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A maioria das ruínas constitui-se de edificações que, um dia, perderam sua função.

Por isso é
necessário compreender que a preservação do patrimônio construído depende de sua plena
utilização. Entretanto, a importância do uso frequentemente é relegada a um segundo plano nas

Preservação do patrimônio Edificado


restaurações.

Na abordagem desse assunto, tema central do trabalho aqui apresentado, avalia-se a ação
institucional na preservação do patrimônio construído por meio da análise de diversas experiências
de reabilitação urbana e conservação de monumentos e da formação teórica e prática do arquiteto
de patrimônio.

Reconhecendo que cada família arquitetônica tem vocações específicas derivadas da sua função
original, deduz-se que o principal desafio da reutilização do patrimônio edificado reside em
conciliar as exigências ditadas pelo novo uso com as peculiaridades do monumento. Para examinar
essa questão, desenvolve-se uma análise das tipologias arquitetônicas com exemplos de intervenções
na arquitetura oficial (militar e administrativa), na arquitetura civil (urbana, rural, industrial e de
armazenamento e transporte) e na arquitetura religiosa.

Preservação
do patrimônio edificado:
a questão do uso
Cyro Corrêa Lyra
Preservação do
patrimônio edificado:
a questão do uso

Autor

Cyro Corrêa Lyra

Brasília | Iphan | 2016

PatrimonioEdificado.indb 1 3/31/16 10:34 PM


Presidenta da República do Brasil
Dilma Rousseff

Ministro da Cultura
Juca Ferreira

Presidenta do Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional
Jurema Machado

Diretoria do IPHAN
Andrey Rosenthal Schlee
Luiz Philippe Peres Torelly
Marcos José Silva Rêgo
Robson Antônio de Almeida
Vanderlei dos Santos Catalão

Coordenação editorial
Sylvia Braga

Edição
Ana Lúcia Barreto de Lucena

Preparação e revisão
Denise Ceron

Projeto gráfico
Edson Fogaça Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca Aloísio Magalhães, Iphan

Capa e Diagramação
L992p
Cristiane Dias Lyra, Cyro Corrêa.
Preservação do patrimônio edificado : a questão do uso /
Ilustrações Cyro Corrêa Lyra. – Brasília, DF : Iphan, 2016.
308 p., 23X30 cm. (Arquitetura, 5)
Cyro Corrêa Lyra
ISBN 978-85-7334-287-1

1. Patrimônio material. 2. Preservação. 3. Reabilitação. 4. Patrimônio urbano. 5.


Monumentos. 6. Arquitetura civil. 7. Arquitetura religiosa. I. Título.

www.iphan.gov.br CDD 720.288

www.cultura.gov.br

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Preservação do
patrimônio edificado:
a questão do uso

Autor

Cyro Corrêa Lyra

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Sumário

Apresentação 7
Introdução – Casa vazia ruína anuncia 11
Parte I – A reutilização como instrumento de preservação 17
Capítulo 1 – A preservação da obra de arquitetura 18
Arquitetura: forma e função 18
Reutilização nas Cartas patrimoniais 24

Capítulo 2 – Da proteção à reabilitação dos centros históricos 36


Teoria e prática 36
Experiências europeias 44

Parte II – A experiência brasileira 53


Capítulo 3 – A preservação do patrimônio 54
A criação do Sphan 54
Formação de arquitetos restauradores 66
Linhas de intervenção e tendências 70

Capítulo 4 – Proteção e requalificação do patrimônio urbano 82


Da identificação à proteção 82
Da proteção à requalificação 85
Da requalificação à proteção 102

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Introduçao | 5

Parte III – Revitalização na obra de arquitetura 115


Capítulo 5 – Restauração e reutilização de monumentos 116
Continuidade e descontinuidade de função 116
Adaptação a uma nova função 124
Vocação de uso 128

Capítulo 6 – Revitalização na arquitetura oficial 140


Arquitetura militar 140
Arquitetura oficial administrativa 156

Capítulo 7 – Revitalização na arquitetura civil 172


Arquitetura residencial urbana 172
Arquitetura rural 181
Arquitetura industrial 193
Arquitetura de armazenamento e transporte 199

Capítulo 8 – Revitalização na arquitetura religiosa 208


O patrimônio religioso edificado no Brasil 208
Alternativas para revitalização 212
Importância da relação afetiva 220

Considerações finais 231


Notas 239
Referências bibliográficas 277
Anexos 291

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Palacete Wolf, sede da


Fundação Cultural de Curitiba, Paraná.

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Apresentação

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Apresentação

São raros os arquitetos como Cyro Lyra, autor deste trabalho, ora publicado na Coleção Arquitetura,
do Iphan. Cyro é um profissional completo, daqueles que podem fazer bonito em qualquer dos lados em
que a cena se desenrola. Se em vez da arquitetura tivesse escolhido o cinema, seria roteirista, diretor e ator.
Com este último trabalho, se firma também como crítico e historiador do seu vasto campo de interesse.
Conheci o Cyro, junto com o arquiteto e colega do Iphan José La Pastina e alguns dos últimos mestres
telhadeiros de Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes, ensinando, ali mesmo no canteiro de obras, a solucionar
o complexo telhado da Capela das Dores de Ouro Preto, complexo não só por suas dimensões e técnica
de construção, mas sobretudo pelas imperfeições de origem, que o tempo acabou assimilando e tornando
indissociáveis do monumento. Depois, passei a conviver com ele contando histórias do patrimônio na
África, falando do Rio, de Lapa no Paraná, das fortificações e dos conventos, das soluções adotadas na
restauração do Paço Imperial, dos debates sobre o patrimônio, aqui e pelo mundo afora.
Em posições de direção, de assessoria ou como conselheiro, por longo tempo no Iphan, mas também
na Secretaria de Cultura no Paraná, seu extenso e persistente percurso acompanha boa parte da trajetória
da política de preservação no Brasil e no mundo. Participou da construção das ideias que, ao longo dos
anos, foi sendo materializada nas Cartas patrimoniais, às quais dedica um capítulo deste livro. E o fez não
só como membro ativo ou representante do Brasil em organizações profissionais internacionais, como o
Icomos e o ICCROM, mas como um restaurador moldado com as mãos na massa, testando os conceitos
em pedra e cal e lidando com desafios e carências de toda ordem, seja de mão de obra, de recursos, seja
da premência do tempo, das condições sociais, dos entraves da burocracia, especialmente cruéis quando se
trata do patrimônio.
Professor por vocação, formulador de programas e cursos de formação profissional na área do
patrimônio, transita confortavelmente entre gerações, com a legitimidade de quem tem muito a contribuir
e com a humildade de quem sempre se dispõe ao novo. Sua tese de doutoramento que dá origem a
esta publicação resulta de um momento de maturidade plena, situação rara nos dias de hoje, em que a
titulação acadêmica tem sido buscada cada vez mais prematuramente nos percursos profissionais, quase
como decorrência imediata da graduação.
Embora fosse mais do que merecido, este “currículo comentado” não pretende homenagear o autor,
discreto e pouco dado a rapapés. Serve sobretudo para demonstrar que nenhum de nós que atuamos hoje
na preservação do patrimônio no Brasil poderia ter escrito sobre esse tema de forma tão genuína, com
tanta intimidade com os fatos, com os programas, projetos, obras e seus contextos, com os enigmas e
desafios que cada um deles carrega.

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Introduçao | 9

Além de uma síntese da ação e do pensamento sobre o patrimônio, este livro resulta em uma espécie
de conclamação para o aspecto menos maduro e mais central da política de preservação hoje, que é a
intensificação e atualização do uso e da apropriação, seja dos monumentos, seja dos sítios urbanos protegidos.
Embora teoricamente aceito e frequentemente enfrentado, por vezes com estratégias mais abrangentes, por
vezes menos, o problema continua muito mal resolvido no Brasil. Falha em decorrência de programas
arquitetônicos pouco imaginativos, resultado de visões ainda restritas, mas falha principalmente devido à
pouca articulação da política de patrimônio com as demais. Não é nada desprezível, para esse quadro de
baixa utilização, a contribuição vinda de uma certa “sacralização”do patrimônio, resultado de décadas de
militância preservacionista, defensiva e demandante de afirmação, que cumpriu papel insubstituível, mas
cujo foco pede hoje atualização e abertura para novos atores e novos valores.
Como abstrair a questão do uso dos monumentos e sítios urbanos quando se tem, apenas sob proteção
do Iphan, mais de mil e duzentos bens tombados, não só monumentos, mas também sítios urbanos
que abrangem, no total, algo como cem mil imóveis? Como buscar solução para o acervo imobiliário
remanescente da extinta Rede Ferroviária Federal? Ou para grandes áreas portuárias, industriais e atacadistas,
ociosas porque a atividade econômica se transformou e porque sua localização em áreas centrais perdeu o
sentido? Ou ainda para conventos e seminários que não têm mais a centralidade na vida social que tiveram
até o início do século XX e hoje estão vazios ou subutilizados, com sérios problemas de manutenção?
Como preservar os bens de propriedade do poder público, tais como fortificações, prédios administrativos,
antigas fazendas e outros imóveis doados ou desapropriados, que, ao longo dos anos, foram conformando
o acervo do Iphan e da SPU, a Secretaria de Patrimônio da União? O quadro se complica ainda mais
quando imóveis de grande valor cultural localizados nos centros históricos pertencem a proprietários que
não possuem nenhuma capacidade de investimento, como as organizações religiosas, ordens terceiras e
santas-casas, ou, nos casos ainda mais graves, quando os imóveis fazem parte de espólios quase insolúveis,
resultantes de longos processos de abandono pelas famílias mais abastadas.
Mais do que resolver problemas de segurança e manutenção, dar uso a esses imóveis, incorporando-
os amigável e naturalmente à dinâmica cotidiana, é o que nos faria cumprir o verdadeiro sentido da
preservação. Falta experimentar instrumentos mais articulados a outras políticas, sobretudo a urbana e a
de habitação. Mas falta também, entre os preservacionistas, a convicção de que esse é o único caminho
possível, urgente e incontornável. Por isso, o livro que o Cyro generosamente nos entrega, mais do que nas
nossas estantes, deve ocupar espaço de destaque nas nossas mentes e nas nossas mesas de trabalho.

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Fortaleza Nossa Senhora da Conceição,


Santa Catarina.

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Introduçao | 11

Introdução
Casa vazia ruína anuncia

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Casa vazia ruína anuncia

A importância do uso para a conservação dos bens arquitetônicos é do conhecimento de todos aqueles
que lidam com a preservação do patrimônio. Muitos restauradores, no entanto, concentram-se quase
exclusivamente nos aspectos físicos da obra e terminam por não enfrentar o problema de conciliar o
objetivo de permanência inalterada do bem com a mudança constante dos hábitos dos usuários. Intervém-
se na obra de arquitetura da mesma maneira que se restaura a obra de arte visual. Essa desatenção decorre
da incompreensão do fato de que a arquitetura, por sua funcionalidade, distingue-se fundamentalmente
das outras artes.
Se foi tão clara para os pensadores antigos e modernos a natureza funcional da arquitetura, por que
no enfrentamento de sua preservação a obra arquitetônica é tratada como um objeto destinado apenas à
fruição visual, sem se levar em conta seu uso cotidiano? Se seus elementos físicos decorrem em grande
parte da função do edifício e constituem componentes essenciais na caracterização da obra arquitetônica,
como sempre entenderam aqueles que se dedicaram à história e à teoria da arquitetura, por que nas
intervenções restaurativas isso não é considerado?
Procurando responder a essas indagações, na primeira parte deste livro examina-se a importância dada
ao assunto na história da preservação, destacando-se a experiência francesa, que influenciou a organização
da proteção do patrimônio no Brasil. Em seguida, apresenta-se a abordagem da utilização do patrimônio
edificado nas resoluções internacionais, conhecidas como Cartas patrimoniais, desde a de Atenas, datada de
1931, até a de Sofia, formulada em 1996.
Relata-se, em seguida, o caminho percorrido entre o reconhecimento do valor dos centros históricos,
institucionalizado por sua proteção legal, e as intervenções que visam a sua reabilitação. É analisada
a evolução dos conceitos e métodos para a preservação dos sítios urbanos detendo-se nos projetos
desenvolvidos em alguns centros históricos europeus, como Bolonha, Ferrara, Porto e Barcelona.
Depois dessa passagem pelas experiências europeias, é desenvolvida a segunda parte do livro, na qual
se aborda a experiência brasileira por meio de uma revisão da história da ação federal de preservação do
patrimônio construído, abrangendo a formação teórica e prática do arquiteto de patrimônio. Ao rever essa
história, percebe-se que a necessidade de responder aos desafios de conservar e restaurar constituiu a
base do que batizamos de escola informal de patrimônio – uma formação que teve como fundamentos o
conhecimento da arquitetura tradicional brasileira e a prática de sua conservação. Foi influenciada pela
escola francesa de restauração, consequência natural das raízes culturais daqueles que construíram o sistema

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Introduçao | 13

brasileiro de proteção do patrimônio cultural, pertencentes ao setor mais atualizado da intelectualidade,


que, até o final da primeira metade do século XX, tinha a França como principal centro de referência.
As fontes bibliográficas para o conhecimento dos fundamentos e da evolução teórica da escola francesa
começam pela obra produzida na segunda metade do século XIX por Viollet-le-Duc. Quase um século
depois, os trabalhos de Raymond Lemaire e Paul Léon sobre a restauração de monumentos, elaborados
na primeira metade do século XX, constituíram as principais fontes de consulta dos arquitetos brasileiros
nos primeiros 30 anos da história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para enfrentar as questões de conservação e restauração dos edifícios tombados, os técnicos da
instituição eram liderados por arquitetos como Lucio Costa e Luís Saia e respaldados nos textos basilares
sobre a arquitetura brasileira pretérita produzidos por Ayrton Carvalho, Joaquim Cardoso, Mário de
Andrade, Germain Bazin, Paulo Thedim Barreto, Robert Smith e Sylvio de Vasconcellos.
Nos anos 1970, a instituição federal, em parceria com universidades federais e com o apoio da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), iniciou a realização
sistemática de cursos de especialização para profissionais procedentes de todo o país, além de portugueses,
africanos lusofônicos e hispano-americanos. Com a implantação de um ensino sistemático, a referência
europeia deslocou-se pouco a pouco da França para a Itália. A ênfase nos aspectos estéticos foi substituída
pela valorização do caráter documental do monumento.
Como consequência da evolução do processo de formação do arquiteto de patrimônio e do
conceito de valor cultural no período abordado neste livro (de 1937 à segunda década do século
XXI), desenvolveram-se posturas diversas na recuperação do monumento. Distinguiram-se duas linhas
opostas de atuação: a da reconstituição e a da conservação integral. Para a reutilização do bem arquitetônico,
adotaram-se a conservação reverente em monumentos de grande expressão plástica e a reciclagem criativa em
edifícios eminentemente utilitários.
Ao abordar a experiência brasileira de requalificação urbana, apresenta-se uma sinopse dos programas
nacionais para a recuperação de cidades históricas, como o Programa das Cidades Históricas, desenvolvido
na década de 1980, e, 20 anos depois, o Monumenta. Focalizam-se também as iniciativas dos governos
estaduais e municipais, tomando como exemplo ações desenvolvidas nas cidades de São Luís, Salvador,
Rio de Janeiro, Curitiba e Lapa. Encerra-se a segunda parte do livro apresentando dois exemplos de
requalificação urbana da orla marítima: o projeto do parque do Flamengo e o Projeto Porto Maravilha.

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Na terceira e última parte do livro, aborda-se a reutilização como instrumento de preservação dos bens
arquitetônicos. O bem imóvel enfocado é aquele construído artesanalmente, ou seja, o que se poderia
classificar como exemplar da antiguidade edilícia brasileira reconhecida como patrimônio cultural.
O problema da renovação do uso do patrimônio edificado no Brasil é analisado segundo as vocações
pertinentes a cada família arquitetônica. Inicia-se pela arquitetura oficial, compreendendo a militar, representada
pelas fortificações, e a administrativa, que abrange palácios e casas de câmara e cadeia. Segue-se com a
análise da arquitetura civil, que envolve a residencial urbana, a rural, a industrial e a de armazenamento e
transporte. Finalmente, aborda-se a arquitetura religiosa. Para exemplificação, são apresentados projetos e
obras de restauração executados no Nordeste, no Sudeste e no Sul do Brasil. A importância da relação
afetiva dos fiéis com o espaço religioso encerra o último capítulo.
Nas considerações finais, apresentam-se reflexões acerca da formação do arquiteto de patrimônio, da ação
compartilhada dos diversos agentes de preservação e das experiências integradas de reabilitação urbana
com revitalização e de conservação/restauração de monumentos com reutilização e reabilitação. São
estabelecidos critérios para a conciliação da restauração física com a reutilização, com base na concepção
de que o patrimônio construído só é de fato preservado quando plenamente utilizado. Por fim, propõem-
se algumas diretrizes para a adaptação dos monumentos a novos usos.

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Referências e fontes

O embasamento deste livro é a tese de doutorado que desenvolvi em 2005 na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, sob a orientação da professora doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Intitulada
Casa vazia, ruína anuncia: a questão do uso na preservação de monumentos, a premissa da tese é a constatação de que a
utilização do monumento arquitetônico foi frequentemente relegada a segundo plano ao longo da história
da restauração do patrimônio edificado.
Foi de grande valia na realização deste livro o que aprendi em quase meio século de experiência em
projetos e obras no campo da preservação do patrimônio. Tive a oportunidade de contar no início com
dois grandes mestres, os arquitetos Augusto Carlos da Silva Telles e Luís Saia, ambos já falecidos, e, ao
longo de minha trajetória, com os companheiros de trabalho, a maioria pertencente ao quadro técnico do
Iphan. Entre esses, quero ressaltar José La Pastina, leitor paciente e, sobretudo, crítico, pela contribuição
que deu ao que escrevi por meio de observações e correções sempre pertinentes.
Na fase de edição, registro meus agradecimentos ao apoio recebido de Ana Lúcia Lucena e Cristiane
Dias, por meio de uma troca intensa de mensagens eletrônicas.
Finalmente agradeço a Sylvia Braga a oportunidade de juntar estes escritos às obras de valor cuja edição
coordenou no Iphan.

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São Miguel das Missões,


Rio Grande do Sul.

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Parte I
A reutilização como instrumento
de preservação

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Capítulo 1

A preservação da obra de
arquitetura

Arquitetura: forma e função

As ruínas têm, geralmente, história semelhante: foram edifícios que, em algum momento, ficaram ociosos.
Ao perder sua função, entraram em processo de decadência física até quase desaparecer. Reduzidas a pedaços,
tornaram-se testemunhos materiais de arquiteturas mortas e não mais restauráveis. Grande parte dos edifícios
centenários que chegaram até nossos dias, por sua vez, deve sua longevidade à conservação e à manutenção
asseguradas pelo uso contínuo.
O aspecto atual de um edifício antigo, entretanto, não corresponde necessariamente ao original. Esse aspecto
é, em geral, o resultado de adaptações realizadas ao longo do tempo para que o edifício continuasse a servir.
Antes de a noção de valor histórico ser incorporada à construção das nacionalidades, as modificações eram feitas
exclusivamente em nome da reutilização do edifício, acarretando, frequentemente, perdas irreversíveis.
A agregação de valor cultural ao edifício antigo, promovendo-o a monumento,1 remonta ao início do
século XV, quando se registraram, em Roma, as primeiras ações em defesa das construções de épocas passadas.

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Essas ações eram protestos contra o que chamaríamos hoje de canibalismo de Coliseu, em Roma, Itália, 1976.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.
edificações arruinadas, representado pela retirada de materiais nobres para
reaproveitamento em outras construções ou mesmo para transformação em cal.2
Do Coliseu, por exemplo, o mais imponente dos monumentos romanos,
durante séculos foram extraídas toneladas de mármore travertino para
reutilização. Esse canibalismo teria sido interrompido no fim do século XVI,
durante o pontificado de Sisto V, caso se concretizasse a ideia de transformação
do Coliseu em um complexo industrial e habitacional.3
O projeto de Sisto V era adaptar o monumento para nele instalar uma
tecelagem de lã conjugada a habitações para os operários. Isso não se realizou e
a dilapidação prosseguiu por mais dois séculos, até o pontificado de Bento XIV,
quando o local foi consagrado à memória dos mártires cristãos. Foi salvo por
lhe reconhecerem um sentido, uma nova função, a de rememoração:

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Il più imponente dei monumenti romani, il Colosseo, che aveva fornito da secoli
material da construzione per le più importante fabbriche dela cità, fu il primo edifício
a richiedere opere di consolidamento di rilevanti impegno data la straordinaria
grandeza delle sue architecttura e le condizioni di pericolosità in cui si trovavano
i grandi blocchi di travertino dal giorno in cui Benedetto XIV (1740-1758),
consacrandolo ai Martiri Cristiani, ne aveva fato cessare l’asportazione.4

O caso do Coliseu revela a importância da função simbólica. Demonstra,


também, que a definição da função deve anteceder a intervenção no monumento,
pois se delineia no momento inicial de reconhecimento do seu valor. A
Antigo Teatro de Marcelo, 1976. No
campo superior da imagem, veem-se as identificação e a compreensão da função original do edifício contribuem para
casas acrescentadas na Idade Média. Foto o reconhecimento da obra como monumento histórico, ou melhor, contribuem
de Cyro Corrêa Lyra.
para sua consagração.5
Muitas edificações que se tornaram ociosas não foram dilapidadas nem
demolidas, mas reaproveitadas para outros usos, ou seja, adaptadas para
atendimento de novas necessidades. Adquiriram valor de contemporaneidade
(Gegenwartswerte), ou seja, foram dotadas da “capacidade de satisfazer aquelas
necessidades que às novas criações modernas poderia satisfazer de maneira
similar (quando não melhor)”.6 No valor de contemporaneidade subtende-
se, portanto, um “valor terreno de uso, relativo às condições materiais de
utilização prática dos monumentos [...]”.7
Em Roma, entremeados com as ruínas, alguns edifícios sobreviveram por te-
rem sido adaptados a usos diversos daqueles para os quais foram concebidos. São
exemplos notáveis o antigo tepidarium das Termas de Diocleciano, que foi converti-
do em templo cristão,8 o teatro de Marcelo, transformado em habitação coletiva,
e o mausoléu de Cecília Metela, situado na Via Ápia, adaptado a torre de defesa.
Na primeira metade do século XIX, enquanto os arqueólogos debruçavam-se
sobre os remanescentes da Antiguidade, os arquitetos restauradores franceses
concentraram seus esforços na recuperação de palácios e igrejas mutilados no
período pós-revolucionário. Nesse afã de restaurar, o foco da atenção ficou re-
duzido ao monumento como matéria dissociada de sua função. A reutilização
dos edifícios e suas implicações não eram discutidas, consolidando-se então
e nas gerações seguintes um olhar preconceituoso em relação às adaptações.
Como assinala Françoise Choay, seus contemporâneos criticavam determinadas
reciclagens de uso e tinham maior propensão que os ingleses à museificação dos
monumentos históricos.9

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A dificuldade em aceitar a reutilização dos monumentos estaria na origem Mausoléu de Cecília Metela, na Via
Ápia, em Roma, Itália, 1976. No alto
da formação do pensamento preservacionista francês, haja vista a observação do
da parede, veem-se as ameias construídas
primeiro inspetor-geral dos monumentos históricos da França, Ludovic Vitet na Idade Média, quando a edificação foi
(1802-1873), ao lamentar o fato de as catedrais continuarem a servir ao culto:
10 transformada em torre de defesa. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.
“O uso é uma espécie de vandalismo lento, insensível, despercebido, que arruína
e deteriora quase tanto quanto a brutal devastação”.11
O protesto de Vitet pode ser explicado como uma reação ao vandalismo
que grassou em seu país nas primeiras décadas do século XIX. Com razão,
ele se escandalizou com adaptações abusivas como a realizada na torre em
que Joana D’Arc foi mantida prisioneira pelos ingleses. Reciclada para uso
como restaurante com pista de dança, a torre ainda recebeu um teto de pombal,12
adicionado pelo proprietário. O inspetor também fez notar que o vandalismo
não era exclusividade dos proprietários particulares, mas também uma prática
das administrações públicas.13

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A repulsa à reutilização do monumento pode ser debitada, além disso, ao fato de Vitet não ser arquiteto,
mas um estudioso de arte, apaixonado pela arqueologia. As ruínas, não os monumentos vivos, eram sua
paixão, conforme demonstrou ao comparar seus sentimentos aos de seu sucessor no cargo de inspetor-geral
dos monumentos históricos da França:14 “Mérimée admire les beaux monuments, mais il n’a jamais senti ses
yeux se mouiller à l’aspect de leurs ruines”.15
Não era ele o único a se emocionar diante das ruínas. Do mesmo sentimento comungavam românticos
como John Ruskin, que foi enlevado pelo “sublime de los estragos y de las rupturas, en el sublime de
la pátina y de la vegetación que asemeja la arquitectura a las obras de la Naturaleza y dan el color y las
formas que universalmente apetece la vista del hombre”.16
Esse sentimento levou Ruskin a condenar a restauração sem fazer distinção entre a ruína, isto é, a
arquitetura morta, e o monumento arruinado, ou seja, a arquitetura doente, mas passível de ser recuperada.
Não por acaso, Vitet e a maioria dos que se envolviam naquele momento com a questão da preservação17
de monumentos estavam fascinados pelas descobertas da arqueologia e, em decorrência disso, influenciados
pela visão do arqueólogo, de acordo com a qual uma restauração alterava objetos que constituíam preciosas
fontes de informação. A preocupação do arqueólogo com a permanência inalterada das ruínas estendia-se
aos edifícios arruinados, o que gerava uma postura sacralizadora do monumento e, consequentemente, a
defesa de sua intocabilidade.
Entretanto, a real necessidade de recuperar monumentos, principalmente aqueles de caráter religioso,
danificados pela onda de anticlericalismo que sucedeu a Revolução Francesa, resultou em um período de in-
tensos trabalhos de restauração que revelariam a importância de sua reutilização para uma efetiva preservação.
Ao assumir a Inspetoria-Geral dos Monumentos, Mérimée buscou a assessoria do arquiteto Eugène
Viollet-le-Duc, encontrando nele um conselheiro, um guia indispensável.18 A questão da restauração
de monumentos que deveriam voltar a servir mostrou-lhe a importância da utilização para a efetiva
preservação da obra arquitetônica. Foi com base em sua experiência, provavelmente, que Viollet-le-Duc,
ao escrever seu Dictionaire Raisonné de l’Architecture, incluiu no verbete “Restauração” observações sobre a
importância do uso do monumento que, até então, não tinham sido registradas e revelou a existência de
uma postura diametralmente oposta – a do arqueólogo teórico –, que postulava a inalterabilidade da obra:

Uma vez que todos os edifícios que se restauram têm uma utilização, são destinados para um serviço, não se pode
negligenciar este aspecto de utilidade, para fechar-se inteiramente no papel do restaurador de antigas disposições fora
de uso. Saído das mãos do arquiteto, o edifício não deve ser menos cômodo do que antes da restauração. Muito
frequentemente, os arqueólogos teóricos não levam em conta estas necessidades e reprovam duramente o arquiteto
por ter cedido às necessidades presentes, como se o monumento que lhe foi confiado fosse coisa sua, como se ele não
devesse cumprir os programas que lhe foram impostos.19

Convém ressaltar que a ausência de utilização figura entre as causas da decadência de uma edificação,
pois a permanência em ociosidade por muito tempo pode ter consequências danosas, como a degradação
física dos materiais. Nas palavras da engenheira e restauradora estrutural Silvia Puccioni:

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Em muitos casos, edificações, especialmente as antigas, permanecem por longo tempo fechadas, inabitadas e, portanto,
sem uma ventilação sistemática. A falta de aeração, daí decorrente, dos ambientes, necessária para a redução do
nível de umidade interna, facilita em muito a degradação dos edifícios, abrindo caminho para a infestação de insetos
e colônias biodegradadoras, além de provocar a desagregação dos materiais de construção.20

O cumprimento de uma função utilitária faz parte da natureza do objeto arquitetônico. Essa
particularidade é uma das características que distinguem a arquitetura das artes plásticas, como observou
Giulio Carlo Argan:21

É preciso que se pare de considerar a arquitetura como uma das “belas-artes” e se reconheça que é a primeira das
técnicas urbanas, à qual, portanto, cabe toda a responsabilidade da gestão da cidade e de suas transformações.22

Outros estudiosos, como Roger Scruton, abordaram a singularidade da arquitetura em relação às


demais artes. Para Scruton, os elementos que distinguem a arquitetura das outras artes são a utilidade ou
função, a identificação com o local em que a obra se encontra ou com o meio ambiente, a técnica, o caráter
de objeto público e, finalmente, como traço mais importante, sua condição de arte vernácula.23
Em 1957, Luís Saia24 registrou o equívoco dos críticos ao não estabelecer com clareza a especificidade
da arquitetura no âmbito das belas-artes:

Como o mito é da essência do fenômeno artístico da arquitetura e também o é da pintura, escultura e demais
belas-artes, poderia parecer, como em geral parece aos que fazem crítica da arquitetura, que a estrutura interna
do fenômeno arquitetônico é equiparável à das outras belas-artes. Tal, entretanto, não acontece, pois a natureza
específica daquele leva a uma ordem de compromissos desconhecidos pelo exercício lúdico das outras artes. A
gratuidade pura que pode existir na música, na pintura, na literatura e na poesia é totalmente estranha ao campo
da arquitetura. Na verdade, a arquitetura também pode ser objeto de pura contemplação gratuita, mas nesse caso
particular encontra-se totalmente destituída de um atributo essencial: a sua natureza necessariamente funcional.25

Não se pode deixar de observar que, desde a Antiguidade, ressaltou-se a funcionalidade como
característica diferenciadora da obra arquitetônica. Para Vitrúvio,26 “a arquitetura é composta de:
ordenamento, disposição, eurritmia, proporção, conveniência e distribuição”. Já no Renascimento, Leone
Battista Alberti27 sintetizou as qualidades da arquitetura na tríade firmitas, commoditas et voluptas,28 mais tarde
alterada para utilitas, firmitas et venustas.29 Essa última definição – utilidade, estabilidade e beleza – revela o
processo de geração da obra arquitetônica: a função como motivação, a construção como viabilizadora do
motivo gerador da obra e, finalmente, a conclusão como resultado estético.
No Modernismo, a tríade foi simplificada e substituída pelo binário forma e função, adotando-se na
arquitetura a bandeira do funcionalismo e o slogan “a forma segue a função”. Os estudiosos desse período
da história da arquitetura interpretam o binário do ponto de vista da técnica construtiva, mas entendemos

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que se deva estender seu significado, traduzindo a palavra função como “utilização”.30 É oportuno lembrar
a definição de arquitetura apresentada por Lucio Costa:31

Arquitetura é construção concebida com uma determinada intenção plástica, em função de uma determinada época, de
um determinado meio, de um determinado material, de uma determinada técnica e de um determinado programa.32

Reutilização nas Cartas patrimoniais

Em momentos diversos, em diferentes cidades e sob o patrocínio de entidades governamentais ou


não, foram realizados encontros, seminários e congressos nos quais se discutiu o tema da preservação
do patrimônio cultural. Os documentos finais desses eventos, as chamadas Cartas patrimoniais, refletem as
preocupações e os conceitos vigentes no momento em que foram elaboradas; por isso, são importantes
para a compreensão do modo como a questão da reutilização do patrimônio edificado vem sendo tratada
internacionalmente. A seguir, vamos examinar as principais delas.

Carta de Atenas
Em outubro de 1931, foi divulgada a Carta de Atenas, documento resultante da reunião do Escritório
Internacional dos Museus, realizada na capital da Grécia sob o patrocínio da Sociedade das Nações.33 Na
primeira parte das “Conclusões gerais” da Carta, relativa às doutrinas e princípios gerais da proteção dos
monumentos,34 há uma referência ao uso dos monumentos:

A conferência recomenda que se mantenha uma utilização dos monumentos que assegure a continuidade de sua
vida, destinando-os sempre a finalidades que respeitem o seu caráter histórico ou artístico.35

Dois anos depois, também em Atenas, a questão do uso dos monumentos foi abordada no Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam),36 mas o assunto não foi mencionado no capítulo sobre
o patrimônio histórico das cidades, nas resoluções desse congresso, consolidadas sob a denominação
homônima de Carta de Atenas.37
A maioria dos arquitetos que participaram do Ciam de Atenas era europeia. Defensores da renovação
da arquitetura e do urbanismo, esses arquitetos tinham como objetivo a divulgação de um ideário funcio-
nalista que só se aplicasse a áreas de expansão das cidades existentes ou à construção de novas. Para eles, o
patrimônio a ser preservado era a obra excepcional, a catedral e o palácio. Na carta não são mencionados
o reaproveitamento e a adaptação do entorno dessas obras, constituído na maioria dos casos de um casario
medieval, geralmente degradado e insalubre, mas admite, “em certos casos, embora considere lamentável,
a demolição de casas insalubres e de cortiços ao redor de algum monumento”, aproveitando-se a situação
para a “introdução de superfícies verdes”.38

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Carta de Veneza
Passados 30 anos, o assunto da utilização foi abordado na Carta Internacional sobre Conservação e Restauração
de Monumentos e Sítios, ou Carta de Veneza,39 aprovada no 2o Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos
de Monumentos Históricos. No capítulo desse documento referente à “Conservação”, lê-se:

Art. 5o A conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade;
tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É
somente dentro destes limites que se devem conceber e se podem autorizar as modificações exigidas pela evolução
dos usos e costumes.40

Tem-se a impressão de haver dois equívocos nesse artigo. O primeiro é o de admitir apenas uma
destinação: aquela que traz benefícios à sociedade. O texto, porém, não esclarece o que é a função útil
à sociedade e, consequentemente, quais seriam as funções inúteis. O uso privado do monumento seria
entendido como uma função útil à sociedade? Observe-se que na maior parte do mundo ocidental os
monumentos, em geral, são bens privados e, como tais, de uso exclusivo de seus proprietários, o que não
significa que sejam mal conservados. Se fossem abertos à visitação pública, poderiam ser mais úteis à
sociedade, mas isso não resultaria necessariamente em melhor conservação.
O uso não é uma concessão, mas uma necessidade fundamental para a conservação, e, como a realidade
tem mostrado, mesmo quando inadequado, pode ser melhor que a ausência de utilização.41
O segundo equívoco é o de permitir as “modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes”
desde que não alterem “a disposição ou a decoração dos edifícios”. O artigo dá a entender, assim, que
os monumentos devem permanecer inalterados. Entretanto, a renovação de uso requer adaptações para
atender a uma função diversa da original. As adaptações significam modificações. A questão está em alterar
o mínimo, com a preocupação de manter a leitura dos valores principais do monumento.
Pode-se inferir desse documento, reconhecido como a Carta de princípios dos arquitetos restaura-
dores, que a preservação do monumento depende de sua imobilização no tempo. Sua fruição seria
apenas contemplativa e as adaptações necessárias a sua utilização se limitariam a concessões, excep-
cionalmente admissíveis.
Na origem desse cerceamento está a ideia de que conservação e a utilização são atos dissociados,
ou seja, a arquitetura é tratada, em princípio, como um objeto inanimado. Há uma transferência para a
arquitetura de conceitos aplicados às formas de artes visuais, cuja existência se perpetua sem alterações,
independentemente das transformações da vida humana.
A reabilitação não consta da Carta de Veneza, mas foi tema do oitavo documento produzido no Congresso,
uma moção referente à conservação e à reabilitação dos centros históricos. Essa moção resultou de uma
tendência geral de substituir a demolição cega e a reconstrução aleatória das cidades históricas por uma
política de conservação e reabilitação.42

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Normas de Quito
Três anos depois da divulgação da Carta de Veneza, o tema da conservação e da utilização de monumentos
e sítios de interesse histórico e artístico foi tratado na reunião realizada nos meses de novembro e dezembro
de 1967 em Quito, Equador, sob o patrocínio da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A reunião teve como foco a questão da convivência entre o passado e o presente. Objetivou-se o diálogo
entre o antigo e o moderno e entre a cultura e a economia, em uma perspectiva de desenvolvimento e
progresso das sociedades.
Resultaram desse conclave as Normas de Quito, extenso documento no qual se enfatiza a função social do
monumento, situando-o em um contexto urbano e em um ambiente natural. Nele se propõe a valorização
econômica do patrimônio e se reconhece a importância da indústria do turismo para essa valorização.
Além disso, recomenda-se o planejamento integrado dos interesses e das iniciativas de caráter cultural e
econômico-turístico.
Essas indicações têm como pressupostos o conceito do valor econômico do patrimônio cultural e a
perspectiva de sua recuperação com base no desenvolvimento econômico-social. Tais pressupostos são
enunciados na “Introdução” do documento e explicitados na parte V, “A valorização econômica dos
monumentos”.
O tema da utilização é abordado na parte VI, relativa à valorização do patrimônio cultural, da qual é
transcrito, a seguir, o item 4:

4. Em síntese, a valorização do patrimônio monumental e artístico implica uma ação sistemática, eminentemente
técnica, dirigida no sentido de utilizar todos e cada um desses bens conforme a sua natureza, destacando e exaltando
suas características e méritos, até colocá-los em condições de cumprir plenamente a nova função a que estão destinados.43

A natureza dessa nova função não está esclarecida, mas no documento é feita especial menção ao papel
do turismo como instrumento de desenvolvimento e a sua contribuição para salvaguardar grande parte
do patrimônio cultural da Europa. Na parte IX do documento, “Os instrumentos da valorização”, lê-se:

A adequada utilização dos monumentos de principal interesse histórico e artístico implica primeiramente a
coordenação de iniciativas e esforços de caráter cultural e econômico-turístico. Na medida em que esses interesses
coincidentes se unam e se identifiquem, os resultados perseguidos serão mais satisfatórios.44

Considerando-se que se tratou de uma reunião dedicada à conservação e à utilização de monumentos, o


tema foi pouco esmiuçado, não se chegando a explicar o que se entendia por adequada utilização. Tudo indica
que a reunião voltou-se para as questões relativas ao planejamento econômico e social, evitando detalhes
acerca dos monumentos. Isso fica claro nas “Recomendações (em nível interamericano)”, que principiam
por reiterar a conveniência da adoção, pelos países da América, da Carta de Veneza como norma mundial em
matéria de preservação de sítios e monumentos históricos e artísticos.

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Carta do Restauro
Em abril de 1972, o governo italiano, por meio de seu Ministério da Instrução Pública, divulgou a
Carta do Restauro, um conjunto de normas e instruções específicas para intervenções de restauração em
qualquer obra de arte, inclusive conjuntos de edifícios de interesse monumental, histórico ou ambiental,
particularmente os centros históricos.
A questão dos novos usos foi abordada nessa carta. Embora voltado para as condições específicas da
Itália, esse documento reúne uma série de recomendações de aplicação universal, como se percebe no
seguinte trecho do Anexo B (“Instruções para os critérios das restaurações arquitetônicas”):

Sempre com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos monumentos, vem-se considerando detidamente a possibilidade
de novas utilizações para os edifícios monumentais antigos, quando não resultarem incompatíveis com os interesses
histórico-artísticos. As obras de adaptação deverão ser limitadas ao mínimo, conservando escrupulosamente as
formas externas e evitando alterações sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da
sequência dos espaços internos.45

Essa formulação revela uma compreensão maior da necessidade de alterações para novos usos das
edificações. Mantém-se a conservação do aspecto exterior, mas as alterações internas são aceitas desde que
não modifiquem a tipologia, a estrutura e a sequência espacial.
No Anexo D (“Instruções para a tutela dos centros históricos”) do mesmo documento, contempla-se
a reciclagem para novos usos. Ela é incluída entre os principais tipos de intervenção em edifícios, nos
seguintes termos:

Renovação funcional dos elementos internos, que se há de permitir somente nos casos em que resultar indispensável
para efeitos de manutenção em uso do edifício. Nesse tipo de intervenção é de fundamental importância o respeito
às peculiaridades tipológicas e construtivas dos edifícios, proibidas quaisquer intervenções que alterem suas
características, como o vazado da estrutura ou a introdução de funções que deformem excessivamente o equilíbrio
tipológico-estrutural do edifício.46

Resolução de São Domingos


Alguns meses depois da promulgação da Carta de Restauro, realizou-se em Paris, na França, a 17a sessão
da Conferência Geral da Unesco para a Proteção do Patrimônio Mundial, ocasião em que se reafirmou
a necessidade de uma “política geral que vise dar ao patrimônio cultural e natural uma função na vida da
coletividade e a integrar a proteção desse patrimônio nos programas de planejamento geral”.47
Essa preocupação com a integração do patrimônio à sociedade esteve presente também no 1o
Seminário Interamericano sobre Experiências na Conservação e Restauração do Patrimônio Monumental

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dos Períodos Colonial e Republicano, realizado em dezembro de 1974, em São Domingos, República
Dominicana, sob o patrocínio da OEA e do governo dominicano.
Desse seminário resultou a Resolução de São Domingos, na qual se salienta a importância de articulação
dos processos de salvaguarda dos centros históricos com as políticas de habitação e planejamento. Especial
ênfase é dada à função, ao destino e à manutenção do patrimônio, considerando nesse sentido o papel
importante do turismo.
A destinação de uso e a via do turismo são abordadas nos itens 6 e 7 do capítulo dessa resolução
referente às “Propostas operativas”:

6. Os projetos de preservação monumental devem fazer parte de um programa integral de valorização, que defina
não apenas a sua função monumental, como também o seu destino e manutenção, e leve prioritariamente em conta
a melhoria socioeconômica de seus habitantes.

7. Sendo o turismo um meio de preservação dos monumentos, os planos de desenvolvimento turístico devem
constituir uma via mediante a qual, com a utilização de alto nível técnico, se atinjam objetivos importantes na
proteção e preservação do patrimônio cultural americano.48

Declaração de Amsterdã e Recomendação de Nairóbi


Em 1975, realizou-se na Holanda o Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu,49 do qual
resultou o documento conhecido como Declaração de Amsterdã. A questão do uso dos bens edificados é
abordada nas “Conclusões e recomendações” desse documento. Depois de alertar para a necessidade de
proteção das cidades históricas e de seu patrimônio arquitetônico, o texto dispõe: “as construções antigas
podem receber novos usos que correspondam às necessidades da vida contemporânea”.50
Um ano depois, a proteção do patrimônio dos sítios urbanos e sua integração à vida contemporânea
foram o tema da 19a sessão da Conferência Geral da Unesco, realizada no dia 26 de novembro de 1976, em
Nairóbi, a capital do Quênia. No documento que sintetiza as formulações dessa conferência, denominado
Recomendação de Nairóbi, são reafirmados o valor econômico do patrimônio e a necessidade de sua inserção
na vida contemporânea, em benefício de sua conservação e do desenvolvimento da sociedade. No item IV,
referente às “Medidas de salvaguarda”, lê-se:

A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização. Seria, portanto, essencial
manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o artesanato e criar novas que, para serem
viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional
em que se inserem. [...] Essas funções teriam que se adaptar às necessidades sociais, culturais e econômicas dos
habitantes, sem contrariar o caráter específico do conjunto em questão. Uma política de revitalização cultural

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deveria converter os conjuntos históricos em polos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial no
desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.51

As medidas propostas são direcionadas aos conjuntos urbanos de valor cultural e aos centros históricos.
Observa-se que elas conjugam a proteção (medidas legais de acautelamento, como o tombamento) e a
restauração (intervenção física de recuperação dos edifícios) com a revitalização, traduzida por medidas
legais e administrativas que promovam uma destinação de uso que revitalize essas áreas, conservando,
porém, os usos tradicionais, como o comércio e o artesanato. Nota-se que a habitação, a função que mais
contribui para a vitalidade de uma área urbana, não é mencionada.
Nesse documento, há preferência pelo estímulo à manutenção dos usos comerciais que promovam
o artesanato e pela inserção de novas funções por meio da conversão dos sítios históricos em polos
culturais, o que permite subentender a intenção de adaptar os monumentos para usos afins, como museus,
bibliotecas, galerias de arte e locais de exposição.

Carta de Machu Picchu


Em dezembro de 1977, em Machu Picchu, Peru, foi realizado um encontro internacional de arquitetos
no qual se reviu a Carta de Atenas, elaborada em 1933 pelo Ciam. Nesse encontro, além de assuntos como
integração da cidade à região, crescimento urbano, habitação, transporte, uso do solo e recursos naturais,
discutiu-se o tema patrimônio. As resoluções pertinentes foram reunidas na Carta de Machu Picchu, na qual
se lê, no item “Preservação e defesa dos valores culturais e patrimônio histórico monumental”:

A identidade e o caráter de uma cidade são dados não só por sua estrutura física, mas, também, por
suas características sociológicas. Por isso é necessário que não só se preserve e conserve o patrimônio
histórico monumental, como também que se assuma a defesa do patrimônio cultural, conservando
os valores que são de fundamental importância para afirmar a personalidade comunal ou nacional
e/ou aqueles que têm um autêntico significado para a cultura em geral.

Por isso mesmo, é imprescindível que, na tarefa de conservação, restauração52 e reciclagem das zonas monumentais
e dos monumentos históricos e arquitetônicos, considere-se a sua integração ao processo vivo do desenvolvimento
urbano como único meio que possibilite o financiamento da operação.

No processo de reciclagem dessas zonas, deve ser considerada a possibilidade de se construírem edifícios de arquitetura
contemporânea da melhor qualidade.53

Pode-se observar, no primeiro parágrafo do texto citado, a ênfase na preservação de valores culturais
que não são de ordem física, refletindo uma crítica à visão centrada exclusivamente no componente ma-
terial do patrimônio. Ainda nesse parágrafo, ressalta-se que a viabilidade da preservação do patrimônio
depende de sua integração ao contexto da cidade.

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No terceiro parágrafo é reconhecida a validade de inserção de edifícios de arquitetura contemporânea,


desde que de valor, no âmago dos conjuntos históricos. Esse tema da convivência do antigo com o
contemporâneo não estava explicitado na Carta de Atenas, que se limitava a condenar o “emprego de estilos
do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas erigidas nas zonas históricas”.54

Carta de Burra
Outro documento internacional que faz referência à renovação de uso é a Carta de Burra, resultante do
congresso organizado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos)55 e realizado em
1980, na cidade de Burra, Austrália.
A carta contém definições, conceitos e procedimentos relativos ao campo do patrimônio cultural
edificado. Merecem referência as definições de conservação, restauração, adaptação e uso compatível:

- o termo conservação designará os cuidados a serem dispensados a um bem para preservar-lhe as características
que apresentem uma significação cultural. De acordo com as circunstâncias, a conservação implicará ou não a
preservação ou a restauração, além da manutenção; [...]

- restauração será o restabelecimento, com o máximo de exatidão, de um estado anterior conhecido;

- a adaptação será o agenciamento de um bem a uma nova destinação, sem a destruição de sua significação cultural;

- a expressão uso compatível designará uma utilização que não implique mudança na significação cultural da
substância, modificações que sejam substancialmente reversíveis ou que requeiram um impacto mínimo.56

Note-se que, de acordo com o texto, a intervenção poderá ser uma restauração ou uma estabilização, e
a destinação de uso ficará condicionada à opção que for adotada.57
Sobre o conceito de adaptação, encontram-se os seguintes artigos na carta:

Art. 20. A adaptação só pode ser tolerada na medida em que represente o único meio de conservar o bem e não
acarrete prejuízo sério a sua significação cultural.

Art. 21. As obras de adaptação devem limitar-se ao mínimo indispensável à destinação do bem a uma utilização
definida de acordo com os termos dos artigos 6 e 7.

Art. 22. Os elementos dotados de uma significação cultural, que não se possa evitar desmontar durante os
trabalhos de adaptação, deverão ser conservados em lugar seguro.58

Como se pode observar, há na Carta de Burra, em relação aos documentos anteriores, uma atenção maior
à questão da definição de uso. A adaptação fica condicionada à preservação do significado cultural do
bem, e a compatibilidade do novo uso com o monumento é conceituada com base nas consequências das
alterações. Há compatibilidade, conforme a carta, em três casos:

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1. Nada é alterado.
2. As alterações são reversíveis.
3. As alterações têm mínimas consequências sobre a essência do monumento, ou seja, sobre aquilo que
constitui a razão pela qual se reconhece nele um valor cultural.

Carta de Washington
A mudança de função dos sítios urbanos de valor histórico é tratada também na Carta Internacional para
a Salvaguarda das Cidades Históricas, ou Carta de Washington, documento final do 8o Colóquio Internacional do
Icomos, realizado em 1987 na capital estadunidense. No item 8 do capítulo desse documento referente a
“Métodos e instrumentos”, lê-se:

8. As novas funções devem ser compatíveis com o caráter, a vocação e a estrutura das cidades históricas. A
adaptação da cidade histórica à vida contemporânea requer cuidadosamente instalações das redes de infraestrutura
e equipamentos dos serviços públicos.59

Novamente o assunto da compatibilidade é abordado e os parâmetros são caráter, vocação e estrutura.


Entende-se que caráter diz respeito à expressão cultural própria do local, a qual lhe dá identidade. Vocação
seria o conjunto de alternativas de revitalização que preservam e reforçam o caráter do local. Finalmente,
estrutura seria o conjunto de características morfológicas locais, como o traçado viário, a organização
espacial, a distribuição formal de implantação edilícia, o relacionamento com a natureza, etc. Está
subentendido que a intervenção nas cidades históricas deve respeitar esses três aspectos para que as novas
funções contribuam para a preservação do patrimônio edificado.

Carta de Petrópolis
No ano seguinte ao do Congresso de Washington, o Comitê Brasileiro do Icomos organizou em
Petrópolis, no Rio de Janeiro, o 1o Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros
Históricos. O documento resultante desse seminário, a Carta de Petrópolis, aborda, no item 5, a destinação
de uso das edificações do sítio histórico urbano (SHU):

5. Sendo a polifuncionalidade uma característica do SHU, a sua preservação não deve dar-se à custa de
exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de
trabalho e do cotidiano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural.
Guardando essa heterogeneidade, deve a moradia constituir-se na função primordial do espaço edificado, haja vista
a flagrante carência habitacional brasileira. Desta forma, especial atenção deve ser dada à permanência no SHU
das populações compatíveis com a sua ambiência.60

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O reconhecimento de uma multiplicidade de funções dos centros históricos decorre da crítica à


setorização da cidade preconizada pelo urbanismo modernista e divulgada mundialmente, em 1933, por
meio da Carta de Atenas.61 Assim como a cidade, o sítio histórico urbano, parte integrante dela, também é
multifuncional.
A carta exclui, portanto, a possibilidade de determinação de apenas uma função e enfatiza a importância
da habitação, propondo uma política de manutenção da população residente. Há, no documento, uma
condenação implícita da conversão dos centros históricos em áreas comerciais voltadas para o turismo e da
saída da população tradicional, como estava acontecendo na cidade de Paraty, no estado do Rio de Janeiro.
Ao defender a função habitacional como a mais importante, o documento corrige também a Recomendação
de Nairóbi, que propõe uma política de conversão dos conjuntos históricos em polos de atividades culturais
sem registrar o fato de que o cumprimento de uma função cultural pressupõe uma vitalidade cultural que
só ocorre com a presença da população tradicional local.

Conferência de Nara e Carta de Brasília


A definição de critérios para a inclusão de bens na lista do Patrimônio Mundial foi o objetivo de uma
conferência realizada em novembro de 1994, na cidade de Nara, no Japão, sob o patrocínio da Unesco,
do Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração de Bens Culturais (ICCROM)
e do Icomos. Entre os critérios registrados no documento resultante da Conferência de Nara, está o da
autenticidade do bem.
Esse critério seria objeto de discussão na reunião ocorrida um ano depois, em Brasília, cujas deliberações
compuseram o Documento Regional do Cone Sul sobre Autenticidade, batizado de Carta de Brasília. Nesse documento,
analisa-se o patrimônio com base no estabelecimento de relações entre autenticidade e outros valores, como
identidade, mensagem, contexto e materialidade. Ao tratar da relação entre autenticidade e mensagem,
salienta-se a importância do significado de bem cultural, postulando-se que a conservação abarque essa
dimensão intangível – sua mensagem –, e não apenas seu suporte material.
A renovação de uso dos edifícios de valor cultural é assim analisada no item da carta referente à
“Conservação da autenticidade”:

A adoção de novos usos para aqueles edifícios de valor cultural é factível sempre que exista reconhecimento
apriorístico do edifício e diagnóstico preciso de quais as intervenções que ele aceita e suporta. Em todos os casos, é
fundamental a qualidade da intervenção, e que os novos elementos a serem introduzidos sejam de caráter reversível
e se harmonizem com o conjunto.62

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Observe-se que novos usos são admitidos, mas condicionados à elaboração prévia de um diagnóstico das
alternativas compatíveis com o edifício. De acordo com o documento, a definição do tipo de intervenção
depende do que o edifício “aceita e suporta”. “Aceitar”, nesse caso, consistiria em atender à vocação do
monumento e “suportar” significaria estar no limite de adaptabilidade aceitável.
Definida a opção adequada ao edifício, três critérios são estabelecidos para a adoção do novo uso:
1. Qualidade de intervenção, isto é, esta deve ter valor arquitetônico ou ser capaz de agregar valores
ao bem (trata-se de um critério que não tinha sido estabelecido).
2. Reversibilidade, ou seja, a possibilidade de desfazer a intervenção e restabelecer a situação
preexistente.
3. Harmonização com o conjunto, isto é, a intervenção não deve alterar a leitura e a fruição
do todo.

Declaração de Sofia
Os novos usos de bens edificados foram contemplados também nas resoluções da 11a Assembleia
Geral do Icomos, realizada em outubro de 1996, na cidade de Sofia, na Bulgária. Entre essas resoluções,
consubstanciadas no documento denominado Declaração de Sofia, incluem-se referências à utilização do
patrimônio para fins turísticos:

As atividades turísticas [...] não podem pretender utilizar o patrimônio assegurando apenas o respeito ao seu
significado e à sua mensagem. Para que esta fruição seja viável e válida, serão necessários sempre estudos analíticos
e inventários completos, com o objetivo de explicitar os diversos significados do patrimônio no mundo contemporâneo
e justificar as novas modalidades de uso a que se propõem.63

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Cidade do Porto, Portugal.

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Capítulo 2

Da proteção à reabilitação dos


centros históricos

Teoria e prática

Cidade antiga, cidade histórica


As principais cidades europeias sofreram grandes transformações no século XIX em decorrência da
Revolução Industrial: sua escala ampliou-se, seu parcelamento foi alterado e sua paisagem, modificada.
Essas transformações despertaram um sentimento de perda e uma reação em defesa das estruturas urbanas
tradicionais ameaçadas. Com a proclamação, pelos pioneiros do Modernismo, de um urbanismo que
propunha a implantação de uma nova organização espacial, duas correntes opostas se afirmaram: a dos que
pretendiam a destruição das estruturas antigas em prol da renovação e a dos que procuravam preservar os
testemunhos do passado. Como observa Françoise Choay, ao constituírem obstáculos ao novo urbanismo, as
formações urbanas antigas adquiriram sua identidade.1
Foi no período compreendido entre meados do século XIX e a primeira década do século XX que se
desenvolveu o conceito de cidade histórica, sendo seus principais formuladores John Ruskin (1819-1900),
Camillo Sitte (1843-1903) e Gustavo Giovannoni (1873-1947).2

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Para Ruskin, a obra de arte era objeto de contemplação, “suscitando Centro histórico de Bolonha, Itália,
1976. Sobrados de diferentes épocas foram
emoções transcendentes capazes de determinar um destaque absoluto e integrados por meio da volumetria. Foto de
reverente”. Coube a ele a primazia da defesa das estruturas urbanas antigas, ao
3 Cyro Corrêa Lyra.

se posicionar publicamente em prol da preservação de cidades europeias como


Oxford, Rouen, Gênova, Florença e Veneza. Em sua opinião, as cidades da era
pré-industrial deveriam ser intocáveis, como comenta Choay:

Elas são garantias de nossa identidade pessoal, local, nacional, humana. Ele se
recusa a compactuar com a transformação do espaço urbano que está em vias de
se realizar, não admite que ela seja uma exigência da transformação da sociedade
ocidental e que essa sociedade técnica persiga de um projeto inscrito em seu passado.4

Entre os méritos de Ruskin, além da precursora defesa da cidade histórica


ameaçada, deve-se ressaltar o reconhecimento de uma arquitetura que só muito
mais tarde seria valorizada, a vernacular, como observou José Aguiar:

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Para além da importância cultural da conservação dos grandes monumentos, que sempre destacou, Ruskin teorizou
a inclusão, no patrimônio edificado a preservar, dos conjuntos urbanos históricos, da arquitetura anônima que, ao
longo de inúmeras gerações, construiu a cidade.5

Já o austríaco Camillo Sitte, consciente de que as transformações eram inevitáveis, em decorrência,


entre outros fatores, do desenvolvimento tecnológico em curso, lamentava a perda da beleza urbana da
cidade antiga e a ausência de qualidade estética do que se produzia. O arquiteto e historiador debruçou-se
sobre a cidade do passado não para usá-la como modelo, mas para apreender “a sistemática, os princípios
e as regras motrizes que permitam sustentar a nova ‘beleza urbana’ da cidade do futuro”.6
O interesse de Sitte pela cidade antiga estava centrado na conformação dos espaços e na relação
entre cheios e vazios. Em seu estudo, de caráter morfológico, ele tinha um objetivo claro: a busca de
fundamentação para propor um urbanismo novo com qualidade estética do mesmo nível alcançado pelas
gerações passadas. Ele condenou o historicismo e o ecletismo como formas de imitação do passado, o qual
considerou uma fonte de ensinamentos para a fundamentação de uma nova estética urbana.7
Em suas reflexões, tanto Ruskin quanto Sitte valorizaram a cidade antiga: o primeiro a viu como objeto
de contemplação e o segundo, como objeto de informação. Ambos, porém, não resolveram a questão
da sobrevivência da cidade antiga. A noção de preservação começou a ser desenvolvida por Gustavo
Giovannoni, o primeiro estudioso a utilizar o termo patrimônio urbano8 e a considerar a cidade histórica
como um monumento coletivo:

Monumento que se definia pela sua estrutura, morfologia, paisagem e imagem urbanas, as quais deveriam, portanto,
ser sujeitas a leis de proteção e a critérios de restauro similares aos já existentes, à época, para os monumentos.9

Ao mesmo tempo que defendia esse patrimônio, Giovannoni propunha sua integração territorial e temporal
mediante a reapropriação dos centros históricos para o cumprimento de funções a que estavam vocacionados:

No quadro de uma concepção urbanística moderna, Giovannoni defende a utilidade dos antigos Centros Históricos
como lugares de utilização diversificada, convivial e de permanência. Lugares que se revelavam capazes de restabelecer
as funções de proximidade e de encontro, desde sempre cumpridas pela cidade antiga e para as quais os núcleos
urbanos históricos sempre estiveram vocacionados pela modicidade da sua escala, pela complexidade e riqueza
morfológica dos seus tecidos.10

A ampliação dos conceitos de monumento e centro histórico


A destruição de centros urbanos de inestimável valor durante a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945) confirmaria as teses originadas das propostas de Ruskin. Terminado o conflito, o sentimento de
perda estendeu-se do monumento consagrado ao seu entorno, da catedral à casa anônima. Dois conceitos
enunciados no final do século XIX e difundidos na primeira metade do século seguinte tornaram-se

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evidentes. O primeiro referia-se à abrangência física do monumento, definindo o bem arquitetônico como
o edifício, seu entorno e o contexto em que estava inserido. O segundo, relativo ao valor documental da
obra arquitetônica, estendia o conceito de monumento a edificações menos expressivas do ponto de vista
estético, mas significativas como documentos.
Essas duas noções consubstanciaram o primeiro artigo da Carta de Veneza, resultante do 2o Congresso
Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos, realizado em 1964, em Veneza, sob
o patrocínio da Unesco:

Art. 1o A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano
ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento
histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o
tempo, uma significação cultural.11

Além do Congresso em que se produziu a Carta de Veneza, vários seminários e reuniões para discussão
das questões patrimoniais foram organizados a partir da década de 1960, com o apoio de instituições
internacionais, como a ONU, a Unesco, o Icomos e a OEA. As resoluções e recomendações desses
encontros muitas vezes reverteram-se em legislações nacionais.
Em abril de 1972, o governo italiano, por meio de seu Ministério da Instrução Pública, divulgou a
Carta do Restauro. Na última parte do documento apresentam-se as instruções para a tutela dos centros
históricos, os quais são conceituados de forma bastante ampla:

Para efeito de identificar os centros históricos, levam-se em consideração não apenas os antigos centros urbanos,
assim tradicionalmente entendidos, como também, de um modo geral, todos os assentamentos humanos cujas
estruturas, unitárias ou fragmentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, se hajam constituído
no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico
ou por características urbanísticas arquitetônicas particulares.

Sua natureza histórica se refere ao interesse que tais assentamentos apresentarem como testemunhos de civilizações
do passado e como documentos de cultura urbana, inclusive independentemente de seu intrínseco valor artístico ou
formal, ou de seu aspecto peculiar enquanto ambiente, que podem enriquecer e ressaltar posteriormente seu valor,
já que não só a arquitetura, mas também a estrutura urbanística têm por si mesmas um significado e um valor.12

Patrimônio arquitetônico e conservação integrada


Na Declaração de Amsterdã, documento final do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu,
realizado em 1975, o conceito de patrimônio arquitetônico foi ampliado, passando a compreender “não
somente as construções isoladas de um valor excepcional e seu entorno, mas também os conjuntos, bairros
de cidades e aldeias que apresentem um interesse histórico ou cultural”.13

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No documento é enfatizada a necessidade de revalorização e reabilitação das áreas urbanas antigas,


considerando a importância da integração da população nesse processo e a função das edificações existentes.
Reconhece-se a necessidade de integração e utilização do patrimônio na vida social para garantia de sua
conservação. O risco de desaparecimento desse patrimônio e a necessidade de uma perspectiva abrangente
para sua proteção são abordados na primeira das conclusões do congresso:

Nossa sociedade poderá, brevemente, ser privada do patrimônio arquitetônico e dos sítios que formam seu quadro
tradicional de vida, caso uma nova política de proteção e conservação integradas desse patrimônio não seja posta
em ação imediatamente. O que hoje necessita de proteção são as cidades históricas, os bairros urbanos antigos e
aldeias tradicionais, aí incluídos os parques e jardins históricos. A proteção desses conjuntos arquitetônicos só pode
ser concebida dentro de uma perspectiva global, tendo em conta todos os edifícios com valor cultural, dos mais
importantes aos mais modestos, sem esquecer os da época moderna, assim como o ambiente em que se integram.
Essa proteção global completará a proteção pontual dos monumentos e sítios isolados.14

Na Declaração de Amsterdã, foi realçada a importância da preservação do patrimônio arquitetônico –


considerando-a uma das prioridades do planejamento das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial
– e estabelecido o princípio da conservação integrada. Esse princípio foi definido na Carta Europeia do
Patrimônio Arquitetônico como “o resultado da ação conjugada das técnicas da restauração e da pesquisa de
funções apropriadas”.15 Ele decorreu da constatação de que “a preservação do patrimônio arquitetônico
depende, em grande parte, de sua integração no quadro da vida dos cidadãos e de sua valorização nos
planejamentos físico-territoriais e nos planos urbanos”.16
Por meio da conservação integrada seria preservada a unidade histórica, social, urbanística e paisagística
do centro histórico, ou seja, sua identidade. Como se concluiu no Congresso do Patrimônio Arquitetônico
Europeu, para que a intervenção fosse bem-sucedida, seria preciso levar em consideração a continuidade da
realidade social e física das comunidades urbanas e rurais. O patrimônio arquitetônico deveria integrar-se
à vida social, sendo necessário que os poderes públicos interviessem de maneira tal que se estabelecessem
políticas econômicas destinadas à moradia, evitando a evasão dos habitantes.
Duas experiências italianas na linha da conservação integrada, que serão abordadas adiante, tornaram-
se referência para a história da preservação do patrimônio urbano, marcando a década de 1970: a de
Bolonha e a de Ferrara. Segundo José de Aguiar,17 observou-se, no entanto, na década seguinte, certo
enfraquecimento no processo evolutivo da preservação urbana.
Os modelos do restauro estrito, sem controle acerca da reabilitação social, resultaram no processo de
mudança social conhecido como gentrificação,18 que consiste na substituição de uma população por outra
de maior poder aquisitivo, causando a rápida expulsão dos moradores originais para a periferia. Fora de seu
antigo habitat, essa comunidade corre o risco de perder sua identidade cultural, com seus saberes e fazeres,
em razão, entre outros fatores, da nova situação econômica da região.

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Outros modelos de salvaguarda, baseados em rígido controle, inibiram quase totalmente a participação
da iniciativa privada, o que levou ao esgotamento dos recursos econômicos e à preservação de apenas uma
fatia da área.
A proposta da conservação integrada consolidou a reabilitação19 como solução para os conjuntos
urbanos antigos, contrapondo-se à linha da renovação urbana que dominou o pensamento dos gestores
das cidades na primeira metade do século XX e que norteou a demolição e a substituição de edificações
em centenas de áreas históricas no mundo todo.
Os urbanistas participantes do congresso concluíram que a reabilitação apresentava vantagens sociais,
culturais e econômicas, se comparada com a renovação: sociais, por contribuir para a conservação da
identidade pela população; culturais, por conservar os valores artísticos, arqueológicos e documentais;
econômicas, por fazer uso de um acervo construído (edificações e infraestrutura). Somava-se a isso o
reconhecimento de que a reabilitação provocava menos distúrbios sociais e atritos políticos que a renovação,
além de ser mais rápida do que a reconstrução que sucedia à demolição.20
Na década de 1970, segundo Nuno Portas,21 a reabilitação transformou-se em protagonista das
políticas urbanas:

Reabilitação entendida como uma “modernização das atividades mais ou menos centrais”, procurando atrair
para a cidade histórica determinado tipo de “contentores de atividades”, de âmbito comercial, cultural, educativo,
revitalizando funções em perda, restituindo funções econômicas, de animação e de convivialidade, tão características
dos núcleos históricos enquanto lugares de atividades plurais.22

Um ano depois do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, realizou-se em Nairóbi a 19a sessão
da Conferência Geral da Unesco. Desse conclave resultaram recomendações relativas à proteção dos conjun-
tos históricos e à necessidade de sua inserção na vida contemporânea. Na Conferência reconheceu-se a im-
portância fundamental desses dois aspectos no planejamento das áreas urbanas e no ordenamento do espaço
e estabeleceu-se uma série de medidas de salvaguarda, entre as quais a revitalização dos conjuntos históricos:

Uma política de revitalização cultural deveria converter os conjuntos históricos em polos de atividades culturais e
atribuir-lhes um papel essencial no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.23

A revitalização das pequenas localidades foi tema do 3o Colóquio Interamericano sobre a Conservação do
Patrimônio Monumental, organizado em 1982 pelo Icomos, em Tlaxcala, no México. Constatou-se nesse
encontro que comunidades de pequenos aglomerados estavam perdendo a identidade por influência de uma
cultura consumista, transmitida pelos meios de comunicação, e de um processo de migração para as cidades
grandes. Para o enfrentamento dessa situação, recomendaram-se no colóquio medidas de revitalização,
ressaltando a importância interdisciplinar no planejamento das ações, além de lembrar o “direito das
comunidades participarem das decisões que dizem respeito à conservação de seu habitat, intervindo diretamente
no processo de realização”.24

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A participação da população na preservação do seu habitat vinha sendo incluída na pauta de discussão
desde o reconhecimento do valor da arquitetura vernacular e das manifestações culturais tradicionais.
Além disso, como observou Brian Goodey, professor de Urbanismo na Universidade de Oxford, no Reino
Unido, as comunidades têm critérios de preservação muito diferentes daqueles usados pelos experts: elas
preferem o que é único ao que é típico e apreciam um lugar por seu poder de evocação.25
A fim de redigir um documento que estabelecesse conceitos e instrumentos de ação para a preservação
do patrimônio urbano, complementando a Carta de Veneza, o Icomos realizou seu 8o Colóquio Internacional,
com o tema Culturas antigas nos mundos novos. O encontro ocorreu em outubro de 1986, na cidade de
Washington. Seu documento final, a Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas, ou Carta de
Washington, ao explicitar os valores a preservar nas cidades, consolidou os avanços anteriores na ampliação
do conceito de patrimônio urbano:

Os valores a preservar são o caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos materiais e espirituais que
expressam sua imagem em particular:
a) a forma urbana definida pelo traçado e pelo parcelamento;
b) as relações entre os diversos espaços urbanos, espaços construídos, espaços abertos e espaços verdes;
c) a forma e o aspecto das edificações (interior e exterior), tais como são definidos por sua estrutura, volume, estilo,
escala, materiais, cor e decoração;
d) as relações da cidade com seu entorno natural ou criado pelo homem;
e) as diversas vocações da cidade, adquiridas ao longo de sua história.26

A sustentabilidade urbana
Em 1993, o conceito de sustentabilidade27 urbana, mencionado esporadicamente na década de 1980,
foi lançado no Projeto das Cidades Sustentáveis pelo Grupo de Peritos sobre Ambiente Urbano, criado
em 1991 pela Comissão Europeia. O grupo definiu três princípios de sustentabilidade urbana: a integra-
ção política – compreendendo a participação e a coerência política e de ação de todos os níveis de governo;
a gestão urbana – implementada por meio de instrumentos de colaboração e parceria; a reflexão ecossis-
têmica – entendendo a cidade como um sistema em transformação permanente, cujos recursos e resíduos
devem ser considerados elementos do equilíbrio ecossistêmico.28
Para conceber o conceito de sustentabilidade, partiu-se de princípios internacionalmente reconhecidos
de limitação e singularidade dos bens a conservar. Tal conceito compreende os aspectos econômico, po-
lítico, social, ambiental e cultural da sociedade, e abrange três grandes objetivos:29 eficiência econômica,
igualdade social e integridade ambiental. Devem-se valorizar e utilizar os recursos disponíveis na cidade
para garantir a sustentabilidade, podendo-se também criar, de acordo com seu potencial, outros meios que
sejam sustentáveis.

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O arquiteto Rodrigo Ollero das Neves analisou as experiências de reabilitação urbana realizadas,
nos anos 1980, na cidade do Porto e, na década seguinte, em Lisboa, e reconheceu nelas a aplicação
dos princípios de sustentabilidade.30 Na cidade do Porto, esses princípios são verificados na atração de
investimentos para o comércio tradicional, nas antigas e novas lojas, obedecendo a uma estratégia de
valorização econômica da atividade tradicional do centro histórico.
Segundo Philip Davies, do English Heritage, “conservação e sustentabilidade são dois lados de uma
mesma moeda”. É essencial, portanto, que “os prédios históricos sejam vistos como recursos flexíveis que
podem ser reciclados por serem adaptáveis a novos usos”. “[...] a conservação de prédios é por definição a
solução mais sustentável de desenvolvimento.”31
Constatou-se que o conceito de patrimônio urbano evoluiu com a ampliação do olhar sobre o
patrimônio arquitetônico. Tal olhar ultrapassou os limites físicos do edifício e, aos poucos, revelou os
diversos desdobramentos da relação entre o patrimônio arquitetônico e o ambiente. Na compreensão do
conjunto histórico, desenvolveu-se nas últimas décadas uma leitura específica desse patrimônio, envolvendo,
entre outros aspectos, sua integração com o território e sua relação com a paisagem natural, a convivência
entre o antigo e o moderno, a conformação do traçado urbano, as formas de apropriação dos espaços ao
longo da história, os laços de vizinhança e o sentimento de pertencimento ao local da população residente.
A evolução da noção e da percepção desse patrimônio em suas diferentes escalas – cidades, áreas
centrais, bairros, ruas e praças – resultou em grande parte da análise dos resultados de experiências
na proteção, na valorização, na revitalização e na reabilitação dessas áreas. A perspectiva integradora e
global do patrimônio urbano foi também resultado da superação da visão isolada do bem imóvel, do
repúdio à prática de renovação urbana alicerçada no pensamento modernista e, finalmente, na trágica
experiência da Segunda Guerra Mundial.
Com a ampliação do conceito de cidade e de centro histórico, para a qual contribuíram os estudos
nas áreas da antropologia e da sociologia, aumentou a preocupação das administrações urbanas com a
qualidade dos espaços públicos e dos centros de convivência. Investiu-se na requalificação desses espaços
e em medidas para atrair os habitantes aos centros tradicionais da cidade. A fixação do uso habitacional
evidenciou-se como elemento importante para que isso ocorresse e o tecido urbano se mantivesse vivo.
Em muitos casos, com a manutenção da função habitacional dos centros tradicionais, evitou-se sua
desertificação à noite e nos fins de semana.
Como observou Evelyn Furquim Werneck Lima,32 os melhores referenciais do sentimento de identidade
cultural de um grupo social são a arquitetura, a morfologia urbana e as tradições partilhadas pela população
residente. Com base nesse ponto de vista, defende-se a permanência dos habitantes dos bairros a reabilitar
e condena-se a substituição dos estratos sociais, fato que ocorre quando os residentes e os pequenos
comerciantes passam a ter dificuldade para arcar com o ônus de uma nova urbanização, expresso no aumento
dos aluguéis e impostos.

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De acordo com Lima, reabilitar os imóveis não significa apenas recuperar as


fachadas, mas, com base em estudos de antropologia urbana, requalificar todo
o tecido social da cidade. A reabilitação promoveria, dessa maneira, um ganho
na qualidade de vida, em decorrência da melhora nas condições econômicas
e sociais dos habitantes dos bairros degradados. Considerando também a
transformação da imagem da cidade e de seus sítios históricos, os programas
de reabilitação não deveriam limitar-se à recuperação das habitações, mas ir
além, suprindo as carências de equipamentos urbanos e de infraestrutura.
O conceito de conservação integrada, interpretado como um processo
participativo que envolve a fixação da população residente por meio da
reabilitação de seu habitat, inspirou algumas experiências significativas nas
cidades de Bolonha, Ferrara e Porto. Porém, como veremos adiante, os
resultados dessas experiências não corresponderam totalmente aos propósitos.
Iniciadas na década de 1970, foram sendo atropeladas pela economia de
mercado. A valorização fundiária e imobiliária das áreas recuperadas resultou
em um processo de gentrificação que tem anulado os esforços voltados para
a permanência da população de menor poder aquisitivo. Conclui-se, diante
disso, que a preservação da identidade do sítio histórico em seu sentido
mais amplo, isto é, com ganhos sociais, dificilmente é conjugável com a
sustentabilidade econômica.

Experiências europeias

Paris, França: o bairro do Marais


Após a Segunda Guerra Mundial, diante da necessidade de reconstruir
cidades, da carência de moradias e de um grande crescimento demográfico, o
governo francês empenhou-se em um esforço construtivo sem precedentes na
história do país. Vieram, então, à discussão problemas urbanos de toda ordem,
entre os quais a questão da preservação do patrimônio urbano.
Naquela época, predominava entre os urbanistas a cultura da renovação
urbana, decorrente das teorias funcionalistas higienistas da Carta de Atenas,
que só destacava como patrimônio a preservar os monumentos arquitetônicos
excepcionais. Le Corbusier, por exemplo, chegou a propor para alguns bairros
Marais, em Paris, França, 1997. Fotos de
Cyro Corrêa Lyra. parisienses, como o Marais – um dos bairros centrais de Paris, habitado por

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artesãos, comerciantes e operários –, “destruir os imóveis de moradia e preservar


as igrejas antigas, que ficariam em meio a áreas verdes”.33
Em 1962, graças à lúcida visão de André Malraux, então ministro da
Cultura, promulgou-se uma lei para a preservação do patrimônio urbano de
interesse nacional. Por meio dessa lei, conhecida como Lei Malraux, foi possível
proteger áreas que, por ser classificadas como setores preservados, não seriam
objeto de projetos de renovação urbana.
Com a aplicação da lei, definiram-se 60 setores preservados e desenvolveu-se
um Plano Permanente de Preservação e Valorização,34 cuja execução impediu a
destruição e o desaparecimento de muitas áreas urbanas históricas.
Entre as áreas preservadas estava o Marais.35 A implementação do plano
despertou o interesse de executivos e profissionais liberais, atraídos pelo prestígio
histórico e pela favorável situação geográfica do bairro. Iniciou-se, então, a
substituição dos moradores, configurando-se um processo típico de gentrificação.

