência, talvez, mais próxima dos primeiros tempos. Foi, sem dúvida, um
momento decisivo, pois o rebaixamento do nível de piso da capela-mor exigia restabelecer também o da
nave. Sucederam-se, então, escavações que a transformaram em um canteiro arqueológico, tornando-se
necessário montar um piso provisório, sobre valas e covas, para que sacerdotes e fiéis pudessem utilizar
o local.
23 Fiscal atenta e interessada nas prospecções arqueológicas, a população devota, frequentadora
tradicional do santuário, tornou-se participante ativa dos trabalhos, sempre envolvida no esforço de
descobrir o passado de sua igreja, afinal, sua casa espiritual, emocional e historicamente ligada aos
presentes e a seus antepassados. Essa participação explica a aceitação resignada, por parte da comunidade,
dos desconfortos de um esburacamento sem fim, meses a fio.
24 Nossa proposta era coerente com o que fora feito no interior da igreja, ou seja, estabelecer o
vocabulário formal primitivo com base nos testemunhos materiais, os únicos documentos justificadores,
já que a iconografia disponível era recente e posterior às alterações detectadas.
25 A ação da 6a Coordenação Regional prosseguiu com a execução dos projetos para a sacristia e a
instalação da capela do Santíssimo na sala antes ocupada como museu.
26 Protegida por meio de tombamento estadual pelo Inepac em 2004.
27 Trazido para o Brasil em 1816 pela Missão Artística Francesa, o neoclassicismo teve seus princípios
e seu vocabulário empregados na arquitetura transmitidos na Academia de Belas Artes pelo membro
arquiteto da missão, Grandjean de Montigny, que os empregara no projeto para a sede da academia e
a antiga praça do Comércio (hoje Casa França-Brasil). Em pouco tempo, o novo estilo deixou a corte
e subiu a serra, adentrando os vales do Paraíba e do rio Preto, orientando a composição dos prédios
públicos, das casas de fazenda cafeeira, de solares urbanos dos barões do café e, finalmente, dos edifícios
religiosos.
28 A coordenação do plano e do projeto arquitetônico coube ao autor deste livro e a das obras e do
projeto estrutural, à engenheira Silvia Puccioni. Participaram ainda desse trabalho os arquitetos João
Carlos de Oliveira e Clarice Mülbauer, os engenheiros Geraldo Filizola, Leonardo Barreto e Rômulo
Nunes, a restauradora Magaly Oberlaender e o biólogo Ronaldo Santos.
29 Todas as empresas foram selecionadas por licitação. Assumiram as obras civis, inicialmente, a Ópera
Prima, do Rio de Janeiro, e, depois, a Biapó, de Goiânia. Nas restaurações de elementos artísticos
integrados (altares, paredes e tetos) e imagens, atuaram as empresas Espaço Tempo, de Juiz de Fora,
Anima, de São João del-Rei, e Oficina do Restauro, de Belo Horizonte.
30 Sobre a restauração, ver: LYRA, Cyro Corrêa (Org.). Renovação de uma catedral, cit.
31 O supedâneo, plataforma elevada de madeira sobre a qual ocorrem as celebrações, foi modificado,
mas teve-se o cuidado de fazer uma intervenção reversível que possibilitasse, no futuro, um retorno à
situação original.
32 De madeira, as peças foram projetadas por equipe especializada em arquitetura sacra, sob coordenação
da arquiteta irmã Laíde Sonda. As faixas decorativas, com desenho formando uma sucessão de triângulos,
feitas em baixo-relevo no espaldar da cátedra e nas vistas do altar e do ambão, foram inspiradas em
motivos da ornamentação indígena, como forma de homenagear os primeiros habitantes da região.
A qualidade de seu desenho, contemporâneo, não entra em conflito com o ambiente, dominado pela
decoração oitocentista expressa nos revestimentos e ornamentos, feitos de madeira entalhada, coberta
com tinta branca e folhas de ouro. Ao contrário, forma um contraponto necessário, mas com um
desenho que, pela delicadeza e a sobriedade, se harmoniza com o ambiente, respeitando o patrimônio
histórico e artístico legado pelos antepassados.
33 O museu da catedral, inaugurado no dia 25 de março de 1995, em comemoração ao aniversário
de 70 anos da Diocese de Valença, tem caráter histórico e artístico, com acervo composto de imagens,
vestuário litúrgico, fotografias e objetos diversos.
34 Nas paredes, foi colocada uma representação da Via Sacra em madeira, obra do irmão Pedro
Recroix (1922-2009), artista entalhador, monge beneditino do Mosteiro da Anunciação do Senhor, da
cidade de Goiás. Os três confessionários inseridos são compartimentos projetados para possibilitar o
atendimento não somente a uma pessoa, como também a um casal que queira uma orientação espiritual.
35 A cripta foi concebida como um novo espaço, com características de construção moderna, enriquecido
pela peças de madeira entalhada de desenho abstrato (porta de entrada, altar e ambão), também de
autoria do irmão Pedro Recroix.
36 Quando o operário – mestre, artífice ou ajudante – que se desdobrou pregando tábuas ou reparando
rebocos, descendo ao subsolo da sacristia ou galgando as cúpulas das torres voltar à catedral, sentirá
que ela lhe pertence, porque ele a refez. Toda vez que a aprendiz olhar os ornatos de ouro e branco
dos altares voltará a sentir a emoção de restaurar volutas e frisos, flores e folhas de cedro, na igreja que
passou a lhe pertencer, porque ela a refez.
