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Locus SOCI@L 1/2008: 32-47

Investigação em Serviço Social no


Portugal Contemporâneo. Paradoxos
e Desafios.
Alcina Martins
Fundadora, investigadora e coordenadora científica do CPIHTS
Professora Associada e Coordenadora do Mestrado em Serviço Social do Instituto Superior Miguel Torga.
alcina_martins@sapo.pt

Resumo
Aborda-se a investigação em Serviço Social no Portugal contemporâneo, após o processo de qualificação e
atribuição do grau de licenciatura (1989). Resgatam-se as implicações deste processo, analisando a investigação
como componente integrante da formação em Serviço Social, das competências profissionais, cujos resultados
se traduzem na produção do conhecimento e na criação de novas organizações da categoria, nomeadamente a
primeira unidade de I & D desta área – o CPIHTS.
Situa-se a expansão da formação a partir dos anos 90, no ensino privado e público; sinaliza-se a componente da
investigação nos actuais planos curriculares de 1º e 2º ciclos em Serviço Social; aponta-se nesta conjuntura um
processo de desregulamentação da formação e uma tendência para a desqualificação com o processo de Bolonha.
Por último, analisam-se paradoxos e desafios à investigação em Serviço Social fazendo-se um balanço da última
década.

Abstract
The article approaches Social Work research in contemporary Portugal, after the process of qualification and of
acknowledgement of the degree (1989). The implications of this process are analyzed, looking at research as an
inner part of Social Work education, of professional skills, which outcomes are knowledge production and creation
of new organizations of the professional category, namely its first R&D unit – CPIHTS.
The expansion movement on Social Work education is located from the nineties onwards, in private and public
sector, the research component of the first and master degree is signaled, and in this picture a process of deregulation
of the courses and a trend for the disqualification brought by the Bologna Process is pointed out. Finally, the article
analyzes the challenges and paradoxes of Social Work research departing from the balance of the last decade.

Em nome do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS) e do


seu Presidente, Mestre Alfredo Henríquez, quero agradecer ao Professor Francisco Branco o
Palavras Chave convite para participar neste Seminário e felicitá-lo na qualidade de Coordenador do Centro
Investigação de Estudos de Serviço Social e Sociologia da Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de
em Serviço Ciências Humanas (UCP-FCH) pela organização deste evento tão significativo da afirmação
Social, formação
académica em da Investigação em Serviço Social.
Serviço Social, Nesta comunicação pretende-se abordar três questões:
desregulamentação
e desqualificação
1. A investigação em Serviço Social na formação e nas novas organizações da profissão
da formação, após atribuição do grau da licenciatura;
produção de 2. Da desregulamentação da formação à tendência para a desqualificação com o processo
conhecimento
de adequação a Bolonha;
3. Paradoxos e desafios à investigação em Serviço Social em Portugal.
...

Key Words
Social Work I – A investigação em Serviço Social na formação e nas novas
research, academic
education in organizações da profissão
Social Work,
deregulation and
desqualification in Investigação como componente integrante da formação e das competências
Social Work profissionais
education,
knowledge
production Com a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, perspectiva-se uma maior

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intervenção do Estado no investimento e desenvolvimento das Políticas Sociais, apesar das
orientações neoliberais já se fazerem sentir na Europa. Ao nível do ensino superior regista-se
uma expansão do direito ao ensino, com o crescimento do número de Instituições de Ensino
Superior (IES), públicas e privadas.
Neste contexto os anos 80 e 90 são marcantes para o Serviço Social Português pelo movimento
de qualificação académica e luta pela licenciatura que congregou escolas, estudantes,
Assistentes Sociais e as suas organizações. Este processo culmina em 1989 com a atribuição
do grau académico à formação no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL) e
Instituto Superior de Serviço Social do Porto e em 1990 ao Instituto Superior de Serviço Social
de Coimbra, actualmente designado Instituto Superior Miguel Torga (ISMT); na criação da
carreira de Técnico Superior de Serviço Social na Administração Pública (1991) e na atribuição
do grau de mestre (1995).
Nesta conjuntura sócio-histórica, o projecto profissional incorpora as exigências de qualificação
de quem trabalha com as expressões da Questão Social, os Direitos Humanos e Direitos
Sociais, as Políticas Sociais, promovendo o desenvolvimento académico e a construção da
área disciplinar de Serviço Social, inserindo-se então a investigação no elenco dos avanços
significativos do Serviço Social em Portugal.
Por um lado, os Institutos inserem-se no ensino universitário, com planos de estudo de cinco
anos, alicerçados numa formação teórica, metodológica e técnica, sendo a investigação em
Serviço Social contemplada na vertente de disciplina, seminário de orientação e de prática de
investigação1.
Por outro lado, a carreira de Técnico Superior de Serviço Social compreende entre outras
competências as de investigação, a par das de concepção, execução, avaliação das medidas
de política social, coordenação, chefia e direcção.
Para que os Assistentes Sociais desenvolvam uma postura investigativa no exercício profissional,
torna-se necessário que a investigação corresponda efectivamente a uma componente da sua
formação de base, ao ser ensinada tanto no plano disciplinar como de aplicação e treino, de
inciação à prática de investigação. Os Assistentes Sociais vêm as suas competências reforçadas
com a capacitação para o desenvolvimento da investigação, que virá a repercutir-se no
alargamento dos espaços sócio-ocupacionais e na sua empregabilidade.
Inseridos no mercado de trabalho, a sua formação ao nível da investigação deve continuar a
merecer um permanente desenvolvimento e qualificação, de modo a acompanhar e qualificar
a acção profissional, os processos de avaliação e a produção de conhecimento, contribuindo
para tal a formação pós-graduada em Serviço Social.
Com a criação do primeiro curso de mestrado em Serviço Social, ao abrigo da cooperação
científica ISSSL/ Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (1987), dos três
cursos de mestrado reconhecidos pelo Ministério da tutela, entre 1995 a 2000, nas escolas
históricas (ISSSL, ISSSP, ISMT), a investigação académica sobe de patamar. Dos dois anos
de formação um é dedicado ao desenvolvimento de um projecto de investigação, incidindo na
história e trajectória do Serviço Social, nos problemas sociais, nas políticas sociais, bem como
nas intervenções profissionais dos Assistentes Sociais em diferentes campos de trabalho. Deste
processo de qualificação resultaram já algumas dezenas de dissertações de mestrado.
Entre 1990 e 2003 os eixos temáticos da investigação de pós-graduação em Serviço Social em
Portugal foram, segundo Fernanda Rodrigues e Francisco Branco (2008) as “Políticas Sociais e
Sociedade” e “Serviço Social, História, Campos de Prática e Debates”2. De referir que em 2000,
de forma precursora, Alfredo Henríquez faz um primeiro mapeamento da produção académica
então existente (Henríquez, 2000), cuja análise vai no sentido da que agora é desenvolvida.
Alguns destes mestres mantêm-se ligados à formação em Serviço Social, através da docência,
outros ao exercício da profissão, qualificando-a e contribuindo para a identidade do Serviço
Social Português.