Bolonha e Ferrara, Itália


O centro histórico de Bolonha, com 350 hectares de superfície e numerosos
tesouros arquitetônicos e artísticos, foi objeto de um plano de reabilitação
concebido de uma perspectiva rigorosamente social e promovido pela
municipalidade. Segundo José Aguiar, foi a experiência catalisadora do espírito
da década de 1970.36
O plano de reabilitação teve seu esquema geral de planejamento urbano apro-
vado em 1967. Na ocasião, a cidade já dispunha de um plano diretor, que fora
adotado em 1955 pelo Consiglio Comunale e aprovado, três anos depois, por decreto.
Os objetivos principais dos idealizadores do plano de reabilitação eram a
conservação e a valorização da função de moradia em grande parte do tecido
edificado da cidade histórica. Pretendia-se manter a população residente e inibir
a atuação dos mecanismos econômicos de natureza privada que provocassem a
especulação imobiliária e, consequentemente, a substituição da população local
por outra de maior poder aquisitivo. Impedia-se, dessa maneira, a substituição
dos edifícios e impunha-se o respeito quase absoluto pela morfologia da cidade
histórica e sua arquitetura. Com a implantação do plano, o centro histórico
foi requalificado por meio de um rigoroso restauro filológico do parque Centro histórico de Bolonha, Itália, 1976.
No alto, sobrados ainda não restaurados;
habitacional degradado, permitindo-se, em alguns casos, a modernização acima, inserção de sobrado com tipologia de
interna das edificações. integração. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.

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Concebido e implantado em um governo de esquerda, o projeto tinha como


meta solucionar o déficit de moradias por meio de uma política habitacional
de redistribuição administrativa do parque residencial. Era claramente contrário
à gentrificação e buscava conter a expansão imobiliária periférica. Com a
participação da população local, o plano reforçou o conceito da unidade do
centro histórico, preservando a leitura do tecido antigo mediante a conservação
das diversas tipologias e sua adequação às normas de reconversão, reestruturação
e saneamento.37
Com o tempo, entretanto, o plano foi se descaracterizando e evidenciou-se o
fato de que a continuidade da experiência seria muito mais complexa, tanto do
Centro histórico de Bolonha, Itália,
1976. Sobrados de diferentes épocas
ponto vista político e social, quanto do técnico e administrativo.38 A partir da
integrados por meio da volumetria. Foto de década de 1980, houve grande expansão do setor terciário sofisticado da cidade
Cyro Corrêa Lyra.
e da universidade, que ocuparam diversos imóveis antes utilizados para moradia.
Diante da dificuldade de reverter esse processo de gentrificação, tomaram-se
medidas para minimizar o impacto sobre as famílias de baixo poder aquisitivo
e, também, sobre os idosos.
A experiência de Bolonha foi complementada pela de Ferrara. Nessa cidade
italiana, foram aplicados princípios similares aos implementados em Bolonha,
mas os resultados foram melhores e serviram de referência para experiências
desenvolvidas por espanhóis e portugueses, sobretudo no eixo Barcelona-Porto.39
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Conselho Municipal de Ferrara
desenvolveu alguns planos urbanos e lançou campanhas em prol da conservação
do centro histórico, em colaboração com as autoridades regionais e nacionais.
O primeiro plano, desenvolvido entre 1957 e 1960, fixou regras detalhadas
Centro histórico de Ferrara, Itália,
para a conservação e a restauração do patrimônio arquitetônico medieval que
1976. Rua comercial para uso exclusivo de
pedestres e ciclistas. Foto de Cyro Corrêa compunha a estrutura antiga da cidade. Oito anos depois, ficou pronto o plano
Lyra. para o centro, estabelecendo-se regras para a integração no tecido urbano de
edificações novas em harmonia com as antigas.
O plano de Ferrara foi considerado bem-sucedido. Contribuiu para seu
êxito o apoio da população local, beneficiada por ações de interesse social,
como a construção de residências populares, a renovação da infraestrutura e a
melhora de serviços urbanos, a requalificação dos espaços públicos, a execução
de projetos definidores da expansão urbana e a conservação dos tecidos urbanos
residenciais por meio da preservação de edifícios históricos adaptados para uso

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Centro histórico de Ferrara, Itália,


1976. Espaço público, transporte público,
pedestres e ciclistas. Foto de Cyro Corrêa
Lyra.

público. A transformação da infraestrutura econômica completou essas medidas


por meio da criação de novas centralidades no território a fim de restringir o
processo de gentrificação.

Porto, Portugal
A recuperação do conjunto edificado e do espaço público da área de
Ribeira-Barredo, na cidade do Porto, conduzida pelo Comissariado para a
Renovação Urbana da Área de Ribeira-Barredo (Cruarb),40 teve início nos
anos 1970. Entre 1976 e 1981, foram renovadas diversas habitações e, em
1982, concluiu-se a recuperação dos quarteirões mais degradados do local.
Ainda na década de 1980, foram incluídos na área de intervenção os bairros
da Sé, Miragaia e Vitória.41 De 1977 a 1991, o projeto teve a consultoria do
arquiteto e urbanista Vianna de Lima, devendo-se a ele a orientação teórica e
metodológica da intervenção.42
A recuperação da área histórica fronteira ao rio Douro foi proposta após
a “Revolução dos Cravos”,43 como resposta às reivindicações dos moradores
da área, que enfrentavam precárias condições habitacionais, urbanas, sociais e
econômicas. O projeto de reabilitação urbana teve como base, portanto, razões
essencialmente sociais, e seu principal objetivo era a manutenção da população,
com melhora das condições de habitabilidade das moradias e requalificação
dos espaços públicos. Esse fato não impediu a evolução do projeto para uma
intervenção de caráter integrado, valorizando a salvaguarda do patrimônio, a

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dinamização da atividade lúdica, o crescimento da vertente turística, a atração


de equipamentos culturais, a investigação arqueológica e a indução de novas
atividades comerciais.44
Depois de passar por obras de restauração estrutural e material,
complementadas pela renovação de suas instalações, todas as casas foram
entregues aos moradores do bairro. As orientações para a requalificação das
edificações foram marcadas pela visão social da preservação do patrimônio
de Vianna de Lima. O arquiteto entendia que o êxito do plano decorreria da
revitalização do uso tradicional de moradia e comércio e que, para se atingir
esse objetivo, seria fundamental dar condições de conforto e habitabilidade para
as casas multisseculares: “[...] não façam museologia, estas casas são para as
pessoas, destinam-se a ser habitadas e não somente salvaguardadas e reabilitadas
como cenário teatral”.45
O centro histórico do Porto foi incluído pela Unesco, em 1996, na Lista
de Patrimônio Mundial. Sua reabilitação, em curso até os dias atuais, deixou
de ser vista apenas pela ótica social, como um modo de resolver problemas de
alojamento. Hoje, as propostas de intervenção são mais abrangentes e exigem
articulação entre diferentes setores e serviços, até mesmo porque ainda não há
um plano de recuperação que abranja todo o território. Para a dinamização da
intervenção, há uma sistemática aquisição de imóveis cuja recuperação baseia-
se em critérios relacionados a localização, estado de degradação, ocupação,
dimensões e custo.46
Entre os resultados positivos do plano, merecem referência a liberação do
espaço público de estacionamentos indevidos, a melhora de ruas e praças da
cidade, o incentivo ao uso dos transportes públicos e a modernização da rede de
infraestrutura. Há no local, entretanto, problemas sociais e ambientais, comuns
a todos os centros urbanos, como pessoas em situação de rua, criminalidade,
tráfico e consumo de drogas, vandalismo, excesso de ruído, poluição do rio
Douro, má conservação do mobiliário urbano e da pavimentação, pichação e
conflitos entre veículos e pedestres.47
Há que se considerar que o grande desafio para acelerar o processo de
reabilitação do centro histórico do Porto foi atrair a iniciativa privada,
representada pelos proprietários, comerciantes e potenciais investidores da
sociedade. Para motivar esses investidores, as administrações local, central e
comunitária procuraram criar incentivos e tomar medidas políticas.48

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Ribeira, no centro histórico do Porto,


Portugal, 1983. Sobrados de uso misto, com
função comercial no térreo e residencial nos
andares superiores, antes da reabilitação.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Quanto à gestão urbana, verificou-se um questionamento feito pelo próprio


Cruarb a respeito da qualidade de vida da população e da qualidade urbana:

Também poderemos ser confrontados com o argumento de que temos a qualidade


de vida que o nosso nível de desenvolvimento econômico e sociocultural permite, e
que, por querermos manter no Centro Histórico populações de baixos rendimentos
e fraca formação acadêmica e social, teremos de pagar tal política com perda de
qualidade urbana.

Tudo isso será, em parte, verdade, mas podemos e devemos apostar na elevação do
nível econômico, social e cultural local, além de ser evidente que grande parte dos
problemas tem origem em populações não residentes, e em muitos casos, provenientes
de estratos socioeconômicos mais elevados.49

Esse questionamento foi suscitado por um processo de ampliação do uso


turístico do local, apoiado no aumento do número de restaurantes, pousadas
e hotéis e na inserção de diversos equipamentos culturais, bem como na
intensificação da vida noturna. Esse processo acarretou a mudança do perfil dos
residentes do local, substituídos por uma população de maior poder aquisitivo.
Para o Cruarb, essa situação significava o desvirtuamento de um plano
com claros objetivos sociais e compunha um cenário vulnerável, pois a intensa
utilização turística poderia ser passageira e ocasionar o esvaziamento da área.
Além disso, o reconhecimento do Porto como Patrimônio da Humanidade
apoiava-se não só na importância de seu patrimônio material, mas também

PatrimonioEdificado.indb 49 3/31/16 10:34 PM


50

Ribeira, no centro histórico do Porto, nos valores de autenticidade representados pela permanência da população
Portugal, 2003. Sobrados de uso misto após
tradicionalmente relacionada ao local.50
a recuperação. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Em 2004 o Cruarb foi extinto e substituído por uma empresa estatal, a
Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense S.A. (SRU).
Dotada de recursos públicos do estado e do município, a empresa tem como
objetivo promover a reabilitação urbana da área do centro histórico do Porto
denominada Baixa Portuense. Além de requalificar o espaço público, ela deve
atuar na revitalização do comércio e na dinamização do turismo por meio de
iniciativas culturais e de lazer.
A partir de 2012 foram desenvolvidos projetos de melhora da acessibilidade
e da mobilidade no centro histórico, com a implantação de ciclovias e a ampliação
das áreas exclusivas para pedestres, contemplando-se também a renovação do
mobiliário urbano.

Acima, Centro histórico do Porto,


Portugal, 2003. Placa de divulgação, para
a comunidade do bairro, do plano de
reabilitação. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Ao lado, visita de delegação da Funda-


ção Nacional Pró-Memória ao Porto,
Portugal, 2003. Da esquerda para a direita:
Cyro Corrêa Lyra, Irapoan Cavalcanti de
Lyra, Vianna de Lima, José Ferrão Castelo
Branco e Antônio Luiz de Andrade. Foto de
autoria desconhecida.

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Barcelona, Espanha
O plano de requalificação urbana de Barcelona, conhecido como Modelo
Barcelona, foi implantado na cidade a partir dos anos 1980 e seu sucesso tem
inspirado outros projetos, notadamente nos países latino-americanos.
Concebido no contexto da crise econômica e social registrada nos anos 1970,
o plano foi motivado pela carência de moradias e de equipamentos sociais.
Como ocorrera na mesma época no Porto, o fim do regime ditatorial abriu
espaço para reivindicações sociais. A administração da cidade passou, então, a
investir em projetos de reestruturação urbana voltados para o atendimento das
demandas prioritárias da população.
Em 1986, a aprovação da candidatura de Barcelona a sede dos Jogos
Olímpicos ocasionou a elaboração de novos projetos de requalificação urbana,
que incluíam a reabilitação do centro histórico e a implantação da Vila Olímpica.
O plano de Barcelona tem sido criticado por não trazer benefícios sociais,
pois acarretou a elevação do preço das propriedades das áreas reabilitadas e a
consequente evasão de moradores de baixo poder aquisitivo. Do ponto de vista
dos benefícios econômicos, porém, os resultados foram positivos, em razão do
desenvolvimento turístico da cidade a partir de 1992, quando se realizaram os
Jogos Olímpicos. A obra emblemática do plano, que projeta a cidade e atrai
a atenção dos administradores e urbanistas de outros sítios urbanos situados
na orla marítima, é o Porto Olímpico. Construído de acordo com o projeto
coordenado pelo arquiteto Oriol Bohigas Guardiola, ele sediou as competições
de vela dos Jogos Olímpicos e, depois, converteu-se em centro turístico e de
lazer que agrega à cidade novos valores.
A lição que fica da experiência de Barcelona é a de que se pode promover a va-
lorização cultural de uma cidade por meio do empreendimento conjunto de ações
de preservação do centro histórico e de iniciativas modernizadoras em seu entorno.

Acima, La Rambla, no centro histórico de


Barcelona, Espanha, 2009. Ao lado, Porto
Olímpico, em Barcelona, Espanha, 2009.
Fotos de Cyro Corrêa Lyra.

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52

Ouro Preto, Minas Gerais.

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Parte II

A experiência brasileira

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Capítulo 3

A preservação do patrimônio

A criação do Sphan

No início de 1936, o então ministro da Educação Gustavo Capanema reconheceu a urgente necessidade
de “preservar os monumentos e outras obras de arte de todas as espécies, e não apenas as obras de pintura,
mediante um conjunto de procedimentos que não se limitassem à capital federal, mas abrangessem o país
inteiro”.1 Com essa preocupação, solicitou ajuda a Mário de Andrade, que preparou um anteprojeto para a
constituição do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional.2
Em abril daquele ano, o governo autorizou o funcionamento da instituição, em caráter experimental. Para
dirigi-la, o ministro convidou Rodrigo Mello Franco de Andrade:

Optei pelo nome de Rodrigo. Mineiros ambos, eu o conhecia de perda e de longa data. Aos meus olhos, ele estaria em tais
circunstâncias, em primeiro lugar, fosse qual fosse o paralelo. Não apenas por ser homem de rara cultura, jornalista e
escritor de primeira ordem, nem por estar militando no exercício da advocacia do mais alto nível intelectual e moral,

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C a p. 3 – A p r e s e rva ç ã o d o pat r i m ô n i o | 55

nem por já ter dado prova da maior aptidão como gestor das coisas públicas. Conjunto arquitetônico e urbanístico
de Ouro Preto, Minas Gerais, década de
Para nós, da sua geração mineira, a figura de Rodrigo, com aquela alma há um 1990. Ouro Preto foi a primeira cidade
tempo mansa e severa, delicada e positiva, risonha e inflexível, com aquele seu tom histórica protegida por tombamento federal
(1938) e o primeiro bem brasileiro inscrito
sábio e conclusivo, com aquela sua capacidade de compreender, de raciocinar e de
na Lista do Patrimônio Mundial (1980).
julgar, passou a ser a de um mentor, no mais alto sentido da palavra, em todas as Foto de Cyro Corrêa Lyra.

circunstâncias e problemas da nossa vida particular ou pública.3

Menos de um ano depois, em 13 de janeiro de 1937, o presidente da


República, Getúlio Vargas, sancionou a Lei no 378, que, ao reorganizar o
Ministério da Educação e Saúde Pública, criou o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Sphan).4 Alguns meses depois, em 30 de
novembro de 1937, o governo federal baixou o Decreto-lei no 25, organizando
a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.5 Nascia o Sphan e
começava a luta pela preservação da memória do país.

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56

Capela do Mosteiro de Monte Serrat,


em Salvador, Bahia, década de 1990. Esse
foi um dos numerosos bens de arquitetura
religiosa da Bahia tombados em 1938. Foto
de Cyro Corrêa Lyra.

Com a ajuda de colaboradores do norte ao sul do Brasil,6 foram identificados


os primeiros bens a ser inscritos nos Livros do Tombo. O resultado desse esforço
inicial foi o tombamento, no ano seguinte, de 235 bens, localizados nos estados
da Bahia (55), Minas Gerais (26), Paraíba (11), Paraná (6), Pernambuco (37),
Piauí (2), Rio de Janeiro (82), Rio Grande do Sul (8), Santa Catarina (4) e São
Paulo (4). Esse primeiro acervo protegido compunha-se de bens arquitetônicos,
incluindo conjuntos urbanos, igrejas e conventos, fortes e fortalezas, palácios e
solares, além de marcos, aquedutos e chafarizes.
A questão da conservação e restauração dessas edificações apresentou-se
desde o primeiro momento como um desafio considerável, pois, como observa
Françoise Choay:

Querer e saber “tombar” monumentos é uma coisa. Saber conservá-los fisicamente


e restaurá-los é algo que se baseia em outros tipos de conhecimento. Isso requer
uma prática específica e pessoas especializadas, os “arquitetos dos monumentos
históricos” que o século XIX precisou inventar.7

Não havendo arquitetos restauradores no Brasil, Rodrigo Mello Franco de


Andrade buscou a assessoria do arquiteto Lucio Costa, por ele indicado, em
1930, para dirigir a Escola Nacional de Belas Artes. Costa seria o responsável
pela iniciativa da trazer Le Corbusier ao Brasil, em 1936.8
A primeira tarefa de Lucio Costa foi garantir a preservação das ruínas da
antiga missão jesuítica de São Miguel, no Rio Grande do Sul. Em 1937, o
arquiteto viajou de hidroavião para a cidade de Santo Ângelo, de onde partiu de

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Ruínas da Igreja de São Miguel, São


Miguel das Missões, Rio Grande do
Sul, década de 1990: exemplo notável de
patrimônio reconhecido por sua função
simbólica de rememoração, tombado em
maio de 1938. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

automóvel para a região dos Sete Povos das Missões, conhecendo e vistoriando
os remanescentes dos antigos Povos de Santo Ângelo, São João Batista, São
Miguel, São Lourenço, São Luís e São Nicolau. Lucio Costa só não visitou São
Borja “por estarem os caminhos intransitáveis em virtude das chuvas caídas nos
dois últimos dias da excursão”.9
Seu relatório, além de servir de base para o tombamento das ruínas de São
Miguel, efetivado no ano seguinte, forneceu as diretrizes das obras executadas
de 1938 a 1940, sob a direção do arquiteto Lucas Mayerhofer. Em 1983, São
Miguel das Missões seria inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em conjunto
com outras quatro missões jesuíticas, localizadas em território argentino: San
Ignacio Mini, Santa Ana, Nossa Senhora de Loreto e Santa Maria, a Maior.
Os resultados dessa primeira missão mostraram o acerto do convite feito a
Lucio Costa e consolidaram o nome do arquiteto como o mais indicado para a
liderança técnica da instituição recém-nascida.
O relatório de sua viagem pode ser considerado um marco na metodologia
de intervenção em ruínas e pautou a trajetória dos técnicos que enfrentaram os
desafios de conservar e restaurar o patrimônio arquitetônico. As observações
sobre a situação dos remanescentes e as diretrizes para sua preservação iniciaram
uma prática de diagnóstico e proposta baseada em conceitos geralmente não
explicitados, mas que se tornaram paradigmáticos.
O exame desse documento revela uma estrutura que se tornou um guia para
a elaboração de relatório e modelo de avaliação preliminar da situação de um
monumento:

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58

1. Descrição objetiva dos problemas.


2. Estabelecimento de um partido ou tese como diretriz conceitual da intervenção. Lucio Costa descarta
de saída uma reconstituição, definindo a consolidação das ruínas como partido a ser seguido: “Com
efeito, não se pode pensar em reconstruir São Miguel ou mesmo recompor qualquer de suas partes;
os trabalhos deverão limitar-se, tão somente, a consolidar e conservar”.10
3. Definição de um programa de intervenções, compreendendo escavação, limpeza, cadastro,
consolidação de ruínas, construção de museu e casa de zelador e salvamento de peças.
4. Assessoramento de especialistas: no caso, tratava-se de um profissional do Gabinete de Resistência
dos Materiais, da Escola de Engenharia de Porto Alegre.
5. Comunicação com a população local e interpretação do bem cultural. Lucio Costa propôs a construção
de um local para abrigo e exposição de peças resgatadas com utilização de elementos arquitetônicos
remanescentes (consolos de madeira): “O museu deve ser um simples abrigo para as peças que, todas
de regular tamanho, muito lucrarão vistas assim em contato direto com os demais vestígios”.11
6. Definição do processo de execução das medidas propostas. O arquiteto avaliou as alternativas usuais
– por administração ou empreitada – e propôs uma terceira, que correspondia à fusão dos dois
sistemas.
7. Complementação do documento com desenhos esquemáticos, para melhor clareza das propostas.

A “fase heroica”
Os 30 primeiros anos da história do Sphan são conhecidos como “fase heroica”, pelo que representou
de sacrifício e abnegação o período de implantação de um sistema de preservação cultural de âmbito
nacional.12 Nessa etapa da instituição, dirigida por Rodrigo Mello Franco de Andrade, enfrentaram-
se dificuldades de toda ordem para preservar o patrimônio distribuído por um território de dimensões
continentais,13 com recursos insuficientes e poucos técnicos. Em contrapartida, o período foi fértil na
produção de ideias e soluções que estruturaram o pensamento sobre patrimônio no Brasil, implantaram
uma legislação e consolidaram uma instituição.
Nesse esforço construtivo, coube aos arquitetos responder às questões de preservação dos bens imóveis
tombados, definindo soluções para a proteção, a conservação, a restauração e a valorização do patrimônio
arquitetônico. Acrescia-se a essa tarefa outras duas, complementares: a construção da história da arquitetura
no Brasil, por meio da identificação de suas características tipológicas, e a “reconstrução de um patrimônio
desfigurado”.14 Como bem observou Jean Pierre Halevy:

Nos primeiros anos esse decreto-lei apoiava-se sobre um admirável trabalho de pesquisas e de restaurações que
deram ao patrimônio um conteúdo cultural de uma imensa riqueza. Foi essa explicitação do que significavam os
bens tombados, foram essas restaurações exemplares que deram uma legitimidade ao decreto-lei.15

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A etapa inicial da instituição, na qual se organizou uma equipe técnica de restauradores e as primeiras
intervenções em monumentos tombados foram executadas, coincidiu com a Segunda Guerra Mundial,
período em que cessou todo tipo de intercâmbio cultural com a Europa. Essa situação dificultava o acesso
ao conhecimento acumulado nos países europeus que, àquela altura, já acumulavam uma rica experiência e
um sólido acervo de teses e conceitos relativos à preservação de bens arquitetônicos.16
Para fazer frente à gigantesca tarefa de preservar o patrimônio brasileiro, Rodrigo Mello Franco de
Andrade montou uma “equipe pequena, mas competente e dedicada de arquitetos, historiadores, artistas,
juristas que, para uma melhor coordenação e ajuste de orientação, se reunia diariamente, para discussão de
critérios e de métodos, para troca de experiência e para programação de atividades”.17
Os membros da equipe contavam apenas com sua formação profissional, não tendo experiência anterior
no campo da preservação de monumentos. Como observou o arquiteto Luís Saia:18

Quando o governo criou o SPHAN, em 1937, a experiência brasileira nessa matéria era, no mínimo, de validade
discutível. Continha, é certo, muito amor, mas era de pouco respeito. Muito amor por romantismo, pouco respeito
por desconhecimento.19

Para suprir a falta de conhecimento sobre a história da arte em geral e da cultura brasileira em particular,
foram organizados, a partir dos anos 1940, cursos de formação cultural, ministrados por Hannah Levy
(História das Artes), Afonso Arinos de Melo Franco (Formação Material do Brasil) e Heloisa Alberto
Torres (Arte Indígena).20
Os arquitetos da “fase heroica” caracterizavam-se pela identificação com o Modernismo racionalista
europeu, o que explica o emprego de uma metodologia originária do funcionalismo.21 Eram modernistas
no pensamento e na postura, cultuavam a pureza formal do racionalismo funcionalista e repudiavam o
ecletismo pela utilização do ornato. Afinados com os dogmas do Modernismo e com o ideário nacionalista,
viam na singeleza da arquitetura colonial a expressão do patrimônio genuinamente nacional, relegando a
segundo plano a produção eclética do fim do Império e do início da República.
Principal assessor de Rodrigo Mello Franco de Andrade e de seu sucessor Renato Soeiro,22 Lucio
Costa teve, entre outros méritos, o da construção de um patrimônio histórico e artístico impregnado
de modernidade, em que a convivência do antigo com o novo esteve sempre presente. A postura que
conjuga a defesa dos edifícios antigos com a aceitação do novo é, aliás, apontada por Françoise Choay
como característica da intelectualidade de seu país, ao comparar as visões inglesa e francesa dominantes na
segunda metade do século XIX, diante das mudanças decorrentes da Revolução Industrial.23
A concepção racionalista da arquitetura estendia-se à maneira de encarar a restauração da obra
arquitetônica, entendida como uma intervenção que requer apenas o conhecimento do edifício e de sua
história, obtido por meio do levantamento das fontes textuais e iconográficas e de prospecções24 em sua
estrutura material.

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60

A escola informal de patrimônio


A identificação da arquitetura colonial como nossa “arte nacional” e
a concentração nela da maioria dos estudos feitos por Lucio Costa tem um
paralelo na história da França, onde, quase um século antes, elegeu-se o
“gótico” como o estilo nacional e consagrou-se Eugène Viollet-le-Duc como o
principal restaurador. No contexto em que a restauração teve início no Brasil,
a cultura oficial voltava-se para as teorias francesas, desde a concepção de bem
cultural, passando pelo conceito de arte nacional, até as teorias de restauração.25
Tal filiação é perfeitamente compreensível, já que na década de 1930 a França
era a principal referência no mundo ocidental para todas as questões relativas à
proteção, à preservação e à conservação de monumentos.
A hegemonia do pensamento racionalista entre os arquitetos que
conduziram a preservação do patrimônio brasileiro de 1937 ao final da década
Fachada principal da Catedral de Notre- de 1970 refletiu-se na ação restaurativa dos monumentos. Nesse quadro, era
Dame, Paris, França, 1997. Foto de Cyro
Corrêa Lyra.
inevitável a influência do mais famoso arquiteto restaurador francês do século
XIX, Viollet-le-Duc, cujos conceitos de arquitetura alicerçavam-se em “uma
inabalável crença na razão e no progresso da ciência”.26
Tendo obtido ampla repercussão em toda a Europa, os conceitos de
Viollet-le-Duc criaram raízes no Brasil, reforçados pela postura do arquiteto
de aceitar o moderno e sua ruptura com o passado, tendo “a nostalgia do
futuro”.27 Para os arquitetos do patrimônio, a restauração dos monumentos
brasileiros era considerada um problema de arquitetura, fazendo jus às
influências recebidas da tradição francesa.28
Nas intervenções restaurativas, observa-se a influência do pensamento de
Viollet-le-Duc na prática da “reconstituição” do aspecto original do edifício e
na procura da “unidade estilística”29 com seus similares. Na reconstituição, a
intervenção tem o sentido de “depurar” o monumento por meio da eliminação
de acréscimos espúrios.30 Essa linha de conduta, enraizada nas lições de
Viollet-le-Duc, decorria do entendimento de que o objetivo da restauração
era restabelecer, na medida do possível, a fácies original do monumento. Para
isso, tomava-se como base o conhecimento profundo não só do edifício em
causa, mas também da tipologia arquitetônica a que ele pertencia, como revela
a documentação das obras executadas no período.

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A capacitação de profissionais para atuar na preservação preocupou a direção Detalhe da cobertura da Catedral de
Notre-Dame, Paris, França, 1997. Na
do Sphan desde sua formação. Além de organizar uma biblioteca especializada
restauração realizada em 1857, Viollet-Le-
e incentivar os técnicos à pesquisa, a instituição promoveu cursos de atualização Duc chegou a desenhar a complementação
das torres que não tinham sido terminadas,
e estimulou uma prática de trabalho em que a discussão de teses e soluções era
mas não se executou a proposta. Somente
uma constante. a flecha sobre o transepto, que havia sido
demolida, foi reconstruída segundo seu
Com o passar dos anos, o quadro formado pela primeira geração de técnicos projeto. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
tornou-se um núcleo de conhecimento acumulado com base na experiência de
preservação desenvolvida em todo o território. Na década de 1960, os poucos
técnicos que ingressavam na instituição “obtinham o conhecimento e ganhavam
experiência através do convívio com os mais antigos, com eles trabalhando, com
eles analisando e discutindo os casos que surgiam e que deviam ser resolvidos”.31
Na realidade, o Sphan criou uma escola informal de patrimônio que serviria de
suporte para a construção, na década de 1970, de um sistema de especialização
com a parceria de instituições universitárias.

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62

A linha de atuação decorrente da restauração estilística, dominante na


“fase heroica”, continuou a ser adotada nas décadas seguintes pelos arquitetos
formados no Sphan e também por profissionais que não tinham participado da
mesma história, mas, significativamente, compartilhavam os ideais modernistas.
A restauração da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no município de Embu,
em São Paulo, fornece exemplo notável. Conduzida pelo arquiteto Luís Saia
no final da década de 1930, foi uma das primeiras obras de restauração feitas
no Brasil. Nessa restauração, como observou Antônio Luiz Dias de Andrade,32
“jamais chegou a ser examinada orientação diversa da restituição do primitivo
aspecto, objetivo tácito que sempre compareceu desde o primeiro instante que
o bem cultural surgiu como objeto das atenções do Sphan”.33
É fato que a reconstituição raramente foi um objetivo predeterminado,
além de não atingir integralmente o edifício. Reconstituições integrais em
nome da unidade estilística e apoiadas em estudos tipológicos, assim como
complementações baseadas na analogia com outras obras, à maneira de Viollet-le-
Duc, nunca foram aceitas. As reconstituições apoiavam-se na análise da história do
edifício tendo como referência os registros textuais e iconográficos e os vestígios
deixados na edificação. Além disso, a eliminação de acréscimos não era uma regra.
A permanência de modificações ocorridas na história do monumento apresentava-
se, de modo geral, como uma opção, como revelou Fernando Machado Leal:34

A restauração dos monumentos resulta do estudo pormenorizado de cada caso,


baseado na análise dos elementos subsistentes, na documentação escrita ou
iconográfica e nos conhecimentos gerais técnico-artísticos do passado. Assim, o
monumento volta à sua feição original ou então demonstra as diferentes fases de
sua fábrica. São soluções que a par de uma série de conhecimentos gerais requerem
ainda uma intuição e sensibilidade dos técnicos especializados no assunto.35

A excepcionalidade de certas obras de arquitetura diante da mediocridade


das reformas a que foram submetidas foi uma das razões que justificaram
essas reconstituições. Outra razão foi a identificação do aspecto original com
o seu significado histórico, ou seja, a imagem anterior representava melhor a
importância do edifício. Com base nessas justificativas, muitos monumentos
foram restaurados, reconstituindo-se aspectos anteriores por meio da eliminação
das alterações ocorridas durante sua existência, tendo em vista o significado
histórico do monumento, sua ancianidade ou sua singularidade:

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É bem verdade que os estudos que precedem o tombamento já fazem uma triagem
entre aquelas construções que conservam suas feições originais, as suscetíveis de
restauração, e aquelas outras descaracterizadas em excesso. Quando o tombamento
se dá em virtude da importância artística, aquelas duas primeiras categorias são
qualidades primordiais; quando o tombamento é devido a motivos puramente
históricos é óbvio abrandar-se o rigor relativo à aparência primitiva.36

Exemplo significativo foi a restauração da Sé de Olinda, em Pernambuco,


realizada no início dos anos 1970, quando a feição seiscentista da edificação foi
recomposta com a eliminação da roupagem neobarroca. Essa intervenção teve
como base uma tese apresentada na Universidade Federal de Pernambuco pelo
autor do projeto, o arquiteto José Luiz Mota Menezes.37
A construção da igreja foi iniciada na segunda metade do século XVI e
terminada em 1621. Integravam o edifício três naves, capelas laterais, presbitério
abobadado e torre sineira. Dez anos depois, por ocasião da invasão dos holandeses,
o templo sofreu um incêndio. Na segunda metade do século XVII, passou por
uma restauração parcialmente concluída em 1676, quando foi elevada a catedral,
com a criação do bispado em Olinda. Em 1911, teve início uma grande reforma,
concluída oito anos depois, que deu à antiga sé um aspecto neogótico. Em
1930, a construção passou por uma segunda recomposição, que a transformou Sé de Olinda, Pernambuco. No alto, a igreja
em 1870. Acima, no início do século XX, com
em neobarroca. Finalmente, na segunda metade do século XX, foi parcialmente
o tratamento neogótico. Arquivo Noronha
reconstituída seguindo projeto do arquiteto José Luiz Mota Menezes: Santos/Iphan. Fotos de autoria desconhecida.

Sé de Olinda, Pernambuco. Acima, em


1936, com o tratamento neobarroco. Arquivo
Noronha Santos/Iphan. Foto de autoria
desconhecida. À esquerda, em 2007, após a
restauração. Foto de Sylvia Braga/Arquivo
Monumenta/Iphan.

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Não é nossa finalidade restaurar aquela igreja, construída no século XVI, da


maneira como a encontraram os holandeses – nos sentiremos satisfeitos se, pelo
menos, conseguirmos restabelecer aquele aspecto que possuía o velho monumento nos
fins do século XIX, acrescentado de todas as coisas que o enriqueceram e o fizeram
viver desde aquele tempo. Não poderemos chegar a uma fisionomia totalmente
real, isto é quase impossível: alguns ornatos desapareceram completamente e as
descrições que deles temos não possibilitam sua reconstituição. Procuraremos, na
medida do possível, acertar e honestamente não prosseguir quando houver dúvidas
ponderáveis. Deixaremos que a fantasia de cada um complete o quadro – só nos
firmaremos no conhecido.38

Outro exemplo de reconstituição foi a obra de restauração da Casa de


Câmara e Cadeia de Salvador, na Bahia, realizada nos anos 1980 sob a direção
do arquiteto Fernando Leal. Com base em documentação fotográfica anterior
à reforma que, no início do século XX, deu ao edifício uma feição eclética,
foi restabelecido o aspecto exterior precedente por meio da eliminação dos
acréscimos executados com alvenaria de tijolo – sobrevergas, platibandas e
cobertura da torre –, além dos ornatos em massa.
Finalmente, como exemplo mais recente, vale citar o caso da restauração da
casa nobre datada do século XVII, conhecida como Solar Berquó, em Salvador,

Casa de Câmara e Cadeia de Salvador, Bahia.


Abaixo, com o aspecto original. À direita, com
o tratamento eclético, após a reforma sofrida
no início do século XX. Arquivo Noronha
Santos/Iphan. Fotos de autoria desconhecida.

PatrimonioEdificado.indb 64 3/31/16 10:35 PM


65

na Bahia. Na obra, realizada na década de 1980 pelo arquiteto Diógenes Casa de Câmara e Cadeia de Salvador,
Bahia, em 2005, após a restauração. Foto de
Rebouças,39 reconstituíram-se elementos como os balcões das fachadas,
Cyro Corrêa Lyra.
substituindo os gradis de ferro oitocentistas por barras de madeira à maneira
das soluções seiscentistas.
A restauração de caráter reconstitutivo, em termos técnicos, caracteriza-se
pelo emprego de materiais e sistemas construtivos tradicionais, o que requer a
presença de artífices capacitados para a execução de técnicas que não são mais
usadas. Essa demanda levou o Patrimônio a organizar equipes de trabalho com
profissionais treinados e a administrar as obras diretamente – uma vez que
não se encontravam mais os artífices. Isso aconteceu em São Paulo, em Minas
Gerais e em Pernambuco, com resultados tecnicamente admiráveis.40 A partir
da década de 1980, porém, as obras de restauração passaram a ser executadas
por empresas, sendo as equipes de obras restritas a ações pontuais de reparos,
até desaparecerem.41
No que se refere à utilização do monumento, verifica-se nas intervenções
reconstitutivas uma tendência a manter, a todo custo, a integridade do
monumento, evitando-se que o novo uso macule a arquitetura original. Em
nome de um uso condigno, a reciclagem é restrita a um reduzido número de
alternativas à destinação original. Isso explica a tendência, dominante durante
certa época, de privilegiar a destinação ao uso museológico, sendo a principal
peça exposta – e com tratamento de museu – o próprio monumento. A principal
crítica a essa linha de intervenção tem sido dirigida à desconsideração pelo valor
documental do monumento, ou seja, à valorização excessiva da instância estética
em detrimento da histórica.

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66

Formação de arquitetos restauradores

Antes de 1974,42 a alternativa dos profissionais interessados em se especializar em preservação de bens


imóveis era estudar no exterior. Para os arquitetos, havia na América Latina somente o curso do Centro
de Churubusco, no México, fundado em 1967.43 Nos Estados Unidos, algumas universidades ofereciam
cursos de especialização em preservação, como a Columbia, em Nova York, a partir de 1964. Na Europa,
havia diversas opções. O mais célebre era o curso do Palais de Chaillot, em Paris, fundado em 1875, o mais
antigo centro de formação de arquitetos para conservação e restauração.44 Havia ainda opções de cursos na
Itália (Nápoles, Florença, Roma e Veneza), na Inglaterra (Institute in Advanced Architectural Studies, da
Universidade de York, fundado em 1953) e em mais alguns países.
Todos esses cursos, tanto os da América como os da Europa, tinham, porém, uma característica
comum: eram voltados para a realidade de cada país. Por essa razão a Unesco criou, em 1959, o
International Center for the Study of the Preservation and the Restoration of Cultural Property
(ICCROM).45 Entre 1965 e 1966, foi realizado o primeiro curso, voltado para arquitetos, engenheiros,
historiadores, arqueólogos e técnicos envolvidos na conservação do patrimônio arquitetônico. A
condição preliminar de participação era a adesão do país ao ICCROM e, depois, a contribuição anual
para a manutenção do centro.
Em 1964, o Iphan aderiu ao ICCROM, passando a fazer parte da lista de instituições com direito de
indicar profissionais para especialização na conservação de bens culturais. A partir de então, arquitetos
brasileiros cursaram Conservação Arquitetural no ICCROM, fazendo especialização em conservação e
restauro de monumentos. Alguns deles se tornaram professores dos cursos que seriam instituídos no Brasil
na década de 1970.46
Tendo sido organizado com a participação da Universidade de Roma, e se valido da experiência da
instituição de formação de arquitetos restauradores Scuola di Perfezionamento per lo Studio ed il Restauro
dei Monumenti, o curso de Conservação Arquitetural do ICCROM foi fortemente marcado pela escola
italiana de restauro. Diferentemente da escola francesa, exemplificada pelo curso do Palais Chaillot, em
que o ensino era centrado no enfrentamento de situações concretas, abordando-se as questões conceituais
no momento da tomada de posição para solução dos problemas, na didática da escola italiana, herdada da
Scuola di Perfezionamento de Roma pelo ICCROM, a formação teórica precedia a prática. Matérias do
campo da história e da filosofia embasavam a discussão teórica.
Em 1964, o primeiro curso de especialização em preservação do patrimônio arquitetônico, para
arquitetos, foi organizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(FAU-USP). Entretanto, seriam necessários mais dez anos para se dar início a uma formação mais
estruturada e continuada. A oportunidade surgiu com a implantação, em 1973, do Programa das Cidades

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Históricas (PCH),47 o qual ampliou consideravelmente as ações de preservação, implementando projetos


no Nordeste, na primeira fase, e em outras regiões, posteriormente.
A grande quantidade de projetos e obras de restauração e sua implantação em diversos estados tornaram
evidente a insuficiência numérica e qualitativa de profissionais capazes de atender a demanda decorrente
do PCH. Tornou-se premente a formação de arquitetos especializados para a execução de projetos de
conservação/restauração de arquitetura e planejamento urbano em sítios históricos, para a programação,
realização e fiscalização de obras e para levantamento e cadastramento de bens culturais.

Os cursos de São Paulo, Recife e Belo Horizonte


Em 1974, um novo curso de especialização em restauração e conservação de monumentos, custeado
pelo governo do estado, foi realizado em São Paulo, por meio de convênio com a USP, representada pela
FAU, e o Ministério da Educação e Cultura, representado pelo Iphan e com a colaboração da Unesco.
Organizado e coordenado pelos arquitetos Luís Saia e Nestor Goulart Reis Filho, então diretor da FAU, o
curso destinava-se a arquitetos, indicados pelo Iphan, pela USP e pelo governo estadual. Os alunos foram
selecionados por meio da análise do currículo e de uma exposição de motivos. A programação durava
seis meses, cumprindo-se uma carga horária de 462 horas, sendo 168 reservadas para disciplinas ligadas
à restauração.48
O curso dispunha de uma base teórica reduzida, concentrando-se na prática de enfrentamento de
problemas, tendo como referência a experiência dos profissionais do Iphan e de especialistas estrangeiros,
como Victor Pimentel, do Peru, e Vianna de Lima, de Portugal, além de consultores brasileiros, como
os historiadores Francisco Iglesias e Fernando Novais, o antropólogo Ulpiano Bezerra de Menezes e
o pesquisador Newton Carneiro. Constituiu uma aplicação, de forma organizada, da transferência de
conhecimento e experiência entre gerações que caracterizara até então a iniciação dos novos no Iphan,
conforme revela Augusto Carlos da Silva Telles:

O objetivo principal deste curso, segundo proposta de seu coordenador, o saudoso arquiteto Luís Saia, era o da
transferência de experiência dos antigos técnicos do órgão federal para uma nova geração que se iniciava.49

A avaliação dos resultados da experiência de São Paulo serviu de base para a montagem, dois anos depois,
em Recife, do Curso de Especialização em Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos, como
aplicação de um dos propósitos do PCH, o de formação e treinamento de especialistas em prospecção,
pesquisa, projeto e execução de obras em monumentos e conjuntos históricos. Custeado pelo programa, o
curso resultou de uma parceria entre o Iphan e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Foi coordenado pelo arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti, então
professor da UFPE, tendo como consultor técnico Augusto Carlos da Silva Telles, do Iphan.50
O curso destinava-se a arquitetos do Nordeste e do Sudeste que trabalhavam em entidades ligadas à

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preservação do patrimônio, aprovados em teste de seleção e entrevista. Foram selecionados 20 profissionais


provenientes do Maranhão, do Ceará, de Pernambuco, da Bahia, de Sergipe, de São Paulo e do Distrito
Federal. A carga horária programada era de 560 horas, sendo a maior parte preenchida pelo desenvolvimento
de projetos de restauração que, à semelhança do curso de São Paulo, tinham como tema monumentos dos
locais de origem dos arquitetos alunos.
Como ocorreu no curso anterior, teoria e história da conservação e restauração não geraram disciplinas
autônomas. Questões conceituais eram levantadas em decorrência dos problemas enfrentados no
desenvolvimento dos projetos no ateliê. Isto é, seguia-se a metodologia de ensino da escola francesa.
Entretanto, houve nesse curso uma ampliação significativa da carga horária para o debate, momento em
que afloravam questões teóricas para as quais contribuía muito a participação dos professores estrangeiros,
consultores da Unesco, Raúl Pastrana, Victor Pimentel e Yves Raux Deledicque. Como complementação
à formação dos arquitetos, publicou-se o livro Restauração e conservação de monumentos brasileiros, reunindo as
notas de aula do arquiteto Fernando Machado Leal.
Em 1978, foi realizado outro curso, na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, com recursos do PCH, mediante um convênio entre a Secretaria de
Planejamento da Presidência da República (Seplan), o Ministério da Educação, representado pelo Iphan,
e a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). O financiamento do curso foi assim distribuído:
Seplan – 79,87%; UFMG – 16,07%; Iphan – 4,06%. Cabia à Fundep administrar a aplicação dos recursos.51
O curso destinava-se a arquitetos vinculados a entidades ligadas à preservação do patrimônio, a órgãos
de planejamento e à universidade. As vagas oferecidas foram preenchidas por 22 arquitetos – quatro de
estados do Nordeste, quatro do Rio de Janeiro, quatro de São Paulo e dez de Minas Gerais –, selecionados
por meio de provas escritas e entrevistas. Coordenado pela arquiteta e professora universitária Suzy de
Mello, o curso teve duração de 939 horas (26 semanas), distribuídas em seis meses de aulas em período
integral – um aumento de 67,32% em relação ao anterior. Com essa ampliação, foram acrescidas disciplinas
de revitalização de centros históricos, paisagismo e mobiliário brasileiro, por sugestão da coordenação do
curso de Recife.
O programa dividia-se em seis módulos: 1. história da arquitetura brasileira e teoria da conservação; 2.
técnicas de restauração e cadastramento de edifícios; 3. viagem de estudos às cidades históricas de Minas
Gerais, ao Rio de Janeiro e São Paulo; 4. ateliê de projeto; 5. viagem de estudos ao Nordeste; 6. finalização
dos projetos de restauração no ateliê e seminário com especialistas da Unesco.
Participaram desse curso seis especialistas, quatro dos quais52 ficaram mais tempo (duas semanas)
assessorando os trabalhos de ateliê. Como complementação à atividade didática, assim como no curso
anterior, foi publicada uma obra: a quinta edição revista do livro Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos, de
Sylvio de Vasconcellos.53

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Os cursos de Salvador – os Cecres


Em 1981, foi organizado com recursos do PCH um terceiro curso, em Salvador, na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), seguindo orientação do Iphan e com apoio da
Unesco. Em razão dos resultados positivos desse curso e da existência, naquela universidade, de um
corpo docente com pós-graduação na área de história da arquitetura, em urbanismo e, especificamente,
em conservação do patrimônio, foi criado, dois anos depois, o curso de mestrado em Arquitetura e
Urbanismo,54 e Salvador foi consolidada como sede permanente da especialização em conservação do
patrimônio arquitetônico e urbano. O nome adotado foi Curso de Especialização em Conservação e
Restauração de Monumentos e Sítios (Cecre).
Em 1996, a universidade incorporou o curso como atividade permanente, incluindo-o em seu orçamento
anual. Permaneceu, porém, o apoio do Iphan por meio do acompanhamento à estruturação dos cursos,
às avaliações e às reformulações, além do custeio da participação de seus especialistas no corpo docente.
A Unesco, com base na experiência bem-sucedida dos cursos anteriores, continuou a custear o envio de
especialistas à UFBA e passou a fornecer bolsas para alunos hispano-americanos, portugueses e africanos
de língua portuguesa. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por sua
vez, assumiu o fornecimento de bolsas para financiar a permanência em Salvador de alunos brasileiros
provenientes de outros estados. Mais um parceiro incorporou-se, o ICCROM, para prestar consultoria
eventual, participando de reuniões de avaliação.
A montagem da estrutura do primeiro Cecre, realizado em 1982, resultou de uma avaliação das
experiências anteriores e da análise de outros cursos, como o de Cuzco, no Peru, e o do ICCROM,
resultando em uma carga total de 31 semanas, com destaque para teoria e história da conservação e
restauro. A relevância dada à parte conceitual e o predomínio de professores formados pelo ICCROM
constituíram fatores decisivos para a transferência da França para a Itália como referência principal.
Houve, contudo, ao longo da existência do curso, modificações e aperfeiçoamentos que merecem
destaque por sua importância na formação de quadros profissionais para a preservação do patrimônio.
Em 1988, o curso passou por uma reformulação, criando-se uma linha de especialização em restauração
estrutural exclusiva para engenheiros civis. No ateliê, os projetos passaram a ser de três categorias: projetos
de “intervenção arquitetônica, projetos de restauração estrutural e planos de intervenção urbana”.55 As
disciplinas foram divididas em: matérias de base geral, para todos, e conteúdos específicos dirigidos para
as três categorias de especialização: arquitetura, engenharia e urbanismo.
Verificou-se, a partir de 1988, maior aprofundamento na formação tecnológica, com a contribuição
de engenheiros e arquitetos com especialização na área de restauração estrutural e de recuperação de
materiais.56 A ênfase maior na abordagem das questões físicas dos edifícios não se limitou à criação de uma
linha para engenheiros, mas consistiu na ampliação, para os arquitetos, do conteúdo informativo sobre

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estruturas e materiais, seguindo uma tendência universal de aprofundamento das questões físicas para a
conservação dos edifícios históricos. No ateliê, nos cursos realizados a partir de 1988, os projetos de
intervenção passaram a ter, na fase de diagnóstico, um aprofundamento no estudo das técnicas tradicionais
e no uso de tecnologia contemporânea de investigação. Na fase de proposta dos projetos, introduziu-se o
conceito de “estudar o máximo para intervir o mínimo”.57
De 1982 até 2012 foram realizados 14 Cecres.58 Os dois últimos cursos foram ofertados como
mestrado profissionalizante em Conservação de Monumentos e Sítios Históricos, sendo mantida a mesma
matriz curricular dos cursos de especialização anteriores.
Em 31 anos, foram formados 424 alunos, sendo 204 brasileiros e 220 estrangeiros. Esse número de
especialistas poderia ser maior, não fosse a suspensão, em 2000, da bolsa para brasileiros oferecida pela
Capes e, em 2004, da ajuda a alunos estrangeiros pela Unesco.
Atualmente, a UFBA, além das instalações físicas do curso, arca com o pagamento de 14 professores,
um arquiteto com especialização em conservação e restauração e um funcionário administrativo. Por meio
de um acordo de cooperação, estabelecido em 2014 com o Iphan, prevê-se ajuda de custo para consultores
e fornecimento de bolsas para três alunos estrangeiros.59

Linhas de intervenção e tendências

A influência da escola italiana


No final do século XIX, foram publicadas na Itália diversas análises críticas sobre as obras de restauração
em curso, não só no território italiano, como também nos demais países europeus.
Os temas, recorrentes, versavam sobre questões como a falsificação resultante do desrespeito pela matéria
original, a eliminação das marcas deixadas pela passagem do tempo e pelas diversas fases da história dos
edifícios e a recomendação de que as intervenções restaurativas fossem perfeitamente distinguíveis.60
Destacaram-se então diversos autores, como Carlos Cattaneo (1801-1896), Giuseppe Fiorelli (1823-
1896), Tito Paravicini (1832-1899) e Camilo Boito (1836-1914). Entre eles, no entanto, sobressaiu-
se Camilo Boito, que, depois de um período de atuação como arquiteto restaurador, elaborou diversos
textos sobre restauração, culminando com a proposta de critérios de intervenção apresentada durante o
Congresso dos Engenheiros e Arquitetos Italianos, ocorrido em 1883, em Roma. Esses critérios ainda são
reconhecidos como os princípios fundamentais da restauração:
· Reconhecer o valor documental dos monumentos, para os quais é preferível consolidar a repa-
rar e reparar a restaurar.

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· Evitar acréscimos e renovações, que, se fossem necessários, deveriam ser diferentes do original,
sem destoar deste, porém.
· Utilizar materiais diversos do original nas complementações de partes degradadas ou no pre-
enchimento de lacunas.
· Respeitar as diversas fases do monumento, admitindo somente a eliminação de acréscimos de
valor inferior ao do monumento.
· Documentar as intervenções com descrições e justificativas complementadas com registro foto-
gráfico das obras realizadas.
· Registrar a data e a natureza das intervenções em lápides a serem colocadas no monumento.

O reconhecimento do valor documental da obra significava a condenação da prática de eliminação de


acréscimos e modificações em nome da unidade de estilo, comum na segunda metade do século XIX em
diversos países europeus. Essa nova linha de atuação, que dizia respeito às diversas fases da história do
monumento, foi denominada na Itália “restauro filológico”.61 Em 7 de junho de 1884, na Exposição de
Turim, Boito proferiu uma conferência62 que se tornou famosa, na qual denunciou a restauração estilística
de Viollet-le-Duc e seus discípulos como uma intervenção destruidora ultrapassada, mas ainda praticada.
E declarou o nascimento de uma nova escola:

Existe uma escola, já velha, mas não morta, e uma nova. O grande legislador da velha foi Viollet-le-Duc que com
seus estudos históricos e críticos sobre a arte da Idade Média na França fez progredir a história e a crítica também
na Itália. Foi também arquiteto, mas de valor contrastante, e restaurador, até há pouco elevado aos céus por todos,
agora afundado no inferno por muitos pelas suas mesmas obras na antiga cidade de Carcassone, no castelo de
Pierrefonds e em outros insígnes monumentos.63

A condenação da restauração como uma prática dilapidadora não teve em Boito a mesma virulência
dos escritos do mais renomado crítico da restauração estilística, John Ruskin.64 Boito conseguiu estabelecer
uma posição intermediária, ao condenar a restauração estilística pela falsificação que produzia, mas, ao
mesmo tempo, refutar a posição romântica de John Ruskin e seus seguidores de condenação total à
restauração de monumentos, rejeitando o princípio da intocabilidade, que significava a aceitação fatalista
do desaparecimento de edificações que constituíam valiosos testemunhos do passado e, como tais, não
deveriam desaparecer.65
A Boito seguiu-se Gustavo Giovannoni (1873-1947), por sinal seu discípulo, ao qual se deve a
elaboração da Carta de Restauro italiana, em que foram estabelecidos conceitos fundamentais, como o do
respeito ao ambiente do monumento e ao caráter e à fisionomia da cidade.66
Coube a outro italiano, Cesare Brandi (1906-1988), por meio de uma vasta e densa produção
bibliográfica, definir os conceitos que foram universalizados pela Carta de Veneza. Os principais conceitos

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estabelecidos por Brandi referem-se à dialética da intervenção restaurativa da obra de arte, detentora de
duas instâncias simultaneamente presentes: a histórica e a estética. A conciliação entre essas duas instâncias
sintetizaria o desafio do restaurador, sendo seu objetivo restabelecer a unidade potencial da obra de arte,
sem cometer uma falsificação artística ou histórica.67
Uma mudança na valoração do monumento e, consequentemente, na maneira de restaurá-lo,
começou a ocorrer no Brasil a partir dos anos 1970, à medida que arquitetos com especialização
passaram a atuar no campo da preservação. A maioria dos profissionais formados no exterior
(principalmente na Itália, no ICCROM e em outros centros, como Veneza e Florença) voltou com
uma bagagem conceitual italiana, o que era compreensível, já que os italianos, desde o final do
século XIX, vinham progressivamente assumindo a vanguarda da formulação teórica no campo da
preservação de monumentos arquitetônicos.
Na segunda metade da década de 1970, começaram a atuar no campo da preservação arquitetos
restauradores formados no Brasil, imbuídos também da conceituação teórica italiana fundamentada nos
escritos de Camilo Boito, Gustavo Giovannoni e Cesare Brandi e transmitida pelos especialistas trazidos
pela Unesco e pelos professores brasileiros.68 O posicionamento dos restauradores formados nos cursos
brasileiros caracterizou-se pela condenação da reconstituição por causa das eliminações “depuradoras”
e pela defesa da conservação de todas as fases do monumento, ou seja, reconhecendo no monumento
seu valor como documento histórico, e nos testemunhos de suas transformações, dados documentais
de sua história.

Conservação integral
A linha conceitual de conservação integral das diversas fases do monumento tornou-se o discurso dos
arquitetos especializados. Como observou Antônio Luiz Dias de Andrade, critérios que os arquitetos da
“fase heroica” consideravam inquestionáveis passaram a ser contestados diante do abandono da prática da
reconstituição por grande parte dos arquitetos europeus. Referindo-se aos arquitetos mais jovens, Antônio
Luiz Dias de Andrade fez o seguinte comentário:

Uma nova geração de arquitetos, influenciada pela “escola italiana”, a esse tempo introduz nos debates a ideia
do restauro como uma disciplina autônoma, de caráter científico, associando, ademais, no plano do critério de
intervenção, o respeito pelas formas estratificadas no curso dos períodos históricos, condenando com veemência toda
sorte de reconstituição.69

A premissa da linha de intervenção conservativa é o reconhecimento do aspecto documental do


monumento, e sua consequência é o registro ou a consignação de todas as referências que revelem a história
do edifício. Esse conceito de intervenção renega, por isso, toda restauração que apague momentos da
trajetória do monumento. Resulta da corrente da escola italiana, desenvolvida no século XX, denominada

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“restauro científico”, radicalmente oposta à da reconstituição, pela ênfase dada à noção do monumento
como documento histórico. Esse conceito, consagrado na Carta de Veneza, encaminhou a preservação de
monumentos arquitetônicos para uma linha essencialmente conservativa, considerando a restauração uma
operação excepcional, conforme reza o documento, em seu artigo 9o:

A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores
estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos.
Termina onde começa a hipótese.70

A aceitação dessa linha conservativa resultou também da influência dos novos atores no campo
da preservação de edifícios – arqueólogos e antropólogos, principalmente. De fato, a contribuição de
arqueólogos, antropólogos e sociólogos foi decisiva para a defesa da manutenção dos testemunhos, das
marcas de cada época. Além disso, colaborou para a formação de uma geração de arquitetos voltados à
pesquisa documental e à elaboração de trabalhos de inventário e cadastramento de bens, não só como
processo de conhecimento da história do monumento, mas também como instrumentos de proteção.
A crítica a essa corrente refere-se a um imobilismo que termina por condenar o monumento a ser
mantido com toda sorte de modificações e acréscimos sem julgamento de sua contribuição. Essa obediência
à conservação integral do que foi agregado, sem levar em consideração sua relação com o monumento,
privilegia a instância histórica em detrimento da estética. A condenação das cirurgias radicais em que se
transformavam as restaurações na época do domínio absoluto do arquiteto foi um passo importante na
evolução da preservação, mas deixou sem resposta a questão básica da dimensão estética inerente à obra
arquitetônica, sacrificada numa intervenção em que a permanência de todos os testemunhos históricos é
tomada como único pressuposto.
Entre as causas da propagação da linha conservativa, podem-se incluir a contestação ao racionalismo
modernista e o reconhecimento do valor do ecletismo pela nova geração de arquitetos. A condenação da
reconstituição e a defesa da permanência das modificações foram bem acolhidas pelos novos especialistas,
até mesmo, como observa Antônio Luiz Dias de Andrade, por uma pressa em substituir os “critérios
vigentes, considerados anacrônicos e desrespeitosos com a historicidade dos bens culturais”.71
Continuando, Andrade observa que esse posicionamento de contestação frequentemente correspondeu
a uma defesa sem consistência de “teorias do restauro apreendidas de forma simplória e demagógica”.72
Suas observações remetem, por exemplo, à prática indiscriminada de abertura de “janelas” nos revestimen-
tos das paredes com a intenção de revelar didaticamente fases anteriores de tratamento do interior do mo-
numento, muitas vezes com prejuízo da fruição do edifício como obra de arte. Outro modismo na linha
pretensamente didática, mas de fato com finalidades meramente decorativas, é o de retirar o revestimento
ou, como se diz no jargão do restaurador, “descarnar” a parede, deixando à vista sua estrutura.

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Vertente da contraposição
Não se poderia dizer que, no Brasil, a linha de reconstituição tenha
reinado soberana na idade inicial da história da preservação cultural, pois o
Sphan nasceu sob a égide do Modernismo. Os grandes nomes que lideraram o
movimento de renovação cultural brasileira foram os mesmos que conduziram
as iniciativas de preservação do passado, pois a linha de contraposição parte
da noção de continuidade histórica, da necessidade permanente de renovação.
Nessa vertente, o aspecto formal também é enfatizado, embora de maneira
diversa. Enquanto na visão reconstituidora a convivência dos elementos antigos
com os novos ocorre pela ótica da subordinação destes àqueles, na perspectiva
da contraposição o novo dialoga de igual para igual com o antigo, compete com
ele e exibe sua personalidade.
Na reconstituição, a inserção se atém a um papel secundário, nunca con-
corrente. Procura-se a neutralidade anônima. Na outra perspectiva, a inserção
afirma-se como contraponto, sendo o resultado claramente legível, datado e
assinado. Podem-se observar, entretanto, duas tendências dessa corrente, que
refletem as duas escolas derivadas do Modernismo.
Na primeira, decorrente da escola racionalista, a intervenção manifesta
o despojamento formal típico desse movimento, resultando em uma
participação discreta, embora o diálogo de estilos enfatize o contraste. Há
uma estanqueidade intencional entre o discurso tradicionalmente profuso,
redundante, da arquitetura antiga, e o vocabulário asséptico, purista, do
moderno.
A outra tendência dessa mesma corrente da contraposição trai a influência
do organicismo e, mais recentemente, do pós-modernismo. Enquanto na
anterior a referência de além-mar é a França, tendo Le Corbusier como
embaixador, nessa variedade a fonte é estadunidense. O que a diferencia é o
diálogo antigo-moderno. Não há intenção de separar os dois mundos; há um
diálogo, crítico, em que o vocabulário do monumento é relido, interpretado e
citado até, se preciso for.
A contraposição desenvolveu-se muito nos últimos anos, notadamente na
reciclagem de grandes espaços arquitetônicos de fábricas, armazéns portuários,
estações ferroviárias e outros edifícios desativados. A não “sacralização” dessa

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Exterior e interior do Mercado Modelo,


arquitetura – por muito tempo ausente dos inventários do acervo patrimonial em Salvador, Bahia, 2005. As passarelas
metálicas foram inseridas na restauração
– ensejou a oportunidade de uma liberdade maior na intervenção, estimulada, e requalificação de 1984. Fotos de Cyro
por sua vez, pela descoberta do potencial plástico dos espaços internos. Corrêa Lyra.

Evidentemente, o emprego de técnicas contemporâneas, na contraposição,


é deliberadamente buscado e revelado, sendo o contraste dos materiais novos
com os antigos destacado e, comumente, sublinhado pelo tratamento pictórico.
A contraposição, na arquitetura, tem seus mais significativos exemplos nas
transformações parciais do espaço interno por meio da inserção de elementos
funcionais contemporâneos, como as escadas e instalações introduzidas no
Mercado Modelo, em Salvador,73 e no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, assim
como os grandes panos de vidro que passaram a vedar as arcadas do claustro
do antigo Convento do Carmo, em Salvador, na reciclagem para hotel.74
Também são exemplos da contraposição as radicais transformações
do “recheio” do monumento por meio da inserção de estruturas novas,
como ocorreu no Sesc Pompeia, em São Paulo, e na Casa do Benin, em
Salvador. A contraposição pode ser exemplificada, ainda, por algumas
inserções dignas de nota, como a do sobrado projetado pelo arquiteto Sobrado construído nos anos 1960 no
Pelourinho, Salvador, Bahia, 2005. A
Paulo Ormindo, na década de 1960, para o Pelourinho, em Salvador. edificação revela sua contemporaneidade
A edificação revela sua contemporaneidade, mas se harmoniza com o ao mesmo tempo que se harmoniza com
o patrimônio construído. Foto de Cyro
patrimônio construído no entorno. Corrêa Lyra.

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A contraposição da linguagem contemporânea expressa no elemento inserido


com o vocabulário de outra época, o existente, é sustentada pelos conceitos
enunciados na Carta de Veneza:

[...] todo trabalho complementar reconhecido como indispensável, por razões


estéticas ou técnicas, destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar
a marca do nosso tempo.75

O resultado do atendimento a esse princípio nem sempre é bom, pois é


necessário que a inserção não prejudique a fruição do existente, como ocorreu
Praça da Sé, no centro histórico de
Salvador, Bahia: acima, o “forno de micro- com a edificação erguida em pleno centro histórico de Salvador, na década
ondas” construído na década de 1990 (foto
de 1990, para preenchimento de uma lacuna em um corredor de sobrados.
de 2005). Abaixo, a solução, projetada pelo
arquiteto Chico Mazonni (foto de 2014). Embora tenha revelado sua contemporaneidade e obedecido à escala e à forma
Fotos de Cyro Corrêa Lyra e Mariely
de implantação das edificações contíguas, a inserção desarticulou o conjunto,
Santana.
destruindo sua harmonia pelo tratamento de fachada com o uso total de vidro
escuro. O repúdio à solução de fachada foi tão grande que se decidiu modificá-
la, adotando uma composição que retomou o ritmo de cheios e vazios das
edificações vizinhas.76

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Reconversão reverente e reciclagem criativa77


A ociosidade a que foram relegados os edifícios antigos, pelo desaparecimento
da função original ou pela inadequação de seus espaços e de sua linguagem
às novas exigências, provocou a disponibilização de monumentos para outras
finalidades. Isso exigia uma operação de reutilização, ou seja, um trabalho de
reintegração desses edifícios à vida contemporânea mediante a adaptação às
necessidades de uso distintas das anteriores.
Nesse novo campo de atuação do arquiteto, podem-se distinguir duas
tendências. A primeira, que chamaremos de reconversão ou reutilização
reverente, corresponde à postura de acordo com a qual o arquiteto procura
inserir o mínimo e de forma mimetizada, limitando-se a realçar os valores
do monumento, reverenciando-o, abrindo mão de “registrar” sua presença na
obra, atitude que usualmente teria em se tratando de um projeto novo. Pode-
se dizer que essa foi a postura predominante na escola brasileira, marcada pela
sobriedade e pela humildade de seus próceres. Acima, detalhe da escada inserida no Solar
A segunda postura é a da reciclagem ou reutilização criativa, que consiste
78 do Unhão. Abaixo, vista geral do conjunto
arquitetônico, onde funciona atualmente o
em uma intervenção restaurativa na qual as inserções têm presença expressiva, Museu de Arte Moderna, em Salvador, Bahia,
registrando de forma destacada a autoria do projeto. Diferentemente da 2005. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.

postura anterior, na reciclagem criativa o arquiteto


deixa sua marca, assina a obra. Uma constante
na reciclagem criativa é a agregação de valor à
arquitetura existente pela inserção de elementos
plasticamente expressivos.
Pode-se considerar a restauração do Solar do
Unhão,79 em Salvador, e sua conversão em Museu
de Arte Moderna e de Arte Popular (obra iniciada
em 1962 e concluída no ano seguinte) o primeiro
projeto executado no Brasil na linha da reciclagem
criativa. A autoria coube a Lina Bo Bardi (1914-
1992),80 que sintetizou o partido adotado nesse
projeto com as seguintes palavras: “O conjunto
do Unhão foi restaurado de acordo com o método
da restauração crítica, cuja prática somente foi
adotada após a Segunda Guerra Mundial [...]”.81

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78

Exterior e interior do antigo Liceu Mais recentemente, a renovação das instalações da Pinacoteca do Estado
de Artes e Ofícios de São Paulo, atual
Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2005. de São Paulo no antigo Liceu de Artes e Ofícios, executada pelo arquiteto
Fotos de Cyro Corrêa Lyra. Paulo Mendes da Rocha, pode ser inserida na exemplificação dessa linha de
intervenção.

Perspectivas
Os conceitos de intervenção nos monumentos evoluíram no que diz respeito
à compreensão do valor documental do bem, gerando uma postura de recusa à
reconstituição e de defesa da conservação integral. A contribuição dos cursos
de especialização resultantes da parceria entre o Iphan, a Unesco e universidades
federais foi decisiva para a incorporação de conceitos como o de autenticidade e
o de reversibilidade à prática da conservação e da restauração.

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Entretanto, a questão da adaptação do monumento para o uso continuou


sendo tratada, na maioria das vezes, como uma medida complementar, pois
permanece a percepção da distinção da arquitetura, no âmbito das artes, como
eminentemente utilitária.
Verificou-se que, em edifícios de grande expressividade plástica (palácios,
solares e igrejas, por exemplo), as adaptações tendem a seguir a linha da
conservação reverente, a fim de valorizar o existente. As inserções são
mínimas e discretas. Já nos edifícios destituídos de intenção estética (fábricas,
casas vernaculares e mercados, por exemplo), o uso conduz a intervenção,
frequentemente, em detrimento do edifício. Nesses casos, há prevalência da
adaptação sobre a conservação; a intervenção é conduzida por um pragmatismo
expresso na subordinação do monumento a sua nova função, com sacrifício de
suas originais características e de seus testemunhos históricos.
Na reciclagem criativa, entretanto, quando conduzida com talento e
sensibilidade, o monumento pode ser enriquecido com a agregação de valores
decorrente de inserções esteticamente válidas. Para que esse fim seja atingido,
três critérios devem ser respeitados: o da autenticidade, entendida como a
revelação da contemporaneidade da inserção, o da harmonia, compreendida
como a conciliação dos contrários (o existente e o novo), e o da sensibilidade,
traduzida pela capacidade de diálogo entre o novo e o existente.

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80

Salvador, Bahia.

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Capítulo 4

Proteção e requalificação do
patrimônio urbano

Da identificação à proteção

No Brasil, a trajetória da preservação do patrimônio material edificado foi semelhante à que se observou
no restante do mundo, evoluindo da obra isolada para o sítio urbano. Alterando a escala, mudou o desafio
e, consequentemente, a metodologia de intervenção. Entretanto, se há um paralelo entre o que aconteceu no
Brasil e o que se passou nos países europeus, as circunstâncias foram completamente diversas e a capacidade
de atuação sobre o patrimônio na América Latina foi sempre dificultada pelas pressões sociais e pela carência
de recursos, como apontou Ramón Gutierrez.1
Essa situação de conflito não é nova, como se observa no depoimento de Rodrigo Mello Franco de
Andrade publicado no Suplemento Literário do Jornal do Commercio, em 30 de maio de 1970:

[...] a conservação dos sítios urbanos notáveis obedece a critérios e normas semelhantes em todas as regiões do mundo,
embora nos países de clima tropical ocorram circunstâncias que, naturalmente, exigem organização de serviços e
providências peculiares.2

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O conceito de patrimônio urbano começou a ser ampliado na década de Parque do Flamengo, Rio de Janeiro,
2014. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
1980 com a contribuição de outras áreas do conhecimento na interpretação e na
valoração cultural da cidade. Conforme observa Maria Cecília Londres Fonseca,
a postura multidisciplinar propiciou o entendimento dos sítios urbanos como
conjuntos, “a partir da relação entre o meio geográfico, natural, e os grupos
humanos que ocuparam aquele solo e nele deixaram vestígios”.3
Com essa mudança de olhar, a cidade passou a ser avaliada como documento
fundamental não só para a história urbana, mas também para o estudo da
organização da sociedade.
Essa visão mais abrangente está presente na Carta de Petrópolis, documento
resultante do 1o Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de
Centros Históricos, organizado pelo Comitê Brasileiro do Icomos e realizado
em 1987, em Petrópolis. Nos dois primeiros artigos desse documento, lê-se:

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84

1. Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do


fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Esse sítio histórico urbano
deve ser entendido em seu sentido operacional de “área crítica”, e não por oposição
a espaços não históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico.

2. O sítio histórico urbano – SHU – é parte integrante de um contexto amplo


que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus
habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo
dinâmico de transformação, devendo os novos espaços urbanos ser entendidos na
sua dimensão de testemunhos ambientais em formação.4

A evolução dos conceitos e da prática relativos à valoração, à proteção e à


intervenção no patrimônio urbano brasileiro é analisada por Márcia Sant’Anna
em dois trabalhos referenciais: sua dissertação de mestrado e sua tese de
doutorado.5 A evolução do conceito de patrimônio urbano no Brasil, conforme
analisada no primeiro trabalho, compreende três períodos: o primeiro, da
construção da identidade nacional (1937-1967), corresponde ao conceito
da cidade-monumento; o segundo (1968-1979), ao das cidades históricas; o
terceiro (1980-1990), ao da cidade-documento.
Na fase inicial, para a seleção dos conjuntos urbanos a serem tombados, o
Sphan valeu-se de critérios preponderantemente estéticos, sendo a integridade e
a homogeneidade do conjunto um fator determinante:

Verifica-se que, até o final da década de 60, as cidades e centros históricos eram
tombados quase sempre pelo seu valor artístico e inscritos no Livro do Tombo das
Belas Artes. Faziam jus a essa inscrição as áreas que apresentassem as seguintes
características: homogeneidade do conjunto, com predominância da arquitetura
típica dos séculos XVII e, principalmente, XVIII; a integridade do conjunto, isto é,
poucas alterações realizadas nos elementos arquitetônicos das edificações ou sistema
construtivo; e traçado urbanístico mais ou menos espontâneo, caracterizando o
modo de urbanização predominante na América portuguesa durante o período
colonial.6

Nos 30 primeiros anos do Sphan, foram efetivados 39 tombamentos de


áreas urbanas. Essa quantidade correspondeu a 5% do total de tombamentos

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realizados e abrangeu cidades e núcleos centrais concentrados em Minas Gerais


e fragmentos urbanos ou conjuntos paisagísticos no Rio de Janeiro. Fora desse
eixo, foram protegidas a cidade de Alcântara, no Maranhão, a antiga aldeia de
Carapicuíba, em São Paulo, o Pátio de São Pedro, em Recife, Pernambuco, e o
conjunto da Praça e Igreja dos Reis Magos, em Serra, no Espírito Santo.7
A utilização de apenas um instrumento jurídico de proteção – o tombamento
– para bens tão diversos como o patrimônio urbano e os bens isolados sempre
foi tema de discussão. Foi proposta até, em determinados momentos, a ideia de
se criar um regime especial para o patrimônio urbano, como se depreende do
depoimento de Rodrigo Mello Franco de Andrade: Antiga Matriz de Alcântara, no
Maranhão, dominando a praça principal,
A lei, decreto ou ato administrativo pelo qual uma cidade ou uma povoação década de 1980. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

antigas, ou um bairro histórico ou característico, são classificados para o fim


da conservação de sua integridade, produzem efeitos necessariamente muito mais
complexos que a medida de proteção a uma edificação isolada, reclamando, pois,
para defesa permanente da área afetada, um critério especial, mais flexível que o
critério comum da proteção de monumentos históricos e artísticos, com exceção dos
casos dos sítios despovoados definitivamente.8

Da proteção à requalificação

De 1967 a 1979, sob a direção do arquiteto Renato Soeiro, o então


denominado Dphan mudou sua política de preservação dos núcleos
tombados com base na tomada de consciência, iniciada na década anterior,
das consequências do processo de transformação urbana. Diante da pressão
demográfica da industrialização e da ampliação da rede rodoviária no entorno
dos núcleos históricos, Soeiro empenhou-se na tarefa de modernizar a política
de preservação do patrimônio por meio da utilização de instrumentos de
planejamento urbano, conforme registrou Augusto da Silva Telles:

A necessidade e a urgência da elaboração de planos urbanos ou regionais que


incorporassem a preservação desses sítios históricos foi cedo compreendida e, através
da coordenação do órgão nacional de preservação do patrimônio histórico e artístico
– SPHAN, esses planos foram sendo contratados com diferentes entidades técnicas,
das áreas de planejamento estadual, do âmbito universitário ou particulares.9

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O aperfeiçoamento do sistema de preservação então desencadeado contou com um estudo fundamental


em seu embasamento: a análise da situação do patrimônio brasileiro feita em 1967 pelo arquiteto Michel
Parent, patrocinada pela Unesco, em atendimento à solicitação encaminhada dois anos antes por Rodrigo
Mello Franco de Andrade.10
Resultaram desse trabalho as iniciativas para a elaboração de planos diretores para Ouro Preto, em
Minas Gerais, Parati, no Rio de Janeiro, e Salvador, na Bahia. O plano para Salvador foi considerado
prioritário11 “não apenas devido às condições de degradação física e social do centro histórico, mas
também pelo seu potencial turístico”.12
Resultou ainda da missão de Parent a preparação do primeiro projeto para a recuperação do Pelourinho,
área mais degradada do centro histórico de Salvador. Foi criada, então, a Fundação do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia, com poderes para adquirir e restaurar imóveis. Em 1969, a fundação iniciou
a implantação do projeto para o Pelourinho com a compra de alguns sobrados, entre eles o que abrigaria
a sede da instituição, o Solar Ferrão.
Uma participação estadual dessa magnitude vinha ao encontro do objetivo da direção do Dphan de
descentralizar o sistema de proteção por meio do envolvimento dos governos estaduais. Com esse fim, e
sob o patrocínio do Ministério da Educação e Cultura, foram realizados dois encontros de governadores
– em 1970, em Brasília, e, no ano seguinte, em Salvador13 –, nos quais os governos estaduais foram
conclamados à participação na preservação do respectivo patrimônio cultural.