37 Lucio Costa. IBPC Notícias, ed. esp., 27 fev. 1992, p. 4. Apud: FONSECA, Maria Cecília Londres.
O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan,
1997. p. 119.
38 Inscrita em 1962 nos Livros do Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná.
39 Em gravura datada de 1827, atribuída a Jean-Baptiste Debret, aparece apenas a capela primitiva com
sua pequena sacristia anexa, donde se conclui que a nave teria sido construída depois dessa data, sendo a
torre terminada em 1841, pela inscrição desse ano em sua fachada.
40 LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Guia dos bens tombados: Paraná. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1994.
41 Imagens de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de São Benedito e de Nossa Senhora das Candeias,
de terracota, e as imagens, de madeira, de Santa Efigênia, São Benedito e Santa Luzia.
42 Foram furtadas, em 1984, as imagens de Santa Efigênia e de Nossa Senhora das Candeias e um crucifixo
processional de prata lavrada. Nove anos depois, a de Santa Luzia também foi subtraída. Infelizmente,
as igrejas, principalmente aquelas situadas em pequenas cidades, estão sujeitas a esse tipo de dano por
permanecerem abertas durante o dia e, geralmente, sem nenhuma vigilância.
43 Na imagem, da esquerda para a direita: Enio Marques Ferreira (diretor do Departamento de Cultura da
Secretaria de Educação do Paraná), Dalena Guimarães Alves (chefe da Divisão do Patrimônio Histórico
do Paraná), Cyro Corrêa Lyra, Beatriz Pellizetti, Graciema Franco de Andrade, Porcia Guimaraes Alves,
Rodrigo Mello Franco de Andrade, Renato Soeiro (diretor do Sphan), Judite Martins, Nelson de Freitas
Barbosa (prefeito do município) e Elza Carneiro.
44 Inscrita em 1941 no Livro do Tombo Histórico do Iphan.
45 O projeto de restauração foi coordenado pelo arquiteto Silvio Cavalcante, responsável pelo escritório
técnico do Iphan em Pirenópolis.
46 In: UNES, Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Fênix: restauro da Igreja Matriz de Pirenópolis. Goiânia:
ICBC, 2008. p. 67.
47 O projeto foi elaborado novamente pelo arquiteto Silvio Cavalcante, responsável pelo escritório técnico
do Iphan em Pirenópolis, e pelo engenheiro Walter Vilhena Valio. A execução da obra coube à construtora
Biapó.
48 Depoimento do carpinteiro Dorvalino Botelho, prestado em 6 de setembro de 2006 e transcrito
por Salma Sadid, superintendente do Iphan em Goiás, no ensaio “Aprendendo sempre”. Apud: UNES,
Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Op. cit., p. 206.
49 Depoimento do servente Weber Pereira Siqueira, prestado em 25 de outubro de 2005 e transcrito
por Salma Sadid, superintendente do Iphan em Goiás, no ensaio “Aprendendo sempre”. Apud: UNES,
Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Op. cit., p. 207.
50 O autor deste livro teve a oportunidade de participar dessa reunião com a historiadora de arte Myriam
Ribeiro, atendendo a convite da superintendência do Iphan. A solução de aproveitamento do altar da
antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi proposta pela professora Myriam e aceita por
todos os presentes.
51 SANTOS FILHO, Dalmo Vieira dos. Altar-mor da Igreja Matriz de Pirenópolis. In: Textos de trabalho.
Coletânea de documentos elaborados no período de 2006 a 2011, durante sua gestão na direção do
Departamento do Patrimônio Material do Iphan.
52 O prédio do palácio universitário foi inscrito em 1972 no Livro do Tombo Histórico, sob a denominação
Edifício na Av. Pasteur, 250 (Antigo Hospital de Alienados).
53 Ofício no 1.813, datado de 30 de março de 1953, assinado pelo reitor Pedro Calmon e encaminhado
ao Sphan.
54 Por efeito do choque térmico provocado pela ação dos jatos de água lançados pelos bombeiros sobre
a peça em elevadíssimo grau de temperatura, sobraram da imagem, de mármore de Carrara, pedaços que
estão guardados com outras peças remanescentes do incêndio.
55 O autor deste livro foi consultor da empresa Retrô Projetos de Restauro na elaboração do projeto de
restauração do Palácio da UFRJ, desenvolvido entre 2013 e 2014.
Considerações finais
* Costa, Lucio. Prefácio. In.: ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro:
Ministério da Cultura. Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. p. 6.
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ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. 1993, 168 p. Dissertação
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1993.
BARDI, Lina Bo. Jornal da Bahia, 1963. In.: BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. Os restauros de
Lina Bo Bardi e as interpretações da história. 2001, 185 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2001. p. 73.
BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. Os restauros de Lina Bo Bardi e as interpretações da história. 2001,
185 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
CHAGAS, Mauricio de Almeida. Modernismo e tradição: Lina Bo Bardi na Bahia. 2002, 243 p. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
MATTA, Junno Marins da. Estudo de procedimentos para a preservação e conservação de bens imóveis não monumentais:
estudo de caso: Conjunto Vila Lage em São Gonçalo. 2004. Dissertação (Mestrado em Engenharia
Civil) – Universidade Federal Fluminense, 2004.
MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. 1969. Tese para provimento do cargo de professor assistente da
cadeira de História da Arte na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 1969.
PUCCIONI, Silvia. Restauração estrutural: metodologia de diagnóstico. 1997, 163 p. Dissertação (Mestrado
em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.
RIBEIRO, Paulo Eduardo Vidal Leite. A vida de uma chácara romântica, de Palacete Bartholdy a Solar do Jambeiro.
1998. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
SAIA, Luís. Da arquitetura. 1957, 62 p. Tese de concurso para provimento da cadeira de Teoria da Arquitetura
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1957.
SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90.
2004, 399 p. Dissertação (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
Anexos
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
“Sr. Presidente:
A proteção do patrimônio histórico e artístico nacional é assunto que, de longa data, vem preocupando
os homens de cultura do nosso país.
Nada, pelo menos nada de orgânico e sistemático, se havia feito, porém, até 1936, quando foi por
Vossa Excelência criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Trabalhava-se aqui e ali, com pequenos recursos para evitar um ou outro desastre irreparável.
O grande acervo de preciosidades de valor histórico ou artístico ia-se perdendo, dispersando, arruinando,
alterando. Proprietários sem escrúpulos ou ignorantes deixavam que bens os mais preciosos acabassem ou
evadissem, ante o descaso ou a inércia dos poderes públicos. As vozes de um ou outro patriota ou o esforço
deste ou daquele homem público não traziam o remédio necessário e adequado.
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em Abril de 1936, foi o passo
decisivo. Montou-se o aparelho de alcance nacional, destinado a exercer ação enérgica e permanente de
modo direto ou indireto, para conservar e enriquecer o nosso patrimônio histórico e artístico e ainda para
torná-lo conhecido e estimado.
A princípio funcionou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em bases provisórias.
A lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937, proposta pelo Poder Executivo, deu-lhe a estrutura definitiva
que ora apresenta.
Em pouco mais de um ano e meio de funcionamento, a soma copiosa de trabalhos realizados tem
demonstrado a utilidade do empreendimento.
Desde logo, entretanto, se verificou que a ação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
não teria a necessária eficiência, se não fossem fixados os princípios fundamentais da proteção das coisas de
valor histórico ou artístico, princípios que não somente traçassem o plano de ação dos poderes públicos,
Gustavo Capanema
deverão ter sua fisionomia exterior recomposta, segundo as diretrizes do IPPUC, ouvida a Divisão do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná, até o prazo de um ano desta data.
Parágrafo único – A prefeitura poderá contribuir para a restauração da unidade alterada, enquanto que
a URBS poderá promover o financiamento de tais restaurações, por si ou por outras entidades.
Art. 8o As unidades destituídas de importância arquitetônica, que não estejam nas áreas de influência
restritiva, poderão ser demolidas, comportando novas construções, obedecidas as seguintes determinantes
de ordem técnica e estética:
1. O prédio não poderá ter mais de três pavimentos;
2. a taxa de ocupação será de 100% no terreno e 80% nos demais pavimentos;
3. o projeto de arquitetura deverá ser submetido previamente ao exame do IPPUC, para um juízo
estético, no sentido de evitar a construção de edifícios sem a menor qualidade arquitetônica que
comprometam o setor; e
4. as construções deverão obedecer às condições expostas no Plano de Revitalização do Setor Histórico
de Curitiba.
Parágrafo único – As construções, nos terrenos que atualmente não têm edificações, deverão obedecer
às exigências deste artigo.
Art. 9o As obras de preservação poderão ser realizadas por iniciativa da Prefeitura, pelo IPPUC, pela
URBS, ou pela Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná, com assentimento do
proprietário e sem ônus para este.
Art. 10. As obras de preservação, construção ou reconstrução só poderão ser executadas se respeitarem
as condições gerais estabelecidas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, que fica
fazendo parte integrante deste decreto, como diretrizes básicas do setor.
Parágrafo único – As novas construções no setor deverão obedecer às normas do Código de Edificações,
sem restrições quanto à taxa de ocupação.
Art. 11. Se o proprietário executar reforma ou construção contrariando as determinantes do presente
decreto, e do Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, a juízo do IPPUC, dando características
diferentes das que forem aprovadas, a Prefeitura poderá refazer as obras por sua própria iniciativa, segundo
as indicações do projeto aprovado, cobrando após do proprietário os custos da execução, pela via executiva,
com acréscimo de correção monetária, relativa a débitos fiscais, a partir do orçamento do serviço, calculados
sobre o valor deste.
Art. 12. O proprietário é obrigado a manter o prédio de sua propriedade em perfeito estado de
conservação e limpeza.
Art. 13. As decisões sobre preservação, reforma, demolição ou construção dos prédios situados no
setor histórico de Curitiba poderão ser objeto de recursos ao Conselho Deliberativo do IPPUC, por
qualquer interessado. Da decisão deste Conselho caberá recurso ao Conselho do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado do Paraná, dentro de 15 (quinze) dias, para uma decisão de caráter definitivo.
Art. 14. A manutenção do setor histórico de Curitiba também se aplica aos órgãos e entidades da
administração pública estadual e federal, devendo haver tratamento adequado, previamente submetido à
apreciação do IPPUC, dos passeios, postes de luz e telefone, pavimentação, bem como do sistema viário,
de tráfego e estacionamento de veículos, segundo o Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba
que faz parte integrante do presente decreto.
