Você está na página 1de 13

1

CATALENDAS................... BICHO FOLHARAL


CLASSIFICAÇÃO.............. CONTO DE ANIMAIS
FONTE............................... SERÕES DA MÃE PRETA (LENDO O PARÁ)
JUVENAL TAVARES
DATA.................................. MAIO – 2002

( Preguinho
 Preguinho entra disfarçado. Vendo que Dona Preguiça está na janela, recua
e se prepara para passar por ela .)

PREGUINHO
Ah, Dona Preguiça está ali na janela. Quero ver se ela vai me reconhecer.
r econhecer.

DONA PREGUIÇA (vendo Preguinho)


Mas aquele ali não é o Preguinho?! O que será que ele está aprontando desta
vez? Alguma deve ser... Mas vou fingir que não o reconheço pra descobrir o
que é.

PREGUINHO
Oi.

DONA PREGUIÇA
Oi.

PREGUINHO
Quem é a senhora?

DONA PREGUIÇA
Eu sou a Dona Preguiça. E tu?

PREGUINHO
Eu? Eu sou um bicho novo da floresta.

DONA PREGUIÇA
Ah, um bicho novo, é? Nossa, mas tu és mesmo diferente de tudo o que eu já
vi. Nem um Bicho Folharal seria tão diferente.

PREGUINHO
Ah é, é? Ah, tá... Mas, mas o que é um Bicho Folharal?
2

DONA PREGUIÇA
Olha só, além de diferente és curioso, né?

PREGUINHO
Quem, eu? Eu não... Foi só uma pergunta.

DONA PREGUIÇA
Sabe, eu tenho um amigo, o Preguinho, que é muito curioso. Conheces?

PREGUINHO
Eu não.

DONA PREGUIÇA
Pois é, ele sempre vem aqui para ouvir histórias. Só que hoje não apareceu.

PREGUINHO
Ah, mas enquanto ele não chega por que a senhora não conta pra mim?

DONA PREGUIÇA
Queres mesmo ouvir?

PREGUINHO
Eu quero. Estou curioso pra saber o que é um Bicho Folharal. Conta, conta.

DONA PREGUIÇA
Tá bom, “Seu” Bicho Diferente, eu conto. Até porque parece que o Preguinho
não vem mesmo, né? Eu conto a história do Bicho Folharal pra ti.

( Dona Preguiça sai para pegar o livro ).

PREGUINHO
Oba! Ela nem me conheceu! E ainda vai me contar uma história! Que legal!

DONA PREGUIÇA
Aqui está. Bom, a história do Bicho Folharal, na verdade começou com um
desentendimento entre a Onça e Coelho.

PREGUINHO
Ah, eles brigaram, é? Por quê, hein?
3

DONA PREGUIÇA
A Onça andava atrás de uma criada ou cozinheiro. Havia acabado de ter dois
filhotes e precisava de alguém que trabalhasse pra ela.

ONÇA
Pois é, compadre, tenho que arrumar alguém urgente.

URUBU
Vida difícil, né comadre? Se eu pudesse ajudava a senhora.

ONÇA
Mas bem que o senhor podia ajudar mesmo. Ô compadre, quebra esse galho
 pra mim, vai.

URUBU
 Não posso, comadre... Se eu quebro o seu galho, quem vai quebrar o meu? A
senhora sabe que eu vivo das sobras do que a senhora come...

ONÇA
É bobagem minha, compadre, é bobagem minha. Mas bem que podia me
aparecer alguém.

URUBU (vendo o coelho se aproximar )


Pois então olhe quem tá vindo aí.

ONÇA
Ele?

URUBU
Por que não?

ONÇA
Vamos ver.

URUBU
Como vai, Coelho?

ONÇA
Coelho, caíste do céu!
4

COELHO
Eu, por quê?

ONÇA
Estou precisando de alguém que trabalhe pra mim.

URUBU
É um empregão...

COELHO
Mas eu não tô procurando emprego.

ONÇA
Então olha que sorte: mesmo sem procurar achaste um emprego ótimo.

COELHO
 Não, Dona Onça, eu realmente não estou interessado.

URUBU
Mas nem sabes ainda qual é o emprego.

ONÇA
 Nem precisa saber, aceita logo. Se for por causa de pagamento, te pago bem.

COELHO
 Não é isso não, o problema é o que a senhora faz com quem trabalha pra ti.

ONÇA
E o que eu faço, Coelho? Trato todo mundo tão bem...

COELHO
Tão bem pra sua barriga, depois que a senhora come os seus empregados.

ONÇA
Mas rapaz, tu achas que eu ia fazer isso contigo?

COELHO
Acho nada, tenho certeza.

ONÇA
5

Coelho, vamos fazer o seguinte: ou trabalhas pra mim por bem, ou te caço e te
como do mesmo jeito. Então?

COELHO
Mas não é que a senhora me convenceu, Dona Onça?

URUBU
Isso é que é um coelho inteligente...

COELHO
O quê que eu tenho que fazer mesmo?

ONÇA
Vais ser meu cozinheiro, secretário e braço direito! Tá bom assim?