Programas nacionais para recuperação do patrimônio urbano


O Programa das Cidades Históricas (PCH)
O primeiro programa nacional de recuperação do patrimônio edificado foi criado em 1973 mediante
o entendimento entre os ministros do Planejamento e da Educação e Cultura.14 Denominado Programa
de Reconstrução de Cidades Históricas do Nordeste e seu Aproveitamento para Fins Turísticos, ele
funcionou de 1973 a 1977. Para coordenar sua implementação, foi nomeado um grupo interministerial
de trabalho com representantes dos Ministérios do Planejamento, da Educação e Cultura (Iphan), da
Indústria e Comércio (Empresa Brasileira de Turismo – Embratur) e do Interior (Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste – Sudene).
O objetivo do programa era a restauração de monumentos históricos, condicionada a sua utilização
como meio de garantir sua efetiva preservação. Os recursos a ele destinados somavam 24 milhões de
dólares, sendo 14 milhões de dólares administrados diretamente pelo Iphan, condicionados, porém, à
execução de um projeto de modernização da instituição.

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Quatro anos depois, o plano foi reformulado pelos ministros do Planejamento e da Educação
e Cultura,15 tendo sua ação ampliada para a região Sudeste. Recebeu, então, nova denominação
(Programa de Cidades Históricas – PCH) e foi executado entre 1977 e 1979. O objetivo com a
execução desse plano era apoiar estudos, projetos e investimentos nos estados do Espírito Santo e
Minas Gerais, visando à restauração de monumentos e conjuntos de valor histórico e artístico16 e à
preservação de expressões culturais significativas.17 Os recursos disponíveis somavam 18 milhões de
dólares, sendo 2,5 milhões de dólares administrados diretamente pelo Iphan.
As prioridades desse programa envolviam a restauração progressiva de monumentos e conjuntos
situados em áreas economicamente debilitadas ou ameaçadas de descaracterização ou destruição pelo
crescimento urbano acelerado, por vizinhança industrial ou atividade de mineração, assim como pelo
turismo predatório. Consideravam-se no mesmo nível de prioridade solicitações que visassem ao
aproveitamento de monumentos passíveis de imediata integração em roteiros turísticos estabelecidos
com base em estudos previamente elaborados.
Entre as premissas para a execução do programa, destacava-se a participação conjunta e efetiva
das administrações das esferas federal, estadual e municipal, que incluía a sensibilização cultural
das comunidades, notadamente de suas lideranças, e de proprietários e usuários de bens culturais.
O programa fazia parte de uma política de desenvolvimento urbano implantada para promover a
“aceleração do processo de integração nacional, contribuindo para diminuir as desigualdades inter
e intrarregionais e ordenando a ocupação produtiva do espaço brasileiro”.18 Pretendia-se fomentar a
integração de atividade turística ao quadro cultural e orientar as entidades públicas e privadas a utilizar
edificações e espaços de valor cultural como garantia de preservação do bem por meio de seu uso
continuado.
O programa abrangia, ainda, como atividades complementares: formação e capacitação de recursos
humanos especializados, de nível superior, intermediário e operário; pesquisa, prospecção e cadastramento
de bens culturais em extinção ou deformação, de caráter erudito e popular; formação e aperfeiçoamento de
pessoal especializado em técnicas de criação artística e artesanal; complementação de infraestrutura física
de acesso, serviços públicos e hospedagem na região. Faziam parte das diretrizes do programa a inserção,
nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, de legislação de proteção às áreas de valor cultural,
além da concessão de incentivos tributários estaduais e municipais visando atrair a participação do setor
privado em ações de restauração e conservação de imóveis residenciais e comerciais de valor cultural.
Entre as premissas que embasavam o programa, estava a concepção de que o desenvolvimento
do turismo constituía um instrumento para a recuperação econômica das cidades históricas e de seu
patrimônio edificado. Pretendia-se, assim, motivar o empresariado ligado à atividade turística a participar

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de projetos por meio de convênios, locações, aquisições e outras ações que possibilitassem o uso dos
sítios e monumentos para fins turísticos. Como o programa era executado por meio de convênios com os
governos estaduais, embora em benefício de bens tombados em nível federal, exigia-se um comprovante de
tombamento estadual dos imóveis, concedendo-se aos estados que não tivessem legislação de tombamento
prazo até junho de 1978 para cumprir essa condição.
Como resultados positivos do plano, vale destacar o financiamento de diversos projetos voltados
para a modernização do Iphan e a capacitação de profissionais para a preservação do patrimônio. Com
essa finalidade foram realizados os primeiros cursos de especialização em restauração e conservação de
monumentos e sítios para arquitetos, organizados pelo Iphan em parceria com as universidades públicas
sediadas em São Paulo (1974), Recife (1977), Belo Horizonte (1980) e Salvador (1982). Na mesma
linha de capacitação foram ministrados cursos para mestres de obras e de restauração de bens móveis e
promovidos seminários de avaliação da preservação no Brasil com base nas experiências francesa e alemã.19
No biênio 1978-1979, como continuação do PCH, desenvolveu-se o Programa Integrado de
Recuperação e Revitalização de Núcleos Históricos com recursos obtidos por empréstimo do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). O último aporte de recursos para o programa, 7 milhões de
dólares, foi feito em 1985 e proveio de um empréstimo concedido pelo governo francês.20 No decorrer
dos últimos anos de realização do programa, merece referência a parceria feita com o Banco Nacional de
Habitação (BNH), em 1982, para um projeto de recuperação das habitações situadas em áreas tombadas:
o Programa de Recuperação de Áreas Habitacionais Deterioradas de Núcleos Históricos.
Depois de uma análise pormenorizada da trajetória do programa, Márcia Sant’Anna faz um balanço
dos resultados, do qual destacaremos alguns tópicos pertinentes ao assunto central deste livro, ou seja, o
uso do monumento. A arquiteta assinala o fato de que as restaurações se dirigiram principalmente para
monumentos mais expressivos que tivessem condições de ser adaptados ao uso turístico ou à função
administrativa, como sedes de órgãos ou serviços públicos. Dos imóveis restaurados, 36% foram destinados
a uso turístico e cultural, ou seja, a ser utilizados como centros de cultura, museus, pousadas, teatros,
restaurantes e outros. Para uso institucional, foram destinados 30% dos projetos e para a continuação da
função religiosa, 13%.
Dos monumentos restaurados, somente 20% tiveram uso gerador de recursos para a manutenção dos
imóveis, um índice muito baixo, tendo em vista que um dos objetivos do programa era a restauração progressiva do
patrimônio. Para esse resultado, observa Márcia, contribuíram dois fatores: a destinação para fins institucionais
e religiosos da maioria dos imóveis e o investimento quase nulo para a recuperação do uso habitacional.21
A capacidade de conservação dos monumentos era pouco avaliada, mas com o decorrer dos anos ficou
“claro que o Estado era um péssimo conservador, e que todos aqueles imóveis restaurados acabaram de

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novo se deteriorando”.22 Essa situação ocorreu também com algumas igrejas restauradas, destacando-se,
porém, pela qualidade das obras, as intervenções feitas no Nordeste, notadamente em Pernambuco, na
Paraíba e no Rio Grande do Norte.23

O Programa Monumenta
A ideia da realização de um segundo programa de âmbito nacional para a recuperação do patrimônio
urbano surgiu em 1995, durante um encontro de representantes dos países-membros do BID, e teve como
motivação a experiência de recuperação urbana realizada no centro histórico de Quito, no Equador.24 No
ano seguinte, o Iphan encaminhou ao banco o documento Revitalização de sítios urbanos através da recuperação do
patrimônio cultural, no qual propôs a elaboração de um programa a ser executado em 20 cidades por meio de
uma parceria entre União, estados e municípios.
Iniciou-se, então, um processo de gestação durante o qual, como observa Márcia Sant’Anna,25 revelou-
se total descompasso entre o que queria a instituição – um programa de investimentos públicos voltado
para a revitalização e a dinamização dos sítios – e as preocupações dos técnicos do BID, interessados na
constituição de padrões de preservação autossustentáveis. Resultou desses contatos prévios a concepção
de um programa que teria como meta principal a superação da “prática da preservação centrada na ação
estatal sem garantia de retorno do investimento público ou de geração de recursos para a manutenção do
patrimônio recuperado”.26
Em 4 de dezembro de 1999, foi assinado o contrato de empréstimo entre o BID e o governo brasileiro
para a execução do Programa de Restauração dos Centros Históricos do Brasil (Programa Monumenta)
e, em setembro de 2003, concluiu-se a montagem do seu regulamento operativo. Destacamos desse
documento alguns dados que sintetizam o programa.
Foram definidos como objetivos a longo prazo a preservação de áreas urbanas prioritárias tombadas
em nível federal, o aumento da conscientização da população brasileira acerca do patrimônio, o
aperfeiçoamento da gestão desse patrimônio e o estabelecimento de critérios para implementação de
prioridades de conservação. Definiu-se como objetivo a curto prazo o aumento da utilização econômica,
cultural e social das áreas beneficiadas.
Além do BID, organismo financiador, e do Ministério da Cultura, órgão executor, participariam da
gestão do programa o Iphan, como fiscalizador e supervisor técnico das intervenções nos bens tombados,
e os municípios ou os estados, no papel de executores do projeto.
A gestão do programa cabia à Unidade Central de Gerenciamento (UCG), que tinha as funções de
supervisionar as etapas e procedimentos de elaboração e execução do plano e de controlar o cumprimento
de contratos de provisão de bens e serviços para componentes executados pelo Ministério da Cultura. Em

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cada um dos municípios ou estados executores, foi instalada uma Unidade Executora do Projeto (UEP),
à qual cabia a coordenação da elaboração do projeto local, a execução dos procedimentos licitatórios e o
controle do cumprimento de contratos de obras e de provisão de itens e serviços.27
O custo do programa foi estimado em 125 milhões de dólares, sendo 50% de recursos externos e o
restante como contrapartida, com a seguinte composição: 30 milhões de dólares de recursos da União, 20
milhões de dólares de recursos do município ou estado e 12,5 milhões de recursos da iniciativa privada.28 A
maior parcela dos recursos – 42,4% – era destinada aos custos diretos, que correspondiam aos chamados
Investimentos Integrados.
O primeiro componente englobava diversos tipos de obra, como a conservação/restauração dos monumentos
tombados pelo Iphan, melhorias na infraestrutura urbana (pavimentação, iluminação, paisagismo, sinalização
histórica, programação visual e mobiliário urbano), além de pequenas obras de drenagem e saneamento
necessárias à preservação de monumentos nacionais. Abrangia também o financiamento para reforma de
fachadas, telhados, estruturas e instalações elétricas de imóveis particulares situados nas áreas de projeto,
reformas de interior de imóveis particulares situados em áreas de projeto cujos proprietários tivessem renda
familiar inferior a três salários mínimos, além de 50% do custo de instalações subterrâneas de redes elétricas e
telefônicas em áreas de projeto inseridas em conjuntos declarados Patrimônios da Humanidade pela Unesco.
O segundo componente em termos de investimento, denominado Atividades Concorrentes, correspondia
a 35,2% do total e abrangia quatro categorias. A primeira, fortalecimento institucional, envolvia: a capacitação
de pessoal para o setor do patrimônio histórico no Brasil nas três esferas de governo; a execução de
inventários e manuais técnicos, a aquisição de equipamentos e serviços, o treinamento e a capacitação
de pessoal, a atualização legislativa e a capacitação de gestores para o município ou o estado, no âmbito
do Iphan.
A segunda categoria, chamada de promoção de atividades econômicas, consistia no apoio financeiro à realização
de atividades culturais e turísticas voltadas para a intensificação do uso econômico do patrimônio,
atividades de promoção turística e seminários para capacitação de parcerias privadas.
A terceira categoria, treinamento/formação, dirigida para a capacitação de artífices e agentes locais de
cultura e turismo, abrangia a criação de núcleos de formação de artífices em técnicas de conservação de
edificações, treinamento de artífices instrutores e de agentes locais de cultura e turismo.
A quarta categoria correspondia a programas educativos referentes ao patrimônio, tais como campanhas
nacionais, regionais e locais, produção de vídeos e filmes documentários, publicações de educação
patrimonial e criação de rede de comunicação.
O princípio econômico adotado pelo programa era o da sustentabilidade, entendida “como a geração
permanente de receitas suficientes para garantir o equilíbrio financeiro das atividades e manter conservados
todos os imóveis da Área do Projeto, inclusive monumentos cujas receitas sejam insuficientes para sua

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conservação”,29 o que significava a geração permanente de receitas suficientes para garantir a manutenção
e a conservação dos imóveis beneficiados. Para garantia da sustentabilidade, previa-se a constituição, nas
cidades incluídas no programa, de um Fundo de Preservação.
Sete cidades seriam atendidas na primeira etapa do programa: Olinda, Ouro Preto, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, São Luís e São Paulo. As quatro primeiras conseguiram atender às demandas para a
elaboração de seus projetos e os iniciaram antes de terminar o ano de 2001. Formaram o que se chamou
de Amostra Representativa do Programa.
Previsto para ser realizado em cinco anos, o programa deveria ser concluído em 2004, mas sucessivos aditivos
prolongaram sua execução até 2012, com a participação de 26 municípios30 e a concretização de 235 projetos,
abrangendo restauração e reciclagem de edificações e obras de requalificação urbanística e paisagística.
A questão da renovação de uso esteve presente em diversos projetos, destacando-se as experiências
de implantação de campi universitários em Cachoeira, na Bahia, e em Laranjeiras, em Sergipe, iniciativa
patrocinada por uma política de expansão das universidades públicas estimulada pelo governo federal, por
meio do Ministério da Educação.
Sobre esse tipo de renovação de uso assim se expressou Nabil Bonduki, em seu livro sobre intervenções
urbanas em sítios históricos:31

A implantação de campi universitários em núcleos históricos é uma forma muito eficiente de dinamização urbana
e de garantir a sustentabilidade da preservação. No entanto, também implica em riscos, pois o crescimento da
demanda imobiliária pode levar à descaracterização dos imóveis protegidos. Isso significa que o papel dos órgãos de
preservação passa a ser ainda mais relevante para a compatibilização entre um possível ciclo de expansão econômica
e a proteção ao patrimônio urbano.32

Sendo experiências muito recentes, ainda não se percebe uma demanda imobiliária que possa ter
consequências danosas para os imóveis de valor cultural integrantes desses dois centros históricos,
problema para o qual alerta o referido autor.
Na implantação em Cachoeira do campus da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, foram
aproveitados os espaços internos de três edifícios remanescentes de uma extinta fábrica de charutos,
dos quais restaram apenas as paredes externas e umas poucas internas. A apropriação de espaços ociosos
de construções arruinadas em que restaram somente as fachadas e paredes internas ocorreu também na
implantação do campus de Laranjeiras. Nesse caso, porém, obteve-se um resultado plástico expressivo com
a conservação no pátio interno das estruturas de alvenaria de pedra remanescentes de antigos trapiches.
Um dos méritos do programa no âmbito das experiências de reabilitação foi a ênfase na manutenção
dos usos tradicionais concomitantemente à inserção de novas utilizações que pudessem ser absorvidas
localmente. “Tal perspectiva”, segundo Bonduki, “embora não estivesse muito presente na fase inicial

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do programa, foi se tornando preponderante a partir de 2005, convivendo e até superando, em algumas
cidades, a noção – disseminada a partir da Carta de Quito – de que o turismo gera as principais atividades
capazes de dar sustentabilidade às políticas de preservação, visão que influenciou sua concepção original”.33
Devemos creditar ao Monumenta a concretização de um projeto idealizado desde os anos 1970:
o financiamento especial para imóveis privados situados em cidades históricas. Já em 1978, a direção
da Fundação Nacional Pró-Memória, com o assessoramento técnico do arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo, chegou a propor a criação de uma linha de crédito no BNH para imóveis de valor histórico
destinados ao uso habitacional.34 Quase 30 anos depois, essa ideia concretizou-se com o Monumenta.
O instrumento de financiamento desenvolvido pelo programa possibilitou a execução de 360 obras de
recuperação entre 2006 e 2012. Dessas ações, realizadas em 19 municípios, mais da metade (67,22%)
concentrou-se em cinco cidades de pequeno a médio porte: Goiás, em Goiás: 61 obras; Natividade,
no Tocantins: 58; Lençóis, na Bahia: 57; Ouro Preto, em Minas Gerais: 35; Cachoeira, na Bahia: 31.
A participação de cidades grandes foi muito pequena. Nas capitais que aderiram efetivamente ao
financiamento oferecido pelo programa e em Corumbá, somente 28 obras foram realizadas: Belém, no
Pará: oito; Corumbá, em Mato Grosso do Sul: seis; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul: dez; Rio de
Janeiro, no Rio de Janeiro: quatro.
Há que se creditar também ao programa o esforço de viabilização de propostas de reabilitação que
garantissem a permanência, no local, da população de baixa renda. Nessa linha, situa-se a Sétima Etapa do
Projeto de Recuperação do Centro Histórico de Salvador. Com essa ação, voltada para a habitação social,
procurou-se corrigir a distorção do Projeto Pelourinho, executado pelo governo estadual nos anos 1990,
que excluiu quase totalmente o uso habitacional do centro histórico.
A ação do Monumenta abrangeu projetos de inserção de 338 unidades residenciais e 55 pontos
comerciais em 76 edificações. O resultado dessas obras, do ponto de vista da preservação arquitetônica,
é bastante discutível. Como observou Bonduki, “reciclar antigos casarões unifamiliares para utilizá-los
como blocos de habitação coletiva não é um procedimento simples e acarreta uma série de problemas
projetuais e construtivos”.35
Em 2010, estando o Monumenta em fase de conclusão, foi lançado o PAC Cidades Históricas,
derivado do programa de desenvolvimento federal denominado Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC), mas adaptado ao atendimento de cidades históricas e alimentado pelas experiências de
requalificação empreendidas por iniciativa federal. Diferentemente, porém, dos programas anteriores,
o PAC Cidades Históricas caracteriza-se pela transversalidade no que se refere à política cultural.
De sua realização, participam os Ministérios da Cultura (por meio do Iphan), das Cidades e da
Educação e do Turismo, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
e da Caixa Econômica Federal, pactuados com os municípios detentores de patrimônio protegido

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por tombamento. Outro aspecto inovador é a extensão das intervenções a projetos de saneamento
ambiental, melhoria do transporte público e implantação de habitações sociais.

Iniciativas dos governos estaduais e municipais


Em núcleos urbanos de pequeno porte, a função original das casas antigas é mantida sem muito
sacrifício para a edificação, mas não se pode dizer o mesmo no caso de cidades médias e grandes, nas quais
a permanência do uso habitacional em geral se deve à ocupação, frequentemente por invasão, acarretando
um processo de degradação do edifício pela falta de conservação e manutenção. Entretanto, a permanência
das funções originais de moradia e comércio é considerada a melhor alternativa para o casario dos centros
históricos, por se tratar de um meio comprovadamente eficiente para a revitalização de áreas urbanas
degradadas.
Desde o último quartel do século XX, os projetos de intervenção nos grandes centros urbanos vêm
estabelecendo medidas para fixar a população residente, como a recuperação dos prédios de moradia, da
infraestrutura e dos equipamentos socioculturais. As experiências realizadas na Europa, sobretudo na
Itália, demonstraram que as ações essenciais para a conservação integrada devem estar relacionadas ao
uso habitacional e sociocultural e à implantação de um sistema de transporte público e de infraestrutura
adequados, que evitem a segregação do centro da cidade por meio da transferência dos problemas da área
central para a periferia.
No Brasil, a percepção da necessidade de se reabitar o centro vem se incorporando às diretrizes de
planejamento das grandes cidades. No Rio de Janeiro, em 2003,36 a prefeitura publicou um estudo com
diretrizes para a criação de melhores condições de vida para os residentes na área central e de estímulo
à incorporação de novos moradores. Mais recentemente, foram implantados projetos habitacionais em
áreas do entorno imediato do centro administrativo, como os bairros da Lapa, da Saúde e da Gamboa. O
objetivo da fixação da população no centro é reduzir a terceirização dessa área e o respectivo esvaziamento
do uso habitacional. Pretende-se o preenchimento de vazios nos espaços ociosos e o aproveitamento da
infraestrutura existente.
Projetos destinados a manter o uso original foram executados em muitos países, cabendo mencionar
como trabalho pioneiro em termos metodológicos a experiência desenvolvida nos anos 1970 em Bolonha,
na Itália, abordada no capítulo 2.37 No Brasil, duas experiências de requalificação de centro histórico
tombado em nível federal exemplificam abordagens diametralmente opostas no que se refere à questão
da função habitacional, ambos por iniciativa de governos estaduais: o projeto de recuperação do centro
histórico de São Luís, no Maranhão, e o Projeto Pelourinho, em Salvador, na Bahia.

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Casario recuperado no centro histórico


de São Luís, Maranhão, com predomínio
do uso residencial, 1999. Fotos de Cyro
Corrêa Lyra.

Recuperação do centro histórico de São Luís


Em 1979, o governo do Maranhão incluiu entre as prioridades do Plano
Estadual de Desenvolvimento a preservação do centro histórico de São Luís38
e promoveu, com o apoio do Iphan, o primeiro encontro nacional sobre a
preservação do trecho do centro conhecido como Praia Grande.39 No ano
seguinte, concluiu-se a elaboração do texto básico do Projeto Praia Grande, que
daria origem, alguns anos depois, ao Programa de Preservação e Revitalização
Abaixo, Vendedor de cartões telefônicos,
do Centro Histórico de São Luís,40 também conhecido como Projeto Praia
uma imagem do orgulho pelo reconheci-
mento do valor cultural da cidade. À direita, Grande/Reviver.41 Os objetivos do governo com esse plano eram a manutenção
placa do estabelecimento “O rei do cartão”.
Centro histórico de São Luís, Maranhão, do uso residencial, a revitalização econômica do comércio varejista, o incentivo
1999. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
a manifestações culturais e educacionais, a preservação do patrimônio edificado
e ambiental e sua reintegração à dinâmica social e econômica da cidade.42
A implantação do programa foi progressiva e acompanhada de debates,
congressos e seminários. Envolveu diversos segmentos e lideranças comunitárias
e contou com a contribuição técnica de profissionais de várias partes do país
e de outras nacionalidades. A questão habitacional foi abordada no Projeto
Piloto Habitação43 (1990-1994), que resultou na restauração e na adaptação de
um sobrado para abrigar dez famílias, mantendo-se o térreo para uso comercial.

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Recuperação do centro histórico de Salvador – Projeto Pelourinho


Intervenção extremamente onerosa do ponto de vista social foi o Projeto
Pelourinho, concebido no início dos anos 1990 com o objetivo de reciclar
o centro histórico de Salvador para atividades comerciais. A proposta da
Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) era de
cunho empresarial e visava transformar a área em um shopping ao ar livre:

Acreditava-se que a aliança entre consumo, lazer e cultura, num ambiente histórico
único, igualaria a área aos shoppings da cidade, gerando uma dinâmica que
contaminaria saudavelmente as quadras vizinhas [...], viabilizando o centro
histórico.44

A iniciativa privada foi afastada da montagem do plano de recuperação,


sendo as negociações restritas ao entendimento entre os proprietários dos
imóveis e o governo estadual. Este propunha um sistema de doações ou cessões
de unidades pelo prazo de cinco a 15 anos, como forma de ressarcimento aos
donos dos imóveis pelo investimento empregado em sua recuperação. Desse
modo, o governo passou a controlar a execução da obra e, de certa maneira, a
utilização da área segundo os moldes preestabelecidos.45
A continuidade da função habitacional, que deu vida ao centro da cidade
desde sua fundação, não fez parte do projeto. Em vez disso, o estado removeu,
indenizando, cerca de 1.900 famílias, que se transferiram para outros bairros
ou se acomodaram nas áreas degradadas do entorno, invadindo imóveis Centro histórico de Salvador, Bahia: uso
residencial das edificações degradadas antes
abandonados. da implantação do Projeto Pelourinho,
década de 1970. Fotos de Cyro Corrêa
Em face da pobreza existente na região, a indenização46 constituiu um Lyra.
instrumento atrativo para a população. Como os imóveis estavam em péssimo
estado de conservação, os moradores saíram sem muitos problemas, embora
pagassem baixos aluguéis ou nenhum, já que habitavam prédios invadidos ou
cedidos gratuitamente. O mais grave, do ponto de vista social, foi o fato de que
o projeto não proporcionou a possibilidade de aquisição das moradias mediante
um financiamento acessível. Segundo Márcia Sant’Anna:

A única alternativa de permanência oferecida pelo estado foi a formalização de


contratos de aluguel ou concessão, com valores mais altos nos imóveis recuperados, o
que não constitui uma alternativa real, já que, além de muito pobres, os moradores
sofreram ainda com a redução do comércio informal, devido ao novo uso da área.

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A opção da grande maioria pela indenização, na realidade, foi muito vantajosa


para o governo, pois assumir a responsabilidade de reassentamento da população
nessa ou em outras áreas da cidade, seguindo os princípios recomendados para esse
tipo de ação, sairia muito mais caro.47

O projeto começou a ser executado em 1992, definindo-se a área situada


entre o terreiro de Jesus e o largo do Pelourinho como local de implantação do
shopping ao ar livre. De 1992 a 1999, além da recuperação para uso de 600 imóveis,
aproximadamente, foram renovadas as redes de infraestrutura, construídos
três estacionamentos, agenciadas seis praças e restaurados nove monumentos.
Entretanto, segundo Márcia Sant’Anna,48 dois anos após a implantação do
programa, já se constatavam alguns problemas. Os estabelecimentos comerciais,
voltados para uma população de poder aquisitivo mais alto, não conseguiam
manter essa finalidade e terminavam por fechar as portas, enquanto as lojas
de produtos turísticos viam-se prejudicadas porque o número de turistas era
aquém do esperado.
Se o projeto falhou em seus principais objetivos, centrados na mudança de
função, perdeu-se também nas ações de intervenção física. O plano privilegiou
de tal forma o uso comercial que desconheceu as consequências que uma
hipertrofia dessa função traria ao patrimônio edificado.
Um dos piores resultados ocorreu nos fundos dos terrenos. Com a finalidade
de criar espaços de lazer nos miolos de quadra e aproveitar comercialmente
os fundos das edificações, desfiguraram-se essas áreas com a eliminação dos
apêndices de serviço nelas inseridos na segunda metade do século XIX.
O resultado foi um patrimônio arquitetônico mutilado, desprovido das
características tipológicas documentais da evolução da arquitetura de moradia
de Salvador. Essa mutilação, além de apagar documentos da história social do

Projeto Pelourinho, no centro histórico


de Salvador, Bahia, 2005: transformação
dos fundos das casas em frentes. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.

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Ao lado, Projeto Pelourinho, no centro


histórico de Salvador, Bahia, 2005: inserções
abusivas para atendimento ao comércio.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.

centro histórico, transformou fundos em fachadas, desestruturando as quadras


e comprometendo também o valor patrimonial urbano.
A tentativa de redirecionar o plano e corrigir seus equívocos ocorreu em
1999, quando começou a ser implantado um projeto piloto para atendimento
à função habitacional: o Projeto Rememorar,49 resultante de um convênio
entre o governo do estado e a Caixa Econômica Federal. O objetivo era o
desenvolvimento de uma metodologia de reabilitação de imóveis, com a
participação de aportes privados, mediante o uso de linhas de financiamento da
Caixa Econômica Federal.
Para Márcia Sant’Anna, houve aspectos positivos e negativos nesse projeto.
Um aspecto positivo foi a possibilidade de multiplicação da atitude, tomada
por cinco proprietários, de recuperar suas edificações para que não fossem
desapropriadas. O lado negativo apresentou-se na constatação de que o
custo final do imóvel, depois de recuperado e adaptado, estava acima das
possibilidades da faixa de renda que se pretendia atender.50 Entretanto, para
que o projeto atingisse seus objetivos sociais, cogitou-se o uso de incentivos
fiscais do governo federal, por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura
Projeto Pelourinho, no centro histórico
(Pronac).51 A justificativa para o uso desse recurso era o entendimento de que
de Salvador, Bahia, 2005: utilização dos
a recuperação de fachadas e coberturas restauraria o componente público das sobrados para atendimento ao turista. Foto
de Cyro Corrêa Lyra.
edificações, a parte visível dos logradouros e, portanto, que seria usufruída
por toda a população.52

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Da requalificação à proteção

A maioria das ações de requalificação em sítios históricos foi motivada pelo


reconhecimento da importância desses locais. Mas isso nem sempre ocorreu. Três
intervenções urbanas exemplificam uma trajetória inversa àquelas apresentadas
até agora, pois nos três casos a requalificação não partiu do reconhecimento de
valor do sítio por meio do instrumento legal do tombamento: a implantação
do corredor cultural, no Rio de Janeiro, a revitalização do setor histórico de
Curitiba e a preservação do centro histórico da Lapa, no Paraná.

Projeto Corredor Cultural


Tradicionalmente, o uso das edificações no centro do Rio de Janeiro era
residencial e comercial: havia comércio no térreo e residência no pavimento
superior. Com o crescimento da cidade, essas casas de uso misto foram sendo
alteradas internamente e a função residencial quase desapareceu. Exceção
significativa observou-se no bairro da Lapa, onde a permanência do uso
habitacional preservou a disposição interna tradicional no andar superior de
muitas edificações.
O Projeto Corredor Cultural inclui-se entre os exemplos de planos de
reabilitação em área central de cidade de grande porte dirigidos à preservação
de uma paisagem urbana em risco de desaparecimento diante do processo de
verticalização construtiva.
O plano começou a ser discutido em 1979. Cinco anos depois, foi aprovada
a Lei no 506, que reconheceu o corredor cultural como zona especial do centro
histórico do Rio de Janeiro.53 Foram delimitadas quatro áreas, que correspondiam
à Lapa-Cinelândia, à praça Quinze, ao largo de São Francisco e imediações e ao
SAARA.54 Optou-se por essa divisão porque essas áreas apresentam “fronteiras”
em relação a seus usos, atividades, arquitetura e ambiência, com transições que
podem ser tênues ou bruscas.55 Além disso, cada uma delas apresenta certa
homogeneidade de tipologia arquitetônica e de uso do solo.
Com a lei, ficam protegidos os exteriores – fachadas e coberturas –, ou seja,
a volumetria das edificações. Internamente, são liberadas adaptações segundo
as necessidades ditadas pelo novo uso. As únicas restrições internas referem-
se aos vãos de iluminação zenital – claraboias e prismas de ventilação –, que
devem ser mantidos. Além disso, a lei condena a transformação das fachadas

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Corredor cultural. Sobrados recuperados


na rua Uruguaiana, Rio de Janeiro, 1999.
Foto de Eliana Miranda.

em cenário, ou seja: “Elas devem se integrar ao espaço interno, conforme sua


função original, como, por exemplo, o acesso às sacadas, quando estas existirem,
deve ser garantido”.56
Apesar de se tratar de uma área de densa ocupação, nela havia muitos terrenos
vagos ou com construções passíveis de serem substituídas. Em 2003, existiam
cerca de 550 lotes vazios ou ocupados por prédios descaracterizados, sem
interesse arquitetônico ou histórico.57 Foram fixados parâmetros para regular a
altura das construções que seriam feitas nesses espaços.
Foram padronizados, entre outros elementos, os materiais utilizáveis nas
reformas, as dimensões de letreiros de propaganda e a disposição para colocação
de equipamentos externos e toldos nos vãos de portas e janelas. Definiu-se
também uma paleta de cores para a pintura das fachadas e seus elementos.
Com o apoio e o incentivo aos proprietários que recuperassem seus imóveis,
foi elaborada a Lei no 691, que foi aprovada em 1984 e integrada ao Código
Tributário da cidade, sendo regulamentada dois anos depois. Essa lei isentou
os proprietários de imóveis preservados no Rio de Janeiro de pagar o Imposto
Sobre Serviço (ISS), o Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU), e as Taxas de Obras em Áreas Particulares (TOAP), desde que
mantivessem as características tipológicas do imóvel ou as recuperassem por
meio de obras de restauração, arcando com os custos e obedecendo à orientação
do órgão fiscalizador responsável.

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Vale ainda destacar o fato de que, no centro do Rio de Janeiro, além das áreas que integram o corredor
cultural, existem outras protegidas pela lei de proteção ambiental criada em 1988 pela prefeitura.
São as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e as Áreas de Proteção Ambiental e Cultural (APACs).
Foram consideradas APAs áreas dotadas de características notáveis nos aspectos naturais e culturais
que justificassem o disciplinamento de sua ocupação e utilização visando à valorização do patrimônio
ambiental. Com a instituição do Plano Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, em 1992, houve um destaque
para a importância do patrimônio cultural que motivou a criação das APACs, visando à preservação do
ambiente cultural urbano:

Com 20 anos de implantação do projeto, pode-se chegar a algumas conclusões. A primeira é que ele contribuiu
para a reabilitação do centro histórico da cidade reforçando as formas tradicionais do comércio varejista. Em
segundo lugar contribuiu para a revitalização no centro da função cultural. E, finalmente, resgatou o valor de
uma arquitetura vernacular – o casario assobradado construído do século XVIII ao início do XX, de grande
significado histórico e artístico para a cidade do Rio de Janeiro.58

Revitalização do Setor Histórico de Curitiba


No início do século XVIII, Curitiba era uma vila modesta com casario de pau a pique e uma igreja de
pedra e barro. Meio século depois, a intensificação do transporte de muares entre o extremo sul e Sorocaba
e o desenvolvimento das atividades comerciais transformaram a vila no centro econômico, social e político
da região.59 Com a exportação do mate, a vida econômica da região ganhou um novo alento e, em meados
do século XIX, Curitiba já continha 27 quarteirões, sendo elevada à categoria de cidade.
A fisionomia urbana até esse momento não diferia de nenhum outro núcleo colonial de igual porte. A
cidade apresentava as mesmas características gerais das implantações urbanas de interior: uma grande praça
(hoje praça Tiradentes), dominada pela matriz – tendo a casa de câmara e cadeia em um lado e o pelourinho
no meio –, constituía o centro cívico e social da cidade. O traçado urbano seguia a tradição colonial de ruas
estreitas com cruzamentos não ortogonais e praças à frente das igrejas: os largos da Ordem e do Rosário e a
praça da Matriz. Igualmente de modelo colonial era a arquitetura, da qual, infelizmente, somente um exemplo
sobreviveu: a casa térrea do largo do Coronel Enéas, antigo largo da Ordem. As igrejas, que desempenhavam
o papel de maior importância na vida social do núcleo, apresentavam arquitetura discreta. Da feição original
dessas construções nada mais resta, em razão das reformas por que passaram no século XIX.
Com a instalação de colônias estrangeiras nos arredores, Curitiba teve a fisionomia transformada.
No último quartel do século XIX, essas colônias, notadamente a germânica e a italiana, assumiram tal
importância que suas tradições culturais influíram decisivamente na paisagem urbana.
No centro, sobre a estrutura urbana implantada no período colonial, transformou-se a arquitetura, con-
tribuindo para isso o desenvolvimento econômico por que passava a região. As casas térreas de pau a pique

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foram demolidas e substituídas por sobrados de alvenaria. As coberturas ganha-


ram novo perfil com a maior inclinação das águas dos telhados para a utilização
do sótão e o emprego de telhas planas escamadas denominadas “telhas alemãs”.60
No final do século XIX, introduziram-se materiais e equipamentos impor-
tados, como o ferro fundido, para as estruturas internas e para os gradis das
sacadas, e peças de louça, para os sanitários. O aspecto das igrejas, não corres-
pondendo ao tipo de arquitetura familiar aos imigrantes, passou por radicais
transformações. No lugar da antiga matriz, demolida em 1876, foi construída
uma catedral de estilo neogótico, muito mais ao gosto da população imigrada.
A antiga Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas (1737) passou
por uma reforma total em 1880, segundo o plano de um arquiteto francês.
Assim como ocorreu na maioria das cidades brasileiras da época, a arquitetura
civil passou a seguir o ecletismo, valendo-se, nos ornamentos, do vocabulário
plástico neoclássico. Nos vãos de esquadrias adotaram-se os arcos plenos e de-
sapareceram os beirais, erguendo-se platibandas para arremate das fachadas.
No início do século XX, Curitiba entrou em uma nova fase de prosperidade,
Mapa do setor histórico de Curitiba,
em decorrência da economia ervateira e da extração da madeira. Àquela altura, a
1970: parcelamento das quadras. Fonte:
cidade se expandia em direção ao sul, ocupando terrenos mais planos e adotando IPPUC.

um traçado regular. Com o deslocamento do comércio nessa direção, o centro


antigo permaneceu com um de-
senho urbano e uma implantação
edilícia de modelo colonial, mas
com uma arquitetura representa-
tiva das diversas fases da história
da cidade.
Data de 1966 o primeiro es-
tudo para a delimitação do se-
tor histórico de Curitiba como
detalhamento do Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano
(PDU), aprovado pela Câma-
ra Municipal.61 Quatro anos
depois, o Instituto de Pesqui-
sa e Planejamento de Curitiba

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(IPPUC), órgão de planejamento municipal criado para a implantação do pla-


no diretor, desenvolveu o Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba
com o objetivo de preservar o patrimônio arquitetônico antigo e sua ambienta-
ção ainda existente na área central da cidade.62
Pretendia-se proteger as características coloniais da estrutura urbana,
demonstradas na pouca largura das ruas, na implantação das igrejas (fronteiras
às praças), na escala e na forma de implantação das edificações, e de uma série
de construções de diferentes épocas, que eram significativas como expressão
arquitetônica regional e local. Um inventário dos imóveis existentes e a análise
do valor de sua arquitetura e do ambiente em que estavam inseridos foram o
ponto de partida do plano.
Reconhecia-se que a arquitetura de mais interesse do setor histórico
de Curitiba não apresentava grande expressão nem conotações históricas
memoráveis, mas guardava o valor de testemunho da história local, o que lhe
conferia importância documental para a preservação da memória da cidade.
Constatou-se que, apesar das reformas que descaracterizaram diversos imóveis,
os prejuízos delas decorrentes não chegavam a comprometer irremediavelmente
o conjunto, permanecendo válida a intenção de preservá-lo, que deveria ser
complementada com diversas medidas.
Verificava-se, ainda, que o crescimento do centro comercial na direção sul tinha
provocado a estagnação do centro tradicional, deixando o campo aberto para uma
Casa Romário Martins, em Curitiba, substituição do tipo de comércio. Essa modificação, a ser então empreendida,
Paraná: à esquerda, em 1970, antes da
reconstituição do seu exterior. À direita, deveria orientar-se para uma renovação do uso das unidades a preservar, de
vista atual, em 2005. Fotos de Cyro Corrêa maneira que as medidas de salvaguarda fossem complementadas por medidas de
Lyra e José La Pastina Filho.
revitalização do uso.

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No equacionamento dessas duas ordens de intervenção, ressaltou-se a garantia da proteção da integridade


da arquitetura e dos ambientes desde que seus usuários assumissem o papel de parceiros na execução do pla-
no. Essa participação, porém, só se efetivaria se constituísse um investimento financeiramente compensador.
Nesse sentido, propunha-se a concentração no setor de atividades culturais e de um comércio atraente não
só aos residentes na cidade, mas também aos visitantes e turistas, capazes de motivar a revitalização da área.
Em 1971, por meio de um decreto municipal, foi instituída a legislação de proteção e revitalização do
setor histórico proposta no plano.63 Para sua implantação, o primeiro passo foi a transferência, para o largo
da Ordem, da feira de artesanato que era realizada todos os sábados em outro local, a praça Zacarias.64
Seguiu-se um trabalho de divulgação do plano visando atrair para a área determinadas atividades turístico-
comerciais, como restaurantes temáticos, lojas de antiguidades, floriculturas, galerias de arte, ateliês de
artes plásticas, lojas de souvenires etc.65
Seguindo a estratégia estabelecida no plano, a prefeitura desapropriou dois imóveis como experiências
piloto. O primeiro era uma pequena casa de esquina que constituía o último remanescente da arquitetura
civil do período colonial.66 O outro era o Palacete Wolf, do qual falaremos adiante.
A restauração e a revitalização dessas duas casas motivaram iniciativas privadas que promoveram a mudança
de uso da área com a instalação no local de galerias de arte, lojas de antiguidade, instituições de ensino,
restaurantes e estabelecimentos correlatos. Nos anos 1990, para comemorar os 300 anos de Curitiba, foi
construído um centro de referência para a história da cidade e, em 2004, o Museu Paranaense foi transferido
para um imóvel situado no setor histórico.67

Preservação do centro histórico da Lapa68


A formação da cidade da Lapa, no Paraná, teve início, em meados do século XVIII, em um dos muitos
pousos de tropeiros instalados ao longo da estrada, aberta em 1732, por onde se deslocavam as tropas
de muares. Tendo como pontos extremos Viamão, no Rio Grande do Sul, e Sorocaba, em São Paulo,
onde havia tradicional feira de gado, essa rota passou para a história como Caminho das Tropas. Ela
possibilitava a integração das províncias sulinas ao centro administrativo e econômico do Brasil colonial e
contribuía para a formação de povoados.
Um dos referenciais desse caminho era a Lapa, considerada no período colonial o mais importante sítio
urbano na longa e perigosa jornada de Curitiba a Lages, em Santa Catarina.69 Em 1806, quando foi elevada
à categoria de vila, com o nome de Vila Nova do Príncipe, sua estrutura urbana foi organizada, com a
abertura de ruas paralelas à via principal (o Caminho das Tropas), interligadas por travessas, adquirindo
uma conformação urbanística linear.70
Durante o século XIX, Vila Nova do Príncipe passou um período de grande progresso, que motivou
sua elevação, em 1872, à categoria de cidade. Em 1894, porém, a população local passou por forte trauma
ao enfrentar o cerco da cidade pelas tropas federalistas oriundas do sul: durante 26 dias, “a Lapa resistiu
ao assédio militar permeado de intermitentes bombardeios e duros combates”.71

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Museu de Armas, na Lapa, Paraná, década


de 1980. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Esses acontecimentos marcaram a vida da cidade, que, nos anos seguintes ao


cerco, passou por um período de “estagnação econômica e de discórdia social
com a divisão da população em dois grupos antagônicos, os ‘pica-paus’ e os
‘maragatos’, cujos traços, ainda hoje, sutilmente podem ser percebidos”, como
bem observou José La Pastina Filho, superintendente do Iphan no Paraná.72
Embora a cidade tivesse quatro de seus principais edifícios históricos
tombados nos primeiros anos do Sphan,73 só a partir de 1970 iniciou-se o
processo efetivo de sua preservação, o que ocorreu na primeira das três gestões
do prefeito Sérgio Augusto Leoni,74 com a desapropriação, a restauração e a
adaptação de uma casa para a instalação de uma coleção de armas.75
Terminado seu primeiro mandato, Sérgio Augusto Leoni, no final de 1972,
conseguiu a saída de uma emissora de rádio do antigo teatro da cidade, tombado
pelo Patrimônio Estadual em 1969, e iniciou gestões no Sphan em busca de
recursos para sua restauração, o que se efetivou em 1976.76 A reinauguração do
Theatro São João, em novembro daquele ano, contou com a presença de autoridades
federais, como Ney Braga, ministro da Educação, Renato Soeiro, então diretor
do Sphan, e Amália Luci Geisel, representando seu pai, o então presidente da
República Ernesto Geisel, além de autoridades estaduais e municipais.
A restauração do antigo teatro foi fundamental para o reconhecimento do
valor cultural do centro histórico da cidade, o que justifica um relato mais
detido dessa intervenção e de seus desdobramentos nos anos posteriores.

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Restauração do Theatro São João


A história do teatro remonta à época em que a Vila Nova do Príncipe de
Santo Antônio da Lapa foi elevada à categoria de cidade e lá se iniciaram os
primeiros movimentos para a promoção de atividades culturais e artísticas,
à semelhança do que já ocorria nas cidades maiores da província do Paraná,
como Paranaguá e Curitiba. Em 29 de julho de 1873, por iniciativa de um
grupo de cidadãos locais, fundou-se a Associação Literária Lapeana, cujos
objetivos eram organizar seleta biblioteca sobre assuntos vários e promover a
construção de um teatro para a encenação de espetáculos.77 A inauguração do
Theatro São João ocorreu em 1887, com a apresentação da Companhia Souza
Bastos de Operetas,78 mas acredita-se que sua construção tenha terminado na
década anterior.79
Em 1894, durante a Revolução Federalista, o teatro, como outros imóveis
locais, foi convertido em enfermaria para atendimento aos feridos nos combates
em defesa da cidade, que estava sitiada pelas tropas federalistas. No início do
século XX, reparado e reaberto, foi palco de espetáculos amadores até a década
de 1930, quando foi transformado em cinema. Posteriormente, serviu como
local para exposições agrícolas e leilões para fins beneficentes. A partir de 1950,
pertenceu durante 25 anos à Rádio Legendária, emissora da paróquia local. Em
1975, graças aos esforços de Sérgio Augusto Leoni, a prefeitura retomou a posse
do edifício, pleiteando ao Ministério da Educação recursos para a restauração
do teatro, que teve início no mesmo ano.80

Acima, fachada do Theatro São João, na


Lapa, Paraná, 2004. Foto de José La Pastina
Filho.

Ao lado, interior do Theatro São João, na


Lapa, Paraná, 2009. Foto de Julio Gabardo.

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Implantado na praça principal do centro histórico da Lapa, de frente para a Igreja Matriz, o teatro
apresenta linguagem arquitetônica similar à das casas de espetáculos construídas em outras regiões do
Brasil, como o Teatro Municipal de Icó (Ceará), o Santa Inês, em Alagoa Grande (Paraíba), o Minerva, em
Areia (Paraíba), o Municipal de Ouro Preto e o de Sabará (Minas Gerais). A fachada singela tem origem
neoclássica, que é expressa pela simetria da composição e do coroamento por um frontão triangular.
Apresenta cinco vãos em arco pleno, sendo três portas ao centro ladeadas por duas janelas de peitoril,
todos eles arrematados por bandeiras de madeira e vidro.
A cobertura em quatro águas, com telhas cerâmicas do tipo capa e canal, é apoiada em tesouras de
madeira. O arcabouço, de planta retangular, apresenta paredes de alvenaria mista de pedra e tijolos, que
envolvem a estrutura interna feita de madeira e disposta em forma de ferradura. Destacam-se as frontarias
dos camarotes com guarda-corpos entalados com balaustrada de madeira entre cada par de esteios e, no
alto destes, tábuas finas, com recorte em forma de arco pleno.
O edifício é composto de dois pisos: o primeiro, com foyer, plateia circundada por camarotes, palco
e sanitários laterais, inseridos na restauração de 1975-1976; o segundo, com vestíbulo, camarotes que
circundam o vazio da plateia, sanitários e circulação lateral pelos fundos do palco.81
Após a restauração, o teatro foi entregue ao público em 5 de novembro de 1976. Antes das obras,
seu estado de conservação era precário por ter sofrido intervenções danosas durante a fase de uso como
estação de rádio. Na restauração foi adotada a linha de reconstituir o que havia sido modificado com
base em documentação iconográfica, prospecções e fontes orais. Para a reconversão do edifício a teatro,
construíram-se novas instalações hidrossanitárias, elétricas e telefônicas.82
Desde sua reinauguração, o local tem sido utilizado por companhias teatrais do Paraná e de outros
estados, estando aberto à visitação fora dos horários de espetáculo. Vem servindo à comunidade local para
atividades não relacionadas a sua função precípua, como a realização de cerimônias de formatura, além
de cursos diversos. Com a conclusão da restauração do antigo Cine Imperial, situado nas proximidades,
pretende o município que o teatro seja utilizado exclusivamente para as artes cênicas, transferindo o que
não for essencialmente de cunho teatral para o cinema.
O caso do Theatro São João nos leva a duas conclusões: a primeira é a de que o edifício sobreviveu
pela continuidade de uso, ainda que as funções desempenhadas não tenham sido sempre adequadas ao
monumento. A segunda é a de que a função original foi retomada com êxito, para benefício cultural da
população local, que, além de ter recuperado a relação perdida com a atividade teatral, viu resgatadas a
beleza e a originalidade do edifício.83

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Novas ações de preservação


No segundo mandato de Sérgio Augusto Leoni (1977-1982), por meio
de um convênio entre a prefeitura municipal, a Fundação de Assistência aos
Municípios do Paraná (Fundepar) e a Universidade Federal do Paraná, foi
elaborado, sob a coordenação do autor deste livro, o Plano Diretor Urbano da
Lapa. Além de propostas para o desenvolvimento integrado da cidade, fez-se
a delimitação do centro histórico, o estabelecimento de normas urbanísticas
voltadas à preservação e de incentivos aos proprietários de imóveis localizados Casa Vermelha, na Lapa, Paraná, 1982.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.
naquela área e às atividades de prestação de serviços que contribuíssem para
sua revitalização por meio da restauração e da destinação para finalidades de
interesse turístico-cultural. Ainda nesse período, o município desapropriou
duas edificações que foram restauradas com recursos municipais e federais: a
casa natal de Ney Braga, que passou a abrigar a Biblioteca Municipal,84 e a Casa
Vermelha,85 onde foi instalado o Centro de Artesanato Aloísio Magalhães.86
As realizações dessa fase culminaram com a restauração da antiga Casa de
Câmara e Cadeia, com verbas federais, voltando o prédio a sediar a Câmara
Municipal da cidade. O apoio do Sphan/Pró-Memória às iniciativas municipais
motivou um antigo colaborador do órgão federal, Francisco Brito de Lacerda, Inauguração do Centro de Artesanato
Aloísio Magalhães: equipe de arquitetos
de comum acordo com seus parentes, a articular a doação da antiga residência e operários responsáveis pela restauração da
da família Lacerda,87 com todos os seus pertences, à Fundação Nacional Pró- Casa Vermelha, na Lapa, Paraná, 1982. Foto
de Cyro Corrêa Lyra.
Memória, presidida então pelo seu fundador Aloísio Magalhães. Depois da
doação, a casa passou por obras de restauração e adaptação, e hoje abriga um
museu de época que representa o cotidiano de uma tradicional família lapeana
na primeira metade do século passado.
As ações de preservação, porém, tinham opositores, que, após a conclusão
do segundo mandato de Sérgio Augusto Leoni, conseguiram que a Câmara
Municipal, em 1987, aprovasse uma lei que alterava o Plano Diretor, reduzindo
drasticamente o perímetro do centro histórico e liberando todo o restante da
área antes delimitada para construções de maior altura, a critério do prefeito. A
Inauguração do Centro de Artesanato
consequência foi a derrubada, em finais de semana, de algumas casas.88
Aloísio Magalhães na Lapa, Paraná, 1982.
Eleito pela terceira vez, Leoni tentou sem sucesso que a Câmara Municipal Na imagem, da esquerda para a direita: a
restabelecesse os parâmetros fixados pelo Plano Diretor de 1980. Diante da última moradora da Casa Vermelha, Solange
Magalhães (viúva de Aloísio Magalhães),
perspectiva da total descaracterização do centro histórico, Sérgio Augusto Augusto Silva Telles (representando a
Leoni solicitou ao Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do presidência da Fundação Nacional Pró-
Memória) e Sérgio Augusto Leoni (prefeito
Paraná o tombamento do centro histórico da Lapa. A pronta resposta do órgão de Lapa). Foto de Cyro Corrêa Lyra.

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estadual foi decisiva: o processo de tombamento foi aberto em abril de 1989 e


concluído no final do ano: “o Centro Histórico da Lapa estava protegido com
a aprovação das normas de uso e ocupação do solo que aperfeiçoavam aquelas
do Plano Diretor”.89 Três anos depois, foi feito o tombamento em nível federal.
A partir de 1990, a prefeitura municipal da Lapa, com a estreita colaboração
da então 10a Coordenação Regional do Iphan e da Curadoria do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado do Paraná, implantou o Programa de
Revitalização Urbana, lastreado em leis municipais de incentivo à preservação
histórico-cultural. Quase 40 dos mais importantes edifícios do centro histórico
foram restaurados ou reparados. Para os imóveis privados, a participação da
prefeitura restringia-se ao exterior, por meio da restauração de fachadas e
coberturas, executada por uma equipe de operários e artífices devidamente
treinados. A ação municipal teve um efeito muito positivo entre os proprietários,
motivando a maioria deles a recuperar o interior de suas casas. Sobre essa
iniciativa, La Pastina, em 1996, assim se expressou:

[...] podemos perceber que a população lapeana tem o maior orgulho de sua cidade
e a trata com muito carinho, pois, neste processo, não se procurou alcançar apenas
o efeito plástico ou estético da renovação urbana, mas também a recuperação da
alma da cidade. Houve uma valorização monetária dos imóveis do centro, um
incremento do turismo com a proliferação de restaurantes e pequenas indústrias
caseiras de produtos artesanais, em especial os alimentícios, antiga tradição local.90

A experiência de reabilitação urbana desenvolvida na Lapa pode ser conside-


rada exemplar, na medida em que resultou na manutenção e na valorização das
funções tradicionais de comércio, prestação de serviços e residência do centro
histórico. Recuperou-se, além disso, um sentimento de orgulho pela cidade,
particularmente importante em razão da existência de certo pessimismo her-
dado pelos descendentes dos que viveram o histórico e trágico cerco da cidade,
resgatando o sentido de pertencimento pelos lapeanos e contribuindo para que
continuassem vivendo nas casas construídas por seus antepassados. Além disso,
chama a atenção nesse caso a ação persistente de uma figura pública que, como
representante da comunidade, conseguiu impedir a descaracterização da cida-
de, recuperar seu patrimônio construído e instituir uma legislação de proteção,
obtendo para esse fim o apoio necessário do estado, por meio da Curadoria do
Patrimônio Cultural, e da União, por meio do Iphan.

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Requalificação urbana da orla marítima Acima, caminhantes na praia no parque


do Flamengo, Rio de Janeiro, 2014. Foto
Dois projetos de transformação do espaço urbano com revitalização do uso de Cyro Corrêa Lyra.
na orla marítima do Rio de Janeiro merecem ser abordados: o do parque do
Flamengo e o do porto Maravilha.

O parque do Flamengo
O projeto do parque do Flamengo originou-se de um planejamento desenvol-
vido nos anos 1950 com o objetivo de melhorar o tráfego de veículos. Decorria,
portanto, de uma concepção de urbanismo que elegia o deslocamento de veículos
como prioridade no tratamento da cidade. O que hoje seria impensável era, 50
anos atrás, perfeitamente aceito: o aterramento de parte da Baía de Guanabara
para facilitar o trânsito de automóveis. Essa prática já ocorrera no início do século
Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro,
XX para a construção da avenida Beira-Mar, utilizando-se material proveniente
em um domingo de 2014: pistas de veículos
do desmonte do morro do Castelo. Para o novo aterro, valeu-se o governo do exclusivas para pedestres e ciclistas. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.
então estado da Guanabara do desmonte do morro de Santo Antônio.91

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Abaixo e à direita, uso dos jardins no parque


do Flamengo, Rio de Janeiro, 2014. Fotos de
Cyro Corrêa Lyra.

Durante a implantação do parque, duas edificações notáveis foram construí-


das: o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial e a sede do Museu
de Arte Moderna (MAM), inaugurados, respectivamente, em 1960 e em 1963.92
Dois anos depois da abertura do MAM, o parque foi inaugurado. O que seria
simplesmente um conjunto de vias de alta velocidade resultou em um parque de
lazer utilizado por milhares de pessoas, não só moradoras do bairro, mas também
vindas de vários outros lugares, principalmente em fins de semana e feriados.93
O reconhecimento pelo Iphan da excepcionalidade de sua concepção
resultou na inscrição do projeto, em 1965, em seguida à inauguração do parque,
no Livro do Tombo de Arqueologia, Etnografia e Paisagismo.94
O tombamento do projeto revelou-se medida acertada, pois garantiu a
integridade do parque diante de diversas propostas inapropriadas, como a colocação
de monumentos comemorativos. O maior risco ocorreu em 2010, quando se
pretendeu inserir uma garagem de barcos de excessiva altura e uma ampliação do
cais na marina da Glória.95 Resistindo a forte pressão política, o Iphan evitou a
construção da garagem, respaldado no instrumento jurídico do tombamento.
Com o passar do tempo, entretanto, alguns equipamentos tornaram-se ociosos
Parque do Flamengo: pistas de veículos. Foto e novas demandas se apresentaram. O espaço de aeromodelismo permanece, até
de Cyro Corrêa Lyra, 2014.
hoje, utilizado pelos adeptos desse hobby, ao passo que o tanque para modelismo
naval foi abandonado e seu espaço passou a ser usado para a prática de futebol.

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Em razão do aumento do número de usuários e do tempo de permanência


no parque, a municipalidade projetou, em 1995, a construção de mais de duas
dezenas de pontos de venda de alimentos, à semelhança do que tinha sido feito
nas praias de Copacabana e Ipanema. A proposta tinha razão de ser, porque
a afluência cada vez maior de usuários tinha como consequência a demanda
desse tipo de comércio. A proposta foi amplamente discutida pelos técnicos da
representação do órgão no Rio de Janeiro, que, em sua maioria, não a aceitavam
por entender que constituía em uma alteração do projeto e, portanto, uma
afronta ao tombamento. Finalmente se encontrou uma solução conciliadora:
como no projeto era prevista a construção, ao longo da via que beirava a
praia, de seis pequenas edificações para vestiário dos banhistas, era admissível
substituí-las, já que, 50 anos depois, frequentadores da praia não demandavam
esse equipamento. Assim, foi aprovada a implantação de quiosques nos locais
previstos no projeto para vestiários.96 Admitiu-se ainda a inserção de certo
número de quiosques de madeira nas proximidades das quadras esportivas, tendo
em vista tratar-se de equipamentos desmontáveis. Ou seja, por um critério, o da
reversibilidade, foi possível admiti-los.
Esses fatos demonstraram claramente que as formas de utilização,
principalmente dos lugares públicos, alteram-se ao longo do tempo pela
mudança de hábitos. Sendo assim, o tombamento do espaço público não
significa sua imobilização. É sempre necessário identificar o essencial, ou
seja, o valor maior cuja perda destruiria o bem cultural e, complementando,
Passarela projetada por Afonso Eduardo
avaliar sempre o que pode ser mudado em razão de circunstâncias derivadas do Reidy no parque do Flamengo, Rio de
dinamismo da sociedade. Janeiro, 2014. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

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Projeto Porto Maravilha


A requalificação urbana da área portuária do Rio de Janeiro, iniciativa da
municipalidade, batizada de Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha,
abrange amplo território do centro da cidade, polarizado pelo cais marítimo
construído no início do século XIX.97
A obsolescência de uma parcela dessa área decorre do processo de evolução
do sistema portuário, que vem provocando em todo o mundo a desativação
dos portos implantados junto às áreas urbanas das grandes cidades. Mudaram-
Foto aérea do entorno da praça Quinze,
no Rio de Janeiro, 2014. Vê-se na imagem o se as funções portuárias em decorrência da evolução tecnológica dos navios
edifício da antiga Conab, hoje ocupado pelo e da forma de armazenamento. Com a ociosidade de parte das instalações
Tribunal de Justiça, e o elevado em fase de
portuárias, decidiu o município implantar um projeto de requalificação de uma
demolição. Fonte: Google Earth.
área de aproximadamente 5 milhões de metros quadrados.
Além da modernização da infraestrutura urbana, o projeto inclui diversas
ações culturais, como a reciclagem de armazéns, a instalação do Museu de Arte
do Rio de Janeiro (MAR),98 já executada, e, em fase de construção, o Museu
do Amanhã.99 Está prevista ainda no projeto a intervenção em alguns bens
tombados ou em seu entorno, como a urbanização do morro da Conceição,
a restauração dos Jardins Suspensos do Valongo e a demolição do viaduto
denominado Elevado do Perimetral ou, simplesmente, Perimetral. Essa via,
cuja construção data da década de 1950, objetivava o desafogo do tráfego de
veículos, sem nenhuma consideração, porém, com os danos aos bens culturais
situados em seu trajeto.
A primeira perda foi a do antigo Mercado Central da praça Quinze, do qual
restou apenas um pavilhão, hoje utilizado como restaurante.100 Outro prejuízo
foi de ordem paisagística: a interferência extremamente danosa à fruição dos
exteriores de cinco monumentos tombados em nível federal: a antiga Estação
de Hidroaviões (sede do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica), o
Mosteiro de São Bento, a antiga praça do Comércio (Casa França-Brasil), o
chafariz do Mestre Valentim e o paço Imperial. Sem dúvida, esse dano será
reparado com a demolição da Perimetral. Entretanto, quando o trecho da via
que passa entre a praça Quinze e a Casa França-Brasil for demolido, ficará
evidente a oportunidade perdida em dezembro de 1998 com o tombamento
estadual do prédio construído no final da década de 1930 para sede da antiga
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), inaugurada em outubro de
1941. A decisão do órgão estadual de preservação teve como objetivo evitar a
demolição do prédio pela prefeitura municipal, que o adquirira com o intuito

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Ao lado, entorno da praça Quinze, no Rio


de Janeiro, 2009. Da esquerda para a direita:
o chafariz de Mestre Valentim, o elevado,
em fase de demolição, e o antigo prédio da
Conab. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Fachada do antigo prédio da Conab, no


de demoli-lo e, dessa maneira, requalificar o trecho de beira-mar entre a praça Rio de Janeiro, 2014. Abaixo, detalhe de
uma das esculturas da fachada. Fotos de
Quinze e o “Espaço Cultural da Marinha”.
Cyro Corrêa Lyra.
O pedido de tombamento, assinado pelo professor de arte Gustavo Schnoor,
tinha como justificativa o salvamento do conjunto de baixos-relevos, de autoria
do escultor Armando Schnoor (1913-1988). No processo, estendeu-se o
tombamento a outros cinco edifícios, situados em outros locais da cidade, com
a alegação de tratar-se de um conjunto de valor histórico por se constituir de
edificações públicas com linguagem art déco erguidas no período do Estado Novo.101
A permanência desse prédio descomunal e destituído de expressão plástica –
exceção feita ao tratamento da fachada – impediu o agenciamento paisagístico
do trecho de borda marítima carioca de valor histórico. Para não se perder
o trabalho escultórico, bastaria conservar o pórtico e demolir o restante. A
permanência do pórtico garantiria a preservação do bem artístico e da memória
do prédio. Quanto a sua inclusão no conjunto representativo do Estado Novo,
trata-se de uma justificativa discutível, pois a preservação das sedes dos antigos
ministérios atendia perfeitamente à representatividade arquitetônica do período
de governo ditatorial, nenhum valor agregando a manutenção do edifício em
que funcionou uma repartição pública que já não existe.
A remoção pretendida pela municipalidade permitiria a recomposição do
espaço que, até o final do século XIX, era a sala de entrada do Rio de Janeiro.
Faltou, nesse caso, a compreensão dos benefícios que a revitalização da área
traria à população.

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Antigo Engenho de Mate,


Campo Largo, Paraná.

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Parte III
Revitalização na obra de arquitetura

PatrimonioEdificado.indb 115 3/31/16 10:36 PM


Capítulo 5

Restauração e reutilização de
monumentos

Continuidade e descontinuidade de função

Muitos edifícios de valor histórico que desapareceram ou se arruinaram chegaram a esse fim pela perda
de função original. Evidenciando tal trajetória, merecem registro, no Brasil, duas categorias de arquitetura: a
militar e a conventual.
A arquitetura militar corresponde a um ciclo de existência finito, iniciado em 1549, com a construção da
primeira obra fortificada de defesa de Salvador, na Bahia, conhecida como Trincheira do Mar, e encerrado
com a edificação, em 1914, do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Quando a instituição federal procedeu ao tombamento de fortificações, verificou-se que aquelas que se
encontravam, de alguma maneira, em uso apresentavam bom estado de conservação. Outras, porém, tinham se
arruinado em razão do abandono, estando algumas sem condições de ser restauradas ou reutilizadas, como o
Forte Velho, em Cabedelo, Paraíba, o Forte Dom Pedro II, em Caçapava, Rio Grande do Sul, o Forte de Nossa
Senhora dos Remédios, no arquipélago de Fernando de Noronha, e o Forte do Príncipe da Beira, em Costa

PatrimonioEdificado.indb 116 3/31/16 10:36 PM


C a p. 5 – Re stau r a ç ã o e r e u t i l i za ç ã o d e m o n u m e n t o s | 117

Marques, Rondônia. Havia ainda edificações que, embora abandonadas e bastante Ruínas do Convento de Santo Antônio
do Paraguaçu, em São Francisco do Conde,
arruinadas, não tinham chegado ao estado irreversível, podendo ser restauradas e
Bahia, 2009. Foto de Nelson Kon.
reutilizadas, como ocorreu com os fortes catarinenses de Santana, São José, Santa
Cruz e Santo Antônio, recuperados nas décadas de 1970 e 1980.

Diferentemente do que se registrou com a arquitetura militar, os conven-


tos não tiveram obsolescência decretada pelo desaparecimento das razões
de sua existência. O que ocorreu com a maioria deles foi um esvaziamento
progressivo durante o século XX. Essas construções, geralmente de grandes
dimensões por abrigar congregações numerosas, foram se tornando excessi-
vas e custosas para o atendimento de um número reduzido de frades. Como
aconteceu com as fortificações, alguns conventos como o de Santo Antônio
do Paraguaçu, em São Francisco do Conde, Bahia, e o de São Boaventura,
em Itaboraí, estado do Rio de Janeiro, foram abandonados e se arruinaram.

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Outros foram reciclados para a função hoteleira, como os antigos Conventos do


Carmo, de Salvador,1 e de Cachoeira,2 ambos na Bahia, transformados em hotéis
na segunda metade dos anos 1970.

Observando os edifícios antigos de valor histórico ou artístico que chegaram


até os nossos dias, contata-se que a continuidade de uso foi um fator determinante
para essa longevidade. Exemplo extraordinário de imóvel preservado em razão
da continuidade de uso é a antiga chácara situada em Niterói, conhecida como
Solar do Jambeiro, tombada pelo Iphan em 1974, atendendo à solicitação de
sua proprietária, Lúcia Falkenberg.3 A construção do Palacete Bartholdy, como
a casa era chamada, foi concluída em 1872 e seu uso residencial foi mantido por
125 anos. Somente após o falecimento de Lúcia Falkenberg, a antiga chácara
passou a domínio público por meio da desapropriação, realizada pela prefeitura
municipal de Niterói com o objetivo de preservar o imóvel. Em sua dissertação
de mestrado, que teve essa edificação como tema, o arquiteto Paulo Eduardo
Vidal Leite Ribeiro observou:

O empenho dos seus últimos proprietários, o casal Egon e Lúcia Falkenberg, na


preservação do Palacete Bartholdy impediu o avanço da especulação imobiliária
no entorno do imóvel e, como consequência, garantiu a manutenção da ambiência
urbana do tradicional Bairro de São Domingos, que acabou reconhecido com Área
de Preservação Arquitetônica e Urbanística de Niterói.4

Antigo Convento do Carmo, em Salvador, A continuidade de uso sempre foi um fator de preservação, mesmo em
Bahia, década de 1980: entrada do hotel e
antigo claustro, no qual se veem a piscina e
caso de utilizações diversas da função original, como ocorreu no distrito de
as folhas de vidro temperado inseridas nos Rondinha, município de Campo Largo, Paraná, com o último exemplar das
vãos de janelas e na arcada. Fotos de Cyro
Corrêa Lyra.
dezenas de engenhos de soque de erva-mate que fizeram a riqueza do Paraná
no século XX. Sua sobrevivência deveu-se à adaptação do engenho para uso
como moinho de cereais e ao zelo da família proprietária com sua conservação.
Restaurado em 1982, passou a abrigar o Museu do Mate.5
Outro exemplo da continuidade de uso com funções diversas é dado pela
história do Theatro São João, na Lapa, Paraná. A edificação foi cinema, emissora
de rádio e novamente teatro, como vimos no capítulo anterior. Também merece
ser lembrado o caso do Teatro Municipal da Ribeira dos Icós, na cidade de Icó,
Ceará. Construído segundo projeto de um médico francês, radicado no interior
cearense desde 1845, foi adaptado, nos anos 1930, para cinema. Em 1979,

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C a p. 5 – Re stau r a ç ã o e r e u t i l i za ç ã o d e m o n u m e n t o s | 119

com recursos do PCH, passou por uma restauração e foi reconvertido à função
original. Em 2003, foi novamente restaurado e requalificado com recursos do
Programa Monumenta.
Os primeiros arquitetos restauradores brasileiros concentraram sua ação na
recuperação física do monumento, envolvendo-se nas questões materiais do
edifício, ou seja, diagnosticando e solucionando os problemas de degradação
física e de modificação arquitetônica. Pode-se afirmar que priorizavam a forma,
relegando a segundo plano a função do monumento. A questão do uso era, quase
sempre, encarada como uma adaptação infelizmente necessária e, por isso, equacionada Teatro Municipal da Ribeira dos Icós,
em Icó, Ceará, 2003. Foto de Cyro Corrêa
a posteriori. Raramente são encontrados em seus depoimentos o reconhecimento
Lyra.
de que a reutilização do bem arquitetônico exigiria modificações inevitáveis, a ser
equacionadas no início do processo restaurativo. O que se percebe é a incidência
frequente no equívoco de considerar a restauração uma operação precedente e
dissociada da intervenção requerida pelo novo funcionamento do edifício.
A relutância diante da necessidade de enfrentar as exigências impostas
pela destinação de novo uso está na raiz do fracasso na restauração de muitos
monumentos, apesar dos esforços empregados em obras invariavelmente
dispendiosas. Depois de cuidadosamente restaurados, permaneciam vazios,
voltando aos poucos a se degradar, por não ter sido previamente definido a quem
eles seriam entregues, como seriam utilizados e a quem caberia sua manutenção.
No final da década de 1970, essa questão foi levantada por Aloísio
Magalhães, preocupado em renovar a instituição federal de preservação e retomar
o conceito de bem cultural, estabelecido no anteprojeto de Mário de Andrade.6
Tendo assumido a direção do Iphan, Magalhães constatara que a maioria das
intervenções restaurativas não era acompanhada de medidas que promovessem
a reutilização e, consequentemente, a manutenção do bem restaurado, situação
que comprometia a conservação dos monumentos:

No caso dos monumentos de pedra e cal não faz sentido restaurá-los para
que voltem depois a ser abandonados. É preciso inserir esse bem na vida da
comunidade. É necessário que ele volte a ser importante, volte a ser usado diária,
quotidiana e fortemente pela comunidade. Primeiro porque assim é que ele vale
e, segundo, porque assim é que ele se conserva. Na verdade, não há imóvel que se
conserve fechado e vazio. A vida é um elemento de contribuição para a própria
permanência da vida.7

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O comentário era uma advertência para a maioria dos restauradores, então absorvida pelas questões
materiais dos bens edificados. Infelizmente, a morte prematura de Aloísio Magalhães interrompeu a revisão
da instituição, cuja conduta na restauração de bens imóveis, sob sua direção, provavelmente passaria por
modificações. Sua mensagem em prol de um patrimônio vivo não chegou, na época, a ser incorporada a ponto
de redirecionar a instituição para a preservação com mais participação da comunidade.
São raros os registros que revelam concomitância entre a definição do uso e o equacionamento da
restauração de monumentos. Compreendia-se a importância da utilização como instrumento para a
preservação, mas, de modo geral, realizava-se a restauração sem antes definir as modificações necessárias
para atendimento aos futuros usuários.
A situação de edifícios ociosos, por sua vez, era geralmente muito precária, exigindo uma ação imediata,
o que provocava o adiamento de sua destinação pós-restauração. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas
fortalezas catarinenses tombadas pelo Iphan, que, no final da década de 1960, estavam abandonadas e
arruinadas. As primeiras medidas tomadas na época pelo arquiteto Luís Saia, chefe do 4o Distrito do
Iphan,8 como não poderiam deixar de ser, consistiram em evitar o arruinamento completo, empregando os
recursos financeiros de que dispunha em obras de consolidação.9
Vale observar que a reutilização não cabe à instituição que tombou o prédio, a não ser quando se trata
de um bem de sua propriedade ou sob sua responsabilidade. A utilização é um direito do proprietário e, no
caso de um bem tombado, um dever, pois só assim ele será conservado. No caso das fortalezas catarinenses,
o Iphan, por intermédio do funcionário responsável, o chefe do 4o Distrito, tomou a providência que lhe
cabia, ou seja, intervir para evitar o arruinamento, já que as Forças Armadas tinham relegado as edificações
ao abandono, por não mais servirem do ponto de vista militar.10
Intervenções de salvamento de edifícios em degradação por mau uso ou por abandono ocorreram e ainda
ocorrem em todo o país, não constituindo o caso das fortificações catarinenses uma exceção. É necessário
lembrar que o arruinamento de muitos edifícios inscritos nos Livros do Tombo se deve ao abandono inten-
cional. Exemplos significativos são a casa da rua dos Inválidos, na cidade do Rio de Janeiro, e a casa-grande da
Fazenda São Bernardino, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Embora estivessem íntegras quando foram ins-
critas no Livro de Tombo das Belas Artes (em 1938 e 1951, respectivamente), hoje se encontram em ruínas.
Apesar da concentração dos esforços na tarefa de restaurar e da transferência da questão do uso para um
segundo momento, houve sempre a consciência da importância da reutilização para garantir a conservação
do monumento. É o que atesta, por exemplo, o depoimento recente de um dos mais importantes técnicos
que atuaram na restauração dos monumentos brasileiros, o mestre Ferrão:

Infelizmente, há um problema muito sério que precisa, na minha opinião, ser resolvido. Hoje já aposentado, aos
70 anos, pelo Patrimônio, acho que há a necessidade de o corpo técnico e jurídico estudar uma maneira que todos
os monumentos restaurados tenham utilização. Não é restaurar, e deixar abandonado, entregue aos morcegos, aos
cupins totalmente, porque não há quem cuide.11

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Ferrão refere-se, com toda a autoridade de quem trabalhou durante 52 anos


no Iphan, a muitos edifícios restaurados que, depois de alguns anos, voltavam
ao estado de degradação anterior. Esses fatos não eram raros, e o mestre
atribuiu como causas frequentes o desleixo e a omissão dos proprietários ou
dos encarregados da administração do edifício.12
Embora Ferrão não explicite, em seu depoimento, o tipo de monumento
a que se refere, acreditamos tratar-se dos edifícios religiosos, pela recorrên-
cia do processo de degradação na arquitetura religiosa tombada, mesmo
porque a maioria das obras conduzidas por ele foram em atendimento a
igrejas e conventos.13
O caso da Igreja da Madre de Deus, em Recife, é exemplar. Em 1973, pro-
vavelmente por desleixo, a edificação sofreu um incêndio que destruiu quase
totalmente a magnífica talha barroca de forração do interior da nave e do
altar-mor. O sinistro foi “atribuído a uma deficiência de isolamento em uma
rede suplementar, ali instalada clandestinamente para ornamentar uma ceri-
mônia de casamento”.14
Felizmente, graças à documentação fotográfica feita anteriormente pelo
arquiteto Nestor Goulart Reis e à pronta ação do Sphan, a igreja foi restau-
rada, com base nas fotos e no levantamento minucioso das peças que não
tinham sido destruídas.15
Relegar a um plano secundário a questão da reutilização e transferir seu
equacionamento para depois da restauração foi uma constante na história da
preservação dos monumentos brasileiros. Essa prática resultava também da falta
de definição do uso antes da obra ou, quando a nova função era previamente
definida, da ausência de um programa de necessidades que orientasse a
intervenção. Foi o que ocorreu com o antigo Convento de Santo Antônio, em
João Pessoa, na Paraíba,16 magnificamente restaurado pelo mestre Ferrão, sem,
contudo, ter sido feito um detalhamento da função museológica (Museu de
Arte Popular) a que se destinava.
Na geração mais nova de restauradores, formada por profissionais
preparados pela escola italiana, a postura em relação ao monumento só
Convento de Santo Antônio, em João
mudou no que se refere a uma ênfase maior no valor documental do edifício. Pessoa, Paraíba, década de 1980. Mestre
Ferrão com uma fechadura executada no
O restaurador ainda se concentra na recuperação física e material, relegando canteiro da obra por artífice de ferraria. Foto
a destinação de uso a segundo plano, não enfrentando na fase de projeto, de Cyro Corrêa Lyra.

