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OS MAIAS de Eça de Queirós – Notas informativas

ANÁLISE TEXTUAL – Cap. X (página 316 e 317): “-Vamos nós ver as mulheres...”
até “...Todos nós somos lodaçal...”

1- Assunto

Descrição da assistência que se preparava para assistir às corridas de cavalos realizadas no


hipódromo de Belém.

2- Desenvolvimento do assunto:

2. 1. Na tribuna estavam as senhoras da alta sociedade, com vestido de cerimónia, apresentadas de


uma forma genérica, não personalizada:
- são as senhoras que vêm no High Life dos jornais;
- as que vão ao teatro a S. Carlos;
- as que vão, às terças-feiras, a casa da condessa de Gouvarinho,

2. 2. No segundo momento do desenvolvimento, o narrador, servindo-se da personagem Carlos, vai


apresentar ao narratário algumas das senhoras que se encontravam na tribuna, quer de uma
forma individualizada:
- a viscondessa de Alvim;
- a Joaninha Vilar;
- a condessa de Soutal;
quer de uma forma coletiva: as Pedrosas, as banqueiras.

2.3. Como após o segundo parágrafo, todo o discurso vai girar à volta da pessoa de Carlos, o narra-
dor quer marcar, em toda a assistência referida, duas ausências significativas para ele: a condes-
sa de Gouvarinho e Maria Eduarda, sendo esta última «aquela que os olhos de Carlos procura-
vam».

2.4. Por último, e fora da tribuna porque não aguentava a cerimónia das senhoras que ali se
encontravam, estava D. Maria da Cunha a falar com Carlos.

3- Intenção crítica e capacidade de surpreender a vida em flagrante

A intenção crítica ressalta em todo o texto como se pode verificar pelos aspetos a seguir referidos:

Falta de à-vontade das senhoras da tribuna que não falavam umas com as outras:

. «uma fila muda olhando vagamente.»


. (Para não desobedecerem às regras da etiqueta - como fez D. Maria da Cunha -
permaneciam no seu posto, mas constrangidas);
. preparação para verem as corridas de cavalos – que são um espectáculo, um
divertimento – com a solenidade, o silêncio de quem se prepara para assistir a uma
procissão;
. crítica à vida das senhoras da alta sociedade que nada faziam de útil e tinham tempo
para todos os divertimentos e encontros sociais: idas ao teatro a S. Carlos, às soirées, às
corridas;
.crítica direta a certas personagens:
- as irmãs do Taveira que são «magrinhas e loirinhas»;
- a viscondessa de Alvim que é «nédia e branca»;
- a condessa de Soutal que é «desarranjada e com ar de ter lama nas
saias»;
- de um modo geral, a todas essas senhoras que considera, pela boca do
Taveira: «um canteirinho de camélias meladas».
Para concluir, temos a crítica a toda a sociedade lisboeta, quando Carlos diz a D. Maria da
Cunha: «Todos nós somos lodaçal».
Temos a impressão de estar a ver um quadro vivo, pintado com todas as cores necessárias, para
que se grave, indelevelmente, na mente do narratário.
O primeiro quadro representa a colocação das senhoras na tribuna – o modo como vão andando
(«devagar»), como se dispõem («debruçadas no rebordo, numa fila muda, olhando vagamente»),
como estão vestidas («a maior parte tinha vestidos sérios de missa»). Salienta-se o contraste entre
a toilette, que é requintada, e as peles das senhoras, que «apareciam murchas, gastas, moles, com
pó-de-arroz». Esse contraste torna-se assim mais evidente quando é referida «a luz franca da tarde,
no grande ar da colina descoberta».
Neste primeiro quadro o narrador quer ainda salientar a falta de gosto que têm as senhoras, por-
que usam os grandes chapéus emplumados da última moda que as tornavam mais sombrias e
magras.

Um segundo quadro que poderemos referir, onde se nota a capacidade de surpreender a vida
em flagrante, é aquele que representa a conversa entre Carlos e D. Maria da Cunha. No primeiro
momento, sentimos gravar-se na nossa retina uma série de gestos para atraírem a atenção de Carlos:
«chamava-o com o olhar, com o leque, com o seu sorriso.»
Em seguida o narrador apresenta-nos, com uma acumulação de pormenores, o seu retrato físico e
psicológico:
- bela mas cabelos grisalhos;
- muito à vontade;
- com os pés pousados na travessa da cadeira;
- o binóculo no regaço;
- cumprimentando a cada instante;
- tratando os rapazes por «meninos.»