Art. 15. A instalação de anúncios e de propaganda comercial, bem como de placas indicativas de lojas,
casas e escritórios, deverá obedecer às seguintes normas:
1. placas de pequenas dimensões, de no máximo 0,60 m de altura por 1,00 m de comprimento,
colocadas perpendicularmente às fachadas;
2. os elementos de sustentação de placas não poderão ser fixados em detalhes ornamentais das
fachadas;
3. deverão ter tratamento estético adequado;
4. deverão ser previamente submetidas ao IPPUC para aprovação.
Parágrafo único – Dentro do prazo de seis meses a partir da aprovação do presente decreto, os
interessados deverão substituir os anúncios e placas indicativas que firam o disposto neste artigo, sob pena
de serem estes retirados pela administração municipal.
Art. 16. No setor histórico são permitidos os seguintes usos: entidades culturais, escritórios e
consultórios, ateliês de artes plásticas e oficinas de artesanato, galerias de arte, bares, restaurantes, moradias,
cinemas e teatros, edifícios de culto e comércio varejista.
Parágrafo 1o São usos permissíveis os hotéis, pensões, estacionamentos particulares e outros usos
compatíveis, a critério do Conselho de Zoneamento.
Parágrafo 2o São proibidos todos os usos não compreendidos neste artigo.
Art. 17. Os trabalhos que se desenvolverem no setor histórico deverão obedecer às diretrizes básicas
estabelecidas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, sejam eles de iniciativa particular
ou de iniciativa pública, pessoa física ou jurídica.
Art. 18. Poderão ser firmados convênios e contratos com entidades financiadoras, autarquias ou
serviços da União ou do Estado, bem como particulares, ou mesmo os proprietários de imóveis situados
no setor, para a execução do Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, em todos os aspectos
por este abrangidos.
Art. 19. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Trecho da carta enviada em 5 de abril de 1742 pelo conde das Galveias ao governador de Pernambuco,
Luís Pereira Freire de Andrade:
Pelo que respeita aos Quartéis que se pretendem mudar para o Palácio das duas Torres, obra do Conde Maurício de Nassau,
em que os Governadores fazem a sua assistência, me lastimo muito que se haja de entregar ao uso violento e pouco cuidadoso
dos soldados, que em pouco tempo reduzirão aquela fábrica a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com ela, se
arruinará também uma memória que mudamente estava recomendando à posteridade as ilustres e famosas ações que obraram
os Portugueses na Restauração dessa Capitania, de que se seguiu livrar-se do jugo forasteiro todo o mais restante da América
Portuguesa: as fábricas em que se incluem as estimáveis circunstâncias (referidas) [...] são livros que falam, sem que seja necessário
o lê-los [...]; se se necessitasse absolutamente, para defensa dessa Praça, que se demolisse o Palácio, e com ele uma memória tão
ilustre, paciência, porque esta mesma desgraça têm experimentado outros edifícios igualmente famosos; mas por nos pouparmos a
despesa de dez ou doze mil cruzados, é cousa indigna que se saiba que, por um preço tão vil, nos exponhamos a que se sepulte, na
ruína dessas quatro paredes, a glória de toda uma Nação. Não digo que, por salvar os Quartéis, que hoje lá se embarace a execução
da planta que se tem feito, para a obra que se intenta; o que digo é que me parece será mais conveniente fazerem-se de novo, em
lugar que se julgar mais próprio; porque, se bem se calcular a despesa que se há de fazer para reduzir o Palácio a Quartéis, e para
se porem as Casas da Junta em estado de poderem decentemente habitar nelas os Governadores, não custará menos cabedal, daquele
que podia empregar-se na obra de um novo Quartel; e quando sucedesse que o custo dela fosse maior, não era tão pouco o que se
ganhava, que se não desse de barato esse pequeno excesso, pela utilidade de uma fábrica nova, conservando-se as antigas no estado
em que até agora estiveram: finalmente, meu Senhor, eu desejava muito que, depois de V. Sa. ter feito um tão plausível governo, não
sucedesse no seu tempo uma novidade que, bem ponderada, somente será aplaudida dos holandeses; e confesso a V. Sa. que, ainda
pondo de parte esta relação política, e atendendo somente ao que será menos custoso à fazenda real, me persuado de que lhe será
mais útil fabricar-se quartéis novos, do que bulir no Palácio das duas Torres, porque tenho por certo que, por mais que se trabalhe
em atalhar as despesas, em bulir a obra, sempre ficará uma coberta de remendos.
Fonte: PROTEÇÃO e Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: MEC/Sphan/
Fundação Nacional Pró-Memória, 1980. p. 61-62.
2. Marchioratto referia-se ao surrão, bolsa ou saco de couro usada no meio rural para guardar farnel.
3. Marchioratto referia-se à estrovenga, o mesmo que estrupício. Significa coisa complicada, misteriosa.
Aloísio – Claro!
Marchioratto – 5 anos. O senhor não pode fazê esta vida, não é? O senhor obriga-se casar. Dali a 5 anos Seu Dotor, me
casei. O senhor sabe? Me casei com uma italiana, aqui da Rondinha, moça forte, se o senhor visse! É, e tive 10 família com essa
minha senhora.