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como deveria, o desafio de conjugar a restauração do monumento com as


adaptações impostas pela utilização.
Observa-se que esse comportamento tem raízes na fundamentação teórica
que embasa a formação dos novos restauradores. Cabe lembrar que a principal
obra de referência para as gerações de arquitetos especialistas em restauro
formados pela escola italiana é a Teoria do restauro, de Cesare Brandi, na qual
não se salienta a diferença entre a obra de arquitetura e as demais artes. Sua
especificidade em relação ao protagonismo desempenhado pela destinação
de uso não é reconhecida. Igualada às demais artes, não se contempla a
vertente da função da obra de arquitetura, transpondo-se para a restauração
dos monumentos arquitetônicos os mesmos princípios preconizados para os
bens artísticos visuais:

Per il restauro dei monumenti valgono gli stessi pricipi qhe sono stati posti per il
Adro (no alto) e claustro (acima) do restauro delle opere d’arte, e cioè per lê pitture, sai mobili che imobili, gli oggetti
Convento de Santo Antônio, em João
Pessoa, Paraíba, década de 1980. Fotos de
d’arte e di storia e cosi via, secondo l’accezione empírica qhe distingue l’opera di
Cyro Corrêa Lyra. arte dall’architettura propriamente detta.17

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Vale observar ainda que os pressupostos de Brandi restringiam-se ao campo da pintura, embora ele
pretendesse teorizar sobre o restauro de todas as artes, como bem assinalou Carlos Olmos:

A pesar de todo, Cesare Brandi, como teórico, es parcial, pues aún sin tomar en cuenta los aspectos idealistas, ya
superados, de su dialéctica, su obra se refiere solamente a lo problema de la pintura, por más que continuamente
aluda a obras de arte en general, incluida la arquitectura. Sus amplios aportes, sin embargo, hacen de él un
auténtico teórico de la restauración que influyó poderosamente en el tratamiento de la pintura.18

A ausência da questão da reutilização na produção escrita dos arquitetos restauradores da “fase heroica”
do Iphan é de certa maneira compreensível, já que o desafio de primeira hora enfrentado pela instituição
foi a sobrevivência física dos monumentos. Além disso, uma das principais causas de destruição foi a falta
de conservação decorrente do mau uso. Na realidade, entre os principais responsáveis pela degradação de
muitos edifícios de valor cultural destacaram-se seus usuários.
No momento atual, entretanto, em que há mais consciência por parte da sociedade acerca do valor
da herança cultural, lidar com a questão da utilização do monumento é um imperativo no planejamento
das ações de conservação de bens não só para o Iphan, mas também para os órgãos de preservação
estaduais e municipais, como observou o consultor Jean Pierre Halevy, em seu relatório de análise do
Programa Monumenta:

O que sobrevive do passado não pode ficar imobilizado numa eternidade petrificada. A mais modesta intervenção
para conservar um monumento modifica-o. Isso é o trabalho mais difícil do Iphan, controlar, dar um sentido,
uma forma, às modificações provocadas pelo tempo e pela vida.

A obrigação cultural do Iphan é fazer tudo o que puder para o Patrimônio participar da cultura do presente,
e não seja apenas o fantasma das origens, a ilustração pedagógica do passado, mas a matéria de um trabalho
criador. O problema não é apenas conseguir a inteligência do passado, é também incorporar o passado no
presente, é inventar o presente com a matéria ou as raízes do passado.

O bairro residencial que destruiu uma praia selvagem pode, depois, ser tombado. Isso seria o ideal: que a
transformação de um bem tombado acabasse num novo bem tombado. Isso significaria que o uso do bem
tombado foi da mesma qualidade que justificou o tombamento. Que as modificações atuais de Ouro Preto
sejam da mesma qualidade que a velha cidade. Isso foi, aliás, a ideia de Lucio Costa quando ele pediu ao Oscar
Niemeyer para projetar o Grande Hotel de Ouro Preto. No Rio, o outeiro da Glória, o morro de São Bento,
se não tivessem edificações no topo, hoje, seriam tombados como foram tombados o morro da Urca ou a pedra
da Gávea, como paisagens naturais. A igreja da Glória, o mosteiro beneditino substituem à beleza primitiva
uma outra beleza. O morro da Viúva, ao contrário, desapareceu, invisível atrás dos edifícios de promoção
imobiliária rica.19

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Adaptação a uma nova função

A readaptação pode dar nova vida ao edifício, mas nem sempre o novo
uso é bem escolhido. O mau uso pode também destruir, como sucedeu com
o Parthenon, em Atenas, na Grécia, o mais extraordinário dos monumentos
clássicos, durante a dominação turca, no século XVI. Convertida a Acrópole em
cidadela, os venezianos sitiaram Atenas, e o Parthenon, que abrigava um paiol de
pólvora, foi atingido durante um bombardeio, arruinando-se com a explosão.20
A história dos monumentos é rica em exemplos tão absurdos como o do
Parthenon, a maioria decorrente da ignorância e do imediatismo. Há causas
mais complexas, como motivos de ordem ideológica, que podem ser ilustrados
pelo que ocorreu na França, em fins do século XVIII, nos primeiros anos
pós-revolucionários, quando catedrais e igrejas foram utilizadas para as mais
inusitadas funções, convertendo-se em paióis de munição, depósitos de salitre
ou de sal, mercados, prisões e quartéis.21
No Brasil, os exemplos de destinação inadequada não são poucos e remontam
ao período colonial. Um desses exemplos foi a tentativa de Luís Pereira Freire
de Andrade, governador de Pernambuco, na década de 1740, de converter
em quartel o Palácio das Duas Torres, uma edificação construída pelo conde
Maurício de Nassau no período do domínio holandês (1630-1654). Essa
iniciativa gerou uma carta indignada do vice-rei, Dom André de Melo e Castro,
conde das Galveias, lastimando a entrega do palácio “[...] ao uso violento e
pouco cuidadoso dos soldados, que em pouco tempo reduzirão aquela fábrica
a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com ela, se arruinará
também uma memória [...]”.22
Equívocos semelhantes foram observados em alguns dos empreendimentos
Antiga Casa de Câmara e Cadeia de
Icó, Ceará, 2003. No alto, a fachada.
educacionais dos jesuítas, após sua expulsão do Brasil, em 1759, acarretando
Acima, detalhe interno da parede entre modificações radicais, quando não demolições. Em Salvador, por exemplo, o
celas rompida para permitir um circuito de
exposição. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
conjunto jesuítico formado por igreja e colégio perdeu, em 1808, o edifício
destinado ao ensino, sendo erguido no local um hospital militar.23 Entretanto,
manteve-se a igreja, praticamente inalterada, adaptada às funções de catedral.
Um exemplo recente de proposta de reutilização inadequada foi o projeto
de adaptação do pavimento térreo da antiga Casa de Câmara e Cadeia da cidade
de Icó, no Ceará, realizado em 2003.24 Até as vésperas da intervenção, as celas

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ainda eram usadas como prisão. A proposta de reciclagem de uso consistia na


transformação do monumento em um centro cultural, instalando-se no andar
superior uma biblioteca e no piso inferior exposições, informações turísticas,
administração, sanitários, copa e lojas.
O local destinado às exposições foi o conjunto de três celas abobadadas
abertas para o pátio interno através de portas gradeadas. Para atender a essa
função, as celas foram interligadas por aberturas feitas nas paredes.25 Ainda
com a finalidade de atender à nova função, colocou-se um piso de cerâmica
industrial, em vez de se restaurar a tijoleira artesanal originalmente adotada,
e inseriram-se trilhos de iluminação com spots, fixados ao teto. A solução
prejudicou a apreciação de um dos aspectos arquitetônicos mais interessantes
desses locais, os tetos abobadados – dois com abóbada de aresta e um com
abóbada de berço.
Pode-se concluir, assim, que o projeto executado em Icó, além de
contribuir para a extinção da memória do monumento, descaracterizou-o,
alterando a compreensão espacial das celas e apagando o valor documental
desses locais.26
Exemplos de reconversão menos danosa ao monumento são encontrados
em algumas reutilizações das edificações jesuíticas ocorridas após a expulsão da
Companhia de Jesus: a transformação do Colégio de Paranaguá, no Paraná, em
quartel e alfândega, do de Anchieta, no Espírito Santo, em Câmara e Cadeia, e dos
de Vitória, no Espírito Santo, e de João Pessoa, na Paraíba, em palácio do governo.

Antigo Colégio dos Jesuítas em


Paranaguá, Paraná, 2009. A edificação
abrigou um quartel e a alfândega. Em 1961,
teve seus interiores adaptados para sediar o
Museu de Arqueologia e Artes Populares da
Universidade Federal do Paraná. Foto de
Julio Gabardo.

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A readaptação, na maioria dos casos, é a condição para a sobrevivência do edifício, como ocorre com as
obras cuja função original desapareceu, extinguindo-se a razão primeira de sua existência, ou nas quais as
características da arquitetura já não satisfazem às necessidades e exigências da sociedade. A obsolescência
conduz ao abandono, à degradação e à ruína. A história da arquitetura, na diversidade de soluções plásticas
que ao longo do tempo é empregada em cada tipo de edifício, reflete as mudanças de uso decorrentes das
transformações da sociedade. É uma história de substituições, e a maioria dos edifícios que sobreviveram
às mudanças sociais passou por adaptações. Os demais foram substituídos ou abandonados.
A evolução das técnicas construtivas foi um dos fatores que contribuíram, em determinados momentos,
para a substituição de soluções tradicionais por novas. Os romanos, por exemplo, assimilaram as crenças
religiosas dos gregos, mas da arquitetura dos templos destes só adotaram a composição plástica dos exteriores.27
Vale observar que a obsolescência dos templos gregos não se deveu apenas aos recursos de ordem
técnica. A outra causa foi o advento do cristianismo, cujos cultos exigiam espaços de maiores vãos para
abrigar os fiéis, ao passo que no interior dos templos politeístas só permaneciam os sacerdotes e seus
auxiliares, ficando o povo no exterior.
As mudanças religiosas, como as ideológicas, constituíram também motivo de rejeição do edifício
quando sua arquitetura era identificada com as crenças anteriores, como ocorreu, na conquista da América,
com os templos erguidos pelos povos ameríndios, que foram destruídos pelos colonizadores europeus.
Entretanto, na medida em que a arquitetura precedente era capaz de atender aos novos desígnios, lançava-
se mão do que ela oferecia e faziam-se as adaptações necessárias. Assim, os cristãos adotaram as basílicas
como seus primeiros templos por causa da amplitude do espaço interno dessas construções, suficientemente
vasto para comportar os fiéis. A nova função, embora totalmente diversa da original – abrigar reuniões
comerciais e sessões judiciais –, tinha em comum com a anterior a necessidade de acomodar grande
número de pessoas.
Além disso, durante séculos, os cristãos adotaram como modelo para as fachadas das construções a
composição plástica exterior dos templos pagãos: a base retangular modulada por colunas ou pilastras,
delimitada pela arquitrave e arrematada no topo pelo frontão triangular, só lhe acrescentando a cruz.
O processo de substituição da arquitetura resulta da transformação das sociedades. Novas necessidades
significam novos programas, que, por sua vez, exigem novas soluções arquitetônicas. Até a constituição da
sociedade industrial no mundo ocidental, o processo de transformação foi lento e as mudanças de hábitos
provocavam ligeiras adequações que não chegavam a eliminar as soluções arquitetônicas usuais.
Os partidos arquitetônicos que milenarmente atendiam aos programas tradicionais derivavam de
soluções que remontavam à Antiguidade, guardando ainda sinais de sua origem na aplicação de detalhes
derivados do vocabulário greco-romano. Na sociedade pré-industrial, as transformações pelas quais passava
a arquitetura e as cidades não resultavam em obras contrastantes com as precedentes.
Até a metade do século XIX, a técnica construtiva ainda se valia basicamente de pedra, cal, argila e
madeira, como assinalou Lucio Costa:

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Desde os tempos primitivos, vem a sociedade sofrendo modificações sucessivas e periódicas, numa permanente
adaptação das regras do seu jogo às novas circunstâncias e condições de vida. Essa série de reajustamentos,
todas essas arrumações sociais, mais ou menos vistosas, tiveram, porém, a marcá-las, um traço comum: esforço
muscular e trabalho manual. Esta constante em que se baseou toda a economia até o século passado também
limitou as possibilidades da arquitetura, atribuindo-se, por força do hábito, aos processos de construção até então
necessariamente empregados, qualidades permanentes e todo um formulário – verdadeiro dogma – a que a tradição
outorgou foros de eternidade.28

Na arquitetura de moradia essa limitação é demonstrada nas condições de conforto interno, podendo-
se afirmar que, até o advento da sociedade industrial, as habitações não ofereciam mais conforto interno do
que as casas da Antiguidade. As ruas, por sua vez, continuavam a ser percorridas por pedestres e cavaleiros
e os grandes edifícios urbanos continuavam a ser as igrejas, reinando com seus campanários sobre a
paisagem de edificações que não iam além de cinco pavimentos. Até então eram proezas extraordinárias as
torres das catedrais da Idade Média, como as de Colônia, na Alemanha, com seus 157,4 metros de altura,
ou as de Londres, com 150 metros, destruídas no grande incêndio de 1666.
Esse processo, entretanto, foi acelerado na passagem da era da produção artesanal para a industrial,
quando aos programas de uso presentes em todas as sociedades, como a habitação, o templo, o mercado e
o fórum, somaram-se exigências programáticas como as estações ferroviárias, as fábricas e os pavilhões de
exposição, cuja viabilidade construtiva a técnica metalúrgica possibilitava. Na penúltima década do século
XIX, foram construídos em Chicago edifícios com até 20 pavimentos. Na mesma época, Gustave Eiffel
conduziu a construção da torre de 300 metros de altura, inaugurada em 1889, que perpetuou seu nome e
assombrou a população parisiense e o restante do mundo.
As vantagens da tecnologia construtiva demonstradas nas soluções arquitetônicas para os programas da
era industrial induziram o emprego do ferro nas edificações destinadas aos programas de uso tradicionais,
substituindo vigas de madeira, colunas de tijolo e consolos de pedra por peças metálicas, que ofereciam a
vantagem da esbelteza e, por serem pré-fabricadas, também a da economia, pela rapidez de execução. Com
o desenvolvimento da técnica do concreto armado, consolidou-se a implantação de um novo capítulo da
história da construção: o da era industrial.
Ao mesmo tempo que a tecnologia da construção transformava-se radicalmente, na sociedade ocidental
evoluía a ciência da saúde, o que levaria à introdução de hábitos que exigiriam a modificação definitiva da
moradia, ou seja, do programa que, até então, menos tinha sido alterado. Externamente, a condenação dos
becos e das vielas e, internamente, a obrigatoriedade de introdução das instalações sanitárias condenaram as
edificações existentes, principalmente as casas de residência, pondo em risco a sobrevivência do patrimônio
cultural que elas representavam. A partir de então, o que não fosse consagrado como monumento e, como
tal, protegido pelo poder público, só sobreviveria se adaptado aos novos tempos.

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Vocação de uso

Até que ponto um edifício de valor cultural pode ser adaptado sem se
descaracterizar de maneira irremediável? Inicialmente, é necessário observar que
os monumentos diferenciam-se pelo que se pode chamar de caráter, ou seja, o
conjunto de aspectos definidores da família arquitetônica a que pertencem.

Cada uso tem contido nele elementos do programa que, à luz de um velho conceito
do século XIX, com justa certeza, pode implicar na definição do caráter da
edificação. Entenda-se por caráter não aquela simples escolha de um estilo gótico
para uma igreja ou um renascentista para tribunais. Não, o caráter de que falamos
são os parâmetros estéticos e as funções que se integram ao edifício existente e que
nele o distinguem de outro.

É necessário, assim nos parece, que, ao termos presente o edifício, que irá mudar
de uso, confrontemos o uso antigo e o novo desejado para que aquelas duas
características possam se integrar respectivamente.29

Na reutilização de um edifício antigo para uso diverso do original, um dos


primeiros aspectos a avaliar é a pertinência da função pretendida para aquele
monumento. Em outras palavras, deve-se verificar se a nova função é condizente
com as vocações daquela tipologia arquitetônica e, o mais importante, com a

Exterior e interior da Igreja Matriz de


Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto,
Minas Gerais, década de 1980. Fotos de
Cyro Corrêa Lyra.

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vocação daquele monumento. Embora reutilizações em funções completamente Vistas externa e interna da Igreja de São
Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas
diversas das originais tenham salvado do desaparecimento muitos monumentos, Gerais, década de 1980. Na imagem acima,
pode-se considerar que tais fatos foram excepcionais, apresentando cada tipo no interior da nave, vê-se a porta de entrada,
o coro e o teto pintado por Manoel da
arquitetônico um leque finito de vocações de uso. Costa Ataíde. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
Reconhece-se que há famílias de grande densidade simbólica e de explícita
intenção plástica, como a arquitetura dos palácios e das igrejas. São exemplares
arquitetônicos que já nasceram “monumentos”, predestinados a perpetuar de
forma explícita a singularidade de sua expressão plástica, independentemente
dos componentes documentais que sua história lhes tenha agregado. Neles, a
finalidade original está solidamente impressa, dificultando reutilizações. São,
portanto, mais resistentes a toda forma de renovação e adaptação.
Basta lembrar que a presença de elementos artísticos integrados – um dos
traços comuns a esses edifícios –, como as pinturas ou as talhas que revestem
paredes e tetos, constitui por si só um empecilho a mudanças para funções
diversas da primitiva. Mesmo sem alteração de uso, esses elementos são fatores
inibidores de inserções ditadas, por exemplo, pela necessidade de atendimento
ao conforto do usuário, como as instalações prediais – sanitárias, elétricas,
acústicas etc.
No outro extremo estão as famílias arquitetônicas dos edifícios concebidos
sem muitas intenções plásticas, destinados a atender apenas às necessidades
práticas, ou seja, utilitários por natureza. Seu valor como arquitetura foi um

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Porto Madero, Buenos Aires, Argentina, reconhecimento a posteriori, pois não nasceram “monumentos”. São exemplos
2006. Foto de Victor Hugo Mori.
os antigos fortes, fábricas, estações ferroviárias e armazéns, mais acolhedores
a adaptações, reciclagens de uso e modernizações, principalmente os que
fazem parte de programas arquitetônicos obsoletos. Incluem-se nesse caso as
áreas portuárias desativadas, que vêm sendo recicladas em diversos países para
a função de lazer, adaptando-se seus armazéns para uso como restaurantes e
lojas. Essas alterações têm revitalizado trechos urbanos de grande extensão
que haviam se esvaziado em razão da transferência da função portuária, como
ocorreu em Nova York, nos Estados Unidos, e em Buenos Aires, na Argentina.
Os projetos realizados nesses locais precederam e, possivelmente, serviram de
modelo às experiências, mais recentes, de revitalização das áreas portuárias
brasileiras desativadas.30

Assim como ocorreu com a função portuária, transferida para locais distantes
da cidade, outras funções vêm se revelando inadequadas para a localização
Área portuária de Nova York, nos
urbana. Os quartéis e penitenciárias, por exemplo, estão sendo deslocados para
Estados Unidos, reciclada para lazer, 1993.
Foto de Cyro Corrêa Lyra. áreas mais afastadas, tornando ociosas as instalações originais. A penitenciária
de Recife é um exemplo interessante de reciclagem desse tipo de instalação para
novo uso – no caso, para centro comercial de artesanato. A intervenção foi
realizada na década de 1970, conforme projeto do arquiteto José Luiz Mota
Menezes, que observa:

No Recife, quando assumimos a transformação da antiga Cadeia Pública em


Casa da Cultura, nos foi de grande ajuda o novo programa de uso, vez que ele
definia como necessário lugares para lojas de artesanato, teatros de bolso e livrarias,
além de pequenos espaços para museus. O caráter da edificação antiga revelado
Armazém portuário reciclado, no Rio de
Janeiro, 2014. Foto de Diana Bogato. no seu projeto original, este resolvido segundo o sistema panoticon, onde os blocos

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das celas estão distribuídos em raios no entorno de um espaço central destinado


à fiscalização da vida carcerária, e que deu lugar a uma circulação magnífica, e
pequenos e grandes espaços de recolhimento dos presos, muito ajudou no projeto
final do novo uso, o qual, considerando todos esses atributos do projeto anterior, os
respeitou e as intervenções realizadas foram de pequena monta, sendo o resultado,
assim dizem os usuários, o melhor atingido por mudanças de usos desse gênero.31

Uma casa de moradia pode abrigar uma indústria de pequeno porte, assim
como um mercado pode ser adaptado para centro comercial e uma igreja tem
condições de ser convertida em sala de concertos. Nos casos de perda de identidade
por sucessivas transformações, a destinação de uso pode ser, excepcionalmente,
direcionada a funções radicalmente diversas das originais, como ocorreu com

Acima, vistas internas do centro de


artesanato na antiga penitenciária de
Recife, em Pernambuco, 2013. Fotos de
Fábio Cavalcanti.

Ao lado, antiga penitenciária de Recife,


em Pernambuco, vista da outra margem do
Capibaribe, sem data e em 2013. Fotos,
respectivamente, do Arquivo Iphan e de
Fábio Cavalcanti.

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Centro comercial Paço Alfândega, em


Recife, Pernambuco, 2003. Foto de Cyro
Corrêa Lyra.

o antigo Convento dos Oratorianos, em Recife, descaracterizado ao longo


dos anos por uma sequência de adaptações realizadas sem preocupação com a
memória do edifício. Foi transformado em alfândega no século XIX e usado
depois como estacionamento de automóveis. Recentemente, foi reciclado para
funcionamento de um shopping center batizado com o nome de Paço Alfândega. O
arquiteto José Luiz Mota Menezes comenta essa intervenção:

A Alfândega, ao se instalar, inicialmente, no segundo quartel do Século XIX,


no edifício considerado, apenas aproveitou parte dele. Quando de posse de
toda a edificação foi projetada e construída uma excelente intervenção com o
aproveitamento de trechos da construção anterior, um convento pertencente aos
padres de São Felipe Néri, os Oratorianos. O programa da Alfândega levou
a um partido arquitetônico onde se manteve um pátio central e ao redor dele
se dispôs, em dois pavimentos, as diversas salas e depósitos. Isolada da Igreja
a edificação ocupava uma quadra inteira. Um corredor circundava o pátio e
dele se tinha acesso às diversas salas. Quatro torreões nos cantos davam certa
imponência ao conjunto.

Ao propor o novo uso como shopping a arquiteta32 tinha presente a disposição


das divisões internas do edifício. Havia uma certa identidade entre o programa
básico de um shopping e o que antes existia. O resultado não desfigurou a
construção anterior e restabeleceu nela as partes altas dos torreões, demolidas
depois de um incêndio ocorrido na segunda década do século atual.33

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Fachadas descaracterizadas em São Luís,


Maranhão, década de 1980. Fotos de Cyro
Corrêa Lyra.

A maioria dos edifícios, entretanto, não tem grande valor artístico nem
constitui espaço meramente utilitário. São assim as casas de moradia ou mistas
(de residência e comércio), térreas ou assobradadas, que compõem os exemplos
urbanos da arquitetura vernacular brasileira. Tais construções são dotadas de
valores específicos, seja na forma de organização espacial (documentos materiais
da história do cotidiano), seja na expressão plástica (documentos materiais da
história da “arquitetura sem arquiteto”), valores que devem ser resgatados e
protegidos. Porém, a descaracterização desses imóveis é o que provoca a
degradação dos conjuntos históricos.
As práticas descaracterizantes são muitas. Uma das mais frequentes é a
modificação das fachadas por razões unicamente utilitárias, como o alargamento
da entrada pela eliminação dos requadros tradicionais e a inserção de vigas
de concreto armado para estruturação de um vão maior. A substituição da
caixilharia de vãos de portas ou janelas tradicionais por vidros planos constitui
outro tipo de descaracterização, já que a ausência do caixilho cega o vão,
destituindo sua representação plástica de um elemento essencial.
Assim como a tipologia arquitetônica resulta da função que a motivou, o
que explica a diferenciação externa de casas, igrejas, mercados e indústrias por
sua expressão formal, conclui-se que a função original marca definitivamente o
edifício, conferindo-lhe um caráter. Nesse sentido, não seria razoável fazer de uma
moradia uma fábrica nem de um mercado um templo, porque as características de
cada tipologia arquitetônica impregnam definitivamente seus exemplares.

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Cada edifício pertence, portanto, a uma família arquitetônica na qual cada


membro tem traços comuns que identificam uma linha vocacional. Além
disso, cada edifício tem uma história própria e uma relação específica com a
comunidade a que pertence, fatores que frequentemente condicionam a escolha
de uma nova função, para a qual pode ser adaptado sem a perda de seu caráter.
Com o esvaziamento da função de moradia nos centros históricos das
grandes cidades, as tradicionais casas de comércio e residência têm seus andares
Imagem aérea da rua do Rosário, no Rio
superiores adaptados para novos usos. Observa-se com frequência, na reciclagem
de Janeiro, na qual se veem coberturas das
casas de comércio com claraboias para para uso como restaurante, a eliminação do andar superior dos sobrados de
iluminação interna. Foto de 2014. Fonte:
Google Earth.
dois pavimentos para ampliação do pé-direito do térreo. Com essa modificação,
permitida quando a proteção de tombamento é dirigida ao conjunto, o pavimento
térreo ganha iluminação e ventilação zenital, particularmente importante pela
exiguidade da largura dos lotes antigos.
Nos acervos de casas de moradia reconhecidas pelos órgãos de nível federal,
estadual e municipal, há um número considerável de edificações que fogem ao
padrão tradicional estabelecido no período colonial. São casas projetadas a
partir do início do século XX e destinadas a famílias de alto poder aquisitivo.
Antiga casa de comércio adaptada para
restaurante, na rua do Rosário, Rio de Grande parte dessas casas compõe-se de residências projetadas com base em
Janeiro, 2014. À esquerda, detalhe da
modelos europeus – franceses, a maioria. A manutenção desses palacetes
claraboia para iluminação. À direita, vista
do interior. Fotos de Cyro Corrêa Lyra. tornou-se difícil com a mudança de hábitos e costumes intensificada a partir

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da segunda metade do século XX. Em razão disso, sua reutilização com a


função original é rara, mas outras funções, como a de restaurante, podem dar
bom resultado, como ocorreu com uma residência construída em 1920 em
frente à praia do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Projetado com inspiração na arquitetura eclética parisiense, o palacete
funcionou como moradia até o início deste século. Salvo da demolição graças
a seu tombamento municipal,34 foi adquirido por um empresário que ali
instalou a Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa, dotada de um restaurante
no pavimento superior.
Essa reutilização traz à reflexão uma das maiores dificuldades na
modernização do uso: prover a casa de soluções que possibilitem o acesso a
portadores de dificuldades motoras. No caso em questão, a solução dada – Casa Julieta de Serpa, no Rio de Janeiro,
2014: vistas externas da torre de elevador
inserção do elevador no exterior, à frente da casa – trouxe evidente prejuízo à inserida no canto da fachada. Fotos de Cyro
fachada do palacete. Corrêa Lyra.

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Não é raro encontrar, na arquitetura de residências, edificações que se


diferenciam por sua expressão plástica original. Seu ineditismo justifica muitas
vezes a proteção pelo tombamento, mas sua reutilização é dificultada pelo
inusitado de suas formas. É o caso da edificação conhecida como Castelinho do
Vistas internas do Castelinho do
Flamengo, edificação que abriga o Centro
Flamengo, no Rio de Janeiro.
Cultural Oduvaldo Vianna Filho, no Rio de
Janeiro, 2014. Fotos de Cyro Corrêa Lyra. Construída na segunda década do século XX em frente à praia do
Flamengo, segundo projeto do arquiteto italiano Gino Copede, ao ficar
ociosa, foi tombada e desapropriada pelo município, que ali instalou
um centro cultural, apesar da exiguidade dos espaços internos e de seu
tratamento insólito.35

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Vista externa do Castelinho do


Flamengo, no Rio de Janeiro, 2014.
Foto de Cyro Corrêa Lyra.

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Paço da Liberdade, Curitiba, Paraná.

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Capítulo 6

Revitalização na arquitetura
oficial

Arquitetura militar

O Iphan protegeu, até 2012, por meio do tombamento, 44 exemplares do patrimônio cultural edificado
de função militar.1 Esse acervo e mais uma dezena de fortes não tombados são remanescentes da rede de
fortificações montada no período colonial, para a defesa do território, por portugueses, por holandeses e,
depois, por brasileiros.2
Sua singular importância reside no fato de pertencerem a uma arquitetura que deixou de ser produzida,
datando de 1914 seu último exemplar: o Forte de Copacabana.3 Tornou-se, portanto, uma família extinta e
um patrimônio em disponibilidade para a reutilização, já que desapareceu sua função original.
Uma das consequências da adoção pelo governo federal, nos últimos anos, de medidas visando à
diminuição do papel do Estado na sociedade foi a revisão do papel das Forças Armadas e, em decorrência,
a redução dos efetivos militares. Com isso, os antigos fortes, cuja maioria é administrada pelo Exército, além
de obsoletos como armas, tornaram-se espaços ociosos e de custosa manutenção.

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No caso de alguns fortes, foi feita cessão de uso a instituições públicas. Quartel da Fortaleza de Anhatomirim
visto do mar, 2011. Foto de Mario Pires.
A Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, tem a cessão
de uso das fortalezas catarinenses de Santa Cruz de Anhatomirim e de
Santo Antônio, que eram da Marinha, e de São José da Ponta Grossa, que
pertencia ao Exército.
Do conjunto tombado, a minoria mantém funções militares, ou seja, abriga
departamentos do Exército, como os fortes de São Diogo e de São Pedro, na
Bahia. Há também fortes que foram convertidos em museus militares, como
o de Copacabana, no Rio de Janeiro, e o Nossa Senhora de Monte Serrat, em
Salvador, na Bahia. Com exceção dos poucos ainda usados pelo Exército para
funções militares, a maioria já foi reciclada ou está programada para sê-lo.

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O crescimento do turismo trouxe alternativas de reutilização para essas construções. Diversos fortes,
como a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, Rio de Janeiro, estão abertos à visitação. Outros abrigam
museus históricos, como o Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, no qual foi instalado o Museu
Histórico do Exército.
Nessa tipologia de edifícios, a vocação para o turismo é evidente, revelando-se as fortificações como
locais que atraem muito o interesse do público pela conjugação de alguns fatores, peculiares a essa
arquitetura e ausentes em outras famílias arquitetônicas.
O primeiro e principal desses fatores é a localização privilegiada dessas construções. Se nos ativermos
ao universo reconhecido, até hoje, como patrimônio histórico e artístico nacional, ou seja, às 41 fortifica-
ções tombadas, veremos que 36 situam-se junto à água, sendo 29 na orla marítima e o restante à beira-rio,
e sempre em locais de paisagem privilegiada, como ilhas, promontórios e colinas. Localizam-se, assim, em
pontos cuja paisagem, por si mesma, constitui uma atração. Em outras palavras, já estão inseridos em áreas
de potencial turístico.
Outro aspecto relevante diz respeito à singularidade de sua linguagem arquitetônica. Trata-se de uma
arquitetura com repertório formal peculiar, com elementos como as muralhas rampantes, a contraposição
das saliências em ângulo agudo dos baluartes, com as cortinas alongadas e recuadas, os perfis denteados e
ritmados das ameias e canhoneiras, as praças dos terraplenos cercadas pelos quartéis, os túneis de ligação
interna e os espaços abobadados e fechados dos paióis. São componentes, em sua origem, meramente
utilitários, concebidos para atendimento exclusivo aos ditames de sua funcionalidade. Hoje, constituem
motivo de admiração, pois seu repertório espacial e formal é inexistente em outras obras arquitetônicas de
grande porte contemporâneas a elas, como os palácios e as igrejas. A riqueza e a originalidade plástica des-
ses elementos acrescentam outro valor aos fortes: o artístico, pois eles podem ser lidos não apenas como
documentos da história, mas também como obras de arte.
Deve-se considerar ainda que, diferentemente dos palácios e das igrejas, que trazem de origem o
sentido da comemoração e da perpetuação, os fortes eram construídos para resolver situações imediatas,
de emergência, sem garantia de uma vida duradoura depois que cessassem os motivos de ordem estratégica
e política que justificaram sua existência. Pode-se dizer, assim, que, enquanto palácios e igrejas já nascem
monumentos, por terem sido edificados para “rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas
rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças”,4 os fortes são consagrados como tal por um
reconhecimento a posteriori.5
Finalmente, acrescentaríamos seu potencial interpretativo. De fato, tratado de forma isolada no contexto
de sua implantação regional, o forte é um tema extremamente rico. Oferece à análise diversos filões: os
motivos históricos que determinaram sua existência, as dificuldades enfrentadas para sua construção, a
convivência de seus primeiros moradores com a população indígena, o cotidiano da soldadesca, a relação
das guarnições com os habitantes das comunidades do entorno, os episódios aos quais serviu de palco etc.

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As iniciativas de reciclagem dos fortes para uso turístico, entretanto, não têm sido complementadas
por estudos de seu potencial interpretativo. Mesmo nos casos de sua adaptação para museu, a museologia
geralmente empregada segue o receituário tradicional. Raramente a arquitetura ali presente, com toda
a sua singularidade, é mencionada e muito menos interpretada, ficando reduzida a mero cenário. Os
museus militares dos fortes de São José, em Macapá, de Copacabana, no Rio de Janeiro, e de Santana, em
Florianópolis, são exemplos disso. Referência histórica, quando há, é centrada em datas e feitos. E ouvem-
se dos guias narrativas repletas de invenção, resultantes do empenho em satisfazer visitantes ansiosos por
novidade e emoção.6
A adaptação de edificações da arquitetura militar ao uso turístico ainda não produziu uma experiência
exemplar. Como há, porém, consciência generalizada entre as autoridades militares de que a maioria dos
fortes antigos encontrará no uso turístico um novo futuro, podemos crer que há perspectiva de melhora
substancial na qualidade das intervenções. Não faltam bons exemplos no exterior, como a reciclagem de
castelos, mosteiros e conventos ociosos para uso turístico, realizada em Portugal há mais de meio século.
Mesmo levando em conta as diferenças entre o Brasil e Portugal, há um cenário similar: um patrimônio
cultural edificado ocioso, de um lado, e, do outro, um turismo em franca expansão. Entretanto, é necessário
observar que nossos monumentos históricos militares, assim como os castelos lusitanos, não são arquiteturas
padronizadas. Não se pode, assim, estabelecer projetos-padrão: o potencial de uso de cada monumento
precisa ser analisado individualmente.
A viabilidade de um programa que revitalize os remanescentes de arquitetura militar com propósito de
uso turístico dependerá do equacionamento de alguns condicionantes. O primeiro diz respeito à localização
geográfica. Há fortes em locais que já são polos turísticos, como os situados no litoral do Nordeste7 ou nas
baías norte e sul de Santa Catarina;8 outros estão em regiões com potencial turístico apenas estimado,
como a dos rios da fronteira oeste;9 finalmente, alguns se situam em áreas cuja vocação turística ainda não
é perceptível ou não foi devidamente desenvolvida, como a das campanhas rio-grandenses.10
O segundo condicionante é o da acessibilidade. Embora relacionado à localização geográfica, o acesso é
um dos fatores que mais influem na viabilidade do uso turístico. Podemos tomar como exemplo o Forte
Coimbra, próximo a Corumbá, no Mato Grosso do Sul: está situado em uma das principais áreas turísticas
do Brasil – o Pantanal –, mas o acesso a ele, exclusivamente por via fluvial, é um obstáculo ao incremento
da visitação turística.
O terceiro fator é o da inserção nos circuitos turísticos já consagrados. A coincidência da disponibilidade de
bens com a existência de circuitos turísticos estruturados é um aspecto importante em um plano de conversão
dos fortes à destinação turística. O segundo maior polo de recepção de turistas estrangeiros no Brasil, a
Bahia, em razão da importância que teve Salvador no período colonial, conta com o maior contingente de
fortificações tombadas – dez exemplares, a maioria com grande potencialidade para reciclagem nessa linha.

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Seguem, em número de fortes reconhecidos oficialmente como bens culturais, os estados de Pernambuco,
Rio de Janeiro e Santa Catarina, com seis bens cada um. Correspondem, coincidentemente, a regiões que
têm no turismo um dos suportes mais importantes da atividade econômica.
A motivação, ou a potencialidade de interesse desses locais para a visitação e a fruição do turista, é o
quarto fator. São eles apenas espaços ociosos aos quais se quer dar um uso, e sua sobrevivência seria
por meio do turismo, por apresentarem peculiaridades capazes de atrair visitantes? A observação das
experiências em curso no Brasil revela que as edificações militares só fazem parte de “pacotes de turismo”
quando sua localização oferece atrativos paisagísticos. Diante de cenários naturais espetaculares, como os
que emolduram os fortes das baías de Guanabara, de Todos os Santos ou de Santa Catarina, é evidente o
desinteresse pelos atributos culturais. A interpretação da história e do significado dos fortes mais visitados
tem sido negligenciada, limitando-se ao relato de episódios, muitas vezes sem nenhuma base histórica,
como o que se ouviu de um guia na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói (ver nota 6).
Finalmente há a questão da disponibilidade de espaço abrigado. Existem fortalezas, fortes, fortins, redutos
e ruínas de antigas fortificações. Há diferenças de tamanho e de estado de conservação que tornariam
simplista uma programação de uso uniforme. Na perspectiva de sua reciclagem, é necessário identificar a
vocação potencial de cada edificação.
Do ponto de vista tipológico, podem-se identificar quatro grupos. O primeiro é constituído pelos
fortins, caracterizados pela irregularidade de traçado e pela disponibilidade reduzida de espaços cobertos
reunidos em uma única edificação. A exiguidade das edificações permite poucas opções de uso, o que
contribui para limitar a permanência do turista a uma curta visita, situação que costuma ser revertida com
o incremento de atrativos. Exemplificam essa possibilidade as adaptações a pequenos museus, como o de
cartografia instalado no Forte de Santo Antônio, em Salvador, Bahia, e o de Armas, no Forte de Santana,
em Florianópolis, Santa Catarina.
O segundo grupo abrange os fortes de porte médio, também irregulares no traçado, com implantação
orgânica, ou seja, adaptada às condições topográficas do sítio. São características comuns a esse grupo
a distribuição aleatória dos edifícios na cidadela e a generosidade dos espaços abrigados, aspectos que
permitem grande diversidade de soluções para um novo uso. Exemplificam esse grupo as fortificações
construídas no século XVIII para a defesa da ilha de Santa Catarina, mantidas pela Universidade Federal
e utilizadas como locais de visitação turística.
O terceiro grupo compreende os fortes abaluartados, cujas características principais são a regularidade
geométrica do traçado e a distribuição rígida e simétrica das edificações no recinto envolvido pelas
muralhas. São exemplos desse grupo o Forte das Cinco Pontas, em Recife, e o de São José, em Macapá,
ambos abrigando museus históricos.
O último grupo é formado pelos fortes de concreto armado, construídos no início do século XX e
dotados de espaços cobertos semienterrados, sendo o maior e mais famoso o Forte de Copacabana, no
Rio de Janeiro, sede do Museu Histórico do Exército.

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Reconhecida a vocação para o uso turístico dos monumentos de arquitetura Forte de Santana, em Florianópolis, Santa
militar, pelas Forças Armadas, e realizadas diversas experiências dessa nova Catarina, em 1969 e depois da restauração,
em 1970. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
destinação, devemos indagar até que ponto tal prática tem contribuído para o
reconhecimento e a valorização do significado histórico dessas obras. Afinal, o
significado para a história do país foi a motivação principal de seu tombamento.
Nesse sentido, o resgate de todos os aspectos relevantes da história do monumento
e da região em que se situa e a transmissão, para o visitante, do conhecimento
resgatado são compromissos que devem ser cumpridos. Constata-se em muitos
casos, entretanto, a inexistência do trabalho de interpretação do monumento.
Embora a interpretação e a transmissão do conhecimento acerca do mo-
numento sejam tarefas complementares necessárias a todos os bens edificados
tombados, é importante ressaltar o fato de que os monumentos de arquitetura
militar da época colonial, por exemplo, são, no âmbito dos bens edificados, os
mais documentados. Tratando-se de construções de iniciativa governamental e
dada a sua importância para o domínio do território brasileiro, a história das
edificações militares era registrada desde sua concepção, com desenhos e textos
detalhados, documentação hoje perfeitamente acessível para o embasamento de
um trabalho de informação sobre cada uma das fortificações brasileiras. Sua dis-
ponibilização é complemento indispensável na revitalização dessa arquitetura.
A reutilização de fortificações desativadas não é, porém, uma tarefa simples.
Entre os fortes ainda sem uso e os reciclados, escolhemos três exemplos para
detalhar essa questão: o da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Santa
Catarina, o da Fortaleza de Barra Grande, no estado de São Paulo, e o da
Fortaleza de São Miguel, em Luanda, Angola.

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Vista aérea da ilha de Anhatomirim,


vendo-se à esquerda o quartel e, no centro, a
casa do comandante, década de 1970. Foto
de autoria desconhecida.

Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim


As três maiores fortificações catarinenses – Santa Cruz de Anhatomirim,
Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa – são administradas pela
Universidade Federal de Santa Catarina desde o final dos anos 1980 e visitadas,
anualmente, por centenas de turistas.11 Entretanto, quem visita a principal
delas, a Fortaleza de Santa Cruz, só usufrui o cenário magnífico, composto do
contraste entre o patrimônio construído – muralhas e edificações distribuídas
ao longo da ilhota de Anhatomirim em diferentes níveis de implantação,
entremeadas de vegetação – e a paisagem de entorno, tendo como pano de
fundo, a leste, a ilha de Santa Catarina e, no lado oposto, o continente. O
visitante percorre a pequena ilha, entra nas edificações, mas delas só sabe a
função original, registrada em uma placa junto à entrada. Não encontra um
painel sobre a história cada espaço que faz parte do monumento. Além disso,
nenhuma das seis edificações que compõem a fortaleza é ocupada.12
A Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim foi inscrita em 1938 nos
Livros de Tombo Histórico e de Belas Artes. A ilhota na qual foi edificada,
Anhatomirim, situa-se município de Celso Ramos, na entrada da baía norte,
porção de mar ao norte do estreito que separa a ilha de Santa Catarina do
continente. Integrava uma rede de fortificações que incluía os já mencionados
fortes de Santo Antônio e São José, guarnecendo a entrada norte, e o Forte
de Nossa Senhora da Conceição, que guardava o acesso pela baía sul. Esse
empreendimento fazia parte de um plano de consolidação do domínio

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C a p. 6 – Rev i ta l i za ç ã o na a rq u i t e t u r a o f i c i a l | 147

português em territórios ao longo da costa situados além dos limites definidos


pelo Tratado de Tordesilhas.13
Para o governo português, a ilha de Santa Catarina assumira uma importância
estratégica após o ataque espanhol à colônia de Sacramento, em 1735, por
causa de sua posição, a meio caminho entre o Rio de Janeiro e a bacia do rio da
Prata, e das condições excelentes para abrigo de embarcações no porto natural
formado pelas duas baías que a separam do continente.
A missão de construir as quatro fortificações foi confiada ao brigadeiro
José da Silva Paes, engenheiro militar, que iniciou as obras de Santa Cruz de
Anhatomirim em 1739, concluindo-as cinco anos depois.
A implantação da fortaleza seguiu o princípio da organicidade na distribuição
das edificações e no agenciamento dos espaços em conformidade com
particularidades topográficas da pequena ilha de Anhatomirim. O complexo
compunha-se do quartel, da casa do comandante, do paiol de pólvora, da
capela e da casa de farinha. Apresentou originalmente três baterias de canhões
protegidas por linhas de muralha descontínuas e de traçado irregular.
Um século depois, a fortaleza foi utilizada como prisão militar e, durante
Quartel da Fortaleza de Santa Cruz
a Guerra do Paraguai, como enfermaria. No final do século XIX, a capela foi de Anhatomirim antes das obras de
demolida, sendo transferida a portada de cantaria para a entrada de um novo restauração, 1970. Foto e Cyro Corrêa Lyra.

paiol de pólvora. No lugar da capela, construiu-se, nas primeiras décadas do


século XX, uma casa para moradia de oficiais.
Em 1930, estando a fortaleza sob a administração da Marinha, foi construída
uma edificação na extremidade sul da ilhota para a instalação de um posto de
radiotelegrafia. Após o término da Segunda Guerra Mundial, a fortaleza foi
desativada, permanecendo na ilha apenas um guardião. Nos anos 1950, após
o falecimento desse guardião, a Marinha deixou definitivamente a fortaleza,
iniciando-se um período de arruinamento das edificações provocado pelo saque
de peças e materiais construtivos, por parte da população das imediações, bem
como pela ação das intempéries.
Fachada principal do quartel, vista do
Em 1970, foi feito um levantamento arquitetônico da fortaleza, coordenado mar, após a reconstituição da cobertura,
pelo autor deste livro, com o objetivo de embasar a restauração do monumento.14 década de 1970. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Logo em seguida, com recursos do Iphan, iniciaram-se obras que se estenderam


até 1981, sendo restaurados o quartel, a casa de pólvora e a casa do comandante.15
O antigo quartel, principal edificação da fortaleza, foi implantado sobre
o terrapleno da bateria principal, com a fachada voltada para o oceano. É

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composto de dois andares e mede 67,90 metros de comprimento por 10,75


metros de largura. A essas grandes dimensões, corresponde, no pavimento
térreo, um pé-direito também incomum, de 6,30 metros.16
O pavimento térreo do quartel consiste em uma extensa galeria do tipo
“loggia”, aberta em arcadas na frente e fechada atrás pelo muro de arrimo da
encosta. Nas extremidades, aproveitando a grande dimensão do pé-direito do
térreo, havia dois alojamentos destinados a oficiais graduados, com entrada
independente pelas laterais do edifício.
O pavimento superior era subdividido por paredes de pau a pique que se
encontravam em ruínas quando teve início a obra de restauração. O projeto
original, guardado no Arquivo Ultramarino, em Lisboa, indica que essas paredes
dividiam o espaço interno em alojamentos ou celas com entradas independentes,
pelos fundos. Esses compartimentos têm o comprimento correspondente à
largura do prédio e a largura constante de 4,90 metros. Nas extremidades desse
pavimento situavam-se as dependências de estar e de comer indicadas como
“sala”, “cozinha” e “despensa”.
O quartel foi parcialmente restaurado na primeira metade da década de
1970. A fortaleza, administrada pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), é hoje um ponto de visitação turística. Imponentes edificações e
vistas espetaculares compõem um local de muito interesse para o visitante.
Entretanto, os prédios não têm uso. Décadas depois da recuperação da

Planta e elevação do quartel


da Fortaleza de Santa Cruz de
Anhatomirim. Documento guardado
no Arquivo Ultramarino de Lisboa.17

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C a p. 6 – Rev i ta l i za ç ã o na a rq u i t e t u r a o f i c i a l | 149

cobertura, pisos e esquadrias do quartel, ainda não se definiu sua reutilização. Fortaleza de Anhatomirim vista do mar,
2008 e 2011. Fotos de Cyro Corrêa Lyra e
É um casarão vazio, e o que se vê no pavimento superior, destituído de suas Mario Pires.
divisões internas, é um salão desproporcional. As obras estabilizaram o edifício
e interromperam o processo de arruinamento, mas falta vida ao monumento.
Qual seria a destinação de uso desejável? Em nosso entender, seria aquela que
conciliasse a retomada da dignidade do edifício com uma reutilização coerente
com as características de sua arquitetura. Esse novo uso deveria definir, com
base na compreensão de sua vocação, um programa assemelhado ao original,
ou seja, uma moradia coletiva. Um alojamento de estudantes, um albergue ou
uma pousada, por exemplo, proporcionariam uma revitalização coerente com a
função e a conformação originais do edifício.
Em respeito à excepcionalidade de sua arquitetura e por se conhecer a
organização original do espaço interno, o novo agenciamento espacial deveria
recriar o parcelamento interno conforme o traçado setecentista. Evidentemente, Pavilhão superior do quartel totalmente
sem uso, 2011. Foto de Mario Pires.
para a reutilização do edifício, seria preciso atender a exigências de conforto
inexistentes no século XVIII, como instalações sanitárias e elétricas, inserções
que deveriam ser projetadas e executadas de modo que não afetassem a
compreensão do monumento.
O objetivo seria oferecer, para o visitante e o hóspede, a possibilidade de
entender como teria sido o cotidiano no monumento e de recriar mentalmente a
vida de um edifício que era quartel e ao mesmo tempo palácio, erguido sobre uma
ilhota, com dificuldades inimagináveis, mas com extraordinária determinação.

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Fortaleza da Barra Grande


A Fortaleza da Barra Grande é um exemplo de fortificação ociosa, tal
como a Fortaleza de Anhatomirim, mas, diferentemente desta, foi restaurada
e reutilizada com êxito. Implantada na ilha de Santo Amaro, no município de
Guarujá, estado de São Paulo, sua inscrição no Livro de Tombo Histórico do
Iphan data de 1964.
A origem dessa fortificação remonta à segunda metade do século XVI,
quando o porto de Santos servia aos navegantes que se dirigiam ao estreito de
Magalhães. Seu primeiro projeto, de 1583, foi elaborado pelo genovês Giovanni
Situação da casa do comandante e da
capela antes da restauração. Desenho Baptista Antonelli. No início do século XVIII, a defesa militar da capitania de
elaborado pelo arquiteto Antônio Luiz Dias São Vicente foi reestruturada e promoveu-se a modernização da fortaleza, sob
de Andrade em 2010.18
a orientação do brigadeiro João Massé. Nova intervenção foi feita com a vinda
ao Brasil do brigadeiro Silva Paes, em 1738, transferindo-se a casa de pólvora
para um lugar mais elevado. Alguns anos depois, o antigo paiol de pólvora foi
transformado em capela alpendrada. Em 1896, um novo plano de defesa da
barra começou a ser implantado e, nove anos depois, a fortaleza foi desarmada.
Após ser desativada, a fortaleza passou por ocupações provisórias, entre
períodos de abandono. Somente em 1993, 29 anos depois de a fortificação
ter sido tombada pelo Iphan, foi assinado um protocolo de intenções entre o
instituto, a prefeitura do Guarujá e a Universidade Católica de Santos, visando
a sua recuperação.

Projeto de restauração da cobertura


O projeto de restauração da Fortaleza da Barra Grande, coordenado pelo
da capela e da casa do comandante, de arquiteto Antônio Luiz Dias de Andrade, com a colaboração do arquiteto
autoria dos arquitetos Antônio Luiz Dias
Victor Hugo Mori, teve como ponto de partida uma proposta de intervenção
de Andrade e Victor Hugo Mori, 2010.19
feita em 1950 por Lucio Costa.

Fortaleza da Barra Grande, no Guarujá,


São Paulo, 2010. Veem-se na imagem os
dois terraplenos escalonados e as coberturas
da capela e da casa do comandante. Foto de
Victor Hugo Mori.

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O projeto final de restauração da Fortaleza da Barra Grande tem como Evento realizado no terrapleno da
Fortaleza da Barra Grande, Guarujá, São
compromisso reintroduzir o monumento à vida cotidiana da Baixada Santista, Paulo, 2010. Foto de Victor Hugo Mori.
devolvendo à vida um espaço agonizante.20

Entre os aspectos relevantes do projeto destacam-se a ênfase dada pelos


arquitetos à contemporaneidade da intervenção. Duas inserções são notáveis: a
estrutura metálica para cobertura da casa do comandante, principal edificação
do conjunto, e o mosaico de vidro elaborado por Manabu Mabe, que reveste a
parede de fundo da capela.
Hoje a fortaleza é um centro social, cultural e turístico da prefeitura do
Guarujá. Na parte social, atende ao bairro pobre que a envolve, denominado
Santa Cruz dos Navegantes (antiga favela da Pouca Farinha, que foi urbanizada).

Fortaleza de São Miguel


O último exemplo de reutilização de arquitetura militar é o da restauração
e da renovação do uso museológico da Fortaleza de São Miguel, situada em
Luanda, capital de Angola, uma das maiores construções militares feitas pelos
portugueses nos seus domínios de além-mar.21
Sua história assemelha-se à de muitas outras fortificações antigas: uma sucessão
de intervenções ditadas pela necessidade de aperfeiçoamento da função defensiva,
atendendo a estratégias revistas em razão de contingências políticas e militares.
Erguida, no século XVI, sobre um outeiro batizado com o nome de São
Miguel, a fortificação era, originalmente, uma construção de taipa e adobe.
No século seguinte, os holandeses conquistaram a cidade de Luanda e fizeram

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obras na fortaleza, rebatizada então de Forte de Amsterdam.


Após retomar a cidade, os portugueses decidiram revestir os
muros de terra e adobe da fortaleza com alvenaria de pedra
e cal, complementando a reforma com detalhes de cantaria
nas arestas dos baluartes e nas bacias das guaritas.
Durante três séculos foram realizadas obras de
modernização condizentes com a evolução da engenharia
militar. Elas agregaram valor à fortaleza, uma vez que
aperfeiçoaram a edificação de forma harmônica, seguindo
a técnica construtiva e a concepção arquitetônica originais,
caracterizadas pela muralha rasante com disposição
abaluartada condizente com o partido renascentista
difundido nos séculos XVI e XVII.
Planta antiga da Fortaleza de São Iniciada com dois baluartes, a fortaleza foi sendo ampliada e completada ao
Miguel, em Luanda, Angola. longo do tempo. Ao se concluírem as obras de terraplanagem da esplanada, na
última década do século XVIII, pode-se dizer que a edificação estava terminada
e aperfeiçoada com diversas obras de defesa avançadas, como o revelim à frente
da entrada e as trincheiras nas encostas da colina, em obediência aos postulados
preconizados pela engenharia militar. Naquele momento, as fontes de referência
já não eram os tratados italianos quinhentistas produzidos por Scamozzi e
Sardi nem as obras francesas do século XVII, como Les fortifications, de Chevalier
de Ville, publicada em 1628, ou o Traité des Fortifications, do conde de Pagan,
datado de 1645, mas os ensinamentos de Vauban (1633-1707), divulgados na
língua portuguesa pela obra O engenheiro portuguez, de Manoel de Azevedo Fortes,
editada em 1729.
De sua origem até sua conclusão, a conformação da fortaleza refletiu a
evolução da ciência e da arte da guerra no período compreendido entre os
séculos XVI e XIX, como membro da família arquitetônica das fortificações
renascentistas disseminadas pela Europa, pela América e pela África. Como
a bibliografia de engenharia militar era ampla e publicada em várias línguas,
essas edificações se assemelhavam pela adoção das soluções formais e técnicas
preconizadas pelos estudiosos do assunto. Não se pode, por essa razão, falar em
fortaleza portuguesa, espanhola, italiana ou francesa.
No século XIX, com a evolução da artilharia, os canhões sobre carretas
de madeira e expostos ao tempo tornaram-se obsoletos. As novas peças de

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Fortaleza de São Miguel, em Luanda,


Angola. Planta resultante do levantamento
realizado em 2004 para embasamento do
projeto de restauração.

artilharia exigiam a compartimentação das baterias, e não mais sua disposição


sobre terraplenos, o que selou o fim das fortalezas renascentistas.
A instalação de um depósito de degredados na fortaleza, em 1881, é o
sinal evidente de que ela já não servia como fortificação. Iniciava-se naquele
momento, com a destruição do revelim e o aterramento do fosso, um período
de descaracterização do monumento que só iria se encerrar em 1938, com
o reconhecimento da fortificação como monumento nacional e a criação do
Museu de Angola.
Iniciada a luta pela independência de Angola, a fortaleza teve sua função
militar retomada, passando a abrigar, entre 1961 e 1975, o comando do exército
português. Para atender às necessidades do novo uso, outras edificações foram
construídas dentro do recinto murado. Após a independência, a fortaleza foi
ocupada pelo Estado Maior General das Forças Armadas de Angola, que ali
permaneceu por dois anos.
No dia 31 de julho de 1978, foi criado o Museu Central das Forças Armadas,
com o objetivo de:
[...] proceder a pesquisa, conservação e divulgação do acervo museológico de interesse
histórico militar, com a finalidade de estudo e educação patriótica da população militar
e não só, tendo em conta tornar indelével a memória colectiva do heroísmo e da coragem
seculares do povo angolano, primeiro contra a dominação portuguesa e depois contra as
invasões estrangeiras e as brigas internas de carácter militar.” 22 Visitantes no terrapleno da Fortaleza
de São Miguel, em Luanda, Angola, 2004.
Compõem o acervo do museu armamento leve e pesado, viaturas e aviões,
Foto de Cyro Corrêa Lyra.
documentação fotográfica e textual. A concepção museológica é a do relato

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factual, organizando-se o roteiro de visitação em torno da história da luta pela


À esquerda, vista do terrapleno central
libertação de Angola, na qual se destacam episódios da guerra pela independência
com as construções espúrias demolidas após
execução do projeto, 2004. Foto de Cyro e da guerra civil.
Corrêa Lyra. À direita, terrapleno livre das
Em 2004 teve início um amplo projeto de restauração da fortaleza e
edificações espúrias, 2013. Foto de Alfred
Willer. de renovação do museu. A primeira etapa, realizada em maio de 2004,
compreendeu o levantamento arquitetônico da fortaleza para embasamento
do plano de restauração do monumento e revitalização do museu. Dois anos
depois, concluído o projeto executivo, iniciaram-se as obras. No dia 4 de abril
de 2013, o monumento foi reaberto ao público, rebatizado de Museu Nacional
da História Militar de Angola.23
O projeto possibilitou a liberação da esplanada à frente do portão principal,
que havia sido prejudicada pela ocupação por viaturas e aeronaves durante a
Plantas do subsolo. Corte 1: a cisterna
guerra de independência, de forma desordenada. Na mesma linha de recuperação
antiga e o salão de exposições inserido sob
o terrapleno. Corte 2: salão de exposições dos espaços simbólicos de uma fortificação, foi liberta a área do majestoso
inserido no subsolo. Projetos de 2004.
terrapleno central emoldurado por muralhas, demolindo-se as edificações
espúrias nela introduzidas em épocas relativamente recentes.

Corte 1

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Espaço de exposições inserido no subsolo,


2013. Foto de Alfred Willer.

Rampa de acesso ao espaço de exposições


inserido no subsolo, 2013. Foto de Alfred
Willer.

Como os espaços abrigados – a casa do comandante e as casamatas – não


serviam para o atendimento do programa museológico, decidiu-se construir,
sob o terrapleno, um grande espaço para abrigar acervo de peças de pequenas
dimensões, dotando o museu de um salão de exposição com os requisitos
preconizados pela museografia atual.
Para as peças de grande porte que ocupavam a esplanada à frente da fortaleza,
a solução encontrada foi sua transferência para os espaços externos que ladeiam
o monumento.

Corte 2

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Arquitetura oficial administrativa

Pertencem à categoria de arquitetura oficial administrativa os edifícios construídos para sediar a


administração pública em diversos níveis. Trataremos de dois tipos de edifício: as casas de câmara e cadeia,
que representaram a autonomia local até o advento da república, e os palácios, abrangendo aqueles de
representação do governo português no Brasil, conhecidos como casas dos governadores ou dos vice-reis,
e os que sediaram governos provinciais e municipais no período republicano.
Desses edifícios construídos ao longo da história do Brasil, foram tombados, até 2012, 13 casas de
câmara e cadeia e 41 palácios, dos quais, quase a metade (17 edifícios) está no Rio de Janeiro, cidade
que desempenhou por quase dois séculos o papel de sede dos governos do vice-reinado, do império e
da república.

As casas de câmara e cadeia24


Paulo Tedim Barreto iniciou seu estudo sobre as casas de câmara e cadeia, publicado em 1947, com a
seguinte explicação:

O Domus Municipalis tem sua origem no estabelecimento da comuna medieval e, no tempo, corresponde à cúria e
à basílica romana. Tradicionalmente, é a sede da administração e da justiça, e se colocou sempre no lugar de honra
da cidade, isto é, na praça central ou do mercado.25

Invariavelmente, essas edificações são casas assobradadas, com a cadeia no pavimento térreo e a câmara
no andar superior, sendo a sala de audiências contígua à fachada principal. Eventualmente apresentam
pórticos destinados à feira e torres sineiras.
A existência de cadeia no térreo praticamente desapareceu, assim como a permanência da câmara
no andar de cima. A maioria das casas de câmara e cadeia não desempenha mais sua função de sede de
governo municipal. Entre as alternativas de reutilização, predomina a destinação cultural, como ocorreu
nas cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais, e de Goiás, em Goiás.
A Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto foi projetada no último quartel do século XVIII pelo
engenheiro militar José Fernandes Alpoim. Sua arquitetura representa a transição do barroco para o
neoclássico. O barroco comparece no campanário encimado por abóbada e adornado lateralmente por
volutas; o neoclássico faz-se presente na platibanda abalaustrada e no tratamento em cantaria da parte
central da composição, arrematada por frontão e adornada com colunas da ordem jônica. Contribui
para a imponência do edifício o conjunto formado pela escadaria de dois lances e uma fonte, disposto
à frente do edifício.

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Antiga Casa de Câmara e Cadeia de


Ouro Preto, atual Museu da Inconfidência,
1990. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

Desde 1949, a edificação abriga o Museu da Inconfidência, fundado para


ser o guardião da memória da Inconfidência Mineira.26 A ideia nasceu da
decisão de Getúlio Vargas, em 1936, de trazer para o Brasil os restos mortais
dos inconfidentes deportados para a África e lá sepultados. Para cumprir essa
função, foi criado um panteão em uma das salas térreas do edifício.27
No acervo documental do museu, destacam-se os Autos da Devassa28 e os
desenhos arquitetônicos atribuídos a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
O acervo artístico abrange bens móveis de arte barroca e obras de pintura. O
crescimento do acervo e o aperfeiçoamento de sua museografia levou à criação
de três anexos, que abrigam reserva técnica, exposições temporárias, auditório e
laboratórios de conservação.
A Casa de Câmara e Cadeia de Goiás foi construída no período
compreendido entre 1761 e 1766 e abriga, desde 1949, o Museu das
Bandeiras.29 Diferentemente do exemplo anterior, a arquitetura dessa
edificação destaca-se pela simplicidade, decorrente do emprego da taipa de
pilão na construção de suas paredes.
A composição é simétrica, tendo o eixo central destacado pela presença da
portada de acesso principal e por um singelo campanário disposto sobre o
beiral. Ladeiam a entrada duas sequências de janelas. As do térreo, pertencentes
outrora à cadeia, são gradeadas, e as do pavimento superior, da antiga câmara, Antiga Casa de Câmara e Cadeia
de Goiás, atual Museu das Bandeiras,
são dotadas de balcões guarnecidos por balaústres. O acervo do museu reúne 2006. Foto de Wagner Araújo/Arquivo
documentos e objetos de arte sacra e utensílios. Monumenta/Iphan.

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Os palácios
O primeiro palácio dos governadores-gerais foi construído em Salvador, na Bahia, por ocasião da
fundação da cidade, em 1549. Esse edifício, feito de taipa, foi substituído no século seguinte por outro,
de pedra e cal, que continuou a abrigar o governo-geral do Brasil até sua mudança para o Rio de Janeiro,
em 1763. A partir dessa data, passou a sediar o governo da Bahia e, de 1979 a 1983, o de Salvador. Foi
totalmente remodelado ao gosto eclético no início do século XX.
O segundo palácio do governo português no Brasil foi o do Rio de Janeiro, que continuou a sediar a
administração do país depois da independência e até a proclamação da República. Conhecido como Paço
Imperial,30 nos anos 1990 passou por uma restauração, sobre a qual falaremos adiante. Outros palácios de
governo provincial de interesse histórico e artístico são os de Manaus, no Amazonas, Florianópolis, em
Santa Catarina, e Belém, no Pará.31
O estilo adotado para os edifícios públicos no século XIX foi o neoclássico, por causa dos predicados
de sobriedade, disciplina, contenção, equilíbrio e nobreza de seu vocabulário, que era expresso em
elementos arquitetônicos executados em pedra, mármore e tijolos. Convivendo com o ecletismo, no período
republicano, esse estilo continuou a ser empregado nos prédios públicos, produzindo uma arquitetura cuja
razão precisa era auxiliar a construção dos atributos de um Estado e de uma sociedade ideais.32
Uma das características dos palácios administrativos é sua implantação nas praças principais, geralmente
configurando um conjunto com a casa de câmara e cadeia e a igreja matriz, como se observa em Salvador
e em Ouro Preto. Em termos de utilização, pode-se incluí-los entre os monumentos que dificilmente
mantêm a função original de sede de governo, o que se deve à falta de flexibilidade de seu interior para
adaptações a organogramas que se alteram, no mínimo, a cada gestão de governo. A transferência das sedes
de administração pública para edifícios modernos e a reciclagem dos antigos palácios para outras funções
têm sido uma constante.33
Os monumentos focalizados a seguir exemplificam funções administrativas de dois níveis de abrangência
e histórias distintas de adaptação e renovação de uso: o antigo Palácio dos Vice-Reis, hoje conhecido como
Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e o Paço da Liberdade, em Curitiba.

Paço Imperial34
O Paço Imperial está localizado na praça Quinze de Novembro, antigo largo do Carmo, no centro
histórico do Rio de Janeiro. Reconhecido como principal símbolo do poder do período monárquico
da história do Brasil, pode ser considerado o mais significativo monumento de arquitetura oficial do
Brasil colônia.35
As diversas funções desempenhadas por esse palácio ao longo do tempo resultaram em muitas alterações
e acréscimos à estrutura original. Por essa razão, o dilema entre conservar e restaurar tornou-se o primeiro

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grande desafio enfrentado pela equipe de técnicos da Fundação Nacional Pró-Memória que projetou e
orientou, em 1994, a restauração do monumento e a modernização de suas instalações.36
O vulto da obra realizada e, principalmente, o grau de intervenção – envolvendo a demolição de
mais de mil metros quadrados edificados e a modificação radical da fácies arquitetônica do monumento
– fizeram dessa restauração tema para discussão de problemas de ordem metodológica e conceitual, no
campo da preservação do bem cultural.37
Já no início dos trabalhos, alguns pronunciamentos de pessoas representativas da comunidade refletiram
uma posição apriorística em favor da conservação da fisionomia arquitetônica neocolonial, resultante da
reforma levada a efeito, em 1929, pelos Correios e Telégrafos. Defendia-se a tese de permanência dessa
fisionomia como testemunho de uma fase da história do edifício. Tomou-se, porém, o caminho inverso,
de eliminação da maior parte dos acréscimos introduzidos no século XX, e a intervenção permanece até
hoje como tema para discussão.
A primeira etapa dos trabalhos consistiu, como de praxe, no levantamento da história do edifício. Essa
pesquisa foi muito facilitada pela existência de considerável iconografia do exterior do prédio, identificada
e analisada pelo historiador Gilberto Ferrez. De fato, se comparada à documentação iconográfica de outras
cidades antigas brasileiras, a do Rio de Janeiro oitocentista é riquíssima, o que condiz com sua importância
como capital do império. O largo do Carmo ou do Paço, como sala de visita da cidade, despertava especial
interesse nos viajantes, principalmente nos artistas que lá aportaram. Assim, relatos de viagem, pinturas,
desenhos e fotografias, recolhidos por Gilberto Ferrez, permitiram a reconstituição quase total da história
do monumento, permanecendo obscuros, apenas, os momentos mais recuados no tempo e a distribuição
interna do palácio.38
A referência iconográfica mais antiga do local data de 1714: é um mapa do Rio de Janeiro feito pelo
engenheiro militar francês João Massé, no qual se pode observar, no lugar do Paço, um retângulo, com dois
nomes assinalados: “Armazéns del Rey” e “Casa da Moeda”.39 Como esta foi criada em 1697 para fundir
o ouro proveniente das Minas Gerais, é provável que date dessa época a edificação registrada por Massé.
Alguns anos depois, o conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrade, então governador do Rio de
Janeiro, convidou o engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim para projetar a sede do governo.40
A obra de Alpoim, concluída em 1743, foi documentada em 1775 no Prospecto da Cidade do Rio de Janeiro,
organizado por Luís dos Santos Vilhena, no qual se vê em perspectiva uma construção de dois pavimentos,
com um corpo mais elevado de três andares, contendo quatro janelas voltadas para a praça.41
Com a transferência, em 1763, da sede do governo-geral do Brasil para o Rio de Janeiro, o prédio foi
ampliado, com o prolongamento do terceiro pavimento, conforme se observa no quadro a óleo feito em
1789 por Leandro Joaquim, durante o governo do vice-rei Vasconcellos e Souza, logo após a remodelação
do largo do Paço.42
Outras modificações ocorreram em 1808, com a transferência da família real para o Brasil. As duas

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aquarelas de Thomas Ender, datadas de 1817, são o testemunho iconográfico mais antigo da imagem do
palácio nessa época. O corpo central voltado para o mar recebeu mais um pavimento, com três vãos e
sacada corrida, e o segundo andar teve o pé-direito aumentado.43
Ao descrever as festas de comemoração do batismo da princesa real, Dona Maria da Glória, futura
Dona Maria II de Portugal, Debret nos dá alguma ideia do interior do edifício:

O Palácio da Cidade, que forma a grande massa da esquerda do desenho, mostra, no segundo andar da fachada
principal, os aposentos da Princesa Real; o outro corpo do edifício de igual altura, do lado da praça, pertence às
dependências dos aposentos da Rainha. Os aposentos do Rei, no primeiro andar ao lado da praça; as demais janelas
do palácio, desse lado, dão para os aposentos da Rainha, de SS.AA.RR., suas filhas e da tia do Rei, princesa D.
Maria Benedita.44

A coroação de Dom Pedro I motivou reformas na decoração interna do paço, mencionando Debret as
“salas ricamente preparadas [...], cujos detalhes de gosto moderno exibiam muito ouro dominando com
elegante magnificência a cor verde [...]”.45
Durante o Segundo Império, as fachadas principais – a do mar e a do largo – receberam platibandas
que, ocultando o telhado, modernizaram o edifício, adaptando-o ao neoclassicismo em voga.
Proclamada a república, cogitou-se nele instalar a Secretaria do Estado do Ministério das Relações
Exteriores. O plano não se concretizou, provavelmente por causa da precariedade em que se encontrava o
edifício, que foi então destinado à instalação dos Correios e Telégrafos.
Em 1929, o monumento sofreu uma reforma, acrescentando-se um terceiro andar nos trechos de dois
pavimentos. A preocupação de harmonização motivou a imitação, em alvenaria de tijolo e massa, dos
cunhais e requadros de cantaria dos andares inferiores. O gosto meramente estilístico pelo “colonial”
induziu a execução em argamassa de revestimentos sobrepostos aos ornatos de cantaria das pilastras.
Sucessivas reformas continuaram a ser feitas nos anos seguintes, perdendo o paço, pouco a pouco, a
dignidade que as funções anteriores lhe deram.
Pensou-se a princípio em preservar o edifício tal como chegara aos nossos dias, limitando-se
a intervenção às obras de conservação e reciclagem de uso. Esse caminho, no caso de uma edificação
que sofrera tantas alterações, era, aparentemente, o mais indicado. Porém, os trabalhos preliminares de
“limpeza” – compreendendo a remoção de materiais em mau estado –, a realização de prospecções nas
paredes, pisos e tetos e a análise da documentação iconográfica puseram em xeque a tese inicial de uma
simples conservação.
À medida que se aprofundava o conhecimento do monumento, a “presença” do antigo paço se
impunha. Comparando as referências iconográficas com as descobertas dos testemunhos construtivos das
obras executadas do século XVIII ao XIX, chegou-se à conclusão de que, sob a vestimenta neocolonial
de 1929, sobrevivia ainda, totalmente camuflada, uma arquitetura monumental de maior interesse

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cultural. Revelaram essas pesquisas a existência de uma obra considerada até


então irremediavelmente perdida, pelo nível de descaracterização a que tinha
chegado. A descoberta levou à conclusão de que a manutenção das adaptações
e ampliações feitas para funcionamento da sede dos Correios condenaria ao
desconhecimento uma obra singular. A par do seu significado histórico, o antigo
palácio, que as reformas do século XX tinham ocultado, poderia ocupar, depois
de “revelado”, especial lugar no acervo da arquitetura barroca luso-brasileira,
representada quase exclusivamente pela arte religiosa.
De fato, a demolição das muitas paredes internas de tijolo, estuque e
madeira desvendou os amplos salões palacianos. Foi necessário pôr abaixo
o prédio de quatro pavimentos erguido no interior do edifício para que se
reconstruísse o espaço aberto que, outrora, compunha o pátio interno de
serviços. Desobstruído esse pátio, impunha-se a necessidade de restabelecer
os demais para que fosse possível novamente usufruir a sucessão de espaços
fechados e abertos do edifício. Com a remoção dos revestimentos de massa e
pintura – aplicados em 1929 – foram expostas à apreciação as variadas texturas
dos ornamentos de granito, gnaisse, arenito e lioz português.
Como corolário, verificou-se que a restauração do monumento, de tão
Paço Imperial, no Rio de Janeiro: no alto,
grande significado para a história política do país, exigiria a demolição de
antes da restauração, ainda com a vestimenta
grande parte do terceiro pavimento – mais de mil metros quadrados –, pois neocolonial resultante da reforma feita em
1929 pelos Correios e Telégrafos, 1983.
a remoção das ampliações permitiria à população admirar novamente o jogo
Acima, após a restauração, em 1984. Fotos
barroco de volumes e telhados que compuseram, outrora, um dos aspectos de Cyro Corrêa Lyra e Pedro Lobo.

mais atraentes do paço.46


A eliminação dos acréscimos descaracterizantes construídos no século
XX, em benefício da liberação e da revelação da expressão arquitetônica
de maior valor, não foi evidentemente um caminho fácil. Operações de
demolição, reconstituição, restauração e integração de novos elementos não
são problemas apenas práticos, mas também conceituais.47 Alguns pontos
amplamente discutidos em equipe, durante a obra, merecem referência,
como a questão da reconstituição ou não de elementos arquitetônicos
desaparecidos. Decidiu-se adotar o princípio de não reconstituí-los, mesmo
que a iconografia fornecesse seguras indicações da forma e das proporções
das partes destruídas, objetivando-se, assim, a valorização das estruturas
originais sobreviventes.48

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Razões de ordem funcional ou estética, contudo, obrigaram a equipe,


em certos casos, a abrir exceção nessa conduta. Foi o caso, por exemplo, da
camarinha que ocultava a caixa de escada de ligação do segundo pavimento
com o torreão central, refeita como consequência da reconstituição desse
acesso. O mesmo ocorreu com as volutas que ladeavam o torreão central –
fundamentais, esteticamente, para uma convivência harmônica desse torreão
com os corpos do edifício, mais baixos, que o ladeiam.
Outra questão que causou muita discussão entre os membros da equipe
envolveu a manutenção das quatro colunas do saguão da entrada, erguidas
na primeira metade do século XX. Havia a opção de preservá-las, já que,
por sua ancianidade, ter-se-iam incorporado historicamente ao monumento.
Entretanto, verificava-se que esteticamente tal incorporação não ocorria:
introduzidas, provavelmente, para reforçar a estrutura, as colunas eliminaram
o sentido dos arcos de cantaria à entrada do paço, “desmoralizando” sua
função estrutural e interrompendo a visão da entrada. Nesse local, à entrada,
um dos “momentos” principais do monumento e um dos espaços com
melhores condições de ser reconstituídos em termos de arquitetura, por
sua pouca descaracterização, o critério estético prevaleceu, optando-se pela
eliminação das colunas.
Prevaleceram, porém, critérios diversos em outro local: a sala central,
seguinte à escadaria principal, também chamada “dos archeiros”.
Originariamente havia ali, a céu aberto, um pátio, testemunhado pelos sinais
de terem existido janelas numa das paredes que o circundam, no pavimento
térreo, e pela presença de canaletas para escoamento de águas pluviais no piso.
Posteriormente, porém, acrescentou-se uma cobertura com claraboia e foi
feito um piso elevado, no nível do primeiro pavimento, ligado ao patamar da
escada principal de entrada por um lance de escada.
O levantamento realizado em 1983 registrou também a existência de
quatro colunas. O que encontramos, entretanto, foi uma sala coberta por um
teto em cúpula com claraboia ao centro, mas sem colunas, resultado provável
de reforma posterior à situação de 1980. As paredes são dotadas de grande
número de portas, voltando-se as do segundo pavimento para um passadiço
que rodeia a sala. Altos-relevos e ressaltos de gesso, balaústres do passadiço e
folhas das portas refletem o gosto dos anos 1930.