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A investigação em Serviço Social ascende a um nível ainda mais elevado, quando em 1997
a parceria ISSSL/PUC-SP dá início aos cursos de doutoramento em Serviço Social. No
entanto, só no início do Século XXI, em 2003 se criam os primeiros cursos em universidades
portuguesas: o “Doutoramento em Ciências do Serviço Social” (ao abrigo do Protocolo de
Cooperação Universidade do Porto/ Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar e o ISSSP (UP-
ISSSP) e o “Doutoramento em Serviço Social” na UCP– FCH. Em 2004 o Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa em cooperação com o ISSSL dá início a um novo curso de
“Doutoramento em Serviço Social”.
Até 2003 as IES que desenvolvem cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento em Serviço
Social, não estavam dotadas de estruturas próprias de investigação. Nesse ano são criados 3
centros de Investigação: o “Centro de Investigação em Ciências do Serviço Social” (ISSSP), o
“Centro de Estudos de Serviço Social e Sociologia” da UCP-FCH e o “Centro de Investigação
em Serviço Social e Estudos Interdisciplinares” (CISSEI) que não sendo do ISSSL foi dinamizado
por alguns dos seus docentes, como a Professora Augusta Negreiros.

CPIHTS - primeira unidade de I&D em Serviço Social em Portugal

Dez anos antes da criação destes centros, institucionaliza-se o CPIHTS, pioneiro no domínio
da investigação em Serviço Social, independente das escolas, integrando Assistentes Sociais
que, na qualidade de estudantes do primeiro curso de mestrado em Serviço Social em 1987,
criaram o “Núcleo de Investigação em História do Serviço Social Português”. Neste âmbito
criaram e desenvolveram o projecto colectivo, na perspectiva do estruturalismo genético3, “A
construção do conhecimento do Serviço Social Português” (da sua génese aos anos 70) que
tinha subjacente os projectos individuais de investigação tendentes à dissertação. A investigação
histórica coloca-se como área de investimento estratégico no Núcleo e posteriormente no
CPIHTS.
Constitui-se em 1993 como associação científica de Serviço Social (Diário da República, III
Série de 29/9/1993) integrando a primeira doutorada em Serviço Social e Assistentes Sociais
em processo de qualificação (mestrado e doutoramento), investigadores de Serviço Social e
de outras áreas como Filosofia, Sociologia e Economia. Professores e colaboradores de países
europeus, dos Estados Unidos e do Brasil e outros países da América Latina.
É presidente do CPIHTS o investigador e Mestre Alfredo Henríquez que desde a sua criação
constitui a sua principal referência, dinamizando permanentemente este movimento que
associa investigação, produção e divulgação do conhecimento, cooperação e intercâmbio e o
debate e a interpelação do Serviço Social na sociedade contemporânea.
O CPIHTS apresenta como principais objectivos o estudo e a investigação do Serviço Social e
da sua história, dos problemas sociais, das políticas sociais e da intervenção social na realidade
portuguesa; a publicação dos resultados da sua actividade; a promoção e a realização de
debates e eventos de natureza científica sobre temáticas sociais relevantes para a intervenção
social e profissional; o estabelecimento de relações de intercâmbio com organizações similares
de carácter nacional e internacional.
Ao nível internacional destaca-se a cooperação no Brasil, com o Programa de Pós-Graduação
Académica em Serviço Social, o “Núcleo da Criança e do Adolescente” e o “Núcleo de Ética e
Direitos Humanos” da PUC-SP; o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro; o CIPEC – Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Consultadoria em
Políticas Públicas de Curitiba; em Espanha e Argentina através do Instituto de Ciências Sociais
Aplicadas e nos Estados Unidos, com a Division  of Social Work da Califórnia State University,
Sacramento e ao nível nacional com as organizações da categoria e as escolas de Serviço
Social.

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Credenciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) (1999) como Unidade de
Investigação & Desenvolvimento, a primeira na área do Serviço Social, foi sujeita à avaliação
por dois painéis internacionais de “História” e de “Sociologia, Antropologia, Demografia e
Geografia”, que reconhecem a cooperação desenvolvida ao nível nacional e internacional, os
projectos e as publicações (Henríquez, 2000: 14,15).
Desenvolvemos investigação da história do Serviço Social Português, a legitimação e resistência
da profissão na e à Ditadura; a problemática da infância e da delinquência em Portugal, a
formação do Serviço Social na sociedade contemporânea.
Editamos teses de doutoramento4, dissertações de mestrado5, trabalhos finais de curso de
licenciatura, a edição de Actas de Jornadas e Seminários Internacionais organizados pelo
CPIHTS, livros de autores de referência internacional, publicamos de forma regular ensaios
dos investigadores, criámos em 1995 a revista internacional Estudos & Documentos, Série I e II
que passou a publicação eletrónica com a criação da página do CPIHTS: http://www.cpihts.
com/.
Neste campo para além de artigos, comunicações, textos inclue-se um repositório de trabalhos
académicos como teses de doutoramento, dissertações de mestrado e trabalhos finais de curso
de licenciatura, de autores nacionais e internacionais.
Pioneiros nesta forma de divulgar a produção do conhecimento em Serviço Social no nosso
país, a página integra entre outras rubricas: Observatório Permanente em Serviço Social com
informação relativa à formação, investigação e profissão de Serviço Social, destacando-se a
subjacente ao debate sobre o processo de adequação de Bolonha à formação em Serviço
Social no nosso país; Publicações com a apresentação de algumas edições do CPIHTS.
Constituimos um Centro de Documentação que reune um acerbo de natureza bibliográfica,
documental, fotográfico, audio-visual e informático.
Organizamos seminários nacionais e internacionais (incidindo sobre questões como o Serviço
Social no Feminino; metodologias do Serviço Social; planificação estratégica; avaliação de
projectos e programas sociais; investigação em Serviço Social; ética, deontologia profissional
e os projectos profissionais), e debates sobre problemas contemporâneos como o processo
de globalização; a Questão Social e o Serviço Social; questões de género; o livro branco da
segurança social; o processo de regionalização e acção social local; Direitos Humanos; a
violência intra familiar e nas redes de prostituição-infantil.
Apoiamos a investigação de estudantes e profissionais de Serviço Social, somos centro
de acolhimento de investigadores de pós-graduação académica, de várias universidades
estrangeiras, tendo já oito doutorandos em Serviço Social da PUC-SP e da UFRJ realizado
estágio de investigação.
A investigação Survey of Portuguese Social Workers Professional Functioning, Job Related
Well-Being, and Alcohol/Drug Use promovida pelos investigadores Maria Cesaltina Dinis da
Universidade do Estado da Califórnia – Sacramento e Joseph R. Mereghi da Universidade de
Boston contou com o investigador do CPIHTS, Alfredo Henríquez, que dirigiu o trabalho
em Portugal continental e nas ilhas da Madeira e Açores, no âmbito de um protocolo entre a
Universidade de Sacramento e o CPIHTS. Foi criada uma equipa de Assistentes Sociais para
proceder à construção e adaptação do questionário à realidade social portuguesa, assim como
à sua distribuição pelos Assistentes Sociais portugueses, sócios da Associação de Profissionais
de Serviço Social (APSS). Os resultados desta pesquisa internacional foram já divulgados6.
A publicação da obra History of Social Work in Europe (1900-1960).Female Pioneers and their
Influence on the Development of International Social,  Organisations, organizada por Sabine
Hering e Berteke Waaldijk (2003), tradução da versão alemã (2002)7, ao incluir um capítulo
sobre as “Mulheres na História do Serviço Social em Portugal”, que tinha originalmente
sido editado em Serviço Social no Feminino (1997)8, constitui um indicador de divulgação
internacional do conhecimento produzido pelo CPIHTS.