Dr. Aloísio – 10 filhos!
Marchioratto – 10, sim, Senhor. 5 casado.
Aloísio – Que maravilha!
Marchioratto – E agora está de cama, que faz mais de um ano, Seu Dotor. Com reumatismo, uma boa, e senta na cama
e come, mais sadia do que eu, o Senhor viu? Que coisa! E. Sim, Senhor.
Aloísio – Mas o Senhor está muito forte...
Marchioratto – 86 vô fazê agora Seu Dotor. Agora dia 6 de agosto, dia do Bom Jesus. Vou fazê 86 janeiro, me admira
está vivo, porque eu passei muita coisa nesse mundo, não é?
Aloísio – Mas e daí?
Marchioratto – Sim, Senhor.
Aloísio – Às vezes a gente quando passa essas coisas, a gente fica mais rígido...
Marchioratto – Sim, Senhor.
Aloísio – Mais forte!
Marchioratto – Sim, Senhor. É. Eu fui muito doente, Seu Dotor, quando que eu nasci o papai disse que quando que eu tinha
seis meses fiquei doente até 6 anos! Dos intestino, o Senhor sabe? Dos intestino. Em Curitiba existia um médico, filho único, ele
me levô lá. Nada não deu. Quem me curô foi o farmacêutico aqui, um, um avô do meu genro que agora eu tenho um genro aqui
no Campo Largo. Farmacêutico. Barbosa. O senhor ouviu falar dos Barbosa? Tenho um genro. Foi aquele que me arremediou, o
Senhor sabe? Ah, pois ainda tô vivo, Seu Dotor. Ainda tô vivo!
Aloísio – Ele curou tão bem!...
Marchioratto – Ah, mas mio Senhore!
Cyro – E vinha muita gente ver esse moinho, Sr. Marchioratto? Sempre vem muita gente ver aqui, visitar?
Marchioratto – Sempre vinha, sempre. Depois que fiquei eu aqui, porque eu ajudava o pai fazê as coisa aqui, depois ia na
lavora, Seu Dotor, com meus irmão pra podê....
Aloísio – Pra poder cuidar das coisas.
Marchioratto – Sim, Senhor. Pra podê resistí. Então vinha gente aí, depois eu mostrando tudu e contando como era a
passagem, como era. Agora ficô pro governo. Senhor viu? E tô contente!
Aloísio – Claro!
Marchioratto – Tô contente, porque estou em vida aqui, estou vivendo sem trabalhar. Eu tô só reinando, porque tô ajudando
eles aqui tudu. Porque é o meu gosto. É meu gosto. Não poderia, má faço o serviço!
Aloísio – Claro!
Marchioratto – E sempre em amizade, sempre em boa. Esse sr. pode dizê o negócio que nós fizemo com eles foi uma beleza,
Seu Dotor! Tudu, tudu. Em harmonia, em paza, não é? É, é, sim, senhor.
Aloísio – E vai ficar novinho em folha!
Marchioratto – Vai ficá novo em folha!
Aloísio – Vai ficar uma beleza!
Marchioratto – Mas o moinho velho não entra mais aqui, Seu dotor! Agora não cabe mais aí. Vamo montá outras coisa,
não é, seu dotor? Outras coisa que vamo montá aí. Mate ou qualquer outra. Sim, senhor.
La Pastina – Viu, Nono, o moinho velho de fubá, no futuro a gente vai montar, ele exatamente como era...
Marchioratto – Sim, senhor.
La Pastina – Dentro do parque... não é?
Marchioratto – Sim, sim.
La Pastina – Então está previsto isto sabe?
Marchioratto – Tá previsto...
La Pastina – Não vai ficar guardado aquilo lá também, não vai ficar assim, não...
Marchioratto – Mas tá lá encostado na parede daquele paiol e apodrece tudu.
Aloísio – É, precisa proteger melhor...
Marchioratto – Já faz um ano quase que tá lá encostado.
La Pastina – E aí a gente vai usar as pedras também.
Marchioratto – As pedras... as pedras... Aquelas duas pedras veio de Nápole, seu dotor!
Aloísio – De Nápoles?
Marchioratto – Do vulcão Vesúvio de Nápole.
Aloísio – Que beleza!
Marchioratto – É, mas o papai comprô em Curitiba que tinha um moinho, queimô-se, então papai comprô aí e rodô aqui
acho que mais de 40 anos aquelas preta que está pro lado de cá. Coisa boa, Seu Dotor! E pedra queimada, não é? É, e aquelas
outra jura! Foi tirada aqui em Roça Nova. O senhor conhece Roça Nova? Pra cá de Curitiba? Veio pela Estrada de Ferro até na
Estação, o papai foi pegá lá. Mas este que foi serviço brabo pra mim afiá ela, Seu Dotor! Coisa incrível! Que quando papai tava
forte pegava uma eu e uma ele, não é? Nós não levava um dia. Mas depois que fiquei sozinho quem é que me ajuda! Filho nenhum
servia fazê o serviço, seu dotor!
Aloísio – Nada...
Marchioratto – Nada, não senhor. Nada, nada. Eu puxei pro sujeito com pai e mãe senhor, o sr. sabe? Sempre respeitei
e eles me respeitaram mais do que filho. O pai e mãe. Tinha muito respeito e ajudei muito, seu dotor. Foi esta a minha vantagem
que decerto ainda tô vivo!
