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CENA II

MARIA Deve ser o médico!

JOSÉ Pode ver, doutor...

VELHO Onde é o cano?

JOSÉ Cano?

VELHO Cano, é.

JOSÉ Que cano? (O velho é surdo) Que cano?

VELHO Não tem um cano quebrado?

JOSÉ Não, senhor. É o meu tio. Meu tio está doente. (O velho não
entende).

MARIA O tio dele está doente.

JOSÉ Ele é surdo! Meu tio está doente!

VELHO Botou água quente?

JOSÉ Que água quente? (A Maria) Que água quente?

VELHO No cano! Botou água quente no cano, ora?

JOSÉ Mas que cano, doutor? Não tem cano doutor. É o meu tio, está
doente. Doente.
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MARIA O tio dele está doente!

VELHO O seu tio está doente?

JOSÉ É, doutor.

VELHO Coitado.

JOSÉ É.

VELHO Mas e o cano? Onde é?

JOSÉ Não tem cano, amigo, não tem. Quero que o senhor examine ele.
Examine. O senhor não é doutor? Doutor?

VELHO Doutor? Não, não. Eu sou encanador.

JOSÉ Encanador?

VELHO Encanador, é. O senhor não chamou um encanador?

JOSÉ Não.

MARIA O senhor não é médico? Médico?

VELHO É. É melhor chamar um médico.

JOSÉ Eu pensei que o senhor fosse médico...

VELHO Sei, sei... (Pausa) Mas onde é o cano?


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CENA V

IVONE Mamãe! Mamãe! Eu sou uma pobre infeliz! Molina


passou a noite fora!

SRA. AZEVEDO Quando?

IVONE Essa noite! E talvez muitas outras, sem que eu


percebesse...

SRA. AZEVEDO Como assim, sem que você percebesse? Me parece que a
ausência de um marido, principalmente à noite, dá pra ser notada!

IVONE Como assim?

SRA. AZEVEDO Filhinha, me diz uma coisa. Onde é o quarto de vocês?

IVONE Qual? O meu?

SRA. AZEVEDO Ora, minha filha, o de... (Susto) Não me diga que dormem
em quartos separados?

IVONE (Apontando) Eu durmo ali... Molina ali.

SRA. AZEVEDO Como? Com seis meses de casados!...

IVONE Sempre foi assim.

SRA. AZEVEDO Mas quer dizer então que o Molina passou a noite fora...

IVONE Com quem?

SRA. AZEVEDO Acorda, minha filha. Um marido não passa a noite com as
estrelas. Você não desconfia de ninguém? Não surpreendeu nada?
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IVONE Nada. (Tirando uma luva de mulher de seu bolso) Ah!


Ontem eu encontrei isso no bolso do paletó dele).

SRA. AZEVEDO (Susto) Estou chocadíssima!!!! Uma luva de mulher. Já é


um indício...

CENA VI

SRA. AZEVEDO Molina!

MOLINA Sogrinha!

SRA. AZEVEDO Sogrinha? Como é que é? Ah... mas eu vou te dar uns
tapas no meio da fuça, seu cara de pau! Irei direito ao que interessa. Você conhece essa
luva?

MOLINA (Susto) Onde é que a senhora achou? Fiquei horas


procurando!

SRA. AZEVEDO De quem é essa luva, Molina?

MOLINA Ora, de quem pode ser... Minha!

SRA. AZEVEDO Desse tamanho?!

MOLINA Há! Há! É um truque de médico para afinar a mão...


Muito eficaz... Às vezes é preciso ter mão leve para certos exames...

SRA. AZEVEDO Isso é uma luva de mulher.

MOLINA Parece, mas não é. Encolheu. Esqueci na chuva e...


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SRA. AZEVEDO E o comprimento?

MOLINA Justamente. Encolheu e esticou.

SRA. AZEVEDO Molina, você acha que eu sou besta? Você quer saber
minha opinião? Você é um marido abominável. Um desavergonhado! (Ameaça) Escute
bem o que vou lhe dizer, Molina. Se você trair minha filha, vai ter que se ver comigo!
Se liga, hein. (Sai).
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CENA IV

PIEDADE Como é que é, minha filha?