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Produção do conhecimento, divulgação e publicação pelas escolas e organizações da
profissão

O processo desencadeado pelo ISSSL de qualificação académica em Serviço Social levou à


criação em 1985 da revista (quadrimestral) Intervenção Social, específica da área de Serviço
Social, sendo editados em 20 anos 31 números. Em 1995 e 1998 publica as primeiras
dissertações de mestrado em Serviço Social9, e em 1999, juntamente com o CPIHTS a tese de
doutoramento, já referida.
No rescaldo do movimento pela obtenção do grau de licenciatura, recém licenciados
e estudantes do ISSSP em 1991 organizam o Grupo de Investigação e Debate em Serviço
Social, constituindo-se no ano seguinte na associação sem fins lucrativos, Associação de
Investigação e Debate em Serviço Social (AIDSS) cujos principais objectivos se centram no
apoio à investigação, na promoção do debate em Serviço Social, na organização de acções de
formação e na edição anual da revista Intervenção e Debate em Serviço Social, que desde 1995
conta já com 16 números10.
A Associação de Profissionais de Serviço Social (APSS) edita a partir de 1992 vários números
da revista quadrimestral Do Serviço Social e em 1995 um número especial sobre “Direitos
Humanos e Serviço Social”, tendo, no entanto, deixado de publicar. Em 2003 edita as Actas
do I Congresso Nacional de Serviço Social11. O CPIHTS apoia esta publicação e edita, com a
APSS dois livros12.
O CPIHTS no âmbito do Projecto Atlântida, em cooperação com ICSA, Veras Editora13, ISSSL
e APSS, editou 12 livros em 15 anos de existência.
Registe-se a publicação em 1999 de uma produção colectiva e independente14, de artigos e
resenhas por docentes, Assistentes Sociais em revistas de instituições de ensino superior com
formação em Serviço Social, como Interacções do ISMT, e ainda a organização de números
específicos da Revista Campus Social da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
As Editoras “Quarteto” de Coimbra e “Estratégias Criativas” do Porto publicaram já livros,
dissertações e tese de doutoramento em Serviço Social15. Note-se também a publicação de
artigos de Assistentes Sociais portugueses em revistas da especialidade, impressas e eletrónicas,
ao nível nacional e internacional. Nos últimos anos, Assistentes Sociais portugueses têm
criado blogues, que também contribuiem para a divulgação, o debate do conhecimento que
se produz nesta área, conferindo maior visibilidade do Serviço Social Português no contexto
internacional.
Apesar de não se ter constituído ainda a carreira de investigador, a investigação permeia o
campo do Serviço Social: a formação, a acção profissional, os centros e unidades de I & D,
as organizações da categoria, constituindo-se numa dimensão identitária do Serviço Social
Português nas últimas décadas.

II - Da desregulamentação da formação à tendência para a


desqualificação com o processo de adequação a Bolonha
1. Da expansão da formação em Serviço Social no ensino privado e público à adequação
ao processo de Bolonha

Se a conquista do grau de licenciatura em Serviço Social despoletou interesses por esta área
no ensino superior privado e posteriormente, no ensino público, veja-se como se configura,