Aloísio – Ah, ah, ah...
La Pastina – Até outro dia o senhor estava trepando lá encima, não é?
Marchioratto – Tava, tava, tava.
La Pastina – Trocando telha, né, Nono?
Marchioratto – Até uns par de mês atrás tava encima, sempre, seu dotor, sempre. Quando que o moinho “estrépia”, o sr.
sabe? Aquela pedra encima, não é? A telha escorre! Então pegava a massa e a escada que tá aí e com barro ia lá encima. Lá encima.
Mas um dia me deu a cãimbra ali quase e não podia mais descê. Ali no descê da escada, quase ficava.
Aloísio – Que beleza, não é?
La Pastina – Nono, eu queria contá da... da roda. Da roda. O senhor que fez também, né?
Marchioratto – Ah, da roda? Foi construída três vezes, seu dotor! Três vezes. A 1ª que esta aí na mão do sr. Macedo era
muito mais alta, e não era feita desse jeito, não é? Era feita de outro jeito e depois apodreceu porque era sempre de pinho, o sr. sabe?
Pinheiro. E essas são de imbuia. Então depois o papai tornou a construí de novo, ele com o falecido meu tio, e depois essa última
que são a terceira. Tudo de imbuia. E tudo parafuso. O que desmanchemo outro dia, que tá lá fora era tudu antigo. Já rodou, já
esta velha última rodou, na entrada do Getúlio Vargas, o sr. tem lembrança? De 30 ou 32, não é?
Aloísio – É, 32.
Marchioratto – Sim, senhor. Quando Getúlio Vargas falava que vinha no Campo Largo, o sr. sabe? Reuniu aqui no
Campo Largo o prefeito Barbosa, Atílio, que já é morto, era ex-prefeito, arreuniu eu acho com 2 km de estrada de lado a lado,
era gente esperando o homem que viesse no Campo Largo, não é? E não veio. Então, aquele dia nós tava construindo aquela roda,
sr. sabe? Aquela que já foi desmanchada que tá lá presta ainda, uma imbuia ainda boa como essa, seu dotor! A mesma coisa. A
mesma coisa.
Aloísio – E essa agora vai durar mais, muito tempo....
Marchioratto – Presta em vida, seu dotor! Basta cuidá. Em vida. E aqui o sr. vê, mais do que isso é impossibile!
Aloísio – É uma beleza!
Marchioratto – É barbaridade!
La Pastina – Nono, o senhor nasceu na época da revolta!
Marchioratto – Do tipo da revorta do Gumercindo, o senhor já ouviu falá?
Aloísio – Já ouvi falar.
Marchioratto – Sim, senhor. A derrota dele a última, a última combate foi em Lapa, aonde que o General Carneiro que
veio de São Paulo, que rebateu, foi deixá a vida, senhor sabe? Ele tava salvo já, porque já tava acabando e o inimigo assim mesmo
lanceou ele com a lança porque trabalhavam muito com lança, é, sim, senhor.
Aloísio – E ele acabou morrendo...
Marchioratto – Acabou morrendo, sim, senhor. E o chapéu do canalha que era da revorta tá lá no museu. Como era o
nome dele?
La Pastina – Gumercindo Saraiva, Juca Tigre...
Marchioratto – O Juca Tigre também andou, não é? O Juca Tigre, tinha o degolador, o sr. sabe? Pegava pela barba assim,
uma faca, desta largura. Sim, senhor. Naquele tempo foi duro, seu dotor. Naquela época que eu nasci, naquele ano. Aqui mais
encima um pouco, senhor sabe? O papai foi preciso também garrá o mato. Tinha lá o meu avô que tava trabalhando tinha uma
éguinha levaram até aquele porque aqui depois se ajuntou os companheiro aqui, bem dizê nosso, ajudá pra revorta, o senhor veja! E
ia intimá que tinha se apresentá, pra marca passo. O papai nunca foi, se escapô! Marca passo aí no Campo Largo, o senhor sabe?
Prá podê aprendê, pra depois tocarem na frente.
Aloísio – É...
Marchioratto – Foi duro, seu dotor. Foi duro.
Aloísio – É uma estória, toda, não é? É uma vida toda cheia de estórias...
Marchioratto – Sim, senhor. Cheia de estória mesmo. E lá na Lapa pro senhor vê os canhão que está lá, o fuzil, porque eu
já vi esse meu genro, que eu tenho, farmacêutico, me levô lá. Faz acho um ano, mais, a rapaziada de hoje não pode com um fuzil
daquele, seu dotor! De tão pesado, de tão grande! Os canhão com as roda dessa largura, seu dotor! Puxada a muque, não é? Sim,
senhor.
Aloísio – Pesado...
Marchioratto – Ali foi o último derrame de sangue, em Lapa. O senhor sabe mais do que eu, não é? Foi o último derrame.
É. Sim, senhor.
Aloísio – Quer dizer que agora o senhor está reinando!...
Marchioratto – Senhor?
Aloísio – Agora o senhor está reinando.
Marchioratto – Isto mesmo, seu dotor.
Aloísio – Isso é que é bom.
Marchioratto – Isto é que é bom, né?
Aloísio – Depois de tanto trabalho, não é?...
Marchioratto – Sim, senhor. Sim, senhor.