Em relação a D. Maria da Cunha o narrador não quer esquecer nenhum pormenor especificando
a sua posição, o seu modo de estar, as suas atitudes, como se se munisse de uma câmara de vídeo
para captar, com mais realismo, as cenas observadas.

4 - Recursos estilísticos

Para além dos recursos de estilo aludidos a propósito das respostas anteriores, podemos ainda
salientar os seguintes:

- uso de diminutivos com sentido depreciativo: «as duas irmãs do Taveira


magrinhas, loirinhas». «É um canteirinho de camélias meladas.»
- emprego da ironia ao longo de quase todo o texto;
- uso da hipálage: «numa fila muda»; «vestidos sérios de missa».
- adjetivação: no 1.º parágrafo, na generalidade, aparece um só adjetivo a
qualificar os substantivos:
«fila muda»; «vestidos sérios»; «tom trigueiro»;
«Carinha miúda»; «luz franca»; «carinha descoberta»
No entanto, no final do mesmo, a carga adjetival vai aumentar quando o
narrador se refere às peles das senhoras, no intuito de acentuar o aspeto
depreciativo: «as peles apareciam murchas, gastas, moles, com um baço de pó-
de-arroz.»
- No 2º parágrafo a adjectivação emparelhada: “magrinhas e loirinhas”,
“nédia e branca”, etc.
- Sinédoque: “e não estava também aquela que os olhos de Carlos
procuravam”.
- Estrangeirismos: High Life, chapéus à Gainsborough.

ANÁLISE TEXTUAL – Cap. X (página 334, 335 e 336): “Agora começava a divertir-
se...” até
“...chuva de placas que ele recolhia rindo no chapéu.”

1- Assunto e seu desenvolvimento

Descreve-se neste texto uma corrida de cavalos realizada num hipódromo de Belém.
Este hipódromo vai ser o espaço onde decorrerá um dos mais interessantes episódios da comédia de
costumes presente n’ Os Maias.
O assunto desenvolve-se em três partes distintas: a primeira, que engloba o primeiro parágrafo,
funciona como uma introdução ao tema, e justifica o motivo que levou Carlos a apostar em «Vladimiro»;
a segunda começa com o grito de Taveira a incitar o «Minhoto», marcando o início da descrição da
corrida e decorre, numa gradação crescente de emoção e de entusiasmo, até à chegada à meta; a terceira
parte traduz a reacção de desânimo das personagens que perderam a aposta a favor de Carlos.

2- Linguagem e estilo

A linguagem é de natureza coloquial e procura captar, com grande realismo, todas as


particularidades de uma corrida de cavalos.
De vez em quando, nota-se mais a intenção de informar o leitor dos mínimos pormenores que
possam ter interesse para se apreender o estado psicológico de uma personagem. É o que acontece
quando se escrevem frases como esta:
“ A russa, de pé num degrau, apoiada sobre o ombro de Carlos, pálida, excitada, animava
Minhoto com gritinhos, com pancadas de leque.”
Verificamos que depois de enunciar o sujeito (A russa), o narrador nos informa da posição que toma
(de pé), do lugar que ocupa (num degrau), da pessoa em quem se apoia (apoiada sobre o ombro de
Carlos), do seu estado físico e psicológico (pálida, excitada), do que faz (animava «Minhoto») e de
como o faz (com gritinhos e com pancadinhas de leque).
Mas passemos à análise de acordo com as três partes em que dividimos o texto.
Na Primeira parte, onde se explica o verdadeiro motivo por que Carlos aposta: «Ver brilhar
gulosamente os olhos interesseiros das mulheres», aparece uma técnica muito frequente em Eça que é
transformar um adjetivo em advérbio (guloso - gulosamente), para não tornar pesada a carga adjectival.
Consegue, assim, maior expressividade do que se dissesse «ver brilhar os olhos, gulosos e interesseiros
das mulheres.»