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presentemente, a formação e a investigação nesta área.
Nos anos 90 criaram-se cinco cursos de licenciatura em Serviço Social no ensino universitário
privado (um crescimento de 166%) inserindo-se no processo mais amplo de expansão do
ensino superior em Portugal nas últimas três décadas.
O ensino privado concentrou-se num número restrito de áreas científicas e disciplinares, como
a Gestão, o Direito e as Ciências Sociais - onde o Serviço Social se insere - as que em geral
requerem um menor investimento em estruturas educativas e de investigação (Magalhães,
2004)16. Neste contexto, perguntar-se que investimentos têm existido por parte das IES em
Serviço Social nas novas ofertas formativas?
A produção em massa de Assistentes Sociais fez-se sem ter existido um processo de regulação e
controlo de qualidade da formação (por parte do Ministério e ou da organização profissional).
Apesar de Cursos de Serviço Social terem sido alvo de avaliação pela Comissão de Avaliação
Externa dos Cursos de Acção Social (CNAVES, 2005), não se registaram consequências deste
processo ao nível da regulação.
Se até 1992 se diplomaram em Portugal 4540 Assistentes Sociais (Martins e Coutinho, 1995:
42-59), em média 84 por ano, entre 1993 e 2003 passam a formar-se 433 por ano lectivo
(Martins e Tomé, 2008)17.
Na primeira década do século XXI a escalada de transformações na formação do Serviço Social
Português vai prosseguir com dois novos processos: a integração do curso de Serviço Social em
instituições do ensino público, universitário e politécnico e o desenvolvimento da reforma do
ensino superior com a Declaração de Bolonha18.
Durante o século XX foi negado o direito ao ensino público em Serviço Social. Só no presente
século é que esta área foi integrada neste tipo de ensino, numa conjuntura sócio-política de
crise do Estado Social com tendências para a privatização e mercantilização crescente do
ensino superior.
No início do século XXI, e segundo Boaventura de Sousa Santos “a universidade de criadora
de condições para a concorrência e para o sucesso no mercado, tranforma-se ela própria,
gradualmente, num objecto de concorrência, ou seja, num mercado” (Santos, 2004: 16).
É neste contexto que a licenciatura em Serviço Social é capturada pelo ensino público,
universitário e politécnico19, potenciando recursos humanos disponíveis nestas instituições.
O crescimento da formação em Serviço Social no ensino público, ocorre sem qualquer
processo de regulamentação. Assim, no ano lectivo 2007/2008 o ensino público, universitário
e politécnico ofereceu 40,8% do total das vagas (1208) e no ano lectivo 2006/07 a diferença
entre inscritos no ensino privado e no público foi apenas de 150 alunos com primazia para o
privado20 (Martins e Tomé, 2008).
Todos os cursos de licenciatura e mestrado em Serviço Social procederam já à adequação a
Bolonha21.
Durante este processo foi produzido o documento “Posição da APSS sobre o processo de
Bolonha e a formação em Serviço Social, subscrito pelas organizações da categoria (APSS,
2006), que recomendava, entre outros aspectos: duração dos cursos, ser preferentemente de
8 semestres; garantir um nível consistente de formação específica dando particular atenção
à componente do estágio supervisionado e à capacitação para a investigação e produção de
conhecimento nos contextos de acção profissional e o estabelecimento de uma norma base de
regulamentação da formação.
No geral, estas orientações foram atendidas, com excepção da proposta da criação de uma
norma base para a regulamentação da formação. Deste modo, as IES tiveram uma ampla
autonomia na reformulação dos planos curriculares.
Presentemente, temos 20 cursos de 1º ciclo em Serviço Social22. Metade dos cursos são do
ensino privado e a outra do ensino público; 13 cursos inserem-se no ensino universitário e 7
no ensino politécnico.

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O número crescente de cursos de licenciatura em Serviço Social no ensino público, não teve
desenvolvimento similar no 2º e 3º ciclos. A formação de mestrado e doutoramento em Serviço
Social, encontra-se unicamente no ensino privado universitário. Quadruplicou-se o número
de instituições que oferecem o 2º ciclo em Serviço Social – de duas nos anos 90 passaram a
oito em 2007/2008. Dos três cursos de doutoramento só o da UCP foi adequado a Bolonha,
tendo sido registado em 2007 um novo curso de doutoramento em Serviço Social no ISSSL na
Universidade Lusíada.

2. A componente da investigação na formação de 1º e 2º ciclo em Serviço Social

Não é objecto desta comunicação a análise dos fundamentos da investigação na formação,


apenas se procura sinalizar a presença de Unidades Curriculares (UC) de Ciências Sociais e do
Serviço Social, cuja designação mencione a palavra “investigação”. A recolha de informação
foi a disponibilizada nos sites das IES face aos plano de estudos e respectivos ECTS.

QUADRO Nº 1 – Número de UC com referência à Investigação, nos cursos de 1º Ciclo em Serviço


Social, por tipo de ensino

CURSOS 1º CICLO 0 1 2 3 4 5 TOTAL


SERVIÇO SOCIAL / U.C. U.C. U.C. U.C. U.C. U.C.
TIPO DE ENSINO

UNIVERSITÁRIO/ PRIVADO 2 1 4 1 8

UNIVERSITÁRIO/ PÚBLICO 1 2 2 5

POLITÉCNICO/ PÚBLICO 4 1 5

POLITÉCINICO/ PRIVADO 1 1 2

TOTAL 1 6 4 3 5 1 20

Dos 20 cursos, com excepção de um todos apresentam 1 a 5 disciplinas semestrais, cuja


denominação inclui a palavra “investigação” ou “métodos/ metodologia das Ciências Sociais”.
A diferença no número de UC prende-se com a duração dos cursos e tipo de ensino.
Tendencialmente, o ensino politécnico com 6 semestres de duração apresenta 1 UC e o ensino
universitário com 7 semestres tem pelo menos 2 UC, para a abordagem dos métodos e técnicas
de investigação social, de metodologias de natureza quantitativa e qualitativa das Ciências
Sociais.
No ensino universitário existem outras UC com a designação de “Seminários de investigação”
(Universidade da Madeira e UCP – Lisboa e Braga). Em 4 cursos apresentam-se UC de
“Investigação em Serviço Social” (ISMT, ISSSL – U.Lusíada, ISSSP) ou “Seminários de
Investigação e intervenção em Serviço Social” (Universidade LHT). Com a UC “Núcleos de
Estudo” de iniciação à prática de investigação o curso do ISMT perfaz 5 UC.
As excepções encontram-se no ensino politécnico público, caso do Instituto Politécnico de Beja
com 4 UC e no politécnico privado o curso do ISCET que não apresenta nenhuma. No ensino
universitário público a Universidade de Coimbra fica-se por 1 UC. Dos 20 cursos, metade
têm entre 1 a 2 UC e só em 4 cursos do privado universitário se articula especificamente a

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investigação ao Serviço Social.
Analisaram-se também os ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System)
atribuídos aos cursos e às UC, ou seja, o número de créditos que indicam o montante de
trabalho que deve ser realizado em horas lectivas, projectos, trabalhos no terreno, estudo,
avaliação, estágios, investigação, etc.
Os cursos de 1º ciclo em Serviço Social no ensino politécnico público e privado apresentam
180 ECTS, registando-se 210 ECTS nos cursos de ensino universitário público e privado. As
excepções no universitário privado são os cursos da UFP e da U Lusófona com 180 ECTS.
Estabelecendo a relação entre o total de ECTS das UC com referência à investigação e o total
de ECTS do curso de 1º ciclo, verifica-se que a percentagem mais baixa encontra-se no ensino
politécnico (2,8%) e a mais elevada no ensino privado universitário com cerca de 13%.
A desvalorização da componente de investigação na graduação dos Assistentes Sociais é patente
na maior parte dos cursos, acentuando-se nos que apresentam uma menor duração23, o que
não deixará de se repercutir na acção profissional. Não tendo as competências profissionais
sido alvo de redução, só as exigências da formação o foram.