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Pensou-se inicialmente em restabelecer o pátio, principalmente depois


da descoberta de três arcadas no primeiro pavimento – uma ainda integral;
as outras parcialmente destruídas. Entretanto, as prospecções no pavimento
superior não revelaram sinais dos vãos anteriores. Optou-se, então, por manter
toda a roupagem eclética, mas revelando as três arcadas como testemunho de
uma época anterior.
Para atender a uma nova utilização, projetaram-se bateria de sanitários,
escadas e instalações elétricas. Na década de 1990, verificou-se a necessidade
de melhora do conforto interno, instalando-se, então, um sistema de Instalações sanitárias inseridas no
segundo pavimento, 1984. Foto de Pedro
climatização central.49
Lobo.
O paço que os visitantes deste século XXI encontram não é a reconstituição
de uma época determinada. Na verdade, trata-se de um novo paço, que, liberto
de seus acréscimos espúrios, revela de forma inequívoca as fases significativas
das transformações de sua arquitetura, do início do século XVIII aos dias
atuais.
A questão da restauração, no entanto, não se resolve somente com
a intervenção física no edifício, porque o monumento não é isolado, mas
integrado a uma área urbana com características e problemas próprios, como
observou o arquiteto Glauco Campello:

Ainda que a intervenção se limite apenas à preservação e o uso permaneça o


mesmo, há que se levar em conta o reflexo da vida social e urbana sobre o bem
cultural. Cabe aí um esforço de ajustamento para que o monumento permaneça
vivo e continuem vivos com ele os valores a preservar. É que o significado do
Escada metálica inserida entre os
bem esmaece quando o isolamos do contexto social em que está inscrito. Por pavimentos, 1984. Foto de Pedro Lobo.
outro lado, o monumento interage com o crescimento urbano. Da relação entre
o edifício histórico e seu novo ambiente, nasce uma situação nova com novos
valores e novos significados.

Num projeto de restauração e de adaptação a um novo uso, é fácil perceber


a extensão do processo. Sobretudo quando a restauração implica a restituição
de feição por algum tempo perdida, em consequência de acréscimos e de
intervenções inadequados; quando o próprio sítio, impregnado ele mesmo de
valores históricos, vive uma situação tumultuada e degradada em consequência
de um desenvolvimento urbano desordenado.50

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164

Paço Imperial, no Rio de Janeiro, 2014. No


alto, pátio interno. Ao lado, café. Fotos de
Diana Bogado.

Sem dúvida, passados 30 anos, vemos hoje que a função original – Palácio do
Império, Paço Imperial –, razão de sua consagração como monumento histórico
nacional, teve enorme peso na decisão de restabelecer a expressão de nobreza,
desaparecida em decorrência de sucessivas reformas para adaptações ditadas
pelas necessidades imediatas de funcionamento dos Correios e projetadas sem
nenhuma consideração com o palácio. Chegamos à conclusão, contudo, de
que o uso de sede dos Correios não foi o ideal para o paço, mas garantiu sua
sobrevivência.51
A decisão de destiná-lo a centro cultural deveu-se em grande parte à
compreensão de que o leque de alternativas vocacionais do paço não era grande.
Sendo impossível repetir sua função original, desaparecida, impunha-se um
novo uso que contribuísse para sua preservação. O estabelecimento de um
centro cultural na edificação inaugurou um processo de revitalização de uso da
orla marítima do centro histórico do Rio de Janeiro, destinando-a a uma função
que se consolidaria em pouco tempo.52

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Paço da Liberdade53
A antiga sede da prefeitura de Curitiba, denominada Paço da Liberdade,
foi construída no biênio 1914-1916, segundo projeto do então prefeito,
o engenheiro Cândido de Abreu. A edificação, de três pavimentos, seguiu o
ecletismo que dominava a arquitetura oficial da época, destacando-se nela os
detalhes de marcenaria e serralheria das esquadrias, pela beleza do desenho
art nouveau e pela qualidade de sua execução. Durante meio século, o edifício
cumpriu a função original, mas seu exterior sofreu descaracterização parcial
em razão da modificação da cobertura, com alteração da forma e substituição
do tipo de telha. Internamente, porém, as intervenções limitaram-se a poucas
renovações de material de piso e forro.
Em 1969, o poder Executivo foi transferido para uma nova sede e o edifício
permaneceu sem uso durante três anos. Em 1972, iniciou-se sua restauração e
reciclagem, processo concluído dois anos depois com a inauguração, no paço,
da nova sede do Museu Paranaense.54
Com o passar do tempo, verificou-se que o prédio não atendia de maneira
satisfatória às necessidades da tradicional instituição cultural, fato que levou
o governo estadual, em dezembro de 2002, a transferir o museu para outro
edifício. O prédio retornou, então, à administração municipal, que resolveu
nele instalar uma sede especial do governo da cidade, que seria designada como
Exterior do Paço da Liberdade, em
Salão de Atos, o que corresponderia a um retorno à função original, de símbolo Curitiba, Paraná, 2014. Foto de La Pastina
do poder local, o Domus Municipalis, da tradição latina.55 Filho.

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Mudanças na gestão do município, contudo, conduziram o destino do paço


para outra direção. Em julho de 2007, após a assinatura de um convênio com
a prefeitura, o Serviço Social do Comércio (Sesc) assumiu a restauração do
monumento para nele instalar um centro cultural. Em 29 de março de 2009, o
Sesc Paço da Liberdade foi inaugurado.
A história desse prédio com 90 anos de idade, que inclui três décadas como
museu e vive hoje um novo capítulo, aparentemente adequado a sua preservação,
suscita a questão dos limites vocacionais do monumento: qual é o caráter de
sua arquitetura e de sua vocação para novos usos? Uma descrição detalhada do
monumento e de sua trajetória pode ajudar na resposta a essa questão.
A composição arquitetônica do paço é conduzida por um partido
rigorosamente simétrico, com ênfase nos eixos centrais, que são realçados
nas quatro fachadas. Na elevação frontal, o elemento polarizador é o torreão,
ladeado, a cada nível de piso, por três aberturas de janelas. Na posterior, o eixo é
sublinhado pelos elementos destacados do plano da parede: a marquise de ferro
e vidro no térreo e o balcão no terceiro piso, culminando com a mansarda na
cobertura. Nas fachadas laterais, o eixo central é destacado pela bay-window do
segundo pavimento e pela mansarda na cobertura.
Uma hierarquia conduz o tratamento das fachadas. O andar mais rico, o
terceiro, é valorizado na fachada frontal pelas duas sacadas sinuosas que ladeiam
o torreão. Cada sacada corresponde a uma trinca de portas emolduradas por
arco abatido. Essas aberturas correspondem, internamente, às salas de canto e à
sala de frente. No andar intermediário, os vãos são de janelas retangulares e, no
térreo, em arco pleno.
A fachada posterior tem como elemento de realce, no terceiro andar, uma
sacada central, para a qual se abrem três portas, correspondentes, internamente,
ao aposento mais rico do prédio: o salão nobre. No andar intermediário, as
janelas seguem o desenho discreto de suas correspondentes na fachada frontal.
Paço da Liberdade, em Curitiba, Paraná. No térreo, destaca-se uma grande marquise metálica, originalmente coberta com
De cima para baixo, plantas do térreo, do
segundo e do terceiro pavimentos. vidro, apoiada no prédio por meio de mãos-francesas. Essa marquise protege
a porta de acesso a um salão, ladeada por dois pares de janelas de arco pleno.
Nas fachadas laterais, a hierarquização dos andares é expressa pela presença,
no terceiro piso, de varandas semicirculares no eixo central, encimando as bay-
windows do andar intermediário. As aberturas de janelas repetem a forma de suas
correspondentes na fachada posterior.

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A ornamentação que cobre as fachadas é feita de alvenaria de tijolo,


complementada, em seu âmago, por peças metálicas. O tratamento externo das
paredes, inalterado até hoje, é de argamassa de cimento, protegido, no nível do
térreo, por um soco em cantaria de granito.
O rigor de simetria da composição das fachadas reflete-se na organização
interna dos espaços, idêntica nos três pavimentos. O eixo central longitudinal
corresponde à sequência de sala, caixa de escada e salão. O eixo central transversal
corresponde à galeria de circulação que atravessa o edifício, ligando as duas
portas externas das fachadas laterais. Quatro salas iguais ocupam os cantos,
nos três pavimentos. O grande número de portas permite a ligação entre os Ornamentação das paredes internas da
aposentos e entre estes e as galerias de circulação. sala do Paço da Liberdade, em Curitiba,
Paraná, 2003. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Internamente, merecem destaque, como componentes preciosos do prédio,
os degraus da entrada, o par de colunas do saguão, os tetos de caixotões
quadrangulares, as portas internas de imbuia, as esquadrias externas de cedro e
a escada central de peroba-rosa.56
O edifício é intensamente decorado, externa e internamente, fazendo parte
de uma família arquitetônica marcada pela explícita intenção plástica e pela
grande densidade simbólica de seu tratamento ornamental, características
inerentes, no Brasil, aos palácios ecléticos e às igrejas barrocas.
A grande dificuldade de renovação de uso de um edifício como esse está no
fato de que o trabalho artístico e artesanal, expresso pela pintura e pela talha,
dificulta a reconversão para finalidades diversas da função primitiva. A presença
do ornamento exige uma ocupação menor dos espaços e uma discrição maior Cafeteria do Paço da Liberdade, em
no mobiliário e nos equipamentos a inserir. Curitiba, Paraná, 2013. Foto do acervo do
paço.
Na adaptação feita entre 1972 e 1973, o desafio enfrentado pela equipe foi
relativamente simples, pois o museu que seria instalado no paço provinha de um
prédio com área interna menor do que o da antiga sede do governo municipal.
Mesmo assim, optou-se pela ocultação das esquadrias nas salas de exposição,
cobrindo-se as paredes com cortinas fixas.
Com a expansão do acervo, iniciou-se um conflito entre o museu e o paço,
ou seja, entre a função e o monumento. Como o prédio não dispunha de terreno
livre nem poderia sofrer alterações na disposição das paredes, por causa de sua
condição de monumento histórico e artístico, depois de se esgotar a capacidade
das salas, decidiu-se multiplicar o espaço disponível em uma delas, para que
pudesse abrigar o acervo de arqueologia que tinha sido consideravelmente

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Concerto musical no interior do Centro ampliado. A solução adotada foi a inserção em um dos quatro salões de canto,
Cultural instalado no Paço da Liberdade,
do térreo, de um mezanino de estrutura metálica com vários patamares.
em Curitiba, Paraná, 2013. Foto de Luiz
Lepchak. Como o acervo do museu continuaria a aumentar, concluiu-se que não
havia mais condições de o paço continuar abrigando o Museu Paranaense.
Para ampliar o espaço de atendimento a uma natural e desejável expansão do
acervo, haveria três soluções: construir um anexo, aumentar a área interna com
mezaninos ou criar espaços subterrâneos.
A primeira era impossível, do ponto de vista prático, e condenável, no
que concernia à preservação do entorno: o palácio tem uma posição insular,
sendo contornado por duas praças e duas ruas. A segunda, adotada no espaço
destinado à arqueologia, no qual se inseriu a estrutura metálica de vários
andares, resultou em evidente atentado à integridade do espaço. A terceira
hipótese, a ampliação do espaço por meio de um acréscimo subterrâneo, seria
a única aceitável, do ponto de vista da preservação, mas inviável pelo alto
custo, não sendo por isso cogitada.
A situação a que se chegara demonstrava que a destinação de uso adotada
em 1973 não estava incluída entre as vocações do monumento. Poder-se-ia
chegar a essa conclusão 30 anos antes, quando se verificou que, para expor
melhor o acervo, a solução museográfica era encobrir as janelas, ou seja, para

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atender à nova função era necessário criar uma nova arquitetura de interior e
“calar” a existente.
Embora o programa do novo projeto fosse de retorno à função original,
durante sua elaboração surgiu outra dificuldade de adaptação: a inserção de um
sistema de climatização central. Essa ideia já fora objeto de cogitação durante
a fase de museu: como introduzir dutos de refrigeração em salas e corredores
cujas paredes e tetos eram profusamente ornamentados com trabalhos de
estuque, marcenaria e pintura decorativa? Seria uma inserção assimilável em
espaços despojados, como ocorreu no Paço Imperial. No palácio de Curitiba,
em razão da limitação imposta pelo respeito ao monumento, restringiu-se a
climatização ao último pavimento e os equipamentos de refrigeração foram
instalados no sótão.
A experiência do Paço da Liberdade demonstrou o quanto de ilusório há
na solução – tão disseminada – de destinar os monumentos arquitetônicos
ociosos a museus, sem considerar os limites da vocação desses edifícios,
impostos pelo caráter de sua arquitetura e marcados pela função original que
motivou sua construção.
Na elaboração do projeto de adaptação a Salão de Atos, a importância do
respeito à individualidade e às peculiaridades do monumento ficou evidenciada
quando se constatou que ele se rejuvenesceria ao reassumir o papel de Palácio
da Cidade, podendo novamente revelar a riqueza artística de seu interior.
Com o novo projeto não se pretendeu um retorno, mesmo porque a sede do
governo municipal não se adaptaria mais a um palácio concebido há quase
um século.
Com a destinação a centro cultural, adotada finalmente, os objetivos
de liberar os espaços e revelar sua ornamentação interna foram alcançados
com êxito. Os novos usos, que incluem biblioteca, realização de cursos e
palestras, concertos musicais e exibição de filmes, além de cafeteria, revelam-
se perfeitamente adequados ao ambiente interno do paço.
Depois de reaberto o paço ao público, chega-se à conclusão de que a
realização de uma restauração plena, que incluiu a recuperação física e
funcional do monumento, beneficiou a cidade. Não ressurgiu a sede do
Concerto musical no interior do Centro
governo como entidade administrativa, mas o edifício tornou-se um espaço
Cultural instalado no Paço da Liberdade,
de intenso uso cultural. O monumento adquiriu nova vida com uma função em Curitiba, Paraná, 2013. Foto de Marisa
Muniz.
adequada, o que garantirá sua preservação.

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Fazenda Boi só,


João Pessoa, Paraíba.

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Capítulo 7

Revitalização na
arquitetura civil

Arquitetura residencial urbana

O patrimônio de arquitetura civil de função residencial protegido pelo Iphan, assim como pelos órgãos
estaduais ou municipais do patrimônio, compõe-se de edificações tombadas individualmente e, sobretudo, de
casas que integram conjuntos e trechos urbanos históricos tombados.
A maior parte dos tombamentos individuais ocorrida na “fase heroica” (1937-1967) da história do
Iphan decorreu das referências da edificação a personagens e fatos da história oficial. Em 1938, por exemplo,
foram inscritas no Rio de Janeiro a casa de banhos de Dom João VI, a casa da Marquesa de Santos, a de Rui
Barbosa e a do barão do Rio Branco; no estado do Paraná, foram inscritas duas casas relacionadas à resistência
da cidade da Lapa ao cerco e ao bombardeio sofridos no início de 1894, durante os acontecimentos da
Revolução Federalista que eclodira no Rio Grande do Sul no ano anterior.
Nas duas décadas seguintes, muitas moradias foram tombadas por serem casas natais de personagens
históricos, entre elas a de Bento Gonçalves, em Triunfo, e a de Giuseppe Garibaldi, em Piratini, ambas no

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C a p. 7 – Rev i ta l i za ç ã o na a rq u i t e t u r a c iv i l | 173

Rio Grande do Sul; a de Joaquim Nabuco e a do conselheiro João Alfredo Casa com muxarabi adaptada para
restaurante, em Olinda, Pernambuco,
(sobrado Grande da Madalena), em Recife, Pernambuco; a de Casimiro de 2005. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Abreu, no município de mesmo nome, no estado do Rio de Janeiro, e a do
marechal Deodoro da Fonseca, no Rio de Janeiro.
O conceito de “vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil”,
que justifica a inscrição no Livro do Tombo Histórico, foi sendo ampliado
a fim de abranger a referência do bem edificado ao processo de formação do
país. Somente na década de 1980, porém, seriam inscritas obras relacionadas
à imigração do século XIX, como a Casa Presser, em Novo Hamburgo, Rio
Grande do Sul, e a Escola Rural, em Rio dos Cedros, Santa Catarina.
Os tombamentos pelo valor artístico efetuados na “fase heroica” foram
menos numerosos. Vale a pena mencionar o tombamento de duas casas em
Olinda, por ainda possuírem muxarabis;1 uma casa em Entre-Ijuís, no Rio Grande

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do Sul, por ter sido construída com material recolhido das ruínas de antigas
reduções jesuíticas; o Palacete Azul e o solar do barão de Guajará, em Belém, no
Pará; os solares do Visconde e dos Airizes, em Campos dos Goytacazes, no Rio
de Janeiro; a casa do arquiteto Grandjean de Montigny,2 na capital, e a Casa da
Hera, em Vassouras, no Rio de Janeiro. Como ocorreu com a análise do valor
histórico, a avaliação artística, antes voltada preferencialmente para os estilos
colonial, neoclássico e modernista, passou a abranger o ecletismo do final do
século XIX e do início do século XX.
Além dessas casas “batizadas”, fazem parte do patrimônio edificado milhares
de edificações “anônimas” integrantes dos conjuntos urbanos que, desde os
Casa da Hera, em Vassouras, Rio de
Janeiro, sem data. Foto de Marlino Soares, primeiros anos, foram tombados.3 Ampliou-se, dessa maneira, o número de
Arquivo Iphan.
casas protegidas, embora sem o nível de preservação a que estavam submetidos
os bens isoladamente inscritos nos Livros do Tombo.4
A atuação dos estados na preservação do patrimônio, intensificada a partir
de 1970, quando o governo federal convocou os governadores à participação
na “defesa do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”,5 aumentou
consideravelmente o acervo de imóveis residenciais protegidos. Só na cidade
de Petrópolis, no Rio de Janeiro, além de edificações isoladas, incluindo muitas
de uso residencial, diversos conjuntos foram inscritos nos Livros do Tombo do
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro (Inepac).
Como preservar, de fato, esse acervo de milhares de casas legalmente
protegidas, sujeitas a pressões diversas decorrentes da evolução das cidades em
que estão inseridas?
Grande parte do casario protegido é constituída por edificações de dois
pavimentos de uso misto: comércio no térreo e moradia no andar superior.
Essa tipologia, herdada do período colonial, continuou sendo adotada até as
primeiras décadas do século XX, quando se introduziu um novo modelo de
edificação, caracterizado pela inserção de porão sob o pavimento térreo e pelo
afastamento do edifício das divisas laterais. Internamente, nesse mesmo período,
acrescentaram-se instalações sanitárias, em geral como anexos, nos fundos.6
Com o fim da escravidão, o funcionamento das casas de grande porte,
como os solares baianos e maranhenses, foi se tornando mais difícil, pois a vida
cotidiana dependia inteiramente do trabalho de grande número de escravos
domésticos. Como observou Lucio Costa:

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Se os casarões remanescentes do tempo antigo parecem inabitáveis devido ao


desconforto, é porque o negro está ausente. Era ele que fazia a casa funcionar:
havia negro para tudo – desde negrinhos sempre à mão para recados até negra
velha, babá. O negro era esgoto; era água corrente no quarto, quente e fria; era
interruptor de luz e botão de campainha; o negro tapava goteira e subia vidraça
pesada; era lavador automático, abanava que nem ventilador.7

Durante o século XX, outros fatores concorreram para a mudança radical da


habitação urbana, levando o casario antigo a um processo de descaracterização
e de mutilação. Nas grandes cidades, a partir dos anos 1940, a valorização
das áreas centrais, impulsionada pela possibilidade técnica de verticalização da
construção, acarretou a migração das classes mais abastadas para bairros fora do
centro e desestimulou o uso habitacional, propiciando a substituição do casario
tradicional por edificações de grande porte.
Sobrado da Baronesa de Anajatuba, sede
Os esforços dos órgãos de proteção salvariam muitas casas antigas da do Iphan em São Luís, Maranhão, 2014.
demolição, mas, sujeitas à alteração dos usos anteriores, elas ficariam vazias. Sua Arquivo Iphan/MA.

reciclagem para o atendimento a outras funções, diversas da original, apresentar-


se-ia como solução.
O Iphan e os órgãos estaduais de patrimônio não utilizaram apenas o
instrumento jurídico do tombamento para salvar do desaparecimento as casas
de valor cultural. O poder público, aí incluídos governos estaduais e municipais,
valeu-se, em todo o país, da desapropriação como recurso derradeiro para salvar
casas ociosas e em perigo.
O Iphan participou diretamente da preservação de antigas moradias por
meio da aquisição de imóveis e de sua adaptação para sede das representações
estaduais. Em São Luís e em Salvador, o instituto ocupou dois magníficos
solares, ambos situados nos centros históricos, e, em Porto Alegre, um casarão
eclético erguido em 1901, conhecido como Palacete Argentina. O solar de
São Luís é um casarão de três pavimentos na rua do Giz, conhecido como
Sobrado da Baronesa de Anajatuba; o de Salvador, denominado Solar Berquó,
foi adquirido na década de 1980 pela então Fundação Nacional Pró-Memória.8

Ao lado e acima, Solar Berquó, sede do


Iphan em Salvador, Bahia, 2011. Fotos de
Adenor.

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No Paraná, deve-se ao arquiteto José La Pastina Filho, superintendente do


Iphan, a iniciativa de instalação da sede estadual da instituição em uma casa
de madeira, feita com tábuas de pinho, de uma tipologia arquitetônica muito

Sede do Iphan em Curitiba, Paraná, 2014. comum na região até os anos 1950. Para isso, apenas o material foi adquirido.
Ao lado e no alto, vistas do exterior. Acima, Após criterioso levantamento, a casa foi desmontada e trasladada para um
interior da casa. Na parede, veem-se fotos
dos antigos proprietários. Foto de José La
terreno cedido pelo município de Curitiba, onde foi remontada, depois da
Pastina Filho. restauração de todos os elementos de madeira que a constituíam.
Nas cidades grandes, a manutenção do uso tradicional de moradia no
casario de valor cultural apresenta-se como um desafio maior. Concentradas nos
centros históricos, as casas vêm sendo esvaziadas à medida que cresce a função
comercial e de serviços das áreas centrais.
As iniciativas governamentais de intervenção em imóveis residenciais,
reconhecidos como detentores de valor cultural, consistem na desapropriação
seguida da restauração, destinando-se o prédio a um uso preferencialmente de
ordem cultural, como abrigar museus e centros culturais.
Entre as funções de caráter museológico de maior interesse para antigas
residências destaca-se a de museu doméstico, ou seja, de uma representação de
sua antiga utilização como moradia. Trata-se da melhor solução quando no
monumento há acervo de móveis e demais equipamentos domiciliares originais.
Casa de madeira, atual sede do Iphan em
São exemplos notáveis dessa tipologia a Casa da Hera, em Vassouras, Rio
Curitiba, Paraná, na fase de remontagem,
1985. Foto de José La Pastina Filho. de Janeiro,9 e a Casa Lacerda, na Lapa, Paraná,10 ambas datadas do século

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Casa Lacerda, na Lapa, Paraná, 2009.


Ao lado, exterior. Abaixo, copa da casa, na
qual se mantêm a ambientação e os objetos
usados pela família antes da doação do
imóvel para a Fundação Pró-Memória.
Fotos de Júlio Gabardo.

XIX. Nessas casas, o mobiliário, os utensílios e a ornamentação oitocentista


foram dispostos à maneira da época em que eram utilizadas como moradia,
contribuindo para a reconstituição do ambiente doméstico de então.
Para exemplificar uma intervenção de restauração e reciclagem de uso,
focalizaremos o caso de uma casa assobradada em Curitiba, batizada de
Palacete Wolf.

Palacete Wolf11
Como ocorreu na maioria das capitais no Brasil, o centro de Curitiba teve
sua fisionomia modificada na segunda metade do século XX, com a demolição
de casas e o erguimento de prédios. Felizmente, porém, parte da área central da
cidade foi preservada e revitalizada por meio da implantação de diversas ações
propostas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba.12
O “setor histórico” abrangia a praça da Catedral e adjacências, conforme
estabelecido no plano diretor elaborado em 1965 sob a coordenação do
arquiteto Jorge Wilheim.13 Entre as ações previstas para sua revitalização
figurava a desapropriação de duas edificações que se encontravam em processo
de degradação decorrente de utilização predatória: uma casa térrea, de uso
comercial e residencial, remanescente do período colonial,14 e um palacete
residencial de dois pavimentos, oitocentista, conhecido como Palacete Wolf.
A família Wolf, originária da Áustria, chegou a Curitiba em meados do século
XIX. José Wolf, o patriarca da família, estabelecido na cidade desde 1856, foi
responsável pela montagem da primeira cervejaria de Curitiba e deve ter sido

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Palacete Wolf, em Curitiba, Paraná, sede um empresário de expressão na cidade. Em 1875, solicitou ao presidente da
da Fundação Cultural de Curitiba (FCC),
Câmara Municipal cem palmos de terreno na rua da Assembleia, no largo da
2010. Foto de Cyro Corrêa Lyra.
Igreja do Rosário, para a construção de uma casa.15
Ocupando uma área de esquina de 300 metros quadrados, a edificação
figurava, no final do século, como uma das maiores da cidade. Situada em frente
a uma das três praças principais do centro antigo de Curitiba, tendo no lado
oposto a igreja da antiga irmandade de Nossa Senhora do Rosário, destacava-se
pela posição privilegiada, no local mais elevado e valorizado da cidade, de onde
se descortinava magnífica paisagem formada pelos campos com suas araucárias,
que se estendiam até o sopé da serra do Mar.
Não se sabe ao certo se a casa foi construída para moradia própria, pois
os Wolf possuíam muitos imóveis naquela área da cidade e, segundo seus
descendentes, a família nunca residiu ali. Sabe-se que teve os mais variados usos:
residencial, escolar, militar, comercial e administrativo.16
O palacete é exemplar significativo de um conjunto de sobrados de
arquitetura eclética erguidos na segunda metade do século XIX e caracterizados
pela simetria de composição derivada do neoclassicismo.17
Originalmente, tinha sua fachada principal perfeitamente simétrica, sendo
o eixo de simetria marcado pela porta principal, sob um balcão para o qual se
abria uma porta de largura idêntica à da entrada e ladeada por duas sequências
Palacete Wolf, em Curitiba, Paraná, antes
de três janelas, com duas pilastras de massa, ornadas com caneluras, formando a
da restauração, em 1974. No alto, vista
externa. Acima, pátio interno. Fotos de moldura da composição. Posteriormente, o edifício foi ampliado para a direita,
Cyro Corrêa Lyra.
com a repetição de duas janelas no andar superior e a abertura de um vão em
arco, no térreo.18

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O ritmo da composição é marcado pelas faixas verticais formadas pelas pilastras lisas que flanqueiam os
janelões. Como complemento ornamental, destacam-se as almofadas em ponta de diamante, feitas de arga-
massa, que irrompem do paramento das fachadas, abaixo e acima das janelas e nas extremidades das pilastras.
Se a composição arquitetônica eclética do sobrado é aparentada com a de edificações congêneres de
outras regiões do Brasil, o mesmo não se pode dizer a respeito da técnica construtiva adotada. Nesse
aspecto, o sobrado é produto regional, pela presença da tradição construtiva do imigrante alemão. A
cobertura de duas águas é de telhas cerâmicas escamadas, muito comuns nas áreas de colonização germânica
e conhecidas no Sul do Brasil como “telhas alemãs”. Ainda significativo como exemplo da influência do
imigrante é a convivência na construção do arcabouço de duas técnicas: paredes estruturais de alvenaria
de tijolo e divisórias internas de enxaimel.19 Nos fundos do sobrado encontra-se outro testemunho da
presença do imigrante do norte europeu: os beirais ornados com lambrequins de madeira recortada.
Ocupando dois lados do terreno, o sobrado tem planta em forma de L. A área livre restante constituía-
se, outrora, no pátio de serviço da casa. A disposição interna da planta é marcada por um eixo formado
pelo corredor de distribuição, que se estende da porta de entrada ao pátio e contém a escada de acesso ao
andar superior. No pavimento superior repete-se o mesmo esquema, com o corredor ligando a porta da
sacada a uma varanda em L aberta para o pátio. Dão para esses corredores os aposentos principais, as salas
maiores voltadas para o exterior e os antigos quartos que davam para o pátio de serviço.
Na extremidade direita da casa havia, outrora, uma garagem de carruagem aberta para o pátio e para a
praça, com dois vãos idênticos em arco pleno, sendo o da praça originariamente guarnecido por portão.
Internamente, a arquitetura segue a tradição de sobriedade que caracteriza os interiores da casa brasileira,
mas emprega soluções características da segunda metade do século XIX, como o elevado pé-direito e as
esquadrias com bandeiras envidraçadas.
Quando foi desapropriado pelo município, o imóvel era ocupado pelos mais diversos inquilinos: uma
sapataria no porão, uma livraria, um escritório de engenharia, um ateliê de pintura e duas moradias no
térreo. No andar superior, 15 famílias, em condições precárias, dividiam o espaço disponível. Transformada
em casa de cômodos e praticamente relegada ao abandono, a casa entrara em processo de arruinamento,
já perceptível pelas rachaduras das paredes, pelo tabuado apodrecido do forro e do assoalho e pelo
“selamento” do telhado.
A obra de restauração e adaptação do palacete a sede da FCC começou em fevereiro de 1974,
obedecendo a projeto de restauração/reciclagem que procurou conciliar dois objetivos: restaurar uma
arquitetura valiosa como documento de um período da história da cidade e adaptar o prédio a uma
utilização totalmente diversa daquela para a qual fora construído. Para o novo uso, podia-se prever a
restauração integral do exterior da edificação sem prejuízo de sua arquitetura original, mas o mesmo não
ocorria com o interior, no qual precisavam ser feitas diversas obras de complementação e adaptação.20

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A restauração das fachadas foi quase total. Com base em documentação fotográfica do final do século
passado, foi possível reconstituir o beiral que tinha sido destruído para erguimento de platibanda e refazer
a bacia da sacada, além de recompor os vãos de janelas modificadas. Nas entradas de serviço (lateral
e frontal), como não havia mais os portões originais e as fotografias antigas não eram suficientemente
precisas para a identificação de seu aspecto, optou-se por guarnecer os vãos com vidro temperado, solução
que evidenciava a atualidade da intervenção.
A recomposição da sacada apresentava o mesmo problema, pois as fotos antigas não permitiam
conhecer totalmente a solução original, só deixando margem para uma reconstituição formal. Como no
caso anterior, lançou-se mão de solução técnica atual, o concreto aparente, moldado com o perfilhamento
que a fotografia mostrava. O restabelecimento da composição cromática primitiva foi possível após a
remoção das várias camadas de tinta sobrepostas, trabalho que trouxe à luz os tons da pintura original.
Já internamente, necessidades de ordem funcional impediram a fidelidade total à arquitetura antiga.
Adotou-se, porém, o critério de respeitar a disposição interna dos espaços, mantendo-se sua repartição
original, além de destacar claramente as complementações introduzidas da arquitetura preservada, por meio
do material e do desenho. As novas inserções foram a copa e os sanitários, instalados nos puxados acrescidos
no final do século XIX para funções semelhantes (cozinha e banheiro). Instalações e equipamentos
introduzidos foram projetados com desenho moderno, embora identificados, pela sobriedade, com a
linguagem arquitetônica do prédio. Tal foi a orientação seguida para a solução das instalações, para o
desenho de luminárias, armários e escadas e para a especificação dos acabamentos.
A segunda intervenção restaurativa, realizada em 2002, constituiu uma obra de estabilização
estrutural, conservação de materiais, renovação de instalações e readaptação para atendimento a um
novo perfil da FCC.21
No período de quase 30 anos entre as duas intervenções, ocorreu um processo de fragilização da estru-
tura, evidenciada por desnivelamentos internos e fissuras nas paredes, além da degradação da maioria dos
componentes de madeira por infestação de termitídeos.
Do ponto de vista funcional, o prédio não atendia de forma satisfatória a necessidades inexistentes na
década de 1970, como a adequação das instalações elétricas e telefônicas à informática, e não dispunha de
condições adequadas para a recepção de pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, os ambientes de
apoio – sanitários e copa – tinham se tornado deficientes, o tratamento dos espaços de trabalho mostra-
va-se envelhecido e alguns locais encontravam-se degradados em consequência de reformas realizadas sem
critérios de respeito ao edifício.
Novamente se interveio em todo o imóvel, com a estabilização dos trechos fragilizados, a renovação
das instalações e a repintura geral. Algumas modificações internas também foram feitas para melhorar o
funcionamento da casa: no porão, foi ampliada a área útil por meio da eliminação de inserções espúrias e foi

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instalada uma escada para acesso interno ao restante da edificação; no pavimento térreo, foram construídos
sanitários para pessoas com deficiência; no sobrado, foi inserido um lavabo privativo da presidência.
Um dos aspectos mais interessantes dessa segunda intervenção diz respeito à adequação do uso de um
dos espaços da casa. Constatou-se, no desenvolvimento do projeto, que algumas deformações detectadas
na altura do sótão, como desnivelamentos e fissuras, eram decorrentes da concentração de sobrecargas
como arquivos e estantes metálicas. Feito o cálculo de sobrecarga, deduziu-se que a estrutura de suporte
do piso do sótão não resistia a cargas com massa superior a 100 quilogramas por metro quadrado, ou seja,
o local vinha sendo usado para funções inadequadas.22
Refletindo sobre esses 30 anos de uso do palacete como sede da FCC, chega-se a algumas conclusões.
Primeiramente, a destinação de uso foi adequada, pois a população identifica a casa como a Fundação
Cultural e as pessoas que a frequentam, assim como os funcionários, mantêm uma relação afetiva com o
local.23 Em contrapartida, conclui-se que o mau estado em que se encontrava o palacete, depois de três
décadas de restauração, devia-se à ausência de uma manutenção permanente, sendo necessário estabelecer
um plano de conservação preventiva e um trabalho de treinamento dos funcionários da FCC.24

Arquitetura rural

Na relação de bens que constituem o patrimônio edificado protegido pelo Iphan observa-se que a arquitetura
rural é muito pouco representada. Até 2012, somente 21 imóveis rurais tinham sido tombados, em um universo
de 929 bens edificados inscritos nos Livros do Tombo, ou seja, um pouco mais de 2% do acervo.25
A pouca representatividade do patrimônio rural na relação dos bens protegidos em nível federal pode
ser atribuída a várias causas, entre elas a dificuldade de levantamento, cadastramento e fiscalização desses
bens. Nota-se, até mesmo, a carência de estudos sobre o assunto: até o final da década de 1960, eles se
resumiam aos trabalhos de Luís Saia sobre a arquitetura paulista e ao artigo de Joaquim Cardoso sobre a
casa rural fluminense.26
A reduzida lista de bens tombados não reflete, porém, a realidade do patrimônio rural. Os inventários
feitos recentemente revelam a existência de um número considerável de casas-grandes de expressivo
valor histórico e arquitetônico, embora se constate que a maioria desses solares arruinou-se por falta de
conservação e abandono.
Os exemplares antigos de arquitetura rural, reconhecidos como patrimônio cultural, são testemunhos
das principais atividades econômicas desenvolvidas no Brasil do início do período colonial até os primeiros
tempos da república. No acervo protegido pelo Iphan, nota-se a presença de testemunhos de quatro dessas
atividades: a produção açucareira, a pecuária, a cultura cafeeira e a indústria ervateira.

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Arquitetura do açúcar
A produção do açúcar foi a primeira importante atividade econômica colonial, sendo estabelecida
nas décadas de 1530 e 1540,27 com a construção de engenhos em toda a costa brasileira, de São Vicente
a Pernambuco. Consolidou-se como o grande empreendimento colonial nos dois primeiros séculos,
localizando-se no Nordeste, destacadamente na Bahia e em Pernambuco, a área de maior atividade, em
razão de suas condições climáticas, geográficas, políticas e econômicas. Em segundo plano estava a região
Sudeste, com a produção paulista, desenvolvida no litoral, e a fluminense, mais significativa na área do
Baixo Paraíba, correspondente às planícies de campos. Nessa área, a atividade de produção do açúcar,
iniciada nas primeiras décadas do século XVII, persiste até os dias presentes.28
A instalação de um engenho era um empreendimento considerável, já que abrangia a atividade agrícola
de plantação da cana e pastagens, a atividade de produção do açúcar no engenho ou fábrica e a atividade
administrativa e comercial, sediada na casa-grande. Para habitação, havia dois tipos de edificação: a casa-
grande, que abrigava o proprietário e sua família, e a senzala, que abrigava os escravos. Eventualmente,
via-se um terceiro tipo: a casa do administrador.29
No Nordeste, a fábrica ou engenho situava-se sempre na parte mais baixa do terreno e era movido por
roda-d’água ou por tração animal. Em casos isolados, utilizavam-se os dois mecanismos.30 A produção do
açúcar exigia um conjunto de operações dispostas em espaços próprios: casa da moenda, casa das caldeiras
e fornalhas, tendal das forças e casa de purgar. Na moenda, a cana era amassada e extraía-se a garapa; nas
caldeiras, o caldo era apurado e purificado; no tendal, o caldo se condensava, tornando-se mais turvo;
na casa de purgar, era branqueado, separando-se o açúcar mascavo (mal purgado e escuro) do açúcar de
melhor qualidade. Posteriormente era posto para secar. Em muitos dos engenhos, havia ainda destilarias
para a produção de aguardente, usada como moeda de troca no tráfico de escravos.
A disposição dos prédios de um estabelecimento açucareiro seguia invariavelmente o mesmo esquema,
dando destaque à casa-grande, que era implantada em nível mais elevado, em geral a meia encosta, possivelmente
para assegurar ao proprietário o domínio visual da propriedade e afirmar sua posição hierárquica de senhor
do engenho. No mesmo nível da casa-grande ou um pouco acima, situava-se a capela.31
Gilberto Freyre assim descreve a casa-grande, residência dos abastados proprietários rurais do Nordeste:

A casa-grande de engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil – grossas paredes
de taipa ou de pedra e cal, cobertas de palha ou de telha-vã, alpendre na frente e dos lados, telhados caídos num
máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais – não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas,
mas uma expressão nova, correspondendo ao nosso ambiente físico e a uma fase surpreendente, inesperada, do
imperialismo português: sua atividade agrária e sedentária nos trópicos; seu patriarcalismo rural e escravocrata
[...].32

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E complementa:

A cultura do açúcar produziu formas peculiares do dormir e descansar (a rede), do comer (a cuia), do defecar (o
tigre e a touceira de bananeira), do banhar-se (os banhos de rio, de gamela, de assento) e do parir (resguardo).33

Deve-se a denominação casa-grande não só a sua importância como sede da propriedade, mas
também ao seu tamanho, resultante de um programa arquitetônico que atendia às necessidades de uma
família numerosa, expressiva de um patriarcalismo frequentemente promíscuo, com muitos afilhados,
agregados e compadres. As mulheres, em especial as moças solteiras, viviam em condição de reclusão.
Ficavam isoladas na casa-grande, a maior parte do tempo nas cozinhas, acompanhadas de escravas. Pelas
janelas de gelosias, que separavam a capela-mor da sacristia, as donzelas podiam assistir aos ofícios
religiosos sem ser vistas.
Vários eram os expedientes usados para manter a privacidade da casa-grande, como os pátios internos,
depois substituídos por varandas periféricas, que estabeleciam uma comunicação resguardada entre o
exterior e os cômodos íntimos da casa. A alcova esteve presente em todos os períodos, sem aberturas para
o exterior. Por fim, a comunicação era indispensável para manter a integração de uma estrutura social
profundamente estratificada, sendo viabilizada em grande parte pela capela, em geral localizada ao lado
da casa-grande.
Em relação à unidade fabril do engenho de açúcar, sua forma resultou basicamente dos fatores
tecnológicos de produção, que não variaram muito durante o período colonial e, como consequência,
sua arquitetura não apresentou muitas modificações. No entanto, ocorreram variações na forma e no
espaço dessas construções, as quais acompanharam as alterações do processo de produção e a capacidade
produtiva do engenho.
Hoje não existem muitos testemunhos das senzalas dos antigos engenhos, o que se deve à destruição
da maioria após a abolição da escravatura, em 1888, e à fragilidade de sua construção. De acordo com o
arquiteto Geraldo Gomes:

[...] o tipo de edifício registrado no século XIX sobreviveu à abolição da escravatura e tornou-se habitação de
homens livres em engenhos mais recentes e em conjuntos de habitação de operários das modernas usinas, com
modificações que se restringem a pequenos acréscimos no número e nas dimensões dos compartimentos.

Não há variedade de tipos de senzala. O que difere uma das outras é a distância que as separa da casa-grande.
Algumas são muito próximas, quase contíguas, e outras mais distantes.34

A arquitetura das senzalas resume-se a uma série de pequenos cômodos contíguos em linha, havendo
ou não um alpendre em toda sua extensão, com cobertura em duas águas.35

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Arquitetura da pecuária
Com a progressiva especialização da economia colonial, verificou-se o desenvolvimento de setores de
subsistência, baseados na pequena propriedade e na policultura, e da atividade criatória. Esta implantou-
se no nordeste da colônia nos séculos XVI e XVII, inicialmente em torno dos engenhos, expandindo-se
depois para o interior. Em Minas Gerais, foi introduzida na primeira metade do século XVIII, para suprir
a zona aurífera; no sul da colônia, na segunda metade do mesmo século, destinando-se a abastecer os
centros urbanos do litoral e a região das Minas. A pecuária sulina forneceu não apenas alimento (carne e
laticínios), mas principalmente animais de carga, tão necessários para o escoamento da produção.
A arquitetura rural desenvolvida em Minas Gerais tem um programa que se resume em varanda fronteira,
capela e quarto de hóspedes nas laterais. Pode ser térrea, dispondo de depósitos e quarto de agregados, ou
com um pavimento superior, no qual permanece a família. Por vezes, ainda há o mirante, que se sobressai
da construção, em um terceiro pavimento.
Em muitas dessas edificações observa-se a espontaneidade do crescimento por meio dos “puxados”,
destacadamente para a instalação de cozinha e banheiro. O sistema construtivo varia entre taipa
de sebe e alvenaria de pedra. Junto à sede, em volta do pátio, encontram-se a senzala, o paiol e a
engenhoca, que é fechada por paredes e vazados de gradeado. O paiol é de madeira ou pedra.
Merecem destaque as seguintes edificações rurais tombadas pelo Iphan em Minas Gerais, em 1973
e 1959, respectivamente: a casa da Fazenda Rio de São João, em Bom Jesus do Amparo, erguida em
1791, que contém 23 cômodos e rica capela de pé-direito duplo, e a casa da Fazenda Boa Esperança, no
município de Belo Vale, provavelmente de data anterior a 1790, na qual se destacam as talhas da capela e
o paiol de alvenaria de pedra.
Outra tipologia arquitetônica de moradia rural desenvolveu-se na ocupação do planalto paulista, no
século XVII. Ela se caracteriza pelo assentamento sobre plataformas, pela disposição da fachada principal
para o norte ou noroeste, pela presença na faixa fronteira de um alpendre central, ladeado pela capela e
o quarto de hóspede, e pelo posicionamento dos quartos de dormir nos fundos e de uma sala terminada
por um alpendre no trecho central.36 Vale citar a observação de Michel Parent sobre o valor arquitetônico
extraordinário das fazendas paulistas:37

[...] les fazendas du siècle XVII constituent un témoignage de la civilisation spécifique brésilienne. Ces fazendas
n’ont, architecturalement et sociologiquement parlant, aucun équivalent en Europe.38

Para a construção dessas casas empregava-se a taipa de pilão para as paredes e madeira para os demais
componentes, o que influiu no resultado plástico do seu exterior, caracterizado pelo predomínio das
superfícies cegas sobre os vazios constituídos pelas janelas. Dos exemplares arrolados por Luís Saia destacam-
se a fazenda Pau-d’alho, em São José do Barreiro, e a casa do sítio de Santo Antônio, em São Roque.39

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Arquitetura do café
No século XIX, o café tornou-se o principal produto de exportação do Brasil, contando com a
infraestrutura que servira às economias açucareira e mineradora, que já haviam entrado em declínio. A área
de maior produção do grão correspondia ao vale do Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Essa atividade, iniciada nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, seguiu na direção oeste, galgando a
serra, e entrou no estado de São Paulo. Já no século XX, atingiu o norte do Paraná.
As primeiras casas das fazendas cafeeiras eram muito simples, interna e externamente, tanto do ponto
de vista do programa arquitetônico quanto no que dizia respeito aos aspectos plásticos, embora algumas
apresentassem grandes dimensões. Com a prosperidade advinda do café, os fazendeiros passaram a construir
sedes mais requintadas em suas propriedades ou a ampliar e reformar as que já possuíam, adaptando-as às
novas noções de educação familiar, ao gosto e ao estilo provenientes da Corte.
Essas fazendas apresentavam um projeto arquitetônico decorrente do programa de necessidades da
produção cafeeira, similar ao dos engenhos. No terreno eram dispostos a casa-grande, a capela, a senzala,
as tulhas (locais de armazenamento dos grãos) e o terreiro. As plantas das sedes geralmente eram em “U”,
nas quais eram separadas e isoladas as diversas áreas de distribuição de uso.
As construções organizavam-se ao redor do terreiro, local de secagem do café, e o conjunto era
complementado por roda-d’água e uma bateria de pilões. Havia ainda uma construção destinada ao pouso
dos tropeiros.

Arquitetura do mate
Um quarto ciclo econômico baseado na atividade rural foi responsável pelo desenvolvimento de uma
área no sul do Brasil: o ciclo do mate, no estado do Paraná.40
O comércio de erva-mate ganhou importância no Paraná a partir de 1813, quando o governo
paraguaio proibiu a exportação da produção local para o Uruguai e a Argentina. Com as restrições
comerciais estabelecidas pelo Paraguai, até então o maior produtor e exportador de erva-mate, a atividade
ervateira paranaense ampliou-se. Em 1826, além de exportar o mate para os portos nacionais, o Paraná
comercializava com o Uruguai, o Chile e a Argentina.
Embora a atividade ervateira não tenha deixado testemunhos significativos de arquitetura de moradia,
legou ao presente exemplar importante de engenho, que abordaremos mais adiante, ao tratar da reutilização
de edificações industriais.

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Sede da Fazenda Flor do Paraíso, no


município de Rio das Flores, Rio de Janeiro,
2011. À esquerda, trecho central da fachada.
À direita, porta principal, vendo-se o
renque de palmeiras-imperiais que ladeiam
a alameda à entrada da propriedade. Fotos
de Cyro Corrêa Lyra.

Preservação na revitalização da economia rural


Para garantir economicamente a manutenção da propriedade, uma parcela
considerável dos senhores dos antigos engenhos de açúcar e fazendas de café
mudou sua atividade. Embora essa transformação ocasionasse a aposentadoria do
maquinário de produção e, frequentemente, a demolição do edifício da fábrica,
a casa-grande continuava a cumprir sua função de moradia dos proprietários.41
Se muitas casas senhoriais de engenhos e fazendas sobreviveram, o mesmo
não ocorreu com as antigas senzalas. Entre as raras senzalas que restaram, vale
mencionar a da Fazenda Pau-d’alho, em São José do Barreiro, São Paulo.
O legado do ciclo do café destaca-se por incluir número considerável de casas
que ainda abrigam mobiliário de valor. A proximidade da Corte possibilitou
um requinte no tratamento interno das sedes das fazendas que raramente
se observou nas casas-grandes da economia do açúcar e da pecuária. Até o
tratamento externo era valorizado pelo plantio, à frente das casas, de renques de
palmeiras-imperiais.42
Nos últimos anos, em razão do desenvolvimento do turismo interno voltado
para o meio rural, muitas casas de fazenda têm sido restauradas e revitalizadas.
Trata-se de um processo de recuperação econômica das propriedades que não
mais se sustentavam com a atividade agrícola. Isso vem trazendo benefícios

PatrimonioEdificado.indb 186 3/31/16 10:37 PM


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Vista da sede da Fazenda Santa Eufrásia,


em Vassouras, Rio de Janeiro, 2013. Foto de
Paulo D’Antonio.

Exterior da sede da Fazenda Santa


Eufrásia, em Vassouras, Rio de Janeiro,
2013. Foto de Paulo D’ Antonio.

sociais para regiões como o vale do rio Paraíba, não só no território fluminense
como também no paulista. A adaptação das casas para pousadas e hotéis e a
construção de anexos para atender à demanda de hospedagem cria empregos e
gera renda para regiões que vinham atravessando um esvaziamento econômico
cujo início remonta à segunda metade do século XIX.
Um exemplo de recuperação econômica de propriedade rural e revitalização
da arquitetura é dado pela recente história da Fazenda Santa Eufrásia, no
município de Vassouras, estado do Rio de Janeiro.43 Para a conservação e a
manutenção da propriedade, foi restabelecida a produção de café, que tinha sido
substituída, no início do século XX, pela criação de gado. A casa, construída por
Detalhe da sala de entrada da sede da
volta de 1830, com estrutura de madeira e fechamento de pau a pique, guarda
Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras,
em seu interior a ambientação original do século XIX, na qual se destacam o Rio de Janeiro, 2013. Foto de Paulo D’
Antonio.
mobiliário e os utensílios, e é aberta à visitação previamente agendada.

PatrimonioEdificado.indb 187 3/31/16 10:37 PM


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Antigo terreiro de café, transformado Entre as propriedades rurais recicladas para uso como hotel, merece atenção
em jardim, na Fazenda Vargem Grande,
em Areias, São Paulo, 2012. Foto de Vitor a inserção feita na Fazenda Vargem Grande, em Areias, São Paulo. Trata-se da
Hugo Mori.
transformação do antigo terreiro de secagem do café em um jardim projetado
por Roberto Burle Marx na década de 1970. Nessa transformação, se houve
perda de testemunho histórico do uso original – o terreiro de café –, houve um
enorme ganho paisagístico – o jardim de Burle Marx.
A recuperação econômica dessas propriedades vem sendo acompanhada pela
revitalização cultural fomentada por prefeituras e entidades não governamentais,
entre as quais se destaca o Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do
Paraíba (Preservale).44 20 anos depois de sua fundação, essa instituição contava
com 21 fazendas filiadas, das quais nove mantêm um esquema de recepção para
visitas previamente agendadas e seis foram adaptadas para hospedagem, como
hotel fazenda, pousada ou albergue. Entre os aspectos relevantes dessa experiência
está o trabalho educativo, que abrange a conscientização dos proprietários e a
formação de agentes culturais e guias turísticos. Dos frutos dessa ação merece
referência o Projeto Inventário das Fazendas Históricas, realizado pelo Instituto
Cultural Cidade Viva com o apoio da Light e a curadoria do Inepac.
Deve-se mencionar ainda uma experiência inspirada na revitalização das
fazendas de café: a criação do Instituto Sete Capitães, com participação de dez
antigas fazendas de açúcar do norte fluminense.45

PatrimonioEdificado.indb 188 3/31/16 10:37 PM


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Intervenção direta do Iphan


O Iphan participou da preservação de edificações urbanas notáveis,
adaptando-as para sedes regionais na Bahia e no Maranhão. O mesmo ocorreu
com alguns imóveis rurais de valor excepcional. Em Pernambuco, o Iphan
restaurou a casa do antigo engenho da Madalena, da qual falaremos mais adiante,
para utilizar como sua sede regional, e em São Paulo recuperou a Fazenda
Pau-d’alho e os sítios do Padre Ignácio e de Santo Antônio.

Reutilização de casas rurais absorvidas pela cidade


Com a expansão do espaço urbano, muitas casas rurais desapareceram,
mas algumas foram salvas por meio de nova destinação de uso. Três exemplos
apresentaremos a seguir: as sedes do antigo Engenho da Madalena, em Recife,
Pernambuco, e da Fazenda Boi Só, em João Pessoa, Paraíba, e uma casa de
chácara no Rio de Janeiro, conhecida como Casa Daros.

Engenho da Madalena
O caso do antigo Engenho da Madalena46 é um exemplo interessante da
absorção urbana do imóvel rural. Nos anos 1960, quando foi restaurado e
adaptado pelo Iphan para sediar a instituição, o casarão do engenho já não se
caracterizava como moradia rural, mas urbana.47 Tombado em 1966, recebeu o
nome de Sobrado Grande da Madalena.
A casa-grande de paredes caiadas com telhado à vista, característica das
antigas sedes de engenho, havia sido transformada, no final do império, em um
magnífico “solar” de traços neoclássicos, enriquecido por fachadas azulejadas,
encimadas por platibanda com estatuetas. O solar serviu de residência ao
conselheiro abolicionista João Alfredo Corrêa de Oliveira, fato que induziu à
instalação em seu interior, em 1983, do Museu da Abolição. Em 2010, o Iphan
mudou-se para outro local, passando a casa a sediar exclusivamente o museu.

Sobrado Grande da Madalena, atual


Museu da Abolição, em Recife, Pernambuco.
Foto de Frederico Almeida.

PatrimonioEdificado.indb 189 3/31/16 10:37 PM


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Sede da Fazenda Boi Só, em João Pessoa,


Paraíba. À esquerda, em 2004, antes da
intervenção. À direita, após a intervenção,
como centro de convivência do Condomínio
Alphaville João Pessoa, 2011. Fotos,
respectivamente, de Cyro Corrêa Lyra e
Clarice Futuro.

Fazenda Boi Só
O mesmo que ocorreu em Recife, com a absorção urbana do antigo
Engenho da Madalena, aconteceu em João Pessoa, com a Fazenda Boi Só. Essa
fazenda situa-se no bairro dos Estados, área central da capital da Paraíba. O
conjunto edificado é composto de casa-grande, capela, casa de farinha e outras
construções menores.
Sobre a origem da denominação atual, não há registros textuais. A versão
mais difundida é a de que se trata de uma corruptela de Boisson, sobrenome
do francês que teria sido proprietário da fazenda. Inscrito sobre o portão de
entrada da fazenda, enquanto propriedade do francês, esse sobrenome seria lido
pela população local como Boisó, passando com o tempo para Boi Só.
A casa-grande, presume-se, foi construída por volta de 1850. Passou por
reforma em 1935 e foi tombada em 1980, por valor histórico, pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep).
A organização do espaço da casa-grande modificou-se ao longo de sua
história, segundo as necessidades dos moradores e a evolução dos costumes. A
planta do imóvel era inicialmente retangular, e sua primeira modificação foi a
construção de uma cozinha, em corpo anexo à edificação. Como era costume em
meados do século XIX, a casa era desprovida de sanitário, que só foi introduzido
na década de 1930, quando também se construiu um torreão e uma varanda à
frente de três faces da casa.

PatrimonioEdificado.indb 190 3/31/16 10:37 PM


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A função residencial cessou em 1992, quando a família que habitava a Vista de outro ângulo da sede da fazenda
Boi Só, em João Pessoa, Paraíba, 2011. Foto
casa mudou-se para um apartamento, levando todo o mobiliário antigo que a de Clarice Futuro.
guarnecia. Repetiu-se ali o que aconteceu com a maioria de suas congêneres. A
urbanização da região contribuiu para a extinção da função produtiva rural da
propriedade, e a casa esvaziou-se de gente e de utensílios. O que impediu sua
ruína foi o fato de os proprietários cuidarem de sua manutenção, mesmo vazia,
por uma relação afetiva com o local. No início dos anos e 2000, a propriedade
foi vendida para se converter no Condomínio Alphaville João Pessoa.
Em 2007, o autor deste Sala do centro de convivência do
Condomínio Alphaville João Pessoa, em
livro assumiu a coordenação do João Pessoa, Paraíba, 2011. Foto de Clarice
projeto, executado em 2010, de Futuro.

restauração da sede da fazenda


Boi Só e sua adaptação a centro de
convívio social para os moradores
do condomínio.48 A casa foi
fisicamente restaurada e dotada de
novas instalações. Os acréscimos
– torreão e varanda – foram
conservados, mas destacados
visualmente pelo tratamento
pictórico diferente do original.

PatrimonioEdificado.indb 191 3/31/16 10:38 PM


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Acima, exterior da Casa Daros, no Rio Casa Daros


de Janeiro, 2014, vendo-se o renque de
palmeiras diante da fachada. Ao lado,
Interessante exemplo de construção rural absorvida pela cidade é o de uma
entrada da casa. Fotos de Diana Bogado. antiga chácara construída em 1866, conforme projeto do arquiteto Joaquim
Bethencourt da Silva (1831-1912), com traços neoclássicos. Implantada em
um terreno de aproximadamente 12 mil metros, teve diversos usos, como asilo,
orfanato e escola, até ser adquirida com o objetivo de uso cultural.
A casa está situada no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. As obras de
restauração e reciclagem para sua utilização como centro cultural começaram
em 2007, sob o patrocínio da Daros Latinamerica, instituição com sede em
Zurique, na Suíça, e conforme projeto coordenado pelo arquiteto Ernani Freire.
Em 2013, a Casa Daros foi inaugurada com 11 salas de exposição, biblioteca,
auditório, cafeteria e restaurante.
De sua origem rural restou como testemunho o renque de palmeiras-
imperiais característico do agenciamento paisagístico das fazendas fluminenses.

Restaurante da Casa Daros, no Rio de


Janeiro, 2014. Foto de Diana Bogado.

À direita, pátio interno da Casa Daros,


no Rio de Janeiro, 2014. Foto de Diana
Bogado.

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Arquitetura industrial

Os bens arquitetônicos representativos da memória da indústria no Brasil


inscritos nos Livros do Tombo do Iphan não são muito numerosos, embora se
trate de um capítulo importante da história do país. A consciência da necessidade
de se preservar esse patrimônio, entretanto, existe e tem resultado em iniciativas
importantes, notadamente por parte dos órgãos municipais e estaduais.
O início da industrialização no Brasil foi assinalado pelo decreto editado
por Dom João VI em 1808, autorizando a abertura dos portos brasileiros ao
comércio internacional, fato que propiciou a vinda de técnicos estrangeiros e a
importação de máquinas e equipamentos, antes proibida pela Coroa portuguesa.
Um dos marcos da industrialização nesse período foi a instalação da Real
Fábrica de Ferro São João de Ipanema, na região de Sorocaba, no estado de São
Paulo, em área hoje correspondente ao município de Iperó.
A construção da fábrica teve início em 1818 e foi sendo ampliada ao longo
do século, com o erguimento de diversos edifícios. Sua atividade cessou no final
do século XIX, quando foi abandonada, entrando em processo de arruinamento.
Hoje faz parte da Floresta Nacional de Ipanema, sob a responsabilidade do
Instituto Chico Mendes.49
Sobre a edificação mais antiga da Real Fábrica de Ipanema, escreve Nestor
Goulart Reis Filho:

O prédio primitivo, construído pelos suecos e alemães, é de estilo romano,


constituído de enormes blocos de pedra. Possui teto feito com madeira adquirida no
Paraná e em Mato Grosso, transportada para o local.50

A partir de 1850, a expansão da lavoura cafeeira e a estabilização da


economia brasileira impulsionaram as atividades industriais e a instalação de

Antiga Fábrica de Ferro de Ipanema,


em Iperó, São Paulo, 2005. Fotos de
Victor Hugo Mori.

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infraestrutura. Em abril de 1852, Irineu Evangelista de Souza, futuro barão e, depois, visconde de Mauá,
firmou contrato com o presidente da província do Rio de Janeiro para a construção da primeira estrada
de ferro do Brasil. Dois anos depois, o imperador inaugurava o primeiro trecho, de 14 quilômetros, entre
o porto da Estrela, no fundo da baía da Guanabara, e a estação de Fragoso, ao pé da serra dos Órgãos.51
Naquela época, no alto da serra, em Petrópolis, a atividade industrial já predominava sobre a agrícola,
estando em pleno funcionamento uma fábrica de tecidos, três de cerveja e uma serraria. Poucos anos
depois, as atividades industriais tinham se diversificado, abrangendo ferrarias, relojoarias, ourivesarias
e marcenarias. Ao final do século, porém, a produção têxtil consolidou-se como atividade principal,
incentivada pelo governo imperial. Contribuíram para isso o clima favorável ao cultivo do algodão, a
facilidade na obtenção de energia e a presença de imigrantes com especialidades manufatureiras, oriundos
da Europa central.52
A Vidraria Santa Marina, implantada em 1897 na capital paulista, tornar-se-ia alguns anos depois
a primeira fábrica da cidade a dispor de luz elétrica em todas as dependências e a pioneira em prover
moradias para seus funcionários. Após muitas alterações arquitetônicas ao longo dos anos, pouco se
preservou dessa edificação além da centenária chaminé remanescente do conjunto original.53
No início da década de 1920, começaram a funcionar em São Paulo as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo da Água Branca, dedicando-se, inicialmente, à produção de farinha e tecidos.54 Com a
falência do grupo, nos anos 1980, o complexo foi desativado, sendo algumas edificações demolidas e
outras abandonadas.
Preocupado em preservar a história da industrialização em São Paulo, o Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) deu
início, em 1985, ao processo de tombamento dos remanescentes do complexo industrial Matarazzo.
Diante da situação do conjunto, o órgão estadual decidiu, em 1993, preservar apenas o prédio de caldeiras
e as três chaminés de alvenaria.55
Outra iniciativa de proteção da memória industrial foi o tombamento da antiga Serraria Souza
Pinto, em Belo Horizonte, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais (IEPHA). A edificação em que funcionou a serraria (de 1912 a 1960) atualmente é utilizada
para abrigar eventos como feiras, exposições e congressos.

Reutilização de fábricas desativadas


A arquitetura industrial é essencialmente funcional, caracterizando-se por soluções padronizadas
ditadas pela economia. Geralmente, a complexidade do seu programa de necessidades resulta em uma
multiplicidade de edificações, diferenciando-se geralmente o edifício de escritórios pela adoção de uma
arquitetura mais sofisticada.

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Nas fábricas do século XIX e do início do século XX, o tratamento desse edifício identificava-se
com o ecletismo em voga, sendo as paredes externas geralmente adornadas com elementos extraídos do
repertório do estilo neoclássico. Havia uma grande influência dos padrões da arquitetura industrial inglesa,
prevalecendo a técnica construtiva de paredes externas de alvenaria de tijolo, nem sempre revestidas, vazadas
por esquadrias metálicas estreitas e altas, que tinham a função de iluminar o ambiente sem permitir a
visão do exterior. Era muito comum o emprego de estrutura metálica para vencer grandes vãos e o uso
de coberturas do tipo shed, sistema que permite o melhor aproveitamento da iluminação natural.56 Nos
telhados, as telhas “francesas”,57 por causa da rapidez de colocação e reposição, substituíram as do tipo
“capas e canal” da tradição portuguesa.
A evolução dos métodos industriais, as transformações sociais e econômicas e o crescimento urbano
são fatores que contribuem para modificações radicais nos edifícios ou mesmo o abandono e demolição
das antigas fábricas. De fato, trata-se de um patrimônio, como observa Beatriz Kuhl, “[...] especialmente
sensível por ocupar, geralmente, vastas áreas em centros urbanos e sua obsolescência e falta de rentabilidade
tornam bastante delicada a questão da sua preservação”.58
Além dos bens imóveis, ocorre a perda do patrimônio imaterial das antigas indústrias, ou seja, dos
“vestígios dos produtos ali fabricados, dos métodos de produção, das condições de trabalho e moradia do
operariado, das relações sociais e espaciais em uma cidade ou região”.59
Isso pode referir-se tanto aos meios de produção quanto aos de comunicação. A preocupação
maior consiste em preservar e tornar esse espaço útil, considerando-se os conceitos de sustentação e
sustentabilidade.60
Na Europa, particularmente na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, até os anos 1980,
julgavam-se as antigas fábricas como “unacceptable relics of oppressive working conditions and poor
living standards”.61 Entretanto, desde que se iniciou naquele país a prática de reciclar instalações
industriais desativadas, foi sendo reconhecido o grande potencial dessas edificações em adaptar-se a
novos usos, tais como residências, escritórios, hotéis ou conjuntos comerciais, além da rentabilidade
desses empreendimentos. Um exemplo foi a reciclagem de um antigo moinho de grãos, em Londres,
para utilização como hotel: o New Concordia Wharf.62 Foi preservado o aspecto original da antiga
fábrica, ao mesmo tempo que foram inseridas novas instalações e adaptados seus ambientes internos
para a nova função.
No Brasil, destacam-se como exemplos de reutilização de arquitetura industrial dois projetos: o
do Sesc Pompeia, na cidade de São Paulo, e o do Museu do Mate, no município de Campo Largo,
no Paraná.

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Exterior do Sesc Pompeia, em São Paulo,


2000. Foto de Eliana Miranda.

Sesc Pompeia
Foi elaborado pela arquiteta Lina Bo Bardi o projeto de revitalização e reci-
clagem para novo uso de uma antiga fábrica de tambores e geladeiras na capital
paulista, denominada Unidade Fábrica. Depois de obras realizadas entre 1977
e 1986, conforme esse projeto, a antiga indústria se transformou em um com-
plexo cultural e esportivo. Em 1982, inaugurou-se o centro onde funcionava a
fábrica e, quatro anos mais tarde, o bloco esportivo foi aberto ao público.
O complexo, que ocupa um terreno de 16.573 metros quadrados, tem ca-
pacidade para receber 5 mil pessoas por dia e abriga um teatro com 800 luga-
res, um restaurante, uma choperia, uma área de convivência, um auditório, um
galpão de exposições, uma biblioteca, uma área de vídeo, sete oficinas de arte,
um laboratório fotográfico, uma piscina aquecida, com solário, um ginásio de
ginástica, três ginásios com seis quadras poliesportivas, quatro salas de ginástica
e dança, quatro consultórios odontológicos, um bar-café e uma lanchonete.63

Museu do Mate
O segundo exemplo de reutilização de arquitetura de produção é o do antigo
Engenho de Mate da Rondinha, atual Museu do Mate,64 no estado do Paraná.
Na terceira década do século XIX, quando havia em Curitiba 21 produtores de
mate, apenas no município de Campo Largo registrava-se, em 1875, a existência
de 13 engenhos. Um desses engenhos, o da Rondinha, deve corresponder ao
Interiores do Sesc Pompeia, em São Paulo,
1992. Fotos de Cyro Corrêa Lyra.
que foi visitado pelo viajante inglês Thomas Bigg-Whitter,65 e constitui hoje o
núcleo do Parque Histórico do Mate.

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Identificado como o último engenho de soque hidráulico de erva-mate do


país, é o principal testemunho arquitetônico de uma atividade ervateira que fez
a riqueza do estado no século XIX. Situa-se no distrito rural de Rondinha,
município de Campo Largo, a 17 quilômetros de Curitiba, às margens da BR-
277. Essa rodovia parte do porto de Paranaguá e cruza o Paraná até a cidade de
Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.
Implantado no sopé de um morro, em região de relevo acidentado, o
engenho era abastecido pelas águas desviadas do rio Rondinha, por meio de
canal que acompanhava a curva de nível, descendo até à altura da roda-d’água
Antigo engenho de mate em Campo
que acionava a bateria de pilões de soque da erva-mate.
Largo, Paraná, no final da década de 1970,
Estima-se que tenha sido construído por volta de 1870, e sua sobrevivência antes da restauração. Foto de Cyro Corrêa
Lyra.
deveu-se à adaptação das instalações para moinho de cereais e ao zelo com que
foi conservado pela família proprietária.66
Em 1980, depois de desapropriada a área pelo governo do estado do Paraná,
para fins de utilidade pública, iniciou-se a restauração, concluída no ano seguinte
com a inauguração do Museu do Mate.67
As obras reconstituíram a estrutura original do engenho, que tinha sido
modificada em 1896, quando se promoveram as seguintes mudanças: demolição
do forno, retirada da bateria de pilões, construção de mezanino e alteração do
telhado. Essas mudanças decorreram da necessidade de adaptação do programa
do engenho de soque de erva-mate para o de moinho de cereais.

Exterior do Engenho da Rondinha,


atual Museu do Mate, em 1980, após a
restauração. Foto de José La Pastina Filho.

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Interior do Museu do Mate, em Campo


Largo, Paraná, 2009. Fotos de Julio
Gabardo.

No processo de restauração, por meio de prospecções no solo, foram


identificadas as antigas fundações, fato que possibilitou a reconstituição da
planta original, de forma quadrangular, e, consequentemente, a recomposição
do telhado. Os elementos estruturais de cobertura foram consolidados e
restaurados, bem como o piso, as vedações e as esquadrias.
O acervo do museu compõe-se de equipamentos e objetos relacionados
à produção da erva-mate que foram identificados, resgatados e reunidos,
permitindo reconstituir plenamente todas as etapas de funcionamento de um
antigo engenho de mate. Desde o momento em que se destinou o engenho para
uso como museu, havia a consciência de que essa função seria transitória. A
ideia inicial era a de construir um prédio para o museu e restaurar o engenho,
reconstituindo-se a bateria de pilões e o forno de secagem com peças originais
resgatadas na região produtora, de modo que tivesse condições de voltar a
processar a erva-mate.
Visando à criação do Parque Histórico do Mate, foi feito um agenciamento
paisagístico da área do entorno, próximo à rodovia BR-277. Na parte mais
baixa do terreno, criou-se um lago artificial com a finalidade de sanear a área,
que, em decorrência da construção da rodovia, havia se transformado em um
charco. Essa inserção, embora tenha alterado o entorno, constituiu um elemento
de muito interesse paisagístico.68

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Arquitetura de armazenamento e transporte

Relacionada ao desenvolvimento industrial iniciado no Brasil no século


XIX, a infraestrutura de transportes marítimos e ferroviários também deixou
testemunhos materiais de importância considerável. Examinaremos a seguir
alguns exemplos de revitalização e reciclagem para novos usos de edificações
que integram esse patrimônio.

Patrimônio naval
Exemplo notável de reutilização de bens relacionados aos transportes
marítimos pode ser observado em São Francisco do Sul, Santa Catarina. Trata- Foto aérea de São Francisco do Sul,
Santa Catarina, 2013. Na imagem, veem-se
se do projeto de adaptação de um antigo armazém portuário para a instalação
os antigos armazéns que abrigam o Museu
de um museu voltado à preservação do patrimônio naval brasileiro: o Museu Nacional do Mar. Fonte: Google Earth.
Nacional do Mar.
Nas primeiras décadas do século XX, a ligação do Sul com o restante do
país era feita pelo mar. São Francisco do Sul tornou-se, então, um dos principais
portos da região. Uma das empresas que exploravam o transporte marítimo
de carga, principalmente de erva-mate e madeira, era a Hoepke, considerada a
maior no gênero em Santa Catarina. Embora fosse sediada em Florianópolis,
essa empresa mantinha em São Francisco do Sul suas principais instalações, que
abrangiam vários armazéns contíguos ao prédio de escritórios da empresa.
Construídos por volta de 1900, apresentavam uma arquitetura teuto-
brasileira, reflexo da influência dos imigrantes alemães na região. Sua atividade
de estocagem começou a declinar com o fim dos ciclos de produção e exportação
de erva-mate e de extração e exportação de madeira. Após a construção de um
porto comercial fora do centro histórico de São Francisco do Sul, os armazéns
ficaram ociosos. Fechados por quase duas décadas, foram comprados pelo
armador Manfredo Cominese, considerado um dos principais proprietários de
áreas privadas de estocagem portuária no Brasil.
Fachada voltada para o mar do antigo
armazém Hoepke, atual Museu Nacional
do Mar, em São Francisco do Sul, Santa
Catarina, 2004. Foto de Tarcísio Mattos.

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200

Sala das Baleeiras, no Museu Nacional Depois do tombamento federal, em 1987, do centro histórico de São Francisco
do Mar, em São Francisco do Sul, Santa
Catarina, 2004. Em primeiro plano, a
do Sul, o arquiteto Dalmo Vieira Filho69 iniciou gestões com o proprietário dos
Brigadeira, baleeira que transportou pessoal imóveis, àquela altura sem uso, para que cedesse sua propriedade ao estado em
e carga para a restauração da Fortaleza de
comodato. O objetivo seria a utilização dos imóveis para a montagem de um
Santa Cruz de Anhatomirim, nos anos1970.
Foto de Tarcísio Mattos. museu em que se conservassem e se expusessem as embarcações tradicionais
brasileiras. Conforme relata Dalmo Vieira Filho, “o museu nasceu do duplo
objetivo de valorizar o patrimônio naval brasileiro e o recém-tombado centro
histórico de São Francisco do Sul”.70
Depois de oito anos de negociações, o proprietário aceitou a proposta de
aquisição dos imóveis pelo estado de Santa Catarina, iniciando-se a primeira
fase da montagem do Museu Nacional do Mar, uma “‘montagem provisória’ –
grande aventura, onde rigorosamente todo o ‘acervo’ era emprestado”.71
Concluída essa etapa, houve a pré-inauguração do museu, com a presença
do ministro da Marinha72 e do governador do estado. A partir daí, o governo
catarinense assumiu a instalação do museu como um projeto importante e
forneceu recursos para a aquisição definitiva dos imóveis (500 mil reais) e para
a restauração dos edifícios e a aquisição de barcos regionais (300 mil reais).73
Em dezembro de 1993, foi realizada a abertura oficial do museu, com o
imóvel parcialmente restaurado.74 A partir daí, a instituição entrou em fase de
expansão, adquirindo, com recursos do estado, armazéns vizinhos que estavam
ociosos. Obteve o apoio da prefeitura municipal de São Francisco do Sul,
que passou a cobrir as despesas relativas a pessoal. Organizaram-se a Sala das
Jangadas, a Sala do Maranhão e a Sala do Navegador Amyr Klink.75

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No final da década de 1990, dois parceiros de peso aderiram ao projeto: a


Petrobras e uma grande empresa industrial recém-instalada na cidade. Com o
apoio dessas instituições e, principalmente, do Programa Monumenta, a área
foi ampliada, a museografia foi renovada e os equipamentos de apoio foram
melhorados.76
Em 2004, o museu, com suas instalações renovadas, já ocupava uma área
aproximada de 12 mil metros quadrados, com 60 embarcações de uso marítimo
e fluvial de todas as regiões brasileiras em seu acervo.77 Naquele ano, recebeu
64 mil visitantes. Tornando-se a principal atração da região, desempenhou
papel decisivo na revitalização do centro histórico de São Francisco do Sul:

Sem dúvida nenhuma é o diferencial do centro histórico. Nosso propósito é


que evolua para novos acervos e para a integração com a comunidade e com o
patrimônio “vivo”. [...] estamos propondo através do Monumenta a criação do
“Liceu de Artífices”, que é uma escola, com duas turmas anuais, que aprenderão
a executar modelos de barcos regionais brasileiros. Os alunos serão recrutados em
todas as regiões do país.78

O projeto de adaptação dos antigos armazéns da Hoepke para o Museu


Nacional do Mar é um exemplo de requalificação de uma arquitetura utilitária
por excelência e, como tal, desprovida em sua origem de pretensões que fossem
além daquela de guardar provisoriamente mercadorias. A instalação do museu
nos espaços de armazéns, além de contribuir para a preservação de imóveis
que são documentos da história econômica da região e do Brasil, garantiu sua
conservação permanente por meio de um novo uso, que agregou aos edifícios
uma função cultural de importância extraordinária.
O projeto, contudo, vai além da recuperação de edifícios, pois contribuiu
para a revitalização de toda a cidade. A instalação do Museu Nacional do Mar
no centro histórico de São Francisco do Sul talvez seja uma das experiências

Sala das Canoas, no Museu Nacional


do Mar, em São Francisco do Sul, Santa
Catarina, 2004. Foto de Tarcísio Mattos.

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Interior do Museu Nacional do Mar, em


São Francisco do Sul, Santa Catarina, 2004.
Foto de Tarcísio Mattos.

mais notáveis feitas no Brasil de transformação de uma cidade por meio de um


projeto cultural.
Esse alcance maior do projeto já tinha sido percebido em 1994 pelo arquiteto
Glauco Campello, então presidente do Iphan:

Em São Francisco do Sul, no Estado de Santa Catarina, a implantação do Museu do


Mar, em alguns dos velhos armazéns portuários, não se conterá na área previamente
estabelecida para este fim. Sua expansão é inevitável na medida em que o acervo,
volumoso por natureza, o exige; e na medida em que, com a mecanização do porto
local e a utilização de containers, outros galpões tornam-se disponíveis.