CELESTE O que é que foi, Piedade? Tá achando que


minha casa é o quê pra sair gritando assim? Perdeu o juízo, mulher?

PIEDADE Se é zona ou não, não é de meu interesse.


Eu só sei que quero que conserte a goteira que fica pingando na minha sala o dia inteiro.

CELESTE (Curiosa) Tem uma goteira pro andar


debaixo?

PIEDADE Goteira, mangueira, tromba d’agua,


hidrante, cachoeira, enfim. Eu não fico pagando aluguel pro seu Horácio pra ser
molhada na minha sala. Você tem que consertar isso pra ontem!

CELESTE Eu não tenho culpa se o proprietário desse


cortiço não faz manutenção nos encanamentos.

PIEDADE E eu é que tenho que sofrer com os seus


problemas? Se vira, minha filha. O que eu não quero é uma goteira na minha cabeça.
Fiz o meu cabelo ontem, olha! Perdeu todo o movimento... (Entrega uma nota) Aqui
está! Somei o valor do meu prejuízo do cabelo com o valor da reforma da infiltração.

CELESTE O que? Mas é um absurdo! Eu não tenho


como pagar tudo isso!

PIEDADE Ô ném, você tem duas opções... ou


conserta ou eu te dou uma chinelada na cara aqui na tua casa mesmo!

CELESTE Ah é?! Experimenta pra tu ver!


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CENA IV

OGRO (Gritando) Ai, que fome. Ofélia! Ofélia!

OFÉLIA O que foi dessa vez?

OGRO Eu quero comer. Estou faminto.

OFÉLIA Eu quero falar com o senhor.

OGRO Falar comigo?

OFÉLIA É!

OGRO Fale logo, porque eu estou com fome e quando eu fico


com fome perco completamente o controle!

OFÉLIA O senhor prometeu se casar comigo se eu me comportasse


direito. E eu me comportei...

OGRO Casar? Há! Há! Há! Primeiro traz a comida, depois


conversamos.

OFÉLIA Como é que é?

OGRO É isso mesmo! Eu quero minha comida agora!

OFÉLIA Mas que abuso! Não precisa gritar.

OGRO Casar? Eu?! Onde já se viu... Ofélia, depressa com essa


comida! (Pausa) Você demora anos preparando essa porcaria de comida? Volte pra
cozinha e traga-me algo melhor.
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TOBIAS Ora, ora. Vejamos quem está aqui! Não adianta se


esconder, senhor José da Silva. Finalmente te encontrei! Toda vez que passo na sua casa
você nunca está presente. Precisamos ter aquela conversinha, lembra?

JOSÉ Pois é... precisamos, precisamos...

TOBIAS Aproveitando a oportunidade... O senhor já está me


devendo seis meses de aluguel. Quando é que vou receber o meu ordenado? Ah! E com
os juros e a multa do atraso...

JOSÉ Seu Tobias, você me perdoe... mas agora não é o


momento pra isso... O meu tio tá em casa passando mal e precisa tomar uma injeção...

TOBIAS Falou em dívidas ele logo muda o assunto...

JOSÉ Seu Tobias, por favor... Eu sou um homem pobre...


trabalhador honesto, apesar de não ter um emprego fixo. Eu vivo de bicos por aí... e eu
tô passando por uma maré de azar e pobreza.

TOBIAS Seu José da Silva, me perdoe pela franqueza. Eu sei que o senhor
é pobre... mas compromisso é compromisso. Assim como o senhor tem uma vida, uma
família, eu também tenho a minha. Também preciso me sustentar e colocar um prato de
comida na mesa. Tenho esposa, filhos. E a vida não está fácil. Eu dependo do dinheiro
do aluguel dos meus imóveis para sobreviver. Lhe dou o prazo de 2 semanas para me
pagar tudo o que me deve. Caso não, lhe colocarei na justiça e você será despejado.
Maldito!

ANINHA A benção, painho.

MANOEL Benção, minha filha. Onde é que tá tua mãe?

ANINHA Tá lá dentro preparando a comida.