La Pastina – Mas o senhor está sempre lidando aí, ajudando, limpando...
Marchioratto – Sempre, sempre fazendo limpeza, ajudando o que eu posso, porque eu não paro. Porque a minha garagem era
aqui, seu dotor. Só almoçava, jantar, dormí, senão a minha passagem era aqui. Se vinha algum vizinho, então ia na casa, senão era aqui.
Sempre trabalhando, uma coisa e outra, sempre, sempre, sempre lidando com roda, limpando aqui. Sempre, sempre, sempre. O serviço
não mata ninguém, seu dotor! Não é? Não mata. Antes, dá saúde porque se mexe com o corpo!
Aloísio – É isso mesmo.
Marchioratto – Sim, senhor.
Aloísio – Muito bem! Isso é que é vida, não é?
Marchioratto – É, mais mio senhore! Eu na escola fui muito pouco, seu dotor! Muito.
Aloísio – Não precisa, não é?
Marchioratto – Eu não podia ir porque era ajudante da mamãe. Depois lá em casa não tinha mais irmã nenhuma, então
eu vinha da escola correndo tudu, prá depois chegá em casa e ajudá ela e outros meus irmão ficavam prá trás, não é? Brincando, o
senhor sabe? Contando lorota pra estrada, conforme chegava em casa, o senhor sabe? Entrava no laço do pai. Onde é que ficaram
até agora? Que teu irmão já tá aí! O senhor viu, seu dotor! Como era? Sim, senhor.
Aloísio – Éh... Bonito!
Marchioratto – Gravô tudo isso, seu dotor?
Aloísio – Ah, gravô!
Marchioratto – Mio senhore! Será seu dotore?
Cyro – Só, só para a gente ter isso de lembrança, não é?
Marchioratto – Sim, senhor. Sim, senhor. Justo.
Cyro – De lembrança dessa visita com o Dr. Aloísio.
Marchioratto – Sim, senhor.
Cyro – Ele é muito ocupado, ele vem, ele mora em Brasília.
Marchioratto – Sim, senhor.
Cyro – Está vindo aqui visitar o engenho e lhe conhecer. Então nós resolvemos...
Marchioratto – Justo, justo.
Cyro – Então nós resolvemos gravar a conversa e isso ficar como lembrança para ele.
Marchioratto – Justo. Gosto, gosto muito. Prazer de conhecer o senhor.
Aloísio – Eu vou levar uma cópia dessa fita pra Brasília e quando chegar lá eu mando...
Marchioratto – Marchioratto, senhor mio! Lá na Rondinha. Não era Rondinha aqui. Aqui é, é Mendes de Sá. Má como
aqui pra cá da ponte tinha uma ronda de posá boiada que vinha dos campo, o senhor sabe? Então eles só rondavam de uma ponte
a outra de noite, faziam fogo e o camarada ficava na ponte cuidando dos boi que não passe pra lá nem pra cá. Então, ficou o nome
de Rondinha, o senhor sabe? Senão é Mendes de Sá. Mendes de Sá era o patrão do falecido papai lá onde eu nasci, o senhor sabe?
Era isto. Um grande homem, um grande, pro falecido papai, o 2º pai do papai, não é? Muito homem de confiança, muito justo,
seu dotor, não é? E o papai tomava conta de tudu. E de moinho e de engenho de serra. Porque na época os pinheiro era disto... de
grossura, seu dotor! Não é como hoje, que não existe mais, não é? Sim, senhor.
Aloísio – Éh... então, muito bem!
Marchioratto – Eu vô falando brasileiro, de repente alguma palavra italiano escapa pro meio, porque como que eu lhe digo,
seu dotor, fui pouco na escola, não é? Mas tô me virando... não é?
Aloísio – Claro!
La Pastina – Todo mundo entende, não é?
Marchioratto – Sim, senhor. Graças a Deus.
Aloísio – Muito bem. Muito bem, mesmo.
.....................
Marchioratto – É um ferro, seu dotor! Araçá. Esse no enxuti não tem fim. Agora pra água não senhor. Pra água é imbuia
onde que é inxuto não tem fim. Senhor veja: engraxava aqui com sebo e com cera derretido, então a outra pegava aqui. Fica lustro,
não gasta quase nada, não gasta quase nada! É seu dotor, e o Zé mandô que não bota fora aí. É uma roda... Aquela lá, seu dotor.
O senhor tá vendo? Aquela bolandera aí...
.....................
Aloísio – Pois está ficando uma beleza!
Marchioratto – Senhor?
Aloísio – Está ficando uma beleza!
Marchioratto – Sim, sim.
Aloísio – Novinho em folha!
Marchioratto – Justo. Depois fico novo eu também, não é seu dotor?
.......................
Marchioratto – Obrigado, senhor. Estimo muito de conhecê-lo.
Aloísio – Vou ver se ainda volto por aqui...
Marchioratto – Sim, senhor. Tenho gosto, seu dotor. Se eu tiver vivo não é?
Aloísio – Está, estará!
Marchioratto – Se não me achá eu, o senhor acha aqui o moinho velho.
Aloísio – Os dois: o moinho e o senhor.
Marchioratto – Sim, senhor.
1) Gostaria que você fizesse um pequeno histórico dos imóveis onde foi montado o Museu Nacional
do Mar.