QUADRO Nº 2 – Número total de ECTS das UC com referência à Investigação, nos cursos de 1º Ciclo
em Serviço Social, por tipo de ensino

Nº TOTAL DE ENSINO ENSINO ENSINO TOTAL


ECTS das UC UNIVERSITARIO UNIVERSITARIO POLITÉCNICO DE CURSOS
com referência à
INVESTIGAÇÃO 7 Sem 210 ECTS 6 Sem 180 ECTS 6 Sem 180 ECTS

5 ECTS IPLeiria,
IPCastelo Branco 3
IP Portalegre

6 - 8 ECTS U. Coimbra UFP ISPGaya 5


UCP – Viseu IP Viseu

12 - 16 ECTS U Açores 5
UTAD
ISCSP – UTL
UCP – Braga
U. Lusíada

19,5 – 22,5 ECTS U. Madeira IP Beja 3


UCP – Lisboa

25 - 28 ECTS ISMT U. Lusófona 3


ISSSP

A formação em Serviço Social com a aplicação das políticas vigentes, parece ter cedido às
exigências do mercado. Tornou-se permeável a concepções de um perfil profissional mais
tecnicista em detrimento dum mais crítico, com maior solidez e qualidade, fragilizando ou
mesmo fazendo regredir os avanços já conquistados.
À desqualificação do grau académico de licenciatura segue-se a obtenção de outro grau
académico, o mestrado.
Analisando as 8 IES com 2º ciclo em Serviço Social, seis apresentam cursos com uma duração

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de 3 semestres e dois com 4 semestres. Todos os cursos contemplam a elaboração de uma
dissertação, oscilando entre 27,5 e 40 ECTS.
O ISSSP apresenta dois cursos de 2º ciclo: “Ciências Sociais e Saúde” e “Gerontologia Social”
sendo o único que coloca em alternativa a dissertação de natureza científica o trabalho de
projecto ou um estágio profissional com relatório final, atribuindo igual número de ECTS -
27,5.
Em todos os planos de estudo verifica-se a existência de UC com referência à “investigação”,
“projecto” ou “dissertação”. Dos cursos de mestrado 5 apresentam três destas UC, 2 têm
quatro UC e 1 fica-se por duas. Os cursos com maior duração apresentam 3 UC.

QUADRO Nº 3 – Unidades Curriculares com referência à Investigação/ Dissertação, Projecto/ Estágio


nos Planos de Estudo de 2º Ciclo em Serviço Social de 3 e 4 Semestres

UNIDADES CURRICULARES/ CURSOS DE CURSOS DE


DISSERTAÇÃO/ 2º CICLO EM SERVIÇO SOCIAL 2º CICLO EM SERVIÇO SOCIAL
TRABALHO DE PROJECTO/ 3 Sem 4 Sem
ESTÁGIO PROF COM RELAT.

2 UC UCP – Viseu

3 UC UCP – Lisboa UFP


UCP – Braga U. LUSÓFONA
ISSSL – U.LUSÍADA

4 UC ISMT
ISSSP

DISSERTAÇÃO 5 CURSOS 2 CURSOS

DISSERTAÇÃO/
TRABALHO DE PROJECTO/ 2 CURSOS DO ISSSP
ESTÁGIO PROF COM REL.

As disciplinas por um lado, centram-se nas metodologias de investigação social, nalguns


cursos é especificada com a menção em “Intervenção social” (ISSSP, UFP) em “Serviço Social”
(ISSSL-UL); ou à “reflexão sobre intervenção e práticas profissionais em Serviço Social” (nos
cursos da UCP – Lisboa e Braga). Por outro lado, há UC que se associam à dissertação,
designando-se Seminário “de dissertação”, “de investigação”, “de projecto” ou “projecto de
dissertação”, algumas com referência à “dissertação e tutoria”. No ISMT a UC “Núcleos de
Estudo e Investigação” dá continuidade à estrutura existente no 1º ciclo.
Os cursos de 2º ciclo em Serviço Social com duração de 3 semestres apresentam 90 ECTS e
com 4 semestres 120 ECTS.
Se analisarmos o total de ECTS das UC associadas à investigação e dissertação a maioria dos
cursos situa-se entre 52,5 e 57,5 ECTS. Os cursos da UFP e do ISSSP são os que apresentam
um valor inferir a 50% do total de ECTS. Os restantes cursos conferem a estas componentes
mais de metade dos créditos do 2º ciclo, o valor mais elevado 72 % regista-se no ISMT.

Através destas observações fica patente que a formação em investigação se aprofunda no

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2º ciclo em Serviço Social como é expectável. As directrizes, as exigências na docência e nas
práticas de investigação e a efectiva produção do conhecimento nos mestrados, após processo
de Bolonha, ficam a merecer investigação.

QUADRO Nº 4 – Número total de ECTS das UC com referência à Investigação/ Dissertação, Projecto/
Estágio nos cursos de 2º Ciclo em Serviço Social de 90 e 120 ECTS

Nº TOTAL ECTS DAS CURSOS DE 2º CICLO CURSOS DE 2º CICLO TOTAL


UC COM REFERÊNCIA 3 Sem 90 ECTS 4 Sem 120 ECTS
À INVESTIGAÇÃO/
DISSERTAÇÃO,
PROJECTO/ ESTÁGIO

42,5 ECTS ISSSP 1

52,5 – 57,5 ECTS ISSSL – U LUSÍADA UFP


UCP – LISB 5
UCP - BRAGA
UCP-VISEU

65 ECTS ISMT U. LUSÓFONA 2

III – Paradoxos e Desafios da Investigação em Serviço Social em


Portugal
O desenvolvimento da investigação pressupõe a existência de condições. Na comunicação
de 1996, “Serviço Social e Investigação”, (Martins,1999) identificava algumas. Passados 12
anos e fazendo um balanço, sinalizam-se três dessas questões que ainda hoje se colocam,
simultaneamente, como um paradoxo e que por isso são ainda desafios a enfrentar.

1. A qualificação académica dos docentes e investigadores e a criação e desenvolvimento


de centros de investigação (Martins,1999: 63).

A qualidade da formação não é dissociável da qualificação académica dos docentes.