MANOEL (Interrompe, raivoso) Então vá chamar que eu tô com


uma fome dos diabos! Vai chamar tua mãe logo, desgrama! Ô mulher, cadê minha comida? Que
desgraça de vida! Passo o dia inteiro no Sol e a comida não tá pronta. Sinceramente, isso é um
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absurdo. É uma falta de consideração com o homem dessa casa. Eu que mando nessa desgraça!
Cadê essa comida, mulher?

MARIA ROSA Não precisa gritar, credo. Já estou aqui. Tu já chegou né,
homem...

MANOEL Já! Não tá vendo eu aqui? É essa comida? Mas que porcaria! Ô
mulher, que carne dura é essa?

MARIA ROSA É a que tinha em casa.

MANOEL E por que é que tu não botou a carne de molho no vinagre?

MARIA ROSA E tu comprou o vinagre pra eu botar, por acaso?

MANOEL Mas que diabo de feijão azedo é esse?

MARIA ROSA Azedo?

MANOEL E salgado também!

MARIA ROSA Salgado? Ah, meu filho... é porque não tinha mais tempero, daí
tasquei sal! E coma assim mesmo!

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ADMA (Raivosa) Celeste!

CELESTE (Assustada) Dona Adma! O que a senhora tá fazendo aqui?


Copacabana é longe daqui do Centro...

ADMA Pra você ver, Celeste... pra sair de Copacabana pra esse
muquifo no Centro, significa que é coisa séria! Eu posso saber o que é isto? (Mostra um vestido
rasgado)
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CELESTE É um vestido!

ADMA Ah... não diga!

CELESTE Digo!

ADMA Pois é, Celeste! E eu posso saber o que é isto? (Mostra o rasgo


do vestido) O meu vestido está rasgado, Celeste!

CELESTE Ah... não diga!

ADMA Digo! Eu quero saber o porquê que você rasgou o meu vestido,
sua empregadinha dos infernos!

CELESTE É que na hora de passar o ferro grudou e...

ADMA Eu não tenho nada a ver com isso. Eu lhe pago para lavar e
passar minhas roupas decentemente. Se continuar assim terei que trocar de criada o mais rápido
possível!

CELESTE Não!!!! Não pode dona Adma! Que isso... eu dependo


muito dos serviços que faço pra senhora. É o meu dinheirinho extra! Ultimamente a venda das
cocadas não tem dado muito certo... e dependo muito do bico que faço na casa da senhora!

ADMA Então, faça por merecer. Conserte isto o mais rápido possível.
Espero que saiba costurar... afinal, me surpreenderia com gente do seu nível social pobre que
não saiba fazer esse tipo de serviço.

CELESTE Eu posso tentar, dou uns pontinhos... eu


prometo e...

ADMA (Interrompe) Tentar? Você disse tentar? (Respira)


Amanhã é aniversário do Joaquim, meu filho mais velho, e precisarei estar impecável... como
sempre estou! Quero esse vestido ao meio dia de amanhã. Costurado e devidamente passado e
engomado. Fui clara? Até mais, Celeste. (Sai).
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BARCELOS Já entendi tudo, Molina. Você tem se encontrado com outra


mulher... Se a tua esposa souber... Aliás, será que ela já sabe?

MOLINA Fala baixo, Barcelos. Tá maluco? Ivone não pode descobrir isso
em hipótese alguma.

BARCELOS Sei, sei... Pensasse isso antes da traição. Se alguém contar pra
Ivone, acabou pra você.

MOLINA Qual foi, cara?! Isso tem que ser segredo, entende?

BARCELOS Tão segredo que deixaram um bilhete pra você, cara.

MOLINA (Apavorado) Bilhete?

BARCELOS Sim. Acabei de encontrar esse papel em cima do piano. Dá uma


olhada... parece que todo mundo já está sabendo.

MOLINA (Curioso) Isso não é um bilhete. É um telegrama. É recado da


senhorita Suzana. Ela quer marcar um encontro comigo. Hoje ainda. Eu vou até ela!

BARCELOS Me pague 10 mil pratas pra manter o sigilo. Se não me pagar,


parceiro... vai dar ruim pra você. Bora! Agiliza essa parada.

MOLINA (Ameaça) Tu vai mesmo falar pra todo mundo? Dez mil pratas
eu não tenho... mas acho que a gente pode resolver nossa pendência na mão!

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