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1º Artigo
“Cuidar da Alteridade Humana”, Teresa Cunha
O artigo trata do tema da diversidade, apresentando diversos pontos de vista sobre este
tema.
Numa primeira parte o artigo refere alguns acontecimentos das duas décadas anteriores, que
levaram a que o tema da diversidade na Europa seja mais pertinente hoje (2008, época do
livro). São eles:
• Globalização do mundo financeiro
• Novas formas de mobilidade humana:
o Movimentação de elites
o Crescente número de pessoas que tentam escapar da pobreza, perseguição
política ou tráfico
• Alargamento da União Europeia
• Crise do Modelo Social Europeu com empobrecimento de grandes grupos de pessoas
como jovens, mulheres, migrantes, desempregados, trabalhadores com poucas
qualificações, etc.
A educação sempre teve que se confrontar com a diversidade pelo facto de lidar desde
sempre com o ser humano. No entanto, hoje em dia, este tornou-se um problema crucial e
uma das mais difíceis questões a ser tratada pelos educadores, professores e demais agentes
educativos.
O artigo refere que um dos problemas que tem surgido é o de a diversidade ser usada
politicamente:
• Em primeiro lugar porque mesmo que haja o reconhecimento da diversidade através
do debate de ideias, esse debate não é suficiente, ou seja, não basta afirmar e
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reconhecer que existe uma enorme diversidade dentro da europa que leva a se
encontrarem soluções inovadoras.
• Por outro lado, porque esse mesmo debate tem vindo a ser utilizado como uma forma
de reforçar o sentimento de ser Europeu, e com isso a dicotomizar o discurso entre os
Europeus e os Não-Europeus. Ou seja, a considerar a Europa e os Europeus como a
norma de comportamentos, e os Não-Europeus como aqueles aos quais é imposta
essa norma. – ETNOCENTRISMO EUROPEU
Esta superioridade legitimada dos Europeus, como o padrão normativo, leva a que surjam
ideias como Exclusividade, Dominação e Choque de Civilizações. Um exemplo disso é a
narrativa, hoje em dia muito utilizada, de “Guerra global contra o terrorismo”, na qual se
apresenta a Europa ou o mundo dito “civilizado” numa cruzada para acabar com o terrorismo,
oriundo de países “não civilizados” (os designados países com ideias fundamentalistas).
Utilizando o conceito de fascismo social de Boaventura Sousa Santos1, a autora Teresa Cunha
afirma que são de facto poucas as pessoas que governam a riqueza disponível e que a maioria
das pessoas não tem possibilidade de efetuar qualquer escolha. Através da dicotomização e
do discurso do Nós vs o Outro, os líderes frequentemente fazem um discurso de insegurança
e ameaça do Nós pelos Outros. Esses discursos existem porque os próprios líderes se sentem
inseguros, logo refletem essa insegurança nos seus discursos, e com isso fazem com que toda
a população se sinta também insegura e ameaçada, e aceite determinadas ações. Ou seja, a
população legitima ações que os líderes pretendem levar a cabo, como é o exemplo do Muro
do México, o espaço Schengen, etc. Estas ações levam ao reforço e acentuar da desigual
distribuição da riqueza, fazendo com que os países ricos sejam cada vez mais ricos e os países
pobres cada vez mais pobres (verifica-se o sucessivo aumento do nível de vida dos países
desenvolvidos, que contrasta com a pobreza crescente dos países subdesenvolvidos e as
consequentes vagas de imigração dos países desenvolvidos. A autora refere que esse
Nós/Outros, existe não só entre o ser Europeu vs Não Europeu, como entre países da Europa,
ou dentro de cada um dos países Europeus e assistimos a uma generalização da desigual
distribuição da riqueza em todos esses contextos.