Se atendermos aos docentes de Serviço Social, com mestrado e doutoramento na área, a
qualificação processou-se e continua a fazer-se unicamente no ensino universitário privado,
tendo reflexos na distribuição destes docentes pelos cursos existentes.
Em 1993 formou-se a primeira doutorada em Serviço Social, passados 15 anos, são 14 doutores
desta área que desenvolvem a formação de 1º, 2º e 3º ciclos em Serviço Social. A maioria (10)
formou-se no Brasil, na PUC-SP, dois na Suíça, pela Universidade de Fribourg (Faculdade
de Letras, vertente Trabalho Social) e 2 em Portugal, nos cursos da UCP- FCH e UP/ISSSP.
Distribuem-se por 7 escolas, 11 encontram-se em cursos do ensino privado universitário, onde
se desenvolve o 1º, 2º e 3º ciclos. Os restantes, no ensino público, dois numa Universidade e
um num Instituto Politécnico.
Neste contexto, os mestres em Serviço Social que são em maior número e que se encontram

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em processo de qualificação académica, dão um contributo muito importante à formação em
Serviço Social, presentemente e em futuro próximo.
A relação de docentes qualificados com o número de alunos inscritos e dipomados em
Serviço Social, por ano, está seguramente muito aquém do necessário e desejável. Em
2006/07 inscreveram-se 1166 alunos no primeiro ano no 1º ciclo (Martins e Tomé, 2008). A
qualificação académica dos docentes tem-se processado mas não acompanha este crescimento
vertiginoso.
A maioria das IES não fez e não faz investimentos no recrutamento e na qualificação dos
docentes de Serviço Social, recorrendo à disputa dos doutores existentes e à sua mobilidade.
O facto dos estabelecimentos continuarem a atribuir a direcção científica de cursos de 1º ciclo
a docentes que não são da área específica da formação é indicador desta situação, tendo sido
objecto da análise de Alfredo Henríquez em “1999: Trabalhadores Sociais comprometidos
com o seu futuro” (Henríquez, 2000).
Se atendermos a que se formaram entre 2004 e 2006, 833 Assistentes Sociais por ano (Martins;
Tomé, 2008), pergunta-se que condições apresentam as IES para sustentar a qualidade nos
diferentes ciclos da formação, nomeadamente ao nível da investigação, como componente
da formação e na criação de estruturas de investigação como Unidades de Investigação &
Desenvolvimento24?
Em que medida a formação de 1º e 2º ciclo em Serviço Social integra e aprofunda o processo
de produção de conhecimento ou se limita a difundir e a reproduzir o conhecimento orientado
para o mercado?
As diferenças existentes no ensino superior, entre ensino público e privado, estão entre outros
aspectos associadas a que no ensino público a relação entre ensino e investigação seja mais
estreita, estando as IES dotadas de docentes qualificados e de recursos afectos à investigação
e suas estruturas.
No que respeita à formação em Serviço Social, as IES públicas - que já correspondem a
metade da oferta para o 1º ciclo - parecem não estarem a adoptar estas estratégias. Face à
desresponsabilização do Estado, quem assegura o direito à educação pública nesta área do
conhecimento?

2. O Serviço Social legitimar-se como um dos domínios de investigação em Portugal


e fazer-se representar nas estruturas de apoio à investigação”. (Martins, 1999: 62 e
63).

No I Congresso Nacional de Serviço Social em 2002 referia-se que a Fundação para a Ciência
e a Tecnologia (FCT) e organizações similares ainda não consideravam o Serviço Social como
disciplina autónoma das Ciências Sociais, a integrar o elenco das áreas disciplinares (Martins,
2003: 58). Passados estes anos, a situação não se alterou neste domínio e presentemente
outros organismos dentro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior integram o
Serviço Social em áreas distintas.
A Direcção Geral do Ensino Superior (DGES) no que respeita ao acesso ao ensino superior
integra o curso de Serviço Social na “Área de Direito, Ciências Sociais e Serviços”, já o Gabinete
de Planeamento Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) nas estatísticas do
ensino superior insere-o na área de formação e educação designada de “Trabalho Social e
Orientação” 25, mas na abordagem do emprego coloca os diplomados em Serviço Social na
área denominada de “Serviços Sociais”.
Em 2006 a Direcção Geral de Ensino Superior criou uma Comissão de Especialistas em Serviço
Social, constituída pela primeira vez por Assistentes Sociais, para dar parecer sobre os pedidos
de autorização de novos cursos, apresentados pelo ensino particular e cooperativo. Mas

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nas estruturas de apoio ao financiamento à investigação o Serviço Social continua a não ter
representantes. Situação que a FCT tem vindo a associar à inexistência de I&D em número
considerado significativo, veja-se a resposta à interpelação em 2001 do CPIHTS no seu site
(CPIHTS, 2001).
O Serviço Social continua a estar em grande parte excluído da política de investigação científica
e dos financiamentos atribuídos a esta actividade. (Martins, 1999; 2003). Pergunta-se em que
contexto e em que condições se está hoje a assegurar o desenvolvimento da investigação em
Serviço Social, quer nas IES, quer em instituições não académicas?

3. A divulgação e a publicação dos trabalhos de investigação já realizados e a realizar


no âmbito de cursos de mestrado e doutoramento em Serviço Social, imprescindível
para uma maior visibilidade da profissão e da sua produção de conhecimentos que
permita um debate mais alargado a outras áreas profissionais e a outros sectores da
sociedade portuguesa (Martins, 1999: 63).

A produção de conhecimento em Serviço Social em Portugal está fundamentalmente associada


às dissertações e teses realizadas no âmbito dos cursos de pós-graduação académica. Se
atendermos a que das 15 teses existentes de doutoramento em Serviço Social26, só um terço
foi publicada (duas pelo CPIHTS e destas uma em parceria com o ISSSL, uma pela Fundação
Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o Ministério da Ciência e
da Tecnologia27, uma pela Fundação Bissaya Barreto/ Instituto Superior Bissaya Barreto28 e
uma por uma editora comercial29). Isto significa que a produção do conhecimento em Serviço
Social, ao nível da pós-graduação académica, continua em parte invisível, desconhecida tanto
para Assistentes Sociais, como para o meio académico, instituições empregadoras e outras
organizações e movimentos da sociedade portuguesa.
Relativamente aos mestrados em Serviço Social vale dizer que se regista um aumento crescente
da procura, após Bolonha, sobretudo por parte dos recém diplomados, mas também de
Assistentes Sociais em exercício. Estes apresentam preocupações em qualificar a sua própria
prática profissional e melhor compreender e reflectir as vicissitudes com que se confrontam no
quotidiano. Assim, os avanços da formação pós-graduada já não se circunscrevem ao meio
académico.
Há questões relativas à investigação em Serviço Social que estão para além das IES,
consideramos:
Inadiável que as organizações da categoria em articulação com os IES em Serviço Social
definam uma norma base de regulação da formação do 1º ciclo em Serviço Social, que reforce
a importância da investigação;
Que o ensino (público e privado) invista na investigação em Serviço Social, na formação dos
seus investigadores e na criação de Unidades de Investigação & Desenvolvimento nesta área,
que garanta o direito à qualificação e à educação pública pós graduada em Serviço Social.
Quando estão por consolidar estruturas de investigação, aumenta o risco de se transformar a
educação num “negócio”;
Que se afirme uma formação profissional que não se limite às exigências do mercado de
trabalho e a uma concepção técnico-instrumental do Serviço Social, subjacente às perspectivas
mercantilistas da educação, resistindo ao processo em curso de desqualificação da formação.
Para onde vai o Serviço Social se se continuar a privilegiar na formação a separação da dimensão
da investigação da do ensino, não assegurando plenamente o desenvolvimento de competências
dos futuros Assistentes Sociais, sujeitos actuantes na sociedade contemporânea?
Que se organize um Encontro de investigadores em Serviço Social, preparatório do 2º
Congresso Nacional de Serviço Social (já apontado por organizações da categoria para o

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próximo ano) para o equacionar da situação presente, questões e estratégias que levem a
ultrapassar a incipiente socialização e publicação do conhecimento produzido em Serviço
Social, a construção e definição de uma agenda política das prioridades de investigação e bem
assim dos pressupostos éticos e políticos subjacentes ao projecto que a profissão configure
para as próximas décadas.