Mas o que é mais importante, neste caso, é o reflexo da implantação do Museu


sobre a vida e o crescimento da cidade. O conteúdo de seu acervo é intrinsecamente
vinculado à memória da comunidade. A tarefa de restaurar e adaptar os velhos
galpões para abrigar os barcos, por vezes enormes, impõe uma relação concreta
com o objeto construído, que não dispensa a atenção a seus valores arquitetônicos,
mas está isenta da admiração mítica pela coisa antiga. E mais, o Museu, que em
alguns pontos se expande pelo mar, avança também pela cidade, ordenando-a, com
a participação e o interesse dos moradores. Pois, a partir do incremento turístico
provocado pelo Museu, toda a pequena cidade de S. Francisco está envolvida na
operação, tendo para tanto de se apresentar em sua autenticidade de velha cidade
portuária de origem açoriana. O fato mais importante, ainda não percebido, é que
o Museu é o eixo em torno do qual se ordenarão as atividades e a aparência.79

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C a p. 7 – Rev i ta l i za ç ã o na a rq u i t e t u r a c iv i l | 203

Patrimônio ferroviário
A importância histórica da construção da ferrovia no Brasil justificou o
tombamento, em nível federal, de dez bens que incluem imóveis de diversos
tipos. Um deles é o trecho Mauá-Fragoso, no estado do Rio de Janeiro,
inaugurado em 1854 como parte inicial da primeira ferrovia implantada
no país. Somam-se a esse testemunho estações e complexos ferroviários em
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rondônia.
Os órgãos estaduais também vêm trabalhando para preservar o patrimônio
ferroviário. No estado de São Paulo, por exemplo, o Condephaat tinha
registrados em seus Livros de Tombo, até 2014, 22 bens.
A reutilização do patrimônio imóvel ferroviário tem sido direcionada para
a função cultural, e uma das mais significativas ações nesse sentido foi a criação
do Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em 2006, no interior da Estação
da Luz, em São Paulo. Ocupou-se, com essa iniciativa, uma área que ficara
ociosa quando a estação passou a servir apenas ao transporte metroviário e a
uma linha turística.80
O aproveitamento de imóveis para instalação de museus ferroviários
tem ocorrido em muitas cidades, em alguns casos por iniciativa de antigos
ferroviários. Entre os museus voltados para a memória da ferrovia destaca-
se o Museu Ferroviário Barão de Mauá, inaugurado em 1979, em Jundiaí,
São Paulo.81

Biblioteca municipal, antiga estação de


Pinheiral, Rio de Janeiro, 2009. Foto de
Luiz Carlos Domingues.

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Centro cultural, antiga estação de A antiga estação que abriga o museu é um prédio de expressão neoclássica,
Curvelo, Minas Gerais, 2005. Foto de Luiz
com paredes de tijolos aparentes. Seu acervo abrange não só peças e equipamen-
Carlos Domingues.
tos, como também uma biblioteca, na qual se destaca a coleção de aproximada-
mente 5 mil fotografias documentais da história ferroviária.
Na cidade do Rio de Janeiro, coube à Rede Ferroviária Federal a iniciativa
de fundar, em 1984, o Museu do Trem, instalando-o em um galpão de pintura
de carros das oficinas da antiga Estrada de Ferro Pedro II.82 Em seu acervo,
tombado em 2011 pelo Iphan, está incluída a primeira locomotiva trazida para
o Brasil, além de vagões especiais que serviram a governantes no império e nos
primeiros 50 anos da república.
No estado de Minas Gerais, merece referência o Museu Ferroviário de Juiz
de Fora, instalado na antiga estação de trens.83 Foi inaugurado em 2003, por
iniciativa da prefeitura municipal.

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C a p. 7 – Rev i ta l i za ç ã o na a rq u i t e t u r a c iv i l | 205

Uma das mais significativas estações ferroviárias que ficou ociosa foi a Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Edificação de arquitetura eclética, foi inaugurada em 1926 e tombada pelo órgão estadual de proteção do
patrimônio, o Inepac. Desde sua desativação em 2004, o edifício permanece quase totalmente sem uso.
Seu único usuário é uma associação de ferromodelismo que ocupa uma sala do pavimento térreo.
O caso dessa estação, infelizmente, não é exceção. Importante parcela do patrimônio ferroviário está
ociosa por força da desativação de grande parte da malha ferroviária brasileira que servia ao transporte de
passageiros. Essa situação motivou a promulgação, em maio de 2007, de uma lei que transferiu para o Iphan
a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural
oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), bem como zelar por sua guarda e manutenção.
Para essa incumbência, o Iphan deu início a um inventário sistemático do patrimônio ferroviário nos
estados que possuíam ferrovias que haviam sido administradas pela RFFSA. Simultaneamente, foram sendo
estudadas soluções para a revitalização desses bens por meio da destinação a nova função. Na maioria dos
casos, a solução encontrada foi a da cessão de uso ao município para fins culturais. Em alguns locais, porém,
o próprio órgão assumiu o imóvel, instalando escritórios de representação municipal do Iphan.

Vocação de uso
As antigas estações ferroviárias têm características arquitetônicas que as predispõem para novas funções,
como os usos educacionais e culturais. Uma dessas características é sua implantação insular, ou seja, sem
outras construções contíguas, e com a fachada principal voltada geralmente para uma praça. Isso lhes
confere um posicionamento de destaque, que é ressaltado pela composição geralmente simétrica, tendo o
centro marcado por algum elemento, com frequência um frontão emoldurando o mostrador do relógio.
Nas estações das cidades grandes, em que há varias linhas de trem paralelamente dispostas, o porte do
edifício é ampliado pela cobertura da gare, em estrutura metálica.
A linguagem arquitetônica é muito variada e frequentemente diversa do vocabulário estilístico da
cidade, tendo em vista que os projetos das estações foram elaborados na capital do país ou copiados de
construções europeias. Além disso, na época da elaboração desses projetos, havia uma preocupação com
um resultado arquitetônico que simbolizasse o progresso que a ferrovia estava trazendo para a cidade,
resultando sempre em obras imponentes e de nova linguagem.
Outro aspecto peculiar das estações é sua linearidade, decorrente da extensão da gare, disposta atrás da
edificação. Com a desativação da ferrovia, seu leito é convertido em rua ou, dada a amplidão do espaço, em
avenida, ganhando a estação uma segunda entrada, o que possibilita uma diversificação de usos.
Seja nas cidades pequenas, seja nas grandes, o prédio da estação oferece um potencial grande a nova
destinação – não só para museus e casas de cultura, funções que têm se destacado, mas também para
escolas, bibliotecas ou postos de saúde, constituindo, enfim, uma gama de possibilidades de uso público.

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206

Igreja matriz da Lapa,


Paraná.

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PatrimonioEdificado.indb 207 3/31/16 10:38 PM


Capítulo 8

Revitalização na
arquitetura religiosa

O patrimônio religioso edificado no Brasil

Representada por capelas, igrejas paroquiais, igrejas de irmandades, conventos e aldeias de catequese, a
arquitetura religiosa é a família de maior participação na relação de bens protegidos por tombamento federal
no Brasil, correspondendo a quase metade do conjunto de bens inscritos nos Livros do Tombo. As primeiras
iniciativas de proteção foram dirigidas às igrejas e seus acervos, entre outros motivos, em razão do risco que
corriam em face do desinteresse por sua preservação por parte das autoridades eclesiásticas.1 Além disso,
entre os que se interessavam pelo estudo da arte brasileira antiga, havia unanimidade no reconhecimento
de que sua expressão maior era aquela de natureza sacra,2 resultante da cultura trazida pelos colonizadores.
Como observa Germain Bazin:

Na península Ibérica, a igreja vence o palácio. Felipe II dera o exemplo dessa submissão absoluta a Deus, com o
Escorial, cuja força geradora fora uma igreja, assim como ideia fundamental havia sido um mosteiro. Seria imitado,
150 anos mais tarde, por D. João V, em Mafra; e pelo Imperador Carlos VI em Klosterneuburg. Na América Latina,
segundo o espírito da Idade Média redescoberta, a igreja tornou-se o centro da vida.3

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Das primeiras edificações religiosas construídas com taipa e madeira, nada Igreja de Nossa Senhora da Graça e
antigo Colégio dos Jesuítas, Olinda,
sobreviveu, mesmo porque a maioria delas foi substituída por outras mais Pernambuco, década de 1970. Foto de
resistentes feitas de alvenaria de pedra. Havia também, nos primeiros tempos Augusto Carlos da Silva Telles/Instituto
Moreira Salles.
de colonização, grande carência de artífices, o que resultava em construções
feitas com mão de obra improvisada, o que explicaria, segundo Bazin, na obra já
referida, o fato de tantas edificações, apenas terminadas, desabarem em ruínas,
obrigando a uma reedificação quase constante. Nos aldeamentos jesuíticos, por
exemplo, a mão de obra era indígena, até porque os padres usavam a formação
profissional como veículo de catequese, organizando oficinas de santeiros
para difundir a iconografia da Companhia. Entre outras obras jesuíticas que
envolveram a participação de artífices indígenas, pode-se destacar a talha da
forração interna da igreja do grande colégio de Salvador, na Bahia.

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Desde o primeiro século, porém, as ordens religiosas providenciavam a vinda de padres e frades
arquitetos, como o jesuíta Francisco Dias, que chegou à colônia em 1570 e trabalhou na Bahia e no Rio
de Janeiro, onde faleceu em 1633, e o franciscano frei Francisco dos Santos, que em 1585 projetou o
convento de Olinda e, mais tarde, o da Paraíba e o de São Paulo.
O conjunto de construções de caráter religioso reconhecido como patrimônio cultural abrange uma
tipologia diferenciada, cuja classificação pode ser feita por época – séculos XVI, XVII, XVIII e XIX –,
por estilo – renascentista, maneirista, barroco, rococó, neogótico e eclético – ou por programa – conventos,
igrejas de irmandades, igrejas paroquiais, capelas, conjuntos de igrejas, colégios jesuítas e aldeias missionárias.
Utilizaremos essa última classificação por sua implicação na destinação de uso dessas edificações.
A arquitetura conventual deve-se, principalmente, a três ordens religiosas: a dos carmelitas, a dos
beneditinos e a dos franciscanos. A chegada dos carmelitas ocorreu no ano de 1581, ao passo que os
beneditinos desembarcam em 1582 e os franciscanos, em 1585. As ordens foram responsáveis, no período
colonial, pela construção de conventos no Pará, no Maranhão, na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas, em
Sergipe, na Bahia, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Do conjunto de empreendimentos
por elas realizados, destacam-se as obras dos franciscanos construídas no Nordeste da segunda metade
do século XVII, a partir da expulsão dos holandeses (em 1654), até o fim do século seguinte. Tais obras
constituem, segundo Germain Bazin, uma das criações mais originais da arquitetura religiosa do Brasil.
As ordens religiosas conventuais atuaram sem interrupção até os nossos dias. O mesmo não ocorreu
com a Companhia de Jesus. Suas obras foram produzidas em pouco mais de dois séculos, já que os jesuítas
permaneceram no Brasil de 1549, quando chegaram com Tomé de Souza, até 1759, ano em que foram
expulsos por ordem do marquês de Pombal. Segundo Lucio Costa:

O considerável acervo de obras de arte que os padres da Companhia de Jesus nos legaram, fruto de dois séculos de
trabalho penoso e constante, poderá não ser, a rigor, a contribuição maior, nem a mais rica, nem a mais bela, no
conjunto dos monumentos de arte que nos ficaram do passado. É, contudo, uma das mais significativas.4

A arquitetura jesuítica abrange aldeias, residências, igrejas, colégios e seminários, sendo classificada por
Augusto Carlos da Silva Telles em dois grupos:

a. os conjuntos de caráter erudito, como os de Salvador, Olinda, Rio de Janeiro, Santos, Vitória, São Luís, Belém,
edificados após a chegada ao Brasil (1577) do arquiteto e construtor, irmão Francisco Dias;

b. os de feição não erudita, que poderíamos chamar de vernacular, compreendendo as capelas e igrejas relativas às aldeias
missionárias, às residências de atendimento aos índios, às fazendas, etc., que se subordinavam aos colégios.5

A mais antiga igreja do primeiro grupo, a de Nossa Senhora da Graça, de Olinda, em Pernambuco,
cuja construção foi iniciada em 1584, sobreviveu ao incêndio provocado pelos holandeses em 1631 –

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que, segundo Lucio Costa, destruiu apenas o teto e a cobertura – e funciona ainda hoje como igreja.
Sua contemporânea, a Igreja do Rio de Janeiro, foi demolida em 1922 quando do desmonte do morro
do Castelo. As duas maiores obras dessa tipologia são as de Salvador, na Bahia, e de Belém, no Pará. A
primeira, que constitui o maior conjunto de igreja e colégio edificado pelos jesuítas no Brasil, é hoje a
Catedral de Salvador, função que passou a assumir a partir de 1929, quando se demoliu a Sé da Bahia. Já a
de Belém, a Igreja de Santo Alexandre e colégio anexo, abriga atualmente o Museu de Arte Sacra do Pará.
Do segundo grupo, um número considerável de igrejas e residências das aldeias missionárias e das
fazendas se perdeu:

[...] pelo abandono e pelo desvio de suas funções primitivas após a expulsão da Ordem. Em sua maioria
em decadência, muitas desapareceram, ou foram substituídas por outras igrejas ou edificações civis. Felizmente,
permaneceram alguns exemplares nas áreas dos atuais Estados de S. Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo que
podem ser considerados de alto valor arquitetônico.6

Do que restou e pelas descrições de época, pode-se inferir que os aldeamentos compreendiam “a igreja,
a residência dos padres abrangendo celas, rouparia, botica, adega, capela, depósito para objetos de culto,
despensa, salas de aula [...]”, além das casas de moradia dos indígenas.7 Sua implantação era sempre elevada,
observando-se que os sítios escolhidos, pela sua posição altaneira, coincidiam com os lugares adotados
pelos indígenas para assentamento de suas aldeias.
Além dos conventos, mosteiros e conjuntos jesuíticos, a arquitetura sacra é representada por igrejas
e capelas, que consistem na maioria das edificações religiosas tombadas. Observe-se que as primeiras
iniciativas dos colonos ao constituir um povoado incluíam a construção de uma capela, que, à medida que
a comunidade prosperava, era acrescida da nave com capacidade suficiente para acomodar os fiéis. Elevado
o povoado a vila, o edifício religioso era alçado à categoria de matriz, ao mesmo tempo que se construíam
outras igrejas por iniciativa das irmandades, que eram associações de fiéis unidos por afinidades de classe,
de profissão e de cor.8
Nota-se, por exemplo, que o grande número de igrejas nos centros históricos da maioria das cidades
brasileiras com mais de um século de existência deve-se à presença de irmandades resultantes da divisão da
comunidade em estratos sociais.9
Em Minas Gerais, onde, por ordem régia, não foi permitida a presença de ordens religiosas – que
construíam os conventos, mosteiros e colégios –, a grande quantidade de igrejas e a qualidade extraordinária
de sua arquitetura são obras das irmandades e confrarias, representando os diversos estratos em que se
dividia a sociedade. Como observou Bazin:

Enquanto na primeira parte do século XVIII o esforço construtivo se concentrava na edificação das igrejas paroquiais,
a segunda parte assistiu ao desenvolvimento das confrarias. Em nenhum lugar elas foram mais prósperas.10

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Após a abertura do Brasil, em 1808, ao comércio com outras nações, começou um processo de
transformação cultural da sociedade brasileira que iria afetar a posição da igreja na comunidade. Esse
processo, intensificado no século XX, em decorrência da presença de outras religiões e do aumento
do agnosticismo e do ateísmo, resultou na redução do número de religiosos e no declínio das ordens
religiosas e das irmandades. Conventos esvaziaram-se e igrejas foram fechadas, criando-se uma
situação de ociosidade dos edifícios religiosos. É necessário observar que, no Brasil, a continuidade
do sentimento religioso impede a conversão das igrejas esvaziadas para finalidades estranhas à função
original, diferentemente do que ocorre nos países europeus.

Alternativas para revitalização

No Brasil, adotou-se como primeira alternativa para a revitalização dos edifícios religiosos a função
museológica, por meio da valorização da arte sacra. A valorização e a interpretação dos bens integrados
– talhas e pinturas – e dos bens móveis – a imaginária – motivaram a conservação de muitas igrejas cujas
atividades religiosas tinham cessado. O trabalho desenvolvido pelo Iphan11 contribuiu consideravelmente
para a compreensão desse outro valor pela população.
A conversão em museus, notadamente de arte sacra, tem sido uma alternativa empregada em diversos
edifícios e conventos religiosos, como ocorreu com os conventos de Nossa Senhora dos Anjos, em Cabo
Frio, no Rio de Janeiro, e de Santa Tereza, em Salvador, na Bahia.12 Podem ser citados também os museus
de arte sacra instalados nas igrejas de Santa Rita, em Paraty, no Rio de Janeiro, e de São Francisco da
Penitência, na capital do mesmo estado.
O exemplo mais recente é o projeto de restauração e reciclagem da Igreja jesuítica de Santo Alexandre,
na cidade de Belém, concluído em 1998, quando a edificação passou a abrigar o Museu de Arte Sacra
do Pará.13 Mas nem sempre há disponibilidade de peças de arte sacra que possam compor um acervo
e constituir um museu, como se verificou no convento de Santo Antônio, em João Pessoa, que depois
de restaurado, na década de 1990, passou a abrigar um Museu de Arte Popular. Nota-se, porém, na
reciclagem de conventos para a função museológica, que o espaço da igreja permanece como auditório,
dispondo-se o acervo nas dependências conventuais propriamente ditas.
Observe-se que alternativas de novos usos para igrejas esbarram em uma dificuldade decorrente de
uma característica inerente à arquitetura religiosa luso-brasileira: a decoração que reveste paredes e tetos e
inibe outros usos que não os de caráter sacro. Em compensação, na maioria delas, constatam-se qualidades
acústicas que possibilitam sua utilização como auditório próprio para concertos musicais, uso que vem se
tornando bastante disseminado.

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Em conventos desativados, tem sido cogitada uma utilização totalmente


diversa, a hoteleira, o que ocorreu, com sucesso, em dois antigos conventos
carmelitas, em Salvador e Cachoeira, na Bahia. Vale lembrar que a função original
de hospedagem, inerente à arquitetura conventual, conduziu um programa cujos
componentes não diferem muito do que é requisitado para um hotel, razão pela
qual essa alternativa vem sendo ventilada como solução para outros conventos
esvaziados, como o de Santo Antônio do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano.
Assim como aconteceu com as outras categorias arquitetônicas, a utilização
do espaço religioso também foi se alterando à medida que mudavam os hábitos
da população. Myriam Ribeiro chama a atenção, por exemplo, para a ausência
de assentos nas igrejas brasileiras antigas:

Até a segunda metade do século XIX, as naves das igrejas brasileiras eram
espaços livres, desimpedidos dos bancos que hoje atravancam a área central,
perturbando a visão unitária da decoração em talha dourada, tal como foi
originalmente prevista.14

Também na liturgia houve mudanças que influíram na disposição interna das


igrejas. O posicionamento do retábulo, preso à parte posterior do altar, atendia a
uma prática litúrgica em que o celebrante ficava de costas para os fiéis. Entretanto,
essa liturgia foi alterada após a conclusão do Concílio Vaticano II, realizado entre
1962 e 1965. A partir de então, a celebração da missa passou a ser versus populum,
ou seja, voltada para os fiéis. Essa mudança pôs os antigos conjuntos altar-retábulo
em risco. Deve-se ao Iphan o estabelecimento de soluções que conciliavam o
atendimento à nova liturgia com a manutenção dos antigos altares.15

Duas obras de restauração


Para exemplificar a revitalização de bens de arquitetura religiosa, serão
examinadas duas experiências: a da restauração da Igreja de Nossa Senhora da
Assunção, em Anchieta, no Espírito Santo, e a da Catedral de Nossa Senhora
da Glória de Valença, no Rio de Janeiro.

Igreja de Nossa Senhora da Assunção16


A Igreja de Nossa Senhora da Assunção e a edificação anexa, situadas no
Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em
município de Anchieta, no estado do Espírito Santo, constituem um dos Anchieta, Espírito Santo, em 1994, durante
poucos conjuntos íntegros remanescentes dos aldeamentos instituídos pelos a restauração. Foto de Rosana Najjar.

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Igreja de Nossa Senhora da Assunção, padres jesuítas a partir do primeiro século da colonização. Trata-se da antiga
em Anchieta, Espírito Santo, 2009. Foto de
aldeia de Reritiba, implantada em um sítio habitado desde muito por povos
Aline Miceli.
indígenas, o que se conclui com base na descoberta, no local, de grande número
de testemunhos de ocupação humana anterior à chegada dos europeus.
A fundação do aldeamento data do século XVI, pois em 1598 já fazia parte
dos catálogos da Companhia de Jesus. Sua importância é reconhecida pelo
padre Serafim Leite:

[...] das dez aldeias de índios que os jesuítas catequizaram nos primeiros tempos
de sua chegada à Capitania, duas se tornaram famosas pela continuidade de seu
regime administrativo: Reritiba e Reis Magos. O aldeamento de Reritiba já figura
nos catálogos da Companhia de Jesus em 1598.17

O conjunto composto da igreja e da residência dos padres é organizado


em um bloco construtivo interligado e está implantado sobre um outeiro em
frente ao mar.

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O terreno eleva-se, formando um declive rápido onde a rocha se mostra nua. Esse declive termina numa plataforma
muito larga que domina não apenas a campina, como ainda o mar; e lá se acham o antigo convento dos Jesuítas
e sua igreja.18

Em 1943, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Anchieta, foi tombada pelo Iphan, assim como
a Igreja dos Reis Magos, em Nova Almeida, no município de Serra, também no Espírito Santo. Essas
igrejas têm em comum a organização espacial e a simplicidade da arquitetura, além do emprego de detalhes
característicos. Ambas dispõem de apenas uma torre, situada, em Anchieta, à direita e, em Reis Magos, no
lado oposto. As residências, nos dois casos, organizam-se em quadra, em volta de um pátio. Em Anchieta,
um dos lados é ocupado pela lateral da igreja, enquanto em Nova Almeida o corpo da residência ocupa
apenas a frente do pátio, fechado à direita por muro e atrás pelo cemitério.
Mas há peculiaridades na arquitetura da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. Uma delas é o pórtico
da base da torre sineira, cuja única finalidade plausível seria a de abrigo – inusitado, porém, considerando-
se suas restritas dimensões. É caso único na arquitetura religiosa brasileira, cujos pórticos, quando existem,
estão à frente da entrada da igreja. A torre é arrematada por abóbada em “meia-laranja”, solução também
presente em outros exemplares da arquitetura religiosa brasileira.
Suas paredes brancas com ressaltos de massa, vãos requadrados de madeira, beirais em beira-seveira
nas laterais e com cimalha simples na fachada principal formam um repertório singelo, indicativo das
condições de rudeza e isolamento das regiões onde se construíram esses edifícios. Internamente, a igreja
tem três naves, divididas por duas sequências de arcadas, e conta com três altares: o principal na capela-mor
e dois laterais, dispostos na nave.
De janeiro de 1994 a junho de 1997, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção e a residência anexa
foram redescobertas, relidas e restauradas.19 Prospecções nas paredes e pisos revelaram fragmentos da
história do monumento, servindo de base para a restauração. Exemplo disso é dado pela fachada principal
da igreja, cuja fácies original foi revelada por meio de prospecções minuciosas. Com base nessa descoberta,
fez-se a reconstituição da solução original, incomum por sinal, de duas janelas ao nível do térreo ladeando
a porta de ingresso e um único janelão ao alto, abrindo para o coro.20
Restaurar, entretanto, não era o objetivo da equipe no verão de 1994, quando se iniciaram obras
de revisão dos telhados com finalidade meramente conservativa. Diante, porém, da possibilidade
de recuperação de uma pintura artística seiscentista, existente atrás do altar-mor, a 6a Coordenação
Regional do Iphan21 decidiu estender o trabalho de pesquisa a toda a igreja. O resultado foi uma série
de descobrimentos que mudaram o curso das intervenções, passando, paulatinamente, da conservação
para a restauração. Foi dado um passo depois do outro, em uma linha de análise e avaliação sempre
embasada na leitura dos documentos materiais (paredes e pisos) e textuais (relatórios e cartas) referentes
à história da igreja.22

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As obras foram apoiadas na investigação arqueológica, complementada pela pesquisa histórica,


mantendo a equipe, multidisciplinar, o hábito de debater as questões suscitadas pelas revelações e
discutir sempre cada descoberta. Decisões de restaurar e de reconstituir foram tomadas conjuntamente
por técnicos, consultores, religiosos e fiéis. Isso porque as descobertas traziam mais dúvidas do que
certezas. A equipe estava consciente de que o canteiro de restauração não era um lugar de experiências,
um campo de provas, mas um espaço com comprometimento de uso que, além de seu valor histórico e
arquitetônico, constituía um local de culto intenso e carregado de significado para os fiéis.23
Não se limitando ao solo, as pesquisas estenderam-se às paredes, trazendo à luz vestígios de vãos
entaipados. Na frontaria, as prospecções revelaram uma fachada primitiva completamente diversa. Esse
foi, sem dúvida, um dos momentos mais difíceis para tomar uma decisão, pois a fachada da igreja,
alterada havia muitos anos, incorporara-se à memória dos fiéis e aos registros técnicos dos historiadores.
A questão foi submetida a todos – à comunidade local, padres, fiéis e pessoas comprometidas com a
defesa do patrimônio cultural, e à comunidade do patrimônio, formada por técnicos e consultores do
Iphan.24 Aceita por todos a tese de reconstituição do aspecto original, recuperou-se o desenho anterior
da fachada.
Em junho de 1997, foi concluída a restauração da igreja e inaugurou-se uma exposição de imagens
e objetos sacros de seu acervo e de peças e fragmentos recuperados nas prospecções arqueológicas.
A exposição ocupou parte do pavimento térreo da antiga residência jesuítica, iniciando-se assim a
reorganização do Museu Padre Anchieta.25
Dos aspectos a salientar na experiência de Anchieta, vale registrar a importância da
multidisciplinaridade na intervenção em um monumento e da participação da comunidade. Com
profissionais de diversas formações, foi possível chegar a propostas de reconstituição solidamente
embasadas, e, com a comunidade participante, puderam-se legitimar as intervenções. No caso de
Anchieta, não houve mudança de uso, mas uma potencialização de sua utilização.

Catedral de Nossa Senhora da Glória de Valença26


A história da catedral teve início com a construção, em 1789, de uma pequena capela dedicada a Nossa
Senhora da Glória, junto a um aldeamento de indígenas, no vale do Rio Preto, na região do médio Paraíba.
Em 1820, a capela dos indígenas foi demolida, dando-se início à construção da igreja pela capela-mor,
como era hábito. Três anos depois, a aldeia foi elevada à condição de vila de Nossa Senhora da Glória de
Valença e, em 1825, a capela-mor estava devidamente coberta e assoalhada.
As obras prosseguiram e, em 1857, ano em que Valença foi elevada à categoria de cidade, concluíram-
se a forração do corpo da igreja e seus quatro altares laterais. Em 1874, ficaram prontas as duas torres,

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ao mesmo tempo que eram acrescentados, lateralmente à nave, corredores


entre os campanários e as sacristias.
No início do século XX, entretanto, evidenciaram-se sinais de degradação das
torres, decidindo a comunidade substituí-las. Seis anos depois, as torres haviam
sido refeitas enquanto se remodelava a fachada, que recebeu um tratamento
decorativo ao gosto do ecletismo em voga. A igreja passou à categoria de
catedral em 1925, com a criação da diocese de Valença.
O tratamento plástico da igreja que chegou aos nossos dias traduz a história
de sua construção, que se prolongou por mais de um século, período em
que a arquitetura fluminense, de raízes portuguesas, recebeu a influência do
neoclássico dominante na corte e convergiu, no final do século XIX, para o
ecletismo. Assim, a primitiva capela e a igreja que a substituiu eram edifícios
caiados, apresentando o despojamento e a simplicidade das construções rurais
e obedientes, ainda, à tradição ibérica. Entretanto, os altares, concluídos em
1857, revelam a influência do neoclassicismo.27
Quando ficaram prontas as torres, 17 anos depois, a frontaria da igreja, que
conhecemos por fotografia, expressava a sobriedade e o rigor próprios do novo
estilo, manifestos na clareza da composição e na rigidez formal das cúpulas das
torres, do tipo barrete de clérigo.
Com a reconstrução das torres, 40 anos mais tarde, outro estilo se impôs:
sobrevergas rebuscadas, medalhões e guirlandas moldadas na massa, pintados de
cor ocre, foram aplicadas nas fachadas, anteriormente lisas. As pilastras, antes
contínuas, receberam frisos e as novas sineiras, mais altas, foram arrematadas
por cúpulas sobrecarregadas de ornatos. Era a influência do ecletismo com
inspiração clássica, dominante na capital da república recém-instaurada.
Entretanto, no início do ano de 2002, o pároco, padre Medoro de Oliveira,
ficou preocupado com a degradação física a que chegara a catedral, revelada
por grandes rachaduras na torre esquerda, infiltrações constantes de água de
chuva, proliferação de cupins e instalações elétricas deficientes. Constatava-se,
ao mesmo tempo, um desconforto cada vez maior dos fiéis, atendidos em um Catedral de Nossa Senhora da Glória
de Valença, Rio de Janeiro, na primeira
ambiente acanhado e mal iluminado.
metade do século XX (no alto) e depois
Mobilizada a comunidade pelo pároco, iniciou-se um trabalho de captação da restauração, em 2004 (acima). Fotos,
respectivamente, de autoria desconhecida e
de recursos públicos e privados cujo resultado foi a elaboração do Plano de
de Antônio Augusto.
Restauração e Revitalização da Catedral por equipe bastante diversificada, que

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respondeu por um conjunto de projetos de arquitetura, arte sacra, engenharia


estrutural, eletricidade e luminotecnia, saneamento e hidráulica.28
Sua execução, a partir de fevereiro de 2003, foi feita por empresas
especializadas, que contaram com artífices e operários da própria região, e
fiscalizada por uma comissão de paroquianos.29
Como ocorria na construção das antigas catedrais europeias, a obra de
restauração da catedral de Valença foi trabalho coletivo, que reuniu arquitetos
e engenheiros, artistas plásticos, restauradores e pintores, carpinteiros e
marceneiros, pedreiros e canteiros, eletricistas e bombeiros, serralheiros e
ferreiros, auxiliares e aprendizes. Depois de quase dois anos de muito trabalho,
no dia 12 de dezembro de 2004, foi celebrada a reabertura do templo, com missa
solene. A catedral ressurgia, restaurada e renovada. Tinha sido restabelecida sua
integridade, retomada sua dignidade e revitalizada sua função.
Para a elaboração do plano, procurou-se a integração entre restaurar e renovar.
Para conciliar a restauração com a revitalização, houve uma permanente discussão,
decidindo-se cada passo após a apresentação das alternativas de intervenção ao
pároco e à comissão de acompanhamento. Assim se deliberou durante toda a
obra o que devia permanecer e ser restaurado, o que precisava ser eliminado e
eventualmente substituído e o que faltava e por isso necessitava ser acrescentado.30
Inicialmente, as obras atenderam às questões de ordem física que tinham
motivado a intervenção. Foram restaurados os telhados, construiu-se um novo
sistema de drenagem para isolamento das fundações da ação das águas pluviais
e estabilizaram-se as paredes das torres.
Realizadas as tarefas mais urgentes, estendeu-se o trabalho a toda a igreja
Vistas da catedral de Valença na primeira em duas grandes frentes: a das obras civis, abrangendo a execução de novas
metade do século XX (no alto) e em
instalações, restauração de pisos, forros e pintura, e a da restauração da arte
2003, antes da restauração (acima). Fotos,
respectivamente, autoria desconhecida e de sacra, incluindo, nos interiores, os altares da capela-mor, da nave e da capela do
Cyro Corrêa Lyra.
santíssimo, bem como a imaginária.
A integração da restauração com a revitalização resultou em algumas
intervenções dignas de nota. Externamente, as ações realizadas na praça à
esquerda da igreja restabeleceram a visão da beleza da catedral e trouxeram
facilidade de trânsito e acesso à população. Eliminou-se o trânsito de automóveis,
pavimentou-se a área com lajes de pedra talhada e foi feito o enterramento da
fiação elétrica. Criou-se com isso um largo de convivência, onde os valencianos

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ficaram livres do incômodo do automóvel e da poluição visual causada pelos


postes e os emaranhados de fios. O largo tornou-se também local para festas e
eventos religiosos, finalidade que justificou a ampliação dos degraus da escadaria
disposta ao longo da fachada esquerda, para maior conforto do público.
Para facilitar o acesso das pessoas com dificuldade de locomoção ao interior da
igreja, foram construídas duas rampas, uma à esquerda, próximo à torre, e outra
do lado direito. Dessa maneira, pessoas em cadeiras de rodas podem se deslocar,
sem o auxílio de outras, da calçada até a entrada da secretaria ou da capela do
Santíssimo, ou, continuando pelo piso elevado, até a entrada principal da catedral.
Internamente, a nova iluminação, adequada à leitura, permite admirar a
capela-mor e os altares da nave, bem como a capela do Santíssimo, ao lado
da nave, na qual convivem adornos do vocabulário barroco e rococó (volutas
e sobrevergas onduladas) com peças do repertório neoclássico (pilastras de
fuste canelado e capitéis jônicos) e até arcos apontados ou ogivais derivados
do neogótico. Na capela-mor, as dimensões não eram suficientes para uma
concelebração, cerimônia que somente se realiza em catedrais e da qual
participam, em Valença, além do bispo e do celebrante, 30 sacerdotes. Foi feita,
então, a ampliação do supedâneo.31
Renovaram-se os móveis e peças necessários ao culto – o altar, o ambão, a
cátedra do bispo, a cadeira do celebrante e os bancos para os concelebrantes –,
feitos especialmente para a catedral, obedecendo a um desenho moderno.32
Nas duas salas que ladeiam a capela-mor, a sacristia e a secretaria, foram
inseridas instalações de sanitários e copa, incluindo um banheiro especial para
pessoas com mobilidade reduzida. Destinou-se o salão sobre a secretaria ao
funcionamento dos conselhos paroquiais (economia e pastoral), ao trabalho
do pároco e à recepção de autoridades. No lado oposto, o segundo pavimento,
Catedral de Nossa Senhora da Glória
superposto à sacristia, e o salão lateral à nave, onde funcionava o museu da de Valença, Rio de Janeiro, no dia da
catedral, foi feita uma renovação geral da museografia.33 reabertura, 2005. De cima para baixo, vista
externa, nave e capela-mor durante a missa
Durante a elaboração do plano, resolveu-se mudar a utilização do salão de reabertura. Fotos de Antônio Augusto.
lateral à nave, que até então desempenhava funções completamente díspares:
além de abrigar os jazigos do primeiro bispo e de alguns clérigos, era usado
como salão de comemorações após casamentos e batizados e como espaço para
as confissões. Isso motivou a decisão de se construir uma cripta sob a sacristia
para abrigar os jazigos e consolidar o local como espaço penitencial, inserindo
ali três confessionários e dispondo nas paredes uma via-sacra.34

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220

Justificaram a proposta de construção dessa uma cripta sob a sacristia


a existência de muitos jazigos no salão de confissões, o fato de as catedrais
antigas disporem de um espaço subterrâneo destinado a esse fim e, finalmente,
a descoberta de algumas ossadas sob a capela-mor e a sacristia. Envolvido
por paredes de concreto armado, sem revestimento, esse espaço totalmente
despojado foi concebido como um local de meditação. É um lugar em penumbra,
fracamente iluminado pelas seteiras dispostas na parede e pelo cordão de luz
indireta junto ao teto.
Para possibilitar a celebração eventual de missas no interior da cripta, foram
inseridos um altar e um ambão. Atrás dessas peças, três lápides, no piso, cobrem
as covas construídas para futuros enterramentos. Ao longo da parede direita
Cripta da Catedral de Nossa Senhora da estão 14 ossuários, sete deles ocupados pelos restos mortais exumados dos
Glória de Valença, Rio de Janeiro, 2004.
Veem-se o ambão, à esquerda, o altar e, ao
jazigos que havia no salão de confissões e nos enterramentos descobertos de
fundo, o retábulo de mármore. Foto de anônimos encontrados sob a igreja. Ao fundo, como um retábulo moderno,
Silvia Puccioni.
uma grande placa em mármore, cortada em cruz, remete à Ressurreição.35
Restaurada e revitalizada, a catedral passou a ser visitada intensamente e
conhecida como obra de arte por pessoas de outras cidades. A restauração e
a revitalização agregaram à edificação novos valores. Pode-se dizer que era um
patrimônio histórico, embora seu reconhecimento como tal, pelo Inepac, tenha
ocorrido após essa obra. Além de artístico, a catedral tornou-se um monumento
vivo, principalmente por ter sido sua restauração uma descoberta de valores pela
própria comunidade, presente em todo o processo, não só como expectadora,
mas também como executora, por meio dos operários e artífices locais que
participaram da transformação da igreja degradada.36

Importância da relação afetiva

Um dos aspectos relevantes ao se tratar do uso do espaço religioso é o sentido


de pertencimento, vivido não só pelo fiel em relação à igreja de sua devoção,
como também pela maioria da população local, que vê a igreja como um bem
de todos, um lugar a que todos têm acesso. Em vista disso, consideramos
que, entre as peculiaridades da preservação do edifício religioso, sobressai o
papel desempenhado por seu principal usuário: o fiel. Trata-se de uma relação
sentimental que não ocorre com as demais categorias arquitetônicas.

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Lucio Costa abordou essa questão ao tratar da quantidade de igrejas nas


cidades antigas do Brasil e da relação afetiva entre a população e o espaço religioso:

Sempre prevaleceu a parte religiosa porque o número de igrejas era enorme.


Enquanto os anglo-saxões tinham aquela preocupação de criar riquezas, o mundo
latino, de herança portuguesa e espanhola, concentrava-se na construção de
conventos e igrejas. Havia uma desproporção enorme em relação à parte residencial
e militar. Essa condição de que a igreja era fundamental na tradição colonial, foi
considerada pela crítica leiga uma espécie de desperdício. Aquela riqueza, opulência
na arquitetura religiosa, muito sóbria na fachada e que você entrava nela e era
aquele esplendor. Mas havia um sentido social, muito profundo, nessa aparente
contradição. A igreja, com aquele esplendor todo, estava aberta, pertencia a todos,
Igreja de São Benedito, em Paranaguá,
qualquer pessoa do povo, por mais miserável que fosse, era só entrar e ficar lá.37 Paraná, 2009. Foto de J. Gabardo.

O fiel, a comunidade e a preservação do edifício religioso


De ângulos diversos, vamos examinar a importância da relação afetivo-
religiosa entre o fiel e a igreja tomando como exemplo a história da restauração
de três edificações: a Igreja de São Benedito, em Paranaguá, no Paraná, a Matriz
de Nossa Senhora do Rosário, em Pirenópolis, Goiás, e a Capela de São Pedro
de Alcântara, na capital do Rio de Janeiro.

Igreja de São Benedito38


Paranaguá, como as demais cidades brasileiras, espelhava, através de suas duas
associações religiosas, a estratificação social do Brasil colonial: a ordem terceira
de São Francisco das Chagas reunia representantes da classe mais abastada, e seu
templo foi erguido na principal rua; a Igreja de São Benedito, da irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, foi implantada junto à saída da cidade.
A construção da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas
foi iniciada em 1771 e concluída em 1841,39 com a edificação da torre. Foi
abandonada pelos irmãos da ordem no século seguinte e despojada de seus bens
de arte sacra. Na década de 1960, a igreja foi dessacralizada e acabou incendiada
por moradores de rua. Em 1972, o Iphan promoveu a restauração da edificação
e tentou devolvê-la às autoridades religiosas locais para utilização como igreja,
mas, diante do desinteresse da arquidiocese de Paranaguá, permaneceu fechada
durante alguns anos.

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Na década de 1980, a prefeitura assumiu sua conservação


com o intuito de usá-la como espaço cultural, projeto que não
se concretizou.40 Após intenso trabalho da representação do
Iphan no Paraná e da Secretaria de Estado da Cultura, em
março de 2009 a arquidiocese, finalmente, assumiu a igreja
como local de culto.
História diversa teve a Igreja de São Benedito, da irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A confraria não
se extinguiu. Rebatizada de irmandade de São Benedito,
continuou a congregar as pessoas de poucas posses, mas
dotadas de muito amor pela igreja e por seu pequeno acervo
de arte sacra.
Em 1967, quando conduzimos as obras de sua restauração,
feita com recursos do Iphan e do governo do estado do Paraná,
a igreja abrigava as únicas imagens religiosas de valor cultural
herdadas do período colonial ainda existentes no Paraná.41
Quatro dessas peças foram restauradas no ateliê de
restauração de bens móveis do Iphan, no Rio de Janeiro, então
dirigido pelo restaurador de pintura Edison Mota, e as outras,
no interior da igreja, pela restauradora Beatriz Pellizetti,
que recuperou, além das imagens, o retábulo e o altar-mor.
Reabertura da Igreja de São Benedito, em Três missais, dois do século XVII e um do século XIX, foram recuperados
Paranaguá, Paraná, após sua restauração,
na seção competente da Biblioteca Nacional. Infelizmente, anos depois de sua
1967. Foto de autoria desconhecida.43
restauração, a igreja sofreu a ação de ladrões de arte sacra.42

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário44


Pirenópolis, batizada em 1890 com esse nome em referência à serra dos
Pireneus, que a envolve, era chamada anteriormente de cidade de Meia Ponte,
por causa do nome dado ao arraial estabelecido no local na primeira metade do
século XVIII: Minas de Nossa Senhora do Rosário Meia Ponte. A construção
de sua igreja matriz, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, foi iniciada em
1728 e concluída na primeira metade do século seguinte.
Por diversas vezes, nas décadas de 1970 e 1980, a igreja foi submetida
a obras de conservação orientadas pelo órgão federal, até que, diante dos

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problemas de fragilização estrutural e degradação de materiais, decidiu-se por Fachada da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Rosário, em Pirenopólis,
uma intervenção restaurativa total, realizada entre 1996 e 1999.45 Goiás. À direita, após o incêndio ocorrido
Na madrugada do dia 5 de setembro de 2002, três anos depois de concluída em 5 de setembro de 2002. À esquerda,
após a restauração, 2006. Fotos de Biapó.
a restauração, entretanto, a igreja sofreu um incêndio devastador que destruiu
todos os bens artísticos integrados, feitos de madeira e ornamentados com
pintura policromada e folha de ouro: tetos, arco-cruzeiro e os altares com
seus retábulos. Indiferentes aos riscos que corriam, cidadãos de Pirenópolis
conseguiram salvar 20 imagens, inclusive a da padroeira, Nossa Senhora do
Rosário, peça setecentista de origem portuguesa.
O responsável pelo escritório técnico do Iphan em Pirenópolis assim relatou
a reação da comunidade local ao incêndio:

Após o impacto do grave incêndio que destruiu boa parte da Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário em setembro de 2002, apenas três anos depois de uma
meticulosa obra de restauração, ficou a questão: como a cidade enfrentaria a perda
parcial de seu maior ícone arquitetônico e urbano?46

A resposta a essa questão não foi imediata. Seguiram-se dias de discussão


sobre o rumo a tomar, pois havia aqueles que consideravam que a igreja havia se

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Capela-mor da Igreja Matriz de Nossa transformado em ruína e, como tal, não deveria ser restaurada, mas conservada
Senhora do Rosário, em Pirenopólis,
em seu estado, e outros que propunham a construção de uma réplica, por
Goiás, em 2002, antes do incêndio
(à esquerda) e, em 2006, após a restauração considerar a perda como total. A decisão, porém, foi a de restaurá-la.
(à direita). Fotos de Biapó.
A opção pela restauração partiu da comunidade de Pirenópolis e foi
endossada pelo Iphan, que providenciou, imediatamente, a montagem de uma
estrutura de cobertura provisória para a proteção das paredes remanescentes, de
taipa de pilão e adobe. Enquanto isso, membros da comunidade organizaram
a Sociedade dos Amigos de Pirenópolis, que, por meio de leis de incentivo,
estadual e federal, conseguiu os recursos necessários para a restauração da igreja.
A execução da obra foi entregue à mesma empresa que restaurara a igreja três
anos antes.47
Os trabalhos, iniciados em outubro de 2003 e concluídos em março de 2006,
pautaram-se na constante preocupação com a qualidade técnica da intervenção
e sua divulgação à população. Foi significativa nesse trabalho a dedicação dos
técnicos e operários envolvidos, a maioria constituída por moradores da região.
Entre os depoimentos de operários recolhidos durante a obra, vale reproduzir
as palavras de um dos carpinteiros, Dorvalino Botelho, e do servente Weber
Pereira Siqueira. Diz Botelho:

[...] que marcou mais para mim foi a destruição, o fogo que teve na Igreja
foi chocante. Acho que foi a maior tristeza, não só para mim, mas para
toda a comunidade. E outro, mais importante ainda, é esse que estamos
vendo, nunca a gente pensava que ia ter a Igreja de volta. E esse fato é mais
marcante ainda agora.48

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Siqueira, por sua vez, comenta:

Igreja Matriz desde jovem já a gente frequentava muito, e agora, em restauro, a


gente vai passando na rua, o pessoal vai perguntando as coisas, perguntando as
coisas, perguntando como é que está a atividade aqui. A igreja Matriz é importante
não só para os pirenopolinos, mas para todos os goianos.49

Na etapa final da restauração, veio à discussão a questão do altar-mor:


como preencher a lacuna, como completar o espaço religioso com sua
peça mais simbólica? A maioria dos membros da comunidade desejava a
reconstituição do altar, sendo esse propósito explicitado em abaixo-assinado,
levado à superintendência do Iphan em Goiás por numerosa comitiva de
cidadãos de Pirenópolis.
Na tentativa de resolver o problema, realizou-se uma reunião no interior
da igreja, já restaurada, com a participação de técnicos do Iphan e membros
da comunidade. As propostas eram duas: execução de uma réplica por Altar transladado e montado na capela-
Mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do
um marceneiro local, com base na documentação fotográfica existente, ou
Rosário, em Pirenopólis, Goiás, 2006. Foto
construção de um novo altar de desenho moderno. Finalmente, chegou-se a de Biapó.

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uma terceira alternativa: a montagem do altar originário da Igreja de Nossa


Senhora do Rosário dos Pretos, demolida muitos anos antes, que estava
guardado na Igreja do Carmo.50
Anos depois, a comunidade fez outro abaixo-assinado, dirigido ao Iphan,
reivindicando a reconstituição dos altares laterais. Levada a questão à instância
técnica da direção do órgão, o arquiteto Dalmo Vieira dos Santos Filho, na época
diretor do Departamento do Patrimônio Material do Iphan, elaborou parecer
sobre essa proposta da comunidade, em atenção a pedido da superintendência da
instituição em Goiás. É oportuno reproduzir aqui um trecho desse documento,
em razão das considerações que faz sobre a pertinência, muitas vezes ignorada,
da opinião daqueles que de fato utilizam e mantêm o espaço religioso.

Essa alternativa satisfaz suas noções de coerência com o templo e com a fé, sendo
compatível com seus conceitos de beleza e até – por que não? – de preservação do
patrimônio, intermediando uma espécie de reencontro da memória afetiva com
o uso cotidiano do espaço religioso. Ao contrário, os que se apegam às visões do
autêntico intrinsecamente dependente do suporte material e dos elementos físicos
remanescentes do altar são em sua maioria os frequentadores eventuais do edifício,
os que dele se apropriam mais por seus valores artísticos, históricos e culturais do
que dos religiosos. Imbuídos de convicções fatalísticas de autenticidade, negam aos
usuários da igreja o que a esses segundos pareceria uma solução natural: o bem
foi involuntariamente destruído? Que seja reconstituído! Propugnam uns por
uma ambientação tradicional e outros por uma nova estética, dada pela função
e que visa salientar o que para eles resume o autêntico, ou seja, os remanescentes
materiais do bem cultural sinistrado.51

Vista aérea da capela da UFRJ, 2012.


Fonte: Google Earth.
Capela de São Pedro de Alcântara
Situação totalmente diversa foi a de outra igreja igualmente vítima de
incêndio, a Capela de São Pedro de Alcântara, situada no interior do palácio
universitário da UFRJ.52
O tombamento federal da edificação decorreu de uma solicitação feita em
1952 por Pedro Calmon, então reitor da Universidade do Brasil, denominação
inicial da UFRJ. O reitor justificava o pedido argumentando que o antigo
Hospital Nacional de Alienados, construído na segunda metade do século

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XIX, era “uma das melhores obras de arquitetura da cidade, se não o seu mais
belo edifício, cuja história constitui um capítulo da evolução da arte no país”.53
O edifício é utilizado por três instituições de ensino e pelo Fórum de Ciência
e Cultura da UFRJ, e tem no interior uma capela, usada eventualmente, na maior
parte das vezes para celebração de casamentos. Um incêndio ocorrido em março
de 2011, entretanto, destruiu a cobertura, o forro abobadado e parte do piso
assoalhado da capela, bem como as peças valiosas de sua ambientação litúrgica,
como a imagem de São Pedro de Alcântara,54 seu padroeiro, o altar e a cruz de
madeira à qual era fixo o Cristo de bronze, peça que, felizmente, sobreviveu.
Para a restauração da capela, elaborou-se um projeto de reconstituição do
espaço religioso, tendo como diretriz a recuperação de sua expressão como local
destinado a cerimônias ocasionais e de caráter solene.55
Antes do incêndio, o pano de fundo da capela era constituído de uma parede
feita com estrutura de madeira e vedação de estuque, conforme se pode deduzir
do embasamento, que não foi destruído pelo fogo. Essa parede funcionava como
um retábulo, pois nela se encaixava o altar de madeira e um nicho que abrigava
a imagem de São Pedro de Alcântara. Em vista da perda do conjunto formado
pelo “retábulo”, o altar e a imagem, foi proposta a reconstituição formal dessa
parede com o emprego de alvenaria de blocos celulares.
Não se recomendou a reconstrução do altar nem a recomposição de nicho
para reposição da imagem de São Pedro, por duas razões. Em primeiro lugar, o

Interior da capela da UFRJ. À esquerda,


antes do incêndio, sem data. À direita, após
o incêndio, 2013. Fotos, respectivamente,
do Arquivo Iphan e de Cyro Corrêa Lyra.

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Torres sobressaindo do entorno da


Igreja de São Pedro dos Clérigos, em
Recife, Pernambuco, década de 1980. Foto
de Cyro Corrêa Lyra.

Igreja de Santa Efigênia, em Ouro Preto,


Minas Gerais, década de 1980. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.

altar adossado a um retábulo não atende às orientações derivadas do Concílio


Vaticano II, que mudaram o posicionamento do celebrante para versus populum.
Assim, não fazia sentido reconstituir um altar fixo ao fundo, já que na liturgia de
hoje ele deve ficar destacado para que o sacerdote celebre de frente para os fiéis.
A segunda questão refere-se à reposição da imagem do padroeiro, também
revista, preconizando-se hoje como figura principal não o padroeiro, mas o
Cristo. A proposta foi a disposição, no centro da parede curva, de uma cruz
feita por um rebaixo com iluminação no fundo (uma “cruz de luz”), à qual seria
fixado o Cristo de bronze que sobreviveu ao incêndio.

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Diferentemente do exemplo de Pirenópolis, nesse caso não há devotos.


A capela era, e continuará a ser, ocasionalmente usada para cerimônias
dirigidas ao público externo. Os usuários são eventuais e a relação afetivo-
religiosa não existe.
Concluindo este capítulo, convém ressaltar que o sentido de pertencimento
ao espaço religioso estende-se, nas cidades históricas, à maior parte da
população, não se restringindo àqueles que professam a religião, ou seja, aos
devotos. Deve-se esse sentimento geral de afeição não só à herança da formação
católica da sociedade brasileira, mas também ao significado da igreja como
espaço de celebração, que, tradicionalmente, ultrapassa o motivo religioso.
No interior da igreja celebram-se o nascimento, o batismo, a crisma,
o casamento, as bodas de prata e de ouro e as exéquias. Externamente, as
celebrações se traduzem em festas populares, do nascer do ano até o Natal,
passando pela Páscoa, pelas festas juninas, por Corpus Christi, entremeadas
pelas comemorações dos padroeiros da cidade, da paróquia, das confrarias.
Daí resultar um sentimento afetivo pelo edifício religioso, inconsciente,
Feira no largo fronteiro à Sé de Olinda,
expresso pela sociedade de modo geral. em Pernambuco, década de 1980. Foto de
Cyro Corrêa Lyra.
Entre pessoas mais sensíveis, há também a consciência de que é naquele
espaço que se concentra o patrimônio artístico local, representado tanto pelos
bens integrados (altares, talhas, pinturas de teto) como pelos bens móveis
(imagens e alfaias).
A presença da igreja na vida dos núcleos históricos é evidenciada na
paisagem urbana, na qual se veem as edificações religiosas sempre em posições
proeminentes, seja implantadas nos outeiros da cidade, seja completando
praças e largos.

Torres de igreja e, ao fundo, o pico do


Itacolomi, em Ouro Preto, Minas Gerais,
década de 1980. Foto de Cyro Corrêa Lyra.

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Considerações finais | 231

Considerações finais

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Considerações finais
O patrimônio construído só é de fato preservado quando plenamente utilizado

A reabilitação urbana e a restauração de bens arquitetônicos, como vimos, pressupõem a revitalização


para que seus objetivos sejam alcançados. A revitalização implica uma boa utilização que não só garanta a
preservação, mas também agregue valores.
A destinação do Paço Imperial do Rio de Janeiro a centro cultural, por exemplo, ampliou a importância do
monumento: a memória de seu passado como palácio de governo foi resgatada e pode ser lida no percurso de
seus pátios e salões. Mas foi a conversão dos ambientes em espaços de exposição que deu vida ao monumento
e marcou o início da revitalização de uma extensa área central da cidade.
Da inauguração do paço revitalizado, em 1985, até o final da primeira década deste século, criou-se um
percurso de centros culturais no Rio de Janeiro e em outros estados, instalados por meio da reciclagem de
importantes edifícios que tinham perdido sua função original. Entre eles, podemos citar os Centros Culturais
do Banco do Brasil, da Justiça Federal e dos Correios, além da Casa França-Brasil.

Não há preservação sem revitalização, nem restauração sem renovação

Não há preservação sem utilização, e esta pressupõe adaptação. Por mais conservativa que seja a intervenção,
dificilmente é feita sem alterações. Como vimos, a raiz da dificuldade na reutilização do bem está na visão
imobilista de muitos preservacionistas, na relutância em resolver a contradição de uma preservação com
modificação. Se o objetivo é preservar, como aceitar modificações? Entretanto, para restabelecer o uso do bem
arquitetônico, é necessário fazer modificações de caráter renovador, marcadas pela inserção de elementos, que
deverão ser equacionadas desde o início do processo de restauração.
As consequências do atendimento a novas necessidades consistem em um dos principais desafios
na restauração de monumentos, quase sempre gerados pela dificuldade de compatibilizar a arquitetura
preexistente com a que resultará das novas funções definidas para o edifício. Deve-se lembrar de que o
êxito, nesses casos, depende do estabelecimento de um harmônico diálogo entre o antigo e o novo.
Quando o espaço disponível acolhe o novo programa, sem necessidade de ampliação, a questão resume-
se a atender às novas exigências, mantendo-se a compreensão e a fruição do espaço interno do monumento.
Entre os exemplos notáveis está o Panteão dos Inconfidentes, inserido no pavimento térreo da antiga
Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto, em Minas Gerais, hoje Museu da Inconfidência. Essa inserção
é reverenciada por Lucio Costa no prefácio à coletânea de textos de Rodrigo Mello Franco de Andrade,
publicada em 1986 pela Fundação Nacional Pró-Memória: “uma obra-prima arquitetônica concebida por

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Considerações finais | 233

José de Souza Reis que soube, com um mínimo de meios e extrema sensibilidade e apuro, transformar uma
simples sala num sóbrio ‘antimausoléu’, digno da memória dos Inconfidentes”.*

Critérios para a revitalização


Independentemente da peculiaridade de um sítio ou do caráter de um edifício, seu reconhecimento
como bem cultural, seja em termos legais, por meio do tombamento, seja informalmente, pela comunidade,
condiciona as intervenções a um respeito à integridade dos valores consagrados. Para que essa condição
primeira seja cumprida, é necessário atender a determinados critérios de intervenção. Estes são decorrentes
do processo de evolução dos conceitos de bem cultural, definidos nas conclusões e nas recomendações de
reuniões internacionais de especialistas divulgadas por meio das chamadas Cartas patrimoniais.
O primeiro critério é o da integração. Na intervenção adequada, não há conflito entre o antigo e o novo,
mas a perfeita integração da nova função ao espaço antigo. No caso do bem edificado, para cada tipo
de arquitetura há um leque finito de alternativas a novas funções, ou seja, existem vocações natas que
devem ser respeitadas. A arquitetura religiosa, por exemplo, é vocacionada para programas que tenham
o auditório como elemento principal, aceitando usos alternativos como espaços culturais. A integração,
portanto, depende não só da correta adaptação dos espaços, mas também do modo como esses espaços
serão utilizados. Enfim, existem aspectos intangíveis que também fazem parte dos parâmetros para uma
perfeita integração.
Segue-se o critério da autenticidade. As intervenções devem recuperar a identidade, tanto dos edifícios
como dos conjuntos urbanos, respeitando sua essência e resgatando seus valores. Estes são referentes ao
pressuposto da conservação dos usos tradicionais e à valorização do patrimônio imaterial existente no
contexto sociocultural da região. O atendimento a esse critério, nas obras de arquitetura, abrange o respeito
à constituição física do edifício, como testemunho de técnicas construtivas tradicionais integrantes de um
patrimônio intangível que deve ser preservado e transmitido para as futuras gerações. As inserções que
forem necessárias devem destacar-se do existente por meio da revelação de sua contemporaneidade, ou seja,
devem transmitir sua condição de novas, assumindo sua identidade e evidenciando as marcas do seu tempo.
O terceiro critério é o da reversibilidade. As alterações decorrentes de adaptações de uso devem ser projetadas
prevendo-se a possibilidade futura de sua remoção sem prejuízo do bem cultural. As novas funções, é bom
lembrar, raramente são definitivas, pois as necessidades que determinam as adaptações estão em constante
mutação, ao sabor da evolução dos hábitos, dos costumes e da moda. A boa inserção, portanto, é aquela que
pode ser removida sem prejuízo para o monumento.
O quarto critério é o da qualificação. A garantia da qualidade do que se insere deve ser uma das condições
da boa adaptação. A valorização e a longevidade do bem cultural dependem de inserções que agreguem
valores. A qualificação da intervenção é consequência natural da compreensão do valor cultural do edifício
antigo. A qualidade de uma inserção não deve ser inferior à do existente, mas, pela qualidade do projeto e
dos materiais utilizados, deve agregar valores ao bem cultural objeto da intervenção.

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Do patrimônio construído ao patrimônio vivo

A preservação de um bem arquitetônico é o resultado de um processo integrado de restauração e


revitalização. Enquanto a restauração é dirigida à dimensão material do bem cultural, a revitalização refere-
se a seus aspectos de natureza imaterial, como seu uso e a fruição de seu funcionamento ao longo do
tempo. Pode-se dizer que a primeira trata do corpo da arquitetura, e a segunda, de sua alma.
Entende-se o ato de preservação de um monumento como um processo dialético. Ele pressupõe
a conciliação de dois propósitos de natureza antagônica: a finalidade da restauração, que é o resgate e a
valorização do edifício como bem cultural, e o objetivo, que é a revitalização, isto é, sua transformação em
patrimônio vivo.
A restauração visa restabelecer a dignidade implícita ao edifício, resgatando valores, expressões e
símbolos contidos. A revitalização, por sua vez, visa potencializar o uso e garantir sua sobrevivência como
espaço útil. O fato é que, com a retomada da função, garante-se a sobrevivência do edifício, mas não a do
monumento, assim como a restauração física recupera a identidade, mas não garante, por si só, vida longa para
o monumento, se não houver quem o use e, consequentemente, o conserve.

Agentes de preservação

A preservação do patrimônio brasileiro, que durante muitas décadas dependeu exclusivamente do


Iphan, é hoje, felizmente, assumida por outras esferas da administração pública, bem como da sociedade
civil, que usufrui das vantagens da legislação federal de incentivos fiscais.
Aos órgãos estaduais – a maioria dos quais foi criada a partir dos chamamentos feitos nos históricos
encontros de governadores realizados em 1970, em Brasília, e no ano seguinte, em Salvador – somaram-
se setores de patrimônio instituídos em muitas prefeituras. Além desses órgãos, há organismos não
governamentais atuantes, como o Icomos/Brasil, o Preservale, dedicado à revitalização das antigas
fazendas fluminenses, a Associação de Preservação Ferroviária (Preserve), voltada para a salvaguarda de
bens relacionados à história das ferrovias brasileiras, a Fundação Cultural Exército Brasileiro e a Diretoria
do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha, entre outros. Finalmente, integram esse conjunto as
universidades, com uma progressiva produção de conhecimento do patrimônio por meio de trabalhos de
pesquisa para embasamento de dissertações e teses.
Ampliaram-se também os instrumentos de proteção, antes limitados ao uso do Decreto-lei no 25/1937.
A maioria dos órgãos estaduais estabelece legislação de proteção, quase sempre calcada inteiramente na
lei federal, ao passo que muitos municípios valem-se de instrumentos de incentivo, como a isenção do
Imposto Territorial Urbano, a lei do solo criado, o Estatuto das Cidades e outros.
Nota-se, porém, que os objetivos das instituições de proteção federal e estaduais frequentemente
conflitam com as preocupações das administrações municipais. No caso dos sítios urbanos, por exemplo,

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Considerações finais | 235

é comum a divergência entre as legislações de proteção e as de uso do solo urbano. Essa dificuldade só
pode ser superada pelo reconhecimento mútuo dos limites a ser respeitados pelas duas instâncias da
administração pública.
A função dos órgãos de proteção é impor limitações para evitar a descaracterização dos bens protegidos,
enquanto à administração municipal cabe propiciar, além da requalificação urbanística de áreas degradadas,
condições para uma boa destinação de uso dos edifícios de valor cultural. Tais objetivos não são opostos,
já que a utilização do imóvel é uma condição preliminar para sua preservação. Entretanto, os limites a ser
respeitados pelo usuário raramente são preestabelecidos, o que resulta em situações de confronto entre
interesses nem sempre conciliáveis: o do usuário, que pretende novas condições de funcionalidade para
o atendimento de suas necessidades, e o do órgão de proteção, que, em nome da preservação do bem,
procura restringir ao mínimo as modificações pretendidas.
Diante desse conflito, vale lembrar que há vários protagonistas na ação preservacionista do bem
cultural. No caso dos monumentos, foi-se o tempo em que as intervenções eram decididas apenas pelo
arquiteto restaurador. Apesar de reconhecer os benefícios trazidos pela multidisciplinaridade das equipes
de trabalho, acreditamos que a intervenção restaurativa na obra de arquitetura requer a participação daquele
que vai usá-la, ou seja, de quem terá a obrigação de conservá-la. O futuro do monumento arquitetônico
restaurado depende principalmente dele e, por essa razão, é fundamental sua participação desde o início
do processo de preservação. No caso da arquitetura religiosa, como vimos, o devoto, por sua relação afetiva
com a igreja que frequenta, e não apenas o pároco, é um protagonista de presença obrigatória, a ser ouvido
atentamente pelos técnicos.

Formação de especialistas em conservação e restauro

A criação pelo Iphan de cursos de especialização em conservação e restauração de monumentos e sítios,


em parceria com universidades federais e organismos internacionais, trouxe grande contribuição para a
qualidade das intervenções dirigidas à preservação dessa vertente do patrimônio cultural. Dos profissionais
brasileiros especializados nesses cursos, realizados em São Paulo (1974), Recife (1976), Belo Horizonte
(1978) e Salvador (de 1981 até hoje), parte considerável ocupou cargos de direção no Iphan e em órgãos de
preservação estaduais e municipais, enquanto muitos passaram a atuar em empresas de restauração.
Cabem aqui, entretanto, duas observações sobre o conteúdo dessa formação. A primeira refere-se ao
tema central deste livro: reconhecendo-se o papel fundamental do uso do monumento como condição
para sua preservação, é necessário incluir no conteúdo didático dos cursos um estudo aprofundado da
tipologia da arquitetura brasileira e de suas alternativas vocacionais.
A segunda diz respeito à ausência de uma experiência em canteiro de obra, a qual deveria coroar a
especialização do arquiteto restaurador. Vale lembrar que, para a realização de um projeto de restauração,
não bastam os levantamentos históricos e cadastrais. A situação real da edificação revela-se por meio de

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236

prospecções físicas, geralmente exequíveis no decorrer da obra de intervenção, durante a qual se evidenciam
os valores a permanecer, o que pode ser alterado e o que é passível de exclusão.

Formação de especialistas em preservação

Simultaneamente à promoção dos cursos de especialização em conservação e restauração realizados pela


UFBA (Cecres), o Iphan passou, em 2004, com a criação do Programa de Especialização em Patrimônio
(PEP), a investir diretamente na formação de especialistas em preservação. Montado com a cooperação
técnica da Unesco e o acompanhamento da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério de Relações
Exteriores (ABC/MRE), o programa objetivava a formação interdisciplinar de profissionais graduados
em diversas áreas de conhecimento para atuação no campo da preservação do patrimônio cultural. A
partir de 2010, tornou-se mestrado profissional, mantendo o modelo do PEP para associar as práticas da
preservação ao aprendizado teórico-metodológico e à pesquisa.

Formação de gestores

Em 2010, o Iphan encontrou-se diante de um novo desafio: a implantação de um centro regional de


treinamento em gestão do patrimônio, fruto de um acordo firmado entre o governo do Brasil e a Unesco,
em 26 de julho daquele ano. Foi fundado, então, o Centro Lucio Costa, sediado no Palácio Gustavo
Capanema, no Rio de Janeiro, com o objetivo de ampliar a capacidade de gestão das instituições envolvidas
na preservação de bens culturais, além de promover a cooperação regional entre os 17 países de língua
oficial portuguesa e espanhola na África, na América do Sul e na Ásia. Entre as propostas de atuação do
centro inclui-se a formação, a capacitação e o aperfeiçoamento de profissionais envolvidos com ações de
gestão do patrimônio.
Desde sua implantação, vem o centro trabalhando na formulação de um Curso de Gestão do Patrimônio
Cultural com a finalidade de atender às necessidades de capacitação de técnicos dos países da região
abrangida pelo acordo. Trata-se, sem dúvida, de tarefa difícil, pela abrangência do tema e pela diversidade
de situações entre os países envolvidos. Há nações com estruturas de preservação definidas, com legislações
de proteção estabelecidas, e outras ainda desprovidas dos recursos administrativos e legais para preservar
seu patrimônio.
Cabe aqui, porém, no âmbito do tema que abordamos, voltado para a arquitetura e a cidade, levantar
algumas questões. Convém lembrar, inicialmente, que a gestão é o desafio que se impõe imediatamente após
o ato legal de proteção. O reconhecimento de valor de um bem pelo poder público gera a responsabilidade
de sua gestão por meio de ações efetivas de preservação, nelas incluindo, no caso da arquitetura e da cidade,
a utilização compatível com seu caráter e sua vocação.

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Considerações finais | 237

Além disso, é fundamental na gestão do patrimônio cultural a compreensão de que a arquitetura e a


cidade são dinâmicas por força da transformação permanente da sociedade. Conciliar o antigo com o novo
é desafio constante. O reconhecimento de que o imaterial dá vida e sentido ao patrimônio material constitui
outro esteio na formação proporcionada por um centro de excelência. A interatividade do material com o
imaterial deve ser premissa para toda proposta que o centro gerar.
Um curso de gestão deve ser estruturado em experiências de reciclagem arquitetônica e de revitalização
urbana, exitosas ou não, e em situações reais de desafios enfrentados nos países abrangidos pelo centro.
O fato de não se situar no âmbito da universidade, mas em uma instituição pública de preservação, que
regula e fiscaliza a gestão de bens de valor cultural reconhecido, impõe o compromisso de se desviar do
tradicional modelo acadêmico de ensino. Do contrário, o curso será semelhante aos já oferecidos por
universidades brasileiras ou do exterior.
A instalação do centro na cidade do Rio de Janeiro traz um potencial extraordinário para a capacitação
na gestão do patrimônio cultural, notadamente no que concerne ao conflito constante da cidade entre
preservar e renovar. No tocante à natureza, sua história de aterros e conversão das áreas conquistadas
vem do século XVIII, com a eliminação de um mangue e a criação do passeio público, e culmina com
a implantação do parque do Flamengo no aterramento de uma borda da baía da Guanabara. No que
se refere à transformação urbana, as experiências de “cirurgias arteriais” não cessaram e continuam
instigadoras, da abertura da avenida Central no início do século passado à intervenção, ora em curso,
na área portuária da cidade.
Finalmente, é necessário observar que a instalação da instituição no Palácio Gustavo Capanema e sua
denominação como Centro Lucio Costa são duas decisões do Iphan carregadas de simbolismo. O prédio,
que por sua expressão artística anunciou uma nova arquitetura, ocupava uma área na qual se situava,
outrora, o morro do Castelo. Universalmente reconhecido por seu valor extraordinário, o palácio redimiu
a perda do patrimônio histórico destruído com o desmonte do morro.
O nome do centro reporta-se àquele que foi o primeiro arquiteto a intervir no patrimônio edificado
brasileiro quando, em 1938, orientou a consolidação das ruínas da Redução Jesuítica de São Miguel,
no interior do Rio Grande do Sul, e assessorou a direção do antigo Sphan, enquanto contribuía
decisivamente para a implantação da modernidade na arquitetura brasileira e concebia o plano piloto
da nova capital do país.
A convivência harmoniosa do passado com o futuro, do antigo com o novo, preocupação presente
durante toda a trajetória do Iphan, caracterizou historicamente a atuação da instituição, diferenciando-a
da maioria de suas congêneres. Esse legado precioso deverá permear as ações do Centro Lucio Costa em
sua missão de formador de gestores de patrimônio cultural.

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Notas | 239

Notas

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Notas

Parte I – A reutilização como instrumento de preservação


Capítulo 1
1 O termo monumento será empregado neste livro para designar a obra arquitetônica considerada portadora
de valores artísticos e/ou históricos que justifiquem medidas tomadas com a intenção de garantir sua
sobrevivência para as gerações futuras, assim como as obras intencionalmente construídas para manter a
memória de determinados feitos. Sobre o conceito de monumento, ver: RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos
monumentos. Lisboa: Edições 70, 2003. p. 9.
2 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 52.
3 GIEDION, Sigfried. Espacio, tiempo e arquitectura. Barcelona: Ulrico Hoepli, 1955. p. 106.
4 “O mais importante dos monumentos romanos, o Coliseu, que forneceu há muitos séculos material para
as mais importantes construções da cidade, foi o primeiro edifício a necessitar de obras de consolidação de
relevante esforço, dadas a extraordinária grandeza de sua arquitetura e as condições de periculosidade em que
se encontravam os grandes blocos de travertino no dia em que Bento XIV (1740-1758), consagrando-o aos
Mártires Cristãos, fez cessar a retirada.” CESCHI, Carlo. Teoria e storia del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 40.
5 De acordo com a conceituação desenvolvida por Aloïs Riegl, o Coliseu tornou-se um monumento de
rememoração (Erinnerungswerte) ao ser reconhecido como monumento histórico. Não o era de origem, pois
a intenção que motivou sua edificação não era essa. Ver: RIEGL, Aloïs. Op. cit., p. 30.
6 RIEGL, Alöis. Op. cit., p. 69.
7 “Esse valor de uso, segundo Riegl, é igualmente inerente a todos os monumentos históricos, quer
tenham conservado seu papel memorial original e suas funções antigas, quer tenham recebido novos usos,
mesmo museográficos. A ausência de valor de uso é o critério que distingue do monumento histórico
tanto as ruínas arqueológicas, cujo valor é essencialmente histórico, quanto a ruína, cujo interesse reside
fundamentalmente na ancianidade.” CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 169.
8 Basílica de Santa Maria dos Anjos e dos Mártires.
9 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 161.
10 O historiador e crítico de arte Ludovic Vitet desempenhou o cargo de inspetor-geral dos monumentos
históricos da França entre 1830 e 1834.
11 Apud: CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 161.
12 Toit de pigeonier, no original. Refere-se a uma cobertura de forma cônica ou piramidal polifacetada
semelhante aos tetos usualmente adotados nos pombais.
13 Apud: LÉON, Paul. La vie dés monuments français. Paris: Editions A. et J. Picard et Cie., 1951. p. 190.
14 O escritor Prosper Mérimée (1803-1870) ocupou o cargo entre 1834 e 1853. In: SIRE, Marie-Anne.
La France du patrimoin: les choix de la mémoire. Paris: Gallimard, 1996. p. 32.

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Notas | 241

15 “Mérimée admira os belos monumentos, mas ele jamais sentiu seus olhos umedecerem diante do
aspecto de suas ruínas.” Apud: LÉON, Paul. Op. cit., p. 193.
16 “[...] sublime dos danos e das fraturas, no sublime da pátina e da vegetação que faz a arquitetura
se assemelhar às obras da Natureza e dão a cor e as formas que universalmente agradam ao olhar do
homem.” RUSKIN, John. Op. cit., p. 254.
17 O termo preservação será empregado neste livro no sentido de medida geral para a sobrevivência de um
objeto, envolvendo a proteção, a restauração e todas as outras operações que se fizerem necessárias para
garantia da perpetuação e da recuperação de um bem de interesse cultural.
18 LÉON, Paul. Op. cit., p. 200.
19 VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. São Paulo: Ateliê, 2000. p. 26.
20 PUCCIONI, Silvia. Restauração estrutural: metodologia de diagnóstico. 1997. Dissertação (Mestrado
em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997. p. 51.
21 Historiador crítico de arte, Giulio Carlo Argan (1909-1992) foi prefeito de Roma entre 1976 e 1979.
22 ARGAN, Giulio Carlo. Arquitetura e cultura. In: ____. História da arte como história da cidade. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 245.
23 SCRUTON, Roger. Estética da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
24 O arquiteto Luís Saia (1911-1975) foi chefe do 4o Distrito do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan), que era sediado na capital paulista e respondia pela preservação do patrimônio
cultural protegido pelo órgão federal nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo. Foi autor de vários trabalhos sobre a arquitetura antiga de São Paulo e coordenou diversas obras de
restauração de edifícios tombados.
25 SAIA, Luís. Da arquitetura. Tese de concurso para provimento da cadeira de Teoria da Arquitetura da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1957. p. 5.
26 O arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio (c. 80 a.C.-15 a.C.) assessorou Júlio César nas campanhas
da Gália e da Espanha.
27 O arquiteto, escultor e músico Leone Battista Alberti (1404-1472) é autor do tratado De Re Aedificatoria
(1450), dirigido à formação de arquitetos.
28 Estabilidade, comodidade e deleite.
29 Utilidade, estabilidade e beleza.
30 Sobre o assunto, ver: COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. São Paulo:
Perspectiva, 1979. p. 18; SCRUTON, Roger. Op. cit.
31 O arquiteto Lucio Costa (1902-1998) foi o principal mentor das ações de proteção e conservação
do patrimônio edificado do Sphan, nos primeiros 30 anos da instituição. Notabilizou-se por projetos
emblemáticos, como o do edifício construído para ser sede do Ministério da Educação e Cultura e o do
Plano Piloto de Brasília. Escreveu diversos textos fundamentais sobre a arquitetura brasileira. Sobre sua
trajetória, ver: COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
32 COSTA, Lucio. Considerações sobre o ensino da arquitetura. In: ____. Lucio Costa: sobre arquitetura.
Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. p. 113.