1Referência a Boaventura Sousa Santos, e ao livro “Reinventar a Democracia” (2002), no qual o autor fala do conceito de
Fascismo Social, o qual tem várias formas ou vertentes:
1. Fascismo do apartheid social = segregação social dos excluídos através de cartografia urbana que divide as zonas
entre selvagens e civilizadas
2. Fascismo do Estado Paralelo = existência de um duplo padrão da ação estatal que se comporta de forma diferente
nas referidas zonas (selvagem e civilizada)
3. Fascismo para-estatal = tomada do poder estatal por parte de certos atores sociais muito poderosos:
a. Fascismo contratual = equiparação de determinados contratos aos do direito civil e privado, nos quais
existe uma parte mais fraca, que não tem alternativa a este contrato (ex: contrato de trabalho,
privatização dos cuidados de saúde)
b. Fascismo territorial = quando os atores sociais se apropriam de um determinado território e dessa forma
retiram o controlo do estado ou o neutralizam (exemplo = telecomunicações em Portugal, banca).
4. Fascismo populista = suposta democratização de estilos de vida, os quais não são passíveis de democratização,
logo, afastam automaticamente certas franjas da população (ex: uso de tecnologias para acesso a aulas online).
5. Fascismo da insegurança = manipulação discricionária da insegurança das pessoas e grupos sociais
vulnerabilizados, tal como é feito por exemplo com a criação de seguros de saúde privados ou privatização de
fundos de pensões.
6. Fascismo financeiro = aquele que resulta do facto dos mercados financeiros serem hoje controlados por diversos
agentes que olham para eles numa perspetiva de curto prazo e com o objetivo de especulação e rentabilização
imediata. Assim, estes mercados podem não espelhar de todo o que se passa na economia real, apesar das suas
consequências afetarem nações inteiras. Exemplo: desresponsabilização das multinacionais pelos estados;
avaliação dos países segundo as agências de rating.
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É por isso um enorme desafio para a Europa lidar com estas questões, quer porque elas
obrigam a observar todas as várias trocas e migrações entre países e culturas, sem que se
perca a perspetiva democrática, ou seja, sem se cair numa postura radical, fascista ou
ditatorial. Por outro lado, é necessário conseguir olhar para toda esta diversidade, e encontrar
formas positivas de lhe dar respostas.
Observação de Pnina Werbner: “O encontro pode ser violento e contrasta com o altruísmo
presente no reconhecimento e gosto pela alteridade2”. Werbner cita Levinas “...a aceitação
da alteridade humana contrasta com o silêncio da violência. A violência ou o virar da cara, é
o silêncio que nega a alteridade, nega o direito de existir e de ser diferente”.
Para isso, Teresa Cunha defende que é necessário vermos quais os aspetos de cada pessoa,
grupo, cultura ou identidade, e os contextos a que estão ligados, de modo a valorizarmos todo
o complexo conjunto de fatores e elementos, e não cairmos na tentação de olharmos apenas
às diferenças entre indivíduos. A diversidade é então não apenas um conceito ou experiência,
mas ainda um valor.
A autora sugere então que não podemos nem devemos evitar as questões difíceis e todas as
violências que surgem do encontro das diversidades. Mas também não devemos ignorar as
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Conceito de alteridade (substantivo feminino) = natureza ou condição do que é outro, do que é distinto, do que é diferente.
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potencialidades que decorrem desses encontros. Devemos então olhar para a diversidade
como um todo complexo que não pode ser reduzido de forma simplista ao eu e ao outro.
A autora termina dizendo e refletindo que é necessário não apenas fazer campanhas pela
diversidade, mas sim delinear, imaginar e implementar verdadeiras políticas democráticas da
diversidade. Refere em concreto políticas na área da educação, seja ela formal ou não formal,
e defende que é na educação que se pode fazer a diferença, e que as opções tomadas nas
políticas da educação podem definir como queremos tratar a diversidade, ou seja, se fazemos
uma verdadeira igualdade na diversidade ou se, pelo contrário, reforçamos ainda mais o
dicotomismo cultural.
Frase: “Os direitos são humanos e não do homem; as pessoas são mais do que os indivíduos”
A autora termina dizendo que o slogan “Somos diferentes somos iguais” reflete a vontade de
querer construir uma verdadeira igualdade na diversidade, e não apenas uma frase política
onde “estale o verniz”. Para a autora, o que se pretende construir é efetivamente uma
sociedade onde “nenhum ser humano seja discriminado por razões de sexo, grupo, local de
nascimento, religião ou convicções políticas”.