Referências

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wordpress.com/sobre/

APSS (2006). Posição da Associação de Profissionais de Serviço Social (APSS) sobre o processo de Bolonha
e a formação em Serviço Social, http://www.cpihts.com/PDF02/BOLONHA%20POSIÇAO%20
DA%20APSS.pdf

CNAVES - Comissão de Avaliação Externa dos Cursos de Acção Social (2005). Relatório Síntese
Global.

CPIHTS (2001). Carta Aberta sobre a Investigação em Serviço Social, 7 de Maio, http://www.cpihts.
com/investiga.htm

Franco, Ana Cristina de Almeida M. (2003). A Investigação em Serviço Social e a formação ao nível
da licenciatura. Análise dos Planos de Estudo nos anos 90, em Portugal (Dissertação de Mestrado em
Serviço Social, Instituto Superior Miguel Torga).

Henríquez, B. Alfredo (2000). 1999: Trabalhadores Sociais Comprometidos com o seu Futuro, Estudos
& Documentos, 4/5.

Magalhães, António (2004). A Identidade do Ensino Superior. Política, Conhecimento e Educação


numa Época de Transição. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e
a Tecnologia.

Martins, Alcina e Tomé, Maria Rosa (2008). O Estado Actual da Formação em Serviço Social em
Portugal - uma proposta de reforço da organização profissional. Comunicação apresentada ao Seminário
Euro-Brasileiro de Serviço Social - Formação, Investigação, Qualidade e Desenvolvimento.
Coimbra, Instituto Superior Miguel Torga, 20 de Fevereiro.

Martins, Alcina (2007). O processo de Bolonha e a formação em Serviço Social - questões e problemas,
http://www.cpihts.com/PDF02/O%20Processo%20de%20Bolonha.pdf

Martins, Alcina (2003), Investigação em Serviço Social: perspectivas actuais. In Serviço Social:
Unidade na Diversidade. Encontro com a Identidade Profissional. Actas do I Congresso de Serviço
Social. Lisboa: APSS.

Martins, Alcina (1999). Serviço Social e Investigação. In Serviço Social, Profissão & Identidade,
Que Trajectória? (pp. 45-65), Lisboa e São Paulo: edição dos autores em associação com Veras
Editora.

Martins, Alcina e Coutinho, Manuela (1995). Le Travail Social au Portugal. Vie Sociale, 4, 42–

Locus SOCI@L 1/2008: 44


59.

Rodrigues, Fernanda e Baranco, Francisco (2008). A Investigação em Serviço Social em Portugal:


uma aproximação a partir da formação pós-graduada, comunicação apresentada à 19ª Conferência
Mundial Serviço Social, IFSW e CFESS, Bahia, 16-19 Agosto.

Tomé, M. Rosa (2007). O processo de Bolonha e o Serviço Social em Portugal: os desafios à formação e
à profissão, comunicação apresentada ao 3º Seminário Nacional – Estado e Políticas Sociais no
Brasil, Cascavel, 23 -25 de Agosto, recuperado de http://www.cpihts.com/PDF02/Rosa%20
Tomé.pdf

Santos, Boaventura de Sousa (2004). A Universidade no Século XXI: para uma Reforma Democrática
e Emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez Editora.

Notas
1
Para desenvolvimento desta componente da formação nos Institutos de Serviço Social de Lisboa, Porto e Coimbra
veja-se a Dissertação de Mestrado em Serviço Social apresentada ao Instituto Superior Miguel Torga de Ana Cristina
de Almeida M. Franco, A investigação em Serviço Social e a formação ao nível da licenciatura. Análise dos Planos
de Estudo nos anos 90, em Portugal, 2003, págs 145 a 172.
2
Para a análise desta produção veja-se: Fernanda Rodrigues e Francisco Branco, “A Investigação em Serviço Social
em Portugal: uma aproximação a partir da formação pós-graduada”, 19ª Conferência Mundial Serviço Social,
IFSW e CFESS, Brasil, Bahia, 2008.
3
O estruturalismo genético de Lucien Goldman foi aplicado à investigação em Serviço Social em Portugal, tendo
sido inicialmente proposto e desenvolvido no âmbito do 1º curso de mestrado em Serviço Social (1987) pela Profª
Doutora Myrian Veras Baptista responsável pela disciplina “História e Tendências Teóricas do Serviço Social”.
Realizaram-se trabalhos para esta disciplina que tomaram como objecto a história e trajectória do Serviço Social
Português, tendo merecido posteriores aprofundamentos em projectos de investigação, de dissertação e de
doutoramento em Serviço Social e influenciado a criação do Núcleo de Investigação.
4
Em co-edição as teses de doutoramento em Serviço Social: Fernanda Rodrigues, Assistência Social e Políticas
Sociais em Portugal, Lisboa, CPIHTS, ISSSL, 1999 e de Marlene Braz Rodrigues, Corpo, Sexualidade e Violência
Sexual, Lisboa, CPIHTS, Veras, 2007. A tese em Economia de Manuela Coutinho, A Economia Social em Portugal.
A emergência do Terceiro Sector na Política Social, Lisboa, CPIHTS, APSS, 2003.
5
A dissertação de mestrado em Serviço Social de Maria Rosa Tomé, A Criança e a Delinquência Juvenil na Primeira
República, Lisboa, CPIHTS, NCA, CIPEC, ICSA, 2003.
6
Vejam-se os artigos de Joseph R. Merighi e Maria Cesaltina Dinis “Surface Acting as a Predictor of Emotional
Exhaustion in Portuguese Social Workers”, The International Journal Of Interdisciplinary Social Sciences,Volume
3, Number 1, 2008, p. 304 a 310; “The influence of Alcohol Consumption and Sedative Use on life satistaction in
Portuguese Social Workers”, The International Journal Of Interdisciplinary Social Sciences,Volume 3, Number 2,
2008, p. 15 a 22.
7
Alcina Martins, “Frauen in der Geschichte der Wollfahrtspflege in Portugal”, Die geschichte der sozialen arbeit in
europa: Wichtige Pionierinnen und ihr Einfluss auf die Entwicklung internationaler Organisationen, Sabine Hering,
Berteke Waaldijk (ed), Hamburg, Opladen, 2002, pág 173 a 182. Alcina Martins, “Women in the History of Social
Work in Portugal”, History of Social Work in Europe (1900-1960).Female Pioneers and their Influence on the
Development of International Social, Organisations,  Sabine Hering, Berteke Waaldijk (ed), Hamburg, Opladen,
2003, pág 177 a 185.
8
Alfredo Henriquez e Alcina Martins (org.), Serviço Social no Feminino, Lisboa, CPIHTS, 1997 integra o capítulo
de Alcina Martins, “As Mulheres e as suas organizações na emergência e institucionalização do Serviço Social