Os imóveis foram construídos pela empresa de navegação Hoepke, a maior do gênero em Santa Catarina. A sede era em
Florianópolis, mas as instalações maiores ficaram em São Francisco. A maior motivação econômica foi a erva-mate, depois
a madeira. Trata-se de arquitetura teuto-brasileira, projetada pelo mesmo arquiteto (não temos o nome) das instalações de
Florianópolis - inclusive da famosa “Fábrica de Pontas” (pregos) que ficava no cais da “Rita Maria”.
A empresa Hoepke construiu os imóveis em questão por volta de 1900. Caíram em desuso com o declínio primeiro do ciclo
da erva-mate e depois da madeira. A construção do porto comercial da cidade em 1955 anunciou o fim próximo da atividade
marítima no centro histórico da cidade. Consta que os imóveis estavam fechados há 20 anos quando comprados por Manfredo
Cominesi, por volta de 1983. O armador realizou algumas benfeitorias, mas não tinha uma destinação específica para o imóvel.
Um dia me disse que comprara a área em função da grande enchente do Vale do Itajaí, que poderia prejudicar um importante
contrato de exportação de fumo - previsto para o porto de Itajaí. Consta que o sr. Manfredo era o maior proprietário de áreas
privadas de estocagens portuárias do Brasil. Na época do repasse da área para a prefeitura e posteriormente para o estado, estavam
construídas algumas salas de escritórios, de onde o sr. Manfredo despachava quando vinha a São Francisco do Sul (atual sala
Amyr Klink).
Manfredo). Aceita a proposta, procedeu-se à avaliação do imóvel (800 mil dólares). Passados alguns meses, a proposta foi
apresentada ao grupo que elaborava o plano de governo de um dos candidatos ao governo do estado - que a incluiu no plano. Eleito
o governador, houve toda uma grande negociação (o estado estava falido e devia meses de salários atrasados aos funcionários), até
que montamos uma exposição provisória “abrindo” o museu, apenas com objetos emprestados (inclusive alguns barcos). Com a
repercussão positiva, tornava-se difícil o recuo, que significaria a devolução do imóvel e o fim do museu. Foram liberados recursos
para restauro do imóvel um ano após o início do governo e, logo depois, efetuadas negociações para a compra definitiva, afinal
fechada em 10 prestações de 50 mil dólares. O museu foi finalmente aberto com uma exposição de objetos adquiridos em todo o
país, em especial barcos tradicionais, maquetes e peças de artesanato. Aproximadamente um ano depois, as duas últimas parcelas da
aquisição foram pagas - no último dia do governo ( que havia perdido as eleições), por volta das 11 horas da noite. Um percentual
de 10% de cada parcela dos pagamentos era diretamente doado pelo Sr. Manfredo, a nosso pedido, à Associação dos Amigos do
Museu do Mar ( até hoje a maior doação ao museu).
9) Quais são as perspectivas do museu e sua importância para a revitalização da cidade? Na minha
cabeça o futuro da cidade como turismo é consequência do museu.
O museu é considerado a maior atração da cidade. Sem dúvida nenhuma é o diferencial do centro histórico. Nosso propósito
é que evolua para novos acervos (já estamos “de olho” em imóvel lateral ao museu) e para a integração com a comunidade e com
o patrimônio “vivo”. Tivemos projetos aprovados este ano pela Petrobras, Caixa Econômica Federal, Fundação Vitae, Ponto de
Cultura do MinC e edital da Unesco. Teremos: acessibilidade (dois elevadores verticais e uma “rampa” na escada do auditório);
qualificação da biblioteca, novos painéis rotulados, “gaveteiros do saber”, compra de modelos de embarcações. Foi aprovado também
o projeto que estimula passeios náuticos praticados por pescadores, com saída do trapiche do museu. O projeto equipa 10 barcos de
pesca com rádio de comunicação e material de salvatagem, divulga os passeios e treina os pescadores. Para o edital do Monumenta/
Unesco, propusemos a criação do “Liceu de Artífices”, que é uma escola com duas turmas anuais, onde os alunos aprenderão a
executar modelos de barcos regionais brasileiros. Os alunos serão recrutados em todas as regiões do país. Conny, Lauro e Heitor
serão os professores principais. Esperamos implantar a marina no máximo até 2006 (um adendo ao Termo de Ajustamento
firmado com o Ministério Público Federal foi assinado neste sentido). As obras de dragagem continuam. A loja, o café e o bar do
museu estão funcionando bem.
Na abordagem desse assunto, tema central do trabalho aqui apresentado, avalia-se a ação
institucional na preservação do patrimônio construído por meio da análise de diversas experiências
de reabilitação urbana e conservação de monumentos e da formação teórica e prática do arquiteto
de patrimônio.
Reconhecendo que cada família arquitetônica tem vocações específicas derivadas da sua função
original, deduz-se que o principal desafio da reutilização do patrimônio edificado reside em
conciliar as exigências ditadas pelo novo uso com as peculiaridades do monumento. Para examinar
essa questão, desenvolve-se uma análise das tipologias arquitetônicas com exemplos de intervenções
na arquitetura oficial (militar e administrativa), na arquitetura civil (urbana, rural, industrial e de
armazenamento e transporte) e na arquitetura religiosa.
Preservação
do patrimônio edificado:
a questão do uso
Cyro Corrêa Lyra