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242

33 Organismo formado em 1920 pelos países signatários do Tratado de Versalhes, com o objetivo de
desenvolver a cooperação entre as nações e garantir a paz. Em 1946, foi substituído pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
34 Empregaremos o termo proteção quando houver a aplicação de lei destinada a garantir a integridade do
bem cultural (um bem tombado é um bem protegido). Observe-se que os portugueses, assim como os
franceses, utilizam nesse sentido o termo salvaguarda. Conservação designará os cuidados para preservar as
características de um bem que apresentem significação cultural (Carta de Burra, 1980). Sobre o significado
desses termos, ver: CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. O termo
valorização (em francês, miseenvaleur) será utilizado para designar o conjunto de ações de conservação e
restauração destinadas a destacar a importância de um bem cultural. Sobre esse termo, ver: CHOAY,
Françoise. Op. cit., p. 212-213.
35 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 13.
36 O primeiro Ciam ocorreu em 1928, no Castelo de La Sarraz Vaud, na Suíça. Seguiram-se nove
congressos, cada um dedicado a um tema. O de Atenas foi o quarto evento e dedicou-se à produção desse
documento centrado na questão do urbanismo moderno. O último ocorreu em 1956, em Dubrovnik,
Iugoslávia, e teve como tema central o habitat humano.
37 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 52.
38 Ibid., p. 54.
39 A Carta de Veneza foi o primeiro dos 13 documentos produzidos nesse congresso.
40 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 92.
41 Há muitos exemplos de monumentos que sobreviveram por causa de sua utilização, embora inadequada.
Como será exposto adiante, grande parte do patrimônio edificado dos centros históricos brasileiros
abandonada pelos proprietários sobreviveu, mesmo que degradada, graças à conservação, ainda que
precária, feita pela população de baixa renda que a ocupou, à revelia da legislação instituída pelo Estado.
Exemplificam essa constatação os centros históricos de Salvador, na Bahia, São Luís, no Maranhão, Recife,
em Pernambuco, e de outras cidades.
42 PARENT, Michel. L’Avènement de la Charte Internationale pour la Sauvegarde des Villes Historiques.
Icomos Information, n. 2, p. 1-2, 1987.
43 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 111.
44 Ibid., p. 116.
45 Ibid., p. 157.
46 Ibid., p. 169.
47 Ibid., p. 180.
48 Ibid., p. 197.
49 O congresso foi o coroamento do Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico, celebrado em 1975, e
nele foram produzidos dois documentos: a Declaração de Amsterdã e a Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico.
50 Ibid., p. 202.
51 Ibid., p. 228-229.

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Notas | 243

52 O termo restauração foi definido em 1964, no artigo 9o da Carta de Veneza, como uma “operação que
deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do
monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos”. Disponível
em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>.
Acesso em: 18 jul. 2015.
53 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 241.
54 Ibid., p. 54.
55 O Icomos é uma associação civil, não governamental, sediada em Paris. A realização desse colóquio
foi uma das resoluções do Congresso de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos ocorrido em
1964, em Veneza.
56 Ibid., p. 248-249.
57 A terminologia referente a patrimônio cultural adotada em língua inglesa tem significados diferentes
daquela que hoje empregamos no Brasil, derivada do vocábulo usado na Itália. Por essa razão, o texto
da carta requer uma explicação. De acordo com a definição de termos constante da parte inicial da
carta, “conservação corresponde à intervenção no bem com o objetivo de preservar as características que
apresentem um significado cultural” e “preservação, à manutenção no estado da substância de um bem
e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada”. No vocabulário em uso neste livro, a palavra
conservação corresponde a “intervenção”; restauração tem o mesmo sentido que adotamos até aqui, ou seja, de
“restabelecimento de um estado anterior”; para “preservação”, usamos permanência.
58 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 251.
59 Ibid., p. 284.
60 Ibid., p. 285-286.
61 No Encontro de Arquitetos em Machu Picchu, no qual os conceitos explicitados na Carta de Atenas
foram revistos, a setorização foi criticada, reconhecendo-se que o processo urbanístico consiste em criar
uma integração multifuncional e contextual.
62 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 327.
63 Ibid., p. 256.

Capítulo 2
1 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 179.
2 Id.
3 CESCHI, Carlo. Teoria e storia del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 88.
4 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 181.
5 AGUIAR, José. Cor e cidade histórica: estudos cromáticos e conservação do patrimônio. Porto: FAUP,
2002. p. 82.
6 Id.
7 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 185.

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244

8 AGUIAR, José. Op. cit., p. 538, nota 16.


9 Ibid., p. 83.
10 Id.
11 CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 92.
12 Ibid., p. 166.
13 Ibid., p. 200.
14 Ibid., p. 201.
15 Ibid., p. 214.
16 Ibid., p. 212.
17 AGUIAR, José. Op. cit., p. 94.
18 Do inglês gentrification: “the restoration of run-down urban areas by the middle class (resulting in the
displacement of lowe-income people)”. Princeton University. WordNet 2.0, 2003.
19 O termo reabilitação é mais utilizado na Europa do que no Brasil. Vale a pena observar que reabilitar
é “restituir ao estado anterior, regenerar, recuperar”. Já o termo revitalizar, muito empregado no Brasil,
tem sentido diverso: “dar nova vida”, o que não se alcança necessariamente por meio da recuperação
ou reabilitação. Definições retiradas de: HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1986. p. 1455-1506.
20 FEILDEN, Bernard; JOKILETO, Juka. Conservation du patrimoine architectural et renaisssance de la
cité. Un Avenir pour notre Passé: Bulletin d’Information, Conseil de l’Europe, n. 17, p. 4, 1981.
21 O arquiteto português Nuno Portas reside em Lisboa e atua na área de planejamento urbano, tendo
prestado consultoria ao Programa Monumenta.
22 AGUIAR, José. Op. cit., p. 91.
23 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 229.
24 Ibid., p. 266.
25 GOODEY, Brian. Participation du public: utopie ou simple proposition? Un Avenir pour notre Passé:
Bulletin d’Information, Conseil de l’Europe, n. 17, p. 6, 1981.
26 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 282.
27 O conceito de sustentabilidade provém da área de meio ambiente. Foi reconhecido na Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada em 1992, no Rio de Janeiro,
e divulgado no documento final denominado Agenda 21. Esse documento reúne um amplo conjunto de
premissas e recomendações relativas às ações que devem ser adotadas pelas nações para alterar seu vetor de
desenvolvimento em favor de modelos sustentáveis.
28 NEVES, Rodrigo Ollero das. Reabilitação urbana integrada como projecto de sustentabilidade. In:
Comunicações do Seminário Internacional Caminhos da Preservação II: usos do patrimônio. São Paulo: Icomos/
Brasil, 1998. p. 63. (Cadernos do Icomos/Brasil, v. 2).
29 KLINK, Carlos A. O papel da pesquisa ecológica na gestão ambiental e manejo de ecossistemas.
In: BURSTYN, Marcel (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de
Janeiro: Garamond, 2001. p. 77.

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Notas | 245

30 NEVES, Rodrigo Ollero das. Op. cit., p. 63-65.


31 DAVIES, Philip. O modelo do English Heritage. In: Conferência Internacional Brasil/Grã Bretanha sobre
Patrimônio e Desenvolvimento. Recife, out. 1999.
32 Habitação e reabilitação urbana: arquitetura e antropologia. In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck;
MALEQUE, Miria Roseira (Orgs.). Cultura, patrimônio e habitação: possibilidades e modelos. Rio de Janeiro:
7Letras, 2004. p. 12.
33 PERRIN, Jean-Bernard. O exemplo francês da proteção, do remanejamento e da valorização do
patrimônio histórico urbano. In: Restauração e revitalização de núcleos históricos: análise face à experiência francesa.
Rio de Janeiro: Sphan/Pró-Memória, n. 30, p. 17, 1980.
34 Ibid., p. 19.
35 AGUIAR, José. Op. cit., p. 94.
36 Ibid., p. 92.
37 ALBINI, Marco et al. Corso di formazione di architeti specializzati in restauro dei beni culturali. Belo Horizonte:
Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 1978. p. 42.
38 COMITÉ DES MONUMENTS ET SITES. Coût social de la conservation intégrée dês centres historiques:
confrontation II. Bologna: Conseil de l’Europe, 1974. p. 1.
39 AGUIAR, José. Op. cit., p. 94.
40 O Cruarb foi fundado pelo governo português no âmbito das políticas de habitação, para resolver o
problema do realojamento dos habitantes da área de Ribeira-Barredo.
41 Os trabalhos de reabilitação do centro histórico do Porto perduram até hoje.
42 O arquiteto Vianna de Lima, falecido em 1991, foi consultor da Unesco e esteve no Brasil diversas
vezes. Coordenou um plano diretor para Ouro Preto e um projeto de recuperação e reutilização como
museu do Forte do Príncipe da Beira, em Rondônia. Integrou, em 1974, a equipe de consultores que
ministraram palestras no Curso de Especialização sobre Restauro e Conservação de Monumentos Arquitetônicos, realizado
em São Paulo e promovido pela USP, mediante convênio com o Ministério da Educação e Cultura/Iphan,
com apoio da Unesco.
43 Em 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos encerrou o Estado Novo, regime ditatorial que
dominou Portugal por quatro décadas.
44 CRUARB. Porto patrimônio mundial: Cruarb 25 anos de reabilitação urbana. Porto: Câmara Municipal
do Porto, 2001. p. 158.
45 Conforme relata o arquiteto Antonio Moura. Ver: CRUARB. Op. cit., p. 104.
46 CRUARB. Op. cit., p. 138.
47 A intervenção abrangia, em 2005, cerca de 120 hectares, com 17 mil habitantes e mais de 3 mil
edifícios. Naquele ano, já haviam sido recuperados mais de 500 habitações e milhares de metros quadrados
de espaços comerciais.
48 CRUARB. Op. cit., p. 166.
49 Ibid., p. 160.
50 Ibid., p. 140.

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246

Parte II – A experiência brasileira


Capítulo 3
1 CAPANEMA, Gustavo. Rodrigo, espelho de critério. In: ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. A lição
de Rodrigo. Recife: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1969. p. 41.
2 Ver: Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: MEC/Sphan/Fundação
Nacional Pró-Memória, 1980.
3 CAPANEMA, Gustavo. Op. cit., p. 42.
4 O Sphan manteve essa denominação até 1946, quando passou a se chamar Departamento do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Dphan). Em 1970, recebeu o nome de Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan), como o qual permaneceu até 1979, ano em que se tornou Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Em 1981, passou a subsecretaria, voltando, em 1985,
à condição de secretaria, permanecendo como tal até 1990, ano em que ganhou nova denominação:
Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC). Em 1994, voltou a se chamar Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nome que permanece até hoje.
5 Ver Anexo 1.
6 Para a elaboração desse primeiro inventário, contribuíram figuras de renome no campo da história e das
artes: Aníbal Fernandes, por Pernambuco; Godofredo Filho, pela Bahia; Mário de Andrade, por São Paulo;
Alberto Lamego, pelo Rio de Janeiro; David Carneiro, pelo Paraná; Augusto Meyer, pelo Rio Grande do
Sul; Raimundo Lopes, pelo Maranhão; Artur César Ferreira Reis, pelo Amazonas; Epaminondas Macedo,
por Minas Gerais; Noronha Santos, Carlos Leão e Paulo Thedim Barreto, pelo, então, Distrito Federal.
7 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 149.
8 Lucio Costa, convertido à arquitetura moderna, convenceu o ministro Capanema da necessidade de
promover a vinda de Le Corbusier ao Brasil. Ele já estivera em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1929.
Nessa segunda visita, resultante da iniciativa de Lucio Costa, permaneceu cerca de dois meses no país,
período em que elaborou um projeto para a Cidade Universitária e um projeto para o Ministério da
Educação, além de conferências. Ver entrevista concedida por Lucio Costa, em 1987, a Jorge Czajkowski,
Maria Cristina Burlamaqui e Ronaldo Brito: Presença de Le Corbusier. In.: Lucio Costa: registro de uma
vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p. 144-154.
9 Relatório de Lucio Costa a Rodrigo Mello Franco de Andrade, diretor do Sphan. Esse e outros textos
que Lucio Costa escreveu de 1937 a 1972 – período em que serviu à instituição –, além de alguns
produzidos depois, atendendo a solicitações do Iphan, foram publicados em: PESSOA, José (Coord.).
Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: Iphan, 1999.
10 PESSOA, José. Op. cit., p. 25.
11 Ibid., p. 39.
12 PROTEÇÃO e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória, cit., p. 28.
13 Referindo-se à fase inicial do Sphan, Alcides Rocha Miranda, um dos primeiros arquitetos da instituição
(ingressou em 1940), falecido em 2001, comentou: “Era muito difícil, havia falta de recursos, a gente
levava 27 horas para ir de Belo Horizonte a Diamantina”. Entrevista publicada na Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n. 30, p. 251, 2002.

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Notas | 247

14 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. 1993. 168 p. Dissertação
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1993. p. 154.
15 HALEVY, Jean Pierre. Relatório de fim de missão. Programa BID e Fortalecimento do Iphan. Iphan, jun.
1998. p. 5.
16 A Comissão dos Monumentos Históricos da França foi fundada em 1837.
17 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Formação de arquitetos para a preservação dos bens culturais. C.
J. Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 17, p. 22, 1977.
18 Em 1938, o arquiteto Luís Saia substituiu Mário de Andrade na chefia do 4o Distrito do Iphan,
sediado em São Paulo, permanecendo no cargo até seu falecimento. Além de São Paulo, faziam parte do
4o Distrito os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Até 1975, portanto, as obras de
restauração nos monumentos nacionais realizadas nesses quatro estados foram conduzidas por Luís Saia.
19 SAIA, Luís. Até os 35 anos, a Fase Heróica. C. J. Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 17, p. 17, 1977.
20 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23. A pesquisa sistemática da história da arte e da
arquitetura brasileira era uma prática dos arquitetos de patrimônio incentivada por Rodrigo Mello Franco
de Andrade. A Revista do Sphan foi o principal veículo de difusão do conhecimento adquirido pelos técnicos
da instituição. Vale citar alguns ensaios e teses produzidos por arquitetos e engenheiros, funcionários da
insituição, publicados entre 1937 e 1978, que ainda hoje são importantes referências: “Documentação
necessária”, “Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro”, “Arquitetura dos jesuítas no Brasil”,
“Risco original de Antonio Francisco Lisboa”, por Lucio Costa (revistas n. 1, 3, 5, 17 e 18); “O Piauí e a
sua arquitetura”, “Casas de Câmara e Cadeia” e “Análise de alguns documentos relativos à Casa de Câmara
e Cadeia de Mariana”, por Paulo Thedim Barreto (revistas n. 2, 10 e 16); “Notas sobre a antiga pintura
religiosa em Pernambuco”, “Observações em torno da história da cidade do Recife, no período holandês”
e “Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado do Rio”, por Joaquim Cardoso (revistas n. 3, 4 e
7); “O adro do Santuário de Congonhas”, “Arcos da Carioca” e “Evidência dos monumentos históricos”,
por José de Souza Reis (revistas n. 3, 12 e 16); “O alpendre nas capelas brasileiras” e “Notas sobre a
arquitetura rural paulista do segundo século”, por Luís Saia (revistas n. 3 e 8); “Algumas notas sobre o
uso de pedra na arquitetura religiosa do nordeste”, por Ayrton Carvalho (revista n. 6); “Vassouras: estudo
da construção residencial urbana”, por Augusto Silva Telles (revista n. 16); “A antiga comercial Vila dos
Lençóis”, por Fernando Machado Leal (revista n. 18).
21 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 154.
22 Renato Soeiro dirigiu a instituição federal entre 1967 e 1979.
23 “O culto do monumento passado coexiste com aquele que logo seria nomeado ‘culto da modernidade’.”
CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 138.
24 O termo prospecção, na área de conservação/restauração de monumentos, designa o conjunto de operações
de pesquisa realizadas por meio da remoção de trechos de revestimento de paredes ou de pisos, com o
objetivo de conhecer a situação atual do edifício e de revelar sua história.
25 É significativo o fato de que, até a década de 1960, os únicos livros sobre restauração existentes na
Biblioteca Noronha Santos, do Iphan, eram franceses.
26 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 96.
27 CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 158.

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248

28 Id.
29 A obtenção de “unidade estilística” era uma das metas de Viollet-le-Duc e seus seguidores nas restaurações
que realizavam. Ela implicava o restabelecimento de todos os elementos arquitetônicos característicos do
estilo para que o monumento se identificasse completamente com a maneira de representação de seus
similares.
30 Embora possa ser observada, essa influência não foi assumida por causa do repúdio que se manifestou
no final do século XIX às mutilações e falsificações decorrentes da ênfase dada à “unidade estilística”
em detrimento da autenticidade dos monumentos, imputando-se tal desvio aos ensinamentos do mestre
francês.
31 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23.
32 O arquiteto Antônio Luiz Dias de Andrade (Janjão, como era conhecido) integrou a equipe da
representação do Iphan em São Paulo desde o início da década de 1970, assumindo a direção da insituição
no período de 1978 a 1994.
33 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 123.
34 Fernando Machado Leal pode ser considerado o principal arquiteto restaurador daquele período pela
diversidade de monumentos que restaurou em várias regiões do Brasil e, principalmente, pela qualidade de
suas intervenções. Ele dirigiu dezenas de trabalhos de restauração em todo o país, começando em 1961,
em Ouro Preto. Coordenou, na década de 1980, as obras de consolidação das ruínas de São Miguel, no
Rio Grande do Sul, e de Alcântara, no Maranhão. Encerrou sua carreira em Salvador, na Bahia, onde
faleceu, em 2005.
35 LEAL, Fernando Machado. Restauração e conservação de monumentos brasileiros. Recife: Universidade Federal
de Pernambuco, 1977. p. 135.
36 Ibid., p. 136.
37 Na tese, é relatada a história do monumento e exposta a razão que levou o arquiteto a propor a
reconstituição. Ver: MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Tese para provimento do cargo de professor
assistente da cadeira de História da Arte na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 1969.
38 MENEZES, José Luiz Mota. Op. cit., p. 55.
39 Diógenes de Almeida Rebouças, formado em engenharia agronômica em 1933 e em arquitetura em
1951, foi professor catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Foi, ainda,
um dos profissionais mais atuantes em seu estado na segunda metade do século XX, assinando diversos
projetos de arquitetura executados em Salvador.
40 Infelizmente não se escreveu ainda a história dos mestres artífices do Iphan, trabalho cada vez mais
difícil de ser realizado, uma vez que as fontes principais para essa pesquisa estão desaparecendo. Com o
falecimento de José Ferrão Castelo Branco, o mestre Ferrão (1920-2001), por exemplo, tornou-se mais
difícil recuperar nomes e perfis dos artífices que trabalharam no Nordeste. Sobre a atuação dos mestres da
equipe de São Paulo, pode-se ainda recuperar a história com José Saia Neto, que trabalhou com eles sob
a coordenação de seu pai, Luís Saia. Compunham essa equipe Lincoln Faria, Francisco Crispin e o mestre
carpinteiro Manoel Riguethi.
41 Entre as consequências dessa mudança, situa-se o distanciamento do canteiro de obras por parte dos
arquitetos da instituição. O mais grave é o fato de que, ao desempenhar a função de fiscais, esses profissionais

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Notas | 249

passaram vistoriar e analisar obras de intervenção em bens tombados sem nunca ter enfrentado os desafios
da preservação de edificações.
42 Ano em que se realizou o primeiro curso de especialização no Brasil, resultante da parceria do Iphan
com uma universidade e o apoio da Unesco. Trataremos do assunto no item “Os cursos de São Paulo,
Recife e Belo Horizonte” (p. 69).
43 Em 1975, foi criado o Curso Regional de Restauração de Monumentos e Conservação de Centros
Históricos e Sítios, em Cuzco, no Peru.
44 O objetivo do Cours de Chaillot (Centre d’études Supérieures d’Histoire et de Conservation des
Monuments Anciens) é formar architectes des batiments de France, ou seja, preparar arquitetos especializados na
conservação e restauração de monumentos franceses. O sistema de ensino é eminentemente prático e voltado
para casos concretos. Conceitos e princípios teóricos são discutidos com base nas questões suscitadas na
análise de cada caso. As disciplinas são distribuídas em módulos: técnicas antigas, estruturas antigas, sua
patologia, elementos decorativos e mobiliário, urbanismo, história da arquitetura francesa e legislação.
BOIRET, Yves. La formation des architectes français aux taches de la restauration des monuments anciens:
le Centre d’études supérieures d’histoire. In: Anales de la Réunion International des Coordinateurs pour la Formation
en Conservation Architecturale. Roma: ICCROM, 1983.
45 O ICCROM, sediado em Roma, é uma instituição que tem como objetivo a formação de conservadores
de patrimônio cultural em todo o mundo. Foi, sem dúvida, o modelo que orientou a conformação dos
cursos brasileiros, não só porque nos anos 1970, quando se moldaram os primeiros cursos, o ICCROM
tinha se constituído na principal referência mundial, como também porque grande parte dos especialistas
brasileiros e estrangeiros que participaram do corpo docente dos cursos eram formados no ICCROM.
46 O curso de Conservação Arquitetural, que a maioria dos arquitetos brasileiros realizou no ICCROM,
tinha seis meses de duração e era distribuído da seguinte maneira: 50% para aulas teóricas e visitas a sítios;
40% a trabalhos de ateliê e de campo; o restante para discussão de casos concretos. As disciplinas eram
divididas em três módulos: conservação de edifícios históricos (história e teoria da conservação; valoração
de bens arquitetônicos e urbanos; política de conservação; pesquisa histórica; vistoria, manutenção e
reparação; consolidação estrutural; tecnologia da reabilitação; fotogrametria; conservação preventiva de
coleções e interiores), conservação de materiais construtivos tradicionais (argamassas, adobe, pedra, tijolo,
madeira e metais) e conservação de áreas históricas (metodologia da conservação urbana, conservação
integrada). JOKILEHTO, Jukka. Training in Architectural Conservation at ICCROM. In: Anales de la
Réunion International des coordinateurs pour la formation en conservation architecturale. Roma: ICCROM, 1983. p.
195-200.
47 Ver capítulo 4.
48 MELLO, Suzy P. de. Uma experiência brasileira no treinamento de arquitetos restauradores: o curso de
especialização em Minas Gerais (1978). In: Anais das Primeiras Jornadas Luso-brasileiras do Patrimônio Edificado.
Lisboa, 1984. p. 79.
49 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 23.
50 O arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles dirigiu por muitos anos a Diretoria de Estudos e
Tombamentos do Iphan e assessorou tecnicamente a direção do órgão. Tornou-se seu presidente e, depois,
membro do Conselho Consultivo da instituição. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
publicou diversos trabalhos sobre o patrimônio cultural brasileiro.
51 Praticamente 80% do curso foi custeado pela Seplan, tendo em vista a importância da formação de
especialistas para a viabilização do Programa das Cidades Históricas. MELLO, Suzy P. de. Op. cit., p. 80.

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52 Franca Helga, Jean Bernard Perrin, Raúl Pastrana e Victor Pimentel.


53 MELLO, Suzy P. de. Op. cit., p. 82.
54 Em 2000 foi criado o doutorado em Arquitetura e Urbanismo.
55 Três tipos de professores assessoram e orientam os alunos na elaboração dos projetos: os orientadores
permanentes, que acompanham do início ao fim, os transitórios, como os especialistas estrangeiros, que
permanecem geralmente uma semana em contato com o ateliê, e os consultores eventuais, que atendem a
necessidades surgidas na elaboração dos projetos.
56 Para esse objetivo concorreu a presença no ateliê da engenheira Silvia Puccioni, orientando as questões
estruturais, e do arquiteto Mario Mendonça, na análise e ensaios laboratoriais.
57 PUCCIONI, Silvia. Restauração estrutural: metodologia de diagnóstico. 1997, 163 p. Dissertação
(Mestrado em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997. p. 6.
58 1982, 1984, 1988, 1990, 1993, 1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012.
59 Por meio desse convênio será custeada a vinda de consultores internacionais, com recursos do Iphan e
do programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
60 KÜHL, Beatriz Mugauar. Os restauradores e o pensamento de Camilo Boito sobre a restauração. In:
BOITO, Camilo. Os restauradores. São Paulo: Atelier Editorial, 2002. p. 19.
61 Ibid., p. 19.
62 Ibid., p. 29. Tradução para o português da obra I restauratori: conferenza tenuta all’Exposizione di Torino il 7
giugno 1884, por Paulo e Beatriz Kühl.
63 Ibid., p. 57.
64 Na obra Las siete lámparas de la arquitectura (Buenos Aires: Librería El Ateneo, 1944, p. 256), ao defender
o respeito ao monumento, Ruskin chega a dizer que a restauração “significa la destrucción más completa
que pueda sufrir um edifício, destrucción de la que no podrá salvarse la menor parcela, destrucción
acompanhada de uma falsa descripción del monumento destruído”.
65 CESCHI, Carlo. Teoria e storia del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 108.
66 Ibid., p. 112.

67 BRANDI, Cesare. Teoria do restauro. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963. p. 34.

68 Dos especialistas estrangeiros e brasileiros que passaram pelos Cecres de 1981 até 2004, dez se
formaram na Itália, quatro na Espanha, dois na Inglaterra e um na Alemanha. Observe-se que as disciplinas
de projeto de intervenção nos patrimônios arquitetônico e urbano e teoria da conservação e restauro foram
ministradas por especialistas de formação italiana.

69 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 156.

70 CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 93.

71 ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Op. cit., p. 156.

72 Id.

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Notas | 251

73 O Mercado Modelo sofreu incêndio de grandes proporções em janeiro de 1984. Foi restaurado
segundo projeto do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo e reinaugurado em dezembro daquele ano.

74 Projeto do arquiteto Fernando Machado Leal.

75 CURY, Isabelle. Op. cit., p. 93.

76 Por causa da rigidez de sua conformação e da sua semelhança com um aparelho ou uma máquina, o
edifício foi apelidado de “micro-ondas”.

77 Reconversão, reciclagem e reutilização são termos correntes para designar a operação de adaptação do edifício
a um novo uso.

78 Utilizaremos o adjetivo criativo por analogia à linha de restauração que recebeu, na Europa, a
denominação restauro criativo. A figura central do restauro criativo foi o italiano Carlo Scarpa (1906-1978),
que revolucionou a intervenção restaurativa de monumentos por meio de projetos de adaptação em que
as inserções compareceram com personalidade própria. Em seu trabalho, o arquiteto recontextualizou
os testemunhos históricos imprimindo-lhes a própria linguagem, com força criativa, mas sem violência,
manifestando capacidade incomum na leitura e na interpretação dos organismos. Para Adolf Los, que foi
seu assistente entre 1964 e 1970 e autor do primeiro trabalho sobre ele (1967), Scarpa empregava uma
linguagem visual na qual o efeito era garantido por sua historicidade intrínseca. Scarpa tinha predileção
em construir dentro do construído, o que foi muito criticado no início de sua vida profissional. Entre suas
obras, destacam-se a Gipsoteca Canoviana (1955-1957), em Possagno, Treviso, o Museu de Castelvecchio
(1956-1964), em Verona, e a Fundação Querini-Stampalia (1961-1963), em Veneza.

79 O Solar do Unhão, tombado pelo Iphan em 1943, é um conjunto de edificações no qual se destacam
a casa-grande, a capela e o aqueduto. Iniciado no século XVII, foi sendo ampliado nos séculos seguintes.

80 Arquiteta italiana, naturalizada brasileira, que emigrou para o Brasil em 1946, tendo vivido e trabalhado
no país até o fim da vida.
81 Depoimento da arquiteta ao Jornal da Bahia, 1963. Apud: BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza.
Os restauros de Lina Bo Bardi e as interpretações da história. 2001, 185 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
p. 73.

Capítulo 4
1 GUTIERREZ, Ramón. El derecho al patrimonio construído. In: Anais do II Congresso Latino-americano sobre
a Cultura Arquitetônica e Urbanística. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1997. p. 143.
2 ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e o Sphan: coletânea de textos sobre o patrimônio cultural.
Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/Fundação Nacional Pró-Memória, 1987. p. 82.
3 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação
no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan, 1997. p. 230.
4 CURY, Isabelle (Org). Cartas patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 285.
5 Ver: SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de
áreas urbanas no Brasil (1937-1990). 1995, 281 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)

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– Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1995; A cidade-atração:


a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90. 2004, 399 p. Tese (Doutorado em
Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
6 SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de
áreas urbanas no Brasil (1937-1990), cit., p. 134.
7 Ibid., p. 131.
8 ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Op. cit., p. 82.
9 TELLES, Augusto C. da Silva. Centros históricos: notas sobre a política brasileira de preservação. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 19, p. 31, 1984.
10 A missão de análise feita por Michel Parent foi cumprida em duas etapas. A primeira viagem foi
feita entre novembro de 1966 e janeiro do ano seguinte, e a segunda, de abril a junho de 1967. Ver:
PARENT, Michel. Protection et mise em valeur du patrimoine culturel brésilien dans le cadre du développement touristique
et économique. Relatório elaborado para a Unesco, 1968.
11 “Priorités des priorités”, segundo PARENT, Michel. Op. cit., p. 53.
12 SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de
áreas urbanas no Brasil (1937-1990), cit., p. 155.
13 Ver: ANAIS do II Encontro de Governadores. Rio de Janeiro: Departamento de Assuntos Culturais,
Ministério da Educação e Cultura, 1973. (Publicação n. 26 do Iphan).
14 Ministros João Paulo dos Reis Veloso e Jarbas Passarinho.
15 Ministros João Paulo dos Reis Veloso e Ney Aminthas de Barros Braga.
16 Comparando os objetivos dos dois programas, verifica-se que houve uma mudança de foco: o programa
anterior era dirigido exclusivamente ao patrimônio arquitetônico; no programa que abarcava o Sudeste,
acrescentaram-se os conjuntos urbanos.
17 Seus critérios e normas foram ajustados, quando necessário, ao regulamento operativo do Programa de
Reconstrução de Cidades Históricas do Nordeste.
18 PROGRAMA de Cidades Históricas. Revista P&D: Planejamento e Desenvolvimento. Brasília: Secretaria de
Planejamento da Presidência da República, s.d. p. 12. Suplemento especial.
19 Ver: RESTAURAÇÃO e revitalização de núcleos históricos: análise face à experiência francesa.
Publicação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília: Ministério da Educação e Cultura/Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró-Memória, n. 30, 1980.
20 SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de
áreas urbanas no Brasil (1937-1990), cit., p. 172.
21 Ibid., p. 172.
22 Ibid., p. 168.
23 As obras nesses três estados foram realizadas sob a orientação e a fiscalização do mestre Ferrão Castelo
Branco, da representação do Iphan sediada em Recife.
24 Em 1994, foi estabelecido um contrato de empréstimo entre o BID e o governo do Equador para
fornecimento de equipamentos e apoio a investimentos privados no valor de 51 milhões de dólares,

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Notas | 253

sendo 41 milhões financiados pelo banco e o restante contrapartida do governo equatoriano. Destinava-
se ao Programa de Recuperação do Centro Histórico de Quito, projeto iniciado em 1988 com recursos
municipais, acrescidos mais tarde por dotações não reembolsáveis provenientes da Espanha, da Bélgica
e de instituições como a Unesco e a Fundação Getty. Consistiu na primeira experiência do BID em
projetos culturais. Ver: GUZMÁN, Dora Arizaga. Gestão e financiamento de projetos de conservação em
cidades históricas. Brasília: Grupo Tarefa/Iphan/Programa Monumenta/BID/Unesco, 1999. p. 31-37.
(Cadernos Técnicos, n. 3).
25 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 257.
26 Ibid., p. 259.
27 Regulamento operativo do Programa Monumenta.
28 Id.
29 Id.
30 Alcântara, Belém, Cachoeira, Congonhas, Corumbá, Diamantina, Goiás, Icó, Laranjeiras, Lençóis,
Manaus, Mariana, Natividade, Oeiras, Olinda, Ouro Preto, Pelotas, Penedo, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, São Cristóvão, São Francisco do Sul, São Paulo e Serro.
31 BONDUKI, Nabil. Intervenções urbanas na recuperação de centros históricos. Brasília: Iphan/Programa
Monumenta, 2010.
32 Ibid., p. 236.
33 Ibid., p. 270.
34 Ibid., p. 278.
35 Ibid., p. 346.
36 PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Macrofunção: habitar o centro. Rio de Janeiro:
Rio Estudos, 2003. (Coleção Estudos da Cidade, n. 105).
37 Sobre a metodologia aplicada em Bolonha, ver: CERVELLATI, P. L.; SCANNAVINI, R. Bologna:
política e metodologia del restauro nei centri storici. Bologna: Società Editrice Il Mulino, 1975.
38 O centro histórico de São Luís é preservado pelas três esferas governamentais e, desde 1997, integra a
lista do Patrimônio Mundial.
39 ANDRÉS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro. São Luís: cidade dos azulejos. Revista do Icomos-Brasil:
Monumentos Brasileiros no Patrimônio Mundial. Salvador: Icomos/Brasil, 2000. p. 237.
40 O centro histórico de São Luís está inserido no polo econômico-financeiro da cidade, ocupando uma
área de 250 hectares com um patrimônio de cerca de 3.500 edificações.
41 O governo do estado do Maranhão, por meio do Decreto no 7.345, de 16 de novembro de 1979,
constituiu a Comissão de Coordenação e o Grupo de Trabalho, criados no I Encontro Nacional da
Praia Grande, a fim de desenvolver e implementar o Programa de Preservação e Revitalização do Centro
Histórico de São Luís. Contava com o apoio de representantes de diversos órgãos da administração
estadual e municipal, além do Iphan, da Universidade Federal do Maranhão e de diversas entidades
de classe. ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.). Centro histórico de São Luís – Maranhão:
patrimônio mundial. São Paulo: Audichromo, 1998. p. 60.

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42 ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.). Centro histórico de São Luís – Maranhão: patrimônio
mundial, cit., p. 240.
43 Compreendeu, entre outras obras, a quarta etapa de implantação do Programa de Preservação e
Revitalização do Centro Histórico de São Luís. ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho Castro (Coord.).
Centro histórico de São Luís – Maranhão: patrimônio mundial, cit., p. 93.
44 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 75.
45 Id.
46 O custo médio da indenização foi de 1.222 reais. SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de
preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90, cit., p. 76.
47 Ibid., p. 76-77.
48 Ibid., p. 76-78.
49 Em sua primeira etapa, o projeto atingiu seis imóveis no bairro de Santo Antônio.
50 O custo final da obra, segundo a Caixa Econômica Federal, deverá ficar 30% acima do valor de
mercado e dos limites da linha de financiamento.
51 SANT’ANNA, Márcia. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos
90, cit., p. 82.
52 O entendimento de que os recursos públicos poderiam ser aplicados no exterior dos imóveis privados
situados em áreas tombadas embasou iniciativas anteriores, como o Programa de Revitalização Urbana,
realizado na cidade da Lapa, no Paraná, resultado de uma parceria envolvendo a prefeitura, o estado (por
meio de sua Curadoria do Patrimônio Histórico e Artístico) e a União (por meio do Iphan).
53 São cerca de 1.600 imóveis preservados, em sua maioria sobrados constituídos de dois a três pavimentos,
datados de 1880 ao início do século XX, aproximadamente.
54 O SAARA é uma área do centro da cidade que concentra o principal comércio popular do Rio de
Janeiro. A denominação deriva das iniciais da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega,
fundada nos anos 1960 pelos comerciantes ali instalados. A sigla da sociedade faz alusão à região de
origem da maioria dos comerciantes, descendentes de imigrantes muçulmanos, judeus e cristãos maronitas.
55 INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA; RIOARTE; IPLANRIO. Corredor cultural:
como recuperar, reformar ou construir seu imóvel. 2. ed. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, 1989. p. 10.
56 Ibid., p. 26.
57 PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas. A reabilitação urbana em processo. In: LIMA, Evelyn Furquim
Werneck; MALEQUE, Miria Roseira (Orgs.). Cultura, patrimônio e habitação: possibilidades e modelos. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2004. p. 73.
58 MATTA, Junno Marins da. Estudo de procedimentos para a preservação e conservação de bens imóveis não monumentais:
estudo de caso: Conjunto Vila Lage em São Gonçalo. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) –
Universidade Federal Fluminense, 2004.
59 Um dos viajantes que “descobriram” o Brasil no século XIX foi Auguste Saint-Hilaire. Ele percorreu
a região de Curitiba em 1820 e assim descreveu a cidade: “Tem ela a forma mais ou menos circular, e

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Notas | 255

compõe-se de duzentos e vinte casas de pequenas dimensões e cobertas de telhas, quase todas de um só
pavimento, sendo muitas, porém, construídas de pedra. [...] As ruas são largas e bem traçadas; umas foram
inteiramente calçadas, e outras, apenas defronte das casas. A praça pública é quadrada, espaçosa e coberta
de grama”. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à comarca de Curitiba (1820). São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1964. p. 106-107.
60 Influíram também as exigências da municipalidade. Em 1861, as Posturas Municipais impuseram um
pé-direito mínimo de 20 palmos (4,40 metros), o que contribuiu evidentemente para a modificação do
aspecto das edificações, levando-se em conta que no período colonial o pé-direito das casas não ia muito
além dos 12 palmos (2,40 metros).
61 O PDU de Curitiba, desenvolvido na primeira metade da década de 1960 sob a coordenação do
arquiteto Jorge Wilheim (1928-2014), estabeleceu a delimitação de um setor histórico-tradicional.Os
primeiros estudos a que nos referimos foram realizados pelo arquiteto Jaime Lerner.
62 O Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, coordenado pelo autor deste livro, contou
com a participação de arquitetos e a assessoria de um economista e de um sociólogo. Para conhecimento
maior de seu conteúdo, ver: LYRA, Cyro Corrêa. (Coord.). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba.
Curitiba: IPPUC, 1970.
63 O decreto que dispõe sobre o setor histórico de Curitiba foi assinado em 5 de agosto de 1971, pelo
prefeito da cidade na época, o arquiteto Jaime Lerner. Ver Anexo 2.
64 A feira era um sucesso em razão da qualidade do artesanato exposto e da organização do evento, feita
por uma cooperativa de artesãos muito atuante.
65 Durante a elaboração do plano, foi realizada uma pesquisa de opinião com empresários ligados a essas
atividades para averiguar o grau de interesse que haveria na sua localização no setor histórico. A ideia foi
bem aceita, de modo geral, pelos 40 comerciantes consultados. Os entrevistados apontaram, porém, como
aspectos negativos do setor histórico: a deficiência da iluminação pública, a decadência das edificações, a
falta de policiamento e as más condições dos passeios – problemas que já tinham sido reconhecidos pelo
coordenados do projeto como questões que precisavam ser solucionadas para o que o plano tivesse êxito.
66 Sua restauração foi projetada e executada em 1970, sob a orientação do arquiteto Cyro Corrêa Lyra.
Batizada de Casa Romário Martins, é um local destinado a exposições de caráter histórico, subordinado
à Fundação Cultural de Curitiba (FCC).
67 Um dos exemplos mais interessantes foi a iniciativa do empresário e historiador Newton Carneiro, já
falecido. Entusiasmado com o plano, adquiriu uma das melhores e mais bem localizadas casas do Setor
com o objetivo de ali instalar uma instituição cultural, o que conseguiu ao alugar o imóvel, depois de
restaurado sob a orientação dos arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho, ao Instituto Goethe,
que ali permaneceu por aproximadamente dez anos. Atualmente, funcionam no imóvel uma galeria de
exposições de arte e um restaurante.
68 Ver: LA PASTINA FILHO, José. Investimentos municipais na preservação do patrimônio cultural
da cidade da Lapa, PR (palestra). In: Simpósio Internacional sobre Incentivos Culturais. São Paulo, nov. 1996;
PARCHEN, Rosina Coeli Alice; LA PASTINA FILHO, José. Preservação do Centro Histórico da Cidade
da Lapa (comunicação). 2o Encontro sobre Conservação e Reabilitação de edifícios. Lisboa, 1994; PARCHEN, Rosina
Coeli Alice (Coord.). Lapa: um passeio pela memória. Curitiba: Secretaria do Estado da Cultura, 1993.
69 O trecho era temido pelos tropeiros que faziam a rota Sorocaba-Viamão. Curitiba, sede da Quinta
Comarca da Província de São Paulo, ficava na metade do caminho entre o litoral e a Estrada-Geral, e a
Lapa era o último pouso antes da Estrada da Mata.

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70 LA PASTINA FILHO, José. Investimentos municipais na preservação do patrimônio cultural da


cidade da Lapa, PR, cit.
71 Id.
72 Id.
73 A casa do coronel Lacerda, tombada em abril de 1938, pertencente ao Iphan desde 1981; a Igreja
Matriz, tombada em abril de 1938; a casa em que faleceu o coronel Gomes Carneiro, tombada em abril
de 1938 e que abriga hoje o Museu da Revolução Federalista de 1894; a antiga Casa de Câmara e Cadeia,
tombada em maio de 1940, sede da Câmara Municipal. Só em 1985 foi tombado o quinto imóvel, o
Theatro São João.
74 A preservação do patrimônio cultural da Lapa deve-se principalmente a Sérgio Augusto Leoni (1936-
2013), defensor apaixonado do centro histórico, que lutou durante muitos anos contra os proprietários
interessados na especulação imobiliária sem contar com o apoio de seus conterrâneos, indiferentes ao
destino dos bens culturais da cidade.
75 Ainda como candidato, Sérgio Augusto Leoni evitara a demolição dessa casa, comprometendo-se
com o proprietário a desapropriá-la, se fosse eleito. Depois da desapropriação, feita logo no início de seu
mandato, o prefeito procurou o órgão estadual de preservação, o qual, na época, estava sob a direção do
autor deste livro, que teve, assim, a oportunidade de orientar a restauração e a adaptação do imóvel para
conservar e expor a coleção de armas de Ozires Stenghel Guimarães.
76 O teatro integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1969, quando foi
inscrito no Livro do Tombo Histórico. Em 1985, foi tombado pelo Iphan (Livro do Tombo de Belas
Artes). Além dele, há sete teatros protegidos por tombamento federal.
77 Conta-se que que o que mais impressionou Dom Pedro II, qaundo visitou o local em 1880, foi a
biblioteca do teatro, que contava com mais de 1.500 obras seletas.
78 Segundo as crônicas, o espetáculo marcou época, principalmente pela atuação da atriz espanhola Pepa
Ruiz. Consigne-se, a bem da verdade, que o espetáculo inaugural se deveu unicamente à iniciativa do
engenheiro Francisco Therezio Porto, considerado autor do projeto do teatro e amante das artes cênicas.
79 Durante a restauração (1975-1976), foi encontrada uma peça de arremate superior dos camarotes com
inscrições a lápis. Uma delas era a representação de dois corações transpassados por uma flecha, com os
nomes Benedito e Alice. A outra registrava um nome, profissão e data: “Isaías Lima Cruz, carpinteiro, 1876”.
Tudo indica que se trata de quem executou o trabalho de arremate dos camarotes, tipo de serviço que é
realizado no final da obra. Não deixa de ser curioso o fato de se encontrar a inscrição justo um século depois.
80 O projeto e as obras de restauração foram coordenados pelos arquitetos Cyro Corrêa de Oliveira Lyra
e José La Pastina Filho.
81 O contorno das paredes dos fundos dos camarotes foram reconstituídas com base em marcas no forro,
e as divisórias entre elas, em estudos de visibilidade.
82 As bandeiras das esquadrias da fachada foram refeitas com base em fotografias dos anos 1930, e o
forro treliçado de madeira, da plateia, reconstruído com base nos vestígios de pregação das ripas nas linhas
baixas da estrutura e em testemunhos orais.
83 Diga-se de passagem que mesmo os usos eventuais não adequados, como as cerimônias de formatura,
têm um aspecto positivo, pois indicam que o local é o ambiente preferido pela comunidade para um evento
de caráter comemorativo.

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Notas | 257

84 Ney Braga (1917-2000) foi prefeito de Curitiba, governador do Paraná e duas vezes ministro,
ocupando a pasta da Agricultura, no governo de Castelo Branco, e a da Educação e Cultura, na gestão de
Ernesto Geisel. A biblioteca foi transferida mais tarde para outro imóvel, passando sua casa natal a abrigar
o Memorial Ney Braga.
85 Ficou conhecida com esse nome por causa da cor de suas paredes externas. A desapropriação foi a
fórmula encontrada pelo prefeito para salvá-la após o falecimento de sua proprietária, já que a intenção
dos herdeiros era demolir o imóvel. Depois de restaurada em 1981, sob a supervisão do arquiteto Cyro
Corrêa Lyra, passou a abrigar o Centro de Artesanato Aloísio Magalhães, destinado à exposição e à venda
do artesanato regional.
86 Artista plástico e designer, Aloísio Magalhães (1927-1982) assumiu a direção do Iphan em março
de 1979. Faleceu aos 55 anos, menos de três anos depois de sua posse. Durante sua curta gestão,
foi criada, em novembro de 1979, a Fundação Nacional Pró-Memória, como órgão operacional da
ação de preservação do patrimônio em nível federal, cabendo ao Sphan a função normativa. Esse
binômio funcionou até o ano de 1990, quando foi extinta a fundação. Sérgio Augusto Leoni tinha
muita admiração por ele, razão pela qual batizou com seu nome o centro de artesanato, logo após o
falecimento do presidente da Fundação Nacional Pró-Memória. Ver Anexo 3: depoimento de Sérgio
Augusto Leoni sobre Aloísio Magalhães.
87 Nessa casa, em 1894, foi assinada a capitulação da cidade, razão pela qual o imóvel foi tombado em
1938 pelo Sphan.
88 LA PASTINA FILHO, José. Investimentos municipais na preservação do patrimônio cultural da
cidade da Lapa, PR, cit.
89 Id.
90 Id.
91 O arrasamento do Morro do Castelo data da segunda década do século XX. Além de monumentos
como o Forte de São Sebastião e o Colégio dos Jesuítas, perdeu-se o marco referencial da fundação do
Rio de Janeiro, o sítio escolhido por Mem de Sá para edificar a cidade. Quanto ao desmonte do Morro
de Santo Antonio, 30 anos depois, graças ao Sphan, uma parte não foi arrasada, para salvamento do
convento franciscano, monumento tombado em 1938.
92 O Monumento aos Mortos, projeto dos arquitetos Marcos Konder Reis Netto e Helio Ribas Marinho,
foi tombado pelo Iphan em 2012. O MAM foi projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909-1964).
93 O Parque do Flamengo resulta do trabalho de três arquitetos: Lota Macedo Soares (1910-1967),
assessora do governador Carlos Lacerda, a quem se deve a ideia da criação do parque, Roberto Burle Marx
(1909-1994), autor da concepção paisagística, e Affonso Eduardo Reidy, que desenvolveu o projeto dos
equipamentos, entre os quais se destacam, por seu desenho, as passarelas sobre as pistas para travessia de
pedestres.
94 O pedido de tombamento partiu do governo do então estado da Guanabara. O bem inscrito é assim
descrito no Livro do Tombo: “A área do Parque do Flamengo tal como foi representada na planta anexa
ao Processo no 748-T64 desta repartição, incluindo no tombamento a área marítima em toda a extensão
do Parque, até 100 metros da praia”.
95 A marina era prevista no projeto do parque, mas só foi implantada em 1976, segundo projeto do
arquiteto Amaro Machado e equipe, da qual fazia parte o arquiteto português Duarte Belo, especializado
em infraestrutura náutica.

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96 Os quiosques ao longo da via demandavam a construção sobre a areia de uma plataforma de concreto
armado de planta trapezoidal. Entretanto, quando algumas bases já estavam construídas, o órgão estadual
de proteção do meio ambiente embargou as obras por considerar o projeto danoso à natureza. As
plataformas prontas foram, então, demolidas.
97 O porto do Rio de Janeiro foi inaugurado em 2010.
98 Projeto elaborado pelo escritório Bernardes + Jacobsen.
99 Implantado sobre o Píer Mauá e projetado pelo arquiteto Santiago Calatrava.
100 O Mercado Central da Praça Quinze foi inaugurado em 1907, pelo prefeito Pereira Passos. À
semelhança dos mercados de Manaus e de Belém, era constituído por pavilhões de estrutura metálica pré-
fabricada importada da Europa.
101 O conjunto de prédios compreendia, além desse, as antigas sedes dos Ministérios do Trabalho, da
Guerra e da Marinha, bem como o edifício da Imprensa Nacional e o da Alfândega.

Parte III – Revitalização na obra de arquitetura


Capítulo 5
1 Projeto de restauração e adaptação para hotel de autoria do arquiteto Fernando Machado Leal.

2 Projeto de restauração e adaptação para hotel de autoria do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo.

3 Lúcia Falkenberg, falecida em 1997, solicitou o tombamento do imóvel em 1973, com receio de que
os planos urbanísticos para Niterói, que estavam sendo estudados, mutilassem a chácara ao promover
o alargamento da via pública. O Iphan acatou o pedido, tendo em vista as qualidades arquitetônicas e
paisagísticas do imóvel, inscrevendo o bem no Livro do Tombo das Belas Artes.

4 RIBEIRO, Paulo Eduardo Vidal Leite. A vida de uma chácara romântica, de Palacete Bartholdy a Solar do Jambeiro.
1998. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1998. p. 195.

5 Essa experiência é analisada no capítulo 7.

6 O que se questionava era o primado, na política do Iphan, do patrimônio material, particularmente


do edificado, ao qual Aloísio Magalhães se referia como “monumentos de pedra e cal”. Em sua gestão,
embora curtíssima, o patrimônio imaterial começou a ter importância maior no âmbito da instituição.

7 Trecho do depoimento prestado por Aloísio Magalhães em 23 de abril de 1981, na terceira reunião
da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados. In: MAGALHÃES, Aloísio. E
triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Roberto
Marinho, 1997. p. 189.

8 Na época, os bens tombados nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul eram fiscalizados
pelo 4o Distrito do Iphan, sediado em São Paulo.

9 A primeira obra executada pelo autor deste livro sob a orientação de Luís Saia foi a restauração do
Forte de Santana, que se estendeu de 1969 a 1970. Quando se iniciaram os trabalhos, o monumento

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não apresentava mais cobertura e estava invadido por indigentes. A desocupação e a transferência das
famílias foram feitas pelo setor de assistência social do município, iniciando-se, em seguida, as obras de
restauração. Somente anos depois da conclusão das obras, definiu-se a reutilização do monumento como
Museu de Armas, sob a administração da Polícia Militar. Hoje, o monumento encontra-se vazio: o acervo
de armaria foi transferido para uma edificação construída nas proximidades para essa finalidade.

10 Luís Saia traçou um plano no qual propunha a utilização das fortalezas costeiras como centros de
pesquisa oceanográfica, destinando à Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Santa Catarina, o
papel de sediar a coordenação dessa rede. Acreditava que as universidades federais poderiam realizar esse
trabalho, o que, além de contribuir para o conhecimento científico do litoral do país, garantiria a utilização
dos fortes desativados, propiciando sua conservação. Esse plano foi transmitido a mais de um reitor,
mas não se concretizou. O uso pela comunidade científica não ocorreu nem em Santa Catarina, embora
na década de 1980 as quatro principais fortificações catarinenses tenham sido cedidas à Universidade
Federal, que as mantém como locais de visitação turística.

11 Trecho do depoimento de José Ferrão Castelo Branco a José La Pastina Filho, Cyro Corrêa Lyra e
Marta d’Emery, em maio de 1999. In: CADERNOS Técnicos n. 2 – Grupo Tarefa – Iphan/Programa
Monumenta/BID. Brasília, 2001. p. 40.

12 Durante o meio século em que trabalhou na Superintendência Regional sediada em Recife, Ferrão
coordenou a execução de obras nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pará, Pernambuco e Rio Grande
do Norte.

13 Das 78 obras conduzidas pelo mestre Ferrão, 56 eram restaurações de igrejas, conventos e capelas.

14 Publicação Sphan/Pró-Memória, n. 30, p. 20, maio-jun. 1984.

15 A restauração, feita com recursos do PCH, constitui um dos melhores trabalhos de restauro conduzidos
pelo mestre Ferrão.

16 Um dos mais belos conventos franciscanos do Brasil, o de João Pessoa, na Paraíba, foi inscrito em 1952
no Livro de Tombo das Belas Artes do Iphan.

17 “Para o restauro dos monumentos valem os mesmos princípios que foram explicitados para o
restauro das obras de arte, isto é, para as pinturas, sejam elas móveis ou imóveis, os objetos artísticos e
históricos, e assim por diante, segundo a acepção empírica que distingue a obra de arte da arquitetura
propriamente dita.” BRANDI, Cesare. Teoria do restauro. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963.
p. 105.

18 “Apesar de tudo, Cesare Brandi, como teórico, é parcial, pois, mesmo sem levar em conta os aspectos
idealistas, já superados, de sua dialética, sua obra se refere somente ao problema da pintura, por mais que
continuamente faça alusão a obras de arte em geral, incluída a arquitetura. Seus aportes, sem dúvida, fazem
dele um autêntico teórico da restauração, que influiu poderosamente no tratamento da pintura.” OLMOS,
Carlos Chanfon. Fundamentos teóricos de la restauración. Ciudad de México: Facultad de Arquitectura,
Universidad Nacional Autónoma de México, 1983. p. 16.

19 HALÉVY, Jean Pierre. Relatório de fim de missão. Programa BID e fortalecimento do Iphan. Iphan, jun.
1998. p. 5.

20 CESCHI, Carlo. Teoria e soria del restauro. Roma: Bulzoni, 1970. p. 45.

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260

21 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 105.

22 Trecho da carta enviada em 5 de abril de 1742 pelo conde de Galveias ao governador de Pernambuco,
Luís Pereira Freire de Andrade. In: RESTAURAÇÃO e revitalização de núcleos históricos: análise face
à experiência francesa. Publicação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília: Ministério da Educação e
Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró-Memória, n.
30, 1980. p. 61. Ver Anexo 4.

23 BAZIN, Germain. L’Architecture religieuse baroque ou Brésil. Paris: Éditions d’Histoire et d’Art/Librairie
Plon, 1956. Tome II, p. 21.

24 Prédio inscrito em 1975 no Livro Histórico de Tombo do Iphan.

25 O projeto executivo envolve arquitetura e instalações, faltando-lhe, porém, o estrutural, embora a


intervenção proposta incluísse a abertura de vãos em paredes portantes.

26 Acredita-se que o que foi feito nas celas da Casa de Câmara e Cadeia de Icó vai passar para a história
da preservação arquitetônica como um exemplo de abuso do monumento. Além do erro de destinar os
espaços a uma função para a qual não tinham vocação, constata-se a imprevisão com que se abriram as
passagens entre celas, através de paredes de 1,10 metro a 1,60 metro de espessura, feitas com alvenaria de
tijolo, sem nenhuma amarração sobre os novos vãos. Os resultados da imprevisão, na época em que o autor
deste livro visitou o edifício, eram fissuras já visíveis no topo das aberturas.

27 Do ponto de vista técnico, os romanos eram detentores de maior conhecimento sobre a construção de
coberturas não só por empregarem abóbadas, mas também pelo uso de tesouras a tração, que viabilizavam
vãos de mais de 20 metros, enquanto os gregos só conheciam tesouras a compressão, ficando limitado o
interior dos templos a não mais do que 10 metros de vão-livre.

28 COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura. In: ____. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo:
Empresa das Artes, 1995. p. 110.

29 MENEZES, José Luiz Mota. Usos do solo e da edificação em Olinda e no Recife. In: Comunicações do
Seminário Internacional Caminhos da Preservação II: usos do patrimônio. São Paulo: Icomos/Brasil, 1998. p. 45.
(Cadernos do Icomos/Brasil, v. 2).

30 No Brasil, projeto similar foi feito em Belém e está sendo desenvolvido, no Rio de Janeiro, o projeto
Porto Maravilha, de que tratamos no capítulo anterior.

31 MENEZES, José Luiz Mota. Op. cit., p. 45.

32 Refere-se à arquiteta Luciana Menezes, autora do projeto.

33 MENEZES, José Luiz Mota. Op. cit., p. 46.

34 Foi tombado em 1997 por decreto municipal, com a denominação de Palacete Seabra.

35 O Castelinho foi tombado em 1985 por decreto municipal. Nele funciona o Centro Cultural Oduvaldo
Vianna Filho.

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Notas | 261

Capítulo 6
1 O número de fortificações erguidas naquele período não foi ainda precisado, sendo estimado em algumas
centenas de construções. Desse patrimônio, um pouco mais de uma centena subsistiu.
2 Sobre as fortificações construídas e as que chegaram ao século XX, existem alguns trabalhos, entre os
quais destacamos: GARRIDO, Carlos Miguez. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1940;
BARRETO, Annibal. Fortificações do Brasil: resumo histórico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958;
AZAMBUJA, Diocleciano. Evolução das fortificações brasileiras. Brasília: Ministério da Cultura/Fundação
Nacional Pró-Memória, 1984; CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de bronze,
homens de ferro: fortificações do Brasil de 1504 a 2006. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Exército Brasileiro,
2009. v. 1 (Rio de Janeiro), v. 2 (Regiões Norte e Nordeste).
3 Felizmente, depois do Forte de Copacabana, não se construiu nenhuma fortificação, pois a falta de
serventia militar das praças fortificadas seria comprovada três décadas depois, durante a Segunda Guerra
Mundial.
4 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Unesp, 2001. p. 18.
5 De acordo com Aloïs Riegl: “O monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi
pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não, desde o princípio, desejado
(ungewollte) e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do
amante da arte [...]”. Apud: CHOAY, Françoise. Op. cit., p. 25.
6 Em visita feita à Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, em 1994, o autor deste livro presenciou a
apresentação da história do monumento por um major investido da função de guia turístico. Em sua
exposição, ele apontou alguns espaços como locais utilizados para a execução de prisioneiros, com
requintes de selvageria. A intenção evidente do “guia” era cativar seu auditório por meio do relato de
detalhes sanguinários, destituídos de qualquer embasamento histórico. Soubemos depois que a incrível
narrativa é repetida para todos os visitantes, isto é, consiste no discurso-padrão com o qual se apresenta
um dos monumentos de arquitetura militar mais notáveis do Brasil.
7 Reis Magos, no Rio Grande do Norte, Orange e Tamandaré, em Pernambuco, Monte Serrat, Santa
Maria, Santo Antônio da Barra e São Paulo, na Bahia.
8 Santa Cruz, São José, Santo Antônio, Nossa Senhora da Conceição e Santana.
9 Príncipe da Beira, em Rondônia, e Coimbra, no Mato Grosso do Sul.
10 Santa Tecla, em Bagé, e Caçapava, em Caçapava do Sul.
11 A visita às fortalezas de Santa Cruz e Santo Antônio é por via marítima, pois estão implantadas em
pequenas ilhas, respectivamente, as ilhotas de Anhatomirim e de Ratones. Não há linhas regulares de
transporte para elas, mas empresas que levam os turistas em escunas. Estas passam ao largo de Santo
Antônio e os passageiros desembarcam em Santa Cruz. A visita dura 45 minutos, pois as empresas têm
interesse em reduzir o tempo de permanência ao mínimo para conduzir os turistas de volta ao continente
e iniciar uma nova excursão. O acesso à Fortaleza de São José é muito mais fácil, pois está situada no
continente. Em 1986, 3.500 pessoas visitaram as três fortificações. Quatro anos depois, em 2000, foram
contabilizados 270 mil visitantes, número recorde até 2004.
12 Em uma delas chegou a funcionar um restaurante, mas atualmente todos os prédios estão vazios. Vale
lembrar que, nos termos do Convênio no 760/002/90, assinado entre a Marinha e a Universidade Federal
de Santa Catarina, incluem-se entre as obrigações da universidade promover a recepção turístico-educativa,

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estabelecer bases de pesquisa oceanográfica e desenvolver pesquisas vinculadas aos programas de proteção
ambiental.
13 A linha de Tordesilhas havia sido transposta no século XVII, no interior do continente, pelos
bandeirantes e, no litoral, pelos portugueses, com a fundação de Laguna, Porto Alegre e a Colônia do
Sacramento, na bacia do rio da Prata.
14 Esse levantamento, feito com a participação de estudantes de arquitetura da Universidade Federal do
Paraná, atendeu a um pedido do, então, 4o Distrito do Sphan. Para sua execução, o diretor do Departamento
de Turismo de Florianópolis, Armando Gonzaga, viabilizou a limpeza e o desmatamento da ilha por
presidiários, tal era o estado de abandono em que se encontrava o monumento. Gonzaga tornou-se, a
partir de então, o principal colaborador do Iphan no estado de Santa Catarina, coordenando anos depois
um mutirão de voluntários para limpeza de outra ilha, a de Ratones Grande, onde está o Forte de Santo
Antônio. Ver: LYRA, Cyro Corrêa. A arquitetura da fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim. Arquivos,
Curitiba: Centro de Estudos Portugueses, p. 15, 1971; LYRA, Cyro Corrêa. Barroco na arquitetura militar
de Santa Catarina. Revista Barroco, Belo Horizonte, n. 12, p. 285-290, 1983.
15 As restaurações realizadas de 1970 a 1981 foram coordenadas pelo autor, contando ainda com a
participação do arquiteto José La Pastina Filho e do então estudante de arquitetura Dalmo Vieira Filho na
execução das obras do quartel e casa do comandante.
16 A imponência e o requinte da arquitetura do quartel, comprovados nos desenhos de planta e fachada
guardados no Arquivo Ultramarino, não têm similar nas edificações congêneres das demais fortificações
brasileiras. Além disso, é sintomático que se tenha preservado somente o projeto desse edifício, entre todos
os que foram construídos na fortaleza, deixando-nos a impressão de que a função original do prédio não
era alojar apenas militares, mas também outras pessoas com missões relevantes para o governo português.
Ver: LYRA, Cyro Corrêa. A arquitetura da fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, cit.
17 Publicado por Robert Smith. Ver SMITH, Robert. Alguns desenhos de arquitetura existentes no
Arquivo Histórico Colonial Português. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 4, p. 229, 1940.
18 Publicado em: MORI, Victor Hugo; LEMOS, Carlos Cerqueira; CASTRO, Adler Homero de. Op.
cit., p. 164.
19 Ibid., p. 165.
20 MORI, Victor Hugo; LEMOS, Carlos Cerqueira; CASTRO, Adler Homero de. Arquitetura militar:
um panorama histórico a partir do Porto de Santos. São Paulo: Imprensa Oficial/Fundação Cultural do
Exército Brasileiro, 2003. p. 177.
21 Em 1996, a fortaleza foi incluída na lista indicativa de Angola para o Patrimônio Mundial da Unesco.
22 SILVESTRE, Brigadeiro António Francisco. Projecto de Aproveitamento Museológico e Turístico da Fortaleza de
São Miguel. Luanda,11 jul. 2001, p. 4. (Relatório).
23 O projeto foi elaborado sob a coordenação do arquiteto Alfred Willer e contou com a consultoria do
arquiteto Cyro Corrêa Lyra e da engenheira Silvia Puccioni.
24 Sobre evolução, características e distribuição das casas de câmara e cadeia no Brasil, ver: BARRETO,
Paulo Tedim. Casas de câmara e cadeia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 11, p. 9-195,
1947.
25 BARRETO, Paulo Tedim. Op. cit., p. 19.

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Notas | 263

26 O monumento foi inscrito em 1954, já como museu, nos Livros do Tombo das Belas Artes e Histórico
do Iphan.
27 O Panteão data de 1942 e é um dos espaços mais atraentes do museu, pela beleza alcançada por
um tratamento moderno e despojado. Foi projetado pelo arquiteto José de Souza Reis, funcionário do,
então, Sphan.
28 Os Autos da Devassa são os processos instaurados pela Coroa portuguesa contra as pessoas denunciadas
pelo crime de conspiração contra o governo português.
29 Foi inscrita em 1951 no Livro do Tombo das Belas Artes do Iphan.
30 A palavra paço, abreviatura de palácio, foi usada na designação de edifícios suntuosos não só de função
governamental, como o Paço do Saldanha, em Salvador, que era uma residência senhorial.
31 O projeto do palácio dos governadores de Belém foi elaborado pelo arquiteto italiano Giuseppe
Antonio Landi (1713-1791), assim como o projeto das igrejas do Carmo, Nossa Senhora dos Homens
Pretos e Santana, do arsenal, do teatro e do hospital militar, na capital do Pará.
32 CAVALCANTI, Lauro. Arquitetura brasileira nos séculos XIX e XX. In: BUENO, Alexei; TELLES,
Augusto da Silva; CAVALCANTI, Lauro. O patrimônio construído: as 100 mais belas edificações do Brasil.
São Paulo: Capivara, 2003. p. 292.
33 Os palácios do Brasil colonial não têm mais uso administrativo: o dos governadores, em Ouro
Preto, abriga a Escola de Minas e o do Rio de Janeiro, um centro cultural. Os palácios construídos
no período imperial – o da Quinta da Boa Vista e o de Petrópolis –, bem como o do Catete, que foi
sede do governo da república até 1960, são museus há muitos anos. Os palácios provinciais não fogem
à regra: o de Manaus, extremamente degradado por adaptações desrespeitosas, foi restaurado para ser
convertido em Museu Histórico da Cidade. Entretanto, há exceções relevantes, como o Palácio Antônio
Lemos, antigo Paço Municipal de Belém. Esse edifício, que data do final do século XIX, foi restaurado
entre 1992 e 1993 para continuar a abrigar a sede do governo municipal e também o Museu de Arte
de Belém.
34 A edificação integra o patrimônio histórico e artístico nacional desde 1938, quando foi inscrita nos
Livros do Tombo de Belas Artes e Histórico.
35 O palácio de Salvador foi totalmente modificado e o de Ouro Preto é um edifício de arquitetura mista
(residência e fortificação), como observou Pedro Calmon, “próprio para uma povoação ameaçada de
revoltas populares, daí o seu feitio castrense”. CALMON, Pedro. Paço Imperial: história e ressurreição de
um palácio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 20, p. 135, 1984.
36 O projeto e a execução das obras foram coordenados pelo arquiteto Glauco Campello, tendo como
consultores os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José de Souza Reis. Os trabalhos de arqueologia foram
conduzidos pelas arqueólogas Edna Morley, Catarina Ferreira da Silva e Regina Coeli Pinheiro da Silva.
Todos eram, na época, funcionários da Fundação Nacional Pró-Memória.
37 Sobre a restauração do Paço, ver artigos na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 20, 1984:
CAMPELO, Glauco. A restauração do Paço: revendo 240 anos de transformação (p. 139); LYRA, Cyro. O
novo Paço: uma obra para debates (p. 152); REIS, José de Souza. Estudos preliminares para a restauração
do Paço (p. 155); SILVA, Regina Coeli Ribeiro da; MORLEY, Edna; SILVA, Catarina Ferreira da. A
pesquisa arqueológica no Paço: primeiras notas (p. 158).
38 Foi fundamental para a interpretação das transformações ocorridas no monumento e conhecimento de
suas causas a colaboração permanente do historiador Gilberto Ferrez.

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39 FERREZ, Gilberto. A praça XV de Novembro, antigo Largo do Carmo. Rio de Janeiro: Riotur, 1978.
40 Tudo indica que Alpoim não destruiu os Armazéns e a Casa da Moeda, mas aproveitou, no mínimo,
sua estrutura murária, pois na representação cartográfica de Massé vê-se que o retângulo é subdividido por
linhas que correspondem aproximadamente às principais paredes divisórias do pavimento térreo do Paço.
Ao nosso ver, Alpoim teria modificado principalmente o exterior do prédio, conferindo-lhe aspecto mais
condizente com sua nova função de Casa dos Governadores.
41 FERREZ, Gilberto. A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: iniciativa de
Castro Maya. Paris: M. Moillot, 1965.
42 FERREZ, Gilberto. As primeiras telas paisagísticas da cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 17, p. 219, 1969.
43 FERREZ, Gilberto. O Brasil de Thomas Ender, 1817. Rio de Janeiro: Fundação João Moreira Salles, 1976.
44 DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins, 1940. p. 264-265.
45 Ibid., p. 80.
46 Não só os aspectos da arquitetura monumental foram destacados. Revelaram-se também as fases mais
remotas da história desse edifício, como os testemunhos que restaram da Casa da Moeda e dos Armazéns
del Rei: os fornos da antiga fundição de ouro, bem como grande quantidade de peças, resgatadas no
pavimento térreo.
47 A constituição multidisciplinar da equipe técnica e a preocupação de seus membros com o
aprofundamento teórico dos problemas levaram a um processo decisório baseado na discussão das ideias
à luz dos modernos conceitos de preservação.
48 O torreão que se sobrelevava na fachada sul, por exemplo, não foi reconstruído, embora houvesse
indicações bem detalhadas de paisagens feitas do alto do morro do Castelo.
49 A inserção de tubulações de ar-condicionado, que é vetada na maioria dos monumentos pelo prejuízo à
fruição dos espaços internos, não chegou a prejudicar o ambiente interno do paço. As tubulações deixadas
à vista não entraram em conflito com espaços que, outrora, abrigaram os vice-reis e os imperadores Dom
João VI, Pedro I e Pedro II. Contribuiu para isso a nudez das paredes caiadas e a rusticidade dos tetos de
barrotes e dos pisos de pedra, receptivos, sem dúvida, aos dutos metálicos, o que não ocorreria em um
ambiente com paredes ou forros artisticamente trabalhados.
50 CAMPELO, Glauco. Op. cit., p. 142.
51 Vale lembrar que logo após a proclamação da república foi discutida, na esfera de governo, a ideia de
demolição do paço, por se tratar de um símbolo da monarquia, seguindo o triste exemplo do que foi feito
um século antes pelos revolucionários franceses.
52 Um ano depois de concluídas as obras, o Paço Imperial tornou-se um centro cultural vinculado ao
Iphan. Quatro anos depois, foi inaugurado, a duas quadras do paço, o Centro Cultural Banco do Brasil,
instalado em um edifício eclético do final do século XIX, projetado por Francisco Joaquim Béthencourt
da Silva (1831-1912). Em 29 de março de 1990, o Iphan concluiu a restauração da antiga praça do
Comércio, projetada por Grandjean de Montigny, e contígua ao Centro Cultural do Banco do Brasil.
Ali passou a funcionar a Casa França-Brasil. Três anos depois, foi inaugurado, nas imediações, o Espaço
Cultural dos Correios, instalado em um edifício de arquitetura eclética.
53 O Paço da Liberdade integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1966,

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Notas | 265

quando foi inscrito no Livro do Tombo Histórico sob a denominação Antigo Paço Municipal. Em 1984,
foi inscrito no Livro do Tombo de Belas Artes, passando a integrar o patrimônio histórico e artístico
nacional.
54 Desse projeto, coordenado por Cyro Corrêa Lyra, participaram o arqueólogo Oldemar Blasi, então
diretor do Museu Paranaense, o historiador Newton Carneiro (ambos já falecidos), a museóloga Lygia
Martins Costa, do Iphan, os arquitetos Abrão Assad e Key Imaguire Júnior e a restauradora Maria Ester
Teixeira Cruz.
55 Esse novo projeto foi também coordenado pelo autor deste livro. Dos técnicos que participaram do
trabalho anterior, só dois voltaram à cena: o arquiteto Abrão Assad e a restauradora Maria Ester T. Cruz.
Os demais integrantes da equipe foram os engenheiros Silvia Puccioni e Geraldo Filizola, o biólogo,
especialista em xilófagos, Nedson Araújo Silva, o restaurador Carlos Alberto T. Cruz, a museóloga Sinara
Martins Araújo e os arquitetos Maria Lúcia Vianna Baptista Borges, Junno da Matta e Márcio Innocenti.
56 O essencial dessas considerações foi exposto no último Colóquio do Comitê Brasileiro de História da
Arte. Ver: LYRA, Cyro Corrêa. O Paço da Liberdade: limitações à reciclagem de um monumento eclético.
In: PEREIRA, Sonia Gomes; CONDURU, Roberto (Orgs.). Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de
História da Arte. Rio de Janeiro: CBHA/UERJ/UFRJ, 2004. p. 151.

Capítulo 7
1 Os muxarabis eram janelas fechadas por treliçados de madeira. Como o próprio nome indica, esse tipo
de fechamento tem origem moura e seu uso foi proibido na época da vinda de Dom João VI ao Brasil. Em
razão dessa proibição, restaram no país apenas três casas com esse detalhe arquitetônico.
2 Grandjean de Montigny foi o único arquiteto integrante da Missão Francesa que veio ao Brasil em 1816,
por iniciativa do governo de Dom João VI. Além da sua casa, ele projetou outros edifícios, como o da
antiga Bolsa do Comércio, no Rio de Janeiro, também protegida por tombamento, que abriga hoje a Casa
França-Brasil.
3 Só em 1938 foram tombados os conjuntos urbanos de Congonhas, Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes,
em Minas Gerais.
4 Entende-se que o tombamento individual abrange a proteção do exterior e do interior da edificação,
ao passo que a proteção das casas situadas em conjuntos tombados inclui apenas seu tratamento externo.
5 Houve duas reuniões dos governadores com o governo federal para tratar da participação dos estados:
a primeira em 1970, em Brasília, e a segunda um ano depois, em Salvador. A maioria das unidades da
federação conta hoje com seus órgãos de proteção apoiados por legislação específica.
6 Sobre a inserção de espaços de serviço, ver: LEMOS, Carlos. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1978.
7 COSTA, Lucio. Depoimento de um arquiteto carioca. In: Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre:
Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. p. 175.
8 Sua restauração e adaptação, executada de 1982 a 1988, foi coordenada pelo arquiteto e pintor Diógenes
de Almeida Rebouças (1914-1994). Além de diversos projetos de arquitetura moderna e da restauração do
Solar Berquó, Rebouças respondeu pela recuperação do Paço do Saldanha, pela revitalização do Mosteiro
de São Bento, ambos em Salvador, e pela instalação do Museu Hansen em um sobrado da cidade de
Cachoeira, na Bahia.

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9 A casa, assim como o mobiliário, alfaias, peças de indumentária e demais bens, foi inscrita em 1952 no
Livro do Tombo Histórico do Iphan.
10 A Casa Lacerda foi inscrita em 1938 no Livro do Tombo Histórico do Iphan por ter sido palco da
assinatura da capitulação dos revolucionários de 1893-1894.
11 Integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1981, quando foi inscrito no
Livro do Tombo.
12 Esse plano foi elaborado em 1970 sob a coordenação de Cyro Corrêa Lyra. Constituiu um dos
primeiros projetos urbanísticos desenvolvidos pelo IPPUC, órgão de planejamento municipal criado com
o objetivo de implantação do Plano Diretor.
13 O arquiteto Jorge Wilheim, que se notabilizou como urbanista, nasceu na Itália em 1928 e imigrou
para o Brasil em 1939. Formou-se em arquitetura pela Universidade Mackenzie. Faleceu em fevereiro de
2014, em São Paulo.
14 LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba. Curitiba: IPPUC, 1970.
15 Sobre o assunto, ver: LACERDA, Maria Thereza B.; LIMA, Maria de Lourdes Freitas. O Palacete
Wolf. Revista da Fundação Cultural de Curitiba, n. 1, p. 47-49, s. d.
16 Conforme levantamento feito por Maria Thereza Lacerda, há documentação sobre os seguintes usos:
colégio, em 1886; quartel da polícia provincial, em 1887; residência, em 1889; quartel-general do 5o
Distrito do Exército, em 1893, durante a Revolução Federalista; dois colégios, na primeira década do
século XX; sede da Prefeitura e Câmara Municipal, no biênio 1912-1913; moradia, de 1914 a 1956; uso
misto de residência e comércio até 1974. LACERDA, Maria Thereza B.; LIMA, Maria de Lourdes Freitas.
Op. cit., p. 47-49.
17 A simetria é geralmente evidenciada pelo realce dado ao eixo central, que é marcado por elementos
singulares, os quais, nos casos mais singelos, resumem-se a uma porta de entrada, mas, nos exemplos
mais elaborados, apresenta-se como uma sequência formada pelo vão da entrada, por um balcão com sua
respectiva porta no pavimento superior e por um coroamento de desenho clássico, consistindo geralmente
em um frontão triangular.
18 Sobre as características do palacete e sua restauração, ver: LYRA, Cyro Correa. A arquitetura. Revista da
Fundação Cultural de Curitiba, n. 1, p. 50-51, s. d.
19 A técnica de enxaimel foi empregada nos fundos do sobrado, mas, diferentemente do que em geral se
observa na construção alemã do vale do Itajaí, a estrutura de madeira está oculta pelo reboco. Originalmente
denominada farwerke, a técnica de enxaiméis é um sistema construtivo em que se utilizam estruturas de
madeira e vedações de alvenaria de tijolo. Foi pouco utilizada em Curitiba, apesar de muito difundida em
Santa Catarina, no vale do Itajaí. O exemplar mais interessante em Curitiba foi demolido: a antiga Igreja
Evangélica Luterana. Recém-construída, já apresentava lesões, razão pela qual foi derrubada.
20 A autoria do projeto e a coordenação das obras de restauração foram de responsabilidade do autor
deste livro e do arquiteto José La Pastina Filho.
21 Nesse segundo projeto, diferentemente do trabalho feito em 1974, nossa participação não se limitou
à arquitetura. Atendendo a convite do IPPUC, coordenamos o projeto arquitetônico e os projetos
complementares, entregues a especialistas renomados. Além das arquitetas Maria Lúcia Borges e Letícia
Nardi, participaram consultores nas áreas de restauração estrutural, combate e controle de termitídeos,
hidráulica, eletricidade, lógica e telefonia.