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Português”, pág. 15 a 26.
9
Maria Augusta G. Negreiros, As representações sociais da profissão de Serviço Social. Uma análise empírica em
contexto autárquico,Lisboa, ISSSL, 1995 e Francisco José do Nascimento Branco, Municípios e políticas sociais em
Portugal: 1977-1989, Lisboa, ISSSL, 1998.
10
Veja-se “História” da AIDSS, na página http://aidss.wordpress.com/sobre/
11
Alfredo Henríquez e Maria André Farinha (org.), Serviço Social: Unidade na Diversidade. Encontro com a
Identidade Profissional. Actas do I Congresso de Serviço Social, Lisboa, APSS, 2003.
12
Maria José Aguilar Idáñez e Ezequiel Ander-Egg, Avaliação de Serviços e Programas Sociais, Lisboa, Buenos Aires,
Albacete, CPIHTS, APSS, ICSA, 2002 e no ano seguinte a tese de doutoramento em Economia já referida.
13
Destacam-se os livros: Myrian Veras Baptista, A Investigação em Serviço Social, Lisboa, São Paulo, CPIHTS,
Veras, 2001 e Alfredo Henríquez (org.) Serviço Social, Ética, Deontologia & Projectos Profissionais, Lisboa, Madrid,
São Paulo, CPIHTS, ICSA, Veras, 2001.
14
Maria Augusta Negreiros, Alcina Martins, B. Alfredo Henríquez, Josefina Figueira Mc Donough, Serviço Social,
Profissão & Identidade, que trajectória?, Lisboa, São Paulo, edição dos autores, 1999.
15
Sem se pretender fazer um levantamento das obras de Serviço Social editadas, referencia-se o livro de Helena
Mouro e Dulce Simões (coords), 100 anos de Serviço Social, Coimbra, Quarteto Editora, 2001. A publicação da
dissertação de Mestrado em Serviço Social, em dois volumes, de Manuel Menezes, As práticas de cidadania no
poder local comprometido com a comunidade, Coimbra, Quarteto, 2001 e Serviço Social Autárquico e Cidadania:
a experiência da Região Centro, Coimbra, Quarteto, 2002. A tese de doutoramento em Serviço Social de Maria
Helena Nunes, Serviço Social e Regulação Social. Agência do Assistente Social, Porto, Estratégias Criativas, 2004.
16
Segundo António Magalhães 60% dos estudantes do sector privado estão concentrados nas áreas das Ciências
Sociais e do Comportamento, Gestão e Direito, contra 25% no sector público (Magalhães, 2004: 310).
17
Resultados da investigação desenvolvida por Alcina Martins e Maria Rosa Tomé sobre “O Estado Actual da
Formação em Serviço Social em Portugal - uma proposta de reforço da organização profissional”, apresentados
no Seminário Euro-Brasileiro de Serviço Social - Formação, Investigação, Qualidade e Desenvolvimento, V curso de
Mestrado em Serviço Social do ISMT, Coimbra, 20 de Fevereiro de 2008.
18
O processo de Bolonha tem por base um compromisso, assumido em 1999 por governantes de países europeus,
que pretende harmonizar até 2010, os graus e diplomas atribuídos, para facilitar as equivalências de cursos
nas universidades dos 45 estados subscritores, a mobilidade e a empregabilidade dos estudantes no espaço
comunitário.
19
António Magalhães afirma sobre o ensino superior que Portugal é o “único país da Europa ocidental que
conheceu um tão grande desenvolvimento do sector privado e onde, desde cedo, a tendência para as instituições
politécnicas “imitarem” o “sucesso” do sector universitário” (Magalhães, 2004: 220, 221). A formação em Serviço
Social não foge a esta tendência.
20
Cf. Site oficial da Direcção Geral do Ensino Superior - Acesso ao Ensino Superior http://www.acessoensinosuperior.
pt
21
Para a análise do processo de adequação dos cursos de licenciatura e mestrado em Serviço Social veja-se:
Martins, 2007 e Tomé, 2007.
22
Este número não contempla os cursos de Serviço Social no Instituto Superior Bissaya Barreto por não abrir
inscrições para o 1º ano desde 2006 e por o Instituto Superior de Serviço Social de Beja já ter sido extinto.
23
Encontram-se excepções nos cursos com 180 ECTS, no ensino universitário privado, a Universidade Lusófona e
no ensino politécnico público o Instituto Politécnico de Beja.
24
Registe-se que após adequação da formação ao processo de Bolonha foram criados, em 2007: o Centro Lusíada

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de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS) e o Centro de Investigação em Serviço Social
no Espaço Lusófono (CISSEL). No ensino público de Serviço Social ainda não foram criadas estruturas desta
natureza.
25
Actualmente, o curso de Serviço Social é inserido na área “Trabalho Social e Orientação”, quando uma das
consequências da adequação dos cursos ao processo de Bolonha (2006) foi a uniformização da designação
“Serviço Social”, pondo termo a outras, nomeadamente, “Trabalho Social”.
26
Neste número inclui-se a tese de Maria Augusta Geraldes Negreiros, Serviço Social uma profissão em movimento.
A dinâmica académico-profissional no Portugal pós 74, apresentada ao programa de Estudos Pós.graduados em
Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil, 1999.
27
Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
28
Helena Neves Almeida, Conceptions et pratiques de la médiation sociale. Les módeles de médiations dans le
quotidien professionnel des assistants sociaux, Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto, Instituto Bissaya-Barreto,
2001.
29
A tese de Helena Nunes já mencionada.

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