COELHO
É... Não é pouca coisa não.

ONÇA
Vais começar hoje mesmo. Corre lá pra casa pra cuidar dos meus filhotes. Ah,
e quando eu voltar quero ver a comida pronta.

COELHO
Sim, senhora!

DONA PREGUIÇA (OFF)


E os primeiros dias de trabalho do Coelho foram tranqüilos. Quando a Onça
chegava em casa a comida estava pronta. Depois de comer ela sempre pedia os
filhotes para dar de mamar.

ONÇA (terminando de amamentar um filhote )


Coelho. Coelho! Traz o outro filhote e leva esse daqui. Vamos Coelho.

COELHO
Tô indo, tô indo!

ONÇA
Mas rapaz, não corre com o meu filhote! Quer cair e machucar o meu
 bichinho!
6

COELHO
 Não senhora, me desculpe.

ONÇA
Depois reclama porque eu como meus empregados...

PREGUINHO
Coitado do Coelho...

DONA PREGUIÇA
Coitado do Coelho? Coitado dos filhotes da Onça, isso sim.

PREGUINHO
Como assim, dos filhotes da Onça, Dona Preguiça? Eles não trabalhavam que
nem o Coelho.

DONA PREGUIÇA
É que um dia, como não encontrou nada para a Onça comer e imaginando a
fúria dela quando chegasse, o Coelho só viu um jeito: pegou uma das
 pequenas onças e meteu na panela.

PREGUINHO
 Nossa! Mas peraí, Dona Preguiça? Depois de comer, a Dona Onça não pedia
os filhotes para dar de mamar? Como foi que ele fez?

DONA PREGUIÇA
Sem que a Onça percebesse ele trouxe o mesmo filhote duas vezes.

PREGUINHO
E todos os dias ele fez a mesma coisa?

DONA PREGUIÇA
 Não, porque no dia seguinte ele pôs o outro filhote na panela.

PREGUINHO
Mas aí não sobrou nenhum filhote, Dona Preguiça!

DONA PREGUIÇA
 Não precisa nem perguntar que eu já vou te contar como ele saiu dessa.
7

ONÇA
Coelho! Traz meu filhote, Coelho! Ô, Coelho!

COELHO
Tô aqui, senhora.

ONÇA
Mas, tu gostas de me ver gritando, não é? Todo dia tenho que repetir a mesma
coisa, Coelho!

COELHO
 Não vai acontecer novamente, a senhora pode ter certeza.

ONÇA
Como não vai? Isso acontece todo dia! Cadê os meus filhotes pra eu dar de
mamar?

COELHO
Já estão com a senhora.

ONÇA
Mas que graça é essa agora? Cadê os filhotes, rapaz? Já sei: foi só elogiar a
comida destes dois dias que ficaste saidinho.

COELHO
Por quê que a senhora acha que a comida destes dois foi tão boa?

ONÇA
Ora, porque era uma carne saborosa, macia, parecia de filhotes... Hum... eram
filhotes de quê mesmo?

COELHO
De onça.

( A Onça, só então, percebe o que aconteceu ).

ONÇA
Mas deixa eu te encostar minhas garras que vais virar churrasco.

COELHO
8

Mas vai ter que me pegar primeiro.

DONA PREGUIÇA (OFF)


Justamente quando a Onça estava para pegar o Coelho ele encontrou um
 buraco para se esconder. A Onça chegou a pegar numa perna, mas foi
enganada novamente.

ONÇA
Te peguei! Agora tu vais me pagar por ter feito meus filhotes pra eu comer.

COELHO
Tu achas mesmo que me pegou, Dona Onça?

ONÇA
Pois, peguei! Tenho certeza que estou segurando a tua perna!

COELHO
Ah, ah, ah, ah, ah. E desde quando raiz é perna?

ONÇA
Raiz? Quer dizer que peguei uma raiz?

COELHO
Acredite se quiser. Tchau, Dona Onça, agora eu preciso ir.

ONÇA (larga a perna do coelho e pega a raiz )


Mas não vais mesmo, Coelho! Pronto, agora peguei tua perna!

COELHO
 Não, agora foi que pegaste a raiz, ah, ah, ah, ah.

ONÇA
Ahhh! Fui enganada! Mas quem ri por último ri melhor, já, já te tiro daí.
Espera. (Vê o Urubu passando ). Compadre Urubu, venha cá. Vigie este
Coelho pra mim.

URUBU
 Nossa, como a comadre tá brava! O que foi que ele fez?

ONÇA
9

Assou meus filhotes e me deu de comer, compadre! Agora eu quero esse


Coelho de qualquer jeito. Vigie aqui que eu já volto.

URUBU
Pode ir, comadre.

ONÇA
Eu volto logo.

URUBU
Mas, Coelho, como é que aprontaste uma destas?

COELHO
Sim, agora vai ficar todo mundo com pena dela. E os outros que ela já comeu?
Disso ninguém lembra. E tem mais, fica de olho bem aberto neste buraco
senão passo que tu nem me vê.