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Notas | 267

22 No projeto, indicou-se que no sótão fosse alojado o setor de Programação Visual da FCC, cujo
mobiliário compunha-se principalmente de pranchetas e mesas para computação. Especificou-se ainda
que móveis normalmente pesados, como arquivos e mapotecas, deveriam ser dispostos espaçadamente ao
longo das paredes, não podendo ser colocados no eixo central.
23 Durante o desenvolvimento do projeto, o autor deste livro teve ocasião de entrevistar alguns funcionários
e constatar grande interesse na recuperação do palacete e um sentimento afetivo semelhante ao que nutre
uma pessoa em relação a sua casa. Quanto ao público, verificou-se que nos dias de semana havia uma
frequência relativamente grande à livraria da fundação e, nos fins de semana, o movimento direcionava-se
às exposições e ao teatro infantil que funcionava no pátio interno.
24 Incluiu-se no projeto um manual de conservação preventiva com orientação sobre o uso dos espaços e
as medidas de manutenção necessárias.
25 Os órgãos estaduais têm contribuído para a proteção legal: no estado do Rio de Janeiro, o Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) tem registradas em seus livros 21 propriedades rurais em um
acervo de 369 bens imóveis, ou seja, 5,69% do total; em São Paulo, o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) tombou 37 imóveis rurais (incluindo-se
nesse total os bens rurais protegidos pelo Iphan e três ruínas de antigos engenhos) em um universo de 314
bens imóveis, ou seja, 11,78% do total.
26 Mais recentemente, foram editadas as obras: Arquitetura do açúcar, da arquiteta Esterzilda Berenstain de
Azevedo (São Paulo: Nobel, 1990), O vale do Paraíba e a arquitetura do café, de Augusto Carlos da Silva Telles
(Rio de Janeiro: Capivara, 2006), Carnaúba, pedra e barro na capitania de São Jose do Piauhy, de Olavo Pereira da
Silva (Belo Horizonte: Editora do Autor, 2007), e Fazendas do sul de Minas Gerais, de Cícero Ferraz Cruz
(Brasília: Iphan/Programa Monumenta, 2010).
27 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995. p. 77.
28 No município de Campos, o Iphan tombou quatro propriedades rurais, das quais duas estão sem uso.
29 GOMES, Geraldo. Engenho & arquitetura. 2. ed. Recife: Fundação Gilberto Freyre, 1998. p. 23.
30 AZEVEDO, Esterzilda Berenstain. Op. cit., p. 35.
31 GOMES, Geraldo. Op. cit., p. 23.
32 FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961. p. 36.
33 Id.
34 GOMES, Geraldo. Op. cit., p. 43.
35 Um dos poucos exemplares remanescentes encontra-se na Fazenda da Machadinha, em Quissamã,
estado do Rio de Janeiro.
36 Luís Saia estudou essa arquitetura, tendo identificado a existência de 12 exemplares localizados nos
municípios de São Paulo, São Roque e Sorocaba. Ver: SAIA, Luís. Notas sobre a arquitetura rural paulista
do segundo século. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8, p. 211-275, 1944. Esse trabalho foi
reeditado com outros ensaios de Luís Saia. Ver: SAIA, Luís. Morada paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972.
37 PARENT, Michel. Protection et mise em valeur du patrimoine culturel brésilien dans le cadre du développement touristique
et économique. Relatório elaborado para a Unesco, 1968. p. 46.
38 “[...] as fazendas do século XVII constituem um testemunho da civilização específica brasileira. Essas
fazendas não têm, arquitetonicamente e sociologicamente falando, equivalente na Europa.”

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39 A Pau-d’alho é uma das sedes mais antigas das fazendas de café do estado de São Paulo e a casa do
Sítio de Santo Antônio, construída por volta de 1640, é um dos mais belos exemplos de casa bandeirista
brasileira. Ambas são tombadas como patrimônio histórico e artístico nacional.
40 A erva-mate, nativa do sul brasileiro, já era conhecida e consumida pelos povos indígenas que habitavam
a região. Os jesuítas aperfeiçoaram a técnica de cultivo e preparo da planta e difundiram o consumo do
chá de mate.
41 O registro de 41 antigos engenhos de açúcar, situados nos estados de Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro, publicado em Antigos engenhos de açúcar no Brasil, revela que a maioria (30 propriedades) manteve a
função original de moradia, sendo usada pela família dos proprietários, embora a atividade econômica,
na maioria das propriedades, fosse diferente da original; cinco foram transformados em centros culturais,
uma tem função administrativa e cinco estão sem uso e em diferentes níveis de degradação.
42 O arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles fez um levantamento de 43 propriedades localizadas no vale
do Paraíba, estado do Rio de Janeiro, e na zona da Mata, em Minas Gerais, que divulgou em seu livro O
vale do Paraíba e a arquitetura do café, cit. Entretanto, embora tenha concentrado a produção cafeeira que fez a
riqueza do império, essa região conta com apenas duas fazendas tombadas pelo Iphan e uma pelo Inepac.
43 A Santa Eufrásia é a única fazenda fluminense de cultivo de café tombada pelo Iphan. A propriedade,
incluindo seus bosques e a edificação, com seu mobiliário e alfaias, foi inscrita no Livro do Tombo
Histórico em 1970 e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1979.
44 O Preservale foi criado em 1994 por um grupo que incluía nove proprietários de fazendas, além de
arquitetos, historiadores, pesquisadores, ambientalistas e agentes de viagem.
45 Situadas nos municípios de Quissamã, Campos, São Fidélis e Macaé.
46 Inscrito em 1966 no Livro do Tombo Histórico, com a denominação Sobrado Grande da Madalena.
47 Em 1975, depois de uma restauração iniciada sete anos antes, foi instalado na sede do engenho o 1o
Distrito do então Dphan, responsável pela proteção do patrimônio em toda a região Nordeste. Depois,
progressivamente, foram criadas representações da instituição em outros estados. A partir de 2011, cada
unidade da federação passou a ter uma diretoria estadual do Iphan.
48 O levantamento arquitetônico minucioso das edificações foi coordenado pela arquiteta Mércia Parente.
A engenheira Silvia Puccioni orientou a consolidação dos materiais.
49 Após a inscrição da fábrica no Livro do Tombo Histórico, em 1964, o então Sphan deu início à
restauração de suas edificações, planejando instalar o Museu Nacional de Ferro no local onde funcionara,
outrora, a Oficina de Armas Brancas, projeto que não chegou a se efetivar.
50 REIS FILHO, Nestor Goulart. Guia dos bens tombados: São Paulo. Rio de Janeiro: Exped, 1986. p. 53.
51 Trecho de ferrovia tombado em 1954 como patrimônio nacional.
52 Entre as indústrias têxteis, destacou-se a Companhia Petropolitana de Tecidos, no distrito de
Cascatinha, fundada em 1883. O complexo formado pela fábrica, armazéns, equipamentos diversos e
moradias operárias foi tombado em 1982 como patrimônio histórico nacional.
53 No caso das fábricas desativadas, tem sido comum preservar incólumes apenas as chaminés. Os prédios
são demolidos ou reciclados para novos usos.
54 Mais tarde, as Indústrias Matarazzo diversificaram suas atividades produtivas, incluindo a refinação
de sal, açúcar e banha, destilaria de álcool e aguardente, além de fabricação de pregos, de velas, dos mais

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Notas | 269

variados tipos de óleos, torta de sementes, sabões, inseticidas e perfumes. Possuíam também unidades
de serraria, fundição, serralharia artística, oficinas mecânicas e laboratórios. Os diversos setores eram
interligados por passarelas internas e a produção era escoada por uma linha de trem própria, ligada à
Estrada de Ferro Sorocabana.
55 As chaminés têm altura de 46 a 54 metros e diâmetro externo de 2,60 a 4,40 metros.
56 Antes da difusão do uso do ferro, o shed já era usado em telhados com tesouras de madeira em forma
serrilhada.
57 As telhas eram inicialmente importadas da fábrica Roux Fréres de Marselha, França. Ao longo do
século XIX, começaram a ser feitas no Brasil.
58 KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua
preservação. São Paulo: Ateliê, 1998. p. 221.
59 Id.
60 “A sustentação se refere aos investimentos diretos no patrimônio histórico e artístico que geram benefícios
de conservação e é tarefa de todos os agentes por ele responsáveis, seja o governo, com recursos do tesouro
e outros fundos, seja o proprietário particular ou a parceria entre eles. A sustentabilidade refere-se a
ações que incentivem formas variadas de conservação e preservação, através de articulação da comunidade,
base legal específica ou, ainda, outras formas de atração de investimentos financeiros ou de trabalho.”
CARSALADE, Flávio de Lemos. Patrimônio histórico: sustentabilidade e sustentação. Arquitextos, ano
2, jun. 2001. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/885>. Acesso
em: 15 ago. 2015.
61 “Inaceitáveis relíquias da opressão das condições de trabalho e baixo padrão habitacional.” BINNEY,
Marcus et al. Bright future: the re-use of Industrial buildings. London: Save Britain’s Heritage/The
Department of environment English Heritage/The Baring Foundations, 1990. p. 9-10.
62 Antigo New Concordia Grain Warehouse, conforme: BINNEY, Marcus et al. Op. cit., p. 90.
63 A área construída da antiga fábrica é de 12.211 metros quadrados, e a área construída do conjunto
esportivo é de 11.360 metros quadrados, correspondendo a um total de 23.571 metros quadrados. Em
2002, foram realizadas algumas obras de modernização do restaurante, da choperia e da casa de shows,
adaptando-os às novas necessidades e melhorando o conforto interno. Introduziu-se um tratamento
acústico para a realização de shows noturnos, instalaram-se novo palco e um sistema de exaustão para a
renovação de ar e ampliou-se a cozinha para atender a uma demanda de 1.800 refeições diárias. Todo o
mobiliário existente no conjunto foi restaurado e reaproveitado.
64 Integra o patrimônio histórico e artístico do estado do Paraná desde 1968, quando foi inscrito no
Livro do Tombo Histórico. O tombamento, em nível federal, data de 1985, quando o imóvel foi inscrito
nos Livros do Tombo das Belas Artes e Histórico, incluindo-se também a coleção que constitui o acervo
do Museu do Mate.
65 Engenheiro inglês que viajou pelo interior do Paraná de 1872 a 1873. Era membro de uma comissão
de técnicos contratados para a elaboração dos estudos preliminares relativos à construção da ferrovia que
iria ligar Curitiba a Miranda, no Mato Grosso do Sul.
66 Em 1980, os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho participaram da visita ao engenho
feita por Aloísio Magalhães, então presidente da Fundação Nacional Pró-Memória. O diálogo travado
com o senhor Constantino Marchioratto, já bastante idoso, proprietário do engenho e responsável pela
sua conservação, é apresentado no Anexo 5 deste livro. Vale observar a resposta do Sr. Marchioratto à

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observação do presidente, de que desejava encontrá-lo novamente: “Se não me achar, o Senhor achará aqui
o moinho velho”.
67 O projeto de restauração e adaptação à função museológica, bem como a execução das obras, foi
coordenado pelos arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José La Pastina Filho.
68 Sobre o assunto, ver: LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Guia dos bens tombados: Paraná. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1994. p. 15-16.
69 Na época, o arquiteto Dalmo Vieira Filho coordenava o órgão estadual catarinense de patrimônio, cargo
que deixou em 1990, quando reassumiu a direção da Superintendência Regional do Iphan em Santa Catarina.
70 Dalmo Vieira Filho, a quem cabe a criação e a implantação do museu, em entrevista por e-mail em 27
de maio de 2005. Ver Anexo 7.
71 Id.
72 Na fase de concepção do museu de São Francisco do Sul, Dalmo Vieira Filho fez vários contatos com
o almirante Max Justo Guedes, diretor do Centro de Documentação da Marinha, ao qual se subordina o
Museu Naval do Rio de Janeiro, cujo acervo inclui uma coleção extraordinária de modelos de embarcações
tradicionais brasileiras, organizada no início do século XX pelo almirante Alves Câmara, pioneiro nos
estudos de etnografia naval. Esses contatos incluíram não só o almirante Max Justo Guedes, como o
próprio ministro da Marinha, resultando em apoio daquele ministério à concretização do projeto.
73 Dalmo Vieira Filho coordenou a aquisição dos barcos, ao mesmo tempo que realizava um inventário
das embarcações tradicionais do Nordeste.
74 Cyro Corrêa Lyra participou como consultor na elaboração do projeto de adaptação e montagem
museográfica de 1993 e, seis anos depois, no de renovação da museografia.
75 Ao visitar o museu, a convite do Dalmo Vieira Filho, o navegador Amyr Klink entusiasmou-se com
o projeto e tornou-se parceiro, doando muitas peças relativas a suas expedições, inclusive a embarcação a
remo com a qual foi à África.
76 A Petrobras aplicou no projeto 700 mil reais, que cobriram a aquisição e a restauração de um armazém.
A empresa Vega do Sul investiu 500 mil reais e o Monumenta, 400 mil reais.
77 Baleeiras e canoas catarinenses; botes do sul e do Ceará; jangadas nordestinas; dois saveiros; canoas
baianas, fluminenses, mato-grossenses e amazônicas; embarcações do rio São Francisco; traineira de pesca,
chacreira do Rio Grande do Sul e cutter do Maranhão.
78 Entrevista citada na nota 70.
79 CAMPELO, Glauco. Patrimônio e cidade, cidade e patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 23, p. 120, 1994.
80 Em 21 de dezembro de 2015, o Museu da Língua Portuguesa foi atingido por um incêndio e, desde
então, está fechado.
81 Em 1995, após passar por uma renovação museológica, foi rebatizado com o nome de Museu da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
82 Rebatizada de Estrada de Ferro Central do Brasil após a proclamação da república.
83 A edificação e o acervo são tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de
Minas Gerais (Iepha).

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Notas | 271

Capítulo 8
1 De 1938 a 1945, o então Sphan procedeu ao tombamento de 433 bens, dos quais 221 eram edifícios
religiosos, ou seja, 51,3% do total.
2 A arquitetura religiosa brasileira, principalmente a construída no período colonial, foi estudada por
vários historiadores de arte. A primeira referência, e ainda principal, é a obra de Germain Bazin, publicada
em dois volumes, em 1956 e 1958: L’Architecture religieuse baroque au Brésil. Essa obra seria publicada em
português em 1983. Após Bazin, outros se dedicaram ao tema, como Augusto Carlos da Silva Telles,
Benedito Lima de Toledo, Clarival do Prado Valadares, John Bury, Lucio Costa, Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira, Paulo Santos, Robert Smith e Sandra Alvim.
3 BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. p. 11.
4 COSTA, Lucio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 5, p. 9, 1941.
5 TELLES, Augusto da Silva. As aldeias missionárias jesuíticas e a Igreja de Nossa Senhora da Assunção
de Anchieta. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta: a restauração de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan,
1998. p. 33-34.
6 Ibid., p. 35.
7 TIMBÓ, Regina. Um aldeamento jesuítico: Reritiba. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta: a restauração
de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan, 1998. p. 19-30.
8 Havia no mínimo duas irmandades, a representativa do estrato social dominante e a dos negros, como
ocorreu em Paranaguá e Curitiba, que eram vilas relativamente pobres até a metade do século XIX. Nelas,
além da igreja matriz, havia a da Ordem Terceira de São Francisco, da camada social dominante, e a dos
negros – em Paranaguá, dedicada a São Benedito, e em Curitiba, a Nossa Senhora do Rosário.
9 No centro do Rio de Janeiro, na planície entre os morros onde se instalaram o Convento de Santo
Antônio e o Mosteiro de São Bento, concentra-se um número considerável de igrejas edificadas por
irmandades: Santa Cruz dos Militares, Nossa Senhora da Candelária, Nossa Senhora da Conceição e
Boa Morte, Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Nossa
Senhora Mãe dos Homens, Santa Rita e São José.
10 BAZIN, Germain. L’Architecture religieuse baroque au Brésil, cit., v. 1, p. 181 (tradução nossa).
11 A “descoberta” do barroco brasileiro e sua divulgação pelo mundo, feita na década de 1950 por
Robert Smith e Germain Bazin, teve apoio do Sphan, que pôs à disposição desses estudiosos seus arquivos
documentais, além da colaboração de seu quadro técnico.
12 O Museu de Cabo Frio foi projetado pelo arquiteto Edgar Jacinto e o de Salvador, pelo arquiteto
Wladimir Alves de Souza.
13 O projeto, coordenado pelo arquiteto Paulo Chaves Fernandes, faz parte de um conjunto de intervenções
no centro histórico de Belém, em uma área de 50 mil metros quadrados. Trata-se de iniciativa do governo
do estado do Pará, que batizou o espaço revitalizado de Feliz Lusitânia.
14 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro. Uma questão de estilo. In: LYRA, Cyro Corrêa (Org.).
Renovação de uma catedral. Valença: Design Casa 8, 2006.
15 A solução mais empregada foi a introdução de um novo altar à frente do antigo, possibilitando que
a celebração versus popullum não interviesse no conjunto altar-retábulo.

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272

16 Integra o patrimônio histórico e artístico nacional desde 1943, quando foi inscrita no Livro do
Tombo Histórico sob a denominação de Igreja de Nossa Senhora da Assunção. A história da igreja e a
intervenção realizada pelo Iphan de 1994 a 1997 são relatadas em: ABREU, Carol de (Org.). Op. cit.
17 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa-Rio, 1938-1950. p. 143. Apud:
TIMBÓ, Regina. Op. cit., p. 21.
18 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1974. p. 30. Apud: TIMBÓ, Regina. Op. cit., p. 23.
19 LYRA, Cyro Corrêa de Oliveira. Da conservação à restauração. In: ABREU, Carol de (Org.). Anchieta:
a restauração de um santuário. Rio de Janeiro: Iphan, 1998. p. 11-15.
20 O projeto de restauração e a orientação das obras foram coordenados pelo autor deste livro, que
contou com a participação de uma equipe técnica da 6a Coordenação Regional do Iphan, composta
de Carol de Abreu, diretora do Iphan no Espírito Santo, José Grevy, arquiteto, Ana Lúcia Gonçalves,
arquiteta, Rosana Najjar, arqueóloga, João Carlos Gomes, biólogo, e Andréa Pedreira, restauradora,
além de consultores também do quadro do Iphan.
21 Naquela época, a gestão dos bens tombados nos estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro cabia
à 6a Coordenação Regional do Iphan, sediada na cidade do Rio de Janeiro.
22 Evoluiu-se de dentro para fora, do interior para o exterior. Começou-se pela questão do retábulo
da capela-mor, cuja permanência no local implicaria a ocultação da parede pintada. Esse retábulo,
resultado de uma montagem, fragmentada, com partes de outros retábulos de variadas épocas, foi
retirado para as dependências do museu, como peça documental. Liberta a parede de fundo, restaurados
sua pintura e nicho central, restabelecido o nível primitivo – mais baixo –, surgiu nova escala, revelando
uma simplicidade e uma ambiência, talvez, mais próxima dos primeiros tempos. Foi, sem dúvida, um
momento decisivo, pois o rebaixamento do nível de piso da capela-mor exigia restabelecer também o da
nave. Sucederam-se, então, escavações que a transformaram em um canteiro arqueológico, tornando-se
necessário montar um piso provisório, sobre valas e covas, para que sacerdotes e fiéis pudessem utilizar
o local.
23 Fiscal atenta e interessada nas prospecções arqueológicas, a população devota, frequentadora
tradicional do santuário, tornou-se participante ativa dos trabalhos, sempre envolvida no esforço de
descobrir o passado de sua igreja, afinal, sua casa espiritual, emocional e historicamente ligada aos
presentes e a seus antepassados. Essa participação explica a aceitação resignada, por parte da comunidade,
dos desconfortos de um esburacamento sem fim, meses a fio.
24 Nossa proposta era coerente com o que fora feito no interior da igreja, ou seja, estabelecer o
vocabulário formal primitivo com base nos testemunhos materiais, os únicos documentos justificadores,
já que a iconografia disponível era recente e posterior às alterações detectadas.
25 A ação da 6a Coordenação Regional prosseguiu com a execução dos projetos para a sacristia e a
instalação da capela do Santíssimo na sala antes ocupada como museu.
26 Protegida por meio de tombamento estadual pelo Inepac em 2004.
27 Trazido para o Brasil em 1816 pela Missão Artística Francesa, o neoclassicismo teve seus princípios
e seu vocabulário empregados na arquitetura transmitidos na Academia de Belas Artes pelo membro
arquiteto da missão, Grandjean de Montigny, que os empregara no projeto para a sede da academia e
a antiga praça do Comércio (hoje Casa França-Brasil). Em pouco tempo, o novo estilo deixou a corte
e subiu a serra, adentrando os vales do Paraíba e do rio Preto, orientando a composição dos prédios

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Notas | 273

públicos, das casas de fazenda cafeeira, de solares urbanos dos barões do café e, finalmente, dos edifícios
religiosos.
28 A coordenação do plano e do projeto arquitetônico coube ao autor deste livro e a das obras e do
projeto estrutural, à engenheira Silvia Puccioni. Participaram ainda desse trabalho os arquitetos João
Carlos de Oliveira e Clarice Mülbauer, os engenheiros Geraldo Filizola, Leonardo Barreto e Rômulo
Nunes, a restauradora Magaly Oberlaender e o biólogo Ronaldo Santos.
29 Todas as empresas foram selecionadas por licitação. Assumiram as obras civis, inicialmente, a Ópera
Prima, do Rio de Janeiro, e, depois, a Biapó, de Goiânia. Nas restaurações de elementos artísticos
integrados (altares, paredes e tetos) e imagens, atuaram as empresas Espaço Tempo, de Juiz de Fora,
Anima, de São João del-Rei, e Oficina do Restauro, de Belo Horizonte.
30 Sobre a restauração, ver: LYRA, Cyro Corrêa (Org.). Renovação de uma catedral, cit.
31 O supedâneo, plataforma elevada de madeira sobre a qual ocorrem as celebrações, foi modificado,
mas teve-se o cuidado de fazer uma intervenção reversível que possibilitasse, no futuro, um retorno à
situação original.
32 De madeira, as peças foram projetadas por equipe especializada em arquitetura sacra, sob coordenação
da arquiteta irmã Laíde Sonda. As faixas decorativas, com desenho formando uma sucessão de triângulos,
feitas em baixo-relevo no espaldar da cátedra e nas vistas do altar e do ambão, foram inspiradas em
motivos da ornamentação indígena, como forma de homenagear os primeiros habitantes da região.
A qualidade de seu desenho, contemporâneo, não entra em conflito com o ambiente, dominado pela
decoração oitocentista expressa nos revestimentos e ornamentos, feitos de madeira entalhada, coberta
com tinta branca e folhas de ouro. Ao contrário, forma um contraponto necessário, mas com um
desenho que, pela delicadeza e a sobriedade, se harmoniza com o ambiente, respeitando o patrimônio
histórico e artístico legado pelos antepassados.
33 O museu da catedral, inaugurado no dia 25 de março de 1995, em comemoração ao aniversário
de 70 anos da Diocese de Valença, tem caráter histórico e artístico, com acervo composto de imagens,
vestuário litúrgico, fotografias e objetos diversos.
34 Nas paredes, foi colocada uma representação da Via Sacra em madeira, obra do irmão Pedro
Recroix (1922-2009), artista entalhador, monge beneditino do Mosteiro da Anunciação do Senhor, da
cidade de Goiás. Os três confessionários inseridos são compartimentos projetados para possibilitar o
atendimento não somente a uma pessoa, como também a um casal que queira uma orientação espiritual.
35 A cripta foi concebida como um novo espaço, com características de construção moderna, enriquecido
pela peças de madeira entalhada de desenho abstrato (porta de entrada, altar e ambão), também de
autoria do irmão Pedro Recroix.
36 Quando o operário – mestre, artífice ou ajudante – que se desdobrou pregando tábuas ou reparando
rebocos, descendo ao subsolo da sacristia ou galgando as cúpulas das torres voltar à catedral, sentirá
que ela lhe pertence, porque ele a refez. Toda vez que a aprendiz olhar os ornatos de ouro e branco
dos altares voltará a sentir a emoção de restaurar volutas e frisos, flores e folhas de cedro, na igreja que
passou a lhe pertencer, porque ela a refez.
37 Lucio Costa. IBPC Notícias, ed. esp., 27 fev. 1992, p. 4. Apud: FONSECA, Maria Cecília Londres.
O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan,
1997. p. 119.
38 Inscrita em 1962 nos Livros do Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná.

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39 Em gravura datada de 1827, atribuída a Jean-Baptiste Debret, aparece apenas a capela primitiva com
sua pequena sacristia anexa, donde se conclui que a nave teria sido construída depois dessa data, sendo a
torre terminada em 1841, pela inscrição desse ano em sua fachada.
40 LYRA, Cyro Corrêa (Coord.). Guia dos bens tombados: Paraná. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1994.
41 Imagens de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de São Benedito e de Nossa Senhora das Candeias,
de terracota, e as imagens, de madeira, de Santa Efigênia, São Benedito e Santa Luzia.
42 Foram furtadas, em 1984, as imagens de Santa Efigênia e de Nossa Senhora das Candeias e um crucifixo
processional de prata lavrada. Nove anos depois, a de Santa Luzia também foi subtraída. Infelizmente,
as igrejas, principalmente aquelas situadas em pequenas cidades, estão sujeitas a esse tipo de dano por
permanecerem abertas durante o dia e, geralmente, sem nenhuma vigilância.
43 Na imagem, da esquerda para a direita: Enio Marques Ferreira (diretor do Departamento de Cultura da
Secretaria de Educação do Paraná), Dalena Guimarães Alves (chefe da Divisão do Patrimônio Histórico
do Paraná), Cyro Corrêa Lyra, Beatriz Pellizetti, Graciema Franco de Andrade, Porcia Guimaraes Alves,
Rodrigo Mello Franco de Andrade, Renato Soeiro (diretor do Sphan), Judite Martins, Nelson de Freitas
Barbosa (prefeito do município) e Elza Carneiro.
44 Inscrita em 1941 no Livro do Tombo Histórico do Iphan.
45 O projeto de restauração foi coordenado pelo arquiteto Silvio Cavalcante, responsável pelo escritório
técnico do Iphan em Pirenópolis.
46 In: UNES, Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Fênix: restauro da Igreja Matriz de Pirenópolis. Goiânia:
ICBC, 2008. p. 67.
47 O projeto foi elaborado novamente pelo arquiteto Silvio Cavalcante, responsável pelo escritório técnico
do Iphan em Pirenópolis, e pelo engenheiro Walter Vilhena Valio. A execução da obra coube à construtora
Biapó.
48 Depoimento do carpinteiro Dorvalino Botelho, prestado em 6 de setembro de 2006 e transcrito
por Salma Sadid, superintendente do Iphan em Goiás, no ensaio “Aprendendo sempre”. Apud: UNES,
Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Op. cit., p. 206.
49 Depoimento do servente Weber Pereira Siqueira, prestado em 25 de outubro de 2005 e transcrito
por Salma Sadid, superintendente do Iphan em Goiás, no ensaio “Aprendendo sempre”. Apud: UNES,
Wolnely; CAVALCANTE, Silvio. Op. cit., p. 207.
50 O autor deste livro teve a oportunidade de participar dessa reunião com a historiadora de arte Myriam
Ribeiro, atendendo a convite da superintendência do Iphan. A solução de aproveitamento do altar da
antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi proposta pela professora Myriam e aceita por
todos os presentes.
51 SANTOS FILHO, Dalmo Vieira dos. Altar-mor da Igreja Matriz de Pirenópolis. In: Textos de trabalho.
Coletânea de documentos elaborados no período de 2006 a 2011, durante sua gestão na direção do
Departamento do Patrimônio Material do Iphan.
52 O prédio do palácio universitário foi inscrito em 1972 no Livro do Tombo Histórico, sob a denominação
Edifício na Av. Pasteur, 250 (Antigo Hospital de Alienados).
53 Ofício no 1.813, datado de 30 de março de 1953, assinado pelo reitor Pedro Calmon e encaminhado
ao Sphan.

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Notas | 275

54 Por efeito do choque térmico provocado pela ação dos jatos de água lançados pelos bombeiros sobre
a peça em elevadíssimo grau de temperatura, sobraram da imagem, de mármore de Carrara, pedaços que
estão guardados com outras peças remanescentes do incêndio.
55 O autor deste livro foi consultor da empresa Retrô Projetos de Restauro na elaboração do projeto de
restauração do Palácio da UFRJ, desenvolvido entre 2013 e 2014.

Considerações finais
* Costa, Lucio. Prefácio. In.: ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro:
Ministério da Cultura. Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. p. 6.

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Referências bibliográficas | 277

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290

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Anexos | 291

Anexos

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Anexos

Anexo 1 – Exposição de motivos do decreto-lei no 25, de 30 de novembro de


1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
“Sr. Presidente:
A proteção do patrimônio histórico e artístico nacional é assunto que, de longa data, vem preocupando
os homens de cultura do nosso país.
Nada, pelo menos nada de orgânico e sistemático, se havia feito, porém, até 1936, quando foi por
Vossa Excelência criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Trabalhava-se aqui e ali, com pequenos recursos para evitar um ou outro desastre irreparável.
O grande acervo de preciosidades de valor histórico ou artístico ia-se perdendo, dispersando, arruinando,
alterando. Proprietários sem escrúpulos ou ignorantes deixavam que bens os mais preciosos acabassem ou
evadissem, ante o descaso ou a inércia dos poderes públicos. As vozes de um ou outro patriota ou o esforço
deste ou daquele homem público não traziam o remédio necessário e adequado.
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em Abril de 1936, foi o passo
decisivo. Montou-se o aparelho de alcance nacional, destinado a exercer ação enérgica e permanente de
modo direto ou indireto, para conservar e enriquecer o nosso patrimônio histórico e artístico e ainda para
torná-lo conhecido e estimado.
A princípio funcionou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em bases provisórias.
A lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937, proposta pelo Poder Executivo, deu-lhe a estrutura definitiva
que ora apresenta.
Em pouco mais de um ano e meio de funcionamento, a soma copiosa de trabalhos realizados tem
demonstrado a utilidade do empreendimento.
Desde logo, entretanto, se verificou que a ação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
não teria a necessária eficiência, se não fossem fixados os princípios fundamentais da proteção das coisas de
valor histórico ou artístico, princípios que não somente traçassem o plano de ação dos poderes públicos,

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Anexos | 293

mas ainda assegurassem mediante o estabelecimento de penalidades a cooperação de todos os proprietários.


Foi, assim, elaborado o necessário projeto de lei. Na sua feitura aproveitou-se tudo quanto útil, entre
nós, se projetara anteriormente. Foi consultada e atendida, no que pareceu conveniente, a legislação
estrangeira.
Vossa Excelência apresentou o projeto ao Poder Legislativo em 15 de outubro de 1936. Na Câmara
dos Deputados não se lhe fez emenda. O Senado Federal introduziu-lhe algumas pequenas modificações.
A 10 do corrente mês de novembro, quando se decretou a nova Constituição, estava o projeto em fase final
de elaboração, de novo na Cãmara dos Deputados.
Retomando agora o projeto inicial, julguei de bom aviso nele incluir, com uma ou duas exceções, as
emendas do Senado Federal, e ainda uma ou outra nova disposição, com o que se lhe melhorou o texto.
O projeto de decreto-lei, que ora tenho a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência
é, assim, o resultado de longo trabalho, em que foram aproveitadas as lições e os alvitres dos estudiosos
da matéria.
É ainda de notar que, nesse projeto, está regulada, em toda a sua plenitude, a disposição do art. 134
da Constituição.
Transformando em lei, é lícito esperar que de sua execução decorra para o nosso patrimônio histórico
e artístico a proteção vigilante, segura e esclarecida de que êle, há tanto tempo, está carecendo.
Apresento a Vossa Excelência os meus protestos de respeitosa consideração.”

Gustavo Capanema

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294

Anexo 2 – Decreto no 1.160, de 5 de agosto de 1971, que dispõe sobre o setor


histórico de Curitiba

Prefeitura Municipal de Curitiba


Decreto no 1.160
“Dispondo sobre setor histórico de Curitiba.”
O prefeito municipal de Curitiba, capital do estado do Paraná, usando de suas atribuições legais, nos
termos da Lei 2828/66, artigos 52 a 55 e 64, decreta:
Art. 1o Considera-se setor histórico de Curitiba a área edificada, compreendida na planta anexa sob no
6, que se localiza ao longo das seguintes artérias:
Praça João Cândido, Avenida Jaime Reis, rua Dr. Keller, Praça Garibaldi, rua Dr. Murici, rua do
Rosário, rua Claudino dos Santos, Largo Coronel Enéas, rua Mateus Leme, rua São Francisco, Travessa
Júlio de Campos, Praça J. B. de Macedo, Praça Generoso Marques, rua Riachuelo.
Art. 2o Para efeitos do presente decreto, as edificações situadas no setor definido no artigo anterior se
classificam, segundo seu valor arquitetônico, em três categorias, conforme a planta anexa no 6:
1. Unidades-monumentos – as de maior valor, seja pelo significado histórico, seja pela expressão
arquitetônica;
2. Unidades de acompanhamento – as de menor importância como obra de arquitetura, mas
que, por pertencerem à mesma época das unidades-monumento, contribuem para a fisionomia
paisagística do setor;
3. Unidades destituídas de importância arquitetônica.
Art. 3o Os impostos municipais que incidirem sobre as unidades de acompanhamento, bem assim sobre
as unidades restauradas, serão mensurados conforme o valor venal do terreno, tomando-se em conta a
destinação das respectivas unidades, como incentivo fiscal.
Art. 4o As unidades-monumento não poderão ser modificadas até que sejam tombadas, comportarão
restauração, a juízo do IPPUC, ouvida a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná.
Art. 5o As unidades de acompanhamento poderão ser reformadas no seu interior, porém deverão
manter a fisionomia exterior, comportando restauração e preservação, a juízo do IPPUC.
Art. 6o As unidades que se encontram nas áreas de influência, indicadas na prancha no 5, dos prédios
definidos nos artigos 4o e 5o, poderão ser modificadas ou demolidas, desde que a recomposição ou a
construção do prédio respeitem a escala do prédio dominante, com tratamento plástico adequado.
Parágrafo único – O projeto de recomposição ou construção será submetido ao IPPUC, para um
juízo de técnica arquitetônica e estético, respeitadas as normas técnicas e as indicações fornecidas
antecipadamente por essa entidade.
Art. 7o As unidades-monumento e as de acompanhamento, alteradas anteriormente a este decreto

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Anexos | 295

deverão ter sua fisionomia exterior recomposta, segundo as diretrizes do IPPUC, ouvida a Divisão do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná, até o prazo de um ano desta data.
Parágrafo único – A prefeitura poderá contribuir para a restauração da unidade alterada, enquanto que
a URBS poderá promover o financiamento de tais restaurações, por si ou por outras entidades.
Art. 8o As unidades destituídas de importância arquitetônica, que não estejam nas áreas de influência
restritiva, poderão ser demolidas, comportando novas construções, obedecidas as seguintes determinantes
de ordem técnica e estética:
1. O prédio não poderá ter mais de três pavimentos;
2. a taxa de ocupação será de 100% no terreno e 80% nos demais pavimentos;
3. o projeto de arquitetura deverá ser submetido previamente ao exame do IPPUC, para um juízo
estético, no sentido de evitar a construção de edifícios sem a menor qualidade arquitetônica que
comprometam o setor; e
4. as construções deverão obedecer às condições expostas no Plano de Revitalização do Setor Histórico
de Curitiba.
Parágrafo único – As construções, nos terrenos que atualmente não têm edificações, deverão obedecer
às exigências deste artigo.
Art. 9o As obras de preservação poderão ser realizadas por iniciativa da Prefeitura, pelo IPPUC, pela
URBS, ou pela Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná, com assentimento do
proprietário e sem ônus para este.
Art. 10. As obras de preservação, construção ou reconstrução só poderão ser executadas se respeitarem
as condições gerais estabelecidas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, que fica
fazendo parte integrante deste decreto, como diretrizes básicas do setor.
Parágrafo único – As novas construções no setor deverão obedecer às normas do Código de Edificações,
sem restrições quanto à taxa de ocupação.
Art. 11. Se o proprietário executar reforma ou construção contrariando as determinantes do presente
decreto, e do Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, a juízo do IPPUC, dando características
diferentes das que forem aprovadas, a Prefeitura poderá refazer as obras por sua própria iniciativa, segundo
as indicações do projeto aprovado, cobrando após do proprietário os custos da execução, pela via executiva,
com acréscimo de correção monetária, relativa a débitos fiscais, a partir do orçamento do serviço, calculados
sobre o valor deste.
Art. 12. O proprietário é obrigado a manter o prédio de sua propriedade em perfeito estado de
conservação e limpeza.
Art. 13. As decisões sobre preservação, reforma, demolição ou construção dos prédios situados no
setor histórico de Curitiba poderão ser objeto de recursos ao Conselho Deliberativo do IPPUC, por
qualquer interessado. Da decisão deste Conselho caberá recurso ao Conselho do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado do Paraná, dentro de 15 (quinze) dias, para uma decisão de caráter definitivo.

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296

Art. 14. A manutenção do setor histórico de Curitiba também se aplica aos órgãos e entidades da
administração pública estadual e federal, devendo haver tratamento adequado, previamente submetido à
apreciação do IPPUC, dos passeios, postes de luz e telefone, pavimentação, bem como do sistema viário,
de tráfego e estacionamento de veículos, segundo o Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba
que faz parte integrante do presente decreto.
Art. 15. A instalação de anúncios e de propaganda comercial, bem como de placas indicativas de lojas,
casas e escritórios, deverá obedecer às seguintes normas:
1. placas de pequenas dimensões, de no máximo 0,60 m de altura por 1,00 m de comprimento,
colocadas perpendicularmente às fachadas;
2. os elementos de sustentação de placas não poderão ser fixados em detalhes ornamentais das
fachadas;
3. deverão ter tratamento estético adequado;
4. deverão ser previamente submetidas ao IPPUC para aprovação.
Parágrafo único – Dentro do prazo de seis meses a partir da aprovação do presente decreto, os
interessados deverão substituir os anúncios e placas indicativas que firam o disposto neste artigo, sob pena
de serem estes retirados pela administração municipal.
Art. 16. No setor histórico são permitidos os seguintes usos: entidades culturais, escritórios e
consultórios, ateliês de artes plásticas e oficinas de artesanato, galerias de arte, bares, restaurantes, moradias,
cinemas e teatros, edifícios de culto e comércio varejista.
Parágrafo 1o São usos permissíveis os hotéis, pensões, estacionamentos particulares e outros usos
compatíveis, a critério do Conselho de Zoneamento.
Parágrafo 2o São proibidos todos os usos não compreendidos neste artigo.
Art. 17. Os trabalhos que se desenvolverem no setor histórico deverão obedecer às diretrizes básicas
estabelecidas no Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, sejam eles de iniciativa particular
ou de iniciativa pública, pessoa física ou jurídica.
Art. 18. Poderão ser firmados convênios e contratos com entidades financiadoras, autarquias ou
serviços da União ou do Estado, bem como particulares, ou mesmo os proprietários de imóveis situados
no setor, para a execução do Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba, em todos os aspectos
por este abrangidos.
Art. 19. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Palácio 29 de Março, em 5 de agosto de 1971


Jaime Lerner – Prefeito Municipal
Manoel Ribas Neto – Diretor Geral do Departamento de Urbanismo
Lubomir Antonio Ficinski Dunin –
Presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba

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Anexos | 297

Anexo 3 – Depoimento de Sérgio Leoni sobre Aloísio Magalhães

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Anexos | 299

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Anexo 4 – Carta do conde das Galveias

Trecho da carta enviada em 5 de abril de 1742 pelo conde das Galveias ao governador de Pernambuco,
Luís Pereira Freire de Andrade:
Pelo que respeita aos Quartéis que se pretendem mudar para o Palácio das duas Torres, obra do Conde Maurício de Nassau,
em que os Governadores fazem a sua assistência, me lastimo muito que se haja de entregar ao uso violento e pouco cuidadoso
dos soldados, que em pouco tempo reduzirão aquela fábrica a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com ela, se
arruinará também uma memória que mudamente estava recomendando à posteridade as ilustres e famosas ações que obraram
os Portugueses na Restauração dessa Capitania, de que se seguiu livrar-se do jugo forasteiro todo o mais restante da América
Portuguesa: as fábricas em que se incluem as estimáveis circunstâncias (referidas) [...] são livros que falam, sem que seja necessário
o lê-los [...]; se se necessitasse absolutamente, para defensa dessa Praça, que se demolisse o Palácio, e com ele uma memória tão
ilustre, paciência, porque esta mesma desgraça têm experimentado outros edifícios igualmente famosos; mas por nos pouparmos a
despesa de dez ou doze mil cruzados, é cousa indigna que se saiba que, por um preço tão vil, nos exponhamos a que se sepulte, na
ruína dessas quatro paredes, a glória de toda uma Nação. Não digo que, por salvar os Quartéis, que hoje lá se embarace a execução
da planta que se tem feito, para a obra que se intenta; o que digo é que me parece será mais conveniente fazerem-se de novo, em
lugar que se julgar mais próprio; porque, se bem se calcular a despesa que se há de fazer para reduzir o Palácio a Quartéis, e para
se porem as Casas da Junta em estado de poderem decentemente habitar nelas os Governadores, não custará menos cabedal, daquele
que podia empregar-se na obra de um novo Quartel; e quando sucedesse que o custo dela fosse maior, não era tão pouco o que se
ganhava, que se não desse de barato esse pequeno excesso, pela utilidade de uma fábrica nova, conservando-se as antigas no estado
em que até agora estiveram: finalmente, meu Senhor, eu desejava muito que, depois de V. Sa. ter feito um tão plausível governo, não
sucedesse no seu tempo uma novidade que, bem ponderada, somente será aplaudida dos holandeses; e confesso a V. Sa. que, ainda
pondo de parte esta relação política, e atendendo somente ao que será menos custoso à fazenda real, me persuado de que lhe será
mais útil fabricar-se quartéis novos, do que bulir no Palácio das duas Torres, porque tenho por certo que, por mais que se trabalhe
em atalhar as despesas, em bulir a obra, sempre ficará uma coberta de remendos.

Fonte: PROTEÇÃO e Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: MEC/Sphan/
Fundação Nacional Pró-Memória, 1980. p. 61-62.

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Anexos | 301

Anexo 5 – Diálogo entre Aloísio Magalhãoes e


Constantino Marchiorato

Diálogo ocorrido em 6 de junho de 1980 no antigo engenho de mate do município de Campo


Largo, Paraná, entre Aloísio Magalhães, presidente da Fundação Nacional Pró-Memória, e Constantino
Marchiorato, proprietário do engenho. Participaram do encontro os arquitetos Cyro Corrêa Lyra e José
La Pastina Filho.1
Constantino Marchioratto – Ficô ótimo o pilar!
José La Pastina – Nono...
Marchioratto – Senhore?
José La Pastina – Explica para o Dr. Aloísio, aqui, como é que era...
Marchioratto – O quê?
José La Pastina – O engenho antigo.
Marchioratto – O engenho antigo?
José La Pastina – É.
Marchioratto – Pois é, aqui já tava caído, aqui onde que era o forno do mate, Seu Dotor: Aqui tava os caibro todo preto,
tudo, tudo, tudo. Aqui era o forno, não é? Ali tinha um cepo, ali onde que está de curunilho desta altura, que tinha uma mancal
aí, onde que era o cilindro, não é? Então vinha uma correia daí virando o cilindro devagarzinho pra não queimar, o Sr. sabe? E a
erva pra torrá. Depois passava o pilão tava lá, Seu Dotor, o pilão tá bom, daquele muro até a metade da porta.
Aloísio – O que fazia o pilão?
Marchioratto – Senhore?
Aloísio – O que é que fazia o pilão?
Marchioratto – O pilão pra refiná a erva, o sr. sabe? Consumia o trovete “bem, bem, bom, bom”, se ouvia o barulho desde
lá da Rondinha, o papai disse, sim Sr. E daí depois de pronta a erva, não é? Ensacava e vinha o carro de boi aí na frente porque
não me descia nem carro de cavalo, Seu Dotor! Carro de boi dos campo, de Ponta Grossa, de Jaguaraiva, de Castro, de Palmeira,
de tudu mundo aí.
Aloísio – É...
Marchioratto – Vinha em...
Aloísio – E levava em que... A erva, a erva. Em saco ou...

1. Transcrição de fita. Acervo da 10a Superintendência Regional do Iphan – Curitiba, Paraná.

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302

Marchioratto – Em saco, em, aquelas bola grande, como é ? Surom2 em coro.


Aloísio – Surrão.
Marchioratto – De boi, o Sr. sabe? Bem grande, bem costurada, uma bola que era, o Sr. faça de conta que era um futebol,
uma bola de futebol cabia quatro arroba o Sr. sabe? Tudo socada, dois soquete, e ainda um tá lá ... Depois carregava no caminhão
e tocava pra Curitiba, tocava pra, pra Paranaguá e tocava pra Antonina e ali o papai comprô do falecido Agostinho Ribeiro de
Macedo, aí de Curitiba, desses Macedo que o Sr. conhece, não sei? É, tem muito! Aí o papai montô esta trovenga3 aí, o Sr. veja, o
rodado taí fora, tudo.
Aloísio – Isso há quanto tempo?
Marchioratto – 84 anos rodou o trovenga aqui, na nossa mão. 84 anos.
Aloísio – Que beleza, não é?
Marchioratto – Sim, senhor. Eu quando vim aqui tinha 1 ano e meio porque nasci mais aqui encima, mais aqui encima,
onde o papai tinha engenho de, de, cortá madeira e tinha moinho do falecido Jujica Mendes, um grande homem, um grande senhor,
de possuir coisa, um terreno coisa incrível, Seu Dotor! Então o seu falecido Agostinho Ribeiro de Macedo vendeu pra papai, e ali
começou. Trabalharam quase um ano pra, pra fazê tudas coisa, aqui era mais alto onde tinha um soalho onde tinha as duas pedra,
o Sr. viu lá fora ? Uma de moê centeio e outra de moê milho, e assim foi indo, e assim foi indo. Fomo se criando, má não tinha
jeito de pagá a dívida, Seu Dotor!
Aloísio – Não dava, não?
Marchioratto – Não dava, não, Senhor. O papai entrô pra pagá com 5 mil quando entrô aqui pra pagá, Seu Agostinho.
E agora outro, o pessoal pra dá fubá era muito pouco, Seu Dotor! Não me descia quase de colonia, não é? E fomo suando, o Sr.
sabe? Que eu vim aqui com um ano e meio e acabemo de pagá a dívida de que o papai comprô aqui, eu tava me casando primeira
vez com 21 anos, Seu Dotor?
Aloísio – Imagine!
Marchioratto – Sim, Senhor. Foi um suor, depois que comecemo na lavora, Seu Dotor, aí nesta várzea de colhê milho, coisa
incrível, de tudu, não é? De feijão, milho e abóbora e moganga, de tudu. Então acabemo de pagá, o papai, a dívida, não é? Sim
Senhor. E depois daí pra diante fomo trabalhando pra podê vivê, é, é. Depois ficamo eu com o falecido meu irmão. A casa dele é
ali. Eu moía, Seu Dotor, e o meu irmão puxava o fubá fora. É, algum pouco vendido, mas o mais era trocado. Cobrava o serviço,
não é? Sim Senhor. Foi uma coisa incrível, Seu Dotor! Uma coisa incrível.
Aloísio – E o Sr. disse que casou-se pela primeira vez, não é ? Quando pagou a dívida...
Marchioratto – Sim, senhor. Me casei com 21, de 24 já tava viúvo, Seu Dotor! E o meu filho, Véio Olímpio, não sei se o
senhor conhece? Morou ali encima, no campo. Já mudô a casa e, e uma filha mora em Curitiba, já viúva, é. Antonia, casada com
Sequinel, não é? É, é. Já viúva também. E depois fiquei viúvo 5 anos, Seu Dotor. E tive um padre aqui na Rondinha, padre Natal,
o Sr. ouviu falar? Que está enterrado em Santa Felicidade. Não me deixô solteiro mais, Seu Dotor!

2. Marchioratto referia-se ao surrão, bolsa ou saco de couro usada no meio rural para guardar farnel.
3. Marchioratto referia-se à estrovenga, o mesmo que estrupício. Significa coisa complicada, misteriosa.

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Anexos | 303

Aloísio – Claro!
Marchioratto – 5 anos. O senhor não pode fazê esta vida, não é? O senhor obriga-se casar. Dali a 5 anos Seu Dotor, me
casei. O senhor sabe? Me casei com uma italiana, aqui da Rondinha, moça forte, se o senhor visse! É, e tive 10 família com essa
minha senhora.
Dr. Aloísio – 10 filhos!
Marchioratto – 10, sim, Senhor. 5 casado.
Aloísio – Que maravilha!
Marchioratto – E agora está de cama, que faz mais de um ano, Seu Dotor. Com reumatismo, uma boa, e senta na cama
e come, mais sadia do que eu, o Senhor viu? Que coisa! E. Sim, Senhor.
Aloísio – Mas o Senhor está muito forte...
Marchioratto – 86 vô fazê agora Seu Dotor. Agora dia 6 de agosto, dia do Bom Jesus. Vou fazê 86 janeiro, me admira
está vivo, porque eu passei muita coisa nesse mundo, não é?
Aloísio – Mas e daí?
Marchioratto – Sim, Senhor.
Aloísio – Às vezes a gente quando passa essas coisas, a gente fica mais rígido...
Marchioratto – Sim, Senhor.
Aloísio – Mais forte!
Marchioratto – Sim, Senhor. É. Eu fui muito doente, Seu Dotor, quando que eu nasci o papai disse que quando que eu tinha
seis meses fiquei doente até 6 anos! Dos intestino, o Senhor sabe? Dos intestino. Em Curitiba existia um médico, filho único, ele
me levô lá. Nada não deu. Quem me curô foi o farmacêutico aqui, um, um avô do meu genro que agora eu tenho um genro aqui
no Campo Largo. Farmacêutico. Barbosa. O senhor ouviu falar dos Barbosa? Tenho um genro. Foi aquele que me arremediou, o
Senhor sabe? Ah, pois ainda tô vivo, Seu Dotor. Ainda tô vivo!
Aloísio – Ele curou tão bem!...
Marchioratto – Ah, mas mio Senhore!
Cyro – E vinha muita gente ver esse moinho, Sr. Marchioratto? Sempre vem muita gente ver aqui, visitar?
Marchioratto – Sempre vinha, sempre. Depois que fiquei eu aqui, porque eu ajudava o pai fazê as coisa aqui, depois ia na
lavora, Seu Dotor, com meus irmão pra podê....
Aloísio – Pra poder cuidar das coisas.
Marchioratto – Sim, Senhor. Pra podê resistí. Então vinha gente aí, depois eu mostrando tudu e contando como era a
passagem, como era. Agora ficô pro governo. Senhor viu? E tô contente!
Aloísio – Claro!

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304

Marchioratto – Tô contente, porque estou em vida aqui, estou vivendo sem trabalhar. Eu tô só reinando, porque tô ajudando
eles aqui tudu. Porque é o meu gosto. É meu gosto. Não poderia, má faço o serviço!
Aloísio – Claro!
Marchioratto – E sempre em amizade, sempre em boa. Esse sr. pode dizê o negócio que nós fizemo com eles foi uma beleza,
Seu Dotor! Tudu, tudu. Em harmonia, em paza, não é? É, é, sim, senhor.
Aloísio – E vai ficar novinho em folha!
Marchioratto – Vai ficá novo em folha!
Aloísio – Vai ficar uma beleza!
Marchioratto – Mas o moinho velho não entra mais aqui, Seu dotor! Agora não cabe mais aí. Vamo montá outras coisa,
não é, seu dotor? Outras coisa que vamo montá aí. Mate ou qualquer outra. Sim, senhor.
La Pastina – Viu, Nono, o moinho velho de fubá, no futuro a gente vai montar, ele exatamente como era...
Marchioratto – Sim, senhor.
La Pastina – Dentro do parque... não é?
Marchioratto – Sim, sim.
La Pastina – Então está previsto isto sabe?
Marchioratto – Tá previsto...
La Pastina – Não vai ficar guardado aquilo lá também, não vai ficar assim, não...
Marchioratto – Mas tá lá encostado na parede daquele paiol e apodrece tudu.
Aloísio – É, precisa proteger melhor...
Marchioratto – Já faz um ano quase que tá lá encostado.
La Pastina – E aí a gente vai usar as pedras também.
Marchioratto – As pedras... as pedras... Aquelas duas pedras veio de Nápole, seu dotor!
Aloísio – De Nápoles?
Marchioratto – Do vulcão Vesúvio de Nápole.
Aloísio – Que beleza!
Marchioratto – É, mas o papai comprô em Curitiba que tinha um moinho, queimô-se, então papai comprô aí e rodô aqui
acho que mais de 40 anos aquelas preta que está pro lado de cá. Coisa boa, Seu Dotor! E pedra queimada, não é? É, e aquelas
outra jura! Foi tirada aqui em Roça Nova. O senhor conhece Roça Nova? Pra cá de Curitiba? Veio pela Estrada de Ferro até na
Estação, o papai foi pegá lá. Mas este que foi serviço brabo pra mim afiá ela, Seu Dotor! Coisa incrível! Que quando papai tava
forte pegava uma eu e uma ele, não é? Nós não levava um dia. Mas depois que fiquei sozinho quem é que me ajuda! Filho nenhum
servia fazê o serviço, seu dotor!

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Anexos | 305

Aloísio – Nada...
Marchioratto – Nada, não senhor. Nada, nada. Eu puxei pro sujeito com pai e mãe senhor, o sr. sabe? Sempre respeitei
e eles me respeitaram mais do que filho. O pai e mãe. Tinha muito respeito e ajudei muito, seu dotor. Foi esta a minha vantagem
que decerto ainda tô vivo!
Aloísio – Ah, ah, ah...
La Pastina – Até outro dia o senhor estava trepando lá encima, não é?
Marchioratto – Tava, tava, tava.
La Pastina – Trocando telha, né, Nono?
Marchioratto – Até uns par de mês atrás tava encima, sempre, seu dotor, sempre. Quando que o moinho “estrépia”, o sr.
sabe? Aquela pedra encima, não é? A telha escorre! Então pegava a massa e a escada que tá aí e com barro ia lá encima. Lá encima.
Mas um dia me deu a cãimbra ali quase e não podia mais descê. Ali no descê da escada, quase ficava.
Aloísio – Que beleza, não é?
La Pastina – Nono, eu queria contá da... da roda. Da roda. O senhor que fez também, né?
Marchioratto – Ah, da roda? Foi construída três vezes, seu dotor! Três vezes. A 1ª que esta aí na mão do sr. Macedo era
muito mais alta, e não era feita desse jeito, não é? Era feita de outro jeito e depois apodreceu porque era sempre de pinho, o sr. sabe?
Pinheiro. E essas são de imbuia. Então depois o papai tornou a construí de novo, ele com o falecido meu tio, e depois essa última
que são a terceira. Tudo de imbuia. E tudo parafuso. O que desmanchemo outro dia, que tá lá fora era tudu antigo. Já rodou, já
esta velha última rodou, na entrada do Getúlio Vargas, o sr. tem lembrança? De 30 ou 32, não é?
Aloísio – É, 32.
Marchioratto – Sim, senhor. Quando Getúlio Vargas falava que vinha no Campo Largo, o sr. sabe? Reuniu aqui no
Campo Largo o prefeito Barbosa, Atílio, que já é morto, era ex-prefeito, arreuniu eu acho com 2 km de estrada de lado a lado,
era gente esperando o homem que viesse no Campo Largo, não é? E não veio. Então, aquele dia nós tava construindo aquela roda,
sr. sabe? Aquela que já foi desmanchada que tá lá presta ainda, uma imbuia ainda boa como essa, seu dotor! A mesma coisa. A
mesma coisa.
Aloísio – E essa agora vai durar mais, muito tempo....
Marchioratto – Presta em vida, seu dotor! Basta cuidá. Em vida. E aqui o sr. vê, mais do que isso é impossibile!
Aloísio – É uma beleza!
Marchioratto – É barbaridade!
La Pastina – Nono, o senhor nasceu na época da revolta!
Marchioratto – Do tipo da revorta do Gumercindo, o senhor já ouviu falá?
Aloísio – Já ouvi falar.

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306

Marchioratto – Sim, senhor. A derrota dele a última, a última combate foi em Lapa, aonde que o General Carneiro que
veio de São Paulo, que rebateu, foi deixá a vida, senhor sabe? Ele tava salvo já, porque já tava acabando e o inimigo assim mesmo
lanceou ele com a lança porque trabalhavam muito com lança, é, sim, senhor.
Aloísio – E ele acabou morrendo...
Marchioratto – Acabou morrendo, sim, senhor. E o chapéu do canalha que era da revorta tá lá no museu. Como era o
nome dele?
La Pastina – Gumercindo Saraiva, Juca Tigre...
Marchioratto – O Juca Tigre também andou, não é? O Juca Tigre, tinha o degolador, o sr. sabe? Pegava pela barba assim,
uma faca, desta largura. Sim, senhor. Naquele tempo foi duro, seu dotor. Naquela época que eu nasci, naquele ano. Aqui mais
encima um pouco, senhor sabe? O papai foi preciso também garrá o mato. Tinha lá o meu avô que tava trabalhando tinha uma
éguinha levaram até aquele porque aqui depois se ajuntou os companheiro aqui, bem dizê nosso, ajudá pra revorta, o senhor veja! E
ia intimá que tinha se apresentá, pra marca passo. O papai nunca foi, se escapô! Marca passo aí no Campo Largo, o senhor sabe?
Prá podê aprendê, pra depois tocarem na frente.
Aloísio – É...
Marchioratto – Foi duro, seu dotor. Foi duro.
Aloísio – É uma estória, toda, não é? É uma vida toda cheia de estórias...
Marchioratto – Sim, senhor. Cheia de estória mesmo. E lá na Lapa pro senhor vê os canhão que está lá, o fuzil, porque eu
já vi esse meu genro, que eu tenho, farmacêutico, me levô lá. Faz acho um ano, mais, a rapaziada de hoje não pode com um fuzil
daquele, seu dotor! De tão pesado, de tão grande! Os canhão com as roda dessa largura, seu dotor! Puxada a muque, não é? Sim,
senhor.
Aloísio – Pesado...
Marchioratto – Ali foi o último derrame de sangue, em Lapa. O senhor sabe mais do que eu, não é? Foi o último derrame.
É. Sim, senhor.
Aloísio – Quer dizer que agora o senhor está reinando!...
Marchioratto – Senhor?
Aloísio – Agora o senhor está reinando.
Marchioratto – Isto mesmo, seu dotor.
Aloísio – Isso é que é bom.
Marchioratto – Isto é que é bom, né?
Aloísio – Depois de tanto trabalho, não é?...
Marchioratto – Sim, senhor. Sim, senhor.
La Pastina – Mas o senhor está sempre lidando aí, ajudando, limpando...

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Anexos | 307

Marchioratto – Sempre, sempre fazendo limpeza, ajudando o que eu posso, porque eu não paro. Porque a minha garagem era
aqui, seu dotor. Só almoçava, jantar, dormí, senão a minha passagem era aqui. Se vinha algum vizinho, então ia na casa, senão era aqui.
Sempre trabalhando, uma coisa e outra, sempre, sempre, sempre lidando com roda, limpando aqui. Sempre, sempre, sempre. O serviço
não mata ninguém, seu dotor! Não é? Não mata. Antes, dá saúde porque se mexe com o corpo!
Aloísio – É isso mesmo.
Marchioratto – Sim, senhor.
Aloísio – Muito bem! Isso é que é vida, não é?
Marchioratto – É, mais mio senhore! Eu na escola fui muito pouco, seu dotor! Muito.
Aloísio – Não precisa, não é?
Marchioratto – Eu não podia ir porque era ajudante da mamãe. Depois lá em casa não tinha mais irmã nenhuma, então
eu vinha da escola correndo tudu, prá depois chegá em casa e ajudá ela e outros meus irmão ficavam prá trás, não é? Brincando, o
senhor sabe? Contando lorota pra estrada, conforme chegava em casa, o senhor sabe? Entrava no laço do pai. Onde é que ficaram
até agora? Que teu irmão já tá aí! O senhor viu, seu dotor! Como era? Sim, senhor.
Aloísio – Éh... Bonito!
Marchioratto – Gravô tudo isso, seu dotor?
Aloísio – Ah, gravô!
Marchioratto – Mio senhore! Será seu dotore?
Cyro – Só, só para a gente ter isso de lembrança, não é?
Marchioratto – Sim, senhor. Sim, senhor. Justo.
Cyro – De lembrança dessa visita com o Dr. Aloísio.
Marchioratto – Sim, senhor.
Cyro – Ele é muito ocupado, ele vem, ele mora em Brasília.
Marchioratto – Sim, senhor.
Cyro – Está vindo aqui visitar o engenho e lhe conhecer. Então nós resolvemos...
Marchioratto – Justo, justo.
Cyro – Então nós resolvemos gravar a conversa e isso ficar como lembrança para ele.
Marchioratto – Justo. Gosto, gosto muito. Prazer de conhecer o senhor.
Aloísio – Eu vou levar uma cópia dessa fita pra Brasília e quando chegar lá eu mando...
Marchioratto – Marchioratto, senhor mio! Lá na Rondinha. Não era Rondinha aqui. Aqui é, é Mendes de Sá. Má como
aqui pra cá da ponte tinha uma ronda de posá boiada que vinha dos campo, o senhor sabe? Então eles só rondavam de uma ponte
a outra de noite, faziam fogo e o camarada ficava na ponte cuidando dos boi que não passe pra lá nem pra cá. Então, ficou o nome

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de Rondinha, o senhor sabe? Senão é Mendes de Sá. Mendes de Sá era o patrão do falecido papai lá onde eu nasci, o senhor sabe?
Era isto. Um grande homem, um grande, pro falecido papai, o 2º pai do papai, não é? Muito homem de confiança, muito justo,
seu dotor, não é? E o papai tomava conta de tudu. E de moinho e de engenho de serra. Porque na época os pinheiro era disto... de
grossura, seu dotor! Não é como hoje, que não existe mais, não é? Sim, senhor.
Aloísio – Éh... então, muito bem!
Marchioratto – Eu vô falando brasileiro, de repente alguma palavra italiano escapa pro meio, porque como que eu lhe digo,
seu dotor, fui pouco na escola, não é? Mas tô me virando... não é?
Aloísio – Claro!
La Pastina – Todo mundo entende, não é?
Marchioratto – Sim, senhor. Graças a Deus.
Aloísio – Muito bem. Muito bem, mesmo.
.....................
Marchioratto – É um ferro, seu dotor! Araçá. Esse no enxuti não tem fim. Agora pra água não senhor. Pra água é imbuia
onde que é inxuto não tem fim. Senhor veja: engraxava aqui com sebo e com cera derretido, então a outra pegava aqui. Fica lustro,
não gasta quase nada, não gasta quase nada! É seu dotor, e o Zé mandô que não bota fora aí. É uma roda... Aquela lá, seu dotor.
O senhor tá vendo? Aquela bolandera aí...
.....................
Aloísio – Pois está ficando uma beleza!
Marchioratto – Senhor?
Aloísio – Está ficando uma beleza!
Marchioratto – Sim, sim.
Aloísio – Novinho em folha!
Marchioratto – Justo. Depois fico novo eu também, não é seu dotor?
.......................
Marchioratto – Obrigado, senhor. Estimo muito de conhecê-lo.
Aloísio – Vou ver se ainda volto por aqui...
Marchioratto – Sim, senhor. Tenho gosto, seu dotor. Se eu tiver vivo não é?
Aloísio – Está, estará!
Marchioratto – Se não me achá eu, o senhor acha aqui o moinho velho.
Aloísio – Os dois: o moinho e o senhor.
Marchioratto – Sim, senhor.

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Anexos | 309

Anexo 6 – Resumo das entrevistas concedidas por Dalmo Vieira Filho, em 27


de maio e 17 de julho de 2005, a Cyro Corrêa Lyra

1) Gostaria que você fizesse um pequeno histórico dos imóveis onde foi montado o Museu Nacional
do Mar.
Os imóveis foram construídos pela empresa de navegação Hoepke, a maior do gênero em Santa Catarina. A sede era em
Florianópolis, mas as instalações maiores ficaram em São Francisco. A maior motivação econômica foi a erva-mate, depois
a madeira. Trata-se de arquitetura teuto-brasileira, projetada pelo mesmo arquiteto (não temos o nome) das instalações de
Florianópolis - inclusive da famosa “Fábrica de Pontas” (pregos) que ficava no cais da “Rita Maria”.
A empresa Hoepke construiu os imóveis em questão por volta de 1900. Caíram em desuso com o declínio primeiro do ciclo
da erva-mate e depois da madeira. A construção do porto comercial da cidade em 1955 anunciou o fim próximo da atividade
marítima no centro histórico da cidade. Consta que os imóveis estavam fechados há 20 anos quando comprados por Manfredo
Cominesi, por volta de 1983. O armador realizou algumas benfeitorias, mas não tinha uma destinação específica para o imóvel.
Um dia me disse que comprara a área em função da grande enchente do Vale do Itajaí, que poderia prejudicar um importante
contrato de exportação de fumo - previsto para o porto de Itajaí. Consta que o sr. Manfredo era o maior proprietário de áreas
privadas de estocagens portuárias do Brasil. Na época do repasse da área para a prefeitura e posteriormente para o estado, estavam
construídas algumas salas de escritórios, de onde o sr. Manfredo despachava quando vinha a São Francisco do Sul (atual sala
Amyr Klink).

2) Como foi a aquisição dos imóveis?


O Manfredo anteriormente tentou vendê-lo para a Petrobras ou para um banco. Depois imaginou um centro comercial.
Havia iniciado lentamente a recuperação do imóvel, pelos edifícios da atual administração/biblioteca e pelo auditório/exposições
temporárias. Quando recebemos o conjunto, não havia nenhum uso específico: a maior parte da área estava em péssimas condições
de conservação.
Manfredo era um homem muito rico, algo exótico e que havia comprado vários imóveis na área tombada de São Francisco
do Sul, entre eles os antigos galpões da empresa Hoepke. Depois de contatado (o encontro levou meses, pois ele selecionava seus
interlocutores), ele afirmou não saber o que fazer com o imóvel. Propusera sem sucesso a compra ao Bradesco e à Petrobras.
Remotamente havia pensado em um centro comercial, mas ele mesmo afirmou que sabia que na São Chico da época quem pudesse
pagar um aluguel já tinha comprado seu imóvel. Surpreendeu-se com a proposta de criar um museu, mas afirmou que colaboraria
com o projeto, desde que comercialmente não ficasse no prejuízo. Esta situação perdurou por alguns anos, tendo havido uma reunião
no Clube Naval, no Rio de Janeiro, com a presença do Iphan, Prefeitura, Governo do Estado e Ministério da Marinha. (Cyro,
Silva Teles, Alcídio, Max Guedes). Passados alguns meses, uma aposta concreta: Manfredo cederia os imóveis à prefeitura, e
teríamos quatro anos para montar o museu e comprarmos o imóvel. (Reunião em Curitiba, com Dalmo, Rogério Zattar, Cyro,

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Manfredo). Aceita a proposta, procedeu-se à avaliação do imóvel (800 mil dólares). Passados alguns meses, a proposta foi
apresentada ao grupo que elaborava o plano de governo de um dos candidatos ao governo do estado - que a incluiu no plano. Eleito
o governador, houve toda uma grande negociação (o estado estava falido e devia meses de salários atrasados aos funcionários), até
que montamos uma exposição provisória “abrindo” o museu, apenas com objetos emprestados (inclusive alguns barcos). Com a
repercussão positiva, tornava-se difícil o recuo, que significaria a devolução do imóvel e o fim do museu. Foram liberados recursos
para restauro do imóvel um ano após o início do governo e, logo depois, efetuadas negociações para a compra definitiva, afinal
fechada em 10 prestações de 50 mil dólares. O museu foi finalmente aberto com uma exposição de objetos adquiridos em todo o
país, em especial barcos tradicionais, maquetes e peças de artesanato. Aproximadamente um ano depois, as duas últimas parcelas da
aquisição foram pagas - no último dia do governo ( que havia perdido as eleições), por volta das 11 horas da noite. Um percentual
de 10% de cada parcela dos pagamentos era diretamente doado pelo Sr. Manfredo, a nosso pedido, à Associação dos Amigos do
Museu do Mar ( até hoje a maior doação ao museu).

3) E o Museu Nacional do Mar, como nasceu?


O museu nasceu do duplo objetivo de valorizar o patrimônio naval brasileiro e o centro histórico de São Francisco, recém-
tombado. Foram 8 anos tentando “viabilizar o projeto”, até nossa “histórica” visita ao Manfredo Cominesi em Curitiba
(lembra? estávamos acompanhados pelo prefeito Rogério Zattar), quando ele aceitou um comodato de 4 anos, sem ônus, e
nos comprometemos a montar o museu neste espaço de tempo. Iniciamos pela “montagem provisória” - grande aventura, onde
rigorosamente todo o “acervo” era emprestado. Acho que foi em 1991. O Ministro da Marinha esteve presente (a nosso
convite), fato que forçou o governador a ir também. Deste dia em diante o museu entrou para seus objetos de interesse. O
Fernando Marcondes de Mattos foi imprescindível: era o secretário da fazenda. O vice, Antônio Carlos Konder Reis também
foi importante. A abertura definitiva foi em dezembro de 1993, já com o imóvel parcialmente restaurado. Depois disto veio
a ampliação para a sala das jangadas e a sala do Amyr Klink. Como terceiro passo, a sala do Maranhão, para a qual foi
necessário construir uma torre (já executada com recursos do Iphan. Depois (1999), o patrocínio da Petrobrás, permitindo
a ampliação atual da área . Com o patrocínio da Vega de Sul, renovamos a museografia do museu.

4) Houve dois projetos, em que datas?


1999 e 2003/2004.

5) Quais foram, aproximadamente, os recursos aplicados?


500 mil para compra. 300 mil para restauro da primeira etapa, compra do acervo e montagem museológica. Na segunda
etapa, 700 mil da Petrobras, 380 para compra do imóvel complementar, mais restauro, adaptação do prédio, exposição e compra
de acervo. Nos últimos anos: 400 mil Monumenta. 500 mil da Vega. Neste meio tempo, o Iphan entrou com aproximadamente
300 mil: sala dos botes, das jangadas, do Maranhão, para-raios, pintura, restauração do acervo, compra de livros, dioramas etc.

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Anexos | 311

6) Quais as empresas que trabalharam na execução das obras?


Empresas Confiança e Desterro, ambas de São José, Santa Catarina, principalmente.

7) Quantas embarcações pertencem hoje ao acervo do Museu? De que regiões procedem?


Aproximadamente 60 barcos: 5 baleeiras de Santa Catarina; 1 bote, 2 jangadas do Ceará;1 jangada da Bahia; 1 jangada
de Pernambuco; 1 cutter, 1 biana, 1 boião, 1 montaria do Maranhão; 1 canoa do Mato Grosso.da Bahia; 1 saveiro de “vela de
içar”, 1 “saveiro de pena”, 1 canoa “de voga” do Morro de São Paulo, Bahia; 3 “canoas baianas”; 2 grandes canoas bordadas, 1
canoa bordada pequena de Santa Catarina; canoas de “borda lisa” do Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro; 1 canoa grande
do Rio de Janeiro; uma “chacreira” do Rio Grande do Sul; 2 “botes do sul”, modelos gaúchos já existentes em Santa Catarina; 1
bote de dupla proa e 1 “popa torada” de Santa Catarina; 4 canoas da Amazônia; 4 embarcações do rio São Francisco; 1 “canoa
de tolda”, 1 “barco”, 2 taparicas. Uma traineira de pesca industrial, 1 baleeira de lazer, uma lancha e outra baleeira de passeio
( sala amadrinhados). Tenho planta geral com os barcos e imagens: estão à disposição.

8) Você sabe o número de visitantes anuais?


No ano passado foram 64 mil visitantes.

9) Quais são as perspectivas do museu e sua importância para a revitalização da cidade? Na minha
cabeça o futuro da cidade como turismo é consequência do museu.
O museu é considerado a maior atração da cidade. Sem dúvida nenhuma é o diferencial do centro histórico. Nosso propósito
é que evolua para novos acervos (já estamos “de olho” em imóvel lateral ao museu) e para a integração com a comunidade e com
o patrimônio “vivo”. Tivemos projetos aprovados este ano pela Petrobras, Caixa Econômica Federal, Fundação Vitae, Ponto de
Cultura do MinC e edital da Unesco. Teremos: acessibilidade (dois elevadores verticais e uma “rampa” na escada do auditório);
qualificação da biblioteca, novos painéis rotulados, “gaveteiros do saber”, compra de modelos de embarcações. Foi aprovado também
o projeto que estimula passeios náuticos praticados por pescadores, com saída do trapiche do museu. O projeto equipa 10 barcos de
pesca com rádio de comunicação e material de salvatagem, divulga os passeios e treina os pescadores. Para o edital do Monumenta/
Unesco, propusemos a criação do “Liceu de Artífices”, que é uma escola com duas turmas anuais, onde os alunos aprenderão a
executar modelos de barcos regionais brasileiros. Os alunos serão recrutados em todas as regiões do país. Conny, Lauro e Heitor
serão os professores principais. Esperamos implantar a marina no máximo até 2006 (um adendo ao Termo de Ajustamento
firmado com o Ministério Público Federal foi assinado neste sentido). As obras de dragagem continuam. A loja, o café e o bar do
museu estão funcionando bem.

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A maioria das ruínas constitui-se de edificações que, um dia, perderam sua função. Por isso é
necessário compreender que a preservação do patrimônio construído depende de sua plena
utilização. Entretanto, a importância do uso frequentemente é relegada a um segundo plano nas

Preservação do patrimônio Edificado


restaurações.

Na abordagem desse assunto, tema central do trabalho aqui apresentado, avalia-se a ação
institucional na preservação do patrimônio construído por meio da análise de diversas experiências
de reabilitação urbana e conservação de monumentos e da formação teórica e prática do arquiteto
de patrimônio.

Reconhecendo que cada família arquitetônica tem vocações específicas derivadas da sua função
original, deduz-se que o principal desafio da reutilização do patrimônio edificado reside em
conciliar as exigências ditadas pelo novo uso com as peculiaridades do monumento. Para examinar
essa questão, desenvolve-se uma análise das tipologias arquitetônicas com exemplos de intervenções
na arquitetura oficial (militar e administrativa), na arquitetura civil (urbana, rural, industrial e de
armazenamento e transporte) e na arquitetura religiosa.

Preservação
do patrimônio edificado:
a questão do uso
Cyro Corrêa Lyra

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