A segunda parte do texto, que se desenrola, como dissemos, a partir do grito do Taveira, vai ser
dominada por duas sensações - de movimento e de ruído que criam todo um ambiente de excitação,
nervosismo e confusão, próprio de cenas como esta. As referidas sensações aparecem simultaneamente
e são produzidas pelos cavalos de corrida e pela assistência.
No que toca aos cavalos, é «o Minhoto que se arremessava para a frente» e «vinha devorando a
pista», são os dois potros que «chegavam furiosamente (...) os focinhos juntos, os olhos esbugalhados,
sob uma chuva de vergastadas.»
Há uma sugestão do tropear dos cavalos dada através da aliteração «Som surdo» e da repetição do
«a» aberto e de sons nasais na expressão: “Os dois cavalos aproximam-se com um som surdo das patas
trazendo um ar de rajada.»
Quanto à assistência, também as sensações de ruído e movimento estão presentes a marcar o seu
frenesi, o seu descontrolo, a sua animosidade – (notar a expressividade das formas verbais):
São os amigos de Godinho que «precipitando-se para a pista bradam de chapéus no ar: - Minhoto!
Minhoto!»
É «a russa, toda nervosa» que «batia as palmas» que «animava Minhoto com gritinhos, com
pancadas de leque.»
«Até a enorme Craben se erguera»
«O Telas da Gama (... ) berrava por «Vladimiro»
«uma linha de homens contra a corda da pista bracejando»
«Algumas senhoras tinham-se posto de pé nas carruagens»
«Dois cavaleiros corriam à desfilada»
«O jóquei inglês (... ) fez silvar triunfantemente o chicote.»
É uma descrição rica de visualismo onde as imagens dos cavalos com, «os olhos esbugalhados»,
os «homens bracejando», os amigos de Godinho «de chapéu no ar», os dois cavaleiros a correr à
desfilada, nos entram pelos olhos dentro para nunca mais se esquecerem.
Na terceira parte do texto verifica-se um estado emocional de desilusão. Ai aparecem os
galicismos «poule», «gris-perle», «chance» a sugerir um cosmopolitismo snob completo pela fala da
ministra da Baviera em francês, língua que Carlos entende perfeitamente.
Ao longo de todo o texto aparecem-nos diminutivos com sentido depreciativo: uns a ridicularizar
os cavalos - «cavalicoque» - outros a satirizar a assistência - «gritinhos», «mãozinhas».
A adjectivação por vezes é emparelhada: «peito largo e fundo», «potro esticado e lustroso» e
frequentemente muito expressiva como quando se refere à «enorme Craben», à «vasta ministra da
Baviera» ou ao «dedo subtil de Steinbroken».
Há recurso aos advérbios de modo derivados de adjectivos, com intenção expressiva:
«chegavam furiosamente»; «brilhar gulosamente»; «fez silvar triunfantemente».

3- Intenções do texto
Com este texto, que constitui um episódio magnífico da comédia de costumes, pretende o autor
criticar o gosto que têm os Portugueses de supervalorizar tudo o que é estrangeiro e de o introduzir nos
nossos costumes, descuidando as necessárias adaptações.
As corridas, que colhem sucesso no estrangeiro, aqui estão condenadas ao malogro, porque tudo se
improvisa e não se criam as condições que garantam o êxito. E, deste modo, vemos corridas tão
aparatosas terminarem apenas com dois cavalos em prova.
Satiriza-se também o patriotismo provinciano e ridículo do Gouvarinho que «estava contente no seu
peito de patriota» e Teles da Gama que «achava aquilo patriótico» por verem, numa corrida de cavalos
nacionais, o prestígio da sua Pátria.
Critica-se ainda o baixo nível da sociedade elegante portuguesa que se deixa entusiasmar por uma
corrida onde os cavalos de raça são ridiculamente substituídos por meros «cavalicoques».

4- Marcas do autor
A fina ironia que domina toda a descrição.
A crítica sarcástica com que atinge determinadas personagens.
O emprego de adjetivos expressivos, colhidos no léxico corrente mas empregados noutro contexto
semântico:
«a vasta ministra da Baviera», «a enorme Craben».
O emprego do advérbio de modo com uma função metafórica: «chegavam furiosamente».
O uso da linguagem coloquial.
O recurso a cenas de movimento, pois até quando se trata de paisagens estáticas, ele tem delas uma
visão animista.
A acumulação de pormenores descritivos que reforçam a visão que temos da realidade.
A existência de indícios que vão urdir-se todos, ao longo d' «Os Maias», na mesma teia, onde Carlos
se irá enredar:
«Vous connaissez le proverbe: heureux au jeu ... »
(A ministra da Baviera lembra a Carlos que se ponha de atalaia porque quem é feliz no jogo é infeliz
nos amores.)

5- Marcas da época
São marcas da época as corridas de cavalos que acabaram por não se enraizar na tradição portuguesa;
a existência de uma aristocracia decadente que por qualquer coisa se entusiasma e vai perdendo a sua
nobreza de outrora; a grande influência da cultura francesa nos nossos hábitos, na nossa língua.
O texto é um documento vivo de uma época que morreu onde havia condes, carruagens de cavalos, o
chapéu estava na moda e as distracções da alta sociedade eram bem diferentes das nossas.

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