URUBU
Mas não passa mesmo porque eu já tô de olho bem aberto.

COELHO
É mesmo? Pois cuidado que aí vai terra!

DONA PREGUIÇA
E o Coelho mandou um punhado de terra no olho do Urubu e saiu correndo
deixando o outro sem enxergar. Quando a Onça voltou, o Urubu ainda
esfregava os olhos.

ONÇA
O que foi que houve, compadre?

URUBU
Ô, comadre, eu tava tão de olho, mas tão de olho nele que tomei com um
 punhado de terra na cara e fiquei sem enxergar.

ONÇA
Ele fugiu dessa, mas nós vamos pegar ele em outra.

URUBU
 Nós, comadre?
10

ONÇA
Claro, agora que deixaste ele fugir vais ter que me ajudar numa armadilha pra
eu pegar este Coelho.

DONA PREGUIÇA
E era só no que a Onça pensava dia e noite. Pensou tanto que acabou tendo
uma idéia: ia esperar o coelho no único lugar que os animais podiam beber 
água na floresta. Quando ele aparecesse ela o pegaria.

PREGUINHO
E o Bicho Folharal? Quando é que ele aparece na história?

DONA PREGUIÇA
Agora, porque o tempo foi passando e o coelho já não agüentava mais de sede.
Ele precisava encontrar uma maneira de enganar a Onça para poder beber 
água.

PREGUINHO
Mas como é que ele ia enganar a Onça?

DONA PREGUIÇA
Disfarçado de Bicho Folharal.

PREGUINHO
Ah, é agora! É agora que o Bicho Folharal aparece!

DONA PREGUIÇA
A idéia que o Coelho teve foi se disfarçar como um outro animal. Pra
conseguir isso, primeiro ele se lambuzou de mel e depois foi rolar num monte
de folhas secas, que colaram no corpo dele. Então, disfarçado, ele foi até a
cacimba.

PREGUINHO
Cacimba? O quê que é isso, Dona Preguiça?

DICIONÁRIO
Cacimba. Também conhecida como olho d’água, é uma pequena fonte que
 brota da terra.

URUBU
11

Pois, é comadre, foi o eu ouvi.

ONÇA
Quer dizer que a floresta toda está rindo de mim?

URUBU
Tá todo mundo dizendo que a senhora não vai pegar esse coelho nunca. E que
ele ainda vai passar muito a perna na senhora.

ONÇA
Mas não vai mesmo, que eu vou sentir o cheiro deste coelho de longe.

URUBU (vendo o Bicho Folharal se aproximar )


Comadre... que bicho é aquele que vem ali?

ONÇA
Sei lá, mas eu vou já saber... Quem vem lá?

COELHO
Sou eu.

ONÇA
Eu quem?

COELHO
O Bicho Folharal.

ONÇA
Bicho folharal? Que tipo de bicho é esse?

COELHO
Sou um bicho muito antigo, quase ninguém da floresta lembra mais que eu
existo.

ONÇA
Eu mesma nunca te vi por aqui.

COELHO
É que há muito tempo eu não saio da minha árvore. Então, posso beber um
 pouco d’água?
12

ONÇA
Tá bom, pode beber.

(O Coelho começa a beber água sem parar ).

ONÇA
Êh, “Seu” Bicho Folharal, o senhor ainda vai beber muita água? Sabe o que é?
Estou esperando um “convidado”. Ô, “Seu” Bicho, assim o senhor acaba com
a água toda!

COELHO
Me deixa que não é todo dia que eu posso te enganar, Dona Onça!

(O Coelho sai em disparada. O Urubu cai na gargalhada. )

ONÇA
Do quê que o senhor tá rindo, compadre?

URUBU
 Nada, nada...

PREGUINHO
Ah, ah, ah, ah. Que legal! O Coelho teve a mesma idéia que eu...

DONA PREGUIÇA
Ah! Então és tu, Preguinho?

PREGUINHO
É, sou eu, Dona Preguiça.

DONA PREGUIÇA
E posso saber o motivo deste disfarce?

PREGUINHO
Sabe o que foi? É que a minha mãe fez um bolo de banana. Aí eu queria
comer logo, mas ela disse que tava quente.

DONA PREGUIÇA
Já entendi: criaste este disfarce para tentar comer o bolo, não é?
13

PREGUINHO
É... eu achei que ela não ia saber que fui eu. Só que antes eu vim fazer um
teste com a senhora.

DONA PREGUIÇA
Ah, achavas que ia me enganar como o Bicho Folharal fez com a Onça? Mas,
Preguinho! Custava esperar o bolo esfriar?

PREGUINHO
Eu acho que não.

DONA PREGUIÇA
Pois é, tanto que agora já teve ter esfriado, pelo tempo que ficaste ouvindo a
história.

PREGUINHO
É mesmo, Dona Preguiça! Puxa, eu vou correndo pro meu bolo.

DONA PREGUIÇA
E tira este disfarce de Bicho Folharal!

PREGUINHO
Eu tiro. Mas eu volto!

FIM

Você também pode gostar